Upload
angela-tereza-lucchesi
View
32
Download
21
Embed Size (px)
DESCRIPTION
DROGAS: A CULTURA DO PROIBICIONISMO E ASPECTOS ACERCA DA LEGALIZAÇÂO
Citation preview
Faculdades de CampinasCurso de Direito
JOÃO VICTOR MINGORANCE DA SILVA
DROGAS: A CULTURA DO PROIBICIONISMO E ASPECTOS ACERCA DA LEGALIZAÇÂO.
Campinas2014
Faculdades de CampinasCurso de Direito
JOÃO VICTOR MINGORANCE DA SILVA
DROGAS: A CULTURA DO PROIBICIONISMO E ASPECTOS ACERCA DA LEGALIZAÇÂO.
Monografia apresentada às Faculdades de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Maurides de Melo Ribeiro.
Campinas
2014Ficha Catalográfica
Si38dSilva, João Victor Mingorance da. Drogas : a cultura do proibicionismo e aspectos acerca da legalização / João Victor Mingorance da Silva. – Campinas: [s.n.], 2014. 34 f.
Orientador: Maurides de Melo Ribeiro.Monografia – Faculdades de Campinas, Curso de Direito.
1. Drogas. 2. Políticas Públicas. 3. Legalização. 4. Saúde Pública. 5. Redução de danos. I. Ribeiro, Maurides de Melo. II. Faculdades de Campinas, Curso de Direito. III. Título.
CDD: 362.2988
Faculdades de Campinas
Curso de Direito
Monografia intitulada como “DROGAS: A CULTURA DO PROIBICIONISMO E
ASPECTOS ACERCA DA LEGALIZAÇÃO” de autoria do graduando João Victor
Mingorance da Silva, (aprovado pela banca examinadora constituída pelos seguintes
professores):
______________________________
Prof. Mestre Gustavo E. Dias Canavezzi (convidado)
_______________________________
Prof. Doutor Maurides de Melo Ribeiro (orientador)
17 de outubro de 2014.
À minha querida família: Maria de Lourdes, Maysa e Altemar.
Ao meu sábio orientador, por me mostrar um saber criminológico e humanitário.
Aos membros do LEIPSI.
AGRADECIMENTOS
Gostaria, de forma sincera, agradecer ao Prof. Dr. Maurides de Melo Ribeiro por ter plantado a semente do interesse pela ciência criminal, incentivando - quando com insegurança disse que tinha interesse em estudar as drogas -, desde aquele dia, o estudo sobre tal seara. Foi por meio do estudo e do contato com usuários de drogas que pude compreender – em analogia a Francesco Carnelutti – “as misérias da política criminal” que são direcionadas às drogas, com raras exceções que se mostram compatíveis ao conceito de um Estado Social e Democrático de Direito.
Aos meus pais, Maria de Lourdes Mingorance e Altemar Abreu da Silva, pelo indiscutível apoio em relação aos estudos jurídicos, aos ensinamentos de como lidar com a vida e pelo amor. A distância entre nós durante as semanas causa muita saudade.
À Andreia, pela amizade e companheirismo, pessoa que tem me ensinando muito sobre a mim mesmo de como cuidar das pessoas de quem queremos bem;
À Defensoria Pública de Campinas, em especial, aos Defensores Alexandre Grabert e Luís Carlos Rocha Guimarães, que me recepcionaram de forma muito amigável, sem deixar de cobrar a seriedade requerida por quem desempenha a função de Defensor Público. São exemplos a serem seguidos como pessoas e profissionais;
À Mestre e amiga Helena Tanikawa pela sincera amizade incondicional e pelas precisas orientações acadêmicas;
À Ana Carolina Romero, que desde o início da faculdade demonstrou ser uma amiga pra vida toda;
Ao José Viriato, pela amizade imensurável;
Ao Pedro Henrique Faria, que contribuiu muito para este trabalho, por sua boa amizade e auxílio no saber antiproibicionista;
À Fernanda do CEPE, por inquestionável ajuda no decorrer da vida acadêmica;
Aos demais amigos, pela tolerância em relação às constantes, mas necessárias abdicações de minha parte.
