TCC Centro POP

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    1/51

    0

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO SCIO-ECONOMICO

    DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIAL

    SARA ALVES RAQUEL

    DESAFIOS PARA O ATENDIMENTO POPULAO EM SITUAO DE RUA EMFLORIANPOLIS: UM ESTUDO DO NCLEO DE APOIO FAMLIA-RODOVIRIO

    Florianpolis, 2012

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    2/51

    1

    SARA ALVES RAQUEL

    DESAFIOS PARA O ATENDIMENTO POPULAO EM SITUAO DE RUA EMFLORIANPOLIS: UM ESTUDO DO NCLEO DE APOIO FAMLIA-RODOVIRIO

    Trabalho de Concluso de Cursoapresentado ao Departamento de ServioSocial como requisito parcial paraobteno do titulo de Bacharel em ServioSocial pela Universidade Federal deSanta Catarina - UFSC.Orientador: Prof. Dr. Hlder Boska deMoraes Sarmento

    Florianpolis, 2012

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    3/51

    2

    SARA ALVES RAQUEL

    DESAFIOS PARA O ATENDIMENTO POPULAO EM SITUAO DE RUA: UM

    ESTUDO DO NCLEO DE APOIO FAMLIA-RODOVIRIO

    Trabalho de Concluso de Curso aprovado como requisito parcial para obteno dotitulo de Bacharel em Servio Social, do Departamento de Servio Social, do CentroScio-Econmico, da Universidade Federal de Santa Catarina.Orientador: Prof. Dr. Hlder Boska de Moraes Sarmento.

    BANCA EXAMINADORA:

    ________________________________________________Prof. HLDER BOSKA DE MORAES SARMENTO

    PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIALUFSCPRESIDENTE

    ________________________________________________Prof. DILCEANE CARRARO

    PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIALUFSCPRIMEIRA EXAMINADORA

    ________________________________________________ASSISTENTE SOCIAL IRMA REMOR SILVA

    ASSISTENTE SOCIAL, PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANPOLISSEGUNDA EXAMINADORA

    Florianpolis, 06 de agosto de 2012

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    4/51

    3

    A meus pais, Bel e Ademir, pelo apoio e incentivo.Aos meus irmos Vitor e Davi pela cumplicidade.A Larissa Bez pela troca de ideias e pela amizade de tantos anos.

    Ao Allan Csar pela pacinciaA todos pelo amor.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    5/51

    4

    Agradedimentos

    Agradeo estagiria do NAF- Rodovirio e colega de profisso Jadna Nunes

    pela troca de experincias e apoio durante meu perodo de estgio.

    assistente social Andreza Guerreiro pela breve, porm excelente superviso

    realizada enquanto estivemos juntas no NAF.

    psicloga Wanderla Machado pela rica convivncia no NAF e no Centro

    POP e tambm pela troca de ideias que contriburam para este trabalho.

    assistente social Irma Remor Silva pela superviso e apoio durante o

    estgio no NAF e pelo suporte na construo desse trabalho.

    Ao Professor Helder Sarmento pela disponibilidade, dedicao e auxlio nessa

    etapa importante.

    Ao Osni Nogueira pelos lanches de quarta a tarde.

    A todos os funcionrios do Centro POP que de uma maneira ou de outra

    contriburam para a minha formao profissional e pessoal.

    A todos os usurios do NAF e do Centro POP que dividiram comigo suas

    histrias de vida e que foram a principal razo para a realizao desse trabalho.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    6/51

    5

    As pulgas sonham com comprar um co, e os ninguns com deixar a pobreza, queem algum dia mgico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cntaros;mas a boa sorte no chove ontem, nem hoje, nem amanh, nem nunca, nem umachuvinha cai do cu da boa sorte, por mais que os ninguns a chamem e mesmo

    que a mo esquerda coce, ou se levantem com o p direito, ou comecem o anomudando de vassoura.

    Os ninguns: os filhos de ningum, os donos de nada.

    Os ninguns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:Que no so, embora sejam.Que no falam idiomas, falam dialetos.

    Que no praticam religies, praticam supersties.Que no fazem arte, fazem artesanato.

    Que no so seres humanos, so recursos humanos.Que no tm cultura, tm folclore.

    Que no tm cara, tm braos.Que no tm nome, tm nmero.Que no aparecem na histria universal, aparecem nas pginas policiais daimprensa local.

    Os ninguns, que custam menos do que a bala que os mata

    Os ninguns,

    Eduardo Galeano

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    7/51

    6

    Resumo

    Este trabalho tem por objetivo fazer uma anlise do Ncleo de Apoio Famlia-

    Rodovirio (NAF), identificar seus principais problemas e os desafios postos ao

    Servio Social. Para isso foram analisados livros, teses, dissertaes, legislaes e

    estatsticos internos do NAF. Atravs dessa anlise pode-se perceber qual o pblico

    atendido pelo projeto e quais suas reais necessidades.

    Este trabalho caracteriza a populao em situao de rua no Brasil e a forma como

    ela vem sido tratada, sua luta e suas conquistas. Tambm exposto como a Poltica

    de Assistncia Social centraliza suas aes nas famlias e at que ponto essa

    centralizao limita as aes do NAF. Ao final so feitas sugestes para que os

    problemas enfrentados pelo NAF sejam superados e o mesmo possa vir a atender

    seus objetivos.

    Palavras Chave: Polticas Pblicas, Populao em Situao de Rua, Famlia.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    8/51

    7

    SUMRIO

    INTRODUO.............................................................................................................81-POLTICA NACIONAL PARA POPULAO EM SITUAO DE RUA...................11

    1.1- A Politica Nacional de Assistncia Social e a Centralidade na Famlia..............111.2- Poltica Nacional para a Populao em Situao de Rua...................................131.3- A Populao de Rua no Brasil.............................................................................161.3.1Caractersticas da Populao em Situao de Rua........................................181.3.2 - A Migrao no Brasil.......................................................................................19

    2-A POLTICA MUNICIPAL PARA A POPULAO EM SITUAO DE RUA EM

    FLORIANPOLIS.......................................................................................................23

    2.1. O Centro de Referncia Especializado em Populao em Situao de Rua(Centro-POP) e o Programa Abordagem de Rua.......................................................232.2. Ncleo de Apoio FamliaRodovirio.............................................................242.2.1- Histria.............................................................................................................242.2.2 Objetivos do NAF-Rodovirio............................................................................25

    3.O COTIDIANO, A FAMLIA E O EXERCCIO PROFISSIONAL NO NAF................27

    3.1 - A Rotina do NAF.................................................................................................273.1.2 - O Perfil da Populao Atendida......................................................................293.1.3 - Queixas e Contradies do NAF.....................................................................323.2Famlia e Polticas Pblicas...............................................................................353.2.1 - Famlia, Recambiamento e o Centro-POP......................................................353.3- Uma reflexo crtica sobre o exerccio profissional no NAF................................39

    CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................44

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................................................48

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    9/51

    8

    Introduo

    A escolha da temtica deste trabalho de concluso de curso decorrente do

    meu contato com a populao em situao de rua durante o estgio obrigatrio,

    iniciado em setembro de 2011 e finalizado em julho de 2012 no Ncleo de Apoio

    Famlia- Rodovirio (NAF). Estava cursando a 7 fase do curso de Servio Social e

    at ento no havia sequer lido ou ouvido sobre o assunto durante o curso.

    Com o passar dos meses e a experincia que se realizava meu interesse

    nesse segmento foi aumentando, pois percebi que a populao em situao de rua

    trazia queixas e problemas muito parecidos uns com os outros e que o NAF no

    conseguia suprir as necessidades dos usurios. Essas necessidades geralmente

    eram um lugar para dormir e/ou uma passagem para retornar para suas cidades de

    origem.A maior parte dos usurios que se encontravam em situao de rua

    desejava um emprego ou o retorno sua famlia. A primeira opo era quase

    sempre invivel do ponto de vista institucional, pois sem endereo fixo,

    documentao e escolaridade acabavam tendo que permanecer nas ruas. A

    segunda opo acabava sendo mais comum, mesmo que em muitos casos a famlia

    no ter mais nenhum vnculo com o usurio e no querer que este retornasse ao

    convvio familiar. Outros usurios, porm, j tinham a rua como endereo e no

    possuam outra perspectiva para suas vidas.

    Diante destas queixas e problemas trazidos pela populao percebi que a

    resposta institucional apresentada pelo NAF no era condizente com o perfil da

    populao atendida, isto , no havia correspondncia entre seus interesses

    imediatos e as repostas institucionais.

    A poltica institucional apresentada pelo Ncleo de Apoio Famlia orecambiamento. Para fazer o recambiamento dos usurios pede-se um nmero

    telefnico para contato, porm como muitos usurios j esto h muito tempo nas

    ruas eles j no possuem esse nmero e no se relacionam com seus familiares,

    quando os tem, h algum tempo. Em alguns casos nos quais h um nmero

    telefnico para contato a famlia no tem interesse em receber o usurio. Nesse

    caso, no temos o que fazer, isto , ou disponibilizamos uma passagem para a

    cidade natal do usurio ou o deixamos na rua.A nica sada oferecida pelo NAF acaba sendo o retorno famlia, no se

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    10/51

    9

    levando em conta que em muitos casos o vnculo familiar j foi interrompido ou at

    rompido. Porm, desta forma, o municpio se retira da responsabilidade de auxiliar o

    usurio de maneira efetiva, fazendo com que o Ncleo de Apoio Famlia funcione

    somente como um instrumento de transferncia de responsabilidade, que retira as

    obrigaes do municpio e as repassa totalmente famlia ou ao usurio.

    Esta falta de ao dentro do NAF Rodovirio fez com que surgisse a

    necessidade de uma reflexo crtica acerca do projeto do NAF rodovirio para que

    se retire da famlia a responsabilidade pela resoluo do problema do usurio em

    situao de rua e que se faa um projeto que atenda s reais necessidades desse

    segmento e que no se atente somente s necessidades imediatas, quando as

    atende. este o desafio deste trabalho, uma vez que ir descrever o funcionamento

    do Ncleo de Apoio Famlia, identificar os principais problemas que se apresentam

    ao NAF a partir da experincia de estgio em Servio Social, caracterizar o NAF na

    poltica municipal de assistncia social de Florianpolis, compreender as

    concepes de famlia na proposta de trabalho do NAF e como a falta de

    planejamento institucional interfere no trabalho profissional.

    Para tanto sero analisadas bibliografias- livros, teses, dissertaes,legislaes e estatsticos internos do NAF- Rodovirio e outros documentos pblicos

    disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Florianpolis.

    A primeira parte deste trabalho sobre a Poltica Nacional para Populao em

    Situao de Rua, que caracteriza a populao em situao de rua, sugere aes e

    institui o Comit Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento desta poltica.

