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1 André de Oliveira Navarro ANÁLISE DO ATUAL MODELO PROIBITIVO: A LEGALIZAÇÃO COMO NOVO MODELO Monografia apresentada no curso de graduação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Curso de Direito para conclusão do curso de Direito. Orientação: Prof. Dr. Víctor Gabriel De Oliveira Rodríguez Ribeirão Preto 2013

TCC - Politica de Drogas 2013

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    Andr de Oliveira Navarro

    ANLISE DO ATUAL MODELO

    PROIBITIVO: A LEGALIZAO COMO

    NOVO MODELO

    Monografia apresentada no curso de graduao da Faculdade de Direito

    de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo, Curso de Direito para concluso do

    curso de Direito.

    Orientao: Prof. Dr. Vctor Gabriel De Oliveira Rodrguez

    Ribeiro Preto

    2013

  • 2

    Resumo: Esse trabalho tem por objetivo analisar o atual modelo de

    drogas mundial para encontrar suas falhas e propor mudanas, adotando duas

    vises: uma ampla, estudando o que ocorre no mundo todo, e uma local,

    estudando o que ocorre especificamente no Brasil. Parte-se de uma anlise

    histrica da evoluo das drogas, desde o seu surgimento at a sua proibio,

    demonstrando como o modo de lidar do ser humano para com elas foi se

    alterando at ao ponto da total proibio dessas substncias. A partir disso,

    passa-se a analisar os resultados da poltica proibitiva que se adotou,

    demonstrando que os objetivos desse modelo no foram atendidos; pelo

    contrrio, surgiram novos problemas resultantes do modelo adotado, pois ele se

    mostrou ineficiente e danoso a toda a sociedade. Constata-se a necessidade de

    um modelo mais racional para lidar com esse problema, e que tal modelo passa

    necessariamente pela legalizao dessas substncias, que deve ser feita por

    meio da regulao econmica de seu mercado. Por fim, faz-se uma anlise das

    especificidades brasileiras com relao s drogas, analisando-se a sua

    legislao, desde os aspectos constitucionais at os infraconstitucionais,

    verificando a existncia tambm de falhas graves nesse aparato, e

    demonstrando as iniciativas que esto sendo feitas para alterar-se essa

    realidade.

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    Abstract: This paper aims to analyze the current drug world model

    to find their flaws and propose changes, adopting two views: a wide, studying

    what happens in the world, and a place, studying what occurs specifically in

    Brazil. It starts with a historical analysis of the evolution of the drugs, from its

    emergence until its ban, demonstrating how the way of human being to deal

    with them was being altered to the point of complete ban on these substances.

    From this, it goes to analyze the results of the prohibitive policy that was

    adopted, demonstrating that their objectives were not met; on the contrary, new

    problems arose from this model adopted because it was inefficient and harmful

    to the entire society. There is the need for a more rational model to deal with

    this problem, and that such a model goes through the legalization of these

    substances, which must be done through the economic regulation of their

    market. Finally, there is an analysis of the Brazilian specifications in relation to

    drugs, analyzing their legislation, since the constitutional aspects to the legal,

    also verifying the existence of serious flaws in his system, and demonstrating

    the initiatives that are being made to change this reality.

  • 4

    Sumrio

    Folha de rosto pg.1

    Resumo pg.2

    Abstract pg.3

    Sumrio pg.4

    Introduo pg.7

    1 Origens histricas das drogas pg. 11

    1.1- A maconha pg. 11

    1.2- A cocana pg. 13

    1.3- A herona pg. 16

    1.4- O caminho para a proibio pg. 18

    2 A economia das drogas pg. 24

    2.1 O funcionamento do trfico pg. 24

    2.2 Os instrumentos da poltica proibitiva pg. 33

    2.2.1 Instrumentos voltados para a produo pg. 34

    2.2.1.1 Erradicao pg. 34

    2.2.1.2 O desenvolvimento alternativo pg. 38

    2.2.1.3 In-country enforcement pg. 40

    2.2.2 Instrumentos voltados para o trfico pg. 41

    2.2.2.1 A interdio pg. 41

    2.3 Os custos da guerra pg. 45

    2.3.1 Os custos financeiros pg. 45

    2.3.2 Sade pblica pg. 48

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    2.3.3 Perdas dos camponeses pg. 51

    2.3.4 O crime organizado e o terrorismo pg. 54

    2.3.5 O excedente do sistema prisional pg. 62

    2.4 O consumo de drogas pg. 66

    2.4.1 O funcionamento da demanda de drogas pg. 69

    2.4.2 Possveis modelos de legalizao pg. 74

    3 Questes fundamentais de direito com relao s drogas

    pg. 76

    3.1 As trs liberdades bsicas: o consumo, a produo e o

    comrcio pg. 77

    3.1.1 A liberdade de consumir pg. 77

    3.1.2 A liberdade de produzir pg. 81

    3.1.3 A liberdade de comrcio pg. 83

    3.2 A lei anti-drogas brasileira pg. 85

    3.3 Iniciativas para alterao do atual panorama legislativo

    das drogas pg. 94

    3.3.1 O HC 97256/RS e a Resoluo 5/2012 do

    Congresso Nacional pg. 95

    3.3.2 O projeto de lei 7663/2010 pg. 101

    Concluso pg. 107

    Referncias Bibliogrficas pg. 111

    Anexos pg. 113

  • 6

  • 7

    INTRODUO

    Quantas vezes ns no ouvimos falar sobre as drogas? Em quase todo

    lugar, noticirios, jornais, revistas, internet, encontramos alguma referncia s

    drogas, normalmente a tratando como o grande mal a ser combatido, como uma

    doena que deve ser eliminada da face da Terra, como um vilo espreita para

    atacar nossos filhos. Mas o quanto ns realmente sabemos sobre as drogas? Ns

    realmente conhecemos essas substncias to veiculadas na mdia, to combatidas

    pelos governos? Ou ns s reproduzimos aquilo que nos dito, sem reflexo crtica

    alguma?

    O ser humano tem medo do desconhecido, j diria o filsofo. O nosso

    medo e preconceito to grande que nos impede de refletir, pesquisar, e s vezes at

    mesmo falar sobre o assunto. Chegou-se a tal ponto que nem mesmo aqueles que

    querem pesquisar e saber mais sobre as drogas conseguem, pois as restries so

    tamanhas que a sua pesquisa se torna impossibilitada. Ao longo do sculo passado,

    criou-se uma imagem das drogas to assustadora a ponto de instalar-se um clima de

    total terror em torno delas.

    Em pouco mais de um sculo, o mundo inteiro declarou uma guerra total

    s substncias que chamamos de drogas. Alis, apenas algumas drogas, pois

    outras, como lcool e tabaco, so permitidas e legalizadas. E como toda a guerra,

    essa tambm faz vtimas a todo o instante. Milhes morrem todo ano em decorrncia

    desse combate; outros tantos se encontram encarcerados em virtude de

    envolvimento com essas substncias, seja utilizando, seja comercializando.

    No entanto, j no fim do sculo XX e principalmente no incio desse

    sculo, o mundo comeou a se perguntar se as drogas so realmente o verdadeiro

    mal do mundo. Ser que elas so to prejudiciais que justifiquem essa guerra sem

    precedentes entre o trfico e o mundo civilizado? Ser que no so exatamente

    essa guerra e o sistema proibitivo que geram todas essas mazelas sociais? Se sim,

    ento o que fazer?

  • 8

    O primeiro passo conhecer. Para sabermos, de fato, qual a melhor ao

    a ser tomada, preciso primeiro entender no apenas s substncias, mas tambm

    todo um contexto social mundial. E isso no uma tarefa fcil.

    Como ponto de partida, nada melhor do que entender o que se passou,

    atravs de uma anlise histrica de toda essa questo, voltando aos tempos em que

    apenas as drogas naturais existiam, e era abertamente utilizada, principalmente a

    maconha, a grande droga natural proibida atualmente. Houve um tempo em que essa

    erva era utilizada como remdio, e no faz tanto tempo assim. Mas trataremos disso

    posteriormente.

    Depois, passarei a analisar o surgimento das drogas sintticas, sobretudo

    a cocana e a herona, as drogas mais temidas mundialmente. ( Era inteno desse

    trabalho tambm tratar do crack, mas devido falta de material de pesquisa, no foi

    possvel faz-lo adequadamente.) Demonstrarei que essas drogas, como pode

    parecer aquele mais desinformado, no foram criadas por organizaes criminosas

    ou por terroristas que queriam destruir o mundo. No, elas foram criadas por

    laboratrios farmacuticos para serem utilizada como medicamentos, porm

    apresentaram falhas e problemas, sendo descartadas.

    Posteriormente, demonstrarei como se deu proibio dessas drogas,

    demonstrando o papel primordial desempenhado pelos Estados Unidos nesse feito.

    Comearei por desenhar o mapa poltico mundial da poca e os interesses em jogo

    entre os diversos atores polticos. Mostrarei como era comercialmente rentvel para

    os pases europeus colonizadores do sudeste asitico a comercializao dessas

    substncias, sobretudo do pio, de onde derivada a herona. Analisarei como s

    duas guerras mundiais mudaram tambm esse panorama, sobretudo devido subida

    dos Estados Unidos como uma das superpotncias mundiais. No deixarei passar

    tambm os interesses polticos internos norte-americanos que os levaram a ser a

    liderana contra as drogas mundial.

    Nessa primeira parte, tambm haver uma breve anlise dos mais

    importantes tratados internacionais celebrados ao longo do sculo passado em

    direo proibio mundial das drogas. Desde os tratados celebrados ainda na

    poca da falecida Liga das Naes at aqueles celebrados dentro do mbito da

    Organizao das Naes Unidas.

  • 9

    Na segunda parte, haver a anlise das substncias em si. Alias, no de

    todas, mas apenas das trs mais importantes mundialmente, a maconha, a cocana e

    a herona. No h a pretenso nesse trabalho de se dar uma aula de biologia ou

    medicina a respeito dessas substncias, at porque seria muita pretenso minha, que

    no tenho qualquer formao nessas reas, fazer isso. Porm, tambm no se

    possvel deixar isso de lado, pois so elas o tema principal do trabalho, sendo mister

    que se conhea a respeito delas. Portanto, darei, da melhor forma possvel, um

    panorama, mesmo que superficial, sobre as principais caractersticas dessas drogas.

    Estudarei desde o que so, de onde se originam, como so feitas, seus

    efeitos, seus males, enfim, as caractersticas mais importantes de cada uma delas, em

    separado. Novamente, ser uma anlise superficial, sem riqueza de detalhes a

    respeito de aspectos referentes reas das quais no tenho conhecimento.