“Eles querem acabar com a violência, mas a paz é contra a lei e a lei é contra a paz”.
Gabriel Pensador – Cachimbo da Paz.
RESUMO
A presente monografia tem por assunto a temática das drogas, cuja moção
desloca-se em meio às origens do proibicionismo, comentários à Lei 11.343/2006 e a
princípios ínsitos pertencentes a um Estado Social e Democrático de Direito, os quais
estão intimamente relacionados à Constituição de 1.988.
Nesse sentido, o estudo sobre drogas necessita, obrigatoriamente, de uma analise
histórica a respeito do seu contato com a humanidade, em suas mais variadas formas e
camadas sociais.
O desafio do presente estudo está em demonstrar, sob a perspectiva jurídica e de
demais ciências, a forma como o tem sido tratada a temática “drogas”, no sentido de
justificar, para a construção de uma sociedade compatível ao conceito de Estado Social
e Democrático de Direito, a necessidade da legalização das drogas.
Assim, a metodologia a ser utilizada corresponde ao uso de variadas obras
acadêmicas sobre drogas, além de análise de estudos jurídicos, sociais e, também, de
como a jurisprudência tem lidado com a temática “drogas”.
Palavras-chaves: Drogas, Políticas Públicas, Legalização, Saúde Pública,
Redução de Danos.
.
ABSTRACT
This study have for subject the matter of drugs, whose issue moves amid against
prohibition - scientifically justified - and the principles belonging to a social and
democratic state, which are closely related to the 1988 Constitution.
Thus, the study of drugs requires, necessarily, a historical analysis about the use,
in its various forms and social layers.
The challenge of this study is to demonstrate, in the legal and scientific
perspective the way the issue has been dealt drugs, choosing to build a society
compatible with the concept of Social and Democratic State of Law for the
decriminalization and legalization of drugs.
Thus, the methodology to be used corresponds to the use of various academics
works about drugs, and analysis of legal, social, and also issues of case law related
directly or indirectly studies on drugs.
Keywords: Drugs, Public Policy, Legalization, Public Health, Harm Reduction.
SumárioINTRODUÇÃO.............................................................................................................................11
1. O QUE É DROGA?...............................................................................................................12
1.2 Traços históricos sobre drogas: cultura, uso, dependência e o proibicionismo...............12
2. DA LEI 11.343/2006 – OBJETIVOS DA LEI E SUA VINCULAÇÃO AO PODER EXECUTIVO......17
2.1 Bem jurídico tutelado na Lei 11.343/2006.......................................................................18
3. CONTROLE OU REPRESSÃO DAS DROGAS?.........................................................................22
3.1 Da inconstitucionalidade da Lei 11.343/2006..................................................................23
4. LEGALIZAÇÃO COMO FORMA DE CONTROLE.....................................................................27
4.1 A legalização como controle das drogas...........................................................................28
4.2 Princípios constitucionais e legalização das drogas....................................................30
CONCLUSÃO...............................................................................................................................32
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................................33
12
INTRODUÇÃO
Não se pode desvincular de qualquer estudo transdisciplinar que tenha por questão a
seara das “drogas” da sua origem proibicionista. O senso comum ainda não reconhece o
usuário de drogas, constantemente taxado como um criminoso hostil, perturbador à ordem
social - por muitas vezes, como um animal que precisa ser domado - como pessoa, como
sujeito de direitos e deveres.
Assim, pode-se concluir que a transição do Estado de Direito para o Estado Social e
Democrático de Direito é, ainda, incompleta, de modo que os indivíduos demonstrem
dificuldade para compreender os conceitos de legalização e liberação das drogas, daquilo que
possa fazer bem ou mal à coletividade, que separam o lícito do ilícito e busquem a razão de tal
dicotomia.
O instituto da ética não será desvendado nestas linhas. O que se busca, no humilde
estudo, é utilizar as mais variadas bases científicas de modo a elucidar que o caminho da
legalização das drogas possui relação direta ao ideário proposto pela Constituição de 1.988,
que preza pelo respeito a princípios individuais e sociais.
