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Tcc a religião e a filosofia andre

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Tcc .a religião e a filosofia. André.

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FACULDADE KURIOS-FAK

INSTITUTO SUPERIOR DE ENSINO-ISE

VALIDAÇÃO DE CREDITOS EM TEOLOGIA

ANDRE RICARDO RODRIGUES SOUZA

TCC

RELIGIÃO E FILOSOFIA.

MARANGUAPE – CE

2014

Page 3: Tcc a religião e a filosofia andre

2

FACULDADE KURIOS-FAK

INSTITUTO SUPERIOR DE ENSINO-ISE

VALIDAÇÃO DE CREDITOS EM TEOLOGIA

TCC

RELIGIÃO E FILOSOFIA.

TCC apresentado em cumprimento às exigências

parciais do curso de Graduação em Teologia; Da

Faculdade Kurios-FAK. Para a obtenção do

grau de bacharel em teologia.

MARANGUAPE – CE

2014

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3

DEDICATÓRIA

Ao meu Refúgio, minha Fortaleza, meu

Socorro bem presente na hora da angústia, a Ele, O meu

Deus, por ter me resgatado e sustentado até aqui, tanto

nas horas de alegria como de angústia, Ele foi e sempre

será O meu Rochedo. Obrigado meu Deus por ter me

dado à vitória.

À minha querida mãe, que me ensinou os

primeiros passos de minha vida.

Em Fim A todos aqueles que direta ou

indiretamente contribuíram na realização desta obra. Os

meus sinceros agradecimentos.

MARANGUAPE – CE

2014

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4

AGRADECIMENTOS

Ao meu Refúgio, minha Fortaleza, meu

Socorro bem presente na hora da angústia, a Ele, O meu

Deus, por ter me resgatado e sustentado até aqui, tanto

nas horas de alegria como de angústia, Ele foi e sempre

será O meu Rochedo. Obrigado meu Deus por ter me

dado à vitória.

MARANGUAPE – CE

2014

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FOLHA DE APROVAÇÃO DO TCC Banca Examinadora:

_______________________________________________

Prof. Orientador: Alexsandro Alves.

_____________________________________ Prof. Dr. : Augusto Ferreira da Silva Neto.

___________________________________ Prof. Dr. : Luiz Eduardo Torres Bedoya.

___________________________________ Prof. Dr. : Marlon Leandro Schock.

____________________________________

Prof. Ms. : Ladghelson Amaro dos Santos.

_______________________________________

Graduando: ANDRE RICARDO RODRIGUES SOUZA

Este TCC Foi aprovado em:

________de________________de________

MARANGUAPE – CE

2014

Page 7: Tcc a religião e a filosofia andre

6

RESUMO

Este estudo é resultado de uma análise da obra de Mircea Eliade, “O Sagrado e o

Profano: a essência das religiões”; sendo que utilizou bibliografias complementares no sentido

de auxiliarem a melhor compreensão do pensamento de Eliade. O trabalho está dividido em

cinco capítulos, de modo que em cada um se desenvolve um aspecto específico do tema geral

abordado na obra base deste estudo. No primeiro capítulo faz-se uma introdução ao tema e

são definidos alguns termos utilizados pelo autor. No segundo capítulo se faz uma abordagem

referente a questão do espaço sagrado. O capítulo três traz o aspecto relativo ao tempo

sagrado. No quarto capítulo se aborda a questão voltada a sacralidade da natureza e a religião

cósmica. No quinto e último capítulo se desenvolve a existência humana e vida santificada,

onde se desenvolve o tema partindo do princípio de que o homem reencontra em si mesmo a

santidade que reconhece no Cosmo.

Palavras-chave: Sagrado. Profano. Natureza. Homem. Filosofia. Religião.

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ABSTRACT

This study is the result of an analysis of the work of Mircea Eliade, The Sacred and the

Profane: the essence of religion ", which is used ancillary publications to help it better

understand the thought of Eliade. The work is divided into five chapters, so that each one

develops a particular aspect of the general topic discussed in the work on this study. In the

first chapter is an introduction to the theme and defined some terms used by the author. In the

second chapter is an approach on the issue of sacred space. Chapter three brings the aspect of

the sacred time. In the fourth chapter addresses the question facing the sacredness of nature

and cosmic religion. The fifth chapter develops human existence and sanctified life, which

develops the theme on the assumption that man finds himself in the holiness that recognizes

the Cosmo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 09

1 O ÂMBITO DO TRANSCENDENTE .......................................................................... 12

2 O ESPAÇO SAGRADO ................................................................................................. 21

3 O TEMPO SAGRADO .................................................................................................. 30

4 A SACRALIDADE DA NATUREZA E A RELIGIÃO CÓSMICA ......................... 34

5 EXISTÊNCIA HUMANA E VIDA SANTIFICADA .................................................. 40

CONCLUSÃO .................................................................................................................... 49

REFERÊNCIAS BÍBLIOGRAFICAS ............................................................................ 53

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INTRODUÇÃO

A origem dos estudos sobre a primeira forma das religiões remonta para a metade do

século XIX. Quase na sua totalidade, todos os países europeus acompanharam o movimento e

a evolução da ciência da religião focando „as religiões primitivas‟. Aos poucos as

bibliografias, os dicionários e as enciclopédias pouco a pouco foram se multiplicando e se

tornaram as principais fontes de consulta sobre a disciplina. A difusão dos cultos orientais e

das religiões dos mistérios no Império Romano assim como o sincretismo religioso que daí

resultou favoreceu o conhecimento das religiões exóticas e as investigações sobre as

antiguidades religiosas dos diversos países, sobretudo na Alexandria.

Para os apologistas e os heresiarcas cristãos, a questão se colocava num outro plano,

pois os múltiplos deuses do paganismo eles opunham o deus único da religião agora revelada.

Por eles era necessário, demonstrar, por um lado a origem sobrenatural do cristianismo e, por

conseqüência, a sua superioridade e por, outro lado tinham que explicar a origem dos deuses

pagãos, sobretudo a idolatria do mundo pré-cristão. A eles também cabia a explicação das

semelhanças entre as religiões dos mistérios e o cristianismo, o que não era tarefa fácil.

As descobertas geográficas dos séculos XV e XVI abriram novos horizontes ao

conhecimento do homem religioso. As novas narrativas dos primeiros exploradores foram

agrupadas em pequenas coletâneas e obtiveram grande sucesso entre os eruditos europeus,

sendo publicadas pelos missionários da América. Esta era uma tentativa de comparação entre

as religiões do Novo Mundo e a Antiguidade.

Atualmente os historiadores das religiões estão divididos entre duas orientações

metodológicas diferentes, mas complementares: uns concentram sua atenção principalmente

nas estruturas específicas dos fenômenos religiosos, enquanto outros mostram interesse e

preferência pelo contexto histórico desses fenômenos.

Neste contexto se encontra Eliade, que se esforça por classificar o caráter específico

dessa experiência terrífica e irracional que é o sagrado. Ele descobriu o sentimento de pavor

diante do sagrado e uma superioridade esmagadora de poder.

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Para Eliade, o sagrado se manifesta sempre como uma realidade inteiramente diferente

das realidades „naturais‟. O autor se propõe a apresentar o fenômeno do sagrado em toda a sua

complexidade, oferecendo como primeira definição de sagrado, que ele se opõe ao profano.

E segue fazendo afirmações como a de que “O homem toma conhecimento do sagrado

porque se manifesta” (ELIADE, 1992, p. 17). Sendo que hierofania é o ato da manifestação

do sagrado. Inclusive a própria história das religiões, desde as mais primitivas às mais

elaboradas, é constituída por um número considerado de hierofanias, pelas manifestações das

realidades sagradas.

Assim, buscando realizar uma breve análise do Sagrado e do Profano expressos na

obra de Eliade é que se desenvolveu este trabalho monográfico, que se apresenta composto

por cinco capítulos desenvolvidos a partir da obra de Eliade.

No primeiro capítulo, “o âmbito do transcendente”, se faz uma abordagem geral sobre

alguns conceitos básicos para a compreensão do pensamento de Eliade, como numinoso,

mysterium tremendum, hierofanias e outros termos voltados a concepção do sagrado.

No capítulo 2, se traz o tema “o espaço sagrado”, pois segundo Eliade, num mundo

capaz de tornar-se sagrado, seria vão falar acerca do espaço sagrado sem mostrar como se

constrói um tal espaço e por que é que tal espaço se torna qualitativamente diferente do

espaço profano que o cerca.

“O tempo sagrado” é o assunto abordado no capítulo terceiro. Neste capítulo se

procura desenvolver as idéias de Eliade no que diz respeito ao tempo para o homem religioso,

o qual viveria, segundo o autor, em duas espécies de tempo, das quais a mais importante, o

tempo sagrado se apresenta sob o aspecto paradoxal de um tempo circular, reversível e

recuperável, espécie de eterno presente mítico que o homem reintegra periodicamente pela

linguagem dos ritos. Esse comportamento em relação ao tempo basta para distinguir o homem

religioso do homem não religioso.

No quarto capítulo se aborda a questão voltada “a sacralidade da natureza e a religião

cósmica”. Neste capítulo se parte da idéia de que para o homem religioso, a natureza nunca é

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exclusivamente “natural”. Ela está sempre carregada de um valor religioso. O mundo é

impregnado de sacralidade. Ele não é um caos, mas um cosmo e se revela como obra dos

deuses. O cosmo é ao mesmo tempo um organismo real, vivo e sagrado: revela as

modalidades do ser e da sacralidade.

O capítulo cinco desenvolve a “existência humana e vida santificada”, onde se

desenvolve o tema partindo do princípio de que o homem reencontra em si mesmo a santidade

que reconhece no Cosmo. É evidente que sua vida possui uma dimensão a mais: não é apenas

humana, é ao mesmo tempo “cósmica”, visto que tem uma estrutura trans-humana.

Todo este estudo está baseado na obra de Mircea Eliade, “O Sagrado e o Profano: a

essência das religiões”, sendo que utilizou bibliografias complementares no sentido de

auxiliarem a melhor compreensão do pensamento de Eliade.

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1 O ÂMBITO DO TRANSCENDENTE

Diversos autores estudaram o tema do Sagrado, especialmente a partir do século XIX;

dentre eles destacam-se F. M. Muller que iniciou o estudo dos mitos e das religiões a partir da

filologia comparada; G. van der Leeuw, que entendia a experiência religiosa como uma

experiência do poder transcendente que busca sua realização; Émile Durkheim, que mostrou o

fato religioso como uma das bases essenciais da sociedade, sendo um dos fundadores da

chamada antropologia religiosa e, de modo especial, Rudolf Otto e Mircea Eliade.

Na concepção de Rudolf Otto, pastor, teólogo, filósofo e

professor alemão (1869-1937), o Sagrado adquire um caráter

ambivalente e paradoxal; assim, ele se configura a partir de

algumas características, como a numinosidade1, o misterioso, a

majestade, o fascínio e, também, o medo, o respeito e a

reverência. Segundo Otto (apud BIRCK, 1993), o contato do

homem com a realidade do sagrado por meio das experiências

religiosas, promove o que denominamos de ambivalência do

sagrado, onde este se apresenta, ao mesmo tempo, temeroso, e

fascinante.