    Essa primeira parte faz uma caracterizao da populao em situao de rua,

    principalmente no Brasil, os fatores que contriburam para o seu crescimento e asaes que esto sendo tomadas para atend-la. Caracteriza tambm a populao

    migrante, as causas dos movimentos migratrios internos e o que leva as pessoas a

    migrarem para a cidade de Florianpolis. Essa parte mostra tambm as dificuldades

    enfrentadas pelos migrantes durante o processo de mudana de regio.

    A segunda parte visa caracterizar a Poltica Municipal de Assistncia Social e

    tambm a poltica do NAF- Rodovirio atravs de sua histria, sua concepo e seus

    objetivos. Essa parte tambm expe a Poltica Nacional de Assistncia, o Sistema

    nico de Assistncia Social e o modo como as Polticas Pblicas culpabilizam as

    famlias e como o NAF incorpora e reproduz a responsabilizao da famlia no

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    11/51

    10

    atendimento aos usurios.

    Na terceira, caracteriza tambm o cotidiano de trabalho do NAF, suas

    atribuies, o perfil da populao atendida e as queixas mais comuns. Discute os

    diferentes conceitos de famlia existentes, a importncia dada a ela nas polticas

    pblicas. Esta parte de extrema importncia para que se perceba os problemas, as

    contradies e as possibilidades existentes no NAF.

    Na quarta parte do trabalho faz-se uma crtica falta de planejamento do NAF

    e como isso afeta o funcionamento do projeto e a atuao dos profissionais. Mostra-

    se tambm a importncia de um planejamento e de um processo de avaliao para

    um bom funcionamento do programa.

    Aps a anlise do campo de estgio, das polticas e dos problemasenfrentados pelo NAF na concluso deste trabalho so expostas sugestes e

    propostas para que, atravs de uma avaliao do projeto, o NAF possa vir a ter um

    funcionamento e um projeto que atenda de forma efetiva as necessidades dos

    usurios que o procuram.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    12/51

    11

    1-Poltica Nacional para Populao em Situao de Rua

    1.1- A Politica Nacional de Assistncia Social e a Centralidade na Famlia

    A Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS) foi instituda em 2004

    visando implementao do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS),

    indispensvel para uma efetiva implementao da assistncia no Brasil, pois:

    Regula em todo o territrio nacional a hierarquia, os vnculos e as

    responsabilidades do sistema cidado de servios, benefcios, programas,projetos e aes de assistncia social, de carter permanente e eventual,sob critrio universal e lgica de ao em rede hierarquizada de mbitomunicipal, distrital, estadual e federal. (BRASIL, 2005, p.13)

    O SUAS complementa a Lei Orgnica de Assistncia Social (LOAS), criada

    para regulamentar a assistncia social, mais precisamente os artigos 203 e 204 1da

    Constituio Federal de 1988 que trouxe a assistncia caracterizada como um

    direito. Segundo a LOAS:

    A assistncia social, direito do cidado e dever do Estado, Polticade Seguridade Social no contributiva, que prov os mnimos sociais,realizada atravs de um conjunto integrado de aes de iniciativa pblica eda sociedade, para garantir o atendimento s necessidades bsicas.(BRASIL, 1993).

    A PNAS traz a assistncia em dois nveis: de ateno: bsica e especial,

    sendo a ltima dividida em mdia e alta complexidade. A Proteo Social Bsica:

    Destina-se populao que vive em situao de vulnerabilidadesocial decorrente da pobreza, privao (ausncia de renda, precrio ou nuloacesso aos servios pblicos, dentre outros) e, ou, fragilizao de vnculosafetivos - relacionais e de pertencimento social (discriminaes etrias,tnicas, de gnero ou por deficincias, dentre outras).(BRASIL, 2005)

    A Proteo Especial:

    (...) a modalidade de atendimento assistencial destinada a famliase indivduos que se encontram em situao de risco pessoal e social, porocorrncia de abandono, maus tratos fsicos e, ou, psquicos, abuso sexual,

    uso de substncias psicoativas, cumprimento de medidas scio-educativas,

    1Os artigos 203 e 204 correspondem Assistncia Social que pertence, juntamente Sade e Previdncia, ao

    trip da seguridade social. (BRASIL, 1988)

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    13/51

    12

    situao de rua, situao de trabalho infantil, entre outras. So servios querequerem acompanhamento individual, e maior flexibilidade nas soluesprotetivas. Da mesma forma, comportam encaminhamentos monitorados,apoios e processos que assegurem qualidade na ateno protetiva eefetividade na reinsero almejada. (BRASIL, 2005)

    A diferena entre a Proteo Especial de Mdia Complexidade e a de Alta

    Complexidade est na famlia. Na primeira so atendidos usurios cujo vnculo

    familiar est fragilizado mas no foi rompido. Na segunda so atendidos usurios

    com vnculo familiar rompido ou que por algum motivo precisam ser retirados do

    convvio familiar

    A PNAS possui como princpios:

    I Supremacia do atendimento s necessidades sociais sobre asexigncias de rentabilidade econmica;

    II - Universalizao dos direitos sociais, a fim de tornar odestinatrio da ao assistencial alcanvel pelas demais polticas pblicas;

    III - Respeito dignidade do cidado, sua autonomia e ao seudireito a benefcios e servios de qualidade, bem como convivnciafamiliar e comunitria, vedando-se qualquer comprovao vexatria denecessidade;

    IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, semdiscriminao de qualquer natureza, garantindo-se equivalncia spopulaes urbanas e rurais;

    V Divulgao ampla dos benefcios, servios, programas eprojetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo PoderPblico e dos critrios para sua concesso. (BRASIL, 2004)

    So diretrizes da PNAS:

    I - Descentralizao poltico-administrativa, cabendo a coordenaoe as normas gerais esfera federal e a coordenao e execuo dosrespectivos programas s esferas estadual e municipal, bem como aentidades beneficentes e de assistncia social, garantindo o comando nico

    das aes em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenas e ascaractersticas socioterritoriais locais;

    II - Participao da populao, por meio de organizaesrepresentativas, na formulao das polticas e no controle das aes emtodos os nveis;

    III - Primazia da responsabilidade do Estado na conduo da polticade assistncia social em cada esfera de governo;

    IV - Centralidade na famlia para concepo e implementao dosbenefcios, servios, programas e projetos.(BRASIL, 2004)

    Alm da centralidade na famlia colocada no tem IV das diretrizes na PNAS,

    a Poltica traz como funo das famlias: prover a proteo e a socializao dosseus membros; constituir-se como referncias morais, de vnculos afetivos e sociais;

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    14/51

    13

    de identidade grupal, alm de ser mediadora das relaes dos seus membros com

    outras instituies sociais e com o Estado.(BRASIL, 2004).

    Cabe frisar que o conceito de famlia, segundo o LOAS definido somente

    para a concesso do Benefcio de Prestao Continuada e segue o artigo 16 da lei

    n8.213. Assim, seria considerado como famlia o cnjuge, o companheiro

    (comprovada a unio estvel), o filho do companheiro menor de 21 anos, invlido ou

    considerado judicialmente incapaz; o irmo menor de 21 tambm invlido ou

    considerado incapaz e os pais.

    Esta centralidade da famlia precisa ser compreendida de forma crtica. De

    acordo com Campos e Mioto (2003), essa importncia dada famlia seria uma

    maneira de resgatar uma certa moralidade na sociedade brasileira, pondo a famliacomo nica responsvel por aqueles que a compem.

    As autoras lembram que a centralidade na famlia est espalhada pela

    legislao brasileira, como o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criana e do

    Adolescente, a Lei Orgnica de Assistncia Social e a Constituio Federal, que em

    diversas situaes colocam a famlia como responsveis por seus membros.

    (CAMPOS; MIOTO, 2003)

    1.2- Poltica Nacional para a Populao em Situao de Rua

    A Poltica Nacional para a Populao em Situao de Rua compreende como

    populao de rua:

    [...] o grupo populacional heterogneo que possui em comum a pobrezaextrema, os vnculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistnciade moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros pblicos e asreas degradadas como espao de moradia e de sustento, de formatemporria ou permanente, bem como as unidades de acolhimento parapernoite temporrio ou como moradia provisria. (BRASIL, 2009)

    Essa poltica foi pensada a partir da Pesquisa Nacional da Populao em

    situao de Rua (BRASIL, 2008), realizada em 2008 nas capitais brasileiras (com

    exceo de Recife, So Paulo e Porto Alegre, uma vez que esses municpios

    realizaram pesquisas prprias) e em 48 municpios com mais de 300 mil habitantes,

    totalizando 71 municpios, nos quais foram contabilizadas 31.922 pessoas em

    situao de rua, sendo 82% desse total constitudo por homens.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    15/51

    14

    Essa pesquisa buscou caracterizar um segmento crescente nas principais

    cidades brasileiras e at ento pouco discutido e visualizado. Os esforos para tal

    Poltica tiveram incio no I Encontro Nacional sobre Populao em Situao de Rua,

    realizado em Braslia em 2005. Esse encontro teve como objetivo geral discutir os

    desafios e estratgias para a construo das polticas pblicas para a populao em

    situao de rua (BRASIL, 2006) e contou com a participao de entidades no

    governamentais que representassem a populao em situao de rua e tambm

    com representantes de municpios, do ministrio do desenvolvimento e com

    estudiosos da temtica populao em situao de rua.

    Foi no II Encontro Nacional sobre Populao em Situao de Rua, realizado

    em 2009 tambm em Braslia, que os princpios e diretrizes da Poltica Nacional paraa Populao em Situao de Rua foram aprovados.

    A lei 11.258 de 2005 modificou a Lei Orgnica da Assistncia Social, incluindo

    a populao em situao de rua nos programas de amparo da assistncia social.

    Segundo a Lei:

    Art. 1oOpargrafo nico do art. 23 da Lei no8.742, de 7 de dezembro de1993,passa a vigorar com a seguinte redao:

    "Art. 23. ..........................................................................Pargrafo nico. Na organizao dos servios da Assistncia Social serocriados programas de amparo:I s crianas e adolescentes em situao de risco pessoal e social, emcumprimento ao disposto no art. 227 da Constituio Federal e na Leino8.069, de 13 de julho de 1990;IIs pessoas que vivem em situao de rua." (BRASIL, 2005)

    A Poltica Nacional para a Populao em Situao de Rua atende

    modificao da Lei Orgnica da Assistncia Social e traz como objetivo a

    implantao de centros de referncia especializados para atendimento da

    populao em situao de rua, no mbito da proteo social especial do Sistema

    nico de Assistncia Social (BRASIL,2009)

    A Poltica Nacional para a Populao em Situao de Rua trouxe nova

    discusso para um antigo problema existente desde o surgimento das grandes

    cidades e que crescente devido crise do capital e ao fortalecimento do

    neoliberalismo. De acordo com Moraes: O neoliberalismo econmico acentua a

    supremacia do mercado como mecanismo de alocao de recursos, distribuio de

    bens, servios e rendas, remunerador dos empenhos e engenhos inclusive. Nesseimaginrio, o mercado matriz da riqueza, da eficincia e da justia. (MORAES

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm#art23phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm#art23phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm#art23phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm#art23phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm#art23phttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm#art23p
  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    16/51

    15

    2002).

