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1
Andr de Oliveira Navarro
ANLISE DO ATUAL MODELO
PROIBITIVO: A LEGALIZAO COMO
NOVO MODELO
Monografia apresentada no curso de graduao da Faculdade de Direito
de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo, Curso de Direito para concluso do
curso de Direito.
Orientao: Prof. Dr. Vctor Gabriel De Oliveira Rodrguez
Ribeiro Preto
2013
2
Resumo: Esse trabalho tem por objetivo analisar o atual modelo de
drogas mundial para encontrar suas falhas e propor mudanas, adotando duas
vises: uma ampla, estudando o que ocorre no mundo todo, e uma local,
estudando o que ocorre especificamente no Brasil. Parte-se de uma anlise
histrica da evoluo das drogas, desde o seu surgimento at a sua proibio,
demonstrando como o modo de lidar do ser humano para com elas foi se
alterando at ao ponto da total proibio dessas substncias. A partir disso,
passa-se a analisar os resultados da poltica proibitiva que se adotou,
demonstrando que os objetivos desse modelo no foram atendidos; pelo
contrrio, surgiram novos problemas resultantes do modelo adotado, pois ele se
mostrou ineficiente e danoso a toda a sociedade. Constata-se a necessidade de
um modelo mais racional para lidar com esse problema, e que tal modelo passa
necessariamente pela legalizao dessas substncias, que deve ser feita por
meio da regulao econmica de seu mercado. Por fim, faz-se uma anlise das
especificidades brasileiras com relao s drogas, analisando-se a sua
legislao, desde os aspectos constitucionais at os infraconstitucionais,
verificando a existncia tambm de falhas graves nesse aparato, e
demonstrando as iniciativas que esto sendo feitas para alterar-se essa
realidade.
3
Abstract: This paper aims to analyze the current drug world model
to find their flaws and propose changes, adopting two views: a wide, studying
what happens in the world, and a place, studying what occurs specifically in
Brazil. It starts with a historical analysis of the evolution of the drugs, from its
emergence until its ban, demonstrating how the way of human being to deal
with them was being altered to the point of complete ban on these substances.
From this, it goes to analyze the results of the prohibitive policy that was
adopted, demonstrating that their objectives were not met; on the contrary, new
problems arose from this model adopted because it was inefficient and harmful
to the entire society. There is the need for a more rational model to deal with
this problem, and that such a model goes through the legalization of these
substances, which must be done through the economic regulation of their
market. Finally, there is an analysis of the Brazilian specifications in relation to
drugs, analyzing their legislation, since the constitutional aspects to the legal,
also verifying the existence of serious flaws in his system, and demonstrating
the initiatives that are being made to change this reality.
4
Sumrio
Folha de rosto pg.1
Resumo pg.2
Abstract pg.3
Sumrio pg.4
Introduo pg.7
1 Origens histricas das drogas pg. 11
1.1- A maconha pg. 11
1.2- A cocana pg. 13
1.3- A herona pg. 16
1.4- O caminho para a proibio pg. 18
2 A economia das drogas pg. 24
2.1 O funcionamento do trfico pg. 24
2.2 Os instrumentos da poltica proibitiva pg. 33
2.2.1 Instrumentos voltados para a produo pg. 34
2.2.1.1 Erradicao pg. 34
2.2.1.2 O desenvolvimento alternativo pg. 38
2.2.1.3 In-country enforcement pg. 40
2.2.2 Instrumentos voltados para o trfico pg. 41
2.2.2.1 A interdio pg. 41
2.3 Os custos da guerra pg. 45
2.3.1 Os custos financeiros pg. 45
2.3.2 Sade pblica pg. 48
5
2.3.3 Perdas dos camponeses pg. 51
2.3.4 O crime organizado e o terrorismo pg. 54
2.3.5 O excedente do sistema prisional pg. 62
2.4 O consumo de drogas pg. 66
2.4.1 O funcionamento da demanda de drogas pg. 69
2.4.2 Possveis modelos de legalizao pg. 74
3 Questes fundamentais de direito com relao s drogas
pg. 76
3.1 As trs liberdades bsicas: o consumo, a produo e o
comrcio pg. 77
3.1.1 A liberdade de consumir pg. 77
3.1.2 A liberdade de produzir pg. 81
3.1.3 A liberdade de comrcio pg. 83
3.2 A lei anti-drogas brasileira pg. 85
3.3 Iniciativas para alterao do atual panorama legislativo
das drogas pg. 94
3.3.1 O HC 97256/RS e a Resoluo 5/2012 do
Congresso Nacional pg. 95
3.3.2 O projeto de lei 7663/2010 pg. 101
Concluso pg. 107
Referncias Bibliogrficas pg. 111
Anexos pg. 113
6
7
INTRODUO
Quantas vezes ns no ouvimos falar sobre as drogas? Em quase todo
lugar, noticirios, jornais, revistas, internet, encontramos alguma referncia s
drogas, normalmente a tratando como o grande mal a ser combatido, como uma
doena que deve ser eliminada da face da Terra, como um vilo espreita para
atacar nossos filhos. Mas o quanto ns realmente sabemos sobre as drogas? Ns
realmente conhecemos essas substncias to veiculadas na mdia, to combatidas
pelos governos? Ou ns s reproduzimos aquilo que nos dito, sem reflexo crtica
alguma?
O ser humano tem medo do desconhecido, j diria o filsofo. O nosso
medo e preconceito to grande que nos impede de refletir, pesquisar, e s vezes at
mesmo falar sobre o assunto. Chegou-se a tal ponto que nem mesmo aqueles que
querem pesquisar e saber mais sobre as drogas conseguem, pois as restries so
tamanhas que a sua pesquisa se torna impossibilitada. Ao longo do sculo passado,
criou-se uma imagem das drogas to assustadora a ponto de instalar-se um clima de
total terror em torno delas.
Em pouco mais de um sculo, o mundo inteiro declarou uma guerra total
s substncias que chamamos de drogas. Alis, apenas algumas drogas, pois
outras, como lcool e tabaco, so permitidas e legalizadas. E como toda a guerra,
essa tambm faz vtimas a todo o instante. Milhes morrem todo ano em decorrncia
desse combate; outros tantos se encontram encarcerados em virtude de
envolvimento com essas substncias, seja utilizando, seja comercializando.
No entanto, j no fim do sculo XX e principalmente no incio desse
sculo, o mundo comeou a se perguntar se as drogas so realmente o verdadeiro
mal do mundo. Ser que elas so to prejudiciais que justifiquem essa guerra sem
precedentes entre o trfico e o mundo civilizado? Ser que no so exatamente
essa guerra e o sistema proibitivo que geram todas essas mazelas sociais? Se sim,
ento o que fazer?
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O primeiro passo conhecer. Para sabermos, de fato, qual a melhor ao
a ser tomada, preciso primeiro entender no apenas s substncias, mas tambm
todo um contexto social mundial. E isso no uma tarefa fcil.
Como ponto de partida, nada melhor do que entender o que se passou,
atravs de uma anlise histrica de toda essa questo, voltando aos tempos em que
apenas as drogas naturais existiam, e era abertamente utilizada, principalmente a
maconha, a grande droga natural proibida atualmente. Houve um tempo em que essa
erva era utilizada como remdio, e no faz tanto tempo assim. Mas trataremos disso
posteriormente.
Depois, passarei a analisar o surgimento das drogas sintticas, sobretudo
a cocana e a herona, as drogas mais temidas mundialmente. ( Era inteno desse
trabalho tambm tratar do crack, mas devido falta de material de pesquisa, no foi
possvel faz-lo adequadamente.) Demonstrarei que essas drogas, como pode
parecer aquele mais desinformado, no foram criadas por organizaes criminosas
ou por terroristas que queriam destruir o mundo. No, elas foram criadas por
laboratrios farmacuticos para serem utilizada como medicamentos, porm
apresentaram falhas e problemas, sendo descartadas.
Posteriormente, demonstrarei como se deu proibio dessas drogas,
demonstrando o papel primordial desempenhado pelos Estados Unidos nesse feito.
Comearei por desenhar o mapa poltico mundial da poca e os interesses em jogo
entre os diversos atores polticos. Mostrarei como era comercialmente rentvel para
os pases europeus colonizadores do sudeste asitico a comercializao dessas
substncias, sobretudo do pio, de onde derivada a herona. Analisarei como s
duas guerras mundiais mudaram tambm esse panorama, sobretudo devido subida
dos Estados Unidos como uma das superpotncias mundiais. No deixarei passar
tambm os interesses polticos internos norte-americanos que os levaram a ser a
liderana contra as drogas mundial.
Nessa primeira parte, tambm haver uma breve anlise dos mais
importantes tratados internacionais celebrados ao longo do sculo passado em
direo proibio mundial das drogas. Desde os tratados celebrados ainda na
poca da falecida Liga das Naes at aqueles celebrados dentro do mbito da
Organizao das Naes Unidas.
9
Na segunda parte, haver a anlise das substncias em si. Alias, no de
todas, mas apenas das trs mais importantes mundialmente, a maconha, a cocana e
a herona. No h a pretenso nesse trabalho de se dar uma aula de biologia ou
medicina a respeito dessas substncias, at porque seria muita pretenso minha, que
no tenho qualquer formao nessas reas, fazer isso. Porm, tambm no se
possvel deixar isso de lado, pois so elas o tema principal do trabalho, sendo mister
que se conhea a respeito delas. Portanto, darei, da melhor forma possvel, um
panorama, mesmo que superficial, sobre as principais caractersticas dessas drogas.
Estudarei desde o que so, de onde se originam, como so feitas, seus
efeitos, seus males, enfim, as caractersticas mais importantes de cada uma delas, em
separado. Novamente, ser uma anlise superficial, sem riqueza de detalhes a
respeito de aspectos referentes reas das quais no tenho conhecimento.
Diante disso, algum pode se perguntar o porqu de no analis-las
todas de uma vez, ao invs de cada uma em separado. A resposta para isso
bastante simples. Cada uma delas tem suas prprias caractersticas, e uma das falhas
do atual sistema trat-las todas da mesma maneira.
Na terceira parte, haver a anlise econmica do fenmeno das drogas.