    Diante disso, algum pode se perguntar o porqu de no analis-las

    todas de uma vez, ao invs de cada uma em separado. A resposta para isso

    bastante simples. Cada uma delas tem suas prprias caractersticas, e uma das falhas

    do atual sistema trat-las todas da mesma maneira.

    Na terceira parte, haver a anlise econmica do fenmeno das drogas.

    Haver o delineamento de como funciona o trfico dessas drogas, a explicao das

    causas da enorme dificuldade do combate essa espcie de contrabando, os

    incentivos que levam s pessoas a se aventurar nesse ramo.

    Explicarei tambm o que leva um pas a ser um fornecedor de matrias-

    primas e outro no. Demonstrarei que os fatores que os principais formuladores de

    poltica levam em considerao para definir os principais fatores produtivos

    normalmente so irrelevantes, mostrando quais, de fato, so os fatores mais

    relevantes para tornar um pas produtor.

    Analisarei o lado da demanda, demonstrando como essa reage

    mudanas de preo e de qualidade, e sobretudo, como negligenciada pelos

    criadores de polticas pblicas sobre o tema. Poucos so os pases que tm polticas

    de reduo de danos adequadas.

    Na quarta parte, demonstrarei que as drogas, seu trfico e seu combate

    funcionam num sistema complexo, que tm diversos fatores e agentes, e que

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    portanto, devem ser vistos como tal. Porm, no o que acontece, sendo esses

    tratados como sistemas simples pela maioria dos governos mundiais.

    Essa a parte principal do trabalho, onde haver a elucidao de que a

    simples formulao de leis, sejam proibitivas, sejam permissivas, no bastam para

    resolver a questo, pois por ser um sistema complexo, os diversos fatores e agentes

    respondem essas mudanas, o que no atualmente levado em considerao na

    maioria das abordagens do tema.

    Na ltima parte, haver a concluso de tudo o que foi abordado antes,

    procurando-se tentar achar alternativas ao sistema atual. nfase no alternativas, pois

    no pretenso desse trabalho oferecer uma soluo para esse problema, haja visto a

    enorme complexidade do mesmo.

    Finalizando essa introduo, duas observaes adicionais sobre algumas

    abordagens do assunto.

    Primeiramente, devido forte carga negativa dessas palavras, no

    chamarei os usurios de drogas de usurios, mas sim de consumidores, assim como

    os traficantes de comerciantes, pois uma das bases desse trabalho fazer uma

    anlise livre de preconceitos sobre o tema, buscando uma anlise o mais cientfica

    possvel.

    Por ltimo, esclarecer que o trabalho buscou se basear na melhor

    literatura possvel, porm, devido s questes que j foram abordadas e que viro a

    serem melhores evidenciadas posteriormente, o material disponvel muito escasso

    e as pesquisas ainda no to aprofundadas, j pedindo o devido perdo por

    informaes que no sejam dadas ou no to elucidadas.

  • 11

    Captulo 1 Origens Histricas das Drogas

    Nesse captulo, ser apresentado um contexto histrico sobre a

    problemtica das drogas. No primeiro momento, iniciarei demonstrando como o uso

    das drogas naturais, sobretudo a maconha, era amplamente utilizado em diversas

    partes, seja recreativamente, religiosamente ou medicinalmente. Posteriormente,

    analisarei o surgimento das drogas sintticas, em especial a cocana e a herona. Na

    sequncia, percorrer-se- o caminho que levou adoo do modelo proibitivo ainda

    em vigor hoje, dando-se nfase ao papel dos Estados Unidos como a grande

    liderana antidrogas mundiais e aos diversos tratados celebrados no perodo.

    1.1 A Maconha

    A maconha derivada de uma planta cujo gnero denominado

    cientificamente como Cannabis, que tm trs variedades diferentes, a mais

    famosa Cannabis Sativa, a Cannabis Indica e a Cannabis Ruderalis. Sabe-se que

    a Cannabis, a planta por si s, de onde se extrai o cnhamo, existe a milhares de

    anos, havendo registros de sua utilizao para fabricao de papel pelos

    chineses que datam de 8000 A.C.

    O primeiro registro do uso dessa planta como a maconha em si,

    com a utilizao de suas propriedades psicoativas, j est registrado no Pen

    Tsao, o primeiro tratado sobre ervas medicinais de que se tem registro,

    elaborado na China h cerca de 4700 anos, como bem observa BURGIERMAN

    ( 2011, p. 67).

    Maconha serve de remdio desde sempre. O primeiro tratado de ervas

    medicinais que se conhece, o Pen Tsao, concebido h 4700 anos na China, j inclui

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    referncia destacada canbis, e h registros de usos mdicos em praticamente todas

    as civilizaes antigas.1

    A sua utilizao tambm se espalharia para outras partes do mundo, ao longo da

    Idade Antiga, como a Grcia, a Prsia e a ndia, diversificando-se o seu uso

    para alm do medicinal utilizado em princpio pelos chineses e passando a

    desempenhar papis religiosos e ritualsticos.

    Um dos relatos mais clebres o do historiador Herdoto, que, no

    sculo V antes de Cristo, descreveu o hbito dos Citas, antigo povo do Oriente

    Mdio e da sia Central, de, quando um rei morria, se fechar numa tenda de tecido,

    aquecer rochas at elas ficarem incandescentes e jogar maconha nas brasas, para

    produzir uma sauna psicoativa. 2

    Como se pode observar disso, a utilizao da maconha no um

    fenmeno recente; ela j vem sendo utilizada a milhares de anos, das maneiras

    mais diversas possveis, principalmente medicinalmente ou religiosamente.

    Muitos outros exemplos dos seus usos ao longo da histria poderiam ser

    citados, mas isso tomaria muito espao desse trabalho e esse no o seu

    objetivo. Vlido, no entanto, observar que o seu uso irrestrito, diferentemente

    do que poderia parecer primeira vista, relativamente recente, remontando

    ainda ao fim do sculo XIX e incio do sculo XX.

    Nos Estados Unidos, era bastante comum a utilizao da maconha

    pelos imigrantes mexicanos no incio do sculo XX, que a fumavam

    abertamente nas ruas sem medo de qualquer tipo de punio ou restrio. No

    entanto, devido ao grande preconceito da populao norte-americana, sobretudo

    a elite branca, em relao aos estrangeiros vindos da fronteira, a planta passou

    tambm a ser to mal vista quanto queles que a utilizavam.

    1 (BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criao de um novo sistema para lidar com as drogas. So Paulo: Leya, 2011, p. 67.) 2 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criao de um novo sistema para lidar com as drogas. So Paulo: Leya, 2011, p. 68

  • 13

    Nos Estados Unidos, maconha era vista perto da fronteira com

    o Mxico desde a Revoluo Mexicana de 1910, quando houve a primeira

    onda de imigrao para o norte. Sua reputao no era das melhores, e o fato

    de aqueles morenos, quando fumavam, ficarem em rodinhas dando risada de

    quem passasse no ajudava muito. J se dizia que ela levava loucura. 3

    No Brasil, a parcela da populao que mais utilizava a maconha era

    a populao negra e pobre que havia acabado de sair da escravido, o que,

    semelhantemente ao que ocorreu nos Estados Unidos, contribua para transferir

    o preconceito existente da elite branca com relao a essa classe para a planta.

    Era bastante comum a utilizao pelos escravos da maconha para aliviar a

    pesada carga de trabalho s quais eram impostos, alm do fato de que era uma

    erva bastante utilizada em vrias culturas africanas, sendo o prprio nome

    maconha de origem africana, e esse uso continuou mesmo aps a libertao.

    Esse panorama, no entanto, alterou-se na dcada de 60, quando o

    seu uso espalhou-se para a classe mdia urbana, sobretudo os jovens, no

    restringindo-se mais seu uso apenas s classes mais baixas. Eram tempos de

    contestao ordem vigente, por um lado, com um forte movimento jovem

    questionador nascendo, enquanto de outro, surgia o forte conservadorismo da

    ditadura militar:

    A partir da dcada dos 60, a represso ao uso da maconha, que era

    mais voltada para negros, ndios e pobres dos grandes centros urbanos, se desloca

    tambm para a classe mdia. Tempos de rebeldia, rock and roll e anseios de

    libertao sexual, os anos 60 contriburam para a difuso da maconha entre jovens

    universitrios. 4

    1.2 A Cocana

    3 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criao de um novo sistema para lidar com as drogas. So Paulo: Leya, 2011, p. 66 4 GABEIRA, Fernando. A maconha. So Paulo: Publifolha, 2000, pgs. 40 e 41

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    bastante comum acreditar-se que a cocana uma droga recente,

    fruto do desenvolvimento tecnolgico, sobretudo da rea farmacutica, vista

    nos ltimos dois sculos. No entanto, o seu uso, embora no sendo como nos

    moldes atuais, remonta a tempos muito mais remotos.

    Os Incas, quase cinco mil anos atrs, j mascavam as folhas de

    coca, que so a matria- prima que do origem cocana, visando aproveitar

    dos efeitos da substncia. Utilizavam-se da substncia principalmente em

    cerimnias religiosas, visando entrar em contato com suas divindades.

    Uma lenda diz que o fundador do imprio inca, Manco Capc,

    filho do sol, desceu um dia do cu e se dirigiu ao lago do Titicaca para

    ensinar os homens a cultivar as terras, e oferecendo-lhe a planta divina, cujas

    as folhas, mascadas, faziam recuperar as foras perdidas pela altitude e

    trabalho rduo do dia-a-dia. 5

    Posteriormente, aps a colonizao espanhola, a coca passou a ser

    utilizada como mecanismo de dominao dos nativos no trabalho das minas.

    Ela era ministrada pelos espanhis para melhorar o rendimento dos mineiros,

    evitando a enorme fadiga decorrente de to pesado trabalho. Chegavam at a

    pagar os mineiros com folhas de coca pelo seu trabalho.

    Ainda hoje, sobretudo os indgenas e seus descendentes, tm o

    hbito de mascar as folhas de coca, sendo algo inerente sua prpria cultura,

    decorrentes de todos esses sculos de utilizao dessa prtica. Vrias tentativas

    foram feitas para coibir tal prtica, mas todas fracassaram em seus resultados,

    sendo a prtica bastante comum nas regies andinas.

    5 BARROS, Coca, a folha sagradas dos incas. Em: http://www.altamontanha.com/Colunas/855/coca-a-folha-sagrada-dos-incas. Acesso em: 28 fevereiro 2013

  • 15

    A cocana,como a conhecemos, o p branco que deve ser inalado

    pelas narinas para gerar seus efeitos, s foi ser criada na metade do sculo XIX.