    Segundo Hfling:

    Para os neoliberais, as polticas (pblicas) sociais aes do Estado natentativa de regular os desequilbrios gerados pelo desenvolvimento daacumulao capitalistaso consideradas um dos maiores entraves a estemesmo desenvolvimento e responsveis, em grande medida, pela crise queatravessa a sociedade. A interveno do Estado constituiria uma ameaaaos interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, aconcorrncia privada, e podendo bloquear os mecanismos que o prpriomercado capaz de gerar com vistas a restabelecer o seu equilbrio. Umavez mais, o livre mercado apontado pelos neoliberais como o grandeequalizador das relaes entre os indivduos e das oportunidades naestrutura ocupacional da sociedade.( Hfling 2001)

    Para os neoliberais as polticas pblicas seriam uma forma de acomodao

    da populao que se apoiaria nas polticas disponveis e no precisaria mais ir em

    busca de suas necessidades, tendo no Estado sua fonte de sustento. Assim, sem as

    polticas pblicas os cidados necessariamente teriam que buscar oportunidades no

    mercado e conseguiriam assim manter seu sustento, no precisando mais

    preocupar e sobrecarregar o Estado.Essa viso neoliberal das polticas pblicas

    faz com que seja necessria e cada vez mais importante a participao de

    movimentos da sociedade civil na luta pela implementao de polticas pblicas que

    atendam efetivamente aos cidados.

    Segundo SILVA (2009) houve uma reestruturao produtiva no fim do sc.

    XX para combater a crise do capitalismo que teve incio na dcada de 70 do sc.XX.

    Essa reestruturao:

    (...) teve como diretriz a reorganizao do papel das foras produtivas narecomposio do ciclo de reproduo do capital, na esfera da produo edas relaes sociais. Foi a estratgia fundamental na determinao dasmudanas no mundo do trabalho, cujas manifestaes se traduzem,principalmente: () na diminuio da criao e oferta de postos de trabalhoe em relaes e condies de trabalho precarizados, fundadas nadesregulamentao dos direitos conquistados pelos trabalhadores.(SILVA,2009, p.19-20)

    Com a diminuio dos postos de trabalho houve um aumento no que Marx

    denominou exrcito industrial de reserva, que constitudo pela parcela da

    populao que no est inserida no mercado de trabalho, um exrcito disposto

    sempre a ser explorado na medida em que reclamem suas necessidades variveis

    de valorizao

    2

    (Marx 1976 pg. 95).

    2 [...]dispuesto siempre para ser explotado a medida que los reclamen sus necesidades variables de

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    17/51

    16

    O aumento da populao em situao de rua ocorreu, portanto, devido ao

    grande nmero de pessoas desempregadas ou inseridas em trabalhos precrios e

    que com a retrao do Estado ficaram sem nenhum tipo de amparo.

    A Proteo Social Especial, na qual esto inseridos os centros de referncia

    especializados para atendimento da populao em situao de rua:

    (...) destina-se a famlias e indivduos em situao de risco pessoal ousocial, cujos direitos tenham sido violados ou ameaados. Para integrar asaes da Proteo Especial, necessrio que o cidado esteja enfrentandosituaes de violaes de direitos por ocorrncia de violncia fsica oupsicolgica, abuso ou explorao sexual; abandono, rompimento oufragilizao de vnculos ou afastamento do convvio familiar devido aplicao de medidas.3.

    A implementao de Centros de Apoio populao em situao de rua

    ento uma estratgia do Estado para responder s necessidades desse segmento e

    dar visibilidade a essa populao e desistigmatiz-la, pois passa a considerar que a

    situao de rua fruto da extrema pobreza e no uma opo do indivduo,

    portanto, responsabilidade do poder pblico.

    1.3- A Populao de Rua no Brasil

    No Brasil os primeiros estudos referentes populao em situao de rua foram

    realizados somente a partir de 1990, quando essa populao se ampliou e passou a

    ser reconhecida no campo da assistncia social. Foi nesse perodo tambm que o

    Brasil abriu as portas para o capital estrangeiro a fim de buscar um desenvolvimento

    econmico maior. (SILVA, 2009). Para Silva:

    Essa abertura exigia produtos nacionais variados, de melhor qualidadee preos competitivos. Isso levou as empresas nacionais a promoveremprofundas transformaes em seus processos produtivos e modo de gestoda fora de trabalho, o que resultou, em ltima instncia, na desarticulaoda cadeia produtiva, na maior intensidade do uso da fora de trabalho, nadiminuio de postos de trabalho, no aviltamento do valor de salrios e noaumento da informalidade do trabalho, gerando um quadro de precarizaodas condies e relaes de trabalho de parte expressiva da fora detrabalho do Pas. (SILVA, 2009, p.83)

    valorizacin Traduzido de:http://books.google.es/books?id=E61y4pjm48C&lpg=PA91&dq=ej%C3%A9rcito%20industrial%20de%20reserva&hl=es&pg=PA95#v=onepage&q&f=false.Acessado em:12/04/2012.

    3Disponvel em:http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaoespecial/.Acessado em: 09/07/2012.

    http://books.google.es/books?id=E61y4pjm48C&lpg=PA91&dq=ej%C3%A9rcito%20industrial%20de%20reserva&hl=es&pg=PA95#v=onepage&q&f=falsehttp://books.google.es/books?id=E61y4pjm48C&lpg=PA91&dq=ej%C3%A9rcito%20industrial%20de%20reserva&hl=es&pg=PA95#v=onepage&q&f=falsehttp://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaoespecial/http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaoespecial/http://books.google.es/books?id=E61y4pjm48C&lpg=PA91&dq=ej%C3%A9rcito%20industrial%20de%20reserva&hl=es&pg=PA95#v=onepage&q&f=falsehttp://books.google.es/books?id=E61y4pjm48C&lpg=PA91&dq=ej%C3%A9rcito%20industrial%20de%20reserva&hl=es&pg=PA95#v=onepage&q&f=false
  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    18/51

    17

    Essa conjuntura contribuiu para o empobrecimento da populao e

    consequentemente para o crescimento da populao em situao de rua que,

    mesmo sendo um fenmeno h muito existente, somente em 2005 passou a serdiscutido seriamente pelo governo brasileiro4.

    importante frisar que as discusses acerca da populao em situao de

    rua no surgiram exclusivamente dos esforos do Estado, mas tambm de presses

    de segmentos da sociedade. Segundo o Movimento Nacional da Populao de Rua:

    Desde meados da dcada de 1960, j se observam iniciativas deorganizao da populao em situao de rua em algumas cidadesbrasileiras e, de forma mais intensa, no final dos anos de 1990. Nos anosseguintes e at o incio do sculo XXI, h inmeras mobilizaes frente ausncia de polticas pblicas, apesar de as pessoas em situao de ruanelas envolvidas estarem desprovidas de condies bsicas de vida. Nesseprocesso organizativo, houve sempre a colaborao de organizaessociais de diferentes matizes religiosos.5

    A partir da redemocratizao do Pas, em 1988, a populao em situao de

    rua passou a se organizar mais efetivamente, tentando por fim ao assistencialismo e

    represso que pautava o atendimento a essa populao. Em 1993 foi criado o

    Frum Nacional de Estudos Sobre Populao de Rua (BRASIL, 2009). Assim :

    O Frum Nacional de Estudos Sobre Populao de Rua garantiu visibilidadee possibilitou uma maior mobilizao da populao em situao de rua peloacesso moradia, sade e assistncia social. Os Seminrios Nacionais,organizados pelo Frum Nacional resultaram no 1 Congresso Nacional dosCatadores de Materiais Reciclveis e na 1 Marcha do Povo da Rua, emBraslia em, 2001, contribuindo para o processo de visibilidade dapopulao em situao de rua na Agenda Pblica (BRASIL, 2009)

    Os participantes do 1 Congresso Nacional dos Catadores de Materiais

    Reciclveis e da 1 Marcha do Povo da Rua se uniram e publicaram uma CartaAberta na qual, entre outras coisas, reivindicavam:

    -Reconhecimento, por parte dos governos, em todos os nveis einstncias, da existncia da Populao de Rua, incluindo-a no Censo doIBGE e garantindo em lei a criao de polticas especficas de atendimentos pessoas que vivem e trabalham nas ruas, rompendo com todos os tiposde discriminao.

    -Priorizao da gerao de oportunidades de trabalho, com garantiade acesso a todos os direitos trabalhistas, aos Moradores de Rua,

    4BRASIL Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. I Encontro Nacional sobre Populao emSituao de Rua: relatrio. Braslia, DF : Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome, Secretariade Avaliao e Gesto da Informao, Secretaria Nacional de Assistncia Social, 2006.

    5Disponvel In:http://www.falarua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=70&Itemid=88.Acessadoem 07/05/2012

    http://www.falarua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=70&Itemid=88http://www.falarua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=70&Itemid=88
  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    19/51

    18

    superando especialmente as discriminaes originadas na falta de domiclioe/ou na indicao de endereos de albergues.

    Incluso dos Moradores de Rua no Plano Nacional deQualificao Profissional, como um segmento em situao devulnerabilidade social, garantindo seu encaminhamento a formas de

    trabalho que geram renda.- Garantia de atendimento no Sistema nico de Sade - SUS aos

    Moradores de Rua, abrindo tambm sua incluso nos programas especiais,como sade da famlia e similares, sade mental, DST/AIDS/HIV eoutros, instituindo casas-abrigo para apoio dos que esto emtratamento.(BRASLIA, 2001)6

    Foram essas articulaes, portanto, que contriburam para a criao da

    Poltica Nacional para Populao em Situao de Rua, que assinala um avano na

    luta por direitos dessa parcela da populao, mas que no pode ser tida como um

    resultado final, pois h muito por fazer at que a populao em situao de rua

    consiga pleno acesso aos seus direitos, uma vez que esta uma Poltica muito

    recente e ainda em fase de implementao, no estando ainda em pleno

    funcionamento.

    1.3.1Caractersticas da Populao em Situao de Rua

    So vrios os fatores que levam os indivduos a ficarem em situao de rua.