A recente ciência criminal e seus estudiosos são de suma importância como meios de
se promoverem a mudança dos atuais modelos adotados em políticas públicas de drogas, pois
incentivam a reflexão e o aperfeiçoamento das possíveis soluções a serem experimentadas.
O estudo das drogas - e as mais variáveis formas de contato do ser humano com elas -
necessita estar desvinculado de paixões as quais possam causar violações legais e pessoais, de
tal sorte que o norte a ser tomado deve visar o bem comum.
As inconstitucionalidades relacionadas às drogas são diárias e demandam reparos.
Desse modo, espera-se que o presente estudo possa contribuir com reflexões àqueles
que possuem interesse à questão das drogas e busquem por um material formado por
opiniões críticas, desafiadoras à postura proibicionista.
13
1. O QUE É DROGA?
A temática “drogas” consiste, indubitavelmente, em objeto de estudo
transdisciplinar, impossibilitando-se o domínio sobre o seu estudo em uma única área
do saber. Desse modo, por se tratar de um tema eclético, delimitar um conceito para
“drogas”, que esteja em consonância com diversos campos de estudo, não se mostra
algo tão simples, valendo-se de cautela e racionalidade ao lidar com o tema.
Em estudo promovido pelo professor Elisaldo Araujo Carlini, as drogas podem
possuir alguns conceitos, senão vejamos:
Drogas: de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1981): qualquer entidade química ou mistura de entidades (mas outras que não aquelas necessárias para a manutenção da saúde como, por exemplo, água e oxigênio) que alteram a função biológica e possivelmente a sua estrutura1.
Continua o supracitado autor que “uma outra definição encontrada em muitos
livros é: qualquer substância capaz de modificar a função de organismos vivos,
resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento2”.
Portanto, uma a ideia básica de drogas está necessariamente atribuída a uma
coisa, com o potencial de alterar o estado de normalidade da mente de determinado ser
vivo. Assim, em meio a uma definição inicial daquilo que pode ser o conceito de
drogas, será apresentado, a seguir, traços históricos relevantes para a compreensão das
drogas, tais como sua relação com a cultura, a questão sobre dependência e uso e o
marco político proibicionista, questões centrais do presente trabalho.
1.2 Traços históricos sobre drogas: cultura, uso, dependência e o proibicionismo
Ao fazer referência a alguns traços históricos da humanidade com as drogas,
percebe-se como a presente temática atravessa o tempo em longa extensão, visto que o
assunto drogas, embora antigo na realidade humana, passou a ser visto no início do
1 CARLINI, Elisaldo Araujo; NAPPO, Solange Aparecida; GALDURÓZ, José Carlos Fernandes; NOTO, Ana Regina. Drogas psicotrópicas – o que são e como agem. Revista IMESC nº 3, pp. 9-35, 2001.2 CARLINI, Elisaldo Araujo; NAPPO, Solange Aparecida; GALDURÓZ, José Carlos Fernandes; NOTO, Ana Regina. Drogas psicotrópicas – o que são e como agem. Revista IMESC nº 3, pp. 9-35, 2001.
14
século XX como um tema tabu – o que comprova a sua recente complexidade histórico-
social.
As drogas possuem diversas faces, pois o contato do ser humano com as drogas
se mostra presente em grande parte da história, de modo a estarem associadas a questões
recreativas, medicinais e ritualísticas3. Nesse sentido, Júlio de Assis Simões advoga que
as drogas se mostram presentes em várias sociedades, em todos os momentos na
história, cada droga possuindo a sua respectiva função e importância a determinado
conjunto social. Assim, as drogas têm íntima relação a conceitos como liberdade,
disciplina, dor, prazer, transcendência, religião, conhecimento, crime, guerra etc4.
Em sentido conexo, compreende-se, a partir do pontual dizer de Maurides de
Melo Ribeiro, o desenrolar histórico que dá ao objeto “droga” o caráter de mercadoria,
fator que ocasionou a propagação de tais substâncias e sua massificação de consumo.
