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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais
O POSICIONAMENTO POLÍTICO DO BRASIL NO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS:
uma discussão de dois níveis
Marcela Costa Pinto Reggiani
Belo Horizonte 2008
1
Marcela Costa Pinto Reggiani
O POSICIONAMENTO POLÍTICO DO BRASIL NO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS:
uma discussão de dois níveis
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientadora: Matilde de Souza
Belo Horizonte
2008
2
Marcela Costa Pinto Reggiani
O Posicionamento Político do Brasil no Regime de Mudanças Climáticas: uma discussão
de dois níveis
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
Matilde de Souza (Orientadora) – PUC Minas
Danny Zahreddine – PUC Minas
Rodrigo Corrêa Teixeira – PUC Minas
Belo Horizonte, 26 de Novembro de 2008
3
A meus pais
pelo amor, atenção e incentivo aos estudos,
à minha avó,
por me apresentar à sede do conhecimento.
4
AGRADECIMENTOS
A FAPEMIG, pelo financiamento a essa pesquisa que tornou possível a realização do
meu trabalho.
A PUC Minas pela infra-estrutura de trabalho e possibilidade de expandir meus
conhecimentos.
A minha orientadora, professora Matilde de Souza, pela paciência, carinho, atenção e
direção da pesquisa.
A minha família e amigos que com sua paciência e apoio me ajudaram a ter fé e
perseverança na busca pelo conhecimento.
5
“Don’t blow it – Good planets are hard to
find.” (Time)
6
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo estudar o posicionamento político atual do Brasil sobre a
questão das mudanças climáticas. Esse posicionamento será analisado em dois níveis: o
doméstico e o internacional. No âmbito doméstico será observado o posicionamento e a
coordenação dos ministérios brasileiros, responsáveis pela formulação e implementação das
políticas referentes às mudanças do clima no âmbito doméstico e internacional.
Adicionalmente, será observada a influência dos stakeholders brasileiros no processo de
decisão e implementação das políticas para o clima. Essas duas variáveis influenciam a
projeção do Brasil nas negociações atuais do Regime de Mudanças Climáticas. A metodologia
adotada na pesquisa foi levantamento e análise de documentos e declarações oficiais. Além
disso, foram utilizadas as técnicas de análise dos stakeholders (stakeholder analysis) e a
análise de dados primários sobre cenários de emissões do Brasil. Por fim, conclui-se que há
uma falta de coordenação entre as instituições políticas do Brasil no sentido de formular e
implementar uma política do clima, responsável por reduzir as emissões de gases de efeito
estufa no país e mitigar as mudanças climáticas. Logo, essa falta de coordenação, juntamente
com a atuação de grupos de interesse (stakeholders) influenciam a projeção do país no
Regime de Mudanças Climáticas.
Palavras-Chave: Regime de Mudanças Climáticas; Política Ambiental Brasileira; Jogos de
Dois Níveis.
7
ABSTRACT
This paper aims to study the Brazil’s political positioning about climate change. This
positioning will be analyzed taking into account two levels: domestic and international. In
domestic level it will be observed the positioning and coordination of brazilian ministries
responsible for the formulation and implementation of climate change politics in both
domestic and international levels Additionally, it will be observed the influence of brazilian
stakeholders on the decision making and implementation processes of climate change politics.
These two variables affect Brazil’s projection on the currently Climate Change Regime
negotiations. The methodology used here will be official documents and declarations
analysis. Besides, it will be used stakeholders analysis and primary data about Brazil’s GHG
emissions. Finally, we conclude that there is a lack of coordination between Brazil’s political
institutions concerning the formulation and implementation of climate change politics’,
responsible for reducing GHG emissions and mitigate climate change. In addition, we have
non-governmental stakeholders influencing on the formulation of climate change politics in
domestic level. These variables will affect Brazil’s positioning on the Climate Change
Regime.
Key-words: Climate Change Regime; Brazilian Environmental Politics; Two-Level Games.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
FIGURA 1 – Esquema Explicativo do Efeito Estufa..................................................... 18
FIGURA 2 – Quadro Resumo da Hipótese.................................................................... 20
FIGURA 3 – Emissões Mundiais de GEE por País em 2000........................................ 39
FIGURA 4 – Emissões Totais de GEE em 2000........................................................... 40
FIGURA 5 – Mapa da Expansão da Fronteira Agrícola na Amazônia Legal................ 52
FIGURA 6 – Mapa da Fronteira de Exploração da Madeira e da Atividade da Pecuária na Amazônia Legal..........................................................................................
54
FIGURA 7 – Mapa da Mudança dos Sistemas Físicos e Biológicos e na Temperatura da Superfície entre 1970 e 2004.....................................................................................
57
FIGURA 8 – Fluxograma Resumo da Pesquisa............................................................. 85
GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Emissões Antrópicas Globais de GEE.................................................. 37
GRÁFICO 2 – Contribuições Agregadas dos Países Maiores Emissores de GEE........ 38
GRÁFICO 3 – Perfil das Emissões Brasileiras por Setor – 1994.................................. 41
GRÁFICO 4 – Perfil da Produção Energética – Brasil e Mundo.................................. 42
GRÁFICO 5 – Taxa de Desmatamento Anual da Amazônia Legal.............................. 44
GRÁFICO 6 – Total de Atividades de Projetos de MDL no Mundo............................ 45
GRÁFICO 7 – Número de Projetos Brasileiro de MDL por Escopo Setorial............... 46
GRÁFICO 8 – Emissões a serem Reduzidas durante o 1º Período de Obtenção de
Créditos dos Projetos Registrados..................................................................................
47
GRÁFICO 9 – Reduções Mundiais de Emissões Anuais.............................................. 48
GRÁFICO 10 – Crescimento Projetado das Emissões Mundiais até o ano de 2025..... 49
GRÁFICO 11 – Produção de milho em grão dos seis maiores municípios produtores
do país – 2000-2007.......................................................................................................
51
GRÁFICO 12 – Produção de soja em grão dos seis maiores municípios produtores
do país – 2000-2007.......................................................................................................
51
GRÁFICO 13 – Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas
Federais por Temáticas – 1º a 4 de Setembro de 2008..................................................
76
9
GRÁFICO 14 – Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas
Federais por Temáticas – 9 a 11 de Setembro de 2008..................................................
76
GRÁFICO 15 – Distribuição por Área Temáticas da Participação Semanal da CNA
nas Reuniões Legislativas – 1º a 11 de Setembro de 2008............................................
77
GRÁFICO 16 – Parecer da CNA nas Reuniões Legislativas sobre Meio Ambiente e
Amazônia.......................................................................................................................
78
GRÁFICO 17 – Proposições em Tramitação no Congresso Nacional.......................... 79
10
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Distribuição das Atividades de Projeto no Brasil por tipo de projeto..... 46
TABELA 2 – Distribuição das Terras no Brasil............................................................ 53
TABELA 3 – Grupos de Unidades de Conservação...................................................... 64
TABELA 4 – Anexo IX da Lei 10.165 de 27 de dezembro de 2000........................... 65
TABELA 5 – Identificação dos Stakeholders................................................................ 69
TABELA 6 – Delimitação dos Interesses dos Stakeholders.......................................... 71
11
LISTA DE ABREVIATURAS
BAU – Business-as-usual
CH4 – Gás Metano
CO2 – Gás Carbônico
GEE – Gases causadores do Efeito Estufa
HFC – Hidrofluorcarbonetos
MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
MtCO2 - Milhões de toneladas de CO2
N2O – Óxido Nitroso
ONG – Organização não-governamental
PFC – Perfluorcarbonetos
RCE – Reduções Certificadas de Emissões
SF6 – Hexafluoreto de enxofre
PIB – Produto Interno Bruto
12
LISTA DE SIGLAS
ABIMCI – Associação Brasileira da Indústria da Madeira Processada Mecanicamente
AIMEX – Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará
CAIT – Climate Analysis Indicators Tool
CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
CONABIO – Comissão Nacional da Biodiversidade
CONACER – Comissão Nacional do Programa Cerrado Sustentável
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
COP – Conferência das Partes da Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais da
Organização das Nações Unidas
CPCRH – Coordenação do Clima e Recursos Hídricos do INPA
CPTEC – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE
DETER – Detecção do Desmatamento em Tempo Real
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
G77 – Grupo dos 77 nas Nações Unidas
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística
IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IPCC – Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
13
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MME – Ministério das Minas e Energia
MSG – Modelos de Circulação Geral
NAE – Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo
PAS – Plano Amazônia Sustentável
PróÁLCOOL – Programa Brasileiro de Álcool
PRODES – Projeto de Estimativa do Desflorestamento da Amazônia
PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia
SAAP – Sistema de Acompanhamento de Atividades Parlamentares
SIPAM – Sistema de Proteção da Amazônia
SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente
SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
TCFA – Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental
UNCED – Conferência para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações
Unidas
UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
UNFCCC - Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais da Organização das Nações
Unidas
WRI – World Resources Institute
14
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 16
2. O AMBIENTE INTERNACIONAL: O REGIME DAS MUDANÇAS DO
CLIMA..........................................................................................................................
22
3. O BRASIL E O REGIME DE MUDANÇA DO CLIMA.....................................
3.1. A teoria de Putnam dos níveis de análise............................................................
3.2. O Posicionamento do Brasil no nível internacional...........................................
3.2.1 O Desmatamento da Amazônia no âmbito do Regime.......................................
3.3. O Cenário de Emissões Brasileiro.......................................................................
3.3.1. O Desmatamento da Amazônia..........................................................................
3.3.1.1. Agricultura: Soja e Milho...............................................................................
3.3.1.2. Pecuária e Madeireiras...................................................................................
3.4. Vulnerabilidade do Brasil frente às mudanças climáticas................................
3.5. A política doméstica para as mudanças climáticas............................................
3.5.1. A Legislação Ambiental Brasileira relacionada às mudanças climáticas........
3.5.2.1. O Código Florestal..........................................................................................
3.5.2.2. Lei dos Incentivos ao Florestamento e Reflorestamento.............................
3.5.2.4. Lei sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.
3.5.2.5. Lei da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).......................
3.5.2.6. Lei sobre a Gestão de Florestas Públicas......................................................
28
28
30
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37
49
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61
61
63
63
64
65
4. PROBLEMAS DE COORDENAÇÃO ENTRE OS STAKEHOLDERS.............
4.1. Stakeholders analysis.............................................................................................
4.1.1. Delimitação dos stakeholders.............................................................................
4.2. Os problemas de coordenação entre os stakeholders.........................................
4.2.1. Instituições Governamentais e Congresso Brasileiro........................................
4.2.2. Os Stakeholders do tipo 2....................................................................................
4.2.2.1. Agropecuária e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil..........
4.2.2.2. Madeireiras......................................................................................................
4.2.2.3. ONGs “Verdes”...............................................................................................
67
67
68
70
71
74
75
80
81
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 84
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 89
ANEXO I - Quadro 1 – Linha do Tempo sobre as discussões das Mudanças
15
Climáticas Globais.......................................................................................................
ANEXO II - Quadro 2 – Os Mecanismos de Flexibilização do Protocolo de
Quioto............................................................................................................................
96
98
16
1. INTRODUÇÃO
“O aquecimento do sistema climático é inequívoco, como
está agora evidente nas observações dos aumentos das
temperaturas médias globais do ar e do oceano, do
derretimento generalizado da neve e do gelo e da elevação
do nível global médio do mar.” (IPCC, 2007(a)).
Em 2007 o IPCC lançou mais um alerta à comunidade internacional: o clima está
aquecendo. É sobre esse crescente problema, que se manifesta tanto no âmbito internacional,
como no doméstico e é percebido também pelos indivíduos, que este trabalho se reporta. Tal
problema pode ser caracterizado como um problema de cooperação, coordenação e
vulnerabilidade, considerando os níveis internacional, doméstico e individual,
respectivamente. Nenhum de nós, sejamos ricos, pobres ou emergentes está aquém desse
fenômeno. O aquecimento é global, os impactos são globais, bem como seus efeitos. É nesse
sentido que se indaga sobre como o Brasil se posiciona nas negociações do regime que regula
as mudanças do clima, a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas.
O Brasil, um dos países que, provavelmente, sofrerá sérias conseqüências em função
desse crescente fenômeno climático, é um membro ativo das Nações Unidas em relação às
mudanças do clima. Entretanto, em termos relativos, as responsabilidades do Brasil junto a
sociedade internacional e no que se refere ao fenômeno específico do aquecimento global não
são quantificadas. Então, será a atuação do Brasil no âmbito doméstico e internacional
contribuição suficiente para ajudar a conter o aquecimento global? Serão suas contribuições
para o Protocolo de Quioto, para o desenvolvimento sustentável suficientes para conter as
futuras conseqüências à sociedade, economia e política mundiais? Essa pesquisa se iniciou
tendo em vista essas indagações e levando em consideração os dados das emissões de gases
de efeito estufa, que colocam o Brasil no ranking dos maiores emissores mundiais.
Num cenário internacional caracterizado pelas diferenças e similaridades cada vez
mais marcantes entre os países, economias, sociedades e povos; e pela interdependência dos
atores internacionais, onde a ação de um afeta direta ou indiretamente o outro, é que o
problema das mudanças climáticas está inserido. Logo, precisamos compreender o que seria o
problema das mudanças climáticas. O evento da mudança do clima são evidências percebidas
pela comunidade científica internacional e mostram que o clima mundial está esquentando. O
que significa que a temperatura média global está aumentando, tanto a temperatura do ar
quanto a dos oceanos.
17
Contudo, as mudanças climáticas são fenômenos ambientais comuns ao sistema
climático do planeta. Logo, o aquecimento global é um fenômeno natural normal, o problema
é o ritmo que essas mudanças estão acontecendo atualmente. Onze de um período de doze
anos (1995-2006) analisado pelo IPCC estão no ranking dos doze anos mais quentes desde
1850, quando se começou a registrar instrumentalmente a temperatura da superfície global.
Desde 1850, estima-se que o aumento da temperatura total tenha sido de 0,76°C. Isso, em
termos de temperatura média pode parecer pouco, mas como uma mudança constante, afeta as
geleiras, as áreas cobertas por neve, a temperatura dos oceanos, entre outras mudanças, que,
por sua vez, afetam vários sistemas ambientais e, conseqüentemente, afetam os seres humanos
em geral.
De acordo com os relatórios do IPCC, essa aceleração se deve em parte às ações dos
seres humanos. Através da exploração constante e irremediável dos recursos naturais para
alimentar os sistemas econômicos de todo o mundo, os países estão liberando na atmosfera
gases que causam o aumento do efeito estufa. Antes da exploração, esses compostos químicos
estavam armazenados nos recursos naturais e inofensivos, tanto em sua forma final, quanto
em formas primárias, que ao serem submetidas a processos de mudança químicos ou físicos
são liberados na atmosfera e formam uma camada que reflete parte da radiação solar, o
chamado efeito estufa. O efeito estufa é um fenômeno natural comum, que ajuda a manter a
temperatura na terra, o que permite a existência de todo o tipo de seres vivos. O problema é
que o aumento da acumulação desses gases reflete maior quantidade da radiação solar, o que
aumenta a temperatura da superfície em níveis além do usual.
A figura 1 demonstra como esse efeito se dá e descreve em seis passos como isso
ocorre. (1) A radiação solar passa pela atmosfera limpa, cerca de 343 watt/m²; (2) A radiação
penetra a camada dos gases de efeito estufa a 240 watt/m², radiação filtrada pela camada dos
gases; (3) Alguma radiação é refletida pela atmosfera e pela superfície da terra (103 watt/m²);
(4) A energia solar é absorvida pela superfície terrestre e a aquece (168 watt/m²). Ao mesmo
tempo, essa energia é convertida em calor causando a emissão de radiação infravermelha
(raios vermelhos na figura)de volta para a atmosfera; (5) Certa radiação infravermelha é
absorvida e emitida novamente pela camada dos gases de efeito estufa causando o
aquecimento da superfície terrestre e da troposfera, assim, a superfície aquece ainda mais e a
radiação infra-vermelha é emitida; (6) Alguns raios infravermelhos passam pela atmosfera e
são perdidos no espaço (240 watt/m2).
18
Figura 1 – Esquema Explicativo do Efeito Estufa Fonte: UNEP, 2002. <http://maps.grida.no/go/graphic/greenhouse-effect>
As mudanças climáticas nos atingem diretamente. Isso porque, a temperatura média
global afeta diretamente os sistemas climáticos como um todo: ciclos de chuva, ocorrências
de furacões, tornados, etc. Além disso, afeta diretamente os biomas, já que altera correntes
marítimas e de ar, e ainda, o aumento da variação climática (altas e baixas temperaturas) tem
ligação direta com os ciclos de vida de diversos seres vivos, afetando desde cadeias
alimentares até provocando mutações em espécies dos seres vivos. Afetando diretamente o
meio ambiente, afeta a nossa vida econômica, política e social. Além disso, os ciclos de
produção mundiais podem ser alterados, isso porque as matérias-primas são recursos naturais.
Esses são poucos de muitos efeitos das mudanças do clima, efeitos específicos para cada
região do mundo, para cada bioma, para cada sistema ambiental, para cada país, cada
indústria, cada ser humano, cada ser vivo.
Percebida a emergência do problema mundial, esforços efetivos e eficazes para o
controle dessas alterações são cada vez mais necessários. É para esse fim que a Convenção
Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas surge em 1992, no Rio de Janeiro,
19
onde líderes mundiais perceberam a necessidade de uma ação conjunta e criaram um regime
para regular essas alterações. No âmbito desse regime ocorreram diversas reuniões das
partes1, onde foi decidida a criação de um Protocolo que regulasse as emissões de gases de
efeito estufa, estabelecendo metas de redução de emissões desses aos países do Anexo I2 a
serem implementadas a partir do ano de 2008 e cumpridas até o ano de 2012. Esse Protocolo,
como será explicitado nas seções subseqüentes, só entrou em vigor em 2005 devido a diversos
problemas na negociação entre os países.
É nesse cenário da emergência do fenômeno das mudanças climáticas globais que o
Brasil participa desse regime e desse protocolo. Porém, o Brasil, que está entre os países não-
Anexo I3, não possui metas quantificadas de redução de GEE4. Contudo, realiza esforços para
a redução dessas emissões, mas não obrigatoriamente. Além disso, o Brasil é um país que
participa ativamente das negociações do regime e do protocolo, seja fazendo propostas e
alternativas para alcançar o objetivo maior do regime ou defendendo os interesses dos países
menos desenvolvidos.
O núcleo do nosso questionamento reside na possibilidade do Brasil passar a ter
compromissos de redução quantificados no âmbito do Protocolo de Quioto. Isso porque, os
países, após os relatórios do IPCC, estão cada vez mais cientes da necessidade de uma ação de
mitigação conjunta por parte de todos os países do mundo a fim de estabilizar os níveis de
concentração desses gases na atmosfera. Principalmente a partir da 12ª reunião das partes do
Regime, que começou a discutir os termos do segundo período de compromisso do Protocolo
de Quioto, em Nairóbi no ano de 2006, os países tem dado atenção a essa necessidade. E têm,
cada vez mais, discutido sobre maneiras dos países em desenvolvimento mitigarem as
mudanças climáticas promovendo o seu desenvolvimento de maneira sustentável.