Procurando encontrar uma forma de acesso racional ao sagrado, limitado este ao

campo do religioso, Rudolf Otto (apud BIRCK, 1993) desenvolve um extenso estudo da

construção deste conceito nas diversas religiões. Apresentado-o, portanto, como uma

categoria, de interpretação e avaliação exclusiva e complexa. O termo categoria é empregado

pelo autor em seu sentido primeiro, como noção fundamental. A complexidade do sagrado

decorre principalmente de sua composição: o elemento irracional, o numinoso, e o elemento

racional, o predicador. Somente uma imperiosa necessidade racional é capaz de estabelecer a

interconexão entre os dois termos, o que acontece pela esquematização.

Assim, ao abordar o sagrado do ponto de vista fenomenológico,

1 Numen=divindade (BIRCK, 1993).

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Otto (apud BIRCK, 1993), define-o como sendo o

sentimento de “mistério terrível e fascinante”. Não podendo

localizar a origem desse sentimento, define-o como a priori,

mas, não inato. E distingue três modalidades cognitivas de

apreensão do sagrado: os apreciadores (adeptos); os profetas

(produtores de religião) e os personificadores, aqueles que

chegam a condição de filhos da divindade.

O tremendum é o tremendo, o todo-poderoso, a energia; o misterium é o

qualitativamente diferente (vivenciado como o totalmente outro), e o fascinans. A palavra

sagrado já seria religiosa porque sugere o inefável e o belo, termos não conceituais, superando

as conotações racionais e éticas, apresentando-se como algo objetivo e externo ao eu. Não

podendo ser definido nem ensinado; deve ser evocado ou despertado no sentimento e descrito

por analogia ou metáfora. As características do sagrado são sintetizadas na palavra numinoso.

O objeto para o qual o numinoso se dirige é o mysterium tremendum, a vivência de terror

diante do poder do diferente e do fascinante, o sentimento de criatura diante do criador.

O numinoso (o sagrado) é, antes de tudo, interpretação e avaliação do que existe no

domínio exclusivamente religioso. Trata-se de categoria complexa, pois passa por vários

domínios, a exemplo da ética e da estética, mas guarda um diferencial irracional porque não

acessível à compreensão conceitual, nesse sentido o sagrado é inefável. De acordo com Otto:

(apud BIRCK, 1993), a religião não se

esgota em enunciados racionais ou no ato de

evidenciar a relação de seus elementos para

decifrá-la.

O elemento vivo em todas as religiões é a idéia de bem absoluto, que é o sagrado e o

santo como resultado final da esquematização e da saturação ética de um sentimento original

e específico, que Otto:

(apud BIRCK, 1993) chama de numinoso dizendo: falo

de uma categoria numinosa como uma categoria especial de

interpretação e de avaliação, um estado de alma que se

manifesta quando essa categoria é aplicada, isto é, cada vez que

um objeto é concebido como numinoso.

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Não se pode compreender o que é esse estado de alma, a não ser chamando a atenção

do ouvinte para a possibilidade desse sentimento, fazendo-o encontrar em sua vida íntima o

ponto onde ele surge e se torna consciente.

Conforme Birck (1993),

o extenso e completo estudo realizado por Otto centra-se

em sua concepção do sagrado como uma categoria a priori, de

base kantiana. Afirma Kant que todo o conhecimento tem início

na experiência, ao mesmo tempo em que não é possível

comprovar que todo ele seja proveniente da experiência. Há uma

diferenciação entre o conhecimento originário das impressões

sensíveis, diretas do mundo exterior, o empírico, e o que

acontece a priori, a partir de um estímulo exterior que incita uma

capacidade interna de conhecer.

Assim, para Otto esta é a uma fonte de conhecimento muito profunda que existe

originalmente na alma. Não pode ser considerada independente de dados exteriores ou

anteriores às experiências sensíveis, mas coloca-se nelas e entre elas, surge a partir delas,

indiretamente. É uma disposição, ou mais exatamente uma predisposição para o alcance de

conhecimentos através dos sentimentos, uma espécie de fonte ou princípio gerador, uma

forma de conhecimento a priori.

O numinoso bem como os sentimentos dele decorrentes pertencem à categoria de

conceitos puros do entendimento, não originários da percepção sensível, como não o são

também as idéias de perfeição, entidade, necessidade e absoluto, dentre outras. Portanto não

devem ser tomados por resultado de percepções, ou modificação de percepções em conceitos,

mas como uma faculdade da alma, um impulso interno. Afirma Otto que existe no ser humano

um instinto religioso, uma predisposição da razão humana, um princípio fundamental que o

torna propenso ao sentimento religioso. Esta predisposição para a experiência do sagrado é

própria do espírito do homem, caracteriza-se como um conhecimento a priori que o torna um

espírito impressionável, capaz de descobrir e de se deixar cativar, revelar.

Page 16: Tcc a religião e a filosofia andre

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Otto (apud BIRCK, 1993) traduz esta experiência religiosa usando a expressão

“mysterium tremendum et fascinans”2. A observação do próprio Otto expressa o sentido do

Mistério na compreensão do sagrado:

O objeto realmente misterioso é incompreensível e inconcebível não

apenas porque o meu conhecimento relativo deste objeto tem limites

determinados e inflexíveis, mas porque meus limites chocam-se com

alguma coisa qualitativamente diferente, uma realidade que, por sua

natureza e essência, é incomensurável e diante da qual eu manifesto o

meu estupor (BIRCK, 1993, p. 42)

Vê-se que diante de tal qualidade afloram os dois pólos estruturantes na vivência

humana da realidade (seja esta transcendente ou imanente), a saber: o medo (mysterium

tremedum) e o desejo (mysterium fascinans).

Segundo Otto (apud BIRK, 1993),

Estes dois elementos, tremendum e fascinans, são

necessários para a verdadeira experiência religiosa, e

quando eles se dissociam não se pode mais falar de

experiência religiosa genuína.

O Sagrado, representado pela categoria do numinoso, reveste-se, igualmente, de dois

aspectos: o irracional e o racional, que, ainda que contrários, não são contraditórios. Aspecto

irracional, para Otto, não é algo contrário à razão, mas, sim, algo acima da razão: supra-

racional. O Sagrado é aquilo que transcende a razão humana e resiste a qualquer redução

racional, constituindo propriamente o numinoso ou o inteiramente outro. Já o aspecto racional

do Sagrado é tudo o que pode ser reduzido a categorias de pensamento; temos aí o âmbito dos

símbolos como manifestações sensíveis que possibilitam a vivência e a relação com o

numinoso. (BIRCK, 1993).

Esclarece que por irracional, ao contrário do que pode parecer à primeira vista,

entende o que é singular e não passível de explicação conceitual, parte de uma obscura

2 mysterium tremendum et fascinans = mistério terrível e fascinante (BIRCK, 1993).

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profundidade. Já o racional no sagrado ou divino, é o que o nosso entendimento apreende e

interpreta, o que nos é familiar e pode ser explicitado num conceito, campo de pura clareza.

Mircea Eliade (1992) aproveita-se de um

importante lastro de conhecimento produzido por tantos

estudos sobre o tema, acaba fundamentando o seu

pensamento acerca do Sagrado, baseando-se

especialmente na história das religiões, na

fenomenologia da religião.

Ao estudar o sagrado e o profano, Mircea Eliade (1992) parte do enfoque de Rudolf

Otto, em seu livro Das Heilege, em que o autor deixa de lado o lado racional e especulativo

da religião, concentrando-se sobretudo o seu lado irracional. Ou seja, a visão de Deus não

como uma idéia, uma noção, mas como um poder terrível. Nesta experiência irracional, Otto

delineia caracteres como o sentimento de pavor diante do sagrado, diante deste mysterium

tremendum, ou seja, das experiências que Rudolf Otto chama de numinosas, porque são

provocadas pela revelação de um aspecto do poder divino.

Birck (1993) observa que Otto procura trazer para a

filosofia da religião e para a teologia contemporânea o elemento

não-racional da religião distorcido pela racionalização

descomedida dos últimos duzentos anos, justamente o

componente que aponta para uma natureza supra-racional. No

entanto, não pretende ele excluir a religião do domínio racional,

mas realçar sua parte originária não-conceitual, do Deus

inefável.

Mas Eliade (1992) propõe-se a apresentar o fenômeno do sagrado, em toda a sua

complexidade, e não apenas no que ele comporta de irracional. Não é a relação entre os

elementos não-racional e racional da religião que nos interessa, mas sim o sagrado na sua

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totalidade. O sagrado manifesta-se sempre como uma realidade de uma ordem inteiramente

diferente da das realidades naturais. E a primeira definição que ele dá ao sagrado é que ele se

opõe ao profano.

Para Mircea Eliade (1992), o sagrado e o profano

designam duas modalidades de estar no mundo. Ao manifestar-

se o sagrado revela as modalidades do ser e da divindade

caracterizadas por classes de hierofanias (aparições do sagrado)

uraniana (celeste), aquática, vegetal ou antropomórfica. Ao

manifestar-se o sagrado historiciza-se, ou seja, expressa-se de

acordo com as características sócio-culturais, históricas, da

sociedade na qual se manifesta.

A sua concepção de Sagrado ganhou relevância não apenas por seu conteúdo e

fundamentos, mas, prioritariamente, pela introdução do conceito de Profano em oposição ao

Sagrado. “Ora, a primeira definição que se pode dar ao Sagrado é que ele se opõe ao Profano"

(ELIADE, 1992, p. 16-17).

O Profano é o comum, o secular, algo destituído de um significado que remeta à

realidade transcendente; enquanto o Sagrado, por outro lado, com o seu status discriminatório,

é o incomum, aquilo que está à parte, que, necessariamente, se traduz como uma ponte para a

realidade última. Dessa forma, o homem, na concepção de Eliade (1992, p. 17) "toma

conhecimento do sagrado porque este se „manifesta‟, mostra-se como qualquer coisa de

absolutamente diferente do profano".

Para esta manifestação do Sagrado, Eliade (1992) dá o nome de “hierofania”, isto é,

algo de sagrado se nos revela.

O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações

existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua história. Apresentando as dimensões

específicas da experiência religiosa, salientar suas diferenças com a experiência profana do

mundo.

Assim sendo, o Sagrado, segundo Eliade (1992), levando em consideração o exposto

por Piazza (1983, p. 133),

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18

não é uma 'idéia', ou seja, uma expressão puramente conceitual do

homem que ele faz do mistério da vida e do universo, mas uma

'experiência' de algo que se manifesta e ao mesmo tempo se oculta no

mundo sensível. Tanto é assim que o sagrado permanece idêntico a si

mesmo, embora assuma vários aspectos fenomenológicos segundo as

várias condições de vida do homem – pastores, caçadores,

agricultores. [...] Ou, por outra, o homem interpreta a sua experiência

do Sagrado segundo as estruturas culturais em que vive, mas a

experiência do Sagrado apresenta-se em todas estas culturas como

algo que transcende. Assim, o animista interpreta a experiência do

sagrado como uma força vital – o mana –, enquanto o xamã vê no

sagrado a manifestação de potências celestes.