Assim, no transcorrer do século XVI, com o desenvolver das rotas ultramarinas, o povo
europeu passou a ter contato com outras culturas e, por conseguinte, tiveram experiência
com drogas até então desconhecidas, as quais foram compreendidas como mercadorias
com potencial valor de troca, disseminando o seu uso por todo continente europeu5.
Desse modo, observa-se que as drogas sempre causaram interesse ao ser
humano, seja associada ao uso recreativo ou à sua potencial expressão como fonte de
lucro, visto que hoje não se conhece ninguém que não tenha feito o uso de alguma
droga, seja ela lícita ou ilícita6.
Com o florescer de uma sociedade economicamente complexa, as drogas se
tornaram um bem de mercado – e o seu uso largamente difundido. Assim, o interesse do
homem em alterar o estado de “normalidade” da mente associado ao uso de uma droga -
estranha a sua cultura ou conhecimento -, tende a ocasionar efeitos não
pensados/desejados – a depender de cada substância -, tais como: cansaço,
hiperatividade indesejada, náuseas, vómitos, overdoses etc.
3 ESCOHOTADO, Antonio. O livro das drogas: usos e abusos, preconceitos e desafios. São Paulo. Dynamis Editorial, 1997. p. 30.4 LABATE, Beatriz Caiuby et al. Drogas e cultura: novas perspectivas; Salvador: EDUFBA, 2008. http://www.neip.info/html/objects/_downloadblob.php?cod_blob=1091 . Acesso em 03 jul. 2014.5 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 22-23.6 RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. p. 26-27.Tese de Doutorado disponível em: <http://comunidadesegura.org/files/controlepenalsobredrogasilicitas.pdf> .Acesso em 14 out 2014.
15
Outra questão que interage com os elementos históricos sobre droga, sempre em
meio a recentes discussões, convenções e encontros acadêmicos, diz respeito ao
conceito de uso e dependência – em estabelecer a diferença entre o usuário e o
dependente químico -, ou seja, a dicotomia entre o consumo de drogas que pode ser
considerado dentro de um limite comum e o consumo que extrapola o “razoável”, aquilo
que poderia ser considerado como algo imoderado, exagerado – algo ainda lacunar em
meio à ordem jurídica.
Nesse sentido, de acordo com a inteligência de Henrique Carneiro, a questão do
conceito de dependência de drogas tem, em sua gênese, relação direta a interesses de
instituições, classes e grupos sociais. A terminologia “dependência de drogas” - embora
seja um dos conceitos médicos constantemente discutido no último século no que se
refere à sua validade – tem sido adotada pela OMS (Organização Mundial da Saúde),
mas vale lembrar que anteriormente outros termos foram desenvolvidos para tratar
sobre a questão do conceito de dependência, dentre eles a “adição”, “hábito”,
“insanidade moral” e “transtornos da vontade”7.
Em relação ao termo vício e alcoolismo, o professor Henrique Carneiro expõe a
respeito de suas origens históricas e seu desenvolver no tempo:
A doença do vício será uma construção do século XIX. A concepção da embriaguez como doença pode ser datada de 1804, quando Thomas Trotter publicou o Essay Medical Philosophical and Chemical on Drunkenness, que seria considerado um marco na “descoberta” (ou na criação?) de uma nova entidade nosográfica na medicina. Para Trotter, o hábito da embriaguez seria “uma doença da mente”.
Benjamin Rush, nos Estados Unidos, já em 1791, relacionara alcoolismo e masturbação como “transtornos da vontade”, desencadeando contra ambos uma campanha médica e psiquiátrica. Na França, Esquirol tipificou a ebriedade como “monomania” e “insanidade moral com paralisia da vontade”.
Em 1819, Carl von Bruhl-Cramer cunhou o termo “dipsomania’’ para referir-se ao alcoolismo como uma doença do sistema nervoso. Legrain e Morel sintetizaram o pensamento médico predominante de sua época ao definir a adição alcoólica dentro de uma teoria da degeneração hereditária.