A partir de todas essas evidências, indaga-se exatamente sobre a situação do Brasil
nesse segundo período de compromisso. Inicialmente, pretendia-se discutir de que maneira as
ações políticas domésticas do Brasil sobre as mudanças do clima afetariam o posicionamento
do país nesse período, se há uma possibilidade maior de serem estabelecidas metas para o
país, como ficaria sua credibilidade como negociador internacional entre outros. Contudo, 1 Ver Anexo I. 2 Países do Anexo I consistem nos países desenvolvidos e países da ex-URSS que aderiram ao Protocolo de Quioto. 3 Países não Anexo I são todos os países em desenvolvimento que assinaram e ratificaram o Protocolo de Quioto, contudo não possuem metas quantitativas de redução de emissões de GEE no primeiro período de compromisso (2008-2012). 4 São os Gases de Efeito Estufa considerados no âmbito do Protocolo de Quioto e pelo IPCC: CH4, CO2, HFCs, N2O, PFCs, SF6.
20
durante a pesquisa os objetivos se tornaram inviáveis por limitação das informações
necessárias para traçar esse cenário político internacional. Logo, objetiva-se com essa
pesquisa apontar os contrastes entre os cenários internacional e doméstico, que acreditamos
nos proporcionar um caminho para uma análise desse período e dos fatos que propomos.
Para responder às essas indagações será analisado como o país se posiciona
internacional e domesticamente sobre essas questões climáticas: quais são suas políticas,
quem são os atores que influenciam esse processo, como influenciam e qual o resultado desse
processo.
De acordo com a teoria de Putnam (1988), as decisões tomadas no ambiente
internacional, classificado por ele como nível I, têm que ser implementadas no ambiente
doméstico ou nacional, classificado como nível II, e essas decisões, que seriam
implementadas em forma de políticas públicas, são influenciadas por atores nacionais
relevantes (instituições governamentais, atores privados e não-governamentais). E que a
influência negativa ou positiva desses resultariam em um ambiente doméstico tal que se
refletiria no ambiente internacional (nível I).
Figura 2 - Quadro Resumo da Hipótese Fonte: Formulação própria.
Para o teste da hipótese serão delineados cenários do Brasil em relação às mudanças
do clima, em perspectiva internacional e doméstica. Serão discutidas as teorias para a análise,
tomando como referência analítica o jogo do Chicken estendido a n jogadores (ORENSTEIN,
1998) e os jogos de dois níveis do Putnam (1988).
No capítulo 3 será feita a discussão sobre a questão crucial em relação às emissões de
GEE para o Brasil e os cenários de emissões mundial e brasileiro, apresentando o perfil das
emissões do país para o qual é crucial o desmatamento, principalmente aquele que acontece
Atuação do Brasil no Regime de Mudanças do Clima
Grupos de interesse
Instituições Brasileiras
Posição vulnerável do Brasil no segundo período de compromisso e subseqüentes
NÍVEL I NÍVEL II NÍVEL I
21
na Amazônia Legal. Será, também, apresentado o perfil do desmatamento nessa região,
levando em conta as atividades agropecuárias, que ajuda a identificar quais são os atores
relevantes para a análise, a ser feita posteriormente. Na subseção 3.2 é apresentado o cenário
de vulnerabilidades do país em relação às mudanças do clima global e às políticas domésticas
para a contenção e mitigação desse fenômeno, momento em que será descrita a legislação
pertinente.
O capítulo 4 discutirá os problemas de coordenação entre os stakeholders (atores
relevantes, privados, governamentais e não-governamentais). Para isso, e de acordo com a
metodologia de análise dos stakehoders do Banco Mundial (2006), serão especificados os
atores a serem analisados e identificados os seus interesses. E por fim, o foco será nos
interesses de cada stakeholder escolhido (ministérios brasileiros, congresso nacional,
representantes do agronegócio e da indústria madeireira e ONGs ambientalistas preocupadas
com o problema da Amazônia), analisando mais profundamente cada caso. As considerações
finais serão desenvolvidas no capítulo 5.
22
2. O AMBIENTE INTERNACIONAL: O REGIME DAS MUDANÇAS DO CLIMA
O ambiente internacional, onde os Estados interagem de maneira estratégica, é
marcado pela anarquia5 e pela interdependência, definida por Keohane (1977, p.7, tradução
nossa) como “[...] situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre os países ou entre
atores em diferentes países” 6. Logo, a ação de um Estado influencia direta ou indiretamente a
de outro(s) Estado(s), podendo gerar falhas de mercado.
É nesse ambiente de interação estratégica e de interdependência que o problema das
mudanças do clima é inserido. Contudo, a temática é recente na agenda política dos Estados.
As questões ambientais começaram a ter maior relevância nos fóruns multilaterais a partir da
Conferência de Estocolmo em 1972. No entanto, acreditava-se naquele momento que a
preocupação com o meio ambiente seria um condicionante do modelo tradicional de
crescimento econômico.
A Conferência de Estocolmo foi seguida de duas outras conferências sobre o clima,
uma em 1979 e outra em 19907. Com a publicação do Relatório Bruntland, “Nosso Futuro
Comum”, em 1987, elaborado pela CNUMAD, uma nova noção de desenvolvimento é
apresentada. O estudo de Gro Bruntland e sua comissão aborda a questão ambiental de
maneira holística, admitindo que os problemas ambientais são globais e fortemente ligados
aos processos de desenvolvimento econômico e social.
A partir do conceito de Desenvolvimento Sustentável apresentado pelo relatório, a
palavra de ordem era incorporar a variável ambiental à noção de desenvolvimento, para evitar
o esgotamento dos recursos naturais e também suas conseqüências previsíveis tais como
problemas sociais, econômicos, dentre outros. Adicionalmente houve a criação do IPCC,
Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima, em 1988, o que gerou condições
institucionais para a intensificação das pesquisas em torno das mudanças climáticas, com a
observação de possíveis causas antrópicas no aumento da temperatura. Assim, a temática
ambiental, especialmente as mudanças climáticas se inserem mais fortemente na agenda
política dos Estados. Essa maior preocupação se confirmou durante a Cúpula da Terra, a Rio-
92.
5 A anarquia do sistema é entendida como a falta de uma autoridade central reguladora do comportamento e da interação dos Estados. 6 “[...] situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries”. 7 Ver Anexo 1 – Quadro 1.
23
Em 1992 os Estados se encontraram na Rio-92, com o objetivo de discutir opções
para um desenvolvimento sustentável. Durante essa conferência foi negociada e instituída a
Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais, em resposta às diversas evidências
encontradas através de extensas pesquisas, que a mudança climática global estaria sendo
causada, em grande parte, por ações antrópicas. Ou seja, verificou-se que a intervenção
humana no meio ambiente mais especificamente as emissões de gases causadores do efeito
estufa (GEE) seria responsável por parte dessa mudança.
Apesar de ainda não se conseguir mensurar os impactos da ação humana, é fato
comprovado que essas afetam o clima mundial8. Pelo fato de que esses GEE são lançados e
dissipados na atmosfera, suas conseqüências são difusas, afetando outros países. A
Convenção foi criada porque a emissão dos gases de efeito estufa por um país afeta
diretamente a outro, já que são altamente poluentes e dissipáveis na atmosfera, e geram
externalidades negativas cujos efeitos são coletivos.
Então, a partir dessa Convenção iniciou-se um processo de discussão das partes, as
COP9, sobre uma possível regulamentação das emissões de gases de efeito estufa, a principal
causa de caráter antrópico das mudanças climáticas. A COP1, que aconteceu em Berlim,
marcou o início das discussões sobre o problema. Contudo, foi durante a COP3, em Quioto,
no ano de 1997, que o Protocolo de Quioto foi criado, com o objetivo de regular as emissões
desses gases. Dentre outras questões, o Protocolo estabeleceu metas de redução aos países, de
acordo com seu nível de desenvolvimento e níveis de emissões, separando assim os países do
Anexo I e os países não-Anexo I.
Com a intenção de sanar as falhas de mercado, esse Protocolo, parte do Regime de
Mudança do Clima, possui mecanismos para prover informação aos Estados e estabelecer
condições para a transparência sobre as emissões mundiais de GEE, como os documentos de
comunicação dos Estados sobre suas respectivas emissões de GEE por período. E assim,
promover a cooperação entre os mesmos, incentivando e estabelecendo a redução de emissões
a partir do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada.
Após intensas negociações entre os países membros da UNFCCC durante as COPs
subseqüentes, o Protocolo entrou em vigor em 2005, prevendo um primeiro período de
compromisso sobre a redução de emissões que começou em 2008 e se estenderá até 2012.
Assim, ficou estabelecido que os países do Anexo I teriam metas de redução de emissões
nesse primeiro período de compromisso, enquanto os países não-Anexo I, bloco onde se
8 IPCC, 2007. 9 Para informações dos acontecimentos específicos de cada reunião vide Anexo 1.
24
encontram os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, não tem metas concretas de
redução de emissões.
Entretanto, a cooperação entre os Estados depende da estrutura de interação entre os
mesmos. Essa estrutura pode ser caracterizada por relações que se fundamentam na assimetria
de payoffs10, o que afeta a possibilidade de cooperação11, que neste trabalho se expressa
através de compromissos e ações efetivas para a redução de emissões de GEE. A questão da
cooperação no âmbito do Protocolo de Quioto e, conseqüentemente, no Regime de Mudanças
Climáticas, pode ser pensada através do modelo do “jogo do Chicken” estendido a N
jogadores.
Como se sabe, o modelo do Chicken para dois atores indica uma estrutura de payoff na
qual a deserção unilateral é a melhor alternativa, seguida da cooperação mútua. A matriz
sugere claramente um jogo de colaboração, mas como há duas estratégias de equilíbrio e
ambas são Pareto Ótimo – Desertar/Cooperar e Cooperar/Desertar – problemas de
coordenação também se colocam. Nessa perspectiva, e buscando discutir alternativas teóricas
para a solução de problemas de cooperação e/ou coordenação sem a necessidade do aporte
externo de capacidade coercitiva, como sugerido por Olson, Orenstein experimenta a extensão
do modelo para um número “n” de atores.
Assim, sugere uma diferença entre o bem coletivo discreto e o bem coletivo contínuo,
este último se caracterizando pela necessidade de provisão constante do bem, o que demanda
esforço cooperativo continuado para a sua manutenção. Nesses casos, um número mínimo de
cooperadores seria sempre necessário para a provisão do bem, além do que seria permitida
uma cota de não cooperadores – o bem seria provido a partir de uma cota “n” de
colaboradores e mesmo com a presença de um número “x” de não cooperadores. Desse modo:
“[c]ada jogador prefere a cooperação universal à deserção universal mas prefere ainda mais a deserção unilateral com cooperação para os N-1 (n menos 1) outros jogadores. A cooperação unilateral é preferível à deserção universal e continua a ser preferida até que o valor crítico de K cooperadores tenha sido alcançado: a partir daí o indivíduo prefere ser um free rider12.” (ORENSTEIN, 1998, p.31).
10 Assimetria de payoffs é a diferença do que cada Estado irá ganhar em relação ao outro, baseada no curso de ação adotado. 11 Isso porque a relação entre assimetria de payoffs e deserção é diretamente proporcional, logo a relação assimetria de payoffs e cooperação é inversamente proporcional: quando os bônus para cooperação são baixos, os atores tendem a desertar; os modelos teóricos admitem que a alteração desse comportamento esperado do ator depende da alteração nos ganhos de cooperação. 12 “[Free riders são jogadores que se] beneficia[m] do bem coletivo ao menor custo possível. [São agentes racionais superinformados, que] sabe[m] previamente que o grupo ao qual pertence enquanto população relevante proverá o bem coletivo independente da sua deserção.”
25
O problema que se coloca nesse caso é o de assegurar um número “X” de
cooperadores. Em tese, todos os atores preferem cooperar quando o número de cooperadores é
baixo e preferem desertar quando esse número alcança a quantidade necessária para a
provisão do bem coletivo em questão. Desse modo, entende-se que no caso do Regime de
Mudanças Climáticas, mais precisamente o Protocolo de Quioto, os países Anexo I13 seriam
os cooperadores que arcariam com os custos da cooperação e, conseqüentemente, da
diminuição da emissão de GEE, seja por meio de políticas próprias ou através dos
mecanismos de flexibilização do Protocolo.
Para incentivar a cooperação e promover a redução mundial dos GEE, o Protocolo
prevê três mecanismos de flexibilização14: Mecanismo de Implementação Conjunta, Emissões
Comerciáveis e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros são
permitidos apenas entre os países do Anexo I, e versam basicamente sobre a possibilidade de
implementar medidas de redução conjuntamente e comercializar o excesso da porcentagem de
redução gerado15. O último mecanismo de flexibilização, o MDL, tem o objetivo de promover
o desenvolvimento limpo nos países em desenvolvimento através de investimentos de países
desenvolvidos, permitindo a divisão dos créditos de redução (RCEs) gerados através do
projeto MDL em questão.
As reduções de emissões, no âmbito do Protocolo de Quioto, foram direcionadas aos
países do Anexo I, e são fruto das discussões da COP3 e, de acordo com Klabin (2000),
somam cerca de 5% das emissões totais. E, dentro do contexto do Protocolo de Quioto, os free
riders seriam aqueles que não o assinaram e/ou não o ratificaram. Dado que se pode admitir
que os mecanismos de flexibilização adotados pelo protocolo alteraram os payoffs para
cooperação, uma vez obtido o número “X” de cooperadores – um número de países que,
somados, representem 50% do total das emissões de GEE – o comportamento free-rider passa
a ser a alternativa adotada pelos demais16.
13 Países pertencentes ao Anexo I: países-membros da OECD e países do ex-bloco comunista do x Leste Europeu. 14 Ver Anexo 2- Quadro 2. 15 As emissões comerciáveis é um mecanismo de mercado que permite um país vender a porcentagem excedente de sua redução. Ou seja, se o país reduziu além da meta colocada pelo Protocolo, ele tem o direito de vender seu excedente a outro país do Anexo I. Há hoje uma discussão sobre a comercialização do hot air, que é o excedente gerado pelos países da ex-URSS, que em 1990, ao fim da guerra fria, desacelerou seu processo produtivo, e consequentemente, as emissões de GEE. Isso porque as metas do Protocolo de Quioto foram calculadas com base nas responsabilidades históricas, tomando o ano de 1990 como base. 16 Admite-se, hipoteticamente, que há intensas discussões no âmbito do Regime, no sentido de alterar a estrutura de interação de um modelo do “Chicken estendido” para um jogo do seguro (assurance game), modelo no qual a cooperação é estratégia dominante. Contudo, admite-se também por hipótese que a condição dessa alteração está relacionada à adesão de grandes emissores de GEE, mais notadamente os Estados Unidos. Essa temática, embora presente nas considerações que esta pesquisa terá necessariamente de fazer, não constitui a sua matéria central.
26
Para os países não-Anexo I, os países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, o
Protocolo não prevê metas de redução de GEE. Isso porque o desenvolvimento desses países
está, em grande medida, associado ao processo produtivo desses. Logo, países em
desenvolvimento têm por base o uso de fontes de energia essencialmente poluentes17. Apesar
disso, o Protocolo afirma a necessidade de todos os países, sem exceção, diminuírem suas
emissões de gases de efeito estufa. Essa afirmação não tem gerado efeitos reais e o que se tem
verificado é um aumento das emissões por parte de países não-Anexo I, sobretudo aqueles
cujas economias são bastante robustas, como é o caso de China, Índia e Brasil, por exemplo.
A Convenção sobre as Mudanças Climáticas e o Protocolo de Quioto vieram em
resposta à situação publicada pelo IPCC em seu primeiro relatório sobre as Mudanças do
Clima em 1990 e seu suplemento em 1992 (IPCC First Assessment Report e The
Supplementary Report). Os relatórios do IPCC são extensos, compostos por diversos volumes
separados por cada um de seus grupos de trabalho, versam sobre questões científicas, técnicas
e sócio-econômicas relativas às mudanças do clima e são publicados, geralmente, de 6 em 6
anos. O último foi o Quarto Relatório do IPCC, lançado em novembro de 2007.
Este último relatório levantou questões sobre os impactos das mudanças climáticas,
que se mostraram cada vez mais alarmantes. E ainda chegou à conclusão de que as ações
antrópicas causam mudanças no clima global. Esse relatório enfatizou que as conseqüências
das mudanças do clima serão devastadoras em médio e longo prazo, necessitando medidas de
adaptação urgentes em todo o mundo. E ainda que, apesar da existência de vasta gama de
ações de adaptação, essas necessitam ser mais amplas para reduzir a vulnerabilidade em
relação às futuras mudanças no clima mundial. Concluiu também que as barreiras, os limites e
os custos existentes a essas ações ainda não são completamente conhecidos.
Além de ações de adaptação, o relatório concluiu que as ações de mitigação ajudarão a
evitar, reduzir ou adiar muitos dos impactos gerados pelo fenômeno. O relatório também
levantou uma questão polêmica, tratada pelos países no âmbito da Convenção, relacionada ao
problema das emissões de GEE resultantes do desmatamento. Esse fato é alarmante no
sentido de ser responsável por grande parte das emissões de carbono do mundo, feitas,
principalmente, pelo Brasil. Revelou-se que o potencial das florestas do mundo caiu
consideravelmente e que esse desmatamento por meio de queimadas é prejudicial tanto por
emitir GEE, mas também por acabar com as reservas de carbono e o bioma das florestas,
responsáveis em grande parte pela definição do clima na região dos trópicos.
17 Como no caso da China, onde o desenvolvimento é baseado num processo produtivo fundamentado na energia do carvão mineral.
27
Foi a partir desse relatório e dessas conclusões que as discussões sobre o segundo
período de compromisso do Protocolo de Quioto no âmbito da Convenção são pautadas
atualmente. A partir da COP12, durante o ano de 2006 em Nairóbi, iniciaram-se as discussões
sobre esse período. Durante essa reunião os negociadores concluíram que havia grande
necessidade de ações de adaptação e mitigação das mudanças do clima por parte de todos os
países. E ainda, a proposta de metas de redução de emissões de GEE para o primeiro período
de compromisso do Protocolo de Quioto deveria ser reavaliada, no sentido de incluir esforços
dos países em desenvolvimento para a mitigação das mudanças climáticas. Questões sobre
medidas de adaptação e transferência de tecnologia foram levantadas, reafirmando ainda mais
a necessidade de uma ação conjunta entre todos os países.
A COP13 em Bali, Indonésia, deu continuidade a essas discussões e ainda enfatizou o
problema do desmatamento, apresentado pelo 4° Relatório do IPCC, e o papel dos países em
desenvolvimento no aumento da concentração de GEE na atmosfera. Durante essa reunião, os
atores discutiram sobre a decisão do novo período de compromisso, sobre medidas de
adaptação e um fundo de adaptação às mudanças do clima, medidas de transferência de
tecnologia entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos e mecanismos para
reduzir a vulnerabilidade de todos às mudanças climáticas. Foi decidido, com o Bali
Roadmap, que até 2009 deveriam ser apresentadas e aprovadas propostas de redução de
emissões, divisão de metas e os termos do segundo período de compromisso do Protocolo de
Quioto, a ser colocado em prática a partir de 2013.