    Segundo Silva:

    Os fatores mais enfatizados pela literatura contempornea so a rupturados vnculos familiares e comunitrios, a inexistncia de trabalho regular e aausncia ou insuficincia de renda, alm do uso frequente de lcool eoutras drogas e problemas atinentes s situaes de desabrigo. (SILVA,2009, p.105)

    A maioria desses fatores resultado das desigualdades geradas pelo sistema

    capitalista e as mudanas impostas por ele no mundo do trabalho, que exigem cada

    vez mais do trabalhador em prol da acumulao de capital. Porm:

    (...) ao mesmo tempo em que cresce a acumulao de capital crescetambm o acmulo de misria, o trabalhador estranho mercadoria queproduz, e por vezes sequer recebe salrio suficiente para compr-las.Assim, a pobreza se v presente na totalidade da vida do indivduo, namedida em que suas condies de trabalho no lhe proporcionam prazerem exercer sua atividade laborativa devido a inmeros fatores como osbaixos salrios e a presso pelo cumprimento de metas. Suas condies de

    moradia tambm so afetadas devido a suas precrias condies salariaisque o impossibilitam de possuir um local confortvel e seguro para morar.

    6Disponvel em:http://www.mncr.org.br/box_1/principios-e-objetivos/carta-de-brasilia.Acessado em: 23/07/2012

    http://www.mncr.org.br/box_1/principios-e-objetivos/carta-de-brasiliahttp://www.mncr.org.br/box_1/principios-e-objetivos/carta-de-brasilia
  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    20/51

    19

    Entre tantas outras contradies que permeiam a vida dos indivduos e quese encontram diretamente subordinadas perversa lgica capitalista. Nessadireo pode-se afirmar que a populao em situao de rua constitui-secomo o ponto mais extremo de uma vulnerabilidade em massa que afeta asgrandes camadas populares. (FRAGA, 2009, p.30)

    A colocao de Fraga caracteriza bem a conjuntura que levou ao aumento da

    populao em situao de rua e retira o esteretipo que se tem de que essa

    populao formada por vagabundos que no tem interesse em trabalhar e que

    querem viver somente encostados a custas do Estado. Fica claro tambm que a

    populao em situao de rua no est inserida nessa situao por uma escolha

    pessoal ou opo de vida, mas sim por causalidades diversas, inerentes aos

    determinantes do sistema capitalista que explora o trabalhador e muitas vezes no

    oferece a este nem o bsico para sua sobrevivncia, que seria um lugar para viver.

    Como a maior parte das pessoas que esto em situao de rua busca se

    inserir no mercado de trabalho, a maior parte delas est nos grandes centros

    urbanos, onde ocorre uma maior circulao de capital. Com isso, as alternativas

    de trabalho para garantir a subsistncia diria so favorecidas, ainda que sejam

    precrias, como as acessveis s pessoas que fazem da rua espao de moradia e

    sustento (SILVA, 2009, p.116). Percebe-se ento que a populao em situao de

    rua se preocupa com seu sustento imediato, em conseguir comer pelo menos

    naquele dia. uma populao sem perspectiva, desprovida de qualquer cidadania e

    invisvel aos olhos do Estado.

    1.3.2 - A Migrao no Brasil

    Migrao interna aqui definida como transio fsica de um indivduo (oude um grupo) de um setor geogrfico para outro. Migrante o indivduo (ouo grupo) que deixa uma rea onde est localizada a maior parte de sua redede interaes e vai para outra rea onde a rede de contatos lhe inicialmente estranha. (PASTORE, 1969, p.9)

    Pastore define a migrao e o migrante de forma clara e objetiva, deixando

    claro que o migrante ao mudar de uma rea para outra deixa para trs a maior parte

    de seus conhecidos, amigos e de sua famlia. Tal fato no deve ento ser tratado

    como algo simples. Deve-se levar em conta que o migrante abdica de seu local j

    conhecido, sua rede de interaes por algum motivo muito forte. Para Pastore essa

    abdicao se daria devido busca de algo novo e melhor, de uma nova perspectiva

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    21/51

    20

    de vida devido a algum descontentamento. Buscam ento algo novo que possa

    satisfazer suas necessidades. Devemos pois levar em conta que a satisfao

    emerge no s de realizaes concretizadas mas tambm da percepo de

    realizaes futuras. Assim, um indivduo tambm sente satisfao quando percebe a

    possibilidade de mobilizar recursos para alcanar objetivos esperados no futuro

    (Pastore, 1969,p.12). Logo, a perspectiva de um futuro melhor que leva as

    pessoas a migrarem de um local ao outro. a necessidade de mudar de condio

    de vida, de sair de uma regio que no lhe oferece nada e ir em busca de uma nova

    oportunidade sem se importar com as dificuldades que iro encontrar.

    O migrante ento est insatisfeito no local onde vive e busca em outra regio

    o que no pode ou no conseguiu obter onde vivia. Logicamente o motivo deinsatisfao diferente de uma regio e de um migrante para outro, porm para

    Santos (1994) todos os motivos esto ligados ao modo capitalista de produo,

    sendo que no Brasil a migrao interna corresponde ao xodo rural, que tambm

    um reflexo do sistema capitalista e teve incio na dcada de 30 do sc. XX, quando o

    Brasil iniciou seu processo de urbanizao, inclusive no campo. Assim:

    As pessoas que no encontram mais trabalho no campo dirigem-separa as cidades, engrossando a fileira dos trabalhadores ou candidatos aum trabalho urbano-industrial. No entanto no haver trabalho para todos,advindo da boa parte dos problemas, como os que conhecemos atualmente(SANTOS, 1994, p. 81)

    A autora no explica que problemas seriam esses, mas podemos deduzir que

    ela se refere extrema pobreza de grande parcela da populao, incluindo nesse

    montante a populao em situao de rua, que vive s margens da sociedade a

    espera de uma incluso no sistema capitalista.

    Com os trabalhadores do campo migrando para a cidade o mercado de

    trabalho no teve capacidade de absorver a todos os trabalhadores, pois a

    populao urbana cresceu muito rapidamente. Em 1920 somente 17% da populao

    residia nas cidades. Em 1960 a populao urbana j era maior que a rural, tendo

    essa populao aumentado ainda mais at a dcada de 1980, estimando-se que

    nessas duas dcadas tenham migrado do campo para as cidades aproximadamente

    43 milhes de pessoas. Com o constante crescimento das cidades, at os anos

    2000 a migrao para as cidades continuou, porm no se concentrando mais nos

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    22/51

    21

    grandes conglomerados, mas sim nas cidades perifricas. (BRITO, 2006)7

    A modernizao fez ento com que o trabalho se centralizasse nas cidades e

    diminusse as oportunidades de trabalho no campo, pois naquele espao tambm

    houve modernizao, tendo as mquinas ocupado grande parte do trabalho dos

    camponeses que at ento s conheciam o trabalho no campo, no estando

    preparados para o trabalho nas cidades.

    Para Fraga:

    (...) o processo de urbanizao da economia brasileira aprofundou aspobrezas e as desigualdades sociais, pois esteve apoiado numa maiorconcentrao de renda. Apesar da expanso das camadas mdias, queapresentam um bom poder aquisitivo e contribuem para a expanso domercado consumidor, a diferena de rendimento entre ricos e pobres hojemuito maior que no incio da modernizao (FRAGA, 2006, p.22)

    Esse processo de urbanizao e migrao atinge tambm a cidade de

    Florianpolis que atrai no somente o migrante pobre, mas tambm o migrante rico,

    ambos atrados pelo constante crescimento de Florianpolis. Porm, enquanto o

    primeiro busca a cidade com condies de manter seu sustento, o segundo vem em

    busca de seu sustento, seduzido pela ideia de que Florianpolis absorve a todos por

    ser uma cidade turstica onde circula um grande volume financeiro (FRAGA,

    2006,p.24).

    O migrante pobre, ento, se v em uma cidade desconhecida, longe das

    pessoas com as quais se relacionava e tentando obter uma melhor qualidade de

    vida, ou seja, tem que ir contra muitas adversidades para atingir seu objetivo. Por

    isso:

    (...) redes de solidariedade, apoio familiar, suporte de proteo social domunicpio, entre outros, tambm contribuem para a permanncia do mesmo,a fim de alcanar os objetivos pelo qual migrou. Em caso de inexistncia desuporte, a maioria dos migrantes opta por retornar ao local de onde partiu,ou ento seguir para outro destino, o qual acredita ser mais vivel,ocasionando assim, o processo migratrio de carter circular, em que oindivduo desloca-se de uma regio para outra, de acordo comoportunidades momentneas. (SCHMITZ,, p.21 )

    O migrante que no consegue atingir seu objetivo na nova regio acaba

    migrando para outro local, sempre em busca de seus objetivos e sempre disposto a

    migrar novamente sempre que seus objetivos no forem alcanados, pois ele

    7Disponvel em:http://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v20n57/a17v2057.pdf.Acessado em: 08/06/2012

    http://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v20n57/a17v2057.pdfhttp://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v20n57/a17v2057.pdfhttp://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v20n57/a17v2057.pdfhttp://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v20n57/a17v2057.pdf
  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    23/51

    22

    visualiza em outro local sua chance de alcan-los. Porm a falta de oportunidades

    faz com que muitas vezes o migrante acabe em situao de rua e permanea nessa

    situao mesmo aps o retorno sua cidade, pois l tambm no encontra

    oportunidades.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    24/51

    23

    2-A Poltica Municipal para a populao em situao de Rua em Florianpolis

    2.1. O Centro de Referncia Especializado em Populao em Situao de Rua

    (Centro-POP) e o Programa Abordagem de Rua.

    Na cidade de Florianpolis o Centro de Referncia Especializado em

    Populao em Situao de Rua (Centro POP),previsto pelo decreto 7.053 de 2009,

    foi implementado em dezembro de 2010. Porm j havia o Programa Abordagem de

    Rua, criado em 1996 e que inicialmente abordava somente crianas e adolescentes,

    porm sem uma equipe especfica pra este fim. Somente em 2001 o Programa

    Abordagem de Rua passou a atender tambm adultos (CASAGRANDA, 2001). AAbordagem de Rua:

    (...) caracteriza-se como uma proposta scio- educativa, que tem comoobjetivo oportunizar o resgate de vnculo de crianas adolescentes e adultosque fazem das ruas seu espao de moradia e sobrevivncia, comsegmentos organizados da comunidade (famlia, escola, unidades desade, programas e/ou projetos sociais, recambiamentos e comunidadesteraputicas, evitando sua exposio aos riscos que a rua oferece.(CASAGRANDA, 2006 pg.18).