Enfatizando a expressão "hierofania", manifestação do sagrado, Eliade (1992) afirma

que a história de todas as religiões, desde as mais primitivas às mais elaboradas, é constituída

por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas. A

partir da mais elementar hierofania, por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto

qualquer, uma pedra ou uma árvore, é a instauração do Sagrado no mundo a partir da

valoração que o homem faz de certos conteúdos de sua vivência do Cosmo.

A compreensão de Eliade sobre as formas em que eram percebidas tais hierofanias é

um bom exemplo para se ilustrar o seu caráter essencialmente simbólico. E argumenta:

Não se trata de uma veneração da „pedra como pedra‟, de

um culto da „árvore como árvore‟. A pedra sagrada e a

árvore sagrada não são adoradas como pedra ou como

árvore, mas justamente porque são „hierofanias‟, porque

„revelam‟ algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas

o „sagrado, o ganz andere‟ (ELIADE, 1992, p. 18).

A hierofania exprime o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que

algo de sagrado se nos revela. O homem ocidental moderno experimenta um certo mal estar

diante de inúmeras formas de manifestações do sagrado. Por exemplo, para ele é difícil aceitar

o sagrado em manifestações em pedras ou em árvores. A pedra sagrada ou a árvore sagrada

não são adoradas como pedra ou como árvore, mas porque são hierofanis, porque revelam

algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas o sagrado, o ganz andere.

O símbolo religioso de qualquer espécie expressa essa mesma característica das

hierofanias;

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19

como coloca Alves (2001, p. 24), “é testemunha das

coisas ainda ausentes”. Dessa forma, não haveria experiência do

sagrado caso este não se limitasse a uma realidade sensível

vivida pelo homem religioso apenas através do símbolo, seja

este uma hierofania (elemento natural do cosmo), seja este um

objeto profano.

É bem claro no pensamento de Eliade (1992) que, mesmo manifestando o sagrado,

qualquer objeto se torna outra coisa, porém continua a ser ele mesmo. Desta forma, mesmo

uma pedra sagrada nunca deixaria de ser pedra em si, já que, se ela for vista com o olhar

profano, nada evidenciará diferença das demais pedras. Uma pedra para ser sagrada deve

cumprir o papel de mediação com o sagrado, só desse modo ela trans-significa; ou seja, “a sua

realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural" (1992, p. 18). Sendo assim,

não é qualquer objeto ou elemento da natureza que pode ter o caráter simbólico de evidenciar

uma realidade sobrenatural. Um objeto só ganha o status de símbolo quando este possui certas

características que “falam” de algum aspecto do sagrado. Em outros termos, “É a maneira de

se manifestar ou a forma de um objeto e a maneira de agir de um ser vivente (uma árvore, um

animal ou um ser humano) o que conduz a um outro aspecto do sagrado, manifestado

justamente sobre essa dimensão” (CROATO, 2001, p. 88).

Quando o sagrado se manifesta por uma hierofania qualquer, não só há rotura na

homogeneidade do espaço, como também revelação de uma realidade absoluta, que se opõe à

não realidade da imensa extensão envolvente. A manifestação do sagrado funda

ontologicamente o mundo. Na extensão homogênea e infinita onde não é possível nenhum

ponto de referência, e onde nenhuma orientação pode efetuar-se, a hierofania revela um

“ponto fixo” absoluto, um centro.

Percebe-se que, a partir da estruturação do conceito de sagrado em Eliade (1992), a

diferença entre um objeto profano ou sagrado é meramente uma questão de posicionamento

com relação a este.

A história demonstra que o sagrado e o profano são duas modalidades de ser no

mundo,

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20

duas situações existenciais assumidas pelo homem ao

longo da sua história. Esses modos de ser no mundo não

interessam unicamente à história das religiões ou à

sociologia, não constituem apenas o objeto de estudos

históricos, sociológicos, etnológicos. Em última

instância, os modos de ser „sagrado e profano‟ dependem

das diferentes posições que o homem conquistou no

Cosmo, e, conseqüentemente, interessam não só ao

filósofo, mas também a todo investigador desejoso de

conhecer as dimensões possíveis da existência humana

(ELIADE, 1992, p. 20).

Deste modo, Eliade (1992) afirma que há dois modos de ser no mundo. Para a

consciência moderna, um ato fisiológico não é mais do que um fenômeno orgânico, mesmo

que ainda esteja repleto de tabus. Mas, para o primitivo, um tal ato nunca é simplesmente

fisiológico; é , ou pode se tornar um sacramento, ou seja, uma comunhão com o sagrado.

2 O ESPAÇO SAGRADO

Paralelamente à perspectiva do sagrado a partir das hierofanias, Eliade (1992)

estrutura seu conceito de sagrado também a partir da análise do espaço e do tempo sagrado.

Segundo ele, o homem religioso pensa o espaço de maneira heterogênea e o diferencia em

função de suas qualificações. Existe, portanto, o espaço sagrado, real e de forte significado, e

aquele outro espaço, indefinido, sem qualquer expressão ou consciência, o espaço profano.

Esta heterogeneidade do espaço, advinda da experiência religiosa, indica uma “experiência

primordial”, homóloga à "fundação do mundo", pois é a ação do corte espacial que descobre e

determina o "ponto fixo", o centro por meio do qual emana o sagrado como realidade

absoluta.

O espaço sagrado tem um valor existencial para o homem religioso: valor cosmológico

de orientação ritual e da construção do espaço sagrado. Porque nada pode começar, nada se

pode fazer sem uma orientação prévia; e toda orientação implica na aquisição de um ponto

fixo.

Page 22: Tcc a religião e a filosofia andre

21

O espaço, para a experiência profana, é homogêneo e neutro. O espaço geométrico

pode ser cortado e delimitado seja em que direção for. O que interessa à investigação de

Eliade (1992) é a experiência do espaço tal como é vivida pelo homem não-religioso, que

assume unicamente uma experiência “profana”, purificada de toda pressuposição religiosa. O

homem que escolheu a vida profana não consegue suprimir completamente o comportamento

religioso. Até a essência mais dessacralizada conserva ainda traços de uma valorização

religiosa do mundo.

A revelação do espaço sagrado permite que se obtenha um “ponto fixo”, possibilitando

a orientação na homogeneidade caótica, a “fundação do mundo”, o viver real.

Existem locais privilegiados, qualitativamente diferentes dos outros: a paisagem natal ou

sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na

juventude; são “lugares sagrados” do seu universo privado,

como se neles um ser não religioso tivesse tido a revelação de uma outra realidade,

diferente daquela que participa em sua experiência cotidiana.

A não-homogeneidade do espaço, vivida pelo homem religioso, pode fazer apelo a

qualquer religião. Eliade (1992) escolheu como exemplo uma igreja, numa cidade moderna.

Para um crente, essa igreja faz parte de um espaço

diferente da rua onde ela se encontra. A porta que se abre

para o interior da igreja significa, de fato, uma solução

de continuidade. O limiar que separa os dois espaços

indica ao mesmo tempo a distancia entre os dois modos

de ser, profano e religioso. (ELIADE, 1992, p. 28).

Deste modo, percebe-se que toda orientação implica a aquisição de um ponto fixo. É

por essa razão que o homem religioso sempre se esforçou por estabelecer-se no centro do

mundo, e para viver no mundo é preciso fundá-lo e nenhum mundo pode nascer no caos da

homogeneidade e da relatividade do espaço profano. É preciso acrescentar também que uma

tal existência profana jamais se encontra no estado puro. Seja qual for o grau de

dessacralização do imundo a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana

não consegue abolir completamente o comportamento religioso. A revelação de um espaço

Page 23: Tcc a religião e a filosofia andre

22

sagrado permite que se obtenha “um ponto fixo”, possibilitando na orientação homogeneidade

caótica o viver real. Ao contrário, da experiência profana que mantém a homogeneidade e a

relatividade do espaço.

A porta é o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam, onde se pode

realizar a passagem do mundo profano para o mundo sagrado.

Uma função análoga é transferida para o limiar das habitações humanas, e é por essa

razão que a casa goza de tanta importância. Numerosos ritos acompanham a passagem do

limiar, da porta, doméstico: respeito ou prosternações, toques devotados com a mão entre

outros. O limiar mostra de uma maneira imediata e concreta a solução de continuidade do

espaço trata-se de um símbolo, por isso sua grande importância religiosa, e ao mesmo tempo,

de um veiculo de passagem.

“No interior do recinto sagrado, o mundo profano é transcendido” (ELIADE, 1992, p.

29).

Isso ocorre em numerosas religiões, o templo estabelece uma abertura para o alto e

assegura a comunicação como o mundo dos deuses. Desta forma, todo espaço sagrado dá a

entender uma hierofania, uma invasão do sagrado que tem como resultado destacar um

território do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente. Muitas vezes

nem há necessidade de uma teofania ou de uma hierofania propriamente ditas: um sinal basta

para indicar a sacralidade do lugar. É que o sinal portador de significação religiosa introduz

um elemento absoluto e põe fim à relatividade e à confusão.

Para por em evidência a não homogeneidade do espaço como ela é vivida pelo homem

religioso, pode-se fazer apelo a qualquer religião. Em algumas religiões os templos se

constituem em uma abertura para o alto e assegura a comunicação com o mundo dos deuses.

Deste modo, a teofania consagra um lugar pelo próprio fato de torná-lo aberto para o

alto, comunicante com o céu, ponto paradoxal de passagem de um modo de ser a outro,

lugares de passagem entre o céu e a terra. Existem diferentes meios pelos quais o homem

religioso recebe a revelação de um lugar sagrado e que revela um ponto fixo.

Page 24: Tcc a religião e a filosofia andre

23

O sagrado é o real por excelência, ao mesmo tempo poder, eficiência, fonte de vida e

fecundidade. O desejo do homem religioso de viver no sagrado equivale, ao seu desejo de se

situar na realidade objetiva, de não se deixar paralisar pela relatividade sem fim das

experiências puramente subjetivas, de viver num mundo real e eficiente e não numa ilusão.

Para o homem religioso todo o mundo é um mundo sagrado.