A delimitação do segundo período de compromisso deverá envolver, inicialmente,
consenso sobre o prazo e a intensidade da mitigação, para, em seguida, negociar as metas, o
esforço de cada país, medidas de compensação, mecanismos de mercado, etc. Tendo em vista
esse cenário das decisões, o Brasil como país em desenvolvimento, responsável por grande
parte das emissões de GEE mundiais deve se posicionar doméstica e internacionalmente em
relação à redução de emissões. Na próxima seção será discutida a participação do Brasil nas
negociações desse Regime, bem como o ambiente doméstico de implementação das medidas
adotadas no âmbito desse.
28
3. O BRASIL E O REGIME DE MUDANÇA DO CLIMA
Essa seção apresentará o posicionamento do Brasil em relação às mudanças do clima,
tanto no âmbito internacional quanto no cenário doméstico. Inicialmente será caracterizado o
sistema de decisões e de implementação de políticas para as mudanças climáticas dos países, a
partir da teoria dos jogos de dois níveis de Putnam (1988). Em seguida, discute-se a
participação oficial do Brasil nas reuniões internacionais sobre as mudanças do clima, no
intuito de demonstrar a evolução do posicionamento político do país sobre as questões
ambientais e as questões climáticas frente às suas tradições políticas e posição de liderança.
Neste ponto do texto também se descreverá como é tratada, no âmbito internacional, a questão
mais crítica do país em relação às mudanças do clima: o desmatamento da Amazônia.
Apresentado o problema crucial do Brasil em relação às mudanças do clima, será feita
uma caracterização do cenário doméstico de emissões de GEE e a discussão sobre a
vulnerabilidade do país em relação ao fenômeno climático. Atenção às políticas domésticas e
à legislação ambiental brasileira terá lugar, com foco no que concerne o problema das
mudanças climáticas, enfatizando o problema do desmatamento. Assim, a próxima seção terá
o cenário geral de posicionamento político internacional e doméstico, que ajudará a explicitar
os conflitos domésticos de implementação das políticas nacionais.
3.1. A teoria de Putnam dos níveis de análise
Apesar da inclusão da temática ambiental e da mudança climática na agenda política
internacional, o processo de negociação internacional está submetido à possível
implementação de políticas domésticas favoráveis às decisões acordadas no ambiente
internacional. Isso pode ser mais bem explicitado pela lógica dos jogos de dois níveis de
Putnam (1988). As decisões dos stakeholders18
domésticos são decisivas na efetividade do
compromisso dos países no âmbito do Protocolo de Quioto, já que, de acordo com a lógica
dos jogos de dois níveis de Putnam,
18 Stakeholders podem ser indivíduos, grupos ou instituições interessados em um determinado projeto ou programa. (MONTGOMERY, 1996, p.3).
29
“No nível nacional, os grupos domésticos perseguem seus interesses pressionando o governo a adotar políticas favoráveis, e os políticos buscam poder através da construção de coalizões entre esses grupos domésticos. No nível internacional, os governos nacionais buscam maximizar sua habilidade de satisfazer as pressões domésticas, enquanto minimizam as conseqüências adversas do desenvolvimento externo” (PUTNAM, R. 1988, p.434, tradução nossa). 19
E ainda, define os dois níveis no qual o jogo se realiza: “1. barganha entre os
negociadores, buscando uma tentativa de acordo: chamamos isso de Nível I. 2. discussões
separadas entre cada grupo de constituintes sobre quando ratificar o acordo: chamamos isso
de Nível II.” (PUTNAM, 1988, p.436, tradução nossa)20. Ou seja, o nível I representaria o
processo de negociação no nível internacional e o nível II o processo de negociação e
ratificação no nível doméstico. Assim, um processo de negociação começa no nível
internacional, no âmbito do Regime de Mudanças do Clima, e depois passa para o nível
doméstico, podendo as decisões no nível internacional serem implementadas ou não no nível
doméstico.
Ainda de acordo com Putnam (1988), as chances de sucesso da negociação (aceitação
e/ou implementação no nível doméstico) dependem de três fatores: 1) da distribuição de
poder, das preferências e as possíveis coalizões entre os atores domésticos; 2) da força e da
autonomia das instituições políticas domésticas; 3) e das estratégias dos negociadores do nível
I adotadas no nível II. Então, o acordo estabelecido no nível internacional é viabilizado
através de políticas no nível doméstico.
Dessa maneira, por hipótese, poder-se-ia inferir que o Brasil se posiciona
internacionalmente nas rodadas de negociação do Protocolo de Quioto de acordo com o que é
implementado, ou decidido pelos atores domésticos sobre a política doméstica de redução de
emissões. Segundo Putnam, seria esperado que o posicionamento internacional informa o
posicionamento do governo na elaboração de políticas domésticas, que, por sua vez, são
negociadas com os stakeholders no âmbito doméstico.
Nesta pesquisa será observado como as decisões tomadas no âmbito do Regime de
Mudanças Climáticas são implementadas ou não no cenário doméstico. Assim, tentaremos
delinear a projeção do Brasil num futuro momento do Regime de Mudanças do Clima, o
segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto.
19
“At the national level, domestic groups pursue their interest by pressuring the government to adopt favorable
policies, and politicians seek power by constructing coalitions among these groups. At the international level, national governments seek to maximize their own ability to satisfy domestic pressures, while minimizing the
adverse consequences of foreign developments.” 20
“1. bargaining between the negotiators, leading to a tentative agreement: call that Level I. 2. separate
discussions within each group of constituents about whether to ratify the agreement: call that Level II.”
30
3.2. O Posicionamento do Brasil no nível internacional
A posição do Brasil na arena de negociação sobre as questões ambientais sofreu
mudanças durante o período de 1972 até 1990. Em 1972, a Conferência de Estocolmo inseriu
a temática ambiental na agenda política internacional, correspondendo ao modelo tradicional
de crescimento econômico. Isso porque o Brasil acreditava que a “[...] principal poluição era a
pobreza, e a proteção ambiental deveria vir apenas depois de um desenvolvimento dramático
da economia do país e de um crescimento da renda per capita aos níveis dos países
desenvolvidos” (VIOLA, 2004, p.30, tradução nossa21).
Além disso, o modelo de crescimento econômico vigente na época era baseado,
principalmente, na exploração dos recursos naturais disponíveis, considerados infinitos na
concepção em voga naquele momento. Esse modelo era também baseado em mão-de-obra
barata e desqualificada e em indústrias extremamente poluentes, tanto nacionais quanto
multinacionais. Essas empresas multinacionais eram advindas dos países desenvolvidos que,
na época, começaram a desenvolver uma consciência ambiental e migraram suas indústrias
poluentes para os países em desenvolvimento (VIOLA, 2002). E, paralelo ao avanço das
corporações transnacionais, ocorria a expansão das empresas nacionais e de valores
nacionalistas dentro do país (VIOLA, 2004).
Assim, durante a Conferência de Estocolmo, o Brasil não reconheceu a importância da
discussão sobre os problemas ambientais, e, juntamente com a China, liderou a aliança dos
países periféricos defendendo a posição baseada em três princípios básicos:
“[...] defesa da soberania nacional irrestrita em relação ao uso dos recursos naturais; a proteção ambiental deveria vir apenas depois de alcançado uma alta renda per capita; e o fardo do pagamento pela proteção ambiental global deveria ser uma responsabilidade exclusiva dos países desenvolvidos.” (VIOLA, 2004, p. 30, tradução nossa22)
Em 1980 o país enfrentava a mudança do modelo de produção mundial, que deixava
de depender essencialmente da mão-de-obra barata e desqualificada e dos recursos naturais,
para se apoiar em informação e tecnologia. O Brasil via diminuir substantivamente suas
21 “[…] the main pollution was poverty, and environmental protection should come only after a dramatic
development of the country’s economy and an increase of the per capita income to the same level of developed countries.” 22 “[…]defense of unrestricted national sovereignty in relation to the use of natural resources; environmental
protection should come only after reaching high per capita income; and the burden of paying for global
environment protection should be an exclusive responsibility of developed countries.”
31
vantagens comparativas nos negócios internacionais. Sua mão-de-obra era desqualificada,
incapaz de operar os novos sistemas produtivos; os recursos naturais já não eram decisivos na
produção; e, por fim, a consciência ambiental se expandia mundialmente, o que significava
baixa tolerância a processos produtivos extremamente poluentes. Esses fatores desencadearam
a crise do modelo de desenvolvimento do país na década de 1980. (VIOLA, 2002). Essa crise
fez com que o Brasil atentasse para a necessidade de se adaptar às novas necessidades de
mercado, dentre elas, a adaptação a processos produtivos menos poluentes.
Em 1981 é instaurada no Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente. Tal política
sinalizou, principalmente, a mudança da posição do Brasil frente à temática do meio ambiente
decorrente da crise do modelo econômico. Essa mudança pôde ser percebida, principalmente,
durante o governo Collor, em 1990. Nessa época, o Brasil começa a se aproximar cada vez
mais dos países ocidentais a partir, principalmente, da abertura da sua economia ao mercado
internacional (VIOLA, 2004). Então, o país se mostrou mais ativo nos principais fóruns
multilaterais sobre meio ambiente desde a nomeação de José Lutzenberger como Secretário
do meio ambiente em 1990. Isso sinalizou uma nova responsabilidade ambiental do país, com
o objetivo de ganhar credibilidade dos países desenvolvidos, chamando a atenção para o
programa econômico neoliberal do governo. De maneira concreta, essa nova responsabilidade
trouxe ao Brasil a UNCED-92 (mais tarde denominada Rio-92) (VIOLA, 2002).
A mudança da visão do Brasil sobre os problemas ambientais foi percebida não só pela
realização da UNCED-92 no país, mas também pela posição que o mesmo adotou no
ambiente internacional, já que o país facilitou o acordo da UNFCCC, se mobilizou a favor do
desenvolvimento sustentável na Agenda 21 e ajudou a redigir sobre os resultados da
Convenção da Biodiversidade. Isso sinalizou os princípios sob os quais o país se pautava
durante a realização da Rio-92: primeiro, o Brasil acreditava que os problemas ambientais
eram de extrema importância e que a comunidade internacional deveria tratá-los de maneira
prioritária; segundo, a responsabilidade pelos problemas ambientais, tanto em função de suas
causas quanto pela solução dos problemas, deveria ser diferenciada.
As mudanças na política externa, iniciadas durante o governo Collor, foram
reafirmadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O alinhamento a países da
União Européia, aos EUA e ao Japão tanto econômico, quanto em questões de direitos
humanos e propriedade intelectual, marcou a política externa desses governos. Apesar desse
alinhamento, o Itamaraty preservou a filiação ao bloco G77.
Contudo, o sucesso internacional dessa posição mais ambientalista foi diferenciado.
De um lado, durante a reunião da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o
32
Brasil sugeriu propostas favoráveis ao Regime de Mudanças Climáticas; e em contrapartida, o
país não conseguiu incluir princípios de desenvolvimento sustentável durante a negociação da
integração do Mercosul (VIOLA, 2002).
Ainda durante o governo Cardoso iniciou-se o processo de assinatura e ratificação da
UNFCCC, aqui entendida como o Regime de Mudanças Climáticas. Em 1995, os países que
assinaram e ratificaram essa Convenção se encontraram na COP1, em Berlim, na Alemanha,
onde se propôs o estabelecimento de um protocolo que regulasse as emissões de GEE e
colocasse em prática as obrigações da Convenção. Durante essa reunião o Brasil teve
participação importante ao defender que os países em desenvolvimento não deveriam, num
primeiro momento, receber metas de redução de emissões (NAE, 2005).
Durante as reuniões subseqüentes, o país continuou defendendo a idéia de que os
países em desenvolvimento não deveriam ter, ainda, metas a serem cumpridas. Seja porque
isso afetaria o modelo de desenvolvimento, ou porque as responsabilidades das mudanças
climáticas atuais são, majoritariamente, dos países desenvolvidos e dos respectivos modelos
de desenvolvimento do início do século XX. (VIOLA, 2002)
De acordo com o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o
Brasil defendeu que
“[...] a questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países ricos se torna cada vez mais grave diante da dificuldade de se obter progresso na área da mudança do clima – pela demora na entrada em vigor do Protocolo de Quioto e pela ausência dos Estados Unidos no instrumento – e por não terem sido dirigidos aos países em desenvolvimento, em condições preferenciais, recursos financeiros e tecnológicos.” (NAE, 2005, p.58).
Durante as negociações do Protocolo de Quioto, no período de 1996 a 2001, o Brasil
pautava a sua atuação de acordo com quatro dimensões principais do seu interesse:
“1) afirmar o direito de desenvolvimento como um componente fundamental da ordem mundial, dando continuidade à política externa brasileira; 2) promover uma visão do desenvolvimento associada com a sustentabilidade ambiental, em correspondência com o grande crescimento da consciência ambiental no país e sua tradução em políticas públicas nacionais e estaduais; 3) promover uma posição de liderança do Brasil no mundo, em correspondência com o crescimento do prestígio internacional do país durante o governo Cardoso; e 4) evitar que o uso das florestas seja objeto de regulação internacional para não correr riscos de que os outros países possam questionar o uso econômico da Amazônia.” (VIOLA, 2002, p.38)
Pautado por esses interesses, o Brasil posicionou-se de maneira ativa nas negociações
do Protocolo de Quioto, fazendo propostas importantes para o avanço das discussões,
principalmente sobre a divisão de metas e posição dos países menos desenvolvidos nesse
33
protocolo. As propostas brasileiras feitas ao Protocolo de Quioto foram o Fundo de
Desenvolvimento Limpo e a chamada “Proposta Brasileira” de divisão de metas de redução
de emissões de GEE, que foi baseada num mecanismo semelhante já utilizado pelos EUA
para resolver os problemas da chuva ácida, o Cap-and-Trade System.
O Fundo de Desenvolvimento Limpo foi proposto em junho de 1997 no âmbito da
UNFCCC. Seu principal objetivo era prover ajuda financeira dos países desenvolvidos aos
países não-Anexo I, com o comprometimento dos últimos utilizarem tecnologias mais
“limpas” de desenvolvimento. Além disso, a proposta original do Brasil previa mecanismos
de punição àqueles países do Anexo I que não reduzissem as emissões de GEE nos
parâmetros estabelecidos pelo Protocolo de Quioto. De acordo com Eduardo Viola (2004),
essa proposta demonstrou uma posição diferente da que o Brasil tinha adotado frente ao
Regime do Clima. O autor acredita que era uma posição mais ambientalista, preocupada com
a mitigação das mudanças climáticas e à adaptação dos países em desenvolvimento a esse
fenômeno.
Contudo, nos faz questionar até que ponto esse posicionamento não seria confortável
para o país. Isso porque, de acordo com a Proposta apresentada, os países desenvolvidos
arcariam com custos de mitigação e adaptação para promover o desenvolvimento dos países
em desenvolvimento, enquanto os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos
continuariam a emitir GEE em nome do desenvolvimento. Essa posição confortável se deve
ao fato de que, naquele momento, o país não tinha como arcar com os custos de alterações
substantivas na matriz energética no sentido de diminuir suas emissões de GEE ou de se
comprometer a conter e mitigar o desmatamento da Amazônia. Logo, adotando essa posição,
o país acaba por liderar os países em desenvolvimento, adquirindo credibilidade nesse grupo e
adicionalmente consegue a atenção financeira necessária para promover o seu próprio
desenvolvimento.
Essa proposta encontrou a oposição de todos os países desenvolvidos e o apoio das
economias emergentes e dos países pobre. Por causa disso, a proposta brasileira original não
foi aceita, sendo modificada num esforço conjunto de Brasil e EUA em outubro de 1997. A
proposta modificada foi chamada de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que é
um dos três mecanismos de flexibilização do Protocolo de Quioto, já apresentado na seção
anterior. (VIOLA, 2004)
Já a “Proposta Brasileira” veio em resposta à primeira conferência das partes da
UNFCCC em Berlim, que versava sobre a divisão de metas de redução de emissão de GEE.
Essa proposta foi apresentada durante a COP3 pelo G77+China. Em sua versão original, o
34
documento propunha o estabelecimento de metas de emissões aos países do Anexo I, e que, se
não as cumprissem seriam punidos em forma de multas, que gerariam recursos financeiros ao
FDL.
As multas seriam baseadas em tetos de emissões estabelecidos de acordo com a
responsabilidade do país em relação aos índices de concentração de GEE na atmosfera e,
conseqüentemente, à contribuição desse para o aumento da temperatura média global. Essa
contribuição seria calculada de acordo com um modelo simplificado baseado nos Modelos de
Circulação Geral (MSG). (NAE, 2005)
Esse modelo quantificaria as responsabilidades dos países de acordo com os níveis de
emissões num determinado período de tempo. Assim, o modelo estabelecia que as
responsabilidades dos países desenvolvidos seriam maiores, visto que a contribuição para o
aumento da temperatura média global por causa de emissões de GEE dos países
desenvolvidos crescia e, paralelamente, a dos países em desenvolvimento decrescia. De
acordo com o relatório de 1992 do IPCC as responsabilidades dos países em desenvolvimento
e dos desenvolvidos, se mantidas constantes os cenários de emissões, seriam igualadas apenas
no ano de 2147 (NAE, 2005).
Sendo assim, a Proposta Brasileira pode se dividir em dois princípios básicos: 1) A
aplicação dos princípios da responsabilidade comum, porém diferenciada, da responsabilidade
histórica pelas mudanças climáticas globais e do poluidor pagador. Ou seja, contabilizando as
emissões de GEE passadas, iria se estabelecer uma responsabilidade historicamente
proporcional, fazendo com que o país pagasse por essas emissões passadas. 2) O Fundo de
Desenvolvimento Limpo e seus mecanismos de financiamento (NAE, 2005). Essa proposta
ainda continua a ser discutida entre os países membros da Conferência.
Essa participação efetiva do país no Protocolo de Quioto demonstra a posição adotada
pelo Brasil no Regime de Mudanças Climáticas, que
“[...] continua a ser a de reiterar que a questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países ricos se torna cada vez mais grave diante da dificuldade de se obter progresso na área de mudança do clima – pela demora na entrada em vigor do Protocolo de Quioto e pela ausência dos Estados Unidos no instrumento – e por não terem sido dirigidos aos países em desenvolvimento, em condições preferenciais, recursos financeiros e tecnológicos.” (NAE, 2005, p.58).
E assim, o país continua a política adotada no governo de Fernando Henrique Cardoso
durante a negociação do Protocolo de Quioto, enfatizando a necessidade da mitigação das
mudanças climáticas por todos os países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento. E
35
ainda, que os países desenvolvidos devem ter suas metas de redução de emissões vide as
emissões passadas.
Durante o governo Lula, o Brasil continuou a se posicionar de maneira a defender a
importância da mitigação das mudanças climáticas principalmente pelos países desenvolvidos
(lógica do poluidor-pagador), reiterando a necessidade da criação de mecanismos de
adaptação às mudanças do clima aos países menos desenvolvidos e a necessidade da
transferência de tecnologia. Esse posicionamento ficou ainda mais claro durante a COP13, em
Bali.
Contudo, a posição sobre as responsabilidades dos países em desenvolvimento tem
mudado. Num primeiro momento das negociações do Protocolo de Quioto o país não admitia
que os países em desenvolvimento devessem pagar pela mitigação das mudanças climáticas.