Haver o delineamento de como funciona o trfico dessas drogas, a explicao das
causas da enorme dificuldade do combate essa espcie de contrabando, os
incentivos que levam s pessoas a se aventurar nesse ramo.
Explicarei tambm o que leva um pas a ser um fornecedor de matrias-
primas e outro no. Demonstrarei que os fatores que os principais formuladores de
poltica levam em considerao para definir os principais fatores produtivos
normalmente so irrelevantes, mostrando quais, de fato, so os fatores mais
relevantes para tornar um pas produtor.
Analisarei o lado da demanda, demonstrando como essa reage
mudanas de preo e de qualidade, e sobretudo, como negligenciada pelos
criadores de polticas pblicas sobre o tema. Poucos so os pases que tm polticas
de reduo de danos adequadas.
Na quarta parte, demonstrarei que as drogas, seu trfico e seu combate
funcionam num sistema complexo, que tm diversos fatores e agentes, e que
10
portanto, devem ser vistos como tal. Porm, no o que acontece, sendo esses
tratados como sistemas simples pela maioria dos governos mundiais.
Essa a parte principal do trabalho, onde haver a elucidao de que a
simples formulao de leis, sejam proibitivas, sejam permissivas, no bastam para
resolver a questo, pois por ser um sistema complexo, os diversos fatores e agentes
respondem essas mudanas, o que no atualmente levado em considerao na
maioria das abordagens do tema.
Na ltima parte, haver a concluso de tudo o que foi abordado antes,
procurando-se tentar achar alternativas ao sistema atual. nfase no alternativas, pois
no pretenso desse trabalho oferecer uma soluo para esse problema, haja visto a
enorme complexidade do mesmo.
Finalizando essa introduo, duas observaes adicionais sobre algumas
abordagens do assunto.
Primeiramente, devido forte carga negativa dessas palavras, no
chamarei os usurios de drogas de usurios, mas sim de consumidores, assim como
os traficantes de comerciantes, pois uma das bases desse trabalho fazer uma
anlise livre de preconceitos sobre o tema, buscando uma anlise o mais cientfica
possvel.
Por ltimo, esclarecer que o trabalho buscou se basear na melhor
literatura possvel, porm, devido s questes que j foram abordadas e que viro a
serem melhores evidenciadas posteriormente, o material disponvel muito escasso
e as pesquisas ainda no to aprofundadas, j pedindo o devido perdo por
informaes que no sejam dadas ou no to elucidadas.
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Captulo 1 Origens Histricas das Drogas
Nesse captulo, ser apresentado um contexto histrico sobre a
problemtica das drogas. No primeiro momento, iniciarei demonstrando como o uso
das drogas naturais, sobretudo a maconha, era amplamente utilizado em diversas
partes, seja recreativamente, religiosamente ou medicinalmente. Posteriormente,
analisarei o surgimento das drogas sintticas, em especial a cocana e a herona. Na
sequncia, percorrer-se- o caminho que levou adoo do modelo proibitivo ainda
em vigor hoje, dando-se nfase ao papel dos Estados Unidos como a grande
liderana antidrogas mundiais e aos diversos tratados celebrados no perodo.
1.1 A Maconha
A maconha derivada de uma planta cujo gnero denominado
cientificamente como Cannabis, que tm trs variedades diferentes, a mais
famosa Cannabis Sativa, a Cannabis Indica e a Cannabis Ruderalis. Sabe-se que
a Cannabis, a planta por si s, de onde se extrai o cnhamo, existe a milhares de
anos, havendo registros de sua utilizao para fabricao de papel pelos
chineses que datam de 8000 A.C.
O primeiro registro do uso dessa planta como a maconha em si,
com a utilizao de suas propriedades psicoativas, j est registrado no Pen
Tsao, o primeiro tratado sobre ervas medicinais de que se tem registro,
elaborado na China h cerca de 4700 anos, como bem observa BURGIERMAN
( 2011, p. 67).
Maconha serve de remdio desde sempre. O primeiro tratado de ervas
medicinais que se conhece, o Pen Tsao, concebido h 4700 anos na China, j inclui
12
referncia destacada canbis, e h registros de usos mdicos em praticamente todas
as civilizaes antigas.1
A sua utilizao tambm se espalharia para outras partes do mundo, ao longo da
Idade Antiga, como a Grcia, a Prsia e a ndia, diversificando-se o seu uso
para alm do medicinal utilizado em princpio pelos chineses e passando a
desempenhar papis religiosos e ritualsticos.
Um dos relatos mais clebres o do historiador Herdoto, que, no
sculo V antes de Cristo, descreveu o hbito dos Citas, antigo povo do Oriente
Mdio e da sia Central, de, quando um rei morria, se fechar numa tenda de tecido,
aquecer rochas at elas ficarem incandescentes e jogar maconha nas brasas, para
produzir uma sauna psicoativa. 2
Como se pode observar disso, a utilizao da maconha no um
fenmeno recente; ela j vem sendo utilizada a milhares de anos, das maneiras
mais diversas possveis, principalmente medicinalmente ou religiosamente.
Muitos outros exemplos dos seus usos ao longo da histria poderiam ser
citados, mas isso tomaria muito espao desse trabalho e esse no o seu
objetivo. Vlido, no entanto, observar que o seu uso irrestrito, diferentemente
do que poderia parecer primeira vista, relativamente recente, remontando
ainda ao fim do sculo XIX e incio do sculo XX.
Nos Estados Unidos, era bastante comum a utilizao da maconha
pelos imigrantes mexicanos no incio do sculo XX, que a fumavam
abertamente nas ruas sem medo de qualquer tipo de punio ou restrio. No
entanto, devido ao grande preconceito da populao norte-americana, sobretudo
a elite branca, em relao aos estrangeiros vindos da fronteira, a planta passou
tambm a ser to mal vista quanto queles que a utilizavam.
1 (BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criao de um novo sistema para lidar com as drogas. So Paulo: Leya, 2011, p. 67.) 2 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criao de um novo sistema para lidar com as drogas. So Paulo: Leya, 2011, p. 68
13
Nos Estados Unidos, maconha era vista perto da fronteira com
o Mxico desde a Revoluo Mexicana de 1910, quando houve a primeira
onda de imigrao para o norte. Sua reputao no era das melhores, e o fato
de aqueles morenos, quando fumavam, ficarem em rodinhas dando risada de
quem passasse no ajudava muito. J se dizia que ela levava loucura. 3
No Brasil, a parcela da populao que mais utilizava a maconha era
a populao negra e pobre que havia acabado de sair da escravido, o que,
semelhantemente ao que ocorreu nos Estados Unidos, contribua para transferir
o preconceito existente da elite branca com relao a essa classe para a planta.
Era bastante comum a utilizao pelos escravos da maconha para aliviar a
pesada carga de trabalho s quais eram impostos, alm do fato de que era uma
erva bastante utilizada em vrias culturas africanas, sendo o prprio nome
maconha de origem africana, e esse uso continuou mesmo aps a libertao.
Esse panorama, no entanto, alterou-se na dcada de 60, quando o
seu uso espalhou-se para a classe mdia urbana, sobretudo os jovens, no
restringindo-se mais seu uso apenas s classes mais baixas. Eram tempos de
contestao ordem vigente, por um lado, com um forte movimento jovem
questionador nascendo, enquanto de outro, surgia o forte conservadorismo da
ditadura militar:
A partir da dcada dos 60, a represso ao uso da maconha, que era
mais voltada para negros, ndios e pobres dos grandes centros urbanos, se desloca
tambm para a classe mdia. Tempos de rebeldia, rock and roll e anseios de
libertao sexual, os anos 60 contriburam para a difuso da maconha entre jovens
universitrios. 4
1.2 A Cocana
3 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: A maconha e a criao de um novo sistema para lidar com as drogas. So Paulo: Leya, 2011, p. 66 4 GABEIRA, Fernando. A maconha. So Paulo: Publifolha, 2000, pgs. 40 e 41
14
bastante comum acreditar-se que a cocana uma droga recente,
fruto do desenvolvimento tecnolgico, sobretudo da rea farmacutica, vista
nos ltimos dois sculos. No entanto, o seu uso, embora no sendo como nos
moldes atuais, remonta a tempos muito mais remotos.
Os Incas, quase cinco mil anos atrs, j mascavam as folhas de
coca, que so a matria- prima que do origem cocana, visando aproveitar
dos efeitos da substncia. Utilizavam-se da substncia principalmente em
cerimnias religiosas, visando entrar em contato com suas divindades.
Uma lenda diz que o fundador do imprio inca, Manco Capc,
filho do sol, desceu um dia do cu e se dirigiu ao lago do Titicaca para
ensinar os homens a cultivar as terras, e oferecendo-lhe a planta divina, cujas
as folhas, mascadas, faziam recuperar as foras perdidas pela altitude e
trabalho rduo do dia-a-dia. 5
Posteriormente, aps a colonizao espanhola, a coca passou a ser
utilizada como mecanismo de dominao dos nativos no trabalho das minas.
Ela era ministrada pelos espanhis para melhorar o rendimento dos mineiros,
evitando a enorme fadiga decorrente de to pesado trabalho. Chegavam at a
pagar os mineiros com folhas de coca pelo seu trabalho.
Ainda hoje, sobretudo os indgenas e seus descendentes, tm o
hbito de mascar as folhas de coca, sendo algo inerente sua prpria cultura,
decorrentes de todos esses sculos de utilizao dessa prtica. Vrias tentativas
foram feitas para coibir tal prtica, mas todas fracassaram em seus resultados,
sendo a prtica bastante comum nas regies andinas.
5 BARROS, Coca, a folha sagradas dos incas. Em: http://www.altamontanha.com/Colunas/855/coca-a-folha-sagrada-dos-incas. Acesso em: 28 fevereiro 2013
15
A cocana,como a conhecemos, o p branco que deve ser inalado
pelas narinas para gerar seus efeitos, s foi ser criada na metade do sculo XIX.
E diferentemente do que pode parecer, ela no fruto de um ataque terrorista
ou uma conspirao, muito pelo contrrio, ela era a salvao.