    E diferentemente do que pode parecer, ela no fruto de um ataque terrorista

    ou uma conspirao, muito pelo contrrio, ela era a salvao.

    Em 1859, o qumico alemo Albert Niemman foi o primeiro a isolar

    a cocana da folha de coca para a sua tese de doutorado. Depois da, ela

    espalhou-se por toda a Europa e passou a ser abertamente utilizada, tendo

    grandes nomes da poca como defensores da sua utilizao, tais como Sigmund

    Freud e o personagem Sherlock Holmes.

    Ela podia ser comprada em todo e qualquer lugar, e ser utilizada das

    mais diversas formas, seja ingerindo, inalando ou at mesmo injetando. Ela era

    at mesmo receitada por mdicos como cura de certos males:

    A cocana era em breve vendida sem receita em muitas lojas.

    At 1916 podia comprar-se no famoso centro comercial londrino Harrods

    um estojo chamado Uma prenda de boas-vindas para os amigos da Frente

    que continha cocana, morfina, seringas e agulhas para substituio. A

    cocana era grandemente usada em tnicos, curas para dores de dentes e

    medicamentos patenteados, nos cigarros de coca para alvio garantido da

    depresso, e em comprimidos com cocana e chocolate. Um produto que

    vendia muito bem, o remdio Ryno contra a febre dos fenos e o catarro

    (para quando o nariz est entupido, vermelho e dorido), continha 99.9% de

    cocana pura. Os potenciais compradores eram avisados nas palavras da

    firma farmacolgica Parke-Davis que a cocana podia tornar o cobarde

    corajoso, o silencioso eloquente, e deixar o sofredor insensvel dor. 6

    A cocana tambm fazia parte da composio do famoso

    refrigerante Coca-Cola, de onde deriva o seu nome, e j era utilizada desde a

    sua criao em 1886. Permaneceu como um dos seus componentes at 1903,

    quando foi retirada da receita original.

    6 Autor desconhecido. COCANA, Em: http://azarius.pt/encyclopedia/33/Coca_na/. Acessado em: 04 de maro de 2013

  • 16

    Figura 1- Produto feito com cocana

    A cocana era produzida em diversas partes do mundo e, ao

    contrrio do panorama de hoje, eram os pases desenvolvidos quem a introduzia

    nesses lugares. A folha de coca que antes era cultivada apenas nos pases sul-

    americanos, basicamente nos pases andinos, foi levada tambm para o Sudeste

    Asitico e outras partes do mundo, cultivada nas colnias das principais

    potncias europeias.

    1.3 A Herona

    Sem dvida, essa uma das drogas, ou talvez at a, mais temida da

    atualidade, dada potncia de seus efeitos e a probabilidade de dependncia at

    hoje conhecidos. Diferentemente do que se d com outras drogas, seus

    consumidores so retratados como pessoas cuja vida est totalmente perdida e

    que se encontram totalmente alheios a realidade, algo que encontra base na

  • 17

    realidade, porm no inteiramente verdadeiro, mas isso ser abordado

    posteriormente.

    A herona pertence ao grupo dos opoides, assim como a morfina, o

    pio e a codena, sendo sua origem derivada da papoula, comumente cultivada

    no Sudeste Asitico:

    A herona uma droga do grupo dos opiides, tambm

    conhecidos como analgsicos narcticos. Outros opiides como o pio, a

    codena e a morfina so substncias naturalmenteextradas da papoula. A

    herona derivada da morfina e codena. A herona uma substncia

    depressora do Sistema Nervoso Central sendo capaz de alterar as senaes de

    prazer e dor. Na sua forma pura, encontrada como um p branco facilmente

    solvel em gua. 7

    Diferentemente do que usualmente pensado, existem mais formas

    de utilizao da herona que vo alm da injeo, muito embora essa seja a

    forma mais eficaz e que gera os efeitos mais rpidos, por isso to amplamente

    utilizada. Ela tambm pode ser inalada ou fumada, assim como as outras drogas

    anteriormente abordadas.

    Para retratar a origem da herona, devemos primeiramente resumir

    brevemente a origem da morfina, e por consequncia, a origem do pio, drogas

    das quais derivou a herona, e que derivaram, por sua vez, da papoula.

    O pio no uma droga cujo uso restringia-se ao Oriente, e que foi

    trazido ao Ocidente pela colonizao europeia daquela rea. O seu uso remonta

    a tempos muito mais remotos da histria humana, e est registrado em diversas

    civilizaes ocidentais, como os gregos e os romanos, tanto que o pio de

    origem grega e significa suco, chegando at mesmo a estar presente em

    algumas tradues da prpria bblia.

    7 AUTOR DESCONHECIDO. O QUE ... HERONA, Em: http://psicoativas.ufcspa.edu.br/heroina.html. Acessado em: 12 de maro de 2013

  • 18

    Para no me alongar muito na histria do pio e me desviar demais

    sobre o assunto, para quem tiver interesse em conhecer mais, recomendo o

    artigo especial UMA BREVE HISTRIA DO PIO E DOS PIOIDES, de

    Danilo Freire Duarte, que pode ser encontrado em:

    http://www.scielo.br/pdf/rba/v55n1/v55n1a15.pdf., de onde retirei as

    informaes que apresento aqui.

    J a morfina s veio a ser descoberta no incio do sculo XIX,

    quando o alemo Friedrich Sertrner conseguiu os princpios ativos do pio. A

    morfina ento passou a ser utilizada como o principal analgsico do mundo, e

    diferentemente do que acontece hoje, ela era livremente comercializada,

    podendo ser encontrada em qualquer farmcia, sobretudo na Amrica do Norte

    e na Europa, o que impulsionou em muito a sua popularizao.

    Chegando ao que nos interessa mais a fundo, foi apenas nos meados

    do sculo XIX, no ano de 1874, que a diacetilmorfina, conhecida popularmente

    como herona, foi criada pelo qumico ingls C.R. Wricht. Porm foi apenas

    vinte e cinco anos depois que ela chegaria ao pblico, quando Heinrich Dresser,

    qumico da farmacutica Bayer, tambm conseguiria a diacetilmorfina. A

    droga, ento, foi batizada de herona, acreditando-se que se tornaria um

    remdio para curar todos os males, sendo indicada entre outras coisas at para

    tosses.

    1.4 O Caminho Para Proibio

    Para se compreender o processo que levou at a proibio global

    das drogas, necessrio antes conhecer o contexto interno dos Estados Unidos

    no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Isso porque esse pas foi a

    principal liderana desse movimento, fazendo-se mister compreender os fatores

    que o levaram a desempenhar tal papel.

  • 19

    Nessa poca, diferentemente de hoje, os Estados Unidos eram um

    mero coadjuvante na poltica e economia global, apenas assistindo as grandes

    potncias imperialistas europeias disputarem a hegemonia entre si. Nesse

    ambiente, os neocolonizadores europeus comercializavam e distribuam

    livremente as drogas, conforme era de seu interesse. Tambm nessa poca,

    ainda no era grande incmodo para os norte-americanos a questo das drogas.

    O grande problema interno do perodo era o lcool, pois uma

    parcela considervel da populao, sobretudo a parte religiosa, era radicalmente

    contrria essa droga. O governo, ento, montou um grande aparato

    burocrtico para combater esse problema.

    No entanto, no conseguiu-se impedir o uso do lcool pela

    populao, e ainda gerou um outro problema muito parecido com o encontrado

    atualmente no que se refere s drogas que foi a criao dos gangsteres, os

    traficantes do lcool.

    O lcool, ento, voltou a ser legalizado e no mais se precisava de

    todo esse aparato burocrtico criado para combat-lo. Porm, no podia-se

    apenas desmanchar tudo isso, pois isso significaria o desemprego de um

    nmero enorme de trabalhadores. Era preciso encontrar-se um novo inimigo

    para combater, mais ainda, era preciso criar-se um novo inimigo para combater.

    Os Estados Unidos, visando manter toda a burocracia criada com o

    combate ao lcool, comeou uma campanha global para a proibio e

    eliminao das substncias entorpecentes que viriam a ser chamadas de drogas.

    Para tal, diversos tratados e acordos internacionais foram realizados, pois nessa

    poca as potncias mundiais eram os pases europeus, maiores comerciantes

    dessas substncias, e portanto, maiores interessados.

    A primeira grande conferncia mundial iniciada sob a liderana dos

    Estados Unidos foi a Conferncia do pio de Shangai, em 1909. Nessa

    conferncia, a posio norte-americana era a minoritria, e as discusses

    enfatizavam mais a necessidade de regulao do pio do que a sua possvel

    proibio. No entanto, nenhum acordo ou tratado foi emanado desse encontro.

  • 20

    Ainda assim, foi de grande importncia, pois estabeleceu as bases do dilogo

    entre os pases sobre essa problemtica, e sobretudo, aos norte-americanos, que

    capitalizaram os resultados desse encontro e conseguiram estabelecer novas

    reunies sobre o tema.

    Seguindo-se Conferncia de Shangai, deu-se o encontro de Hague

    em 1911, de onde originou a Conveno Internacional sobre o pio. Ela

    determinou que a necessidade mdica era o nico critrio para a fabricao,

    comrcio e uso dos derivados do pio ( herona) e da cocana, exigindo dos

    governos nacionais a promulgao de leis para o controle da produo e

    distribuio e para restringir os portos pelos quais essas drogas eram

    comercializadas. No entanto, exigia-se o consenso para que essa conveno

    gerasse efeitos, e nesse encontro, apenas a China, Honduras, Holanda, Noruega

    e os Estados Unidos ratificaram a conveno. O consenso s viria a ser atingido

    aps o fim da I Guerra Mundial, quando junto ao Acordo de Versalhes pela paz

    foi aderida essa conveno, obrigando, dessa maneira, os pases participantes da

    guerra a assinarem a conveno para conseguir a paz mundial:

    The convention institutionalized the principle that medical

    need was

    the sole criterion for the manufacture, trade, and use of opiates

    and

    cocaine. National governments were required to enact

    effective laws or

    regulations to control production and distribution and to

    restrict the

    ports through which cocaine and opiates were exported.