    A Abordagem

    de rua ainda existe, porm agora atende somente adultos, notendo em Florianpolis um Servio Especializado em Abordagem Social como

    previsto. O Servio Especializado em Abordagem Social oferecido pelo Centro

    POP s pessoas de todas as idades que utilizam os espaos pblicos como moradia

    e sua implementao opcional. J o Servio Especializado para pessoas em

    Situao de Rua obrigatoriamente ofertado pelo Centro POP. (BRASIL, 2011)

    Embora tenham finalidades semelhantes, o Projeto Abordagem de Rua e o

    Servio Especializado para Pessoas em Situao de Rua coexistem dentro doCentro POP de Florianpolis. O Servio Especializado para Pessoas em Situao

    de Rua tem por finalidade: Assegurar atendimento e atividades direcionadas para o

    desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de fortalecimento de vnculos

    interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construo de novos projetos de

    vida (BRASIL, 2011). A diferena entre os dois est no fato de que o primeiro vai at

    a populao em situao de rua, enquanto o segundo atende a populao que vem

    at o Centro POP por meio e um processo espontneo.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    25/51

    24

    2.2. Ncleo de Apoio FamliaRodovirio

    2.2.1- Histria

    O Ncleo Rodovirio de Apoio Famlia -NAF est inserido na Proteo

    Social de Mdia Complexidade e surgiu em 2003 para fazer o recambiamento8de

    pessoas no naturais de Florianpolis que se encontrassem em situao de

    vulnerabilidade social e que possussem parentes em outras cidades9. O

    recambiamento feito atravs de disponibilizao de passagens rodovirias para os

    usurios. Segundo Viccari (2008) no incio o NAF- Rodovirio funcionava com verba

    federal, sendo que em 2005 a responsabilidade passou a ser do municpio deFlorianpolis por meio da Secretaria Municipal de Assistncia social.

    Embora esteja no Plano Municipal de Assistncia Social de Florianpolis que

    o NAF deve ser formado por 1 coordenadora, 1 assistente social, 1 psicloga, duas

    estagirias de servio social e 1 estagiria de psicologia, no momento fazem parte

    do quadro de funcionrios do NAF somente duas estagirias de servio social,

    ficando a coordenao do projeto sob responsabilidade da coordenadora do Centro

    Pop (FLORIANPOLIS, 2009). Desde seu surgimento em 2003 at janeiro desteano (2012) o projeto funcionou em um anexo do Terminal Rodovirio Rita Maria,

    porm sem coordenao desde 2011 e sem assistentes sociais desde janeiro de

    2012, o NAF foi transferido para o Creas-POP, situado no centro de Florianpolis,

    anexo a Passarela de Samba Nego Quirido.

    O Naf surgiu por meio de uma pesquisa realizada pelo programa Abordagem

    de Rua10, que constatou que uma grande parte da populao em situao de rua

    no era natural de Florianpolis. A Abordagem de Rua foi criada para:

    (...) oportunizar o resgate de vnculo com as crianas, adolescentes eadultos que fazem das ruas seu espao de moradia e sobrevivncia, comsegmentos organizados da comunidade (famlia, escola, unidade de sade,programas e/ou projetos sociais, recambiamentos e comunidades

    8 No encontrei no projeto uma conceituao do termo. Segundo o Dicionrio Silveira Bueno

    Recambiarsignifica: Fazer voltar ao lugar de onde viera9 In. FLORIANPOLI. PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANPOLIS. Secretaria da Criana adolescente,

    idoso, famlia e desenvolvimento social. Projeto Ncleo de Apoio a Famlia -Rodoviria (NAF-R)

    Florianpolis, 200310In. SCHMITZ, Alice. A MIGRAO COMO EXPRESSO DA QUESTO SOCIAL: UM ESTUDO A PARTIR DAPOPULAO ATENDIDA NO NCLEO DE APOIO FAMLIA - RODOVIRIO (NAF-R). 2009. 91 f. Trabalhode Concluso de Curso.Departamento de Servio Social. Universidade Federal de Santa Catarina,Florianpolis, 2009.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    26/51

    25

    teraputicas), evitando sua exposio aos riscos que a rua oferece(FLORIANPOLIS, 2009, p. 247).

    Assim o NAF surgiu como um suporte para a Abordagem de Rua, que

    encaminha o migrante em situao de rua para o NAF, seja ela natural de

    Florianpolis ou no para que haja um resgate de vnculos entre o migrante em

    situao de rua e sua famlia e sua cidade de origem.

    2.2.2 Objetivos do NAF-Rodovirio

    Segundo o Projeto do Ncleo de Apoio Famlia, objetivo geral do NAF:

    Desenvolver aes que visem o acolhimento s famlias e pessoas migrantes

    vulnerabilizadas socioeconomicamente, proporcionando o resgate de sua cidadania

    e favorecendo o desenvolvimento pessoal e social. (FLORIANPOLIS, 2003).

    So objetivos especficos do NAF:

    -Acolher as pessoas que, preferencialmente chegam a cidade deFlorianpolis atravs do Terminal Rodovirio Municipal;

    -Desenvolver atividades de orientao, encaminhamento eacompanhamento, acerca dos servios sociais;-Articular e tecer uma rede entre Conselhos, Sociedades Civil Organizada,Municpios, Estados e Projetos de mbito municipal, visando troca deinformao, atendimento ao migrante e possibilitando a construo conjuntade aes que promovam a cidadania e solues de problemas;-Recambiar usurio adulto em situao de rua para sua s cidades de origeme/ ou a reintegrao familiar. (FLORIANPOLIS, 2003).

    De acordo com o ltimo Plano Municipal de Assistncia Social o NAF um

    servio destinado a pessoas ou famlias migrantes vulnerabilizadas scio

    economicamente, desenvolvendo: triagem, orientao, encaminhamento aosservios socioassistenciais e concesso de passagens terrestres intermunicipais e

    interestaduais e tem como objetivo recambiar usurios em situao de rua para

    suas cidades de origem e/ou reintegrao familiar (FLORIANOPOLIS, 2009).

    O projeto do NAF traz tambm propostas de aes, como:

    Acompanhar a famlia migrante, atravs de atendimento psicossocial,quando esta for encaminhada a albergues e/ou casas de passagem.

    Viabilizar incluso ao atendimento bsico emergencial. Encaminhar usurio de drogas (populao adulta), s comunidades

    teraputicas conveniadas, como tambm rede hospitalar. Sistematizao de encontros e fruns de discusso com entidades

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    27/51

    26

    afins. Propor parcerias do NAF Rodovirio com entidades de pesquisa de

    ensino superior no intuito de qualificar as aes do programa e construiraes de interveno eficazes de ateno famlia migrante(FLORIANPOLIS, 2003)

    Cabe lembrar que desde maro de 2012 o encaminhamento dos usurios de

    drogas s comunidades teraputicas de Florianpolis feito exclusivamente atravs

    do CAPS ad (Centro de Ateno Psicossocial- lcool e drogas) que, desde 2002

    deve responsabilizar-se pela organizao da demanda e da rede de instituies de

    ateno a usurios de lcool e drogas, no mbito de seu territrio BRASIL (2002).

    O encaminhamento a albergues no ocorre mais porque o nico albergue de

    Florianpolis, que era mantido pela Maonaria, foi fechado h aproximadamente 2anos. O encaminhamento Casa de Apoio11, por sua vez, pode ser feito somente

    pelo Centro-POP, assim como o encaminhamento para a Casa de Passagem, que

    recebe somente crianas e adolescentes sozinhos ou acompanhados de suas mes,

    enquanto a casa de apoio recebe somente homens maiores de 18 anos.

    De acordo com o Projeto do NAF, o monitoramento e avaliao dar-se-ia

    atravs de indicadores como o n de famlias atendidas, o percentual de reduo

    do fluxo migratrio, percentual de insero social da populao migrante e onmero de recambiamentos realizados. Os resultados esperados eram: reduo

    do nmero de famlias migrantes em situao de rua consolidao da rede de

    atendimento e reintegrao familiar atravs do recambiamento para a cidade de

    origem (FLORIANPOLIS, 2003)

    Os gastos com passagens somados nos anos 2009, 2010 e 2011 chegam a

    R$139.761,28, sendo que 80% desse valor foi gasto em 2010 e 2011. De acordo

    com o Plano Municipal de Assistncia de 2009 para os anos de 2010, 2011, 2012

    2013 o NAF ter um custeio de R$120.000,000, R$140.000,000, R$160.000,000 e

    R$180.000,000, respectivamente, e um investimento de R$10.000,00, R$15.000,00

    R$20.000,00 e R$25.000,00 respectivamente. Porm esses gastos no ficam

    especificados no Plano. (FLORIANPOLIS, 2009).

    11 A Casa de Apoio Social ao Morador de Rua implantada em Janeiro de 2007, um servio de Proteo SocialEspecial de Alta Complexidade que se destina ao acolhimento de pessoas com idade acima de 18 anos, do sexomasculino, em situao de rua, com vnculos familiares fragilizados e/ou rompidos; encaminhados pelo CentroPOP.Disponvel em:http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/semas/index.php?pagina=servpagina&menu=3&id=4617.Acessado em 24/07/2012

    http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/semas/index.php?pagina=servpagina&menu=3&id=4617http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/semas/index.php?pagina=servpagina&menu=3&id=4617http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/semas/index.php?pagina=servpagina&menu=3&id=4617http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/semas/index.php?pagina=servpagina&menu=3&id=4617
  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    28/51

    27

    3.O Cotidiano, a Famlia e o Exerccio Profissional no NAF

    3.1 - A Rotina do NAF

    O NAF est localizado na Passarela de Samba Nego Quirido, localizada na

    Avenida Gustavo Richard s/ n, no centro de Florianpolis. Em sua infraestrutura

    possui duas salas dentro do Centro-POP, uma para os arquivos, computadores,

    telefones e documentos necessrios para a realizao do trabalho e outra exclusiva

    para o atendimento aos usurios.

    Na primeira sala, usada para apoio administrativo, esto os arquivosreferentes aos atendimentos aos usurios desde 2010. Os arquivos de 2003 a 2009

    ainda esto na antiga sede do NAF, no Terminal Rodovirio Rita Maria. nesta sala

    que os funcionrios no NAF ficam quando no esto atendendo os usurios, sendo

    que nela h uma mesa para uso comum e duas mesas com um computador e um

    telefone em cada uma. Os computadores possuem conexo com a internet e

    guardam um arquivo com o nome de todos os usurios j atendidos pelo NAF. Este

    cadastro prprio do NAF e est disponvel somente nos computadores do projeto.Nos armrios ficam guardadas as passagens rodovirias, as fichas de atendimento e

    as declaraes de embarque que so preenchidas quando o usurio recebe

    passagem.

    Na segunda sala so realizados os atendimentos aos usurios de segunda a

    sexta feira das 8h s 18h. So atendidos em mdia 100 usurios por ms. A sala

    possui piso de azulejo verde e as paredes so brancas e amarelas. H duas portas

    de acesso sala, uma ao lado da outra. Somente uma, porm, usada, pois a outraencontra-se desparafusada, no podendo ser aberta. H tambm duas grandes

    portas vermelhas que do acesso a duas varandas que ficam de frente para a

    passarela de samba. Na sala tambm h resqucios das decoraes de carnaval

    (fitas coloridas nos cantos da sala e fitas adesivas no teto). Para viabilizar o

    atendimento h uma mesa e duas cadeiras, caso seja necessrio mais cadeiras, h

    aproximadamente 5 delas empilhadas no canto da sala. A sala fria e muito grande

    e seu acesso restrito aos funcionrios, sendo que o usurio s entra nela

    acompanhado. As decoraes de carnaval, as portas danificadas e as cadeiras

    empilhadas em um canto deixam transparecer que essa sala um local improvisado

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    29/51

    28

    e pouco adequado para se fazer um atendimento.