Em 1859, o qumico alemo Albert Niemman foi o primeiro a isolar
a cocana da folha de coca para a sua tese de doutorado. Depois da, ela
espalhou-se por toda a Europa e passou a ser abertamente utilizada, tendo
grandes nomes da poca como defensores da sua utilizao, tais como Sigmund
Freud e o personagem Sherlock Holmes.
Ela podia ser comprada em todo e qualquer lugar, e ser utilizada das
mais diversas formas, seja ingerindo, inalando ou at mesmo injetando. Ela era
at mesmo receitada por mdicos como cura de certos males:
A cocana era em breve vendida sem receita em muitas lojas.
At 1916 podia comprar-se no famoso centro comercial londrino Harrods
um estojo chamado Uma prenda de boas-vindas para os amigos da Frente
que continha cocana, morfina, seringas e agulhas para substituio. A
cocana era grandemente usada em tnicos, curas para dores de dentes e
medicamentos patenteados, nos cigarros de coca para alvio garantido da
depresso, e em comprimidos com cocana e chocolate. Um produto que
vendia muito bem, o remdio Ryno contra a febre dos fenos e o catarro
(para quando o nariz est entupido, vermelho e dorido), continha 99.9% de
cocana pura. Os potenciais compradores eram avisados nas palavras da
firma farmacolgica Parke-Davis que a cocana podia tornar o cobarde
corajoso, o silencioso eloquente, e deixar o sofredor insensvel dor. 6
A cocana tambm fazia parte da composio do famoso
refrigerante Coca-Cola, de onde deriva o seu nome, e j era utilizada desde a
sua criao em 1886. Permaneceu como um dos seus componentes at 1903,
quando foi retirada da receita original.
6 Autor desconhecido. COCANA, Em: http://azarius.pt/encyclopedia/33/Coca_na/. Acessado em: 04 de maro de 2013
16
Figura 1- Produto feito com cocana
A cocana era produzida em diversas partes do mundo e, ao
contrrio do panorama de hoje, eram os pases desenvolvidos quem a introduzia
nesses lugares. A folha de coca que antes era cultivada apenas nos pases sul-
americanos, basicamente nos pases andinos, foi levada tambm para o Sudeste
Asitico e outras partes do mundo, cultivada nas colnias das principais
potncias europeias.
1.3 A Herona
Sem dvida, essa uma das drogas, ou talvez at a, mais temida da
atualidade, dada potncia de seus efeitos e a probabilidade de dependncia at
hoje conhecidos. Diferentemente do que se d com outras drogas, seus
consumidores so retratados como pessoas cuja vida est totalmente perdida e
que se encontram totalmente alheios a realidade, algo que encontra base na
17
realidade, porm no inteiramente verdadeiro, mas isso ser abordado
posteriormente.
A herona pertence ao grupo dos opoides, assim como a morfina, o
pio e a codena, sendo sua origem derivada da papoula, comumente cultivada
no Sudeste Asitico:
A herona uma droga do grupo dos opiides, tambm
conhecidos como analgsicos narcticos. Outros opiides como o pio, a
codena e a morfina so substncias naturalmenteextradas da papoula. A
herona derivada da morfina e codena. A herona uma substncia
depressora do Sistema Nervoso Central sendo capaz de alterar as senaes de
prazer e dor. Na sua forma pura, encontrada como um p branco facilmente
solvel em gua. 7
Diferentemente do que usualmente pensado, existem mais formas
de utilizao da herona que vo alm da injeo, muito embora essa seja a
forma mais eficaz e que gera os efeitos mais rpidos, por isso to amplamente
utilizada. Ela tambm pode ser inalada ou fumada, assim como as outras drogas
anteriormente abordadas.
Para retratar a origem da herona, devemos primeiramente resumir
brevemente a origem da morfina, e por consequncia, a origem do pio, drogas
das quais derivou a herona, e que derivaram, por sua vez, da papoula.
O pio no uma droga cujo uso restringia-se ao Oriente, e que foi
trazido ao Ocidente pela colonizao europeia daquela rea. O seu uso remonta
a tempos muito mais remotos da histria humana, e est registrado em diversas
civilizaes ocidentais, como os gregos e os romanos, tanto que o pio de
origem grega e significa suco, chegando at mesmo a estar presente em
algumas tradues da prpria bblia.
7 AUTOR DESCONHECIDO. O QUE ... HERONA, Em: http://psicoativas.ufcspa.edu.br/heroina.html. Acessado em: 12 de maro de 2013
18
Para no me alongar muito na histria do pio e me desviar demais
sobre o assunto, para quem tiver interesse em conhecer mais, recomendo o
artigo especial UMA BREVE HISTRIA DO PIO E DOS PIOIDES, de
Danilo Freire Duarte, que pode ser encontrado em:
http://www.scielo.br/pdf/rba/v55n1/v55n1a15.pdf., de onde retirei as
informaes que apresento aqui.
J a morfina s veio a ser descoberta no incio do sculo XIX,
quando o alemo Friedrich Sertrner conseguiu os princpios ativos do pio. A
morfina ento passou a ser utilizada como o principal analgsico do mundo, e
diferentemente do que acontece hoje, ela era livremente comercializada,
podendo ser encontrada em qualquer farmcia, sobretudo na Amrica do Norte
e na Europa, o que impulsionou em muito a sua popularizao.
Chegando ao que nos interessa mais a fundo, foi apenas nos meados
do sculo XIX, no ano de 1874, que a diacetilmorfina, conhecida popularmente
como herona, foi criada pelo qumico ingls C.R. Wricht. Porm foi apenas
vinte e cinco anos depois que ela chegaria ao pblico, quando Heinrich Dresser,
qumico da farmacutica Bayer, tambm conseguiria a diacetilmorfina. A
droga, ento, foi batizada de herona, acreditando-se que se tornaria um
remdio para curar todos os males, sendo indicada entre outras coisas at para
tosses.
1.4 O Caminho Para Proibio
Para se compreender o processo que levou at a proibio global
das drogas, necessrio antes conhecer o contexto interno dos Estados Unidos
no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Isso porque esse pas foi a
principal liderana desse movimento, fazendo-se mister compreender os fatores
que o levaram a desempenhar tal papel.
19
Nessa poca, diferentemente de hoje, os Estados Unidos eram um
mero coadjuvante na poltica e economia global, apenas assistindo as grandes
potncias imperialistas europeias disputarem a hegemonia entre si. Nesse
ambiente, os neocolonizadores europeus comercializavam e distribuam
livremente as drogas, conforme era de seu interesse. Tambm nessa poca,
ainda no era grande incmodo para os norte-americanos a questo das drogas.
O grande problema interno do perodo era o lcool, pois uma
parcela considervel da populao, sobretudo a parte religiosa, era radicalmente
contrria essa droga. O governo, ento, montou um grande aparato
burocrtico para combater esse problema.
No entanto, no conseguiu-se impedir o uso do lcool pela
populao, e ainda gerou um outro problema muito parecido com o encontrado
atualmente no que se refere s drogas que foi a criao dos gangsteres, os
traficantes do lcool.
O lcool, ento, voltou a ser legalizado e no mais se precisava de
todo esse aparato burocrtico criado para combat-lo. Porm, no podia-se
apenas desmanchar tudo isso, pois isso significaria o desemprego de um
nmero enorme de trabalhadores. Era preciso encontrar-se um novo inimigo
para combater, mais ainda, era preciso criar-se um novo inimigo para combater.
Os Estados Unidos, visando manter toda a burocracia criada com o
combate ao lcool, comeou uma campanha global para a proibio e
eliminao das substncias entorpecentes que viriam a ser chamadas de drogas.
Para tal, diversos tratados e acordos internacionais foram realizados, pois nessa
poca as potncias mundiais eram os pases europeus, maiores comerciantes
dessas substncias, e portanto, maiores interessados.
A primeira grande conferncia mundial iniciada sob a liderana dos
Estados Unidos foi a Conferncia do pio de Shangai, em 1909. Nessa
conferncia, a posio norte-americana era a minoritria, e as discusses
enfatizavam mais a necessidade de regulao do pio do que a sua possvel
proibio. No entanto, nenhum acordo ou tratado foi emanado desse encontro.
20
Ainda assim, foi de grande importncia, pois estabeleceu as bases do dilogo
entre os pases sobre essa problemtica, e sobretudo, aos norte-americanos, que
capitalizaram os resultados desse encontro e conseguiram estabelecer novas
reunies sobre o tema.
Seguindo-se Conferncia de Shangai, deu-se o encontro de Hague
em 1911, de onde originou a Conveno Internacional sobre o pio. Ela
determinou que a necessidade mdica era o nico critrio para a fabricao,
comrcio e uso dos derivados do pio ( herona) e da cocana, exigindo dos
governos nacionais a promulgao de leis para o controle da produo e
distribuio e para restringir os portos pelos quais essas drogas eram
comercializadas. No entanto, exigia-se o consenso para que essa conveno
gerasse efeitos, e nesse encontro, apenas a China, Honduras, Holanda, Noruega
e os Estados Unidos ratificaram a conveno. O consenso s viria a ser atingido
aps o fim da I Guerra Mundial, quando junto ao Acordo de Versalhes pela paz
foi aderida essa conveno, obrigando, dessa maneira, os pases participantes da
guerra a assinarem a conveno para conseguir a paz mundial:
The convention institutionalized the principle that medical
need was
the sole criterion for the manufacture, trade, and use of opiates
and
cocaine. National governments were required to enact
effective laws or
regulations to control production and distribution and to
restrict the
ports through which cocaine and opiates were exported.
Although the
convention was a groundbreaking document, it did not create
mechanisms to oversee implementation of the agreement, nor did it set
targets
21
for reducing the volume of drugs manufactured. It was loosely
worded
and, most problematic of all, could come into effect only if
unanimously
approved. Amid mounting suspicion and enmity between
governments
in the drift toward war in 1914, consensus was dif cult to
achieve, and
only China, Honduras, the Netherlands, Norway, and the
United States
rati ed the convention .8
A prxima segunda grande conveno seria o Agreement
concerning the manufacture of, internal trade in, and use of prepared Opium (
Acordo sobre a fabrio, comrcio interno, e uso do pio preparado), assinado
em Fevereiro de 1925, em Geneva, na Sua, e com entrada em vigor em 1926.