No entanto, os homens não são livres de escolher o terreno sagrado, que os homens

não fazem mais do que procurá-lo e descobri-lo com a ajuda de sinais misteriosos. O homem

religioso recebe a revelação de um lugar sagrado. Em cada um desses casos, as hierofanias

anulam a homogeneidade do espaço e revelaram um “ponto fixo”. O sagrado é o real por

excelência, ao mesmo tempo poder, eficiência, fonte de vida e fecundidade. No desejo do

homem religioso de mover-se unicamente num mundo santificado, ou seja, num espaço

sagrado. Essa é a razão para a elaboração de técnicas de orientação, que são técnicas de

construção do espaço sagrado. Eliade afirma que não se deve crer que se trate de um trabalho

humano, que é graças ao seu esforço que o homem consegue consagrar um espaço. O ritual

pelo qual o homem constrói um espaço sagrado é eficiente à medida que ele reproduz a obra

dos deuses. “[...] então logo nos daremos conta de que o “mundo” todo é, para o homem

religioso, um „mundo sagrado‟”. (ELIADE, 1992, p. 32).

Assim, diferentemente da experiência profana, em que o espaço é homogêneo e

neutro, o homem religioso “funda ontologicamente” o seu mundo em uma definição de

centro, de um ponto fixo, revelado por uma hierofania. Nesse sentido, vê-se que o espaço

sagrado é, acima de tudo, um ponto de referência para a vivência de um “cosmo” repleto de

significações em oposição ao caos de uma realidade profana.

À primeira vista, essa rotura no espaço parece

conseqüência da oposição entre um território

habitado e organizado, portanto „cosmizado‟, e o

espaço desconhecido que se estende para além de

suas fronteiras: tem-se de um lado o „Cosmo‟ e de

outro um „Caos‟. Mas é preciso observar que, se

todo território habitado é um „Cosmo‟, é

justamente porque foi consagrado previamente,

porque, de um modo ou de outro, este território é

obra dos deuses ou está em comunicação com o

mundo deles (ELIADE, 1992, p. 33).

Page 25: Tcc a religião e a filosofia andre

24

O caracteriza as sociedades tradicionais é a oposição que elas subentendem entre o seu

território habitado e o espaço desconhecido e indeterminado que as cerca: é o mundo, mais

precisamente o nosso mundo – o Cosmo; e o restante já não é um cosmo, mas uma espécie de

outro mundo, um espaço estrangeiro, povoado de espectros, demônios e outros. O ocupar de

um território já habitado por outros seres humanos, a tomada de posse ritual deve, de qualquer

modo, repetir a cosmogonia. Porque da perspectiva das sociedades arcaicas, tudo o que não é

o nosso mundo, não é ainda um mundo. Não se faz nosso um território senão criando-o de

novo ou consagrando-o. A ereção da cruz, na descoberta do Brasil, pelos portugueses equivale

a consagração da região, e portanto, de certo modo, a um “novo nascimento” (II Co. 5.17,

Bíblia Sagrada). A terra recentemente descoberta era renovada, recriada pela cruz.

Através da rotura dos níveis, terra, céu e regiões inferiores se torna possível a

comunicação. A comunicação com o céu é expressa por certo número de imagens referentes

todas elas ao Axis Mundi. E este simbolizado por vários exemplos: pilar, escada, montanha,

árvore, cipós e outros, em torno desse eixo cósmico estende-se o mundo ou “umbigo da

terra”.

Encontra-se por toda a parte o simbolismo do centro do mundo, e é ele que, na maior

parte dos casos, permite compreender o comportamento religioso em relação ao “espaço em

que se vive”. Analisando o exemplo das montanhas, que em algumas culturas são a ligação

entre a terra e o céu. As montanhas de alguma forma, tocam o céu e marca o ponto mais alto

do mundo; daí resulta, pois, que o território que a cerca, e que constitui o “nosso mundo”, é

considerado como a região mais alta e “consagrado” como sagrado. A palestina está repleta

destas montanhas “sagradas”, não só para muçulmanos mas como também para os cristãos.

Todas essas crenças um mesmo sentimento, que é profundamente religioso. “Nosso mundo, é

uma terra santa porque é o lugar mais próximo do céu, daqui podemos alcançar o céu”,

afirmam.

Conforme Eliade (1992) deve-se entender que a cosmização dos territórios

desconhecidos é sempre uma consagração: organizando um espaço, reitera-se a obra exemplar

dos deuses. Exemplifica-se isso com o dos achilpas, uma tribo indígena no México, que

cosmizou o seu território, nos tempos míticos. Numbakula, um de seus líderes, do tronco de

uma árvore da goma, moldou o poste sagrado (kauwa auwa), e depois de o ter ungido com

sangue, trepou por ele e desapareceu no céu. Esse poste representa um eixo cósmico, pois foi

Page 26: Tcc a religião e a filosofia andre

25

a volta dele que o território se tornou habitável transformando-se num “mundo sagrado”. É

graças ao poste que os achilpas acreditam poder comunicar-se com o domínio celeste. Não se

pode viver no “Caos”. Uma vez perdido o contato com o transcendente, a existência no

mundo já não é possível. Os acilpas se deixam morrer no momento da perda do contato.

Quando a instalação é permanente implica numa decisão vital que compromete a existência de

toda uma comunidade.

Parece-nos que se impõe uma conclusão: o homem

religioso desejava viver o mais perto possível do Centro

do Mundo. [...] mas queria também que sua própria casa

se situasse no Centro e que ela fosse uma imago mundi.

[...] acreditava-se que as habitações situavam-se de fato

no Centro do Mundo e reproduziam, em escala

microcósmica, o Universo. [...] o homem das sociedades

tradicionais só podia viver num espaço „aberto‟ para o

alto, onde a rotura de nível estava simbolicamente

assegurada e a comunicação com o outro mundo, o

mundo transcendental, era ritualmente possível. [...]

sejam quais forem as dimensões do espaço que lhe é

familiar e no qual ele se sente situado [...] o homem

religioso experimenta a necessidade de existir sempre

num mundo total e organizado, num Cosmo (ELIADE,

1992, p. 43).

Eliade cita o que Rabbi bin Gorion afirma do rochedo de Jerusalém que “ele se chama

Pedra angular da terra, que dizer, o umbigo da Terra, pois foi a partir dali que toda a Terra se

desenvolveu” (ELIADE, 1992, p. 44). O centro é justamente o lugar onde o espaço se torna

sagrado, real por excelência.

A idéia de construir uma aldeia a partir de um cruzamento, ou seja, tendo um ponto

central, decorrer do conceito de que o Universo se desenvolve a partir de um Centro e se

estende na direção dos quatro pontos cardeais. No ponto central da aldeia, deixava-se um

espaço vazio onde posteriormente se construía a “casa cultual, cujo telhado representa

simbolicamente o Céu” (ELIADE, 1992, p. 45).

Há muitos exemplos onde se percebe a retomada do simbolismo cósmico da aldeia nas

estruturas de casas cultuais e santuários. Eliade cita o exemplo da Nova Guiné, no qual “a

„casa dos homens‟ encontra-se no meio da aldeia: o telhado representa a abobada celeste, as

quatro paredes correspondem às quatro direções do espaço” (ELIADE, 1992, p. 45). O autor

entende que “a construção ritual do espaço é sublinhada por um triplo simbolismo” (ELIADE,

Page 27: Tcc a religião e a filosofia andre

26

1992, p. 45), sendo o teto a representação do Céu; o soalho representa a terra; e as quatro

portas, quatro janelas, quatro paredes e as quatro cores significam os quatro pontos cardeais,

ou as quatro direções do espaço cósmico.

Eliade não se surpreende em encontrar representação similar na Itália antiga e entre os

antigos germanos. “O mundus romano era uma fossa circular, dividida em quatro [...]

evidentemente equiparado ao omphalos, ao umbigo da Terra: a Cidade (Urbs) situava-se no

meio do orbis terrarum.” (ELIADE, 1992, p. 46). Nas cidades germânicas, encontra-se um

esquema semelhante onde “a instalação de um território equivale à fundação de um mundo.”

(ELIADE, 1992, p. 46).

Eliade entendeu que, sendo o “nosso mundo” um Cosmo, qualquer ataque exterior a

ele ameaça, “transforma-o em Caos” (ELIADE, 1992, p. 46). E, portanto, “os adversários que

o atacam são equiparados aos inimigos dos deuses, aos demônios, e sobretudo ao

arquidemônio” (ELIADE, 1992, p. 46). Por isso, muitas vezes, construíam-se defesas como

fossas, labirintos, muralhas etc; com a finalidade “de impedir a invasão dos demônios e das

almas dos mortos mais do que os ataques dos homens” (ELIADE, 1992, p. 47). Na Idade

Média, no Ocidente, “os muros das cidades eram consagrados ritualmente como uma defesa

contra o Demônio, a Doença e a Morte” (ELIADE, 1992, p. 48).

Parece simpática e conclusiva a idéia de que o homem religioso desejava viver o mais

perto possível do centro do mundo. O homem das sociedades tradicionais só podia viver num

espaço “aberto” para o alto, onde a rotura do nível estava simbolicamente assegurada e a

comunicação com o outro mundo, o mundo transcendental, era ritualmente possível.

Nas civilizações orientais, o templo recebeu uma nova e importante valorização: não é

somente uma imago mundi, mas também a reprodução terrestre do modelo transcendente. O

judaísmo herdou essa concepção paleoriental do Templo como a cópia de um arquétipo

celeste.

[...] se o Templo constitui uma imago mundi,é porque o

Mundo como obra dos deuses, é sagrado. Mas a estrutura

cosmológica do Templo permite uma nova valorização

religiosa: lugar santo por excelência, casa dos deuses, o

Templo ressantifica continuamente o Mundo, uma vez

Page 28: Tcc a religião e a filosofia andre

27

que o representa e o contem ao mesmo tempo. (ELIADE,

1992, p. 56).

Os Templos, como modelos transcendentes, gozam de uma existência espiritual,

incorruptível, celeste. Geralmente os projetos são revelados por sonhos.

Os modelos do tabernáculo, de todos os utensílios sagrados e do Templo, do povo de

Israel, foram criados por Deus desde a eternidade e Deus foi quem os revelou aos seus eleitos.

Todo esse simbolismo foi retomado na basílica cristã e posteriormente na catedral. A

igreja é concebida como imitação da Jerusalém celeste e, ao mesmo tempo, reproduz

igualmente o Paraíso ou o mundo celeste. Mesmo assim, ainda se percebe a cosmologia do

edifício sagrado.

Nas grandes civilizações orientais o templo recebeu uma nova e importante

valorização, é a reprodução terrestre de um modelo transcendente. É provável que se tenha

nessa idéia uma das últimas interpretações que o homem religioso deu à experiência primária

do espaço sagrado em oposição ao espaço profano. A basílica cristã, e mais tarde a catedral,

retoma e prolonga todos os simbolismos. A estrutura cosmológica do edifício sagrado persiste

ainda na consciência da cristandade.

Para poder ver o sagrado e o profano basta confrontar o comportamento de um

homem não religioso, em relação ao espaço em que vive, com o comportamento do homem

religioso para com o espaço sagrado para perceber imediatamente a diferença de estrutura que

os separa. Isto é o mesmo que dizer que o homem religioso só pode viver num mundo sagrado

porque somente um tal mundo participa do ser, existe realmente. Essa necessidade religiosa

exprime uma inextinguível sede ontológica. O homem religioso é sedento do ser. Cada

homem religioso situa-se ao mesmo tempo no centro do mundo e na origem mesma da

realidade absoluta, muito perto da “abertura” que lhe assegura a comunicação com os deuses.