Como enfatiza Virginia Berridge (1994 : 17), a novidade no século XIX não são os conceitos de vício, dependência ou embriaguez, já existentes, mas a “conjunção de forças políticas, culturais e sociais que deu hegemonia a esses conceitos”8
7 CARNEIRO, Henrique. A fabricação do vício. Disponível em: <www.neip.info/downloads/t_hen1.pdf > Acesso em 03. jul. 2014.8 CARNEIRO, Henrique. A fabricação do vício. Disponível em: www.neip.info/downloads/t_hen1.pdf. Acesso em 03 jul. 2014.
16
Outrossim, é importante ressaltar a dicotomia entre o usuário e o dependente.
A partir do estudo promovido pela OMS9 – ainda incerto de acordo com a
própria instituição -, a dependência de drogas necessita estar de acordo com alguns
requisitos:
Critérios de dependência de substâncias segundo a CID-10
Presença de três ou mais dos seguintes sintomas em qualquer momento durante o ano anterior:
1) Um desejo forte ou compulsivo para consumir a substância;
2) Dificuldades para controlar o comportamento de consumo de substância em termos de início, fim ou níveis de consumo;
3) Estado de abstinência fisiológica quando o consumo e´ suspenso ou reduzido, evidenciado por: síndrome de abstinência característica; ou consumo da mesma substância (ou outra muito semelhante) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência;
4) Evidência de tolerância, segundo a qual há a necessidade de doses crescentes da substância psicoativa para obter-se os efeitos anteriormente produzidos com doses inferiores;
5) Abandono progressivo de outros prazeres ou interesses devido ao consumo de substâncias psicoativas, aumento do tempo empregado em conseguir ou consumir a substância ou recuperar-se dos seus efeitos;
6) Persistência no consumo de substâncias apesar de provas evidentes de consequências manifestamente prejudiciais, tais como lesões hepáticas causadas por consumo excessivo de álcool, humor deprimido consequente a um grande consumo de substâncias, ou perturbação das funções cognitivas relacionada com a substância. Devem fazer-se esforços para determinar se o consumidor estava realmente, ou poderia estar, consciente da natureza e da gravidade do dano.
Assim, leva-se à dedução de que o não preenchimento de até três dos requisitos
supracitados configura-se a situação de usuário.
Destarte, em relação ao marco do movimento político proibicionista no decorrer
da história, observa-se, na cultura ocidental, em meio ao início do século XX, que sua
origem está intimamente relacionada a preceitos de ordem religiosa e de uma moral
contestável.
A religião cristã é, também, conhecida por ter sempre condenado o consumo de
plantas com natureza psicoativa, sempre associadas à prática de rituais considerados
9 Disponível em: <http://www.who.int/substance_abuse/publications/en/Neuroscience_P.pdf>. Acesso em 04 de set. 2014.
17
pagãos, o que resultou na perseguição de usuários no transcorrer do período da
Inquisição10.
Dessa forma, constata-se, no pensar do cenário ocidental, que o consumo de
drogas encontra relação com atos de violência, o que motivou, quase que de forma
unânime a proibição das drogas como estratégia política a ser tomada pelas nações no
fim do século XIX11.
A partir da breve análise histórica supracitada, será exposto, a seguir, como os
traços do proibicionismo – já secular – encontram-se enraizados na atual Lei de Drogas,
Lei 11.343/2006, além da sua complexa compreensão por parte do operador do direito.
10 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 24.11 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 24-25.
18
2. DA LEI 11.343/2006 – OBJETIVOS DA LEI E SUA VINCULAÇÃO AO PODER EXECUTIVO
A política proibicionista – até então atual modelo adotado no Brasil, porém,
constantemente contestado por autoridades, estudiosos e órgãos internacionais -, assume
uma postura hegemônica, presente na política legislativa brasileira.
O tratamento legal sobre a questão das drogas está disposto na Lei 11.343/2006,
conhecida como Lei de Drogas. Assim, a partir da análise do artigo 1º da referida Lei,
verifica-se a política proibicionista o e a tratamento que o legislador entendeu ser
cabível para com as drogas:
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União12.