Hoje, principalmente a partir da Conferência de Bali (COP13), o Brasil enfatiza a necessidade
da criação de mecanismos de adaptação, financiamento e de transferência de tecnologia aos
países em desenvolvimento para que esses tenham condições de participar da mitigação das
mudanças do clima no segundo período de compromisso.
Atualmente, no âmbito do Regime, o Brasil possui uma posição de credibilidade no
processo de negociação. Isso se deve à participação efetiva do país nas discussões, tendo uma
posição de diálogo aberto com todos os interessados. O país é membro do G77+China, assim,
tem ajudado a defender os interesses desse grupo, principalmente aqueles relativos à
adaptação dos países menos desenvolvidos (países africanos e pequenos estados insulares).
Além disso, o país conta com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) e faz diversos investimentos nesse
centro. Logo, com um centro tecnológico capaz de fornecer informações sobre as mudanças
climáticas de maneira eficiente, o país pode oferecer ajuda técnica aos países em
desenvolvimento. Assim, o Brasil se firma como um dos líderes na defesa dos interesses dos
países em desenvolvimento e dos menos desenvolvidos, ocupando um lugar de destaque nas
reuniões sobre as mudanças do clima.
Além desses interesses, o Brasil ajuda “ainda no relacionamento com os países
exportadores de petróleo que buscam uma compensação pela perda de receitas de exportação
como resultado de medidas de mitigação.” (NAE, 2005, p.96). De acordo com o NAE (2005),
em relação ao desenho de compromissos no pós-2012, o Brasil deve coordenar seu
posicionamento na negociação com países como China, Índia, África do Sul, México e Coréia
do Sul (os últimos são membros da OCDE), que serão destaque nas negociações desse
segundo período de compromisso.
36
Em termos da sua posição como líder no Mercosul, o Brasil deve aumentar o nível de
integração regional no que concerne às questões energéticas e procurar arranjos com os países
desse bloco e outros países da América do Sul no sentido de estabelecer projetos de mitigação
conjuntos. E ainda, o país deve manter relações abertas com os países amazônicos, sejam em
desenvolvimento ou industrializados. (NAE, 2005).
3.2.1 O desmatamento da Amazônia no âmbito do Regime
A questão do desmatamento no Brasil ocupa lugares de destaque nas reuniões sobre o
clima desde o 4° Relatório do IPCC. Apesar do desmatamento atingir todos os biomas, como
o cerrado, mata atlântica e os pampas, o desmatamento na Amazônia Legal é o que repercute
com maior intensidade nos fóruns multilaterais sobre o meio ambiente. Isso se deve
essencialmente à porção do desmatamento que atinge esse bioma, que já perdeu cerca de 17%
da sua ocupação original por meio do desflorestamento.
O Brasil, durante as negociações do Protocolo, juntamente com a União Européia, se
posicionou contra a inclusão das propostas sobre o ciclo de carbono (relativos aos sumidouros
de carbono). Isso porque foi percebido pelos negociadores brasileiros que não se conseguiria
conter o desmatamento da floresta amazônica no Brasil de modo significativo, e, num futuro
no qual houvesse o estabelecimento de compromissos para os países emergentes esse fato se
tornaria um problema de escala mundial.
Os países com capacidade de controle do desmatamento (EUA, Canadá, Austrália,
Rússia, Japão e Costa Rica) queriam incluir os sumidouros de carbono (carbon sinks) na
contabilidade das emissões. Ou seja, queriam contabilizar o carbono que é resgatado pelas
florestas e pelo desmatamento evitado (avoided deforestation). Como resultado, o Protocolo
incluiu a questão dos sumidouros de carbono, contudo não permitiu que o desflorestamento
evitado gerasse créditos no âmbito do MDL. (VIOLA, 2002).
Essa decisão torna agora mais complicada a posição do Brasil, já que o país é um
grande emissor de carbono devido, primordialmente, ao desmatamento na Amazônia. O
cenário completo de emissões do Brasil é apresentado na subseção a seguir e ajudará a
comprovar essa posição do Brasil nas negociações atuais do Regime de Mudanças do Clima e
do segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto.
37
3.3. O Cenário de Emissões Brasileiro
A participação do Brasil no Regime de Mudança do Clima deve ser considerada a
partir de seu cenário de emissões de GEE, uma vez que esse ajudaria a pautar seu
posicionamento. Será demonstrado o cenário de emissões de GEE mundial e, posteriormente,
detalhes do cenário brasileiro de emissões, suas fontes, padrões etc.
De acordo com os gráficos abaixo, 56,6% das emissões de GEE mundiais são
provenientes do uso de energia fóssil e 17,3% são provenientes de desmatamento e mau uso
da terra.
Gráfico 1 - Emissões antrópicas globais de GEE Fonte: Climate Change 2007: Synthesis Report, IPCC, 2007.
No gráfico 1, o gráfico de barra (a) informa sobre as emissões globais anuais de GEE,
de 1970 a 2004. O gráfico mostra que de 1970 a 2004 houve um aumento de 20.3 toneladas
equivalentes de CO2 nas emissões anuais. Dentre os gases representados, encontram-se as
emissões de CO2 resultantes do desflorestamento, decomposição e turfa23, que pode ser
identificado no gráfico de pizza (b) das emissões equivalentes de CO2 no ano de 2004.
Nesse gráfico percebe-se que em 2004 cerca de 17% das emissões de GEE mundiais
foram resultados do desflorestamento, decomposição de biomassa etc, em contraposição aos
56,6% provenientes do uso de combustíveis fósseis. Já o segundo gráfico de pizza (c)
23 Turfa é um composto de origem vegetal decomposto.
38
representa a distribuição das emissões equivalentes de CO2 no ano de 2004 por setor. Nota-se
que 17,4% das emissões foram atribuídas a ações florestais (forestry), que inclui o
desmatamento.
Já o gráfico 2, abaixo, demonstra a contribuição agregada dos países a emissões de
GEE no ano de 2000. O que significa que nove, dos 188 países contabilizados, emitiram em
conjunto, durante o ano de 2000, cerca de 70% dos gases de efeito estufa totais. São eles:
Estados Unidos, UE-25 (bloco dos países da União Européia)24, China, Rússia, Índia, Japão,
Brasil, Canadá e Coréia do Sul.
Gráfico 2 - Contribuições Agregadas dos países maiores emissores de GEE Fonte: CAIT, WRI. Disponível em: <http://www.wri.org/chart/aggregate-contributions-major-ghg-emitting-countries>. Acesso em: 01 out. 2008.
Pode-se ver na figura 325, abaixo, composição desses aproximados 70% de emissões
acumuladas. Essa tabela foi confeccionada no sentido de promover uma análise comparativa
entre todos os países26 do mundo em relação às emissões de GEE totais do ano de 2000,
incluindo mudanças no uso da terra. Note que o Brasil ocupa a quinta posição de emissões de
24 Para a base de dados CAIT-WRI, os dados do bloco UE-25 são contabilizados como um dado individual, equivalente a unidades dos países. 25 As Figuras 3 e 4 foram resultado da ferramenta CAIT do World Resources Institute, que permite o cruzamento de diversos dados. 26 Apenas 35 países foram contabilizados nessa tabela, dentre os quais países em vermelho são os do Anexo I, os em preto não-Anexo I.
39
GEE mundiais, incluindo mudanças no uso da terra, com 5,34% das emissões mundiais no
ano de 2000.
Figura 3 – Emissões Mundiais de GEE por país em 2000 (incluindo mudanças no uso da terra) Fonte: Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) Versão 5.0, Washington, DC:WRI, 2008. Disponível em: <http://cait.wri.org/>. Acesso em: 01 out. 2008.
A figura 4 mostra, dentre um conjunto de informações, as emissões de GEE de 35
países, dentre eles o Brasil. Contudo, essa nova tabela não inclui as emissões de GEE
provenientes das mudanças no uso da terra. Comparando as figuras 3 e 4, pode-se notar que a
porcentagem das emissões mundiais caiu de 5,34% mostrado na figura 3 para 2,65% na figura
4. Isso significa que 59,09% das emissões de GEE do Brasil no ano de 2000, 1372.1MtCO2,
foram provenientes de mudanças no uso da terra (desmatamento, desflorestamento,
decomposição de biomassa).
40
Figura 4 - Emissões Totais de GEE em 2000 (excluindo as mudanças no uso da terra) Fonte: Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) Versão 5.0, Washington, DC:WRI, 2008. Disponível em: <http://cait.wri.org/>. Acesso em: 01 out. 2008.
Pode-se inferir, então, que o Brasil caracteriza-se por ser um grande emissor de GEE
principalmente pelas mudanças no uso da terra que incluem desmatamento e decomposição de
material vegetal. Além das emissões do uso da terra pode-se verificar cerca de 41%
proveniente de combustíveis fósseis, indústria etc. Isso pode ser confirmado a partir do
gráfico 3. É importante verificar que o gráfico 3 são dados do ano de 1994 e as tabelas do ano
de 2000 o que representa uma das limitações dessa pesquisa, falta de informações e dados
oficiais atualizados. Contudo, os dados de 1994 são considerados até hoje pelo governo
federal, como observamos no Relatório Parcial da Comissão Mista Especial para Mudanças
Climáticas, que será discutido a seguir.
41
Gráfico 3 – Perfil das Emissões de CO2 Brasileiras por setor – 1994 Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2006.
O gráfico 3 demonstra como em 1994, 75% das emissões antrópicas de CO2 no Brasil
eram provenientes de mudanças no uso da terra e florestas, e apenas 23% de uso de
combustíveis fósseis. Isso se deve, principalmente, pelos altos índices de desmatamento da
Amazônia e outros biomas e pela matriz energética do Brasil ser considerada limpa.
Isso é resultado de diversas medidas tomadas pelo país no sentido de diminuir o
consumo de energia fóssil em resposta ao aumento da demanda por um desenvolvimento
sustentável. Medidas como o Pró-álcool e diversos projetos MDL foram adotados no Brasil e
investem, em sua grande maioria, no desenvolvimento e produção de energias renováveis.
Além disso, o país investiu em projetos e programas para desenvolvimento e produção de
energias renováveis, como o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia), objetivando vantagens competitivas no mercado energético mundial.
De acordo com dados compilados pelo Ministério das Minas e Energia tem-se o
gráfico 4, abaixo.
42
Gráfico 4 – Perfil da produção energética – Brasil e Mundo Fonte: Ministério das Minas e Energia, 2008.
Em comparação com os dados da OCDE, verificamos que a parcela do petróleo na
produção energética do Brasil é bem próxima a dos países da OCDE, mas há que se
considerar que, em termos dos outros tipos de fonte de energia, o Brasil utiliza uma maior
parcela de fontes renováveis do que esses países. Isso porque, a maior diferença entre os dois,
é a utilização de carvão mineral, uma fonte de energia extremamente poluente, que é bastante
utilizada pelos países da OCDE e pelo resto do mundo, se diferenciando do portfólio de
produção de energia no Brasil. Logo, 45,1% da produção energética do Brasil é considerada
renovável, composta por energia de biomassa e hidráulica, ou seja, energias menos poluentes
em termos de emissões de GEE. Estima-se que o consumo de etanol no Brasil evite a emissão
de 25,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. (VARGAS, 2008)
Dados informam que o perfil de emissões de GEE do Brasil não mudou
consideravelmente e ainda é diferente do resto do mundo, sendo que 25% de suas emissões
totais são provenientes do uso de combustíveis fósseis, e 75% são provenientes de mudanças
do uso da terra, principalmente, o desmatamento. (CONGRESSO NACIONAL, 2007 (b)). De
acordo com notícia do INPE, dados do DETER27 mostraram um crescimento relativo do
27 DETER é o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
43
desmatamento da Amazônia no início do ano de 2008 em relação ao mesmo período do ano
de 2007.
Apesar desse crescimento, de acordo com o PRODES28 do INPE, no período
compreendido entre 2006-2007 foi observada uma queda de 20% do desmatamento da região
em relação ao período 2005-2006. Isso significou cerca de 11.224 km² de desmatamento da
região amazônica, uma taxa pequena se considerada às anteriores, porém ainda muito alta em
termos de redução das emissões de GEE provenientes dessa atividade. Em termos absolutos, o
índice do desmatamento tem caído nos últimos três anos, mas quando se trata de um período
de 10 anos (1997-2007), os índices do desmatamento da Amazônia Legal estão se igualando.
Ou seja, apesar de todos os esforços contínuos para conter o desmatamento na
Amazônia Legal ainda há muito o que reduzir e estabilizar, para que, assim, as emissões
provenientes do desmatamento sejam, de fato, substancialmente reduzidas. Comparando esses
dados do gráfico 5 ao gráfico 3, pode-se perceber que, em 1994, o índice do desmatamento
estava relativamente estabilizado. Contudo, em 1995, a taxa de desmatamento cresce quase
100%. Não podemos afirmar se houve um crescimento em termos de emissões de GEE
durante esse período por falta de disponibilidade de dados oficiais, mas o problema do
desmatamento está diretamente ligado às emissões de GEE.
28 PRODES é o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia Legal do INPE.
44
Gráfico 5 – Taxa de Desmatamento Anual da Amazônia Legal Fonte: INPE, 2006.
Logo, torna-se extremamente relevante analisar como as agências governamentais se
portam frente ao desmatamento. As altas taxas do desmatamento levam a indagar sobre
mecanismos e políticas para sua contenção e mitigação. Durante a COP12 em Nairóbi, a
Ministra Maria Silva declarou que
“da mesma forma que mudar a matriz energética requer uma mudança de um modelo econômico fundamentado em padrões inaceitáveis de produção e consumo, reduzir taxas de desmatamento requer mudanças fundamentais no modelo econômico de países em desenvolvimento cujas florestas, tradicionalmente, valem mais derrubadas do que em pé. Precisamos atacar as causas desse desmatamento, os vetores econômicos que a ele induzem, e propor alternativas de desenvolvimento econômico e social que contemplem as preocupações e necessidades de todos os atores envolvidos nesse processo”.(Marina Silva apud VARGAS, 2008, p. 50)
Assim, de acordo com Vargas (2008, p.50), “[r]eduzir o desmatamento é mais difícil
do que cortar emissões no setor industrial”. E ainda há que se considerar que a Convenção não
prevê mecanismos de mercado para tratar a questão do desmatamento. Há, no âmbito da
Convenção, uma discussão recente sobre créditos de carbono gerados por avoided
deforestation, ou seja, pelo percentual de desmatamento evitado pelo país em questão. Assim,
45
é difícil oferecer incentivos para a cooperação aos países em desenvolvimento29 no sentido de
reduzir as emissões provenientes do desmatamento.
Apesar do MDL não permitir créditos gerados por avoided deforestation, como
apresentado anteriormente, é um mecanismo de flexibilização do Protocolo de Quioto que
permite a comercialização de parte dos créditos (RCEs) gerados por projetos em países em
desenvolvimento. No Brasil, o MDL é um mecanismo de uso crescente, e apesar de não
ajudar o país nas emissões provenientes do desmatamento, auxilia na redução de emissões em
outras áreas, gerando um potencial de redução.
O gráfico 6 demonstra o total de atividades de projeto de MDL no mundo, mostrando
que o Brasil retém cerca de 8% dessas atividades (aproximadamente 284 projetos em MDL),
ficando atrás da China e Índia. Isso ocorre, principalmente pelo fato de que a regulação dos
projetos MDL fica a cargo, primeiramente, dos governos dos países, passando para a
comissão internacional.
Gráfico 6 – Total de Atividades de Projeto do MDL no Mundo Fonte: MCT, 2008. O gráfico 7 representa o total de projetos MDL no Brasil por escopo setorial,
verificando-se o fato de que não há projetos para a obtenção de créditos para o
desflorestamento evitado. Na área de florestas, apenas são permitidos créditos para
reflorestamento, que, na maioria das vezes, não se trata de reflorestamento por espécies
nativas. Nota-se que projetos na área de energia renovável são maioria, ajudando a afirmar
que a matriz energética brasileira é cada vez mais limpa.
29Consideramos os países em desenvolvimento já que as emissões mais significantes provenientes do desmatamento são originadas desses.
46
Gráfico 7: Números de Projetos Brasileiros por Escopo Setorial Fonte: MCT, 2008. Na tabela 1, verifica-se, como no gráfico acima, o percentual de projetos de MDL por
escopo setorial, mas a tabela traz informação adicional sobre o potencial de redução anual
pelo tipo de projeto. E ainda, a redução de emissão para o primeiro período de obtenção de
crédito. Logo, verifica-se que o potencial de redução é maior no conjunto de projetos na área
de energia renovável.
Tabela 1 – Distribuição das atividades de projeto no Brasil por tipo de projeto
Projeto em Validação/ Aprovação
Número de
Projetos
Redução Anual de Emissão
Redução de Emissão no 1º
Período de Obtenção de
Crédito
Número de
projetos
Redução anual de emissão
Redução de emissão no 1º
período de obtenção de
crédito Energia
renovável 141 15.852.405 111.082.169 48% 39% 36%
Suinocultura 47 2.337.920 22.364.190 16% 6% 7% Aterro Sanitário 26 9.004.069 66.626.748 9% 22% 22%
Processos Industriais
6 802.926 5.921.452 2% 2% 2%
Eficiência Energética
19 1.455.732 14.289.895 6% 4% 5%
Resíduos 10 1.160.797 9.360.545 3% 3% 3% Redução de
N2O 5 6.373.896 44.617.272 2% 16% 15%
Troca de combustível
fóssil
39 2.907.977 24.284.745 13% 7% 8%
Emissões fugitivas
1 34.685 242.795 0% 0% 0%
Reflorestamento 1 262.352 7.870.560 0% 1% 3% Fonte: MCT, 2008.
47
O gráfico 8 informa que esse potencial total de emissões a serem reduzidas mostrado
na tabela anterior significa cerca de 10% do potencial total mundial, que significa cerca de 40
192 759 t CO2 eq por ano no Brasil, de acordo com os dados do gráfico 9.
Gráfico 8 – Emissões a serem Reduzidas durante o 1º período de Obtenção de créditos dos Projetos Registrados (1.810 MtCO2 eq) Fonte: MCT, 2008.
48
Gráfico 9 – Reduções Mundiais de Emissões Anuais (CO2 eq) Fonte: MCT, 2008.
A partir dos dados apresentados, pode-se inferir que o perfil de emissões do Brasil é
diferente do resto do mundo, sendo essencialmente proveniente do desflorestamento e
decomposição de biomassa. E ainda, que o potencial de redução de emissões via projetos
MDL, que se concentram em projetos de energias renováveis, ainda é pouco explorado,
quando observado em relação aos demais países emergentes mais poluidores. Ou seja, o
Protocolo de Quioto e seus mecanismos de flexibilização não fornecem meios eficazes para a
redução efetiva das emissões do país, já que essas se concentram no desmatamento e o MDL
não prevê a criação de créditos (RCE) a partir do desmatamento evitado, apenas a partir de
reflorestamento, que não é necessariamente de mata nativa e que ainda não compensam as
emissões geradas pelas queimadas das florestas nativas.
Há que se retomar a posição do Brasil frente ao desmatamento evitado, que foi
contrário à implantação desse tipo de recurso no âmbito do Protocolo de Quioto. Essa posição
se deve ao fato do Brasil ter percebido que o país não conseguiria reduzir ou conter o
desmatamento da floresta amazônica, acarretando num problema futuro para a redução das
emissões, quando os países em desenvolvimento tivessem metas quantificadas.