    Although the

    convention was a groundbreaking document, it did not create

    mechanisms to oversee implementation of the agreement, nor did it set

    targets

  • 21

    for reducing the volume of drugs manufactured. It was loosely

    worded

    and, most problematic of all, could come into effect only if

    unanimously

    approved. Amid mounting suspicion and enmity between

    governments

    in the drift toward war in 1914, consensus was dif cult to

    achieve, and

    only China, Honduras, the Netherlands, Norway, and the

    United States

    rati ed the convention .8

    A prxima segunda grande conveno seria o Agreement

    concerning the manufacture of, internal trade in, and use of prepared Opium (

    Acordo sobre a fabrio, comrcio interno, e uso do pio preparado), assinado

    em Fevereiro de 1925, em Geneva, na Sua, e com entrada em vigor em 1926.

    Esse tratado obrigou certificaes compulsria para a importao de drogas e

    autorizaes para as exportaes, ou seja, o registro de toda a droga que

    entrasse ou sasse nas fronteiras dos pases, limitando basicamente aquisio

    de drogas para usos mdicos e cientficos. A maior novidade foi, pela primeira

    vez, a entrada na catalogao das drogas de uma planta natural, a Cannabis. No

    entanto, essa conveno falhou em atingir os seus objetivos.

    Seguindo-se ao acordo anterior, assinou-se a Convention for

    Limiting the Manufacture and Regulating the Distribution of Narcotic Drugs (

    Conveno para limitar a fabricao e regular a distribuio de drogas

    narcticas) em 1931, novamente em Geneva, na Sua, com entrada em vigor

    em 1933. A principal inovao desse tratado foi a exigncia de que a

    quantidade de drogas que seria fabricada globalmente deveria ser fixada

    1- 8 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the

    war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.78. Disponvel em:

    .

    Acesso em: 03 abr. 2013

  • 22

    previamente, devendo todos os pases determinarem a quantidade de drogas

    necessrias para os seus propsitos cientficos e medicinais para o ano seguinte.

    Em 1936, assinou-se a Convention for the Supression of the Illicit

    Traffic in Dangerous Drugs ( Conveno para a supresso do trfico ilcito de

    drogas perigosas), dirigido ao mercado ilegal, que basicamente impunha

    penalidades criminais essa atividade, tendo muito mais um carter simblico

    por ser a primeira mensagem dada pelas naes contra o trfico.

    Esses foram os principais documentos assinados no perodo entre

    guerras relacionados s drogas. Esse perodo ainda marcava um momento em

    que os Estados Unidos no eram uma superpotncia mundial, o que significa

    dizer que no conseguia impor sua posio pr-proibio sobre os demais

    pases. Porm, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a destruio das

    principais potncias europeias, esse pas alcana essa posio e passa a dar as

    cartas tambm em relao esse tema.

    Aps a guerra, os norte-americanos passaram a impor uma srie de

    restries aos pases derrotados, restringindo o uso e trfico de drogas nesses

    pases; transferiu todas as instituies e organizaes incumbidas da tarefa de

    executar os tratados anteriormente assinados para o seu territrio,

    principalmente atravs da assinatura do protocolo de Lake Success, no qual as

    principais instncias administrativas da antiga Liga das Naes, nas quais

    tambm esto includas as referentes ao controle das drogas, para a ONU, e da

    transferncia do Permanent Central Opium Board and Drug Supervisory Board,

    que faziam o papel de executar os tratados referentes s drogas anteriores, de

    Geneva para Washington, numa clara demonstrao de que eles quem

    passariam a determinar os rumos das polticas referentes s drogas.

    O primeiro grande tratado assinado aps a guerra referente s

    drogas foi o Protocolo de Paris, em 1948, que estabeleceu que qualquer droga

    responsvel por causar algum mal seria registrada na tabela de drogas

    controladas e obrigou os Estados a informar ao Secretrio- Geral das naes

    unidas sobre qualquer nova droga desenvolvida potencialmente malfica. Os

    norte-americanos tambm tentaram restringir o cultivo de pio, porm por

  • 23

    resistncia dos pases consumidores preocupados com a falta de suprimentos

    mdicos, foram mal- sucedidos. Mais tarde, em 1953, com o Protocolo do pio,

    os Estados Unidos conseguiriam esse objetivo, e obrigariam os pases

    produtores a detalharem a sua produo, porm, como esse tratado s entraria

    em efeito em 1963 ele no teve efeito prtico nenhum, pois j estaria assinada e

    em pleno vigor a Single Convention on Narcotic Drugs ( Conveno nica

    sobre Drogas Narcticas).

    A Single Convention on Narcotic Drugs ( Conveno nica sobre

    Drogas Narcticas), assinada em 1961, consolidou todos os tratados assinados

    anteriormente ( nove tratados) sobre a temtica das drogas, introduziu controles

    em novas reas e revisou todo o aparato de controle existente.A principal

    inovao trazida por esse acordo foi a extenso de todo o sistema de

    licenciamento, relatrio, e certificao das transaes de drogas para todas as

    matrias-primas das drogas, significando dizer que agora estavam includas no

    controle a cannabis e as folhas de coca. Ela tambm reestruturou todo o aparato

    de controle existente, visando dar mais efetividade essa conveno.

    Em 1971, assinou-se a Convention on Psychotropic Substances (

    Conveno sobre Drogas Psicotrpicas), que era endereada s novas drogas

    sintticas que estavam surgindo no perodo e no eram contempladas pela

    Single Convention on Narcotic Drugs, tais como as anfetaminas, barbitricos e

    alucingenos. Ela basicamente estendeu o sistema de controle anterior essas

    drogas, pois simplesmente copiava o modelo de 1961.

    Finalmente, em 1988, o documento final de combate ao trfico, a

    Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic

    Substances ( Conveno Contra o Trfico Ilcito de Drogas Narcoticas e

    Substncias Psicotrpicas), foi assinado.Ele basicamente fortalecia a

    cooperao internacional com o regime de controle, estabelecendo que os

    Estados cooperariam e coordenariam iniciativas anti-trfico com as instituies

    internacionais competentes; introduziriam uma legislao criminal domstica

    para impedir a lavagem de dinheiro e que permitisse a apreenso de bens e

    extradies nesse crime.

  • 24

    Captulo 2 A Economia das Drogas

    Nesse captulo, como o prprio nome sugere, ser feita uma

    abordagem e anlise econmica da questo das drogas. Sero analisadas as

    rotas preponderantes do trfico; as causas e possveis consequncias de aes

    sobre essa atividade, sobretudo na oferta e na demanda; o foco preponderante,

    para no dizer unilateral, na questo da oferta, negligenciando-se o lado da

    demanda. Tambm tentarei demonstrar o que leva alguns pases a tornarem-se

    centros fornecedores de drogas, enquanto outros no o so.

    Essa anlise visa demonstrar que o modelo proibitivo adotado

    mundialmente no se sustenta nem mesmo do ponto de vista da sua eficincia,

    visto que apresenta custos manifestamente enormes enquanto os seus reais

    benefcios so muito incertos e de difcil mensurao, havendo diversos dados

    demonstrando que o seu custo benefcio baixssimo. No bastasse isso, ele

    por si s responsvel por grande parte do problema que acompanham as

    drogas, tais como a violncia e o preconceito.

    Captulo 2.1 O Funcionamento do Trfico

    Nesse subcaptulo, analisar- se brevemente o funcionamento do

    trfico de drogas mundial. Aqui ir se demonstrar como as drogas so

    distribudas pelo mundo, os principais produtores, consumidores e, sobretudo,

    as principais rotas de trfico. Essa anlise no ser feita apenas para

    contextualizar o que ser abordado a seguir, mas tambm ajudar a enxergar o

    fracasso da poltica proibitiva e j comear a entender alguns motivos que

    levaram ao seu fracasso.

  • 25

    Primeiramente, deve-se diferenciar os pases produtores dos pases

    traficantes das drogas. Os pases produtores so aqueles pases onde a matria-

    prima ( cannabis, pio, coca) produzida, podendo ser vendida em essncia ou

    at mesmo j transformada, para um intermedirio, esse sim o traficante, que a

    enviar para os mercados consumidores, ou seja, os pases desenvolvidos. J os

    pases de trfico so aqueles que servem de rota de passagem para essas drogas

    em direo aos pases desenvolvidos.

    Embora muitos pases no mundo tenham um grande potencial para

    a produo de drogas, apenas um nmero muito pequeno desses contam pela

    quase totalidade das drogas produzidas, havendo ainda uma grande

    especializao quanto ao tipo de droga que cada um deles produz. Quanto

    produo de folha de coca, apenas trs pases, Bolvia, Colmbia e Peru,

    contam por toda a produo comercial mundial de coca. J quanto ao pio,

    atualmente apenas o Afeganisto conta por quase 90% de toda a produo

    mundial. Quanto maconha, ela um caso a parte, pois muitos pases tm a sua

    produo domstica para essa droga, como o caso do Canad, que

    praticamente autossuficiente, e dos Estados Unidos, cuja produo domstica j

    chega a mais de 50%. Mesmo assim, o Mxico e o Marrocos so os grandes

    responsveis pelo abastecimento do mercado europeu e norte-americano.

  • 26

    Figura 2- Principais Fluxos globais de cocana, 2010

    Figura 3- Principais Fluxos globais de herona, 2010

  • 27

    Quanto aos pases traficantes, o panorama parecido com os dos

    produtores. Um nmero bastante pequeno de pases responsvel por grande

    parte do trfico ilegal de drogas mundial. No entanto, ao se analisar as

    estatsticas sobre apreenses de drogas deve-se tomar cuidado:

    As with production, the trafcking of coca and opium involves

    a relatively small number of nations. One indicator of which countries are

    involved in trafcking is drug seizures, but it requires careful

    interpretation.12 Seizures can be driven by production, local consumption,

    and

    transshipment; nations that experience large seizures but are

    neither

    producers nor major consumers are likely to be involved in

    trafcking to

    other countries. It is a one-sided indicator; some transshipment

    nationsas a result of either corruption or limited enforcement

    effort

    may have few seizures. Illustrating the weakness of seizure as

    an indicator are the gures for Russia. It constitutes one of the three largest

    markets for heroin and serves as a transshipment country for

    Eastern

    Europe; yet Russia was seizing barely 1 ton of heroin annually

    in the

    early part of this decade. 9

    2- 9 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.74. Disponvel em:

    .

    Acesso em: 03 abr. 2013

  • 28

    A seguir, segue uma tabela das apreenses de cocana no ano de

    2010:

    Figura 4 Tabela de apreenses de cocana em 2010

    Analisando-se essa tabela, percebemos que o maior nmero de

    apreenses se deu na Colmbia e nos Estados Unidos, correspondendo a mais

    de 50% do total. Focando apenas nesses nmeros, pode-se chegar uma

    concluso equivocada de que essas so as principais rotas de trfico

    internacional de cocana, quando no o so. Isso porque devemos lembrar que a

    Colmbia um dos principais produtores da droga e os Estados Unidos um dos

    principais consumidores, razo pela qual esses nmeros so to altos nesses

    pases. No caso da Colmbia especificamente, devemos relembrar que l foi

    implantado o Plano Colmbia, que enrijeceu o combate s drogas, o que explica

    a sua porcentagem ser to maior que a dos outros dois produtores, Peru e

    Bolvia.