Em comentários ao artigo 1º da referida Lei, Andrey Borges de Mendonça e
Paulo Roberto Galvão de Carvalho delimitam a essência do artigo inaugural, já
demonstrando, logo em seguida, as críticas em relação à punição que outrora – ou não –
era dada ao usuário de drogas, visto que anteriormente à Lei 11.343/2006 o usuário era
punido com pena privativa de liberdade, in verbis:
No campo do Direito Penal, verifica-se, desde logo, que o objetivo maior da Lei foi a separação do tratamento jurídico a ser dispensado ao usuário e ao traficante. A inovação, neste ponto, vai além da mera diferenciação no sistema de penas a serem aplicadas a usuários e traficantes. O que prevê a nova Lei é a alteração substancial do enfoque social sobre as drogas, com a adoção de regime diferenciado para a prevenção do uso e a repressão ao tráfico.O mote desta nova linha metódica é o reconhecimento de que o uso de drogas é uma realidade e que suas causas e efeitos constituem um problema social. Com base nesta premissa, não é suficiente, para a prevenção geral e especial, taxar os usuários de drogas de criminosos e impor-lhes a reclusão, permitindo a superveniência de todas as consequências adversas desta forma de repressão – em especial, o preconceito – e, ao mesmo tempo, negando aos usuários a assistência integral e devida pelo Estado 13.
12 Site do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 27. jul. 2014.
19
Como foi exposto, a Lei 11.343/2006 faz referência, em seu artigo 1º, Parágrafo
Único, a listas que serão atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Trata-se da Portaria 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária.
Outrossim, os juristas Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de
Carvalho contribuem com a análise da Portaria 344/1998, no sentido de que tal instituto
tem por objetivo a regulamentação de substâncias e medicamentos que estejam
direcionados a controle especial, não sendo direcionada, especificamente, a servir à
legislação penal14.
Desse modo, não há, na referida Portaria, distinção entre substâncias que
causem, ou não, dependência, inexistindo legislação pátria a respeito do tema, o que
gera grande desafio ao operador do direito em compreender o seu conteúdo15.
Portanto, caberá ao poder Executivo Federal especificar as substâncias
consideradas de uso restrito, isto é, sujeitas a controle especial, o que nos leva à reflexão
no sentido de que o Poder Executivo está por substituir o Poder Legislativo na medida
que acaba por legislar a respeito da temática drogas.
2.1 Bem jurídico tutelado na Lei 11.343/2006
Quando um novo tema se insurge em meio à ciência penal, no sentido de ser
atribuído a determinada conduta o tratamento da ultima ratio, é necessário que se
observe, quase que de modo incontestável na presente tecnologia jurídico-penal, se o
tema proposto assume a relevância necessária a merecer a tutela penal.
Sobre a questão do bem jurídico e sua relevância à análise da ciência penal vale,
aqui, registrar o exemplar estudo de Yuri Corrêa da Luz, cuja referência alude às ideias
do Ilustre professor Claus Roxin:
Para Roxin, a função do Direito Penal seria a proteção subsidiária de bens jurídicos. Dada essa função, bem jurídico seria “todo objeto legitimamente protegido sob tais condições”. Mais especificamente, seria “toda realidade ou fim necessário a uma vida social livre e segura, que garanta os direitos
13 MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de; Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3º Ed. São Paulo: MÉTODO, 2012.14 MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de; Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3º Ed. São Paulo: MÉTODO, 2012.15 MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de; Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3º Ed. São Paulo: MÉTODO, 2012.
20
humanos dos indivíduos, ou ao funcionamento do sistema estatal erigido para tal objetivo”16.
Portanto, em síntese, compreende-se a partir da moderna ciência penal que a
ideia de bem jurídico tem por objetivo a defesa de interesses comuns que sejam
indispensáveis para a convivência livre e pacífica entre os indivíduos, garantindo-se,
assim, uma harmonia social17.
Assim, deve ser feita a indagação no sentido de se a Lei 11.343/2006 cumpre
com a sua função em meio a um Estado Social e Democrático de Direito. Pode-se
visualizar, no decorrer da história, que a tutela penal, sob o enfoque global, sobre a
temática “drogas” tem origem no direito internacional, o que se observa com a
realização de três Convenções, denominadas de Convenções-Irmãs – 1961, 1971 e
198818.