Esse tratado obrigou certificaes compulsria para a importao de drogas e
autorizaes para as exportaes, ou seja, o registro de toda a droga que
entrasse ou sasse nas fronteiras dos pases, limitando basicamente aquisio
de drogas para usos mdicos e cientficos. A maior novidade foi, pela primeira
vez, a entrada na catalogao das drogas de uma planta natural, a Cannabis. No
entanto, essa conveno falhou em atingir os seus objetivos.
Seguindo-se ao acordo anterior, assinou-se a Convention for
Limiting the Manufacture and Regulating the Distribution of Narcotic Drugs (
Conveno para limitar a fabricao e regular a distribuio de drogas
narcticas) em 1931, novamente em Geneva, na Sua, com entrada em vigor
em 1933. A principal inovao desse tratado foi a exigncia de que a
quantidade de drogas que seria fabricada globalmente deveria ser fixada
1- 8 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the
war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.78. Disponvel em:
.
Acesso em: 03 abr. 2013
22
previamente, devendo todos os pases determinarem a quantidade de drogas
necessrias para os seus propsitos cientficos e medicinais para o ano seguinte.
Em 1936, assinou-se a Convention for the Supression of the Illicit
Traffic in Dangerous Drugs ( Conveno para a supresso do trfico ilcito de
drogas perigosas), dirigido ao mercado ilegal, que basicamente impunha
penalidades criminais essa atividade, tendo muito mais um carter simblico
por ser a primeira mensagem dada pelas naes contra o trfico.
Esses foram os principais documentos assinados no perodo entre
guerras relacionados s drogas. Esse perodo ainda marcava um momento em
que os Estados Unidos no eram uma superpotncia mundial, o que significa
dizer que no conseguia impor sua posio pr-proibio sobre os demais
pases. Porm, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a destruio das
principais potncias europeias, esse pas alcana essa posio e passa a dar as
cartas tambm em relao esse tema.
Aps a guerra, os norte-americanos passaram a impor uma srie de
restries aos pases derrotados, restringindo o uso e trfico de drogas nesses
pases; transferiu todas as instituies e organizaes incumbidas da tarefa de
executar os tratados anteriormente assinados para o seu territrio,
principalmente atravs da assinatura do protocolo de Lake Success, no qual as
principais instncias administrativas da antiga Liga das Naes, nas quais
tambm esto includas as referentes ao controle das drogas, para a ONU, e da
transferncia do Permanent Central Opium Board and Drug Supervisory Board,
que faziam o papel de executar os tratados referentes s drogas anteriores, de
Geneva para Washington, numa clara demonstrao de que eles quem
passariam a determinar os rumos das polticas referentes s drogas.
O primeiro grande tratado assinado aps a guerra referente s
drogas foi o Protocolo de Paris, em 1948, que estabeleceu que qualquer droga
responsvel por causar algum mal seria registrada na tabela de drogas
controladas e obrigou os Estados a informar ao Secretrio- Geral das naes
unidas sobre qualquer nova droga desenvolvida potencialmente malfica. Os
norte-americanos tambm tentaram restringir o cultivo de pio, porm por
23
resistncia dos pases consumidores preocupados com a falta de suprimentos
mdicos, foram mal- sucedidos. Mais tarde, em 1953, com o Protocolo do pio,
os Estados Unidos conseguiriam esse objetivo, e obrigariam os pases
produtores a detalharem a sua produo, porm, como esse tratado s entraria
em efeito em 1963 ele no teve efeito prtico nenhum, pois j estaria assinada e
em pleno vigor a Single Convention on Narcotic Drugs ( Conveno nica
sobre Drogas Narcticas).
A Single Convention on Narcotic Drugs ( Conveno nica sobre
Drogas Narcticas), assinada em 1961, consolidou todos os tratados assinados
anteriormente ( nove tratados) sobre a temtica das drogas, introduziu controles
em novas reas e revisou todo o aparato de controle existente.A principal
inovao trazida por esse acordo foi a extenso de todo o sistema de
licenciamento, relatrio, e certificao das transaes de drogas para todas as
matrias-primas das drogas, significando dizer que agora estavam includas no
controle a cannabis e as folhas de coca. Ela tambm reestruturou todo o aparato
de controle existente, visando dar mais efetividade essa conveno.
Em 1971, assinou-se a Convention on Psychotropic Substances (
Conveno sobre Drogas Psicotrpicas), que era endereada s novas drogas
sintticas que estavam surgindo no perodo e no eram contempladas pela
Single Convention on Narcotic Drugs, tais como as anfetaminas, barbitricos e
alucingenos. Ela basicamente estendeu o sistema de controle anterior essas
drogas, pois simplesmente copiava o modelo de 1961.
Finalmente, em 1988, o documento final de combate ao trfico, a
Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic
Substances ( Conveno Contra o Trfico Ilcito de Drogas Narcoticas e
Substncias Psicotrpicas), foi assinado.Ele basicamente fortalecia a
cooperao internacional com o regime de controle, estabelecendo que os
Estados cooperariam e coordenariam iniciativas anti-trfico com as instituies
internacionais competentes; introduziriam uma legislao criminal domstica
para impedir a lavagem de dinheiro e que permitisse a apreenso de bens e
extradies nesse crime.
24
Captulo 2 A Economia das Drogas
Nesse captulo, como o prprio nome sugere, ser feita uma
abordagem e anlise econmica da questo das drogas. Sero analisadas as
rotas preponderantes do trfico; as causas e possveis consequncias de aes
sobre essa atividade, sobretudo na oferta e na demanda; o foco preponderante,
para no dizer unilateral, na questo da oferta, negligenciando-se o lado da
demanda. Tambm tentarei demonstrar o que leva alguns pases a tornarem-se
centros fornecedores de drogas, enquanto outros no o so.
Essa anlise visa demonstrar que o modelo proibitivo adotado
mundialmente no se sustenta nem mesmo do ponto de vista da sua eficincia,
visto que apresenta custos manifestamente enormes enquanto os seus reais
benefcios so muito incertos e de difcil mensurao, havendo diversos dados
demonstrando que o seu custo benefcio baixssimo. No bastasse isso, ele
por si s responsvel por grande parte do problema que acompanham as
drogas, tais como a violncia e o preconceito.
Captulo 2.1 O Funcionamento do Trfico
Nesse subcaptulo, analisar- se brevemente o funcionamento do
trfico de drogas mundial. Aqui ir se demonstrar como as drogas so
distribudas pelo mundo, os principais produtores, consumidores e, sobretudo,
as principais rotas de trfico. Essa anlise no ser feita apenas para
contextualizar o que ser abordado a seguir, mas tambm ajudar a enxergar o
fracasso da poltica proibitiva e j comear a entender alguns motivos que
levaram ao seu fracasso.
25
Primeiramente, deve-se diferenciar os pases produtores dos pases
traficantes das drogas. Os pases produtores so aqueles pases onde a matria-
prima ( cannabis, pio, coca) produzida, podendo ser vendida em essncia ou
at mesmo j transformada, para um intermedirio, esse sim o traficante, que a
enviar para os mercados consumidores, ou seja, os pases desenvolvidos. J os
pases de trfico so aqueles que servem de rota de passagem para essas drogas
em direo aos pases desenvolvidos.
Embora muitos pases no mundo tenham um grande potencial para
a produo de drogas, apenas um nmero muito pequeno desses contam pela
quase totalidade das drogas produzidas, havendo ainda uma grande
especializao quanto ao tipo de droga que cada um deles produz. Quanto
produo de folha de coca, apenas trs pases, Bolvia, Colmbia e Peru,
contam por toda a produo comercial mundial de coca. J quanto ao pio,
atualmente apenas o Afeganisto conta por quase 90% de toda a produo
mundial. Quanto maconha, ela um caso a parte, pois muitos pases tm a sua
produo domstica para essa droga, como o caso do Canad, que
praticamente autossuficiente, e dos Estados Unidos, cuja produo domstica j
chega a mais de 50%. Mesmo assim, o Mxico e o Marrocos so os grandes
responsveis pelo abastecimento do mercado europeu e norte-americano.
26
Figura 2- Principais Fluxos globais de cocana, 2010
Figura 3- Principais Fluxos globais de herona, 2010
27
Quanto aos pases traficantes, o panorama parecido com os dos
produtores. Um nmero bastante pequeno de pases responsvel por grande
parte do trfico ilegal de drogas mundial. No entanto, ao se analisar as
estatsticas sobre apreenses de drogas deve-se tomar cuidado:
As with production, the trafcking of coca and opium involves
a relatively small number of nations. One indicator of which countries are
involved in trafcking is drug seizures, but it requires careful
interpretation.12 Seizures can be driven by production, local consumption,
and
transshipment; nations that experience large seizures but are
neither
producers nor major consumers are likely to be involved in
trafcking to
other countries. It is a one-sided indicator; some transshipment
nationsas a result of either corruption or limited enforcement
effort
may have few seizures. Illustrating the weakness of seizure as
an indicator are the gures for Russia. It constitutes one of the three largest
markets for heroin and serves as a transshipment country for
Eastern
Europe; yet Russia was seizing barely 1 ton of heroin annually
in the
early part of this decade. 9
2- 9 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.74. Disponvel em:
.
Acesso em: 03 abr. 2013
28
A seguir, segue uma tabela das apreenses de cocana no ano de
2010:
Figura 4 Tabela de apreenses de cocana em 2010
Analisando-se essa tabela, percebemos que o maior nmero de
apreenses se deu na Colmbia e nos Estados Unidos, correspondendo a mais
de 50% do total. Focando apenas nesses nmeros, pode-se chegar uma
concluso equivocada de que essas so as principais rotas de trfico
internacional de cocana, quando no o so. Isso porque devemos lembrar que a
Colmbia um dos principais produtores da droga e os Estados Unidos um dos
principais consumidores, razo pela qual esses nmeros so to altos nesses
pases. No caso da Colmbia especificamente, devemos relembrar que l foi
implantado o Plano Colmbia, que enrijeceu o combate s drogas, o que explica
a sua porcentagem ser to maior que a dos outros dois produtores, Peru e
Bolvia.