Essa nostalgia religiosa exprime o desejo de viver num cosmo puro e santo, tal como era no

começo, quando saiu das mãos do Criador.

Page 29: Tcc a religião e a filosofia andre

28

3 O TEMPO SAGRADO

O tempo sagrado possui a mesma importância que o espaço sagrado tem na construção

e constituição do Cosmo para o homem religioso. Seguindo uma estrutura semelhante, o

tempo sagrado também está em oposição ao tempo profano, que é vivido continuamente e

sem volta.

O tempo para o homem religioso não é nem homogêneo e nem contínuo. Entre essas

duas espécies de tempo, existe uma solução de continuidade, mas por meio dos ritos o homem

religioso pode “passar”, sem perigo, da duração temporal ordinária para o tempo sagrado. O

homem religioso vive em duas espécies de tempo, das quais a mais importante, o tempo

sagrado se apresenta sob o aspecto paradoxal de um tempo circular, reversível e recuperável,

espécie de eterno presente mítico que o homem reintegra periodicamente pela linguagem dos

ritos. Esse comportamento em relação ao tempo basta para distinguir o homem religioso do

homem não religioso.

“O tempo sagrado é, por sua própria natureza, reversível, no sentido em que é [...] um

Tempo mítico primordial tornado presente.” (ELIADE, 1992:63). O tempo sagrado é de modo

indefinido recuperável, e repetível. Pode-se dizer que ele “flui”. É o tempo criado e

santificado pelos deuses. O tempo da criação era santificado pela presença da divindade.

Para o homem religioso a duração temporal profana pode ser “parada” periodicamente

pela inserção, por meio dos ritos, de um tempo sagrado, não histórico. Tal como uma igreja

constitui uma rotura de nível no espaço profano de uma cidade moderna, o serviço religioso

que se realiza no seu interior marca uma rotura na duração temporal profana: já não é o tempo

histórico atual que é presente, mas o tempo em que se desenrolou a existência histórica de

Jesus Cristo, o tempo santificado por sua pregação, por sua paixão, por sua morte e

ressurreição. Tempo sagrado em relação a outras religiões, o cristianismo inovou a

experiência e o conceito do tempo litúrgico ao afirmar a historicidade da pessoa de Cristo. A

liturgia cristã desenvolve-se num tempo histórico santificado pela encarnação do Filho de

Deus.

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29

O tempo sagrado, periodicamente reatualizado nas religiões pré-cristãs é um tempo

mítico, um tempo primordial, não identificável no passado histórico, um tempo original, no

sentido de que brotou “de repente”, de que não foi precedido por um outro tempo, pois

nenhum tempo podia existir antes da aparição da realidade narrada pelo mito.

Segundo Eliade (1992) é sobretudo em relação ao tempo vivido pelo homem religioso

que podemos melhor entender a dicotomia entre sagrado e profano, uma vez que aí se faz

presente, através de ritos, uma delimitação entre eles.

O homem religioso vive assim em duas espécies de Tempo, das

quais a mais importante, o Tempo sagrado, se apresenta sob o

aspecto paradoxal de um Tempo circular, reversível e

recuperável, espécie de eterno presente mítico que o homem

reintegra periodicamente pela linguagem dos ritos. (ELIADE,

1992, p. 64).

A busca do tempo original é, para o homem religioso, a repetição do ato criador dos

deuses. Esse encontro se faz através de múltiplas cerimônias, as festas periódicas, nas quais,

pelo comportamento diferenciado daquele dos dias comuns, o homem busca a reatualização

com o sagrado, consciente de que em seus mínimos detalhes está executando os atos

exemplares do criador “ab origine in illo tempore”. “o Tempo mítico que o homem se esforça

por reatualizar periodicamente é um Tempo santificado pela presença divina e num mundo

perfeito [...] corresponde à nostalgia de uma situação paradisíaca”. (ELIADE, 1992, p. 82).

O homem religioso é, por excelência, um homem paralisado pelo mito do eterno

retorno. É, ao mesmo tempo, sede do sagrado e nostalgia do Ser. Esse tempo de origem diz

respeito “ao instante prodigioso em que uma realidade foi criada, em que ela se manifestou,

pela primeira vez, plenamente, o homem esforça-se-á por voltar a unir-se periodicamente a

esse Tempo original.” (ELIADE, 1992, p. 73).

O mito conta uma história sagrada. Equivale a revelar o mistério, as personagens do

mito são deuses ou Heróis civilizadores. O mito é, pois, a narração daquilo que os deuses ou

os Seres divinos fizeram no começo do Tempo. Uma vez dito, ou seja, revelado, o mito torna-

se verdade apodítica: funda a verdade absoluta. O mito é solidário da ontologia: só fala das

realidades, do que aconteceu realmente, do que se manifestou plenamente.

Page 31: Tcc a religião e a filosofia andre

30

Assim, o homem religioso torna-se contemporâneo dos deuses: sai do seu tempo

histórico, constituído pela soma dos eventos profanos e pessoais, para participar de um tempo

eterno, mítico, "o tempo da origem", aquele que "não decorre" porque não está integrado à

duração temporal da existência do dia-a-dia. Satisfaz, portanto, seu desejo de aproximação

dos deuses: a sua necessidade de retorno à origem. (ELIADE, 1992).

Para o homem religioso das culturas arcaicas, o mundo renova-se anualmente, isto,

reencontra a cada novo ano a santidade original, tal como quando saiu das mãos do Criador.

Este simbolismo está claramente indicado na estrutura arquitetônica dos santuários. Visto que

o tempo é, ao mesmo tempo, o lugar santo por excelência e a origem do mundo, ele santifica o

cosmo como um todo e também a vida cósmica. A vida cósmica era imaginada sob a forma de

uma trajetória circular e identifica-se com o ano.

Visto que o ano novo é uma reatualização da cosmogonia, implica numa retomada do

tempo em seus primórdios, a restauração do tempo primordial, do tempo “puro”, aquele que

existia no momento da criação. É por essa ração que, por ocasião do ano novo, se procedem

as “purificações” e à expulsão de pecados, dos demônios ou de um bode expiatório. Pois não

se trata apenas da cessação efetiva de um certo intervalo temporal e do início de um outro

intervalo, mas da abolição do ano passado e do tempo decorrido. Todos os pecados do ano,

tudo o que o tempo havia manchado e consumido era aniquilado, no sentido físico do termo.

Participando simbolicamente do aniquilamento e da recriação do mundo, o próprio homem

criado de novo; renascia, porque iniciava uma nova existência. A cada ano novo o homem

sentia-se mais livre e mais puro, pois se libertara do fardo de suas faltas e de seus pecados.

O tempo de origem de uma realidade, o tempo fundado pela primeira aparição desta

realidade, tem um valor e uma função exemplares; é por essa razão que o homem se esforça

por reatualizá-lo periodicamente mediante rituais apropriados. O calendário sagrado repete

anualmente as mesmas festas, apresentando-se como o “eterno retorno”.

A reatualização periódica dos atos criadores efetuados pelos seres divinos ira illo

tempore constitui o calendário sagrado, o conjunto das festas. Uma festa desenrola-se sempre

no tempo original. É justamente a reintegração desse tempo original e sagrado que diferencia

o comportamento humano durante a festa daquele de antes ou depois.

Page 32: Tcc a religião e a filosofia andre

31

A respeito do tempo sagrado pode-se dizer que é sempre o mesmo, que é uma

“sucessão de eternidades” (Hubert e Mauss). Seja qual for a complexidade de uma festa

religiosa trata-se sempre de um acontecimento sagrado que teve lugar ab origine e que é,

ritualmente, tornado presente. Os participantes tornam-se os contemporâneos do

acontecimento mítico.

O homem religioso desemboca periodicamente no tempo mítico e sagrado e

reencontra o tempo de origem, aquele que não “decorre”, pois não participa da duração

temporal profana e é constituído por um eterno presente indefinidamente recuperável.

Page 33: Tcc a religião e a filosofia andre

32

4 A SACRALIDADE DA NATUREZA E A RELIGIÃO CÓSMICA

Para o homem religioso, a natureza nunca é exclusivamente “natural”. Ela está sempre

carregada de um valor religioso. O mundo é impregnado de sacralidade. Ele não é um caos,

mas um cosmo e se revela como obra dos deuses. O cosmo é ao mesmo tempo um organismo

real, vivo e sagrado: revela as modalidades do ser e da sacralidade. A ontofania e hierofania

se unem.

Para o homem religioso, a Natureza nunca é

exclusivamente „natural‟: está sempre carregada

de um valor religioso. Isto é facilmente

compreensível, pois o Cosmo é uma criação

divina (ELIADE, 1992, p. 99).

Na estrutura do Mundo e dos fenômenos cósmicos, os deuses manifestam as diferentes

modalidades do sagrado, as quais o homem religioso descobre ao contemplá-lo. O Mundo

existe, tem uma estrutura e revela-se como criação.

O Céu revela [...] a distância infinita,a transcendência

dos deuses. A terra também é „transparente‟: mostra-se

como mãe e nutridora universal. Os ritmos cósmicos

manifestam a ordem, a harmonia, a permanência, a

fecundidade. [...] o Cosmo é ao mesmo tempo um

organismo real, vivo e sagrado [...] Ontologia e

hierofania se unem (ELIADE, 1992, p. 100).

Eliade afirma que a natureza sempre exprime algo que é transcendente, portanto, o

natural e o “sobrenatural” estão sempre ligados.

O céu revela-se infinito, transcendente. É por excelência o ganz andere diante do qual

o homem e seu meio ambiente pouco representa. O “muito alto” é uma dimensão inacessível

ao homem como tal: pertence de direito às forças e aos seres sobre humanos. Aquele que se

eleva subindo a escadaria de um santuário, ou a escada ritual que conduz ao céu, deixa então

de ser homem e passa a fazer parte da condição divina.

Page 34: Tcc a religião e a filosofia andre

33

Deste modo, o Céu deixa de ser uma simples contemplação para se tornar uma tomada

de consciência da altura da finitude. "O Céu se revela, por seu próprio modo se ser, a

transcendência, a força, a eternidade. Ele existe de uma maneira absoluta, pois é elevado,

infinito, eterno, poderoso." (ELIADE, 1992, p. 101). A água resgata o símbolo da Criação,

porque ela existia antes da Terra e conservam a função de desintegrar, abolir formas, „lavar

pecados‟ e purificar; é ela que nos dá o reservatório de todas as possibilidades de existência.

A Terra é a imagem primordial da Terra Mater, é a terra na qual os homens foram paridos; "a

mãe humana não faz mais do que imitar a repetir este ato primordial da aparição da Vida no

seio da Terra". (ELIADE, 1992, p. 119).