  • 29

    Fazendo-se uma anlise mais profunda, percebe-se que o Panam, e

    em menor medida, a Venezuela, a Nicargua, o Equador e a Costa Rica

    encontram-se em posies bastante altas na tabela, no sendo nenhum deles

    mercados produtores e nem consumidores das drogas, o que indica que eles

    funcionam como rotas de trfico para a cocana em direo aos mercados

    consumidores, mais especificamente os Estados Unidos, e em muito menor

    medida, o prprio Brasil. Na Europa, a cocana entra atravs da Espanha, que

    apresenta 4% das apreenses.

    Esse nmero tambm indica que a maior parte das apreenses

    realizadas se d ainda nos pases produtores ou nos consumidores. Se

    pensarmos que a maior parte das pessoas que carregavam essas drogas so

    encarceradas, isso significa dizer que as nossas prises esto lotadas de

    produtores, consumidores ou pequenos traficantes, enquanto os grandes

    intermedirios continuam operando a sua atividade. Isso mais um indicador

    do fracasso da poltica proibitiva, pois para o mundo do trfico essas prises

    no representam dano algum, enquanto os custos delas para a sociedade so

    enormes, mas isso assunto para mais adiante.

    Passemos a analisar agora a tabela sobre o pio, matria-prima da

    herona:

    Figura 5 - Apreenses de pio em 2010

  • 30

    Essa tabela mais explicita do que a anterior sobre a cocana, pois

    j no primeiro lugar da tabela percebemos a principal rota de trfico da cocana

    para o mercado mundial, o Ir, e depois, em uma escala muito menor, o

    Paquisto, relembrando que o Afeganisto o principal pas produtor de pio

    mundial. Diferentemente do que ocorre com a cocana, percebemos que a maior

    parte das apreenses so realizadas na rota do trfico, o que poderia ser um

    indicador de que o modelo proibitivo est tendo sucesso relativamente essa

    droga. Porm, esses dados de apreenses devem ser comparados com os dados

    da quantidade de drogas produzidas para se ter a real percepo do impacto

    dessas apreenses no mercado de drogas. No entanto, esses dados so

  • 31

    praticamente inexistentes, ou quando existentes, so falhos, o que j indica

    outro problema da proibio, que a falta de informao sobre as drogas.

    Para analisar a maconha, sero utilizadas duas tabelas, pois a

    UNODC diferencia a maconha entre a Cannabis Herb e a Cannabis Resin,

    sendo em termos gerais a primeira constituda de flores secas e folhas e a

    segunda um slido prensado da resina da planta. Popularmente, a primeira a

    marijuana ou o cigarro de maconha como usualmente conhecido e a segunda

    o haxixe.

    Figura 6 - Tabela das apreenses de Cannabis Herb

  • 32

    Figura 7 - Tabela das apreenses de Cannabis resin

    A primeira tabela demonstra que o maior nmero de apreenses da

    maconha foi realizado no Mxico, um dos principais pases produtores como

  • 33

    dito anteriormente e que por fazer fronteira com os Estados Unidos a sua

    prpria rota de trfico, e depois nos Estados Unidos, que tambm produz e

    consome. Na segunda tabela, percebemos a Espanha em primeiro lugar, pois a

    porta de entrada da maconha mexicana para a Europa, e depois o Paquisto, que

    funciona como a porta de entrada para o haxixe vindo principalmente do

    Marrocos. Depois, vemos em ambas as tabelas apreenses em diversos pases, o

    que corrobora a tese de que a produo e o consumo da maconha, seja qual for

    a sua variedade, se espalhou pelo mundo todo.

    Observando essas tabelas e esses nmeros, pode parecer que a

    poltica proibitiva um sucesso, pois as tabelas indicam um nmero enorme de

    apreenses. Isso verdade, o nmero de apreenses , de fato, enorme, porm o

    que esses nmeros no revelam que elas tm muito pouco impacto no trfico

    enquanto tm custos altssimos. justamente isso que passa despercebido, ou

    talvez no, pelos nossos criadores de polticas antidrogas. A seguir, analisarei

    as principais ferramentas utilizadas no combate s drogas.

    2.2 Os Instrumentos da Poltica Proibitiva

    Os instrumentos utilizados para o combate s drogas focam

    primariamente no lado da oferta, mirando a erradicao das drogas da face da

    Terra. Nesse subcaptulo, analisarei as principais ferramentas utilizadas para se

    acabar com a produo das drogas. Mostrarei que o lado da demanda

    basicamente ignorado, havendo apenas alguns poucos pases que tm polticas

    eficientes para a diminuio da demanda e que, muito embora havendo poucos

    dados a respeito da real eficcia dessas polticas e tambm devido ao pouco

    tempo que elas se encontram implementadas, elas aparentam ter muito sucesso

    na diminuio do consumo de drogas do que as suas semelhantes voltadas para

    a oferta, alm de apresentar custos muito mais baixos.

  • 34

    Essa anlise visa demonstrar o tamanho dos custos que a proibio

    gera aos cofres pblicos dos pases sem que exista uma garantia de resultados.

    No se sabe ao certo os efeitos que essas ferramentas causam no consumo de

    drogas mundiais.

    2.2.1 Instrumentos voltados para a produo

    Nessa parte, analisaremos as trs estratgias que se voltam ao

    combate prpria produo das drogas. Elas so: a erradicao, o

    desenvolvimento alternativo e o in country enforcement.

    2.2.1.1 Erradicao

    A erradicao o instrumento de controle da produo de drogas

    mais conhecido por todos. Ela consiste na destruio dos plantios da matria-

    prima das drogas, tais como a cannabis para a maconha, a folha de coca para a

    cocana e a papoula para o pio herona. Essa operao pode envolver a

    utilizao do spray areo, que no o mais recomendado por causar danos

    ambientais, ou pode ser feita pelo solo.

    Tambm existe a chamada erradicao voluntria, que consiste

    em fazer com que os prprios produtores destruam as suas safras. Essa prtica

    utiliza-se de mecanismos de coero, como o aprisionamento daqueles que no

    cumpram tal exigncia, assim como incentivos financeiros.

    A justificativa para o uso de tal prtica , a curto prazo, diminuir a

    quantidade de drogas disponveis no mercado e, a longo prazo, desencorajar as

  • 35

    pessoas a cultivar tais plantios. Conhecendo agora a justificativa para tal

    prtica, passemos a analisar se esses objetivos esto sendo atingidos.

    A primeira justificativa a diminuio da quantidade de drogas

    disponveis no mercado. Vejamos como se deu essa evoluo com dados do

    relatrio mundial de drogas da UNODC ( United Nations Office on Drugs and

    Crime):

    Figura 8 Produo licita de pio e herona de 2004-2011

  • 36

    Figura 9 - Cultivo ilcito de coca

    Figura 10 - Cultivo e produo de cannabis

  • 37

    Analisando-se a primeira tabela, que expe a produo do pio

    herona percebe-se que de 2004 at 2011 houve um aumento da produo do

    pio, porm isso no foi seguido pelo aumento na fabricao de herona, que

    caiu de 529 toneladas para 469 toneladas. Ainda assim, segundo dados da

    prpria UNODC, a rea total de papoula cultivada aumentou de 191.000

    hectares em 2010 para aproximadamente 207.000 hectares em 2011. Portanto,

    a estratgia de erradicao foi mal- sucedida no que se refere papoula e,

    consequentemente, ao pio herona, pois o nmero de hectares da planta

    cultivada aumentou, assim como a produo de pio, ainda que a quantidade de

    herona produzida tenha cado, pois essa no foi a causa para tal.

    Voltando-se agora para a segunda tabela, que se refere folha de

    coca, matria prima da cocana, percebe-se que, de fato, a rea cultivada

    diminuiu de 210.900 hectares em 2001 para 149.200 hectares em 2010. O ideal

    seria se ter os dados referentes cocana efetivamente produzida no perodo,

    porm segundo estimativas da prpria UNODC, a produo de cocana tambm

    diminuiu depois de atingir os seus picos no perodo 2005 2007,

    principalmente por consequncia do plano Colmbia. Por esses nmeros, pode-

    se dizer que a erradicao teve certa eficcia no que diz respeito s drogas,

    diminuindo a rea cultivada e, aparentemente, diminuindo a quantidade

    ofertada das drogas. Deixemos assim por enquanto; posteriormente veremos

    quais foram os custos dessa estratgia e os reais efeitos dela sobre o consumo.

    Com relao a maconha, a tabela 3 demonstra que houve

    erradicao na rea cultivada de maconha mundial. Porm, uma anlise mais

    detalhada sobre a tabela, inclusive das notas de rodap, revelam que essa

    estimativa, em particular, bastante incerta, haja visto que muitos pases no

    tm ou no revelam essas informaes, tornando difcil saber-se ao certo quanta

    maconha produzida mundialmente. Porm, a principal dificuldade, como

    apontada anteriormente, que a maconha facilmente cultivada

    domesticamente e j se tem alguns nmeros que indicam que metade da

    produo mundial se d domesticamente. Alm disso, os Estados Unidos

    contestam os nmeros apresentados pelo Mxico, afirmando que a produo da

    maconha l maior do que a retratada pelos nmeros. Assim sendo, torna-se

  • 38

    difcil afirmar quais os efeitos que a poltica da erradicao de cultivos est

    tendo no mercado da maconha.

    A concluso que se tira dessas tabelas a de que a estratgia da

    erradicao s tem tido eficincia no que se refere cocana, principalmente

    pelo plano Colmbia. No entanto, veremos posteriormente quais so os custos e

    o verdadeiro efeito disso no consumo.

    2.2.1.2 O Desenvolvimento Alternativo

    O instrumento de controle da produo chamado desenvolvimento

    alternativo consiste em um conjunto de programas, desde o financiamento

    direto do governo at a concesso de emprstimos a juros abaixo do mercado,

    visando incentivar os cultivadores de culturas ilcitas, sobretudo a folha de coca

    e a papoula, a adotarem culturas legitimas e lcitas. Semelhantemente

    erradicao, porm com uma outra abordagem, essa poltica busca acabar com

    os campos cultivados com a matria prima das drogas.