29
Fazendo-se uma anlise mais profunda, percebe-se que o Panam, e
em menor medida, a Venezuela, a Nicargua, o Equador e a Costa Rica
encontram-se em posies bastante altas na tabela, no sendo nenhum deles
mercados produtores e nem consumidores das drogas, o que indica que eles
funcionam como rotas de trfico para a cocana em direo aos mercados
consumidores, mais especificamente os Estados Unidos, e em muito menor
medida, o prprio Brasil. Na Europa, a cocana entra atravs da Espanha, que
apresenta 4% das apreenses.
Esse nmero tambm indica que a maior parte das apreenses
realizadas se d ainda nos pases produtores ou nos consumidores. Se
pensarmos que a maior parte das pessoas que carregavam essas drogas so
encarceradas, isso significa dizer que as nossas prises esto lotadas de
produtores, consumidores ou pequenos traficantes, enquanto os grandes
intermedirios continuam operando a sua atividade. Isso mais um indicador
do fracasso da poltica proibitiva, pois para o mundo do trfico essas prises
no representam dano algum, enquanto os custos delas para a sociedade so
enormes, mas isso assunto para mais adiante.
Passemos a analisar agora a tabela sobre o pio, matria-prima da
herona:
Figura 5 - Apreenses de pio em 2010
30
Essa tabela mais explicita do que a anterior sobre a cocana, pois
j no primeiro lugar da tabela percebemos a principal rota de trfico da cocana
para o mercado mundial, o Ir, e depois, em uma escala muito menor, o
Paquisto, relembrando que o Afeganisto o principal pas produtor de pio
mundial. Diferentemente do que ocorre com a cocana, percebemos que a maior
parte das apreenses so realizadas na rota do trfico, o que poderia ser um
indicador de que o modelo proibitivo est tendo sucesso relativamente essa
droga. Porm, esses dados de apreenses devem ser comparados com os dados
da quantidade de drogas produzidas para se ter a real percepo do impacto
dessas apreenses no mercado de drogas. No entanto, esses dados so
31
praticamente inexistentes, ou quando existentes, so falhos, o que j indica
outro problema da proibio, que a falta de informao sobre as drogas.
Para analisar a maconha, sero utilizadas duas tabelas, pois a
UNODC diferencia a maconha entre a Cannabis Herb e a Cannabis Resin,
sendo em termos gerais a primeira constituda de flores secas e folhas e a
segunda um slido prensado da resina da planta. Popularmente, a primeira a
marijuana ou o cigarro de maconha como usualmente conhecido e a segunda
o haxixe.
Figura 6 - Tabela das apreenses de Cannabis Herb
32
Figura 7 - Tabela das apreenses de Cannabis resin
A primeira tabela demonstra que o maior nmero de apreenses da
maconha foi realizado no Mxico, um dos principais pases produtores como
33
dito anteriormente e que por fazer fronteira com os Estados Unidos a sua
prpria rota de trfico, e depois nos Estados Unidos, que tambm produz e
consome. Na segunda tabela, percebemos a Espanha em primeiro lugar, pois a
porta de entrada da maconha mexicana para a Europa, e depois o Paquisto, que
funciona como a porta de entrada para o haxixe vindo principalmente do
Marrocos. Depois, vemos em ambas as tabelas apreenses em diversos pases, o
que corrobora a tese de que a produo e o consumo da maconha, seja qual for
a sua variedade, se espalhou pelo mundo todo.
Observando essas tabelas e esses nmeros, pode parecer que a
poltica proibitiva um sucesso, pois as tabelas indicam um nmero enorme de
apreenses. Isso verdade, o nmero de apreenses , de fato, enorme, porm o
que esses nmeros no revelam que elas tm muito pouco impacto no trfico
enquanto tm custos altssimos. justamente isso que passa despercebido, ou
talvez no, pelos nossos criadores de polticas antidrogas. A seguir, analisarei
as principais ferramentas utilizadas no combate s drogas.
2.2 Os Instrumentos da Poltica Proibitiva
Os instrumentos utilizados para o combate s drogas focam
primariamente no lado da oferta, mirando a erradicao das drogas da face da
Terra. Nesse subcaptulo, analisarei as principais ferramentas utilizadas para se
acabar com a produo das drogas. Mostrarei que o lado da demanda
basicamente ignorado, havendo apenas alguns poucos pases que tm polticas
eficientes para a diminuio da demanda e que, muito embora havendo poucos
dados a respeito da real eficcia dessas polticas e tambm devido ao pouco
tempo que elas se encontram implementadas, elas aparentam ter muito sucesso
na diminuio do consumo de drogas do que as suas semelhantes voltadas para
a oferta, alm de apresentar custos muito mais baixos.
34
Essa anlise visa demonstrar o tamanho dos custos que a proibio
gera aos cofres pblicos dos pases sem que exista uma garantia de resultados.
No se sabe ao certo os efeitos que essas ferramentas causam no consumo de
drogas mundiais.
2.2.1 Instrumentos voltados para a produo
Nessa parte, analisaremos as trs estratgias que se voltam ao
combate prpria produo das drogas. Elas so: a erradicao, o
desenvolvimento alternativo e o in country enforcement.
2.2.1.1 Erradicao
A erradicao o instrumento de controle da produo de drogas
mais conhecido por todos. Ela consiste na destruio dos plantios da matria-
prima das drogas, tais como a cannabis para a maconha, a folha de coca para a
cocana e a papoula para o pio herona. Essa operao pode envolver a
utilizao do spray areo, que no o mais recomendado por causar danos
ambientais, ou pode ser feita pelo solo.
Tambm existe a chamada erradicao voluntria, que consiste
em fazer com que os prprios produtores destruam as suas safras. Essa prtica
utiliza-se de mecanismos de coero, como o aprisionamento daqueles que no
cumpram tal exigncia, assim como incentivos financeiros.
A justificativa para o uso de tal prtica , a curto prazo, diminuir a
quantidade de drogas disponveis no mercado e, a longo prazo, desencorajar as
35
pessoas a cultivar tais plantios. Conhecendo agora a justificativa para tal
prtica, passemos a analisar se esses objetivos esto sendo atingidos.
A primeira justificativa a diminuio da quantidade de drogas
disponveis no mercado. Vejamos como se deu essa evoluo com dados do
relatrio mundial de drogas da UNODC ( United Nations Office on Drugs and
Crime):
Figura 8 Produo licita de pio e herona de 2004-2011
36
Figura 9 - Cultivo ilcito de coca
Figura 10 - Cultivo e produo de cannabis
37
Analisando-se a primeira tabela, que expe a produo do pio
herona percebe-se que de 2004 at 2011 houve um aumento da produo do
pio, porm isso no foi seguido pelo aumento na fabricao de herona, que
caiu de 529 toneladas para 469 toneladas. Ainda assim, segundo dados da
prpria UNODC, a rea total de papoula cultivada aumentou de 191.000
hectares em 2010 para aproximadamente 207.000 hectares em 2011. Portanto,
a estratgia de erradicao foi mal- sucedida no que se refere papoula e,
consequentemente, ao pio herona, pois o nmero de hectares da planta
cultivada aumentou, assim como a produo de pio, ainda que a quantidade de
herona produzida tenha cado, pois essa no foi a causa para tal.
Voltando-se agora para a segunda tabela, que se refere folha de
coca, matria prima da cocana, percebe-se que, de fato, a rea cultivada
diminuiu de 210.900 hectares em 2001 para 149.200 hectares em 2010. O ideal
seria se ter os dados referentes cocana efetivamente produzida no perodo,
porm segundo estimativas da prpria UNODC, a produo de cocana tambm
diminuiu depois de atingir os seus picos no perodo 2005 2007,
principalmente por consequncia do plano Colmbia. Por esses nmeros, pode-
se dizer que a erradicao teve certa eficcia no que diz respeito s drogas,
diminuindo a rea cultivada e, aparentemente, diminuindo a quantidade
ofertada das drogas. Deixemos assim por enquanto; posteriormente veremos
quais foram os custos dessa estratgia e os reais efeitos dela sobre o consumo.
Com relao a maconha, a tabela 3 demonstra que houve
erradicao na rea cultivada de maconha mundial. Porm, uma anlise mais
detalhada sobre a tabela, inclusive das notas de rodap, revelam que essa
estimativa, em particular, bastante incerta, haja visto que muitos pases no
tm ou no revelam essas informaes, tornando difcil saber-se ao certo quanta
maconha produzida mundialmente. Porm, a principal dificuldade, como
apontada anteriormente, que a maconha facilmente cultivada
domesticamente e j se tem alguns nmeros que indicam que metade da
produo mundial se d domesticamente. Alm disso, os Estados Unidos
contestam os nmeros apresentados pelo Mxico, afirmando que a produo da
maconha l maior do que a retratada pelos nmeros. Assim sendo, torna-se
38
difcil afirmar quais os efeitos que a poltica da erradicao de cultivos est
tendo no mercado da maconha.
A concluso que se tira dessas tabelas a de que a estratgia da
erradicao s tem tido eficincia no que se refere cocana, principalmente
pelo plano Colmbia. No entanto, veremos posteriormente quais so os custos e
o verdadeiro efeito disso no consumo.
2.2.1.2 O Desenvolvimento Alternativo
O instrumento de controle da produo chamado desenvolvimento
alternativo consiste em um conjunto de programas, desde o financiamento
direto do governo at a concesso de emprstimos a juros abaixo do mercado,
visando incentivar os cultivadores de culturas ilcitas, sobretudo a folha de coca
e a papoula, a adotarem culturas legitimas e lcitas. Semelhantemente
erradicao, porm com uma outra abordagem, essa poltica busca acabar com
os campos cultivados com a matria prima das drogas.