Desta forma, uma experiência religiosa pode ser desencadeada pela simples admiração

da abóbada celeste. Isso ocorre pela simples verificação da altura infinita. “O „muito alto‟

torna-se espontaneamente um atributo da divindade” (ELIADE, 1992, p. 100). “O „muito alto‟

é uma dimensão inacessível ao homem como tal; pertence de direito às forças e aos Seres

sobre-humanos” (ELIADE, 1992, p. 101). Eliade (1992) usa o exemplo de subir uma

escadaria muito alta de um templo, faz com que o homem deixe de ser homem.

O Céu, segundo Eliade (1992), mostra a transcendência, a força, a eternidade, ele

existe de maneira absoluta, é elevado, infinito, eterno, poderoso. Muitos deuses primitivos

têm nomes que designam a altura, a abóbada celeste, os fenômenos meteorológicos.

O Deus celeste não é identificado com o céu, pois foi o próprio Deus que, criador de

todo o cosmo, criou também o céu. É por essa razão que é chamado “Criador”, “Todo

Poderoso”, “Pai” e outros nomes por excelência. O Deus celeste é uma pessoa e não uma

epifania uraniana. Mas ele habita o céu e manifesta-se por meio dos fenômenos

meteorológicos: trovões, raios, tempestades e outros fenômenos.

Poderia se dizer, que os deuses, depois de terem criado o Cosmo, a vida e o home,

sentem uma espécie de “fatiga”, como se o enorme empreendimento da criação lhes tivesse

esgotado os recursos e por isso retiram-se. Isto acontece em todas as religiões. Por toda parte,

entre as religiões primitivas, o ser supremo celeste parece ter perdido a atualidade religiosa;

está ausente do culto, afastando-se cada vez mais dos homens de sua criação.

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34

O “afastamento divino” traduz na realidade o interesse cada vez maior do homem por

suas próprias experiências e descobertas religiosas, culturais e econômicas. Interessado nas

hierofanias da vida, em descobrir o sagrado da fecundidade terrestre e sentir-se solicitado por

experiências religiosas mais “concretas”, o homem primitivo afasta-se do Deus celeste e

transcendente. Lembram-se somente do Deus transcendente em última instância quando

fracassam todos os esforços com os outros deuses e deusas (1 Samuel 12.10, Bíblia Sagrada).

Aquele que está “no alto”, o “elevado” continua a revelar o transcendente em qualquer

conjunto religioso. Afastado do culto, e relegado às mitologias, o céu mantém-se presente na

vida religiosa por intermédio do simbolismo. E esse simbolismo celeste infunde e sustenta

numerosos ritos, mitos e lendas. O simbolismo do “Centro do Mundo” ilustra a importância

do simbolismo religioso / efetua a comunicação com o céu. O sagrado celeste permanece

ativo por meio do simbolismo, pois um símbolo dirige-se ao ser humano integral, e não

apenas à sua inteligência.

Conforme Eliade, ao falar do Deus longínquo, “os seres supremos de estrutura celeste

têm tendência a desaparecer do culto” (ELIADE, 1992, p. 103). As descobertas religiosas,

culturais e econômicas do homem geram a idéia do afastamento divino.

Todas as vezes que os antigos hebreus viviam

uma época de paz e prosperidade econômica

relativas, afastavam-se de Jeová e tornavam a

aproximar-se dos Baals e das Astartes dos seus

vizinhos. Só as catástrofes históricas forçavam-

nos a voltarem-se para Jeová. (ELIADE, 1992, p.

107).

Descobrindo a sacralidade da Vida, o homem abandonou as hierofanias vitais e

afastou-se da sacralidade que transcendia suas necessidades imediatas e cotidianas.

Mesmo quando a vida religiosa já não é dominada pelos deuses celestes, eles

conservam um lugar preponderante na economia do sagrado. O transcendente continua sendo

demonstrado através de expressões como “aquele que está no alto”, o “elevado”, e outras.

Esse simbolismo celeste sustenta numerosos ritos, mitos e lendas. O simbolismo do “Centro

do Mundo” é onde ocorre a comunicação dom o Céu.

Page 36: Tcc a religião e a filosofia andre

35

O simbolismo desempenha um papel considerável na vida religiosa da humanidade;

graças aos símbolos, o mundo se torna “transparente”, suscetível de “revelar” a

transcendência. O contato com a água comporta sempre uma regeneração, isto porque a

imersão fertiliza e multiplica o potencial da vida. Do ponto de vista da estrutura, o “dilúvio” é

comparável ao “batismo”, pois o batismo lava os pecados, purifica e regenera.

Toda água natural adquire, pela antiga prerrogativa com que foi honrada em sua

origem, a virtude da santificação no sacramento, se Deus for invocado sobre ela, a água.

As águas simbolizam a soma universal das virtualidades. A imersão na água simboliza

o regresso ao pré-formal, já que as águas existem antes da terra. Esse simbolismo implica em

morte e em renascimento. Para Eliade (1992), as águas conservam sua função: desintegram,

abolem as formas, “lavam os pecados”, purificam e regeneram.

Ao falar da Universalidade dos símbolos, Eliade afirma que: “Para os apologetas

cristãos, os símbolos estavam carregados de mensagens: mostravam o sagrado por meio dos

ritmos cósmicos” (ELIADE, 1992, p. 115). A história acrescenta continuamente significados

novos, mas esses não destroem a estrutura do símbolo.

A fé cristã está suspensa de uma revelação histórica, a encarnação do Filho de Deus,

que assegura, aos olhos do cristão, a validade dos símbolos. A história não conseguiu

modificar radicalmente a estrutura de um simbolismo arcaico. A história acrescenta

continuamente significados novos, mas estes não destroem a estrutura do símbolo. Para o

homem religioso o mundo sempre revela uma modalidade do sagrado. Para ele a sacralidade é

uma manifestação completa do ser.

A mãe terrena é apenas a representante da grande mãe, a Mãe Terra. A mãe humana

não faz mais do que imitar e repetir ao ato primordial da aparição da vida, o nascimento de

uma criança. A mãe humana deve se colocar em contato direto com a grande Mãe, a fim de

receber dela as energias benéficas e encontrar nela a proteção maternal.

A mulher se relaciona misticamente com a terra. Todas as experiências religiosas

relacionadas com a fecundidade e o nascimento de uma criança têm uma estrutura cósmica. A

sacralidade da mulher depende da santidade da terra. Os mitos e os ritos da terra, Mãe

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36

exprimem as idéias de fecundidade e riqueza. Trata-se de idéias religiosas, pois os múltiplos

aspectos da fertilidade universal revelam, o mistério da geração, da criação da vida.

Para o homem religioso a morte não põe um termo definitivo à vida: a morte não é

mais do que uma outra modalidade da existência humana. O mistério da inesgotável aparição

da vida corresponde à renovação rítmica do Cosmo. É por essa razão que o Cosmo foi

imaginado sob a forma de uma árvore gigante com sua capacidade infinita de se regenerar

proporcionando eterna juventude, saúde e imortalidade. A árvore conseguiu exprimir tudo o

que o homem religioso considera real e sagrado por excelência, tudo o que ele sabe que os

deuses possuem por sua própria natureza e que só raramente é acessível aos indivíduos

privilegiados, os heróis e os semi-deuses.

Para o homem religioso, a natureza nunca é exclusivamente “natural”. A experiência

de uma natureza radicalmente dessacralizada é uma descoberta recente, acessível apenas a

uma minoria das sociedades modernas, sobretudo aos homens de ciência. Para o resto das

pessoas, a natureza apresenta ainda um encanto, um mistério, uma majestade, onde se pode

decifrar os traços dos antigos valores religiosos. Jamais assistiremos a uma total

dessacralização do mundo, pois, no Extremo Oriente, o que se chama “emoção estética”

conserva ainda, mesmo entre os letrados, uma dimensão religiosa. Mas o exemplo dos jardins

em miniatura mostra-nos em que sentido e por que meios se opera dessacralização do mundo.

A dessacralização das hierofanias (lunares, solares e outros...), inscreve-se entre tantos

outros processos similares, graças aos quais o Cosmo inteiro acaba por ser esvaziado de seus

conteúdos religiosos. A securalização definitiva da natureza é coisa adquirida apenas para um

momento limitado de modernos: aqueles desprovidos de qualquer sentimento religioso.

Apesar das mudanças profundas e radicais que o cristianismo trouxe na valorização religiosa

do Cosmo e da vida, ele não as rejeitou. Conforme Léon Bloy, quer a vida esteja nos homens,

nos animais ou nas plantas, é sempre a vida, e quando vem o minuto, o ponto imperceptível

que chamamos morte, é sempre Jesus que se retira, quer se trate de uma árvore ou de um ser

humano. (ELIADE, 1992).

Page 38: Tcc a religião e a filosofia andre

40

5 EXISTÊNCIA HUMANA E VIDA SANTIFICADA

Conhecer parte da literatura sacra, familiarizar-se com algumas mitologias e teologias

orientais ou do mundo clássico, não é ainda suficiente para conseguir compreender o universo

mental do homo religiosus. Para conhecer o universo mental do homo religiosus é preciso ter

em conta os homens dessas sociedades primitivas. O comportamento religioso deles parece-

nos, hoje, excêntrico, se não francamente aberrante, muito difícil de compreender. Mas o

único meio de compreender um universo mental é situar-se dentro dele, no seu próprio centro,

para alcançar, a partir daí, todos os valores que esse universo comanda. Para o homem

religioso, o Cosmo “vive” e “fala”.

A própria vida do Cosmo é uma prova de sua santidade, pois ele foi criado pelos

deuses e os deuses mostram-se aos homens por meio da vida cósmica. O homem reencontra

em si mesmo a santidade que reconhece no Cosmo. É evidente que sua vida possui uma

dimensão a mais: não é apenas humana, é ao mesmo tempo “cósmica”, visto que tem uma

estrutura trans-humana. Poder-se-ia chamá-la uma “existência aberta”, porque não é

estritamente ao modo do ser homem.

O homem religioso vive num mundo aberto sendo que, sua existência é aberta para o

mundo. Isto é o mesmo que dizer que o homem religioso é acessível a uma série infinita de

experiências que poderiam ser chamadas de “cósmicas”. Tais experiências são sempre

religiosas, pois o mundo é sagrado. Para chegar a compreendê-las, é preciso ter em mente que

as principais funções fisiológicas são suscetíveis de se transformar em sacramentos.

A existência do homos religiosus, sobretudo do primitivo, é “aberta” para o mundo;

vivendo, o homem religioso nunca está sozinho, pois vive nele uma parte do mundo. Mas não

se pode dizer como o filósofo Hegel, que o homem primitivo está “enterrado na natureza”,

que ele não se reencontrou ainda como distinto da natureza, como ele mesmo. Uma existência

“aberta” para o mundo não é uma existência inconsciente, enterrada na natureza. A “abertura”

para o mundo permite ao homem religioso conhecer-se conhecendo o mundo, e esse

conhecimento é preciso para ele porque é um conhecimento religioso, refere-se ao ser.