    O Centro POP um local de difcil acesso, pois no possui nenhum tipo de

    adaptao para deficientes fsicos na sua estrutura. A passarela que atravessa a

    avenida onde fica situado o Centro POP tambm no possui qualquer estrutura para

    a passagem de deficientes fsicos.

    Enquanto os usurios aguardam o atendimento, eles ficam no hall do Centro

    POP, onde h um banco almofadado de 4 lugares, 11 cadeiras de plstico e um

    bebedouro. Na parede h cartazes alertando sobre a preveno de HIV, contra o

    preconceito sexual e com os horrios de atendimento e com os horrios em que so

    servidas as refeies (caf da manh, almoo e lanche).

    H tambm uma mesa e uma cadeira onde fica o vigilante do Centro POP,que anota os nomes dos usurios, pergunta o que eles desejam e repassa os

    documentos para atendimento. A entrada dos usurios ao Centro POP s

    permitida para o atendimento e para comer e tomar banho, sendo que para isso eles

    tem que aguardar no hall enquanto a funcionrio do Centro POP no os chama.

    No Centro POP transitam assistentes sociais (geralmente 2 a tarde e 2 pela

    manh), educadores (2 pela manh e 1 a tarde), 1 policial militar, um motorista, uma

    funcionria responsvel pela limpeza, uma funcionria responsvel por servir asrefeies e dois vigilantes que se revezam nos dias da semana. Os educadores, o

    policial e o motorista passam a maior parte do tempo na rua realizando a abordagem

    social. As assistentes sociais no os acompanham, tendo o usurio que se deslocar

    at o Centro POP para o atendimento. De todos os funcionrios que frequentam o

    centro POP, somente duas assistentes sociais no so terceirizadas pela prefeitura.

    Antes de iniciar o atendimento pelo servio social h uma ficha a ser

    preenchida com os dados do usurio (nome, filiao, nmero de documento, data denascimento e naturalidade). Depois do preenchimento realizada uma entrevista por

    uma das estagirias do NAF para sabermos as necessidades do usurio.

    Perguntamos de onde ele vem e o que veio fazer em Florianpolis, alm de outros

    questionamentos que vo surgindo de acordo com a fala do usurio. Ainda na ficha

    com os dados do usurio deve ser assinalado se o usurio dependente qumico ou

    se possui transtornos psiquitricos. Deve tambm ser solicitado o endereo e

    telefone em Florianpolis e endereo e telefone para recambiamento.

    Aps a entrevista feito a transcrio do relato do usurio e completado o

    preenchimento da ficha de atendimento com a idade do usurio, sexo, regio de

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    30/51

    29

    procedncia, motivo de sua vinda Florianpolis, o encaminhamento realizado pelo

    NAF, a origem do encaminhamento para o NAF, o motivo pelo qual o usurio ser

    recambiado e a cidade para onde ser deslocado. Nem sempre todas as

    informaes podem ser preenchidas, pois nem sempre realizado um

    encaminhamento. Nesse caso o campo do encaminhamento fica em branco. No

    caso de termos que pedir a passagem para o usurio a ficha fica separada para que

    seja feita uma comunicao interna para a Secretaria Municipal de Assistncia

    Social, mais precisamente para a diretora de servios de Mdia Complexidade, que

    vai passar o pedido de passagem para o setor financeiro da Secretaria.

    3.1.2 - O Perfil da Populao Atendida

    A maioria dos usurios atendidos pelo NAF, segundo informaes estatsticas

    do projeto que so entregues ao setor de planejamento da Secretaria de Assistncia,

    so homens que vieram a Florianpolis em busca de emprego. Em 2009, de um total

    de 1.668 pessoas atendidas 1282 eram homens, o que corresponde a 76,8% do total

    de atendimentos. Em 2010 o percentual praticamente se mantm (76,5%) e em 2011o percentual de 78,2%. Fato curioso, j que durante as entrevistas a maioria dos

    usurios demonstra urgncia em obter a passagem que, em mdia somente 41,7%

    das pessoas atendidas recebem a passagem solicitada. De 2009 a 2011 foram 4.700

    atendimentos e somente 1.958 passagens disponibilizadas. Isso se deve entre

    outros fatores a demora na chegada das passagens, o que leva muitos usurios a

    conseguirem retornar s suas cidades por meios prprios, sejam eles a

    mendicncia, ajuda de amigos ou familiares ou a realizao de bicos e tambm aovnculo que o usurio constri na cidade, o que faz com que ele deseje permanecer.

    Embora tenhamos mais informaes dos usurios, as mesmas no aparecem nas

    estatsticas pois somente o sexo e o nmero de atendimentos so exigidos pelo

    setor de planejamento da Secretaria Municipal de Assistncia Social. Assim os

    estatsticos nunca so corretamente preenchidos.

    As mulheres atendidas pelo NAF vem na sua maioria acompanhadas por sua

    famlia e/ou companheiro, esto h pouco tempo em Florianpolis e no possuem

    mais condies de se manterem na cidade. Caso essas famlias estejam

    acompanhadas por crianas e adolescentes e estejam em situao de rua,

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    31/51

    30

    acionado o Conselho Tutelar. Caso ainda tenham um local para morar a solicitao

    de passagem feita normalmente atravs do NAF. So atendidas tambm pessoas

    que vieram utilizar o servio de sade de Florianpolis ou que necessitam utilizar o

    servio de sade de outro local. Nesse caso tambm solicitamos passagem, mas

    acredito que essa demanda deveria ser atendida pela sade do municpio ou do

    estado. J atendemos tambm apenados em sada provisria. Nesse caso no

    fornecemos passagem e encaminhamos o usurio a Pastoral Carcerria, com sede

    na Penitenciria de Florianpolis, no bairro Agronmica. Isso feito porque os

    usurios em sada provisria tem um prazo para reapresentarem e no possuem

    tempo para aguardar a chegada da passagem.

    No h registros contabilizados dos motivos que trouxeram os usurios Florianpolis, porm o que pude perceber durante a experincia de estgio que

    muitos vieram em busca de uma melhor qualidade de vida e de uma possibilidade

    de um emprego melhor e mais promissor. Muitos querem aproveitar a temporada de

    vero e a vinda de turistas para Florianpolis para ganhar algum dinheiro na cidade,

    o que fica visvel pelas estatsticas do NAF j que, de 2009 a 2011 os meses de

    fevereiro, maro e abril apontam 20% a mais de atendimentos que nos outros meses

    do ano. Porm sem qualificao e documentao essa populao acabadesempregada ou inserida em trabalhos precrios, no conseguindo manter seu

    sustento e tendo que fazer das ruas a sua morada.

    Essa percepo se deu porque o discurso dos usurios que vem em busca de

    emprego e melhores condies de vida so muito semelhantes. A maioria no

    possui mais oportunidades na cidade onde vive e decide vir Florianpolis pois

    acreditam que uma cidade promissora para todos e que tero facilidade em

    conseguir emprego. Nessa necessidade de ter uma renda e, consequentemente,uma melhor qualidade de vida, muitos acabam vindo trabalhar sem carteira

    assinada, acreditando em benefcios e facilidades que no lhes so dados. Assim

    acabam trabalhando em troca do mnimo possvel e, se muito, de um lugar para

    dormir, sendo que muitas vezes acabam trabalhado e no sendo pagos.

    A insero no mundo do trabalho no contribui necessariamente para uma

    incluso social. Quando o trabalho informal ou precrio, ou seja, se recebe

    somente para a sobrevivncia, o trabalhador no visto como tal e perde o acesso

    parte dos seus direitos e de sua cidadania. No primeiro caso porque no tem acesso

    s polticas contributivas e em ambos os casos porque estariam sobrevivendo com o

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    32/51

    31

    mnimo possvel. Segundo POCHMANN (1999).

    Diante da performance econmica decepcionante em termos de

    crescimento do produto e por conta do aumento do desemprego nas ltimasduas dcadas, vrios tipos precrios de ocupao passaram a seridentificados, muitas vezes, como formas de incorporao social possvel.Acontece, todavia, que estas novas formas de uso e remunerao parecemapontar para uma maior diferenciao no rendimento dos ocupados e para aampliao da pobreza, implicando um processo de excluso, muito mais doque integrao social (POCHMANN p.17).

    O perfil do usurio do NAF seria ento o cidado que no consegue se inserir

    no trabalho formal e que vem a Florianpolis em busca de uma melhor qualidade de

    vida, muitas vezes por causa do status de Florianpolis, capital do estado e alvo

    constante de campanhas publicitrias e reportagens que enaltecem a qualidade de

    vida da populao que vive em Florianpolis12. Segundo REIS (2007) a mdia tem

    participao na migrao porque exalta a gerao de empregos durante a

    temporada de vero. Segundo a autora os empregos gerados pelo turismo no

    trazem nenhuma vantagem para os empregados, uma vez que grande parte dos

    trabalhadores desta rea esto na informalidade, com subempregos, sequer tem

    Carteira de Trabalho assinada e recebem salrios muito baixos, e desta

    explorao da fora de trabalho que resultam os lucros do turismo. (REIS, 2007 P.

    46-47)

    Podemos caracterizar a populao atendida pelo NAF seria o que Iamamoto

    (2008) caracteriza como um segmento formado de contingentes de trabalhadores

    temporrios e/ou de tempo parcial, dotados de habilidades facilmente encontrveis

    no mercado, sujeitos aos ciclos instveis da produo e dos mercados .

    (IAMAMOTO, 2008, p. 27). Ainda segundo Iamamoto esse contingente crescente

    pois:

    A conteno salarial, somada ao desemprego e a instabilidade do trabalho,acentua as alteraes na composio da fora de trabalho, com a expansodo contingente de mulheres, jovens, migrantes minorias tnicas e raciais,sujeito ao trabalho instvel e invisvel, legalmente clandestino. Cresce otrabalho desprotegido e sem expresso sindical, assim como o desempregode larga durao. Os segmentos do proletariado excludos do trabalhoenvolvem trabalhadores idosos ou pouco qualificados e jovens pobres, cujoingresso no mercado de trabalho vetado ( IAMAMOTO, 2008, p. 27).

    12 Segundo o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento Florianpolis a cidade com o 4 melhor

    ndice de desenvolvimento humano do pas. De acordo com o mesmo programa para o calculo do IDH leva-se em conta os indicadores econmicos, educacionais e a taxa de longevidade da populao.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    33/51

    32

    A necessidade de se inserir no mercado de trabalho a todo custo o que faz

    com que as pessoas deixem suas cidades e saiam em busca de qualquer

    possibilidade de conseguir um emprego e acabem somente por se unir ao grupo

    excludo do mercado do trabalho ou precariamente inserido nele e que, sem renda,

    acaba tendo que habitar as ruas.