O último gráfico, para completar o nosso cenário de emissões do Brasil, é o gráfico do
crescimento projetado das emissões mundiais até o ano de 2025. O gráfico 10 mostra uma
projeção do WRI que compara com as emissões de GEE do ano de 2000 e o possível cenário
de emissões dos países no ano de 2025. Ele mostra que até o ano de 2025 o Brasil aumentará
suas emissões de GEE em cerca de 68%.
49
Gráfico 10 – Crescimento projetado das emissões mundiais até o ano de 2025 Fonte: CAIT. WRI, 2005.
Existem diversas projeções baseadas em técnicas de previsão distintas. Como por
exemplo a projeção feita pelo Ministério das Minas e Energia. Essa projeção mostra que em
2030 prevê-se que o Brasil emitirá cerca de 610MtCO2/ano30, cerca de 1,4% das emissões
mundiais projetadas para esse período. Em comparação com as emissões de CO2 medidas no
ano de 2003, 348MtCO2, o aumento seria cerca de 75% nas emissões anuais até o ano de
2030. Para fins da nossa análise é importante observar mais do que o valor absoluto do
crescimento das emissões em cada projeção, mas o crescimento per se, que sinaliza que se
nada for feito, as mudanças climáticas tendem a ser mais evidentes e seus impactos mais
fortes e presentes.
3.3.1. O Desmatamento da Amazônia
Como mostrado na subseção anterior, o desmatamento é a maior causa das emissões
antrópicas de CO2 no Brasil. Esse dado indica a importância de se conhecer melhor sobre o
desmatamento na Amazônia Legal, área mais intensamente afetada por esse problema no
30 MtCO2/ano: Milhões de toneladas equivalentes de CO2 por ano.
50
Brasil, e as atividades produtivas que mais contribuem para isso: soja, milho, pecuária e
madeireiras.
A floresta amazônica se estende para além do território brasileiro. Para fins dessa
análise serão utilizados apenas dados da Amazônia Legal. Ou seja, das partes da floresta
amazônica que se encontram em território brasileiro. A Amazônia Legal compreende cerca de
85% do total da floresta amazônica e, em termos administrativos brasileiros, é composta por
partes e/ou todo de nove estados da federação: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e
Roraima, e partes dos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.31 Em relação à área
total, a Amazônia Legal representa 41% do território nacional. (MAPA, 2008). Nesta vasta
região a atividade agrícola é bastante intensa, como demonstram as informações a seguir.
3.3.1.1. Agricultura: Soja e Milho
As atividades agrícolas são responsáveis por grande parte do desmatamento da
Amazônia. Destacam-se principalmente culturas como da soja e do milho. A soja é
representada pela parte verde dos gráficos em pizza da Figura 5. Segundo o IBGE, a colheita
da soja no ano de 2007 somou aproximadamente 58 milhões de toneladas, sendo 10,6% maior
que a do ano de 2006 e correspondendo a 26,3% do total nacional da produção de grãos do
Brasil. Ainda em 2007, a área colhida dessa cultura na região Amazônica foi 6,5% menor do
que no ano anterior, somando 5.075.079 ha, equivalente a 25% da área de colheita total de
soja do país. Isso se deve, entre outros fatores, à Moratória da Soja, que estabeleceu que, a
partir de 24 de julho de 2006, a soja produzida no Bioma Amazônia em áreas desmatadas não
poderia ser comercializada dentro ou fora do país.
Já a cultura do milho se concentra em primeiro lugar no sul do país. Contudo, o
segundo estado que mais produz milho no Brasil é Mato Grosso. Isso corresponde a 51, 8
milhões de toneladas no ano de 2007, 11,8% do total nacional, produzidos numa área de
13.820.864 ha. (IBGE, 2008).
Dos cinco principais municípios produtores de soja, quatro são do estado do Mato
Grosso, que são, em ordem de decrescente de produção: 1º) Sorriso, 2º) Sapezal, 3º) Nova
Mutum e 4º) Campo Novo dos Parecis. Já dos 5 principais municípios produtores de milho, 4
são do Mato Grosso: 1º) Sorriso, 2º) Lucas do Rio Verde, 4º) Nova Mutum, 5º) Sapezal. O 31 De acordo com SIVAM.
51
município de Sorriso lidera a produção nacional desses dois grãos e está sinalizado no mapa
com uma seta branca adicionada por nós. Note que os principais locais produtores de soja e
milho no estado do Mato Grosso compreendem a área onde se encontram mais focos de calor
(representados pela legenda amarelo com pontos vermelhos, como demonstra a Figura 3).
(IBGE, 2008). Os gráficos 11 e 12 representam a produção desses grãos por município, no
período de 2000 a 2007.
Gráfico 11 – Produção de milho em grão dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007 Fonte: IBGE, 2007.
Gráfico 12 – Produção de soja em grãos dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007 Fonte: IBGE, 2007.
52
Figura 5 – Mapa da Expansão da Fronteira Agrícola na Amazônia Legal Fonte: IBGE,2005.
53
3.3.1.2. Pecuária e Madeireiras
A Figura 6 representa a expansão da fronteira das atividades pecuária e madeireira na
áreas da Amazônia Legal. Conforme a legenda do mapa, os círculos amarelos representam a
ação das madeireiras e os quadrados pretos a atividade da pecuária. Nota-se que a pecuária se
estende pelos estados de Rondônia, Mato Grosso, Pará e parte do Maranhão.
Já a atividade madeireira se concentra em sua maioria no estado do Pará, tendo
algumas grandes ocorrências também nos estados de Rondônia e Mato Grosso. De acordo
com Lentini, Veríssimo e Pereira (2005) o Pará é o maior produtor nacional de madeira, com
45% do total, seguido por Mato Grosso e seus 33% do total nacional e, em terceiro lugar, a
parcela de 15% da produção nacional do estado de Rondônia.
A estimativa de Dias-Filho e Andrade (2006), mostra que no ano de 2004 cerca de 63
milhões de ha pastagens ocupavam a área da Amazônia Legal. A área de pastagens
degradadas e não degradadas representa 26% do território nacional. Então, desses 26%,
aproximadamente 28% seriam de pastagens localizadas na Amazônia Legal.
Tabela 2 - Distribuição das terras do Brasil
Área Distribuição
(milhões de hectares) % do território nacional
Amazônia 350 41,0
Pastagens: - Degradadas 40 4,7
- Não-Degradadas 180 21,3
Áreas Protegidas 55 6,0
Culturas anuais 47 5,5
Culturas permanentes 15 1,8
Cidades, rios, lagos, estradas, etc.
20 2,2
Florestas Plantadas 5 0,5
Outros usos da terra 38 4,0
Área não-explorada (disponível para a agricultura)
106 13,0
Total 856 100 Fonte: IBGE e CONAB, adaptação MAPA, 2008.
54 Figura 6 – Mapa da Fronteira das Madeireiras e Pecuária na Amazônia Legal Fonte: IBGE, 2006.
55
A partir da nossa análise das figuras 5 e 6 percebe-se que o desmatamento da
Amazônia Legal coincide com a expansão da fronteira agrícola, principalmente no Mato
Grosso e no Pará, sendo os principais atores desse fenômeno a cultura de soja, milho, pecuária
e a extração de madeira. Isso nos ajudará a delinear os principais atores do desmatamento da
Amazônia Legal e, conseqüentemente, os grupos de interesse privados que atuam direta ou
indiretamente na formulação de políticas para a contenção do desmatamento.
Na próxima subseção discutiremos as vulnerabilidades do país frente às mudanças
climáticas, que atingem, principalmente, as mesmas atividades econômicas que promovem
parte das emissões de CO2 no Brasil, as atividades agropecuárias. Saber qual serão as
conseqüências das mudanças climáticas para o Brasil poderá ser decisivo para incentivar
políticas para as mudanças climáticas.
3.4. Vulnerabilidade do Brasil frente às mudanças climáticas
O problema das mudanças climáticas não atinge o Brasil somente de forma a resultar
numa possibilidade de estabelecimento de compromissos quantificados. O Brasil, como os
países de clima tropical e os países abaixo da linha do Equador, os chamados países menos
desenvolvidos, sofrerão as conseqüências das crescentes emissões antrópicas de GEE. O
Quarto Relatório do IPCC afirmou que as emissões antrópicas de GEE influenciam, sim, no
clima global. Estima-se que entre 1970 e 2004 as mudanças na temperatura global, nível dos
oceanos, dos sistemas físicos e biológicos foram observadas.
A Figura 7, abaixo, demonstra as mudanças na temperatura da superfície global e dos
sistemas físicos e biológicos. Observa-se que, em média, a temperatura global aumentou 1°C
e que a maioria dos sistemas biológicos e físicos alterados estão concentrados no hemisfério
Norte.
Contudo, verifica-se que na América Latina 53 sistemas físicos e 5 sistemas biológicos
foram alterados ao longo do período observado. E ainda, 98% das alterações observadas nos
sistemas físicos da América Latina são consistentes com a variabilidade da temperatura e
100% das alterações dos sistemas biológicos dessa região são consistentes com a
variabilidade da temperatura (IPCC, 2007). Ou seja, a variabilidade da temperatura nesse
período foi capaz de alterar os sistemas físicos e biológicos do mundo e pode continuar
alterando-os, inclusive os do hemisfério sul, atingindo o Brasil.
56
O que preocupa a comunidade internacional, além do impacto ambiental, é que essas
mudanças no clima mundial podem e vão afetar a economia. O Relatório Stern, um estudo
realizado pelo economista Sir Nicholas Stern encomendado pelo governo britânico – portanto,
guarda independência em relação ao Relatório do IPCC –, chegou a essa conclusão. Esse
relatório, publicado em outubro de 2006, versa sobre os impactos negativos das mudanças
climáticas na economia mundial. De acordo com o relatório, “o custo final de um descontrole
climático pode, segundo o economista britânico, ficar entre 5% e 20% do PIB mundial anual.”
(CONGRESSO NACIONAL, 2007(c), pp.10-11). E ainda, com o investimento de 1% do PIB
mundial para a mitigação das mudanças climáticas, pode-se evitar a perda de 20% desse PIB
resultante das vulnerabilidades do mundo às mudanças climáticas num período de 50 anos.
Logo, faz-se necessário descrever quais seriam as vulnerabilidades do Brasil relativas
às mudanças climáticas para saber quais seriam os incentivos diretos ao país para realizar
esforços de mitigação do fenômeno. O relatório síntese do IPCC, lançado em 2007, fala sobre
essas vulnerabilidades. Por vulnerabilidade o IPCC entende como
“o grau de suscetibilidade de um sistema aos efeitos adversos da mudança climática, ou sua incapacidade de administrar esses efeitos, incluindo variabilidade climática ou extremos. Vulnerabilidade é função do caráter da dimensão e da taxa de variação climática ao qual um sistema é exposto, sua sensibilidade e capacidade de adaptação.” (IPCC Third Assessment Report, Working Group II, 2001 apud NAE, 2005).
57
Figura 7 – Mapa da mudança dos sistemas físicos e biológicos e na temperatura da superfície entre 1970 e 2004 Fonte: IPCC, Climate Change 2007: Synthesis Report, 2007.
As vulnerabilidades descritas pelo 4º Relatório do IPCC são:
(a) Disponibilidade de água doce em regiões áridas e semi-áridas: Diminuição dos recursos
hídricos em regiões como o Nordeste brasileiro. Aumentará a variabilidade da precipitação. A
recarga de águas superficiais diminuirá. Isso devido ao rápido aumento da população, da
demanda de água doce e das mudanças do clima mundial;
(b) Mudanças na precipitação: Aumento da precipitação no Sudeste brasileiro, que impacta
diretamente na agricultura e uso da terra e no aumento das enchentes. Aumento na
temperatura de 0.5°C no país. Diminuição da precipitação em regiões áridas e semi-áridas;
58
(c) Risco de extinção de espécies da flora e fauna na América Latina tropical: Savanização
das florestas tropicais e substituição da vegetação semi-árida por árida na região Nordeste do
país. Desertificação e salinização das terras agricultáveis em até 50% ao final da década de
2050. Perda de habitat de espécies endêmicas;
(d) Vulnerabilidade das áreas costeiras: Aumento do nível do mar (1 a 2-3 mm por ano nos
últimos 10-20 anos) e variabilidade climática. Impactos em áreas costeiras de baixa
declividade, construções e turismo costeiro, morfologia costeira, manguezais e
disponibilidade de água doce, recifes de corais. (CONAMA, 2008).
Observa-se que as alterações da temperatura global e regional, o aumento do nível dos
mares, variabilidades da precipitação em todas as regiões do país e desertificação/savanização
das florestas e áreas agricultáveis interferem diretamente sobre as condições da economia e da
saúde da população do país.
Essas mudanças repercutem diretamente em todo o sistema hidrológico, biológico e
agrícola. Pode haver reflexos no equilíbrio químico do solo, resultando em impactos na
fertilidade e potencial produtivo. Além disso, pode haver mudanças e adaptações das espécies
de plantas, devido às mudanças da concentração de carbono na atmosfera e no solo. A
escassez de água doce, causada tanto pelo aumento do nível dos mares, quanto pela
diminuição da recarga de águas superficiais pode prejudicar as produções agrícolas. O
desequilíbrio nos biomas pode causar surgimento de novas pragas, devido à influência da
temperatura na sobrevivência, desenvolvimento, reprodução e movimentos migratórios dos
insetos. Conseqüências fitopatológicas também serão possíveis, como o desenvolvimento de
fungos e bactérias nocivas à produção agrícola. (DE SIQUEIRA, STEINMETZ, DE SALLES,
FERNANDES, 2001)32.
Como mostrado, as mudanças climáticas atingem o Brasil de diversas formas, o que
torna ainda mais urgente e imprescindível políticas para sua mitigação, independentemente do
país não possuir compromissos quantificados de redução de GEE (metas de redução). Na
próxima subseção o foco será na política doméstica para as mudanças climáticas,
principalmente as referentes ao desmatamento.
32 Uma análise completa sobre as vulnerabilidades do país pode ser encontrada no Cadernos NAE de 2005.
59
3.5. A política doméstica para as mudanças climáticas
A temática ambiental não fez parte da agenda política do Brasil durante muito tempo.
Contudo, como observado anteriormente, com a crise do modelo de crescimento econômico
na década de 1980, o país passa a incluir na agenda as preocupações com o meio ambiente.
Assim, durante o ano de 1981 é instaurada no Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente
através da Lei 6.938/81 que visava “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida
humana” (Lei Federal 6.938/81, 1981). A Política Nacional do Meio Ambiente também criou
o SISNAMA, Sistema Nacional do Meio Ambiente, composto pela Secretaria do Meio
Ambiente (atual Ministério do Meio Ambiente), pelo CONAMA e por vários órgãos
regionais.
Durante o governo Cardoso, em julho de 1999, em outra ação preocupada com o meio
ambiente, mais especificamente a questão das mudanças climáticas, foi criada a Comissão
Interministerial de Mudança Global do Clima. Essa comissão se encontra de maneira irregular
e atualmente é composta pelos Ministérios das Relações Exteriores; do Meio Ambiente; da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento; de Minas e Energia; da Ciência e Tecnologia, dos
Transportes, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; do Planejamento;
Orçamento e Gestão; das Cidades; da Fazenda; e de representantes da Casa Civil (Portaria n°
482, de 14 de julho de 2003).
Essa comissão tem por objetivo “emitir pareceres sobre propostas de políticas
setoriais, instrumentos legais e normas relevantes para o tema, subsidiar a posição
negociadora do governo em questões climáticas e definir critérios de elegibilidade; além
disso, sua função é decidir sobre projetos individuais.” (DUTSCHKE, 2000, p.23).
Além dessa Comissão, foi criado o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas em
junho de 2000, no qual participam representantes do governo, bem como representantes da
sociedade civil e outros convidados. Adicionalmente foram criados alguns Fóruns Estaduais
de Mudanças Climáticas, como o Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas. Contudo,
atualmente esse mecanismo de discussão e debate sobre a temática está quase inativo.
A preocupação com as mudanças climáticas tem crescido de maneira a mobilizar cada
vez mais órgãos governamentais a discutir e tratar sobre esse assunto. O que pode ser
indicado pela criação, em 28 de fevereiro de 2007, durante o governo Lula, da Comissão
60
Mista Especial sobre Mudanças Climáticas, através do Ato Conjunto n°1 de 2007. Numa
iniciativa conjunta das duas Casas do Congresso Brasileiro, essa comissão foi criada no
intuito de “acompanhar, monitorar e fiscalizar as ações referentes às mudanças climáticas no
Brasil” (CONGRESSO NACIONAL, 2007(a), p.1).
A Comissão deveria tratar sobre o assunto nas diversas reuniões durante o ano de
2007, emitindo um relatório de suas atividades ao final desse mesmo ano. Outros órgãos
essenciais para a mitigação das mudanças climáticas, especialmente para a contenção,
monitoramento e mitigação do desmatamento da Amazônia foram criados. Atualmente, o
SIVAM/SIPAM, o IBAMA, o INPA, o INPE e seus projetos PRODES e o DETER atuam de
maneira a monitorar, fiscalizar, proteger e levantar dados sobre o desmatamento da
Amazônia.
O SIVAM/SIPAM é uma rede de coleta de dados e de processamento de informações
para que os vários órgãos do governo que atuem na Amazônia Legal não realizem o mesmo
trabalho, e assim, otimizar os gastos públicos com o levantamento de dados e formulação de
informações sobre a Amazônia. São feitos trabalhos de sensoriamento remoto da região da
Amazônia Legal para a obtenção de dados de caráter geográfico, índices metereológicos,
entre outros.
O IBAMA é o órgão que cuida da fiscalização sobre os recursos naturais da
Amazônia. É ele quem aplica a legislação ambiental e combate a degradação do meio
ambiente. Em termos da Amazônia, o IBAMA tem por competência fiscalizar os imóveis
rurais, se eles seguem a legislação das áreas de proteção, se estão degradando áreas protegidas
etc. Atualmente o IBAMA disponibilizou em seu sítio eletrônico a consulta pública sobre as
áreas embargadas, dentre elas, áreas dentro da Amazônia Legal.
O INPA é o instituto que cuida das pesquisas científicas ambientais e sociais da
Amazônia Legal. Possui diversas coordenações de pesquisas, entre elas se encontram a
Coordenação de Pesquisas sobre Clima e Recursos Hídricos (CPCRH). Por fim, o INPE é o
instituto de pesquisa e processamento de dados espaciais, ou seja, através do PRODES e do
DETER, o instituto fornece informações sobre o avanço do desmatamento e focos de
queimada.
Todos esses órgãos têm como objetivo atuar para a contenção e mitigação do
desmatamento da Amazônia, dentro de suas próprias especificidades. Há que se ponderar
sobre os problemas de coordenação que certamente envolvem a atuação desses órgãos, bem
como as dificuldades de realizar suas atividades, tendo em vista a grandiosidade do território
sob a responsabilidade desses órgãos, dificuldades de acesso e, ainda, interesses de setores
61
econômicos que porventura possam interferir tanto na regulação quanto na fiscalização por
parte desses órgãos públicos federais. Por fim, apresentaremos, então, a atual legislação
ambiental brasileira relativa ao desmatamento da Amazônia que, como já observado, é
desrespeitada de diversas maneiras.