Page 39: Tcc a religião e a filosofia andre

41

Eliade (1992) traz a sacralidade para vida interior do homem, o comportamento do

homos religiosus e o universo mental. Resgata a compreensão das totalidades das situações

existenciais e as entende como experiências vividas. "É evidente que sua vida possui uma

dimensão a mais: não é apenas humana, é ao mesmo tempo „cósmica‟, visto que tem uma

estrutura trans-humana." (ELIADE, 1992, p. 136). Esta „trans-humanidade‟ é o que poderia

ser chamado de „existência aberta‟, isto é, não é fechada para si mesmo, mas aberta para a

mundo.

No entanto, para o homem a-religioso as experiências vitais estão dessacralizadas,

tendo assim uma dimensão humana, desprovida de significado espiritual.

O homem deseja situar-se num centro, lá onde existe a possibilidade de comunicação

com os deuses. Para tanto, sua habitação é um microcosmo, assim como o seu corpo. A

correspondência entre corpo, casa e cosmo impõe-se desde muito cedo. Assim, ao se instalar

conscientemente na situação exemplar a que está de certo modo predestinado, o homem se

cosmiza: ele reproduz, em escala humana o sistema dos acontecimentos recíprocos e dos

ritmos que caracteriza e constitui um mundo, que define todo universo.

É importante observar que cada uma das imagens equivalentes (cosmo, casa, corpo

humano), pode apresentar uma abertura superior que possibilita a passagem para um outro

mundo. Deste modo, templo, casa, corpo são cosmo. Mas todos esses cosmo, e cada um de

acordo com seu modo de ser, apresentam uma abertura, seja qual for o sentido que lhe

atribuam às diversas culturas. De uma maneira ou de outra, o cosmo que o homem habita

(corpo, casa, território tribal, este mundo em sua totalidade) comunica-se pelo alto com um

outro nível que lhe é transcendente.

Nesta análise da existência aberta, Eliade compara o homem religioso do a-religioso

dizendo que, o religioso está aberto para o mundo, em comunicação com os deuses e participa

da santidade do Mundo, porém o a-religioso também participa disso, mas numa forma

camuflada. Afirmando que "para os modernos desprovidos de religiosidade, o Cosmo se

tornou opaco, inerte, mudo: não transmite nenhuma mensagem, não carrega nenhuma „cifra‟."

(ELIADE, 1992, p. 145). A experiência do religioso está „aberta‟, enquanto a do não-religioso

ela permanece privada e centrada nela mesma.

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42

Como exemplos destas situações existenciais, tanto do homem religioso quanto do a-

religioso, Eliade (1992) cita os rituais de passagem e iniciação. Estas situações adquirem

sentidos diferentes para os homens modernos. Para o homem religioso o sentido da mudança

é ontológica, a entrada numa nova situação traz uma legitimidade na nova situação para a

comunidade, enquanto para o a-religioso, estes ritos nada mas são que acontecimentos que

dizem respeito a família ou ao indivíduo.

Numa perspectiva a-religiosa da

existência, todas as „passagens‟ perderam

seu caráter ritual, quer dizer, nada mais

significam além do que mostra o concreto

de um nascimento, de um óbito ou de uma

união sexual oficialmente reconhecido.

(ELIADE, 1992, p. 151).

Outra diferença é que o homem religioso acredita na sua realidade e na transcendência

do mundo, santificando o real. Porém o a-religioso chega a duvidar do sentido de sua

existência, pois ele se reconhece como um sujeito e agente da história e rejeita a

transcendência. Nisso, Eliade (1992) aponta para a dessacralização do mundo.

Apesar desta dessacralização, Eliade (1992) traz um apontamento, na qual o homem a-

religioso ainda conserva dentro de si o homem religioso. Pois só dessacraliza-se algo que um

dia foi sagrado. "A maioria dos „sem-religião‟ ainda se comporta religiosamente, embora não

esteja consciente do fato." (ELIADE, 1992, p. 166). Citando neste contexto o Marxismo e a

Psicanálise, como portadora de uma mitologia (iniciações, rituais e sentido de existência).

Assim, quando Eliade (1992) percorre este assunto, diz que o fato de não se estar

consciente é porque ainda está no interior do homem, um interior não descoberto, ou seja,

inconsciente. Assim, estes conteúdos (míticos-vivenciais) estariam no inconsciente, frutos das

situações existenciais imemoriais. O "homem a-religioso das sociedades modernas é ainda

alimentado e ajustado pela atividade de seu inconsciente." (ELIADE, 1992, p. 173).

Diz, ainda mais,

o homem a-religioso teria perdido a capacidade

de viver conscientemente a religião e, portanto,

de compreendê-la e assumi-la; mas , no mais

Page 41: Tcc a religião e a filosofia andre

43

profundo de seu ser, ele guarda ainda a

recordação dela, da mesma maneira que, depois

da primeira „queda‟, e embora espiritualmente

cego, seu antepassado, o Homem primordial,

conservou inteligência suficiente para lhe permitir

reencontrar os traços de Deus visíveis no Mundo.

(ELIADE, 1992, p. 173).

Para refletir sobre espaço sagrado é importante apontar a idéia de morte como rito de

passagem e ritos fúnebres.

Eliade (1992) apresenta que para o homem moderno o nascimento, o casamento e a

morte não passam de acontecimentos de âmbito individual ou familiar, com a exceção de

celebridades ou chefes de Estado.

Nas sociedades antigas os ritos de passagem eram um grande evento. Por exemplo, a

união sexual era sagrada. A iniciação sexual dos gregos se dava nos templos e eles chamavam

o casamento de télos, a consagração, e o ritual nupcial assemelhava-se ao dos mistérios nos

templos. Os egípcios e o maias eram iniciados nos templos através das sacerdotisas, que na

Grécia se chamavam Hieródulas e em Roma, Vestais. Nessas sociedades os jovens eram

conduzidos aos templos para sua iniciação sexual.

Tem razão Eliade (1992) ao afirmar que uma das características do mundo moderno é

o desaparecimento da iniciação. De grande importância nas sociedades tradicionais, a

iniciação é praticamente inexistente na sociedade ocidental dos dias atuais. É bem verdade

que as diferentes confissões cristãs conservam, em diferentes graus, vestígios de um Mistério

iniciático. O batismo é essencialmente um ato iniciático; o sacerdócio implica numa iniciação.

Não se deve esquecer que o cristianismo triunfou precisamente e chegou a ser urna religião

universal senão por ter se liberado dos Mistérios greco-orientais, proclamando ser uma

religião de salvação acessível a todos.

Eliade (1992) observa que os ritos de passagem desempenham um papel importante na

vida do homem religioso. É certo que o rito de passagem por excelência é representado pelo

início da puberdade, a passagem de uma faixa de idade a outra (da infância ou adolescência à

juventude). Mas há também ritos de passagem no casamento e na morte, e pode-se dizer que,

em cada um dos casos, trata-se sempre de uma iniciação, pois envolve sempre uma mudança

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44

radical de regime ontológico e estatuto social. Por ocasião do casamento, tem lugar também

uma passagem de um grupo socioreligioso a outro.

O recém-casado abandona o grupo dos chefes de família. Todo casamento implica

uma tensão e um perigo, desencadeando, portanto, uma crise; por isso o casamento se efetua

por um rito de passagem. Uma outra questão que envolve a sexualidade de perto é a

fenomenologia da iniciação. Eliade (1992) comenta que a iniciação comporta uma tripla

revelação: a do sagrado, a da morte e a da sexualidade. O iniciado as conhece, assume e

integra em sua nova personalidade.

O iniciado renasce para uma nova existência, santificada. Renasce para um modo de

ser que torna possível o acesso livre ao conhecimento. É um homem que sabe, que conhece os

mistérios e que tem revelações de ordem metafísica. Em suma, a iniciação equivale ao

amadurecimento espiritual, e em toda a história religiosa da humanidade reencontra-se sempre

este tema: o iniciado, aquele que conheceu os mistérios, é aquele que sabe.

Conforme Eliade (1992), há uma correspondência estrutural entre as diversas

modalidades de passagem: das trevas à luz (sol); da preexistência de uma raça humana à

manifestação (antepassado mítico) da vida à morte; e a nova existência post mortem (a alma).

Toda existência cósmica está predestinada à “passagem”: o homem passa da pré-vida à vida e

finalmente à morte, tal como o antepassado mítico passou da preexistência à existência e o sol

das trevas à luz. A existência humana chega a plenitude ao longo de uma série de ritos de

passagem, de iniciações sucessivas. Mas são sobretudo as imagens da ponte e da porta estreita

que surgem a idéia de passagem perigosa e que, por essa razão, abundam nos rituais e nas

mitologias iniciáticas funerárias. A iniciação, como a morte, o êxtase místico, o conhecimento

absoluto, a fé, equivale uma passagem de um modo de ser a outro e opera uma verdadeira

mutação ontológica.

Os ritos de passagem desempenham um papel importante na vida do homem religioso.

Nos estágios arcaicos de cultura a iniciação desempenha um papel capital na formação

religiosa do homem, e, sobretudo, que ela consiste essencialmente numa mudança do regime

ontológico do neófito. O homem das sociedades primitivas não se considera “acabado” tal

como se encontra ao nível natural da existência: para se tornar um homem propriamente dito,

Page 43: Tcc a religião e a filosofia andre

45

deve morrer para esta vida primeira (natural) e renascer para uma vida superior, que é ao

mesmo tempo religiosa e cultural.

A iniciação equivale ao amadurecimento espiritual, e em toda história religiosa da

humanidade reencontramos sempre este tema: o iniciado, aquele que conheceu os mistérios, é

aquele que sabe. Nos quadros iniciáticos, o simbolismo do nascimento acompanha quase

sempre o da morte. Nos contextos iniciáticos, a morte significa a superação da condição

profana, não santificada, a condição do homem “natural”, ignorante do sagrado, cego para o

espírito. O mistério da iniciação revela pouco a pouco ao neófito as verdadeiras dimensões da

existência: ao introduzi-lo no sagrado, a iniciação o obriga a assumir a responsabilidade de

homem. A acesso a espiritualidade traduz-se, em todas as sociedades arcaicas, por um

simbolismo da morte e de um novo nascimento.

Em períodos remotos, quer na Índia, na China, na Grécia clássica, na América

indígena, ou mesmo nos grupos pré-históricos, o simbolismo mítico presente na ritualização

das importantes etapas da vida em sociedade (nascimento, vida, morte e/ou renascimento)

representava, em todas elas, a união e reverência com o sagrado, com o ser primordial.

Segundo Eliade (1998, p. 17), “Para o homem das sociedades arcaicas [...] o que aconteceu ab

origine pode ser repetido através do poder dos ritos.”