    3.1.3 - Queixas e Contradies do NAF

    Uma queixa constante dos usurios do NAF a falta de albergue na cidade.

    Muitos deles vem Florianpolis contando com isso para procurar um emprego e seestabelecer na cidade. Outra queixa a demora na chegada das passagens, que faz

    com que o usurio prolongue a sua estadia nas ruas. Esses fatores tornam a

    Abordagem de Rua um programa que no atende as necessidades de seus

    usurios, pois ele tira os usurios da rua e, caso ele seja migrante, o encaminha ao

    NAF, que no possui passagens para o retorno do usurio sua cidade. Logo, o

    usurio retorna rua e nem o NAF nem a Abordagem de Rua cumprem sua funo,

    pois no conseguem atender s necessidades dos usurios.Como j foi posto, a maior parte dos usurios em situao de rua desejava

    um emprego ou o retorno sua famlia. A primeira hiptese quase sempre invivel,

    pois sem endereo fixo, documentao e escolaridade acabavam tendo que

    permanecer nas ruas. A segunda opo acabava sendo mais comum, mesmo que

    em muitos casos a famlia j no possua nenhum vnculo com o usurio e no quer

    que este retorne ao convvio familiar. Outros usurios, porm, j tinham a rua como

    endereo e no possuam outra perspectiva para suas vidas, desejando somente umbanho ou uma refeio.

    Para fazer o recambiamento dos usurios pede-se um nmero telefnico para

    contato, porm como muitos usurios j esto h muito tempo nas ruas eles j no

    possuem esse nmero e no se relacionam com seus familiares, quando os tem, h

    algum tempo. Em alguns casos nos quais h um nmero telefnico para contato a

    famlia no tem interesse em receber o usurio. Nesse caso, no h o que fazer do

    ponto de vista institucional, pois nesta lgica de atendimento ou disponibilizada

    uma passagem para a cidade natal do usurio ou o deixamos na rua.

    Porm, mesmo que o usurio queira retornar sua cidade, ele tem que

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    34/51

    33

    esperar nas ruas, pois somente aps o atendimento ao usurio feita a solicitao

    da passagem para a Prefeitura, que leva em mdia 1 ms para repass-la ao NAF. A

    espera nas ruas ocorre porque no h albergue em Florianpolis e a Casa de Apoio

    ao morador de rua possui somente 30 vagas e est quase sempre lotada. Assim,

    mesmo o usurio que aceito pela famlia e quer retornar sua cidade permanece

    nas ruas, pois a resposta institucional dada pelo NAF se encerra no fornecimento de

    passagem.

    Devido demora no fornecimento da passagem os funcionrios do NAF no

    podem repassar aos usurios um prazo para que eles possam viajar. Isso acaba

    gerando um mal estar tanto nos usurios quanto nos funcionrios do NAF. Os

    primeiros porque no sabem quando podero deixar as ruas de Florianpolis, e ossegundos porque no tem informaes concretas para repassar aos usurios. Essa

    demora tambm causa um desgaste, pois aqueles que esto aguardando passagem

    vo, em muitos casos, ao NAF quase que diariamente para saber se a passagem j

    lhes est disponvel e tambm para solicitar banho e alimentao que oferecida no

    Centro-POP.

    Assim, como muitas vezes no possumos passagem de imediato, enquanto

    os usurios do NAF aguardam suas passagens eles frequentam o Centro POPdiariamente para se alimentar e o restante do tempo eles permanecem nas ruas.

    Assim a Abordagem de Rua e o NAF Rodovirio acabam resolvendo, se muito,

    apenas os problemas imediatos dos usurios. No h um acompanhamento ps

    recambiamento e muitos moradores de rua acabam peregrinando pelo Pas e

    retornando ao NAF algum tempo depois e, em sua maioria, se encontram na mesma

    situao em que se encontravam na primeira vez em que recorreram ao projeto.

    A nica sada oferecida pelo NAF acaba sendo o retorno famlia, no selevando em conta que em muitos casos o vnculo familiar j foi rompido ou nunca

    existiu. Assim o municpio se retira da responsabilidade de auxiliar o usurio de

    maneira efetiva, fazendo com que o Ncleo de Apoio Famlia funcione somente

    como um instrumento de transferncia de responsabilidade, tirando o dever do

    municpio e repassando-o famlia.

    O NAF ao dar prioridade famlia acaba indo de encontro com o estabelecido

    pela Poltica Nacional para a Populao em Situao de Rua, no levando em conta

    a realidade dessa populao uma vez que, de acordo com essa Poltica os vnculos

    familiares da populao em situao de rua se encontram rompidos ou fragilizados.

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    35/51

    34

    Colocar o contato familiar como condio para o fornecimento de benefcio

    atravs do NAF acaba sendo contraditrio, pois se trabalha com pessoas que h

    muito tempo no possuem um teto para morar e muitas vezes no se encaixam no

    conceito tradicional de famlia, uma vez que se consideram sozinhos no mundo ou

    veem em seus amigos e companheiros de rua a sua famlia.

    Assim o usurio que no possui um familiar para acolh-lo acaba no sendo

    atendido pelo municpio, ou seja, h um familismo que rege o funcionamento do

    NAF. Segundo Espring-Andersen (1991 apud MIOTO,2008,p.136) o familismo est

    presente nos sistemas de proteo social 'em que a poltica pblica considera -na

    verdade insiste- em que as unidades familiares devem assumir a principal

    responsabilidade pelo bem estar de seus membros' .Porm, essa condio imposta pelo NAF segue o que posto pela Poltica

    Nacional de Assistncia Social j que, segundo ela: So considerados servios de

    mdia complexidade aqueles que oferecem atendimentos s famlias e indivduos

    com seus direitos violados, mas cujos vnculos familiar e comunitrio no foram

    rompidos (BRASIL, 2004). A contradio est no fato de a populao atendida pelo

    NAF, na sua maioria, no se encaixar no perfil da Proteo Social Especial de Mdia

    Complexidade nem na proposta do projeto, uma vez que so pessoas em situaode rua com o vnculo familiar e comunitrio h muito tempo rompidos e a proposta

    do projeto era o atendimento s famlias. A populao atendida pelo NAF se

    encaixaria ento no perfil da Proteo Especial de Alta complexidade, pois a mesma

    oferece servios que:

    (...) visam a garantir proteo integral a indivduos ou famlias em situaode risco pessoal e social, com vnculos familiares rompidos ou

    extremamente fragilizados, por meio de servios que garantam oacolhimento em ambiente com estrutura fsica adequada, oferecendocondies de moradia, higiene, salubridade, segurana, acessibilidade eprivacidade. Os servios tambm devem assegurar o fortalecimento dosvnculos familiares e/ou comunitrios e o desenvolvimento da autonomiados usurios. 13

    Provavelmente essa contradio ocorra porque no h um monitoramento e

    avaliao como previsto no projeto do NAF, pois nas estatsticas percebemos que o

    nmero de famlias atendidas diminuiu, enquanto o nmero de atendimentos a

    indivduos afastados de suas famlias aumentou. Tambm se percebe que o nmero

    13Disponvel em:http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaoespecial/altacomplexidade.Acessado em:

    09/07/2012

    http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaoespecial/altacomplexidadehttp://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaoespecial/altacomplexidade
  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    36/51

    35

    de recambiamentos e atendimentos no diminui. Os resultados esperados tambm

    no so passveis de comprovao, uma vez que no h um acompanhamento do

    usurio recambiado, logo no h como saber se ele realmente se reintegrou sua

    famlia. So dados percebidos atravs da leitura de estatsticos enviados ao setor de

    planejamento da Secretaria Municipal de Assistncia Social mensalmente, o que

    mostra no haver um monitoramento e uma avaliao nem por parte da Secretaria

    nem por parte do prprio Ncleo de Apoio Famlia, que no se articula para que o

    projeto seja modificado para atender s demandas atuais.

    Essa falta de articulao se deve viso e concepo que o poder pblico

    municipal tem da populao em situao de rua e da prpria poltica, alm da falta

    de profissionais qualificados para atendimento no NAF. Como o projeto formadosomente por estagirios no h uma autonomia necessria para que haja uma

    modificao no projeto e no processo de trabalho do NAF. A falta de profissionais

    qualificados tambm deixa transparecer o descaso que h por parte do municpio de

    Florianpolis para com a populao em situao de rua.

    3.2Famlia e Polticas Pblicas

    3.2.1 - Famlia, Recambiamento e o Centro-POP

    Pode-se considerar o Ncleo de Apoio Famlia- Rodovirio um reflexo da

    responsabilizao das famlias, uma vez que coloca como condio para o

    recebimento do benefcio a comprovao da existncia de parentes na cidade aondeo usurio deseja ir, j que um dos objetivos do projeto a reintegrao familiar. Isso

    acaba por limitar a atuao do NAF, que repassa a responsabilidade de auxiliar o

    usurio sua famlia. Isso fica bastante visvel quando se faz contato com a famlia

    do usurio, pois se pergunta se a famlia tem possibilidade de arcar com os custos

    da passagem. Muitas vezes sabendo que o parente est em situao de rua a

    famlia acaba comprando a passagem, que na maioria das vezes cara (algumas

    chegam a custar mais de R$100) e faz diferena no oramento familiar.

    O repasse da responsabilidade famlia no reconhece os direitos do usurio

    e no responde s suas necessidades. Enquanto a Poltica Nacional para Populao

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    37/51

    36

    em Situao de Rua reconhece que a pessoa em situao de rua possui vnculos

    familiares rompidos ou fragilizados o Ncleo de Apoio Famlia exige que o usurio

    e a famlia assumam a responsabilidade pela situao posta pelo usurio, indo

    totalmente contra o que posto pela Poltica.

    O conceito tradicional que se tem de famlia aquela formada pelos pais e

    seus filhos, todos vivendo juntos. Embora essa concepo seja hegemnica, as

    famlias brasileiras vm sofrendo uma reconfigurao atravs dos anos devido s

    mudanas econmicas e sociais. Houve uma diminuio na taxa de fecundidade, um

    aumento na expectativa de vida e uma mudana no papel da mulher dentro da

    famlia. Tambm foi se perdendo a ideia do casamento indissocivel, que deveria

    durar para sempre, o que fez com que novas famlias fossem formadas aps odivrcio. (NASCIMENTO, 2006)

    A concepo de famlia, porm, bastante variada. Segundo Nascimento: A

    famlia o eixo de referncia pelo qual seus participantes elaboram e determinam

    suas relaes sociais, alm de ser o apoio para que homens, mulheres e crianas se

    organizem em torno da realizao de projetos comuns (NASCIMENTO, 2006 pg.2).