3.4.2. A Legislação Ambiental Brasileira relacionada às mudanças climáticas
Para fins dessa pesquisa, será descrita a legislação ambiental que ampara o problema
central apresentado aqui: o desmatamento da Amazônia. Para isso apresentaremos desde a
legislação mais geral para a mais específica e recente.
3.4.2.1. O Código Florestal
Em 15 de Setembro de 1965 foi instituído o Código Florestal que visava regular a
utilização e a exploração das florestas brasileiras já entendidas como bens de interesse comum
a todos os habitantes do país. A lei federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, apresenta
emendas feitas até o ano de 2006, em vista de atualizar o código florestal. Esse código
delibera sobre sanções e punições aos indivíduos que façam uso nocivo das florestas e demais
formas de vegetação, que pode também ser caracterizado como desmatamento de áreas de
preservação e reservas legais. A medida provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001,
incluiu os conceitos de reserva legal e áreas de preservação permanente ao código florestal.
Então, por áreas de preservação permanente entende-se
“área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1965, Art.1º §2º-II)
E por reserva legal pode-se entender a
“área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1965, Art.1º §2º-III)
62
O código ainda prevê a possibilidade de autorização, pelo órgão ambiental
competente, da supressão de áreas de preservação permanente em casos de utilidade pública.
E define que na área de florestas da Amazônia Legal, todas as propriedades rurais que não são
de preservação permanente devem manter 80% do seu território total como área de reserva
legal e 35% do território das propriedades rurais localizadas em áreas de cerrado na Amazônia
Legal, podendo ser 20% dentro da propriedade e 15% em outras áreas na forma de
compensação, desde que dentro da mesma microbacia, sendo essas porcentagens passíveis de
diminuição ou aumento a critério do órgão ambiental competente.
O código ainda classifica como passíveis de punição uma série de ações dentro dessas
áreas, principalmente relacionadas a extração de lenha e madeira e comércio de plantas vivas
das florestas. Sendo que qualquer atividade extrativa nas áreas de reserva legal e preservação
permanente deve ser reportada e autorizada pelo órgão ambiental competente. São crimes
passíveis de pena: queimadas; extração de lenha, madeira, minerais e/ou espécies da fauna e
flora da floresta; entre outros.
A Constituição Federal dedicou todo o seu Capítulo IV ao Meio Ambiente, devido à
sua importância para o país. O art. 225 da constituição fala sobre o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e ao dever de todos de preservá-lo em sua totalidade, sendo
regulado pela lei dos Sistemas Nacionais de Unidades de Conservação da Natureza, a ser
tratada a seguir, e pela lei dos crimes ambientais, a de nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Os artigos 38 a 46 dessa Lei tratam de crimes contra as florestas e reservas (unidades de
conservação de proteção integral), tais como extração de madeira e queimadas, que são
punidos com penas de detenção ou reclusão de seis meses a seis anos, passíveis ou não de
multas. O artigo 50-A, da mesma Lei trata exclusivamente sobre o desmatamento
“Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa. § 1o Não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família. § 2o Se a área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare.” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1998, Art. 50-A)
63
3.4.2.2. Lei dos Incentivos ao Florestamento e Reflorestamento
A Lei nº 5.106, de 2 de setembro de 1966, trata sobre incentivos tributários aos
indivíduos, pessoa física ou jurídica, que empreguem importâncias monetárias em projetos de
florestamento e reflorestamento, desde que seu projeto seja aprovado previamente pelo
Ministério da Agricultura e compreenda um programa de plantio anual de, no mínimo, 10 mil
árvores. As importâncias monetárias poderão ser abatidas ou descontadas da declaração de
rendimentos das pessoas físicas ou jurídicas, residentes no Brasil.
3.4.2.3. Lei sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza, a qual define:
“unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000(a), Art. 2º-I)
As unidades de conservação teriam o objetivo de conservar e regular o uso dos
recursos naturais de uma determinada área designada como unidade de conservação pelo
governo. Elas são reguladas pelo CONAMA, MMA e Instituto Chico Mendes. O Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza é composto “pelo conjunto de unidades de
conservação federais, estaduais e municipais, de acordo com o disposto nesta Lei.”
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000(a), Art. 3º.). Segue abaixo a tabela 3 que
sistematiza os grupos de unidades de conservação dispostos por essa lei.
64
Tabela 3 – Grupos de Unidades de Conservação do SNUC
Grupos das Unidades de Conservação integrantes do SNUC
Objetivo Básico33 Subgrupos
Unidades de Proteção Integral
“preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.”
I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV - Monumento Natural; V - Refúgio de Vida Silvestre.
Unidades de Uso Sustentável
“compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.”
I - Área de Proteção Ambiental; II - Área de Relevante Interesse Ecológico; III - Floresta Nacional; IV - Reserva Extrativista; V - Reserva de Fauna; VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável; VII - Reserva Particular do Patrimônio Natural.
Fonte: Adaptação Art. 7º, 8º e 14º da Lei 9.985/ 18 julho de 2000, formulação própria.
3.4.2.4. Lei da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA)
A Lei nº 10.165, de 27 de dezembro de 2000, dispõe sobre um sistema de taxação e
fiscalização ambiental a ser aplicado às pessoas físicas e jurídicas que exploram recursos
ambientais. Essa taxação teria como destino financiar as atividades de controle e fiscalização
ambiental do IBAMA. Além disso, determina que as pessoas físicas ou jurídicas a quem tal lei
se aplica deve entregar no dia 31 de março de cada ano um relatório das atividades exercidas
no ano anterior para colaborar com a fiscalização e o controle do IBAMA.
A taxação segue uma tabela que dispõe sobre o tamanho do empreendimento que
explora recursos naturais, bem como o ramo de atividade econômica desse empreendimento.
A taxa deverá ser paga no último dia útil de cada trimestre, sendo que indivíduos que
pratiquem agricultura de subsistência, entidades públicas, populações tradicionais e entidades
filantrópicas estão isentos da taxa. O Anexo VIII dessa Lei dispõe sobre os ramos da atividade
econômica classificando-os com pequeno, médio e grande, segundo seu potencial de poluição
e seu grau de utilização dos recursos naturais. As atividades que nos interessa são: a indústria
de madeira; a indústria de produtos alimentares e bebidas; e o uso de recursos naturais, como
exploração econômica da madeira de florestas, importação e exportação de fauna e flora etc.
Esses três tipos de atividades são considerados de médio impacto e são taxadas de acordo com
a tabela abaixo.
33 Art. 7º, §1º e §2º da Lei 9.985/ 18 julho de 2000.
65
Tabela 4 – Anexo IX da Lei 10.165 de 27 de dezembro de 2000
VALORES, EM REAIS, DEVIDOS A TÍTULOS DE TCFA POR ESTABELECIMENTO POR TRIMESTRE
Potencial de Poluição,Grau de utilização de Recursos Naturais
Pessoa Física Microempresa Empresa de Pequeno Porte
Empresa de Médio Porte
Empresa de Grande Porte
Pequeno - - 112,50 225,00 450,00 Médio - - 180,00 360,00 900,00 Alto - 50,00 225,00 450,00 2.250,00
Fonte: PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000(b).
Para fins dessa lei entende-se que
“"I – microempresa e empresa de pequeno porte, as pessoas jurídicas que se enquadrem, respectivamente, nas descrições dos incisos I e II do caput do art. 2o da Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999;" (AC) "II – empresa de médio porte, a pessoa jurídica que tiver receita bruta anual superior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) e igual ou inferior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais);" (AC) "III – empresa de grande porte, a pessoa jurídica que tiver receita bruta anual superior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais)." (AC)” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000(b), Art. 1º-I, II e III)
Dentro dessa denominação pode-se determinar qual seria o valor a ser pago
trimestralmente por propriedade rural com o objetivo de financiar atividades de controle e
fiscalização do IBAMA das atividades relativas ao nosso problema central, o desmatamento.
Logo, pode-se perceber que a remuneração para fins de fiscalização é pouca quando se trata
da importância do tema e da necessidade de ações efetivas e eficazes de controle e
fiscalização.
3.4.2.5. Lei sobre a Gestão de Florestas Públicas
Complementarmente ao Código Florestal, a Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006,
regulamenta a utilização das florestas públicas. Essa lei cria o sistema de concessões de
exploração das florestas públicas, a acontecer de maneira descentralizada, regulada pelas
unidades da federação. As concessões prevêem apenas a exploração das florestas de domínio
66
público, não a venda. Ou seja, serão concedidas licenças sobre o uso dos recursos florestais e
será mantido o domínio público da floresta.
As concessões são dadas num sistema de licitação pública a ser decidido por cada
região a que as áreas pertencem. A gestão das florestas públicas federais ficará a cargo da
união e a das estaduais ficará a cargo dos estados. As licitações irão ocorrer na forma de
“melhor preço, melhor técnica e benefício local” e cada concessionária poderá ter no máximo
dois contratos de concessões. Além disso, fica estabelecido que, em cada área de concessão,
deverá ter lotes para pequenos, médios e grandes produtores.
Delineado todo o cenário legislativo para o meio ambiente e mudanças climáticas
(desmatamento), percebemos que a legislação ambiental brasileira é bastante abrangente,
prevendo penas específicas para os mais diversos tipos de crimes. Apesar disso, o problema
que o Brasil enfrenta atualmente está relacionado diretamente com a implementação dessa
legislação, colocar em prática, seja através de ações punitivas e/ou coercitivas. As ações de
implementação da legislação, aplicação de suas diretrizes, fiscalização e punição esbarram
num conjunto de problemas institucionais, de coordenação e de interesses dos principais
atores que serão apresentados no próximo capítulo. Portanto, o problema do desmatamento
da Amazônia não se dá por falta de um aparato legislativo capaz de atingir as principais
causas desse problema. Apesar de sempre se questionar a qualidade das regras formuladas, o
problema reside, basicamente, nas dificuldades durante a implementação da legislação
vigente. Isso porque os stakeholders do tipo 2 (a serem apresentados a seguir) têm
basicamente dois meios de influenciar e pressionar a formulação de políticas para o meio
ambiente: através das pressões ao legislativo e através das resoluções do CONAMA. Esses
fatos serão mais bem trabalhados na seção seguinte.
Logo, deveremos responder ás seguintes questões no próximo capítulo: Quem formula
e reformula as leis? Quem executa as leis? Qual é o processo de aprovação da lei? Durante
esse processo, existe influência de atores não-governamentais? Para responder a essas
perguntas, faremos no próximo capítulo a delimitação dos atores envolvidos no problema do
desmatamento da Amazônia, tanto governamentais quanto privados. Depois disporemos como
funciona o sistema burocrático brasileiro. E por fim, apresentaremos os problemas que
influenciam a formulação, delimitação e execução das leis referentes ao desmatamento da
Amazônia Legal, para, então, relacionarmos o nível doméstico com o nível internacional.
67
4. PROBLEMAS DE COORDENAÇÃO ENTRE OS STAKEHOLDERS
Esse capítulo se refere à nossa análise qualitativa sobre os problemas de coordenação
entre os stakeholders, a serem delineados aqui. Como apresentado anteriormente,
stakeholders podem ser entendidos como atores relevantes, que podem ser indivíduos,
organizações, grupos e/ou instituições públicos ou privados. Para tanto, será apresentada a
metodologia que permite estudar a escolha desses atores. Em seguida, apresentaremos os
interesses delineados de cada ator e os indicadores referentes aos problemas de coordenação
entre os atores escolhidos. Sistematizaremos os resultados colhidos a partir da classificação
dos stakeholders.
4.1. Stakeholders analysis
A análise da ação dos stakeholders foi descrita pelo Banco Mundial, numa compilação
de informações feita pelo mesmo. No documento Stakeholder Analysis, o Banco Mundial
apresenta uma metodologia que permite fazer essa análise. O autor propõe que se respondam
a 8 perguntas básicas que norteiam a determinação de quem participa, o quanto participa e
quando participa: (1) qual o papel do stakeholder para que o projeto/política seja bem
sucedido? (2) esses pressupostos são realistas? (3) quais as respostas positivas esperadas? (4)
qual seria o impacto da ausência dessas respostas? (5) o que pode ser feito para encorajar o
apoio dos stakeholders? (6) quais as respostas negativas esperadas? (7) qual seria o impacto
dessas respostas? (8) o que pode ser feito para mitigar as respostas negativas? Respondidas
essas perguntas passa-se para o método em si. O método é constituído de quatro passos
básicos: (1) identificar os stakeholders; (2) determinar os interesses dos stakeholders; (3)
determinar o poder e influência dos stakeholders; (4) formular uma estratégia de participação
desses stakeholders.
Para identificar os stakeholders deve-se gerar uma lista de possíveis atores
respondendo às seguintes perguntas: (a) quem são os principais beneficiários? (b) quem pode
ser atingido de maneira negativa? (c) existem grupos vulneráveis? (d) foram identificados
grupos que apóiam e os grupos oponentes? (d) qual é o relacionamento entre os stakeholders?
68
Assim, é possível identificar quem contribui, quem são os beneficiários, os grupos afetados e
outros grupos de interesse. Determinados quem são os stakeholders, passa-se para a
identificação dos interesses dos mesmos. Cada grupo identificado deve ser enquadrado de
acordo com essas questões: (a) quais as expectativas em relação ao projeto/política? (b) quais
os prováveis benefícios? (c) quais interesses conflitam com os objetivos do projeto/política?
(d) quais os recursos que podem ser mobilizados pelo stakeholder? Logo, o terceiro passo é
de determinar o poder e a influência do stakeholder. As questões feitas devem ser no sentido
de ajudar a organizar as informações sobre questões políticas, sociais, de autoridade e
controle, bem como o status legal daquele ator. Deve-se questionar: (a) qual é o
relacionamento entre os vários atores? Quem tem poder sobre quem? Quem depende de
quem? (b) quais são os stakeholders que estão organizados? Como essa organização pode
influenciar? (c) quem tem o controle sob os recursos? Quem controla a informação? Por fim,
há que se formular a estratégia da participação do stakeholder levando em consideração os
interesses, influência e poder desse. (BANCO MUNDIAL, 2007(b))
4.1.1. Delimitação dos stakeholders
Além da metodologia apresentada pelo Banco Mundial, os stakeholders serão
divididos de acordo com a classificação de Montgomery (1996). Segundo esse autor, há três
tipos de stakeholders: os primários, os secundários e os key stakeholders. Os primários são
aqueles afetados diretamente, tanto negativa quanto positivamente. Os secundários são
aqueles intermediários, tanto beneficiados quanto não beneficiados, incluídos ou excluídos do
processo de decision-making. Por fim, os key stakeholders são aqueles que influenciam
significantemente ou são importantes para o sucesso do determinado projeto.
(MONTGOMERY, 1996, p.3).
Para essa pesquisa, será utilizada apenas a classificação key stakeholders, dividida em
duas subclassificações: (1) aqueles que formulam e implementam as políticas e projetos; (2)
aqueles que influenciam indiretamente no processo de formulação e implementação do
projeto. Para o objeto maior desta pesquisa foram indentificados alguns tipos de stakeholders
apresentados na Tabela 5 abaixo.
69
Tabela 5 – Identificação dos stakeholders
TIPO E DENOMINAÇÃO PARA FINS DA PESQUISA
DENOMINAÇÃO ATUAÇÃO EM RELAÇÃO AO DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA LEGAL
REPRESENTAÇÃO NACIONAL
INFLUÊNCIA PERCEBIDA NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS
1(a) Instituições Governamentais
Decisão, formulação, implementação e monitoramento das políticas relativas ao desmatamento e às Mudanças Climáticas.
a)Executivo: Ministérios e Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima; b)Agências reguladoras: IBAMA, CONAMA, Secretarias estaduais do Meio Ambiente.
Direta
1(b) Congresso Brasileiro
Formulação da legislação brasileira relativa ao desmatamento
Comissões Temáticas: Comissão Agricultura (CAPADR), Meio Ambiente (CMADS), Amazônia (CAINDR), Comissão Mista Especial para as Mudanças Climáticas
Direta
2(a) Agricultores e pecuaristas
Expansão da fronteira agrícola
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA.
Direta e Indireta
2(b) Madeireiras Expansão da fronteira agrícola
Associação Brasileira da Indústria da Madeira Processada Mecanicamente – ABIMCI; Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará – AIMEX.
Não verificada
2(c) ONGs “Verdes” Proteção da Amazônia Legal e Recursos Naturais
Imazon; Greenpeace. Não verificada
Fonte:Formulação própria.
Os atores apresentados na tabela acima foram identificados a partir dos dados
apresentados em seções anteriores34 e da metodologia de análise dos stakeholders.
Consideramos, por parte do governo, parte do executivo e legislativo que tratam sobre as
questões que propomos aqui, já que os stakeholders podem ser tanto atores privados quanto
públicos.
Já os atores não governamentais foram identificados de acordo com as principais
atividades econômicas que se relacionam ao desmatamento na Amazônia Legal como 34 A partir dos dados sobre o perfil de emissões do Brasil, sobre o desmatamento da Amazônia Legal nas figuras 5 e 6 e sobre o cenário doméstico e internacional de negociações para as Mudanças do Clima.
70
mostrado pelos mapas do IBGE em seção anterior (Figuras número 5 e 6). Esses atores,
diretamente ligados ao problema do desmatamento, se organizam nacional e estadualmente,
sendo as principais representatividades o foco da nossa análise.
Sua influência nos processos de formulação de políticas pode ser considerada direta e
indireta. Direta porque há representantes dessas classes no congresso nacional, nas
Assembléias Legislativas e câmaras municipais; e indireta porque há a influência das opiniões
da classe nas políticas formuladas pelo governo, já que se tratam de classes econômicas que
representam grande parte do PIB nacional. Já os atores não governamentais ambientalistas
(tipo 2(c)), foram identificados a partir de sua atuação social no movimento ambientalista,
cujo foco dessa atuação dá especial atenção à Amazônia. Nas subseções abaixo serão
apresentados seus respectivos interesses.
4.2. Os problemas de coordenação entre os stakeholders
A tabela 6, abaixo, mostra a composição dos interesses de cada ator analisado por esse
trabalho. A tabela foi confeccionada a partir de dados colhidos durante a pesquisa. Os
interesses dos stakeholders do tipo 1 não podem ser considerados como conflitantes ou não
com a política vigente, já que esses atores atuam diretamente na formulação dessas mesmas
políticas, sejam de cunho econômico ou ambiental. Já os dados dos stakeholders do tipo 2
foram colhidos a partir de informações oficiais fornecidas por seus principais representantes.
Esses interesses ficarão mais claros quando for discutida a atuação de cada ator nos itens a
seguir.
71
Tabela 6 – Delimitação dos interesses dos stakeholders
DENOMINAÇÃO EXPECTATIVAS EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS PARA O DESMATAMENTO
INTERESSES CONFLITANTES
COM A POLÍTICA VIGENTE
1(a)Instituições Governamentais
Duas linhas principais dos interesses no âmbito doméstico: * Proteção e preservação da Amazônia Legal; * Favorecimento da Indústria Agropecuária.
_
1(b)Congresso Brasileiro
Duas linhas principais dos interesses no âmbito doméstico: * Proteção e preservação da Amazônia Legal; * Favorecimento da Indústria Agropecuária.
_
2(a)Agricultores e pecuaristas
*Reformulação do Código Florestal e Unidades de Conservação; *Remuneração por preservação ambiental; *Flexibilização dos projetos MDL.