    Parece um plano bastante razovel na teoria, porm que na prtica

    no tem se mostrado eficiente:

    There is little empirical evidence that the rural development

    components of AD [alternative development] on their own reduce the amount

    of drug crops cultivated. Agriculture, economic and social

    interventions

    are not seen to overcome the incentive pressure exerted by the

    market

    conditions of the illicit drug trade. Where reduction in drug

    cropping

  • 39

    occurs it seems other factors, including general economic

    growth, policing, etc., can be identied as contributors to the change that

    takes place. 10

    Como dito na citao anterior, no h quase nenhum dado emprico

    que comprove a efetividade dessa estratgia e, pelo contrrio, h fortes

    argumentos contrrios adoo desse plano. O primeiro e mais contundente,

    a da alta lucratividade das drogas ilcitas, que por mais incentivos que se deem

    aos produtores, impossvel de se igualar, gerando incentivos grandes demais

    para se ignorar, fazendo com que aqueles que j produzem continuem a

    produzir e potenciais produtores comearem a produzir.

    Outro argumento bastante razovel o da especializao do

    produtor. Ele se torna to especializado na produo daquela matria prima

    das drogas que basicamente essa atividade se torna a nica profisso na qual

    o produtor efetivamente bom, e migrar para outra atividade significaria

    concorrer com produtores mais experientes e mais especializados naquele

    cultivo.

    No se pode esquecer tambm que a maioria das matrias primas

    das drogas se desenvolvem em praticamente qualquer terreno e condies

    climticas, diferentemente da maior parte das culturas legitimas, fator que

    tambm contribui como incentivo para a produo de culturas ilcitas. Na

    regio dos Andes, por exemplo, devido s grandes altitudes e ao clima inspito,

    torna-se muito difcil o desenvolvimento de uma agricultura nessas partes, no

    entanto, a folha de coca se desenvolve muito facilmente nessa rea.

    Outro fator influenciador a questo cultural, mais especificamente

    no caso da folha de coca. Historicamente, na regio dos Andes, as populaes

    indgenas j cultivavam essa cultura agrcola, sendo comum mascar-se essas

    10 The Independent Evaluation Unit Report, UNODC 2005a APUD KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on drugs.. Washington: Palgrave

    Macmillan, 2010, p.114. Disponvel em:

    . Acesso

    em: 03 abr. 2013

  • 40

    folhas, j buscando os efeitos psicotrpicos da coca, assunto j abordado nesse

    trabalho.

    Diante de todos esses fatores, perfeitamente compreensvel as

    razes do desenvolvimento alternativo ser pouco efetivo ou nada efetivo no

    controle da oferta de drogas, muito embora tambm no exista nenhum dado

    emprico que comprove a no efetividade dessa estratgia.

    2.2.1.3 In Country enforcement

    A traduo literal dessa estratgia significaria aplicao no pas,

    porm na nossa lngua ptria ela no expressa claramente a ideia dessa

    estratgia. Poderia- se descrever essa prtica como sendo a interferncia dos

    pases desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos, nos pases produtores, para

    criar um aparato institucional domstico para combater as drogas, sendo o

    maior expoente dessa estratgia o Plano Colmbia.

    O principal problema que atrapalha esse tipo de aproximao a

    falta de vontade poltica e de integridade, segundo o International Narcotics

    Control Strategy Report (INCSR) do Departamento de Estado americano,

    citado em

    KEEFER, P (ed).; LOAYZA (ed), N. Innocent bystanders:

    Developing countries and the war on drugs. Washington, Palgrave Macmillan,

    2010, pg. 115.

    A falta de vontade poltica se traduz na conivncia por parte do

    Estado com o narcotrfico, omitindo-se no combate, por interesses de cunho

    poltico, pois muitos traficantes financiam campanhas polticas com o dinheiro

    lavado do narcotrfico. Isso faz com que os pases no colaborem com os pases

    desenvolvidos para aplicar bem o dinheiro investido no combate produo de

    drogas.

  • 41

    A falta de integridade se traduz nas fracas instituies polticas e

    pblicas do pas, sobretudo nos poderes executivo, legislativo e judicirio,

    propiciando que o dinheiro investido pelos pases desenvolvidos para o

    combate produo de drogas seja desviado atravs da corrupo, fenmeno

    que sabemos ser muito comum aqui na Amrica Latina. Dessa forma, boa parte

    do dinheiro que seria para financiar o combate ao narcotrfico desviado e vai

    para o bolso de corruptos.

    Por esses dois motivos, sobretudo, a in country enforcement

    tambm uma estratgia que se mostra falha como as demais que visam o

    combate produo de drogas.

    2.2.2 Instrumentos Voltados Para O Trfico

    Na verdade, a nica estratgia para impedir o trfico realmente a

    interdio. Ela consiste basicamente em impedir a entrada das drogas nos

    pases consumidores antes delas entrarem nas fronteiras internas, visando dessa

    forma desestimular o consumo gerando uma falta de drogas e um aumento de

    preo. Vejamos se essa estratgia obtm algum sucesso.

    2.2.2.1 A Interdio

    A interdio nada mais do que as famosas apreenses de drogas

    que se v diariamente nos noticirios e programas de TV. O grande diferencial

    que na interdio as drogas so apreendidas no caminho ao pas consumidor,

    quando elas esto sendo transportadas do pas produtor para o consumidor.

    Como dito anteriormente, elas visam diminuir o nmero de drogas

    disponveis e aumentar o preo. Analisemos, ento, se esses objetivos so

    efetivamente atingidos para as trs principais drogas analisadas nesse trabalho:

  • 42

    Figura 11- Apreenses de cocana 2000 2010

    Figura 12 - Apreenses de pio 2000- 2010

  • 43

    Figura 13 - Apreenses de Cannabis herb 2000-2010

    Figura 14 - Apreenses globais de cannabis resin 2000-2010

  • 44

    Observando-se essas tabelas, percebemos que em todas elas houve uma

    enorme evoluo do nmero de apreenses do ano de 2000 at 2010, o que pode ser

    considerado um indicador de sucesso das apreenses. De fato, a quantidade de

    apreenses para cada droga assustador, somando nmeros assustadores. No

    entanto, o impacto que ela tem sobre a produo muito pequeno, pois a quantidade

    de drogas produzidas ainda mais impressionante, como j demonstrado, nas

    tabelas anteriores. Comparemos cada um desses nmeros agora para o ano de 2010.

    Iniciemos a comparao com o pio. Em 2010, a estimativa do potencial

    de pio que foi produzido alcanou a quantidade de 6995 toneladas, enquanto as

    apreenses chegaram 492 toneladas. Segundo dados da UNODC, sabe-se que

    dessa quantidade de pio produzida, tornou-se herona cerca de 497 toneladas e das

    apreenses de pio cerca de 81 toneladas eram herona. Assim sendo, temos que o

    total de pio apreendido chega a cerca de 7% da quantidade total, enquanto a

    herona alcana 16%. No entanto, sabe-se que os dados fornecidos de produo

    costumam ser menores do que os reais, enquanto os de apreenses costumam ser

    mais altos do que os reais. Ainda assim, o impacto baixo.

    Em relao maconha, no d para se ter a real dimenso do quanto as

    apreenses tm efeito sobre a produo. Primeiro, porque a maioria dos pases no

    tm estimativas do quanto de maconha foi produzido internamente, apenas da rea

    cultivada. Segundo, porque muito da maconha que produzida, feito

    domesticamente, dentro de casa, tornando-se extremamente dificultoso se ter tais

    estimativas.

    Com a cocana, acontece algo parecido com o que ocorre com a

    maconha. No se d para saber a real dimenso do impacto das apreenses sobre a

    cocana porque as apreenses no levam em considerao a pureza da cocana, no

    diferenciando a cocana com 100% de pureza das outras substncias, enquanto as

    estimativas de produo da cocana so feitas com base na cocana com 100% de

    pureza. Portanto, qualquer tentativa de se ter a porcentagem do impacto da cocana

    acabaria por produzir provavelmente um resultado fraco.

    Esse mais um dos argumentos utilizados para defender o fim da

    proibio das drogas, pois um processo de legalizao permitiria um maior

  • 45

    conhecimento da real dimenso do problema das drogas, pois seria mais fcil se

    conseguir dados mais exatos e fieis com um mercado lcito.

    2.3 Os Custos da Guerra s Drogas

    Nesse subcaptulo, analisaremos quais so os reais custos do modelo

    proibitivo para a sociedade, incluindo primeiramente os custos mais visveis,

    sobretudo aqueles que se relacionam efetivamente com os custos dos pases para

    adotar tal postura, e posteriormente, os custos menos visveis, mais precisamente os

    graves danos colaterais que tal postura gerou.

    Com isso, pretende-se demonstrar que os males gerados pela poltica

    proibitiva so grandes demais e so, comparativamente, muito melhor conhecidos

    do que os reais benefcios da mesma.

    2.3.1 Os Custos Financeiros

    A poltica proibitiva das drogas gera custos oramentrios aos pases

    enormes, alcanando nveis assustadores. Em todo mundo, os pases, impulsionados

    pela presso dos pases desenvolvidos para acabar com o consumo de drogas em

    seus territrios, gastam grandes quantias nas polticas descritas anteriormente.

    Apenas os Estados Unidos gastou 1 trilho de dlares nos ltimos 40 anos desde que

    comeou guerra as drogas, segundo levantamento feita pela Associated Press:

  • 46

    Figura 15 - Aumento de gastos no combate s drogas

    Embora seja o principal financiador dessa guerra, ele no o nico

    pas a gastar imensas quantias para tal objetivo. Todos os outros pases do

    mundo despejam grandes quantidades de seus oramentos com o objetivo de

    travar esse combate contra o trfico e as drogas.

    No Brasil, os dados oficiais do Funad registram entre 2000 e 2011

    um gasto de 317 milhes de reais no combate s drogas, como demonstra a

    tabela abaixo:

  • 47

    Figura 16 - Gastos brasileiros no combate s drogas

    No entanto, observando a tabela dos gastos norte-americanos ao

    longo dos anos, percebemos que a maior parte de seus gastos esto direcionados

    ao Law enforcement e a interdiction, ou seja, mirados na produo,

    enquanto uma parte bem menor investida treatment and prevention, ou

    seja, so investidos no lado da demanda.

    Todo esse investimento voltado para um objetivo a curto prazo, o

    de elevar o preo das drogas e, com isso, desestimular o seu consumo. No

    entanto, as drogas nunca estiveram to baratas. Segundo dados da UNODC, em

    1990 a grama da cocana nos Estados Unidos custava 278 dlares, enquanto em

    2010, depois de todo esse dinheiro investido, custa apenas 169 dlares e a

  • 48

    grama da herona custava 1031 dlares a grama em 1990 contra 450 dlares em

    2010. Isso revela que o preo das drogas, a despeito de todo o investimento

    para diminuir a produo, o que vem sendo conseguido, s tem diminudo, no

    havendo o desestmulo ao consumo desejado.