Parece um plano bastante razovel na teoria, porm que na prtica
no tem se mostrado eficiente:
There is little empirical evidence that the rural development
components of AD [alternative development] on their own reduce the amount
of drug crops cultivated. Agriculture, economic and social
interventions
are not seen to overcome the incentive pressure exerted by the
market
conditions of the illicit drug trade. Where reduction in drug
cropping
39
occurs it seems other factors, including general economic
growth, policing, etc., can be identied as contributors to the change that
takes place. 10
Como dito na citao anterior, no h quase nenhum dado emprico
que comprove a efetividade dessa estratgia e, pelo contrrio, h fortes
argumentos contrrios adoo desse plano. O primeiro e mais contundente,
a da alta lucratividade das drogas ilcitas, que por mais incentivos que se deem
aos produtores, impossvel de se igualar, gerando incentivos grandes demais
para se ignorar, fazendo com que aqueles que j produzem continuem a
produzir e potenciais produtores comearem a produzir.
Outro argumento bastante razovel o da especializao do
produtor. Ele se torna to especializado na produo daquela matria prima
das drogas que basicamente essa atividade se torna a nica profisso na qual
o produtor efetivamente bom, e migrar para outra atividade significaria
concorrer com produtores mais experientes e mais especializados naquele
cultivo.
No se pode esquecer tambm que a maioria das matrias primas
das drogas se desenvolvem em praticamente qualquer terreno e condies
climticas, diferentemente da maior parte das culturas legitimas, fator que
tambm contribui como incentivo para a produo de culturas ilcitas. Na
regio dos Andes, por exemplo, devido s grandes altitudes e ao clima inspito,
torna-se muito difcil o desenvolvimento de uma agricultura nessas partes, no
entanto, a folha de coca se desenvolve muito facilmente nessa rea.
Outro fator influenciador a questo cultural, mais especificamente
no caso da folha de coca. Historicamente, na regio dos Andes, as populaes
indgenas j cultivavam essa cultura agrcola, sendo comum mascar-se essas
10 The Independent Evaluation Unit Report, UNODC 2005a APUD KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on drugs.. Washington: Palgrave
Macmillan, 2010, p.114. Disponvel em:
. Acesso
em: 03 abr. 2013
40
folhas, j buscando os efeitos psicotrpicos da coca, assunto j abordado nesse
trabalho.
Diante de todos esses fatores, perfeitamente compreensvel as
razes do desenvolvimento alternativo ser pouco efetivo ou nada efetivo no
controle da oferta de drogas, muito embora tambm no exista nenhum dado
emprico que comprove a no efetividade dessa estratgia.
2.2.1.3 In Country enforcement
A traduo literal dessa estratgia significaria aplicao no pas,
porm na nossa lngua ptria ela no expressa claramente a ideia dessa
estratgia. Poderia- se descrever essa prtica como sendo a interferncia dos
pases desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos, nos pases produtores, para
criar um aparato institucional domstico para combater as drogas, sendo o
maior expoente dessa estratgia o Plano Colmbia.
O principal problema que atrapalha esse tipo de aproximao a
falta de vontade poltica e de integridade, segundo o International Narcotics
Control Strategy Report (INCSR) do Departamento de Estado americano,
citado em
KEEFER, P (ed).; LOAYZA (ed), N. Innocent bystanders:
Developing countries and the war on drugs. Washington, Palgrave Macmillan,
2010, pg. 115.
A falta de vontade poltica se traduz na conivncia por parte do
Estado com o narcotrfico, omitindo-se no combate, por interesses de cunho
poltico, pois muitos traficantes financiam campanhas polticas com o dinheiro
lavado do narcotrfico. Isso faz com que os pases no colaborem com os pases
desenvolvidos para aplicar bem o dinheiro investido no combate produo de
drogas.
41
A falta de integridade se traduz nas fracas instituies polticas e
pblicas do pas, sobretudo nos poderes executivo, legislativo e judicirio,
propiciando que o dinheiro investido pelos pases desenvolvidos para o
combate produo de drogas seja desviado atravs da corrupo, fenmeno
que sabemos ser muito comum aqui na Amrica Latina. Dessa forma, boa parte
do dinheiro que seria para financiar o combate ao narcotrfico desviado e vai
para o bolso de corruptos.
Por esses dois motivos, sobretudo, a in country enforcement
tambm uma estratgia que se mostra falha como as demais que visam o
combate produo de drogas.
2.2.2 Instrumentos Voltados Para O Trfico
Na verdade, a nica estratgia para impedir o trfico realmente a
interdio. Ela consiste basicamente em impedir a entrada das drogas nos
pases consumidores antes delas entrarem nas fronteiras internas, visando dessa
forma desestimular o consumo gerando uma falta de drogas e um aumento de
preo. Vejamos se essa estratgia obtm algum sucesso.
2.2.2.1 A Interdio
A interdio nada mais do que as famosas apreenses de drogas
que se v diariamente nos noticirios e programas de TV. O grande diferencial
que na interdio as drogas so apreendidas no caminho ao pas consumidor,
quando elas esto sendo transportadas do pas produtor para o consumidor.
Como dito anteriormente, elas visam diminuir o nmero de drogas
disponveis e aumentar o preo. Analisemos, ento, se esses objetivos so
efetivamente atingidos para as trs principais drogas analisadas nesse trabalho:
42
Figura 11- Apreenses de cocana 2000 2010
Figura 12 - Apreenses de pio 2000- 2010
43
Figura 13 - Apreenses de Cannabis herb 2000-2010
Figura 14 - Apreenses globais de cannabis resin 2000-2010
44
Observando-se essas tabelas, percebemos que em todas elas houve uma
enorme evoluo do nmero de apreenses do ano de 2000 at 2010, o que pode ser
considerado um indicador de sucesso das apreenses. De fato, a quantidade de
apreenses para cada droga assustador, somando nmeros assustadores. No
entanto, o impacto que ela tem sobre a produo muito pequeno, pois a quantidade
de drogas produzidas ainda mais impressionante, como j demonstrado, nas
tabelas anteriores. Comparemos cada um desses nmeros agora para o ano de 2010.
Iniciemos a comparao com o pio. Em 2010, a estimativa do potencial
de pio que foi produzido alcanou a quantidade de 6995 toneladas, enquanto as
apreenses chegaram 492 toneladas. Segundo dados da UNODC, sabe-se que
dessa quantidade de pio produzida, tornou-se herona cerca de 497 toneladas e das
apreenses de pio cerca de 81 toneladas eram herona. Assim sendo, temos que o
total de pio apreendido chega a cerca de 7% da quantidade total, enquanto a
herona alcana 16%. No entanto, sabe-se que os dados fornecidos de produo
costumam ser menores do que os reais, enquanto os de apreenses costumam ser
mais altos do que os reais. Ainda assim, o impacto baixo.
Em relao maconha, no d para se ter a real dimenso do quanto as
apreenses tm efeito sobre a produo. Primeiro, porque a maioria dos pases no
tm estimativas do quanto de maconha foi produzido internamente, apenas da rea
cultivada. Segundo, porque muito da maconha que produzida, feito
domesticamente, dentro de casa, tornando-se extremamente dificultoso se ter tais
estimativas.
Com a cocana, acontece algo parecido com o que ocorre com a
maconha. No se d para saber a real dimenso do impacto das apreenses sobre a
cocana porque as apreenses no levam em considerao a pureza da cocana, no
diferenciando a cocana com 100% de pureza das outras substncias, enquanto as
estimativas de produo da cocana so feitas com base na cocana com 100% de
pureza. Portanto, qualquer tentativa de se ter a porcentagem do impacto da cocana
acabaria por produzir provavelmente um resultado fraco.
Esse mais um dos argumentos utilizados para defender o fim da
proibio das drogas, pois um processo de legalizao permitiria um maior
45
conhecimento da real dimenso do problema das drogas, pois seria mais fcil se
conseguir dados mais exatos e fieis com um mercado lcito.
2.3 Os Custos da Guerra s Drogas
Nesse subcaptulo, analisaremos quais so os reais custos do modelo
proibitivo para a sociedade, incluindo primeiramente os custos mais visveis,
sobretudo aqueles que se relacionam efetivamente com os custos dos pases para
adotar tal postura, e posteriormente, os custos menos visveis, mais precisamente os
graves danos colaterais que tal postura gerou.
Com isso, pretende-se demonstrar que os males gerados pela poltica
proibitiva so grandes demais e so, comparativamente, muito melhor conhecidos
do que os reais benefcios da mesma.
2.3.1 Os Custos Financeiros
A poltica proibitiva das drogas gera custos oramentrios aos pases
enormes, alcanando nveis assustadores. Em todo mundo, os pases, impulsionados
pela presso dos pases desenvolvidos para acabar com o consumo de drogas em
seus territrios, gastam grandes quantias nas polticas descritas anteriormente.
Apenas os Estados Unidos gastou 1 trilho de dlares nos ltimos 40 anos desde que
comeou guerra as drogas, segundo levantamento feita pela Associated Press:
46
Figura 15 - Aumento de gastos no combate s drogas
Embora seja o principal financiador dessa guerra, ele no o nico
pas a gastar imensas quantias para tal objetivo. Todos os outros pases do
mundo despejam grandes quantidades de seus oramentos com o objetivo de
travar esse combate contra o trfico e as drogas.
No Brasil, os dados oficiais do Funad registram entre 2000 e 2011
um gasto de 317 milhes de reais no combate s drogas, como demonstra a
tabela abaixo:
47
Figura 16 - Gastos brasileiros no combate s drogas
No entanto, observando a tabela dos gastos norte-americanos ao
longo dos anos, percebemos que a maior parte de seus gastos esto direcionados
ao Law enforcement e a interdiction, ou seja, mirados na produo,
enquanto uma parte bem menor investida treatment and prevention, ou
seja, so investidos no lado da demanda.
Todo esse investimento voltado para um objetivo a curto prazo, o
de elevar o preo das drogas e, com isso, desestimular o seu consumo. No
entanto, as drogas nunca estiveram to baratas. Segundo dados da UNODC, em
1990 a grama da cocana nos Estados Unidos custava 278 dlares, enquanto em
2010, depois de todo esse dinheiro investido, custa apenas 169 dlares e a
48
grama da herona custava 1031 dlares a grama em 1990 contra 450 dlares em
2010. Isso revela que o preo das drogas, a despeito de todo o investimento
para diminuir a produo, o que vem sendo conseguido, s tem diminudo, no
havendo o desestmulo ao consumo desejado.