SIM
2(b)Madeireiras * Licenciamento da exploração de áreas públicas
SIM
2(c)ONGs “Verdes”
* Preservação da Amazônia SIM
Fonte: Formulação própria.
4.3.1. Instituições Governamentais e Congresso Brasileiro
Como apresentado anteriormente, é necessário analisar os casos dos ministérios
brasileiros e do congresso nacional. No âmbito dos ministérios nacionais, em maio desse ano
de 2008, a então Ministra do Meio Ambiente Marina Silva pediu demissão ao Presidente da
República. Isso levantou a polêmica em torno de divergências entre os Ministérios acerca da
prevenção e luta contra o desmatamento, principal temática defendida pela Ministra.
Sua carta de demissão ao presidente foi divulgada na íntegra pela Biblioteca da
Floresta Marina Silva, e ressaltava que, apesar da importância dos problemas ambientais, os
desafios impostos ao Ministério do Meio Ambiente durante seu mandato foram muitos,
partindo tanto do governo quanto da sociedade. Além disso, ela ressaltou que continuaria
trabalhando, como Senadora, em função dos problemas ambientais com o objetivo de
continuar a implementação da política ambiental.
72
A ministra foi substituída pelo deputado estadual Carlos Minc, ex-secretário do Meio
Ambiente do Rio de Janeiro, que diz continuar o trabalho contra o desmatamento da
Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Durante o mandato de Carlos Minc, foram divulgados
vários processos de combate ao desmatamento da Amazônia, tornando cada vez mais público
esse problema. Ações como o Plano Nacional para as Mudanças do Clima e a divulgação da
lista dos 100 maiores desmatadores do país se concretizaram após a saída de Marina Silva.
Espera-se que dê continuidade aos programas implementados durante o mandato Marina Silva
e que, chamando a atenção da sociedade civil, a temática tenha melhor tratamento no âmbito
do legislativo e do executivo.
No âmbito do executivo, apesar da existência da Comissão Interministerial de
Mudança Global do Clima, a posição dos ministérios tem um caráter essencialmente
autônomo sobre a questão. Dutschke aponta isso como uma das fraquezas dessa comissão. E
ainda,
“Dificilmente seus representantes na Comissão irão adotar decisões independentes, mas simplesmente executar o ponto de vista de cada um dos ministérios envolvidos. Além do mais, a Comissão se reúne de forma irregular e suas decisões, em conseqüência, passam por um processo lento e penoso.” (DUTSCHKE, 2000, p.23)
Além disso, a delegação brasileira nas COPs sempre foi liderada pelo Ministério da
Ciência e Tecnologia nos aspectos substantivos e pelo Ministério das Relações Exteriores nos
aspectos da negociação. Assim, o Ministério do Meio Ambiente, principal responsável pela
agenda ambiental brasileira naquilo que se refere à ação do poder executivo, e referência
quando se trata de desmatamento no Brasil do processo de decisão no ambiente internacional,
ficou em segundo plano.
Para a disputa doméstica, vê-se claramente as divergências entre MMA e MAPA e os
bancos oficiais. De um lado, o MMA tenta efetivar ações de combate ao desmatamento, até
porque tem compromissos quanto a elaboração de relatórios para agências internacionais, e de
outro os bancos oficiais e a Agricultura oferecem cada vez mais subsídios sem exigir a
preservação da floresta ou restringir a derrubada da mesma. (FRANCO, 2008).
E ainda, há que se considerar a atuação do MCT no que concerne aos Fundos
Setoriais. Os fundos setoriais são recursos para pesquisa provenientes do MCT e são
administrados pelo FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), dos quais alguns são
destinados à pesquisa em áreas que concernem às mudanças climáticas. De acordo com o
Relatório Parcial da Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas (2007, p.48), o
fundo setorial da Amazônia, “área fundamental no combate do aquecimento global, não foi
73
tão privilegiado quanto outros fundos.” E ainda, “[e]m termos percentuais, o Fundo Setorial
da Amazônia ficou com apenas 1,78% do somatório de todos os fundos. Novamente trazemos
à tona a falta de recursos destinados à pesquisa para preservar a floresta e, por conseqüência,
mitigar os efeitos das alterações climáticas.” (CONGRESSO NACIONAL, 2007 (b), p. 48).
No âmbito do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas foi elaborado o “Plano de
Ação Nacional de Enfrentamento das Mudanças Climáticas” com o objetivo de:
“Organizar, em esfera nacional, todas ações referentes às questões do Aquecimento Global e seus desdobramentos Sociais, Econômicos e Ambientais que vem sendo promovido pelo governo brasileiro além de propor iniciativas coordenadas com as já existentes e que somem esforços para alcance do objetivo fim que é mitigar, adaptar e reduzir o impacto dos desdobramentos das mudanças climáticas.” (FÓRUM BRASILEIRO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, 2007, p.5)
A proposta gira em torno de três eixos: i) Ações Coordenadas de Governo; ii) Criação
da Rede Nacional de Pesquisa sobre Mudança do Clima; iii) Criação de um Organismo
Nacional de Política Climática. Logo, há uma necessidade reconhecida pelo governo de maior
coordenação das ações dos Ministérios no sentido de atingir um resultado favorável à redução
das emissões brasileiras concernentes, principalmente, ao desmatamento da Amazônia. Esse
projeto começou a ser concretizado a partir de uma versão preliminar divulgada pelo MMA
em Setembro de 2008, com o objetivo de disponibilizá-lo para consultas e opinião públicas.
Estima-se que esse Plano Nacional sobre Mudança do Clima seja implementado até 2009 e
objetiva
“-Fomentar aumentos de eficiência no desempenho dos setores produtivos na busca constante do alcance das melhores práticas. [...] -Buscar manter elevada a participação de energia renovável na matriz elétrica, preservando posição de destaque que o Brasil sempre ocupou no cenário internacional. [...] -Fomentar o aumento sustentável da participação de biocombustíveis na matriz de transportes nacional e, ainda, atuar com vistas à estruturação de um mercado internacional de biocombustíveis sustentáveis. [...] -Buscar a redução sustentada das taxas de desmatamento, em sua média quadrienal, em todos os biomas brasileiros, até que se atinja o desmatamento ilegal zero. [...] -Eliminar a perda líquida da área de cobertura florestal no Brasil, até 2015. [...] -Procurar identificar os impactos ambientais decorrentes da mudança do clima e fomentar o desenvolvimento de pesquisas científicas para que se possa traçar uma estratégia que minimize os custos sócio-econômicos de adaptação do País.” (COMITÊ INTERMINISTERIAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA, 2008, pp. 7-11)
O Plano prioriza ações de cunho técnico e científico que valorizem as florestas, além
de conscientização coletiva sobre os problemas ambientais e ações específicas para cada
região do país. Esse plano visa sua implementação em fases, sendo a primeira fase
74
operacional e as outras marcadas por mecanismos de avaliação de desempenho e resultados.
Assim, visa ser um plano dinâmico, capaz de se adaptar às mudanças e aos novos problemas
que surgirem.
Além disso, o plano está estruturado e dividido por seções que tratam sobre diversas
oportunidades de mitigação; os impactos, vulnerabilidades e a capacidade de adaptação às
mudanças do clima; a pesquisa e o desenvolvimento técnico-científico sobre a temática;
capacitação técnica e educação ambiental para a divulgação de uma nova consciência
ambiental coletiva; e por fim, instrumentos de implementação, acompanhamento e avaliação
das ações propostas. A atual versão, até a conclusão dessa pesquisa, ainda está em vias de
análise e consulta pública e recebe constantes críticas de movimentos e organizações
ambientalistas sobre suas metas e propostas, como o Greenpeace. Algumas dessas
organizações argumentam que o foco do plano não está voltado para o grande problema do
Brasil, o desmatamento, principalmente, da floresta amazônica.
4.3.2. Os Stakeholders do tipo 2
Os stakeholders do segundo tipo, analisados neste trabalho são aqueles cujos
interesses mais diretos são relativos ao desmatamento da Amazônia, como já explicitado
anteriormente. A partir dos dados do IBGE e outros dados apresentados ao longo da pesquisa,
é visível que agricultores, pecuaristas e madeireiros são os grandes responsáveis pelo
desmatamento da Amazônia Legal. Isso também pode ser percebido em lista das propriedades
rurais embargadas pelo governo, disponível para consulta pública no site do IBAMA35. Logo,
será analisado o posicionamento dos maiores representantes de cada um desses responsáveis
em relação às políticas de contenção e mitigação do desmatamento da Amazônia Legal, a
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil e as organizações da classe madeireira no
Brasil (federal e regional), ABIMCI e AIMEX.
35 http://siscom.ibama.gov.br/geo_sicafi/.
75
4.3.2.1. Agropecuária e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
Um dos mecanismos utilizados para delinear os interesses da comunidade
agropecuária em geral foi um novo tipo de comunicação que a Confederação disponibilizou
em seu site na internet, a agenda legislativa semanal do Congresso Nacional. Através dessa
agenda pode-se saber os assuntos de cada reunião na qual a CNA participa no âmbito do
Congresso Nacional, se tem interesse na agenda do Legislativo e qual é esse interesse.
Contudo, apenas as reuniões das semanas de 1º a 4 de setembro e de 9 a 11 de setembro estão
disponíveis no site. Foi feito um levantamento das reuniões sobre diversos temas: questões
indígenas, políticas fundiárias, infra-estrutura, crédito rural, entre outros. Tem-se clareza da
limitação das informações, tanto pelo fato de serem restritas aos períodos assinalados quanto
por serem publicadas pelos próprios interessados, o que pode comprometer em alguma
medida o grau de confiabilidade da informação. Contudo, optou-se por considerá-las, apesar
desses elementos, em função das dificuldades pontuais de se localizar informações
complementares. Além disso, houve limitações na adoção de outras estratégias para coleta de
informações, como por exemplo, a realização de entrevistas.
Os gráficos abaixo demonstram a porcentagem da participação da CNA por período
nas reuniões legislativas federais por temática. O gráfico 13 demonstra que 18% das reuniões
nas quais a CNA participou e tinha um parecer sobre suas propostas eram sobre meio
ambiente. O gráfico 14 demonstra que na segunda semana essa fatia cresceu para 27%. Na
análise do período (duas semanas, apenas) integralmente no gráfico 15, 22% das reuniões que
a CNA participou e tinha um parecer eram sobre Meio Ambiente, o que nos atenta para a
relevância da temática para o setor (agricultura e pecuária). Dentre a temática do meio
ambiente se encontram diversos outros temas além do problema do desmatamento e das
mudanças climáticas, como questões de venda de terras públicas, questões energéticas e sobre
a fauna e flora silvestres, que representam apenas três reuniões das 17 reuniões contabilizadas
(17,64% do total de reuniões sobre o meio ambiente).
76
Gráfico 13 – Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas Federais por Temáticas - 1º a 4 de Setembro de 2008 (em %) Fonte: Formulação própria (adaptação dados da CNA).
Gráfico 14 - Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas Federais por Temáticas - 9 a 11 de Setembro de 2008 (em %) Fonte: Formulação própria (adaptação dados CNA).
77
Gráfico 15 – Distribuição por Área Temática da Participação Semanal da CNA nas Reuniões Legislativas – 1º a 11 de Setembro de 2008. (em %) Fonte: Formulação própria (adaptação dados CNA).
De acordo com o gráfico 16, desses 22% ou dezessete reuniões no congresso federal,
que abordavam a temática, em sete reuniões (41%) a CNA tinha um parecer favorável, quatro
reuniões (24%) tinha parecer contrário, cinco reuniões (29%) de parecer não especificado e
apenas uma reunião (6%) ficou pendente de parecer. Entre as reuniões do primeiro período
analisado (1º a 4 de setembro de 2008) cinco tinham parecer favorável da CNA. Dessas, duas
resultaram em não deliberação (sem resolução) e três em retirada de pauta. Três tinham
parecer contrário, duas com resultado não deliberado e uma aprovada. Das outras quatro
reuniões, três não tinham parecer especificado e uma estava pendente de parecer, das três
primeiras, duas foram aprovados e uma não deliberada. A reunião pendente de parecer foi não
deliberada.
78
Gráfico 16 – Parecer da CNA nas Reuniões Legislativas sobre Meio Ambiente e Amazônia Fonte: Formulação própria (adaptação dados CNA).
A participação da CNA no campo normativo, mais especificamente no Congresso
Nacional pode ser caracterizada por
“- Participação e acompanhamento de audiências públicas e reuniões, na Câmara dos Deputados e Senado Federal relativas aos projetos de lei, na área ambiental, recursos hídricos, florestal, mudanças climáticas e outras de interesse do setor agropecuário; - Elaboração de pareceres/posicionamentos no SAAP – Sistema de Acompanhamento de Atividades Parlamentares, sobre os projetos de lei.” (DE BRITO, 2008, p.5)
Em Março de 2008, em apresentação da Superintendência Técnica da CNA, o SAAP
possuía 1879 proposições, dessas, 904 se encontravam em processo de tramitação, sendo que
a CNA era contrária a 372 dessas e favorável a 353. Das proposições em tramitação, 154 são
sobre Meio Ambiente, cerca de 17% (vide gráfico 17 abaixo). Dessas 154 proposições,
“60 Convergentes (39%): normas e mecanismos de preservação ambiental adequados para a realidade do campo (factível); 75 Divergentes (49%): inadequação de normas e preocupações ambientais com a realidade do campo (não factível); 19 com ressalvas (12%): com alterações, podem se tornar favoráveis ao setor agropecuário.” (CNA, 2008(c), grifo no original)
79
Gráfico 17 – Proposições em Tramitação no Congresso Nacional Fonte: CNA, 2008(c).
Além do congresso nacional, a CNA também participa de outras instituições no campo
normativo, Conselhos e Comissões Nacionais sobre o Meio Ambiente: CONAMA, CNRH,
CONABIO e CONACER. No CONAMA, a CNA está presente em 8 Câmaras Técnicas das
11 existentes, e ainda, é Conselheira Titular em duas delas: CT da Biodiversidade, Fauna e
Recursos Pesqueiros; e CT de Assuntos Jurídicos. Além disso, participa ativamente de 7
grupos de trabalho dos 13 que acompanha no CONAMA. No CNRH participa de 5 Câmaras
Técnicas.
A análise da participação dos representantes da agricultura e pecuária do Brasil na
formulação de políticas ambientais ainda é inicial e apresenta poucos dados, sendo
impossibilitada uma conclusão mais concreta. Contudo, esses dados permitem dizer que
existe, sim, a participação desse grupo de interesse na formulação de políticas, seja através
das audiências públicas e convites a participação das reuniões, seja através dos congressistas
que são membros da CNA.
Dentre os interesses defendidos pela CNA está a reformulação do Código Florestal,
com a justificativa de que esse código tornou-se obsoleto para as necessidades atuais do país e
80
que passou por diversas emendas e alterações, modificando conceitos e princípios
consolidados. Além disso, a CNA também reivindica uma remuneração para a conservação
ambiental e a flexibilização da aprovação das metodologias de comprovação por parte do
MCT do escopo dos projetos MDL, já que apenas projetos relacionados a biodigestores têm
sido aprovados.
Para além da representação da CNA no Congresso, existe um outro indicador que
robustece a hipótese de que proprietários rurais agem a favor do desmatamento. Como citado
anteriormente, o IBAMA lançou a ferramenta de consulta às áreas embargadas no país.
Somente no estado do Mato Grosso, 1223 propriedades rurais foram embargadas, dentre elas
algumas são propriedades de políticos brasileiros. O governador do estado do Mato Grosso,
Blairo Maggi, os deputados estaduais (MT) Ademir Brunetto e Dilceu Dal Bosco figuram
nessa lista. Esse último ainda é presidente da comissão do Meio Ambiente da Câmara
Estadual e vice-presidente da Assembléia Legislativa do estado do Mato Grosso. (DE BRITO,
2008)
Depois da disponibilização dessa ferramenta, o MMA lançou a lista dos 100 maiores
desmatadores do país, entre eles, no topo da lista, figurava o INCRA – Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – cujo desmatamento ocorria em terras do governo ou de
assentamentos de pequenos proprietários coordenados pelo órgão36. Logo, fica claro o conflito
de interesses no âmbito do Congresso Nacional e instituições nacionais no sentido de
preservação da Amazônia Legal.
4.3.2.2. Madeireiras
Diferentemente da agricultura e pecuária, as madeireiras não possuem um órgão
federal que defina claramente seus interesses, objetivos e participação no executivo e/ou
legislativo brasileiro. Para fins dessa pesquisa serão utilizadas algumas informações colhidas
na ABIMCI e na AIMEX. A comunicação e as informações disponíveis para consulta pública
são escassas, mas se tentará fazer o melhor uso possível das informações disponíveis, no
36 Vale ressaltar, nesse caso, que os dados foram divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente e dois dias depois da divulgação o Ministro Carlos Minc veio a público afirmar que ocorrera equívocos na compilação dos dados. Esse fato pode demonstrar tanto a falta de coordenação entre órgãos do governo, como também a pressão interna à burocracia estatal no sentido ou de proteger interesses do próprio governo ou de proteger da visibilidade pública divergências internas no governo.
81
sentido de delinear os interesses dessa classe em relação ao meio ambiente, especificamente à
Amazônia Legal.
Um informativo do setor produtivo Florestal do estado do Pará, a Folha da Mata, no
ano de 2006, informou sobre a descentralização da gestão das florestas públicas em
conseqüência da Lei nº 11.284/2006. O informativo discorria sobre as vantagens da
descentralização dos processos de concessão da gestão das florestas públicas estaduais e
municipais, antes eram geridos pelo governo federal. Esperava-se que essa nova lei agilizasse,
legalizasse e fornecesse transparência ao processo de concessão de exploração de áreas
públicas. A lei recebeu, em passagem pelo Senado, uma emenda sobre a necessidade de
aprovação prévia do congresso a pedidos de concessões que excedessem o limite de 2.500 ha.
Isso significa para o setor uma ferramenta que inviabilizaria concessões no sentido de ser um
processo burocrático complexo e incerto, já que a sustentabilidade dos projetos florestais têm
que cumprir períodos de 30 anos, necessitando maiores áreas para o manejo florestal
sustentável.
Apesar dos dados relativos à participação das madeireiras no processo legislativo do
Brasil não terem sido encontrados, o setor possui diversas organizações industriais capazes de
influenciar de uma maneira ou outra esse processo. A tentativa nessa pesquisa foi de delinear
os principais interesses de cada setor. Contudo, as informações disponíveis em relação a esse
setor não são bem definidas, atuais e organizadas como as obtidas sobre agricultura e
pecuária. Acredita-se que o setor madeireiro por si se preocupa com a rigidez da legislação
para o manejo florestal que é conseqüência das atividades madeireiras ilegais, mas não foram
encontrados indicadores bem construídos para afirmar a influência supracitada. Neste sentido,
considera-se que esta parte da pesquisa, por carecer de maiores informações, poderá ser mais
bem desenvolvida em outros trabalhos no futuro e que essa lacuna não compromete a validade
das hipóteses aqui discutidas.