    O autor coloca tambm que a famlia possui outra concepo a partir do olhar

    antropolgico, que estuda a famlia atravs da organizao formada por umconjunto de pessoas com quaisquer laos reconhecidos de parentesco,

    independentemente do seu local de residncia. Outro olhar exposto por Nascimento

    o das cincias sociais, que v a famlia como um grupo e indivduos ligados por

    elos de sangue, de adoo ou de aliana socialmente reconhecidos e organizados

    em ncleos de reproduo social. Essas percepes vo de encontro a abordagem

    feita pela sociologia e pela demografia, j que estas ltimas consideram como

    famlia o grupo residente na unidade domstica (NASCIMENTO, 2006, pg. 4)Logo, percebemos que h diferentes noes sobre famlia. Para Sarti:

    (...) a famlia se delimita simbolicamente, baseada num discurso sobre siprpria, que opera como um discurso oficial. Embora culturalmenteinstitudo, ele comporta uma singularidade: cada famlia constri sua prpriahistria, ou seu prprio mito, entendido como uma formulao discursiva emque se expressam o significado e a explicao da realidade vivida, combase nos elementos objetiva e subjetivamente acessveis aos indivduos nacultura em que vive (SARTI, 2010)

    Partindo da colocao da autora supracitada, podemos dizer que no existeuma definio de famlia, mais sim definies de famlias, uma vez que elas se

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    38/51

    37

    constroem em seu prprio meio e sua prpria cultura, no podendo ser encaixadas

    em esteretipos pr-definidos. A dificuldade estaria ento em conseguir perceber a

    famlia longe das noes comuns e tambm longe da nossa concepo pessoal,

    uma vez que todos ns estamos inseridos em uma famlia. Ainda segundo Sarti, no

    podemos projetar a famlia em um dever ser. A famlia no possui uma finalidade

    nem um modelo ideal, uma vez que cada um apresenta uma noo de famlia.

    Como j foi exposto, a maioria dos usurios do Ncleo Rodovirio de Apoio

    Famlia so homens que vieram a Florianpolis em busca de emprego e de uma

    melhor qualidade de vida e acabaram no encontrando o que procuravam, ficando

    sem ter como prover seu sustento e de sua famlia.

    Na viso da poltica municipal por meio do NAF, muitas vezes essas pessoasno encontram maneira de retornar s suas casas e acabam em situao de rua. O

    objetivo do NAF, ento, fazer com que essas pessoas retornem s suas cidades e

    ao convvio familiar.

    Um dos critrios para a concesso de benefcio do NAF possuir famlia na

    cidade para onde o usurio deseja ir. Por isso se pede o nmero telefnico da famlia

    para uma conversa com a mesma, porm esse contato difcil, pois muitos usurios

    j se encontram h muito tempo afastados de suas famlias ou tiveram algum tipo dedesentendimento que resultou na sada de casa, fazendo tambm com que muitas

    famlias no aceitem o retorno do usurio.

    A exigncia de um contato familiar e o prprio nome do projeto -que frisa a

    famlia- seguem as tendncias das polticas pblicas brasileiras que, pautadas pela

    Poltica Nacional de Assistncia Social, tm a famlia como principal enfoque e ao

    mesmo tempo em que as prioriza, as responsabiliza pelos seus indivduos. O estado

    acaba sobrecarregando a famlia e intervindo somente quando a capacidade dafamlia se esgota e, assim, a assistncia surge para compensar alguma falha

    cometida por parte da famlia, que no foi capaz de cumprir o seu papel. (MIOTO,

    2011). Dessa forma h uma:

    (...) relao entre assistncia social e famlia mediada pela ideia de falncia.Esta, geralmente, medida pela sua incapacidade em buscar, gerir eotimizar recursos, que implica em grande medida a sua relao com aesfera do Trabalho. Incapacidade tambm em desenvolver adequadasestratgias de sobrevivncia e convivncia, em alterar comportamentos e

    estilos de vida, alm de no se articularem em redes de solidariedade.(MIOTO, 2011 p. 5)

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    39/51

    38

    Pode se perceber que a exigncia de se contatar a famlia, ao mesmo tempo

    em que uma maneira de tentar resgatar a convivncia familiar e comunitria

    tambm uma maneira de lhe chamar a ateno pela situao em que um de seus

    membros se encontra, j que esse contato pr-requisito para a concesso do

    benefcio, no caso a passagem rodoviria.

    Segundo Sawaia (2002), a escolha da famlia como enfoque das polticas

    pblicas se d devido ao afeto e a intimidade que a une e que muitas vezes so

    postos como uma obrigao. A autora tambm frisa que essa valorizao do afeto

    faz com que o Estado veja o afeto como um fim, como se as pessoas no tivessem

    nenhuma outra necessidade a ser suprida. Logo, os problemas dos indivduos

    seriam responsabilidade da famlia, pois foi ela que faltou com o afeto.Dentro da famlia so as mulheres vistas como as cuidadoras, as

    responsveis por dar o afeto e os homens vistos como os provedores, aqueles

    responsveis pelo sustento da casa e da famlia. Por isso os homens so os que

    saem em busca de trabalho, enquanto as mulheres permanecem em casa para o

    mantenimento e a ordem do lar. Nas famlias pobres, segundo Sarti, a casa

    identificada com a mulher, e a famlia com o homem. E isso o que faz as mulheres

    permanecerem com os filhos enquanto os homens procuram uma forma de mant-los (Sarti, 2010).

    Como muitas vezes no h trabalho disponvel nas cidades onde vivem os

    homens se veem obrigados a buscar o sustento da famlia em outros locais. Assim,

    ao mesmo tempo em que buscam o sustento de suas famlias, acabam se afastando

    delas, migram em busca de seu sustento. Essa necessidade de buscar o sustento a

    todo custo torna o homem vulnervel porque o faz dependente de condies

    externas cujas determinaes escapam de seu controle. Este fato torna-separticularmente grave no caso da populao pobre, exposta instabilidade estrutural

    do mercado de trabalho que a absorve (Sarti, 2010)

    Por isso os usurios do NAF acabam sendo quase sempre homens que

    saram de suas casas e de suas cidades em busca de trabalho e no conseguiram

    ser absorvidos pelo mercado de trabalho ou foram absorvidos de forma precria,

    insuficiente tanto para seu sustento quanto para o sustento de sua famlia. O

    afastamento da famlia e o fato de no conseguirem seu sustento faz com que

    muitos que necessitam se inserir no mercado de trabalho acabem em situao de

    rua, j que suas famlias no possuem recursos para ajud-los e eles se encontram

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    40/51

    39

    em cidades desconhecidas, onde no h polticas e servios adequados que

    reconheam sua condio e possam assegurar seus direitos.

    3.3- Uma reflexo crtica sobre o exerccio profissional no NAF

    A falta de planejamento e de avaliao do NAF enquanto Poltica Municipal de

    Assistncia Social fez com que o projeto funcionasse somente como fornecedor de

    passagens atravs de uma prtica profissional sem reflexo crtica, um fazer por

    fazer. Segundo Nogueira e Mioto (2009):

    Sem um processo contnuo de pensar racionalmente as aes corre-se orisco de se submeter a prticas burocratizadas, escoradas em um pretensovalor eficiente, imobilizada em atividades rotineiras e repetitivas. Planejar aao profissional garante a possibilidade de um repensar contnuo sobre aeficincia, efetividade e eficcia do trabalho desenvolvido, formalizar aarticulao intrnseca entre as dimenses do fazer profissional, ou seja, asdimenses tico-poltica terico-metodolgica e tcnico-operativa. (2009)

    A avaliao e o planejamento seriam ento resultado de uma ao

    profissional crtica, que pensa suas aes, no fazendo de sua prtica um trabalho

    automatizado. E de maneira alguma pode se considerar um planejamento como algo

    pronto e imutvel, mas sim como um processo em constante construo.

    A distncia entre o cumprimento dos objetivos do NAF e o fazer profissional

    que nele se realiza se deve falta de planejamento e avaliao do projeto, o que

    pode ser observado tambm na falta de profissionais qualificados (assistentes

    sociais e psiclogos) no projeto.

    Os estatsticos realizados no so usadas como ferramenta para avaliar as

    aes do projeto, so realizados apenas como uma formalidade e ficam guardados

    sem que haja uma anlise dos mesmos. Os estatsticos deveriam ser repassados ao

    planejamento mensalmente, mas atualmente so enviados aproximadamente a cada

    5 ou 6 meses, pois no h tempo para que os estagirios atendam aos usurios e

    faam os estatsticos. Assim a confeco dos estatsticos fica prejudicada e feita

    aos poucos.

    Como foi exposto nos captulos anteriores, o monitoramento e avaliao

    previstos no so realizados e de acordo com os estatsticos do projeto o nmero depessoas atendidas e dos usurios em situao de rua no diminui. No entanto

  • 7/24/2019 TCC Centro POP

    41/51

    40

    nenhuma mudana do projeto foi realizada diante dessas constataes. A dinmica

    do projeto continuou sendo a mesma, isso porque a mensurao dos dados feita

    sem nenhuma finalidade. Segundo Gomes: No basta, portanto, concordar com a

    importncia dos processos avaliativos, mas se questionar sobre o potencial da

    avaliao como instrumento para tornar visvel a intensidade das demandas no

    campo das polticas sociais em nossa sociedade. (2001,p.21)

    Logo, as estatsticas deveriam ser usadas para a criao de novas aes do

    projeto ou at mesmo de aes j previstas no projeto, mas que no acontecem. Se

    houvesse uma leitura atenta dos estatsticos tambm perceberamos que as famlias

    so minoria nos atendimentos. O que percebido nos atendimentos dirios, mas

    que no contemplado pelas estatsticas que a maioria dos usurios no possuemmais vnculo familiar ou o mesmo est muito fragilizado. Nesses casos a ao

    conjunta entre o municpio de Florianpolis e o municpio natal do usurio

    fundamental para que se faa um encaminhamento que no ir somente transferir a

    responsabilidade para outros municpios ou para a famlia, mas que ir ajudar

    efetivamente o usurio.

    A articulao entre os municpios uma das diretrizes da Poltica Nacional para

    a Populao em Situao de Rua.

    Art. 6o So diretrizes da Poltica Nacional para a Populao em Situaode Rua:I - promoo dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais, culturais eambientais;II - responsabilidade do poder pblico pela sua elaborao e financiamento;III - articulao das polticas pblicas federais, estaduais, municipais e doDistrito Federal;IV - integrao das polticas pblicas em cada nvel de governo;

    V - integrao dos esforos do poder pblico e da sociedade civil para suaexecuo;(...) (BRASIL, 2009)

    A mudana na demanda atendida pelo NAF faz com que seja necessria uma

    mudana no projeto e no o seu trmino. Deve-se procurar o que causou essa

    modificao e o que deve ser feito para que essa nova demanda possa ser atendida.

    Entende-se que no se questionar sobre as decises pr-definidas

    frequentemente no levar em conta um