Um estudo realizado por uma ONG britnica chamada Transform
Drug Policy, em 2009, revela que a legalizao das drogas resultaria numa
economia de 20 bilhes de dlares ao governo britnico, segundo matria
publicada no Jornal do Brasil em 8 de abril de 2009.
Portanto, torna-se evidente que os gastos realizados no esto
atingindo os seus objetivos, e uma poltica pblica efetiva aquela que atinge
ao que se prope. No falarei sobre os efeitos disso no consumo nessa seo,
pois isso ser analisado posteriormente, mas j adianto que tambm no tem
tido os efeitos desejados no consumo.
Os custos financeiros no so os nicos tipos de custos gerados pela
poltica proibitiva, s so os mais evidentes. Podemos dizer que existem outros
to graves quantos menos perceptveis aos nossos olhos. Esses seriam os custos
com a sade pblica, perdas de camponeses e o encorajamento do crime
organizado.
2.3.2 Sade Pblica
A primeira vista, pode parecer que a proibio no gera impactos
negativos sobre a sade pblica, muito pelo contrrio, de que ela colaboraria
para a diminuio dos gastos de sade pblica referente s drogas, uma vez que,
em tese, de forma indireta, estaria diminuindo o consumo de drogas. No
entanto, essa diminuio no vem ocorrendo e novos problemas, causados por
externalidades negativas geradas pela proibio, vm sendo gerados.
O primeiro desses problemas o medo dos usurios em procurar
a ajuda das autoridades pblicas, pois existem pases nos quais o uso das drogas
49
ainda criminalizado, embora essa no seja a tendncia atual, e nos quais o uso
j descriminalizado, ainda existe um preconceito e ignorncia muito grande
com relao aos ditos usurios, que os cobe de procurar tratamento por
temor das repercusses disso dentro, por exemplo, da sua famlia e do seu
trabalho. Isso intensifica ainda mais os males de sade gerados por essas
substncias naqueles que as utilizam, contribuindo para uma intensificao da
dependncia e um maior nmero de mortes.
Alm desse medo, por serem renegados a marginalizao pelo
sistema proibitivo, os consumidores de drogas acabam contraindo doenas
decorrentes da qualidade das drogas que utilizam ou da falta de saneamento do
ambiente e dos instrumentos das drogas. O primeiro caso o famoso exemplo
das famosas misturas feitas pelos traficantes nas drogas, repassando-a muitas
vezes com substncias altamente txicas, muito mais danosas do que a prpria
droga. O segundo caso pode ser exemplificado pelos usurios de herona que
compartilham as mesmas seringas e acabam contraindo doenas como o HIV e
a hepatite, mais letais do que a prpria overdose.
Tudo isso contribui para que, no momento que o usurio busque o
tratamento, a sua sade esteja to debilitada que os custos tornem-se maiores do
que seriam se esses tivessem procurado ajuda logo no incio do seu consumo ou
no tivessem sido expostos condies to adversas. E a que aparece a
segunda parte do problema da proibio. Quem financia esses gastos? De onde
os governos tiram o dinheiro para cobri-los? Esse dinheiro sai da receita
oramentria que, fosse outro o modelo aplicado questo das drogas, no
teriam nada a ver com esse problema e acabam tendo que ser desviados de
outras funes para serem aplicados nessa questo.
Portanto, alm da proibio intensificar o problema de sade
pblica relacionado s drogas, gerando mais custos ao Estado, ele ainda impede
que se possa tirar qualquer tipo de receita com as drogas capazes de financiar
todos esses gastos, tendo que desviar um grande montante de seu oramento
para essa finalidade. Um sistema mais racional, com uma regulao bem
pensada e montada, provavelmente poderiam resolver, ou pelo menos amenizar,
essa questo.
50
Em pases subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o
nosso, os efeitos sobre a sade pblica so ainda mais sentidos, pois com
oramentos menores e/ou problemas estruturais e institucionais, esses custos
impactam em muito o oramento.
Os dados a seguir demonstram que os custos das drogas ilcitas
sade pblica norte americana so mais de 161 bilhes de dlares por ano:
Figura 17 - Gastos de sade pblica norte americanos
Segundo o relatrio do I Frum Nacional Antidrogas, os gastos de
sade pblica com substncias entorpecentes no Brasil, isso tambm contando o
lcool e o tabaco, chegaram a ser estimados em 28 bilhes de dlares em 1998,
ou seja, 7,9% do PIB na poca por ano. Embora seja uma estimativa j
ultrapassada, ela bem demonstrativa.
51
2.3.3 Perdas dos Camponeses
Essa consequncia mais especfica, sobretudo, dos pases
produtores de drogas, como a Bolvia, Colmbia e Peru no caso da cocana e o
Afeganisto no caso do pio, pois so os seus fazendeiros principalmente que
sofrem as maiores perdas decorrentes da guerra s drogas. Porm, isso tambm
pode ser estendido para os demais cultivadores, sobretudo no caso da maconha,
cujo cultivo espalhado por todo o globo. E por que h a perda? Se os
incentivos para o plantio de substncias ilcitas so to altos, gerando lucros
astronmicos, no deveriam esses produtores estar enriquecendo e fazendo
fortuna?
Pelo contrrio, eles acabam no usufruindo dessa renda que poderia
elevar o seu padro e qualidade de vida e a razo muito simples. Isso acontece
porque, pela natureza ilcita da atividade e dos riscos desenvolvidos para o seu
comrcio, a maior parte da renda e dos lucros so transferidos para o
intermedirio, o traficante. E o motivo simples; esse intermedirio quem
assume os maiores riscos da atividade, pois ele quem pratica o ato de
comrcio, ele quem sofre o risco de ser preso ou at mesmo morto.
No bastasse essa transferncia, esses produtores sofrem ainda mais
dificuldade por causa da proibio dessa atividade. Em decorrncia dos
instrumentos de controle mirados, sobretudo para o lado da oferta, sendo o
principal a erradicao dos plantios, eles acabam convivendo com o risco
permanente de ter toda a sua plantao exterminada do dia para a noite e no ter
capital para restabelec-la, uma vez que no existe seguro contra essas perdas,
dada a natureza ilcita da atividade e os produtores so pobres demais para
comear de novo, uma vez que a maior parte da renda fica com o traficante:
Even if eradication efforts are unsuccessful in reducing
consumption in
rich countries, they still impose losses on farmers who cultivate
poppies
52
or coca. Those farmers do not have access to insurance against
losses
resulting from eradication, and they are too poor to self-insure.
Moreover,
eradication tends to target entire areas, so that any informal
safety-net
arrangements between farmers break down. For eradicated
farmers,
such losses could, therefore, be catastrophic. 11
Para piorar, quando isso acontece, a quem o fazendeiro pode
recorrer para se restabelecer? O governo? O governo, normalmente, no est
preocupado com a situao, muito pelo contrrio, o v como um dos causadores
do seu problema. S existe uma pessoa que realmente se interessa pela
continuidade de sua atividade, e esse o traficante. Nesse momento, ele investe
todo o capital que ganhou com a atividade ilcita junto ao produtor, para que
esse continue com a sua atividade, colocando-o inteiramente sua disposio e
controle, uma vez que este tornasse dependente dele. Assim, se cria um grande
ciclo vicioso. O produtor planta a matria prima da fabricao das drogas ao
traficante por preos mnimos, uma vez que no tm outras opes de clientes
alm deles, que leva aos mercados consumidores dos pases desenvolvidos a
droga pronto, vendendo-a e conseguindo lucros exorbitantes, enquanto o
aparato proibitivo chega e destri toda a plantao do produtor. O traficante,
novamente, aparece em cena, empresta o dinheiro ao produtor, que volta
novamente a produzir e tm-se novamente o mesmo ciclo, com cada vez mais
prejuzos ao produtor, mais gastos aos governos e mais ganhos ao traficante.
A tabela a seguir exemplifica essa diferena de ganhos,
demonstrando as diferenas de preo ao longo da cadeia de distribuio:
1- 11 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the
war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.16. Disponvel em:
.
Acesso em: 03 abr. 2013
53
Figura 18 - Preo cocana e herona por kilograma de meados da dcada de 90 e
2000
Portanto, o que se percebe , na verdade, que os instrumentos da
poltica de controle anti-drogas empregados mundialmente, sobretudo a
erradicao, no atingem aquele a quem se propem, o traficante, mas sim os
sujeitos nos patamares mais baixos da cadeia de produo e distribuio, que
so os produtores, diminuindo a sua qualidade de vida, aumentando a
desigualdade social e, principalmente, colocando-o naquele ciclo vicioso
demonstrado anteriormente. Para piorar, torna a atividade do traficante ainda
mais lucrativa, uma vez que aumenta os riscos dos negcios; coloca os
produtores sob a esfera de domnio desses e enfraquece cada vez mais os
prprios governos dos pases produtores, uma vez que gera custos cada vez
maiores a esses.
Se uma poltica pblica que no atinge os seus objetivos um
fracasso, o que poder ser dito de uma poltica pblica que piora ainda mais o
54
problema para o qual foi criada? Uma mudana se faz necessria e
extremamente urgente, sob o risco de cada vez mais criar-se um problema mais
difcil de se controlar, pois como ser demonstrado a seguir, toda essa renda do
trfico vai para algum lugar, o crime organizado e o terrorismo. Esses so
problemas ainda mais assustadores do que as prprias drogas, pois geram
violncia, corrupo e instabilidade social e, nada surpreendente, tm uma
grande contribuio da poltica proibitiva global atual.
2.3.4 O Crime Organizado e o Terrorismo
Tanto o crime organizado quanto o terrorismo necessitam para a
sua sobrevivncia de uma atividade econmica para financi-lo e, normalmente,
por suas prprias caractersticas de serem ilegais por si s, nada melhor do que
uma atividade ilcita para tal feito. E o trfico de drogas perfeito para tal,
alis, ele muito mais do que perfeito porque melhora a prpria estruturao e
organizao de ambos.