4.3.2.3. ONGs “Verdes”
As ONGs “Verdes” ou ambientalistas não foram o foco dessa pesquisa, porém não é
possível falar de desmatamento da Amazônia sem identificar as principais preocupações
dessas organizações. Em função do grande número de organizações não-governamentais
atuando sobre a temática da Amazônia e do meio ambiente, observaram-se apenas grandes
82
organizações não-governamentais: Greenpeace e Imazon. Os interesses explícitos por essas
organizações são relativos a suas ações quanto à preservação da Amazônia e mitigação do
desmatamento e a acesso a informações e dados relevantes sobre o tema.
O Greenpeace publicou em seu site um documento avaliando o recém-lançado Plano
Nacional sobre Mudança do Clima. Esse documento salienta diversos pontos considerados
como negativos pela organização, ressaltando que o plano não responde aos desafios atuais. E
ainda de acordo com a organização, o relatório de 2007 da Comissão Mista Especial para as
Mudanças Climáticas, o qual fazia 51 propostas concretas para o combate às mudanças
climáticas e que contou com a participação da sociedade civil e consultores técnicos, foi
ignorado pelos responsáveis pelo Plano supracitado. Esse plano foi colocado para consulta
pública, e qualquer membro da sociedade civil pode fazer comentários sobre seus itens. A
organização, que fez um documento expressando suas opiniões sobre os pontos do plano,
manifestou que iria participar desse processo de consulta pública, sendo este um mecanismo
de influenciar a formulação final do mesmo.
Por outro lado, tem-se o Imazon, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da
Amazônia, que também se preocupa com o avanço do desmatamento e fronteira agrícola.
Contudo, dá um novo foco a esse problema, relacionando-o aos problemas de
desenvolvimento humano da Amazônia, como assassinatos rurais e trabalho escravo. Entre os
programas propostos pelo Instituto, encontra-se o de política e economia.
“O objetivo deste programa é avaliar e subsidiar políticas públicas florestais a partir de uma análise minuciosa da evolução, da dinâmica e das tendências socioeconômicas do setor florestal na Amazônia. O programa também se propõe a investigar e propor instrumentos econômicos de apoio à adoção do manejo florestal e de compensação pelos serviços ambientais providos pela floresta, incluindo o mercado de produtos florestais.” (IMAZON, 2008)
Logo, as diversas ações do instituto levam a acreditar que existe uma influência direta
deste em relação às políticas para o meio ambiente, em destaque às florestais. Apesar de não
ter sido encontrado o relato dessa participação em documentos oficiais, o Instituto também é
um pólo de produção científica sobre a Amazônia Legal, proporcionando aos órgãos oficiais
uma alternativa e acesso viável às informações produzidas por este instituto.
Para além dos interesses de cada organização não-governamental apresentada aqui,
sabe-se que existem mecanismos para a participação direta dessas e de outras organizações
ambientais por meio de licitações de financiamento de projetos ambientais do Ministério do
Meio Ambiente. Esse tipo de participação não pode ser considerada como uma participação
83
direta ou indireta na formulação de políticas para o desmatamento, mas possibilita a sociedade
civil colocar em prática projetos elaborados por ela, implementando políticas públicas de
maneira indireta (ou seja, feita por um órgão não-governamental). Logo, pode-se considerar
que essas organizações de uma maneira ou de outra, apesar dos poucos indicadores,
participam publicamente em relação às políticas ambientais.
Feitas todas as considerações ao longo desse trabalho, partiremos para a próxima seção
onde faremos considerações finais sobre o problema apresentado aqui, retomando dados e
embasando os argumentos.
84
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa tinha como objetivo maior delinear um cenário de implementação das
decisões do Protocolo de Quioto e do Regime de Mudanças Climáticas e de posicionamento
político do Brasil nesse cenário. Para isso, nos valemos da teoria dos jogos de dois níveis do
Putnam, onde as decisões tomadas no Nível I devem ser implementadas no Nível II, e o
sucesso ou não da implementação dessas decisões afetaria a posição do ator nas negociações
internacionais. A figura abaixo resume o rumo tomado pela pesquisa dentro da nossa hipótese
de trabalho e será explicada nos passos a seguir.
85
KEY STAKEHOLDERS
TIPO 1 TIPO 2
Políticas de contenção e mitigação do desmatamento da Amazônia pouco eficientes + Difícil fiscalização e monitoramento.
Aumento da emissão de CO2 proveniente do desmatamento contínuo.
Discussões sobre o Segundo Período de Compromisso do Protocolo de Quioto + Repercussão do 4º Relatório do IPCC, principalmente sobre as emissões dos países em desenvolvimento.
Possibilidade de definição de compromissos quantificados aos países em desenvolvimento, crescentes emissores (incluindo o Brasil) + Perda da credibilidade de negociador internacional devido aos problemas domésticos.
+
=
Mudança na visão do Brasil sobre problemas ambientais.
Posição de diálogo aberto e líder dos países menos desenvolvidos.
Implementação das decisões tomadas Nível I no Nível II
1. Mudança do modelo de crescimento econômico 2. 1981: Política Nacional do Meio Ambiente 3. Mudança do governo em 1990 4. Realização UNCED-92 (Rio-92) 5. Alinhamento UE, Japão e EUA em diversas questões. 6. Preservação da filiação G77. 7. Assinatura e ratificação UNFCCC e Protocolo de Quioto. 8. Propostas Brasileiras
1. Liderança MCT nas COPs 2. Divergência MMA e Min. Agricultura 3. Fundos Setoriais 4. Demissão Ministra Marina da Silva
1. Participação constante da CNA nas reuniões do congresso 2. Representação da CNA no Congresso = agricultores influenciando no congresso 3. Interesses das madeireiras
Figura 8 – Fluxograma resumo da Pesquisa
Fonte: Formulação própria.
86
Delineamos como as decisões foram tomadas no nível I por parte do Brasil.
Descrevemos os processos de negociações próprios dos países ao se constatar o problema das
mudanças climáticas e a tentativa de regular uma das causas desse problema, as emissões de
GEE pelo ser humano. Essa negociação segue um modelo do Chicken estendido a n
jogadores. Esse jogo, como apresentado anteriormente, coloca que a cooperação universal é
preferida à deserção universal, mas além disso, a deserção unilateral é preferida à cooperação
universal uma vez que um número X de atores cooperarem e arcarem com os custos da
cooperação.
É nesse cenário que as negociações internacionais sobre as mudanças climáticas se
dão. Apesar do Brasil não possuir metas de redução de emissões e não poder ser alocado
como cooperador e/ou desertor, é mostrado na pesquisa que a atuação do Brasil tem sido
cooperativa ao longo dos anos, no sentido de concordar com o objetivo maior que é de mitigar
as mudanças climáticas. O país, que segue a linha de negociação a partir de alguns princípios
básicos (assegurar o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos, etc), tem participado
ativamente das reuniões, o que mostra um comprometimento com a causa.
Contudo, o problema pode ser percebido no ambiente doméstico, nível II, onde as
decisões tomadas no âmbito do Regime de Mudanças Climáticas deveriam ser
implementadas. Para o objetivo maior, o Brasil possui um arcabouço legislativo que estaria de
acordo com a mitigação das mudanças climáticas. Entretanto, o problema se dá justamente no
processo de implementação dessa legislação, no qual falta fiscalização, monitoramento e
controle.
Logo, a causa maior das emissões de GEE brasileiras, o desmatamento da Amazônia
Legal, possui um arcabouço legal que dá conta do problema, mas sua implementação é fraca.
O motivo dessa implementação ser fraca é a pressão dos stakeholders tanto no processo de
formulação de políticas como no de implementação. Para tanto, mostramos como os
stakeholders dentro da tipologia apresentada se porta frente ao problema das mudanças
climáticas e do aparato legislativo e executivo.
Os problemas domésticos são causados tanto pelo governo quanto pelos agentes
privados e não governamentais. O governo se mostra desarticulado em relação aos interesses
e decisões face ao problema das mudanças climáticas. Tentamos mostrar esse ambiente de
desarticulação, porém a disponibilidade dos dados relativos aos interesses dos atores
governamentais é difusa e complicada. Essa mesma limitação do trabalho se faz um indicador
de falta de coordenação entre os agentes.
87
Para além dos fatos apresentados aqui, como a demissão da ministra Marina da Silva e
a desarticulação entre os ministérios, tem-se o fato de que o legislativo (representado pela
Comissão Mista Especial para as Mudanças Climáticas) vê a necessidade de uma maior
coordenação entre os atores governamentais afim de resolver o problema proposto, contenção
e mitigação do desmatamento, em sua grande maioria.
Além disso, a posição do Brasil no cenário internacional (nível I), antes delineada é
homogênea e unificada uma vez que o Ministério da Ciência e Tecnologia toma as decisões
cabíveis sobre a temática no ambiente internacional. Ou seja, apenas a opinião de um membro
do executivo brasileiro que, apesar de ter um órgão com o objetivo de debater e uniformizar
as ações frente a esse problema, a Comissão Interministerial para a Mudança do Clima, é o
formulador oficial das políticas internacionais do clima.
Esses tantos fatos nos levam à constatação que as políticas para a contenção e
mitigação do desmatamento da Amazônia Legal são fracas. Aliado a isso, tem-se que há uma
tendência de crescimento nas emissões de GEE, tanto pelo Brasil quanto pelo resto do mundo
e que, as discussões sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto estão
ocorrendo. Ou seja, baseado nos cenários alarmantes futuros, o mundo tem cada vez mais
percebido a necessidade de esforços conjuntos para mitigar a mudança do clima, sem
discriminação de países.
Os dados demonstrados durante toda a pesquisa e os fatos narrados, para nós,
demonstra um cenário complicado para o Brasil, já que as regras do jogo internacional podem
ser mudadas e os países, que atualmente não possuem compromissos quantificados de redução
de emissões, podem vir a ter que se comprometer. É nesse sentido que, para além dos fatos e
indicadores, pensamos que num futuro próximo, o Brasil, devido a problemas internos, pode
vir a ter que se comprometer e essas metas seriam um fator complicador, tanto pra economia
quanto para a política nacionais, levando ao país ter uma posição vulnerável nas negociações
para o clima.
A pesquisa se baseou em fatos empíricos e dados oficiais com o objetivo de delinear
um cenário doméstico problemático, que afetaria por sua vez o posicionamento do país no
cenário internacional. No entanto, como dito anteriormente, ao longo da pesquisa percebeu-se
diversas dificuldades no sentido de colher informações sobre o ambiente doméstico e o
internacional.
Os dados aqui apresentados sobre o ambiente doméstico são iniciais e tentam
demonstrar um ambiente doméstico problemático no sentido da implementação das decisões
tomadas no âmbito do Protocolo de Quioto dentro do país. Admite-se que essas informações
88
não são suficientes para delinear o ambiente doméstico, uma vez que se trata de informações
sobre interesses de tomadores de decisão e de grupos de pressão fora do governo. Mas, para
além dessa limitação, tentamos utilizar as informações que tivemos acesso para esse fim.
Para além do ambiente doméstico, o objetivo inicial era avaliar a posição do Brasil no
atual cenário de negociações do Protocolo de Quioto e Regime de Mudanças Climáticas.
Assume-se, porém, que a disponibilidade de dados tão recentes e capazes de demonstrar um
cenário internacional desfavorável para o país é pouca e quase nula. Admite-se as lacunas
apresentadas acima e é sugerida uma continuação para essa pesquisa num momento posterior,
quando os dados sobre esse período estiverem mais consolidados afim de fazer assunções
mais precisas e afirmações embasadas sobre a vulnerabilidade do Brasil nesse segundo
período de compromisso.
89
REFERÊNCIAS
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ANEXOS
ANEXO 1: Quadro 1 – Linha do Tempo sobre as discussões das Mudanças Climáticas Globais
Ano/Local Nome Escopo Organização 1979/ Genebra, Suíça
Primeira Conferência
Mundial sobre a Mudança Climática
Alertar a comunidade internacional para entender as mudanças climáticas globais, os sistemas climáticos e a mitigação dos seus efeitos negativos. A conferência levou a criarem o IPCC, comunidade epistêmica que discute os efeitos e projeções das mudanças climáticas globais.
Organização Mundial de Metereologia – WMO
1988/ Genebra, Suíça
IPCC Foi criado com o objetivo de prover informações científicas sobre as mudanças climáticas independentes das organizações da ONU e dos governos nacionais. Ele deve formular, preparar e avaliar informações científicas sobre o tema, compilando em relatórios que analisariam todos os aspectos relevantes das mudanças do clima e seus impactos. Além disso, deve formular opções e estratégias reais para o problema das mudanças climáticas.
WMO e PNUMA
1990/ Genebra, Suíça
Segunda Conferência
Mundial sobre a Mudança Climática
Reafirmar a Primeira Conferência Mundial e continuar a discutir sobre a preocupação com as mudanças climáticas globais. Essa conferência resultou no melhor entendimento desse problema, levando a criarem a UNFCCC, em 1992.
WMO
1992/ Rio de Janeiro, Brasil
Convenção Quadro para as
Mudanças Climáticas das
Nações Unidas - UNFCCC
A UNCED-92 visava discutir os novos padrões de desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável, preocupando-se ainda mais com as questões ambientais. Resultou na criação da Agenda 21 e na criação da UNFCCC, que visa discutir o problema das mudanças climáticas globais em âmbito internacional.
PNUMA
1995/ Berlim, Alemanha
COP1 O objetivo da COP 1 foi tentar estabelecer compromissos legais de redução de emissões de GEE.
PNUMA
1996/ Genebra, Suíça
COP2 A tentativa de estabelecimento de metas legais de redução de emissões a níveis de 1990 falhou durante a COP1 e essa reunião, já que UE, EUA e vários países desenvolvidos se opuseram aos componentes da tentativa de declaração.
PNUMA
1997/ Quioto, Japão
COP3 Depois das diversas dificuldades de negociação de metas, foi estabelecido o Protocolo de Quioto, que norteou as próximas COPs com discussões sobre seu modo de ação e compromissos estabelecidos. O Protocolo só entrou em vigor em fevereiro de 2005, estabelecendo o primeiro período de compromisso de reduções (2008 a 2012).
PNUMA
1998/ Bueno Aires, Argentina
COP4 Durante essa reunião foram discutidos os aspectos operacionais do Protocolo de Quioto para que esse entrasse em vigor, contudo não conseguiram concluir a discussão de todos os mecanismos.
PNUMA
1999/ Bonn, Alemanha
COP5 Durante a COP5 foram adotadas 32 pré-decisões e conclusões prévias, finalizando os trabalhos antes do previsto. Isso fez com que aumentasse a possibilidade do protocolo entrar em vigor em 2002.
PNUMA
2000/ Haia, Holanda
COP6 Durante essa reunião as negociações falharam, principalmente por causa do conflito entre UE e EUA. Logo depois daquela reunião o presidente George W.
PNUMA
97
Bush declarou que os EUA não ratificariam o Protocolo. 2001/ Bonn, Alemanha
COP6 Bis Por causa do fracasso da reunião anterior, o alto secretariado da UNFCCC convocou uma reunião exrtraordinária que aconteceu no início do ano de 2001 em Bonn, sendo uma reunião bem sucedida em termos de decisões sobre o Protocolo de Quioto e seus aspectos operacionais.
PNUMA
2001/ Marraqueche, Marrocos
COP7 Essa reunião marcou um processo de concordância dos países na maioria das questões discutidas.
PNUMA
2002/ Nova Delhi, Índia
COP8 Em Nova Delhi foi enfatizada a necessidade de iniciativas para conter e limitar as mudanças climáticas.
PNUMA
2003/ Milão, Itália
COP9 Aspectos técnicos, como metodologia de cálculo e aspectos quantitativos e qualitativos dos mecanismos de flexibilização.
PNUMA
2004/ Buenos Aires, Argentina
COP10 A reunião de Buenos Aires cunhou soluções técnicas ao Protocolo de Quioto, para que esse entrasse em vigor. Ainda durante essa reunião, iniciou-se o processo de discussão informal do período pós-2012.
PNUMA
2005/ Montreal, Canadá
COP11 Durante essa reunião ficou acordado que as discussões sobre as mudanças climáticas não deveriam acabar depois de 2012, mas que deveriam ser sobre o futuro a longo prazo, estabelecendo um Segundo período de compromisso entre as partes do Protocolo de Quioto, incluindo países em desenvolvimento, industrializados e EUA.
PNUMA
2006/ Nairobi, Quênia
COP12 Foi reafirmado a necessidade de iniciar o processo de negociação do Segundo período de compromisso.
PNUMA
2007/ Bali, Indonésia
COP13 Em Bali, após o 4º relatório do IPCC foram enfatizadas diversas temáticas para o Segundo período de compromisso: problema do desmatamento, mecanismos de adaptação e transferência de tecnologia e a necessidade de todos os países contribuírem para a estabilização dos níveis de carbono na atmosfera, reduzindo as emissões aos níveis de 1990. Estabeleceu-se, também, que até 2009, na Conferência de Copenhagen fossem estabelecidas as regras e metas do segundo período de compromisso a ser implementado a partir de 2013.
PNUMA
2008/ Genebra, Suíça
Terceira Conferência
Mundial sobre a Mudança Climática
A Terceira Conferência abordará questões de como a humanidade pode se beneficiar com mecanismos de adaptação e previsão das mudanças climáticas. Além disso, a Conferência ajudará a delimitar os compromissos do Segundo período do Protocolo de Quioto a ser discutido na COP15. Preocupando-se especialmente no desenvolvimento de maneira sustentável, garantindo energia, alimentação a todos.
WMO
2008/ Poznan, Polônia
COP14 Seguindo o Roadmap de Bali, a conferência deverá discutir efetivamente sobre o Segundo Período de Compromisso do Protocolo de Quioto, a ser apresentado na COP15, em Copenhagen.
PNUMA
2009/ Copenhagen, Dinamarca
COP15 Apresentação dos resultados das reuniões das partes, bem como as reuniões dos grupos de trabalho e reuniões preparatórias com o objetivo de definir o Segundo Período de Compromisso do Protocolo de Quioto, que deverá rever a distribuição das metas quantificadas de redução de emissões e o período para essa redução, a começar em 2013.
PNUMA
Fonte: Formulação própria
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ANEXO 2 - Quadro 2 – Os Mecanismos de Flexibilização do Protocolo de Quioto Mecanismo de Flexibilização Artigo do Protocolo de Quioto
Implementação Conjunta
Definido pelo Artigo 6 que versa sobre um mecanismo de transferência unidades de redução de emissões resultantes de projetos que visam a redução de emissões antropogênicas de GEE em qualquer setor da economia. Essa transferência só pode ocorrer entre membros do Anexo I do Protocolo e a aquisição dessas unidades de redução deve ser complementar a projetos domésticos de redução, não sendo a fonte primária da redução de emissões dos GEE.
Emissões Comerciáveis
O Artigo 17 define que as partes do Anexo B participarão da comercialização das unidades de redução de emissões.
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
Esse mecanismo é definido pelo Artigo 12 do Protocolo, com o objetivo de promover a transferência de tecnologia e promover o desenvolvimento sustentável em países menos desenvolvidos. Esse mecanismo prevê que projetos de redução de emissões de carbono serão implementados nos países em desenvolvimento (não-Anexo I) com o financiamento das partes do Anexo I. Assim, países desenvolvidos financiam projetos de desenvolvimento limpo e recebem parte das RCEs (Reduções Certificadas de Emissões) para usar como crédito em suas metas quantificadas.
Fonte: Formulação própria.