    Um estudo realizado por uma ONG britnica chamada Transform

    Drug Policy, em 2009, revela que a legalizao das drogas resultaria numa

    economia de 20 bilhes de dlares ao governo britnico, segundo matria

    publicada no Jornal do Brasil em 8 de abril de 2009.

    Portanto, torna-se evidente que os gastos realizados no esto

    atingindo os seus objetivos, e uma poltica pblica efetiva aquela que atinge

    ao que se prope. No falarei sobre os efeitos disso no consumo nessa seo,

    pois isso ser analisado posteriormente, mas j adianto que tambm no tem

    tido os efeitos desejados no consumo.

    Os custos financeiros no so os nicos tipos de custos gerados pela

    poltica proibitiva, s so os mais evidentes. Podemos dizer que existem outros

    to graves quantos menos perceptveis aos nossos olhos. Esses seriam os custos

    com a sade pblica, perdas de camponeses e o encorajamento do crime

    organizado.

    2.3.2 Sade Pblica

    A primeira vista, pode parecer que a proibio no gera impactos

    negativos sobre a sade pblica, muito pelo contrrio, de que ela colaboraria

    para a diminuio dos gastos de sade pblica referente s drogas, uma vez que,

    em tese, de forma indireta, estaria diminuindo o consumo de drogas. No

    entanto, essa diminuio no vem ocorrendo e novos problemas, causados por

    externalidades negativas geradas pela proibio, vm sendo gerados.

    O primeiro desses problemas o medo dos usurios em procurar

    a ajuda das autoridades pblicas, pois existem pases nos quais o uso das drogas

  • 49

    ainda criminalizado, embora essa no seja a tendncia atual, e nos quais o uso

    j descriminalizado, ainda existe um preconceito e ignorncia muito grande

    com relao aos ditos usurios, que os cobe de procurar tratamento por

    temor das repercusses disso dentro, por exemplo, da sua famlia e do seu

    trabalho. Isso intensifica ainda mais os males de sade gerados por essas

    substncias naqueles que as utilizam, contribuindo para uma intensificao da

    dependncia e um maior nmero de mortes.

    Alm desse medo, por serem renegados a marginalizao pelo

    sistema proibitivo, os consumidores de drogas acabam contraindo doenas

    decorrentes da qualidade das drogas que utilizam ou da falta de saneamento do

    ambiente e dos instrumentos das drogas. O primeiro caso o famoso exemplo

    das famosas misturas feitas pelos traficantes nas drogas, repassando-a muitas

    vezes com substncias altamente txicas, muito mais danosas do que a prpria

    droga. O segundo caso pode ser exemplificado pelos usurios de herona que

    compartilham as mesmas seringas e acabam contraindo doenas como o HIV e

    a hepatite, mais letais do que a prpria overdose.

    Tudo isso contribui para que, no momento que o usurio busque o

    tratamento, a sua sade esteja to debilitada que os custos tornem-se maiores do

    que seriam se esses tivessem procurado ajuda logo no incio do seu consumo ou

    no tivessem sido expostos condies to adversas. E a que aparece a

    segunda parte do problema da proibio. Quem financia esses gastos? De onde

    os governos tiram o dinheiro para cobri-los? Esse dinheiro sai da receita

    oramentria que, fosse outro o modelo aplicado questo das drogas, no

    teriam nada a ver com esse problema e acabam tendo que ser desviados de

    outras funes para serem aplicados nessa questo.

    Portanto, alm da proibio intensificar o problema de sade

    pblica relacionado s drogas, gerando mais custos ao Estado, ele ainda impede

    que se possa tirar qualquer tipo de receita com as drogas capazes de financiar

    todos esses gastos, tendo que desviar um grande montante de seu oramento

    para essa finalidade. Um sistema mais racional, com uma regulao bem

    pensada e montada, provavelmente poderiam resolver, ou pelo menos amenizar,

    essa questo.

  • 50

    Em pases subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o

    nosso, os efeitos sobre a sade pblica so ainda mais sentidos, pois com

    oramentos menores e/ou problemas estruturais e institucionais, esses custos

    impactam em muito o oramento.

    Os dados a seguir demonstram que os custos das drogas ilcitas

    sade pblica norte americana so mais de 161 bilhes de dlares por ano:

    Figura 17 - Gastos de sade pblica norte americanos

    Segundo o relatrio do I Frum Nacional Antidrogas, os gastos de

    sade pblica com substncias entorpecentes no Brasil, isso tambm contando o

    lcool e o tabaco, chegaram a ser estimados em 28 bilhes de dlares em 1998,

    ou seja, 7,9% do PIB na poca por ano. Embora seja uma estimativa j

    ultrapassada, ela bem demonstrativa.

  • 51

    2.3.3 Perdas dos Camponeses

    Essa consequncia mais especfica, sobretudo, dos pases

    produtores de drogas, como a Bolvia, Colmbia e Peru no caso da cocana e o

    Afeganisto no caso do pio, pois so os seus fazendeiros principalmente que

    sofrem as maiores perdas decorrentes da guerra s drogas. Porm, isso tambm

    pode ser estendido para os demais cultivadores, sobretudo no caso da maconha,

    cujo cultivo espalhado por todo o globo. E por que h a perda? Se os

    incentivos para o plantio de substncias ilcitas so to altos, gerando lucros

    astronmicos, no deveriam esses produtores estar enriquecendo e fazendo

    fortuna?

    Pelo contrrio, eles acabam no usufruindo dessa renda que poderia

    elevar o seu padro e qualidade de vida e a razo muito simples. Isso acontece

    porque, pela natureza ilcita da atividade e dos riscos desenvolvidos para o seu

    comrcio, a maior parte da renda e dos lucros so transferidos para o

    intermedirio, o traficante. E o motivo simples; esse intermedirio quem

    assume os maiores riscos da atividade, pois ele quem pratica o ato de

    comrcio, ele quem sofre o risco de ser preso ou at mesmo morto.

    No bastasse essa transferncia, esses produtores sofrem ainda mais

    dificuldade por causa da proibio dessa atividade. Em decorrncia dos

    instrumentos de controle mirados, sobretudo para o lado da oferta, sendo o

    principal a erradicao dos plantios, eles acabam convivendo com o risco

    permanente de ter toda a sua plantao exterminada do dia para a noite e no ter

    capital para restabelec-la, uma vez que no existe seguro contra essas perdas,

    dada a natureza ilcita da atividade e os produtores so pobres demais para

    comear de novo, uma vez que a maior parte da renda fica com o traficante:

    Even if eradication efforts are unsuccessful in reducing

    consumption in

    rich countries, they still impose losses on farmers who cultivate

    poppies

  • 52

    or coca. Those farmers do not have access to insurance against

    losses

    resulting from eradication, and they are too poor to self-insure.

    Moreover,

    eradication tends to target entire areas, so that any informal

    safety-net

    arrangements between farmers break down. For eradicated

    farmers,

    such losses could, therefore, be catastrophic. 11

    Para piorar, quando isso acontece, a quem o fazendeiro pode

    recorrer para se restabelecer? O governo? O governo, normalmente, no est

    preocupado com a situao, muito pelo contrrio, o v como um dos causadores

    do seu problema. S existe uma pessoa que realmente se interessa pela

    continuidade de sua atividade, e esse o traficante. Nesse momento, ele investe

    todo o capital que ganhou com a atividade ilcita junto ao produtor, para que

    esse continue com a sua atividade, colocando-o inteiramente sua disposio e

    controle, uma vez que este tornasse dependente dele. Assim, se cria um grande

    ciclo vicioso. O produtor planta a matria prima da fabricao das drogas ao

    traficante por preos mnimos, uma vez que no tm outras opes de clientes

    alm deles, que leva aos mercados consumidores dos pases desenvolvidos a

    droga pronto, vendendo-a e conseguindo lucros exorbitantes, enquanto o

    aparato proibitivo chega e destri toda a plantao do produtor. O traficante,

    novamente, aparece em cena, empresta o dinheiro ao produtor, que volta

    novamente a produzir e tm-se novamente o mesmo ciclo, com cada vez mais

    prejuzos ao produtor, mais gastos aos governos e mais ganhos ao traficante.

    A tabela a seguir exemplifica essa diferena de ganhos,

    demonstrando as diferenas de preo ao longo da cadeia de distribuio:

    1- 11 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the

    war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.16. Disponvel em:

    .

    Acesso em: 03 abr. 2013

  • 53

    Figura 18 - Preo cocana e herona por kilograma de meados da dcada de 90 e

    2000

    Portanto, o que se percebe , na verdade, que os instrumentos da

    poltica de controle anti-drogas empregados mundialmente, sobretudo a

    erradicao, no atingem aquele a quem se propem, o traficante, mas sim os

    sujeitos nos patamares mais baixos da cadeia de produo e distribuio, que

    so os produtores, diminuindo a sua qualidade de vida, aumentando a

    desigualdade social e, principalmente, colocando-o naquele ciclo vicioso

    demonstrado anteriormente. Para piorar, torna a atividade do traficante ainda

    mais lucrativa, uma vez que aumenta os riscos dos negcios; coloca os

    produtores sob a esfera de domnio desses e enfraquece cada vez mais os

    prprios governos dos pases produtores, uma vez que gera custos cada vez

    maiores a esses.

    Se uma poltica pblica que no atinge os seus objetivos um

    fracasso, o que poder ser dito de uma poltica pblica que piora ainda mais o

  • 54

    problema para o qual foi criada? Uma mudana se faz necessria e

    extremamente urgente, sob o risco de cada vez mais criar-se um problema mais

    difcil de se controlar, pois como ser demonstrado a seguir, toda essa renda do

    trfico vai para algum lugar, o crime organizado e o terrorismo. Esses so

    problemas ainda mais assustadores do que as prprias drogas, pois geram

    violncia, corrupo e instabilidade social e, nada surpreendente, tm uma

    grande contribuio da poltica proibitiva global atual.

    2.3.4 O Crime Organizado e o Terrorismo

    Tanto o crime organizado quanto o terrorismo necessitam para a

    sua sobrevivncia de uma atividade econmica para financi-lo e, normalmente,

    por suas prprias caractersticas de serem ilegais por si s, nada melhor do que

    uma atividade ilcita para tal feito. E o trfico de drogas perfeito para tal,

    alis, ele muito mais do que perfeito porque melhora a prpria estruturao e

    organizao de ambos.