E por que eu digo que melhora a estruturao e a organizao de
ambos? Digo isso porque para se organizar qualquer tipo de instituio, faz-se
necessrio criar uma cadeia hierrquica e de comando, baseada em relaes de
poder da sua base at o seu topo. E como se constri essa relao de poder? Ela
se constri economicamente, atravs de quem domina mais os meios de
produo e, por conseguinte, tira os maiores proveitos disso. Transferindo esse
conceito para os casos do crime organizado e o terrorismo, em termos de
atividades ilcitas, no fosse o trfico de drogas, muito dificilmente, no caso do
crime organizado mais certamente do que no do terrorismo, essas organizaes
conseguiram se estruturar, pois o mercado das drogas um mercado enorme a
ser explorado que supera em termos de lucratividade qualquer outro tipo de
atividade criminosa, como roubos ou sequestros. Isso significa dizer,
basicamente e resumidamente, que o que sustenta as duas organizaes o
trfico de drogas e de que elas muito dificilmente conseguiriam manter-se sem
essa atividade. Note-se que aqui no est se defendendo que elas deixaro de
55
existir com a simples legalizao das drogas, mas sim de que esse um dos
passos, num conjunto de medidas bastante complexo envolvendo diversos
fatores, para vencer o crime organizado e o terrorismo.
E a recproca tambm verdadeira. Da mesma maneira que o crime
organizado precisa do trfico de drogas para se sustentar, esse tambm precisa
do crime organizado ( quando disser crime organizado a partir de agora,
tambm estarei colocando junto o terrorismo). E o motivo simples: por estar
na ilicitude, o trfico para manter-se necessita usar de violncia e da corrupo,
precisa de armas e proteo, precisa adentrar o submundo do crime e da
marginalidade, pois se assim no fosse, essa guerra estaria ganha h muito
tempo. Isso to verdadeiro que h dois exemplos bastante claros que
demonstram como atualmente praticamente impossvel distinguir a figura do
traficante da do integrante de uma organizao criminosa ou terrorista.
O primeiro exemplo as FARC ( Foras Armadas Revolucionrias
da Colmbia), que comeou como uma organizao revolucionria visando
derrubar o governo colombiano e tornou-se um grupo rebelde criminoso. Ao
mesmo tempo em que surgiam as FARC, esse pas j era o principal produtor
da folha de coca mundial. Porm, mesmo embora a Colmbia j fosse o grande
produtor de folha de coca mundial, os primeiros grandes cartis do trfico
colombiano s surgiram a partir da dcada de 70. As FARC, curiosamente,
surgiram em 1964. Para visualizar ainda mais essa relao, basta olhar o mapa
da atuao das FARC e do plantio de coca no mapa colombiano. exatamente
a mesma rea:
Figura 19 - rea de Atuao das FARC
56
57
Figura 20 - rea de cultivo de coca 2006
58
O segundo exemplo, ainda mais demonstrativo, o caso do pio no
Afeganisto. Esse pas, como j demonstrado nesse trabalho, disparado o
maior produtor de pio mundial e, paralelamente, tambm o quartel general
de um, seno o maior, dos maiores organismos terroristas mundiais, a Al
Qaeda. Os terroristas, juntamente com os traficantes, exploram os lucros dessa
atividade e se financiam com a receita advinda dali. Eles oferecem proteo,
enquanto os traficantes oferecem o seu know how e a sua rede de distribuio,
ali includa principalmente as rotas comerciais:
Figura 21 - Cultivo da papoula no Afeganisto - 2002
59
Figura 22 - rea de atuao do Taliban
Note-se que a rea de atuao permanente do Taliban corresponde
exatamente s reas de cultivo da papoula dentro do territrio afego no ano de
2002. Embora os dados sejam de 2002, eles permanecem demonstrativos da
interligao que existe entre a atividade terrorista e o trfico de drogas.
Essas organizaes valem-se, sobretudo da violncia para atingir os
seus fins, causando grande insegurana pblica nos territrios nacionais em que
ocupam. E no poderia ser diferente, dada a sua natureza ilcita, pois devido ao
combate sofrido pelo trfico por parte das diversas polcias nacionais, algumas
vezes chegando at mesmo ao uso de foras militares, ele precisa revidar da
mesma forma, com violncia. E o que pior, quanto mais intenso fica o
combate direto, com uso da violncia estatal, mais forte tambm fica a
violncia com o qual o trfico revida, tornando verdadeira aquela mxima de
que violncia s gera violncia Ns, aqui no Brasil, conhecemos bem essa
realidade, pois a vivenciamos diariamente:
60
The two most powerful organized crime groups with clear links
to
drug trafcking in Brazilthe Red Command (CV) and the
First Command of the Capital (PCC)have coordinated simultaneous
rebellions
in as many as 29 different prisons and maintained effective
control of
certain slums and poorer areas. Assassinations of police
ofcers, members of the judicial system, and authorities of the prison system
are regular tactics of these groups.12
Em reportagem de 10/01/2007, a Revista Veja publicou um artigo
intitulado PCC: Primeiro Comando da Capital: A pretexto de defender
presidirios, faco domina o narcotrfico nas cadeias, conquista pontos- de-
venda de drogas fora das prises e fatura milhes de reais, escrita por Fbio
Portela, em que estima que o PCC lucre dois milhes de reais por ms s com o
trfico de cocana nas cadeias. No existe nada com taxa de retorno to alta:
A venda de cocana o negcio mais lucrativo do mundo do
crime. Um quilo da droga, avaliado em 5.000 dlares em So Paulo, rende
15.000 dlares quando vendido no varejo. Nenhum investimento financeiro
tem taxa de retorno semelhante. O traficante tambm se expe a menos riscos
do que um assaltante de bancos, por exemplo. O PCC monopolizou a venda
da droga nos presdios. Atualmente, cada grama de p vendido nas cadeias do
estado de So Paulo controlado pelo grupo. Uma investigao conduzida
pelo Ministrio Pblico revelou que, em mdia, cada unidade do sistema
prisional consome 1,5 quilo de cocana por ms. So Paulo tem 144
penitencirias e casas de deteno. Estima-se, portanto, que o PCC
movimente mais de 200 quilos da droga mensalmente, s nas cadeias. O
12 KEEFER, P; LOAYZA, N (Ed.). Innocent bystanders: .: Developing countries and the war on drugs.. Washington: Palgrave Macmillan, 2010, p.21. Disponvel em:
. Acesso
em: 03 abr. 2013
61
resultado dessa operao fabuloso: lucro de 2 milhes de dlares a cada
trinta dias.13
No bastasse apenas a violncia gerada pela atuao dessas
organizaes ilcitas dentro dos diversos territrios nacionais, eles geram dois
outros grandes problemas igualmente complicados de serem combatidos e
interligados entre si: a corrupo e a instabilidade institucional.
A corrupo, embora possa no parecer, a maior arma utilizada
pelo crime organizado e o terrorismo, pois o jeito mais sutil pelos quais essas
organizaes mantm-se dentro das diversas naes no mundo. E eles utilizam
essa arma das mais diversas formas possveis, desde financiamento campanha
de polticos at a compra de membros do judicirio e da polcia, e nas mais
variadas camadas sociais, desde o policial que atua na rua at o membro do
legislativo nacional. Obviamente, isso s possvel graas ao dinheiro ganho
pelo trfico internacional de drogas.
Associada a corrupo, tanto como um fator causador quanto
gerado por ela, numa espcie de fluxo vicioso, est a instabilidade institucional.
Por essa nomenclatura, estou me referindo fragilidade existente nas grandes
instituies que regem um pas, sobretudo nos pases subdesenvolvidos e em
desenvolvimento, como o caso dos pases produtores e, em menor medida do
que esses, do nosso prprio pas, tais como o Executivo, o Legislativo e o
Judicirio, em todas as suas esferas. Quando o crime organizado e o terrorismo
esto instalados dentro de um territrio, eles impedem ou, ao menos, dificultam
o adequado funcionamento do aparato estatal, corrompendo-o desde as suas
bases, e disputando o poder junto com o Estado.
Essa disputa tem por efeitos gerar a insegurana social, a prpria
corrupo, a descrena do povo em suas prprias instituies e, principalmente,
atrasa o desenvolvimento dessas naes, aumentando ainda mais os mais
13 PCC: PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL: A pretexto de defender presidiarios, faco domina o narcotrfico nas cadeias, conquista pontos-de-venda de drogas fora das prises e fatura milhes de
reais. So Paulo: Revista Veja, 10 jul. 2007. Disponvel em:
. Acesso em: 02 maio 2013
62
diversos problemas das mesmas. E aqui fica novamente a pergunta: sero as
drogas mesmo to perversas para justificar tudo isso?
2.3.5 O Excedente do Sistema Prisional
No novidade o fato de que a maior parte dos presos nas
penitenciarias est l por algum tipo de envolvimento com o trfico, em alguma
das suas trs fases, a produo, a venda ou o consumo. O que talvez seja
novidade so os nmeros referentes quantidade desse total, os custos
decorrentes disso, a taxa de reincidncia ou o cometimento de crimes mais
graves de quem saiu e, principalmente, o impacto, ou melhor, a falta de
impacto, disso sobre o trfico de drogas e o seu mercado. Nessa parte, pretende-
se mostrar o alto custo de se manter esse sistema e a grande ineficcia dele no
combate s drogas.
Comecemos por analisar um grfico que demonstra a mudana na
taxa de aprisionamento norte-americano aps a declarao oficial de Nixon de
guerra s drogas, ato que marcou o incio de fato dessa forte poltica repressiva
s drogas. O grfico demonstra que a populao carcerria norte-americana
cresceu 800% em 40 anos:
63
Figura 23 - Crescimento da populao carcerria norte - americana
Esses nmeros so realmente assustadores. Se esse ritmo mantiver-
se, logo teremos uma populao carcerria semelhante populao do lado de
fora.
E todas essas pessoas mantidas sob o jugo do poder estatal geram
custos enormes ao Estado, pois este se torna responsvel por elas. Vejamos
esses custos. Atualmente, existem 330.000 norte-americanos presos por crimes
relacionados s drogas, segundo relatrio da Agncia de Justia norte-america.
Segundo o Vera Institute for Justice, o custo padro nacionalizado por
prisioneiro de 31.286 d