O simbolismo e o ritual iniciático, que comportam ser engolido, por um monstro,

desempenham um papel considerável tanto nas iniciações como nos mitos heróicos e nas

mitologias da morte. O simbolismo do regresso ao ventre tem sempre uma valência

cosmológica. É o mundo inteiro que, simbolicamente, regressa com o neófito à noite cósmica

para poder ser criado de novo, regenerado. O movimento, a regeneração continuam sempre.

Para os primitivos, morre-se sempre para qualquer coisa que não seja essencial; morre-se

sobretudo para a vida profana.

Considerando a condição de “morrer para renascer”, Eliade (1992) esclarece que

efetivamente, os ritos africanos de puberdade que incluem a circuncisão podem ser reduzidos

aos seguintes elementos: os Mestres iniciadores encarnam as Feras divinas e “matam” os

noviços, circuncidando-os; esse assassínio iniciatório baseia-se num mito em que intervém

um Animal primordial, que mata os homens para fazê-los voltar à vida “modificados”; o

próprio Animal acaba sendo abatido, e esse evento mítico é ritualmente reiterado pela

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circuncisão dos noviços; “morto” pelo animal feroz (representado pelo mestre iniciador), o

noviço ressuscita a seguir, revestindo sua própria pele.

Existem processos de ritos de iniciação que poderiam ser classificados como naturais;

aqueles que à natureza compete, como nascer, viver, envelhecer e morrer. No entanto, mesmo

que esses momentos naturais inerentes ao homem estejam também presentes nos rituais

sagrados, revestidos do mito que o relê, de acordo com cada cultura, estamos aqui tratando

desse segundo aspecto.

Em quase todas as sociedades tradicionais estudadas, o simbolismo sagrado dos rituais

de iniciação seguem essa tríade. O nascimento é imposto pela natureza, resta celebrá-lo, mas

na puberdade é preciso que a criança “morra” para a sua antiga condição, através do rito, para

enfim poder renascer em uma nova vida. Isto, diferente da primeira condição, deverá ser feito

a partir de uma escolha, per se, uma iniciação consciente.

O quadro iniciático, quer dizer, morte para a condição profana, seguida do

renascimento para o mundo sagrado, para o mundo dos deuses, também desempenha um

papel importante nas religiões evoluídas, seu objetivo é alcançar o céu, após a sua morte. O

conhecimento sagrado e, por extensão, a sabedoria são concebidos como o fruto de uma

iniciação. Não era sem razão que o filósofo Sócrates se comparava a uma parteira: ele de fato

ajudava o homem a nascer para a consciência de si, dava à luz o “homem novo”. O

nascimento iniciático implicava a morte para a existência profana. De uma religião a outra, de

uma sabedoria a outra, o tema imemorial do segundo nascimento enriquece-se com novos

valores, que mudam as vezes radicalmente o conteúdo da experiência. Permanece, porém, um

elemento comum, um invariante, que se poderia definir da seguinte maneira: o acesso à vida

espiritual implica sempre a morte para a condição profana, seguida de um novo nascimento.

Conhecer as situações assumidas pelo homem religioso, compreender seu universo

espiritual é, fazer avançar o conhecimento geral do homem. É verdade que a maior parte das

situações assumidas pelo homem religioso das sociedades primitivas e das civilizações

arcaicas há muito tempo foram ultrapassadas pela história. Mas não desapareceram sem

deixar vestígios: contribuíram para que nos tornássemos aquilo que somos hoje; fazem parte

da história da humanidade.

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47

O homem religioso assume um modo de existência específica no mundo, e, apesar do

grande número de formas histórico religiosas, este modo específico é sempre reconhecível.

Seja qual for o contexto histórico em que se encontra, o homo religiosus acredita sempre que

existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo, que aqui se

manifesta,santificando-o e tornando-o real. Crê que a vida tem uma origem sagrada e que a

existência humana atualiza todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa, ou

seja, participa da realidade.

A maioria dos homens “sem religião” partilha ainda das pseudo religiões e mitologias

degradadas. O homem profano descende do homo religiosus e não pode anular sua própria

história, os comportamentos de seus antepassados religiosos, que o constituíram tal como ele

é hoje. O sagrado reconduz o homem a sua dignidade e a volta para o seu criador – Deus.

E termina sua exposição como historiador da religião deixando o caminho aberto para

as problematizações próprias dos filósofos, psicólogos, e teólogos.

Page 46: Tcc a religião e a filosofia andre

48

CONCLUSÃO

A partir das leituras realizadas para o desenvolvimento deste estudo, pode-se concluir

que para Mircea Eliade, o homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se

mostra como qualquer coisa de absolutamente diferente do profano. O termo hierofania é

utilizado pelo autor para indicar o ato da manifestação do sagrado; esse termo, aliás, é prático,

porquanto apenas exprime o conteúdo etimológico, a saber que “algo sagrado se nos mostra”.

As religiões não são mais do que o encadeamento de hierofanias. Nelas, encontramo-

nos diante de algo misterioso: a manifestação de uma realidade diferente, que não pertence ao

nosso mundo, através de objetos que formam parte dele. No fato da hierofania aparece, no

sentir de Mircea Eliade, um paradoxo que ele destaca que manifestando o sagrado, um objeto

qualquer torna-se outra coisa, e contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a

participar do seu meio cósmico envolvente. Dando como exemplo que uma pedra sagrada

nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (com maior exatidão: de um ponto de vista

profano) nada a distingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se

revela sagrada, a sua realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural. Por outros

termos, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível de

revelar-se como sacralidade cósmica.

O Cosmo na sua totalidade pode tornar-se uma hierofania. A propósito do aspecto

vivencial do sagrado, considerando Eliade, pode-se afirmar que o sagrado e o profano

constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações existenciais assumidas pelo

homem ao longo da sua história. O escritor salienta que o estudo dessas vivências interessa

não só ao historiador das religiões, mas também a todo investigador desejoso de conhecer as

dimensões possíveis da existência humana.

Embora na caracterização das vivências do sagrado e do profano, Mircea Eliade acuda

a exemplos da história das religiões, o seu interesse inicial é identificar as feições essenciais,

arquetípicas, delas, notadamente da experiência religiosa.

Page 47: Tcc a religião e a filosofia andre

49

Frisando que o que lhe interessa em primeiro lugar é apresentar as dimensões

específicas da experiência religiosa, salientar as suas diferenças com a experiência profana do

Mundo. De modo que não insiste sobre os inumeráveis condicionamentos que a experiência

religiosa do Mundo sofreu no curso do Tempo

O homem religioso tem horror da homogeneidade do espaço profano. Desnorteia-se

nele. Perde ali o referencial. Assim como na própria existência do dia-a-dia, na consolidação

do mundo particular de cada um, há espaços mais significativos do que outros (a cidade dos

primeiros amores, a terra natal etc.), que permitem estruturar a orientação individual, de forma

semelhante para o homem religioso há a imperiosa necessidade de encontrar o espaço

sagrado, a partir do qual possa se orientar no universo. Ora, a experiência dessa necessidade é

arquetípica.

A esse respeito, Mircea Eliade afirma que a experiência religiosa da não-

homogeneidade do espaço constitui uma experiência primordial, homologável a uma

„fundação do mundo‟.

Não se trata de uma especulação teórica, mas de uma experiência religiosa primária,

que precede toda a reflexão sobre o mundo.

É a ruptura operada no espaço que permite a constituição do mundo, porque é ela que

descobre o „ponto fixo‟, o eixo central de toda a orientação futura.

Quando o sagrado se manifesta por uma qualquer hierofania, não só há ruptura na

homogeneidade do espaço, mas há também revelação de uma realidade absoluta, que se opõe

à não-realidade da imensa extensão envolvente.

A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo. Assim como o homem

religioso procura sacralizar o espaço, insere-se sua existência, também, no contexto de um

tempo sagrado, tempo primordial, raiz ontológica do tempo profano, do dia-a-dia. Conforme o

entendimento de Mircea Eliade, um tempo ontológico por excelência, „parmenidiano‟

mantém-se sempre igual a si mesmo, não muda nem se esgota. Com cada festa periódica

reencontra-se o mesmo tempo sagrado, o mesmo que se manifestara na festa do ano

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50

precedente ou na festa de há um século: é um tempo criado e santificado pelos Deuses quando

das suas gesta, que são justamente reatualizadas pela festa.

Por outros termos, reencontra-se na festa a primeira aparição do tempo sagrado, tal

qual ela se efetuou. O que implica na criação de diferentes realidades que constituem hoje o

mundo, os Deuses fundavam igualmente o tempo sagrado, visto que o tempo contemporâneo

de uma criação era necessariamente santificado pela presença e a atividade divinas. Eliade

apresenta exemplos edificantes da permanência, na vida cotidiana, dessas experiências

primordiais.

A título de exemplo, basta referir que, no sentir de Mircea Eliade, a experiência

primeira do espaço sagrado constitui a base a partir da qual se desenvolve a arquitetura

urbana, domiciliar e religiosa.

A arquitetura sacra não faz mais portanto do que retomar e desenvolver o simbolismo

cosmológico já presente na estrutura das habitações primitivas. Por seu turno, a habitação

humana fora precedida cronologicamente pelo „lugar santo‟ provisório, pelo espaço

provisoriamente consagrado e cosmisado.

Isto é o mesmo que dizer que todos os símbolos e rituais concernentes aos templos, às

cidades e às casas derivam, em última instância, da experiência primária do espaço sagrado.

Do que se indicou precedentemente, depreende-se uma característica do conteúdo

transmitido pelo mito, que forma parte da mentalidade do homem religioso: para Mircea

Eliade, o essencial precede à existência. Isto é verdade tanto para o homem das sociedades

„primitivas‟ e orientais como para o judeu, o cristão e o muçulmano.

O homem é aquilo que é hoje porque uma série de acontecimentos ocorreram ab

origine. Os mitos contam-lhe esses acontecimentos e, ao fazê-lo, explicam-lhe como e por que

razão ele foi constituído desse modo.

Para o homem religioso, a existência real, autêntica, começa no momento em que

recebe a comunicação dessa história primordial e assume as suas conseqüências.

Page 49: Tcc a religião e a filosofia andre

51

Há sempre história divina, pois as personagens são os Seres sobrenaturais e os

Antepassados míticos. Finalizando, conclui-se que na visão de Eliade, o ser humano ocidental

moderno experimenta um certo mal-estar diante de inúmeras formas de manifestações do

sagrado: é difícil aceitar que o sagrado possa se manifestar em pedras ou árvores, por

exemplo. Contudo, acredita-se que a pedra e a árvore sagrada não são adoradas como tal, mas,

justamente porque são hierofanias e revelam algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas,

sagrado. A dessacralização caracteriza a experiência total do ser humano não-religioso das

sociedades modernas, que tem dificuldades em reencontrar as dimensões existenciais do ser

humano religioso das sociedades arcaicas. Sobretudo é importante considerar a afirmação que

Mircea Eliade faz de que seja qual for o grau de dessacralização que o mundo tenha chegado,

o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o

comportamento religioso.

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TEOURA, Cynthia Borges, Ciência da Religião. Londrina: Descoberta,

2006.