    E por que eu digo que melhora a estruturao e a organizao de

    ambos? Digo isso porque para se organizar qualquer tipo de instituio, faz-se

    necessrio criar uma cadeia hierrquica e de comando, baseada em relaes de

    poder da sua base at o seu topo. E como se constri essa relao de poder? Ela

    se constri economicamente, atravs de quem domina mais os meios de

    produo e, por conseguinte, tira os maiores proveitos disso. Transferindo esse

    conceito para os casos do crime organizado e o terrorismo, em termos de

    atividades ilcitas, no fosse o trfico de drogas, muito dificilmente, no caso do

    crime organizado mais certamente do que no do terrorismo, essas organizaes

    conseguiram se estruturar, pois o mercado das drogas um mercado enorme a

    ser explorado que supera em termos de lucratividade qualquer outro tipo de

    atividade criminosa, como roubos ou sequestros. Isso significa dizer,

    basicamente e resumidamente, que o que sustenta as duas organizaes o

    trfico de drogas e de que elas muito dificilmente conseguiriam manter-se sem

    essa atividade. Note-se que aqui no est se defendendo que elas deixaro de

  • 55

    existir com a simples legalizao das drogas, mas sim de que esse um dos

    passos, num conjunto de medidas bastante complexo envolvendo diversos

    fatores, para vencer o crime organizado e o terrorismo.

    E a recproca tambm verdadeira. Da mesma maneira que o crime

    organizado precisa do trfico de drogas para se sustentar, esse tambm precisa

    do crime organizado ( quando disser crime organizado a partir de agora,

    tambm estarei colocando junto o terrorismo). E o motivo simples: por estar

    na ilicitude, o trfico para manter-se necessita usar de violncia e da corrupo,

    precisa de armas e proteo, precisa adentrar o submundo do crime e da

    marginalidade, pois se assim no fosse, essa guerra estaria ganha h muito

    tempo. Isso to verdadeiro que h dois exemplos bastante claros que

    demonstram como atualmente praticamente impossvel distinguir a figura do

    traficante da do integrante de uma organizao criminosa ou terrorista.

    O primeiro exemplo as FARC ( Foras Armadas Revolucionrias

    da Colmbia), que comeou como uma organizao revolucionria visando

    derrubar o governo colombiano e tornou-se um grupo rebelde criminoso. Ao

    mesmo tempo em que surgiam as FARC, esse pas j era o principal produtor

    da folha de coca mundial. Porm, mesmo embora a Colmbia j fosse o grande

    produtor de folha de coca mundial, os primeiros grandes cartis do trfico

    colombiano s surgiram a partir da dcada de 70. As FARC, curiosamente,

    surgiram em 1964. Para visualizar ainda mais essa relao, basta olhar o mapa

    da atuao das FARC e do plantio de coca no mapa colombiano. exatamente

    a mesma rea:

    Figura 19 - rea de Atuao das FARC

  • 56

  • 57

    Figura 20 - rea de cultivo de coca 2006

  • 58

    O segundo exemplo, ainda mais demonstrativo, o caso do pio no

    Afeganisto. Esse pas, como j demonstrado nesse trabalho, disparado o

    maior produtor de pio mundial e, paralelamente, tambm o quartel general

    de um, seno o maior, dos maiores organismos terroristas mundiais, a Al

    Qaeda. Os terroristas, juntamente com os traficantes, exploram os lucros dessa

    atividade e se financiam com a receita advinda dali. Eles oferecem proteo,

    enquanto os traficantes oferecem o seu know how e a sua rede de distribuio,

    ali includa principalmente as rotas comerciais:

    Figura 21 - Cultivo da papoula no Afeganisto - 2002

  • 59

    Figura 22 - rea de atuao do Taliban

    Note-se que a rea de atuao permanente do Taliban corresponde

    exatamente s reas de cultivo da papoula dentro do territrio afego no ano de

    2002. Embora os dados sejam de 2002, eles permanecem demonstrativos da

    interligao que existe entre a atividade terrorista e o trfico de drogas.

    Essas organizaes valem-se, sobretudo da violncia para atingir os

    seus fins, causando grande insegurana pblica nos territrios nacionais em que

    ocupam. E no poderia ser diferente, dada a sua natureza ilcita, pois devido ao

    combate sofrido pelo trfico por parte das diversas polcias nacionais, algumas

    vezes chegando at mesmo ao uso de foras militares, ele precisa revidar da

    mesma forma, com violncia. E o que pior, quanto mais intenso fica o

    combate direto, com uso da violncia estatal, mais forte tambm fica a

    violncia com o qual o trfico revida, tornando verdadeira aquela mxima de

    que violncia s gera violncia Ns, aqui no Brasil, conhecemos bem essa

    realidade, pois a vivenciamos diariamente:

  • 60

    The two most powerful organized crime groups with clear links

    to

    drug trafcking in Brazilthe Red Command (CV) and the

    First Command of the Capital (PCC)have coordinated simultaneous

    rebellions

    in as many as 29 different prisons and maintained effective

    control of

    certain slums and poorer areas. Assassinations of police

    ofcers, members of the judicial system, and authorities of the prison system

    are regular tactics of these groups.12

    Em reportagem de 10/01/2007, a Revista Veja publicou um artigo

    intitulado PCC: Primeiro Comando da Capital: A pretexto de defender

    presidirios, faco domina o narcotrfico nas cadeias, conquista pontos- de-

    venda de drogas fora das prises e fatura milhes de reais, escrita por Fbio

    Portela, em que estima que o PCC lucre dois milhes de reais por ms s com o

    trfico de cocana nas cadeias. No existe nada com taxa de retorno to alta:

    A venda de cocana o negcio mais lucrativo do mundo do

    crime. Um quilo da droga, avaliado em 5.000 dlares em So Paulo, rende

    15.000 dlares quando vendido no varejo. Nenhum investimento financeiro

    tem taxa de retorno semelhante. O traficante tambm se expe a menos riscos

    do que um assaltante de bancos, por exemplo. O PCC monopolizou a venda

    da droga nos presdios. Atualmente, cada grama de p vendido nas cadeias do

    estado de So Paulo controlado pelo grupo. Uma investigao conduzida

    pelo Ministrio Pblico revelou que, em mdia, cada unidade do sistema

    prisional consome 1,5 quilo de cocana por ms. So Paulo tem 144

    penitencirias e casas de deteno. Estima-se, portanto, que o PCC

    movimente mais de 200 quilos da droga mensalmente, s nas cadeias. O

    12 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.21. Disponvel em:

    . Acesso

    em: 03 abr. 2013

  • 61

    resultado dessa operao fabuloso: lucro de 2 milhes de dlares a cada

    trinta dias.13

    No bastasse apenas a violncia gerada pela atuao dessas

    organizaes ilcitas dentro dos diversos territrios nacionais, eles geram dois

    outros grandes problemas igualmente complicados de serem combatidos e

    interligados entre si: a corrupo e a instabilidade institucional.

    A corrupo, embora possa no parecer, a maior arma utilizada

    pelo crime organizado e o terrorismo, pois o jeito mais sutil pelos quais essas

    organizaes mantm-se dentro das diversas naes no mundo. E eles utilizam

    essa arma das mais diversas formas possveis, desde financiamento campanha

    de polticos at a compra de membros do judicirio e da polcia, e nas mais

    variadas camadas sociais, desde o policial que atua na rua at o membro do

    legislativo nacional. Obviamente, isso s possvel graas ao dinheiro ganho

    pelo trfico internacional de drogas.

    Associada a corrupo, tanto como um fator causador quanto

    gerado por ela, numa espcie de fluxo vicioso, est a instabilidade institucional.

    Por essa nomenclatura, estou me referindo fragilidade existente nas grandes

    instituies que regem um pas, sobretudo nos pases subdesenvolvidos e em

    desenvolvimento, como o caso dos pases produtores e, em menor medida do

    que esses, do nosso prprio pas, tais como o Executivo, o Legislativo e o

    Judicirio, em todas as suas esferas. Quando o crime organizado e o terrorismo

    esto instalados dentro de um territrio, eles impedem ou, ao menos, dificultam

    o adequado funcionamento do aparato estatal, corrompendo-o desde as suas

    bases, e disputando o poder junto com o Estado.

    Essa disputa tem por efeitos gerar a insegurana social, a prpria

    corrupo, a descrena do povo em suas prprias instituies e, principalmente,

    atrasa o desenvolvimento dessas naes, aumentando ainda mais os mais

    13 PCC: PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL: A pretexto de defender presidiarios, faco domina o narcotrfico nas cadeias, conquista pontos-de-venda de drogas fora das prises e fatura milhes de

    reais. So Paulo: Revista Veja, 10 jul. 2007. Disponvel em:

    . Acesso em: 02 maio 2013

  • 62

    diversos problemas das mesmas. E aqui fica novamente a pergunta: sero as

    drogas mesmo to perversas para justificar tudo isso?

    2.3.5 O Excedente do Sistema Prisional

    No novidade o fato de que a maior parte dos presos nas

    penitenciarias est l por algum tipo de envolvimento com o trfico, em alguma

    das suas trs fases, a produo, a venda ou o consumo. O que talvez seja

    novidade so os nmeros referentes quantidade desse total, os custos

    decorrentes disso, a taxa de reincidncia ou o cometimento de crimes mais

    graves de quem saiu e, principalmente, o impacto, ou melhor, a falta de

    impacto, disso sobre o trfico de drogas e o seu mercado. Nessa parte, pretende-

    se mostrar o alto custo de se manter esse sistema e a grande ineficcia dele no

    combate s drogas.

    Comecemos por analisar um grfico que demonstra a mudana na

    taxa de aprisionamento norte-americano aps a declarao oficial de Nixon de

    guerra s drogas, ato que marcou o incio de fato dessa forte poltica repressiva

    s drogas. O grfico demonstra que a populao carcerria norte-americana

    cresceu 800% em 40 anos:

  • 63

    Figura 23 - Crescimento da populao carcerria norte - americana

    Esses nmeros so realmente assustadores. Se esse ritmo mantiver-

    se, logo teremos uma populao carcerria semelhante populao do lado de

    fora.

    E todas essas pessoas mantidas sob o jugo do poder estatal geram

    custos enormes ao Estado, pois este se torna responsvel por elas. Vejamos

    esses custos. Atualmente, existem 330.000 norte-americanos presos por crimes

    relacionados s drogas, segundo relatrio da Agncia de Justia norte-america.

    Segundo o Vera Institute for Justice, o custo padro nacionalizado por

    prisioneiro de 31.286 d