Desse modo, as Convenções acima referidas, em suma, tiveram por objetivo a
consolidação da política proibicionista – capitaneada pelos Estados Unidos, cujo auge
refere-se ao governo de Richard Nixon pela criação da chamada “Guerra às Drogas” –
acreditando-se que seria possível a erradicação das drogas no mundo19.
Como é de se observar, a atual política proibicionista tem demonstrado seus
vícios. A constante luta pela erradicação das drogas tem, por efeitos, o encarceramento
em massa, a criminalização da pobreza, constantes mortes provocadas pela
arbitrariedade policial e inúmeras violações aos direitos humanos.
No que se refere às recentes manifestações do Poder Judiciário sobre “drogas”,
pode-se extrair o conceito do bem jurídico proposto pela Lei 11.343/2006, associado à
cultura proibicionista aceita, sem maiores constatações, a partir de jurisprudência
oriunda do Superior Tribunal de Justiça:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus RHC 41233 RS 2013/0328836-2, da 5ª Turma. Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. PRETENDIDA REVOGAÇÃO. NATUREZA DANOSA E ELEVADA
16 LUZ, Yuri Corrêa da; Entre bens jurídicos e deveres normativos: um estudo sobre os fundamentos do direito penal contemporâneo. 1º Ed. São Paulo: IBCCRIM, 2013. p. 62.17 LUZ, Yuri Corrêa da; Entre bens jurídicos e deveres normativos: um estudo sobre os fundamentos do direito penal contemporâneo. 1º Ed. São Paulo: IBCCRIM, 2013. p. 62-63.18 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 27.19 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 95.
21
QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. POTENCIALIDADE LESIVA DAS INFRAÇÕES. GRAVIDADE. REINCIDÊNCIA EM CRIME DA MESMA NATUREZA. REITERAÇÃO CRIMINOSA. NECESSIDADE DE ACAUTELAMENTO DA ORDEM PÚBLICA. CUSTÓDIA JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA.
1. Não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatores concretos, que a segregação se mostra necessária, dada a gravidade da conduta incriminada.
2. A natureza lesiva e a elevada quantidade do entorpecente apreendido em poder dos recorrentes - 1 kg (um quilo) de cocaína - e as circunstâncias em que se deu a prisão em flagrante - após denúncias no sentido de que praticavam habitualmente o tráfico ilícito de entorpecentes, em grandes quantidades e para compradores determinados - bem demonstram a periculosidade social dos acusados e a gravidade concreta do delito que lhes é imputado, autorizando a conclusão pela necessidade da segregação para a garantia da ordem e saúde pública.
3. A necessidade de cessar a reiteração criminosa também é fundamento para a decretação e manutenção da prisão preventiva, a bem da ordem pública, quando constata-se que os réus são reincidentes específicos, com condenações transitadas em julgado por tráfico, respondendo, ainda, por outros feitos da mesma natureza. PRISÃO ANTECIPADA. INCIDÊNCIA DA LEI 12.403/2011. IMPOSSIBILIDADE. GRAVIDADE DO DELITO E REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS ALTERNATIVAS QUE NÃO SE MOSTRARIAM SUFICIENTES PARA ACAUTELAR A ORDEM E SAÚDE PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Indevida a aplicação de medidas diversas da prisão quando a segregação encontra-se justificada na gravidade concreta do delito cometido e na necessidade de fazer cessar a atividade criminosa, a demonstrar a insuficiência das medidas alternativas para acautelar a ordem e saúde pública da reiteração delitiva. 2. Recurso improvido.
Relator: Ministro Jorge Mussi. Publicação: DJe 30/10/201320.
Portanto, vale dizer, em simples linhas, que o bem jurídico proposto pela Lei
11.343/2006 é a saúde pública – embora não se verifique o seu desenvolvimento
conceitual em meio às decisões judiciais, causando a refletir que os próprios
magistrados, se questionados, não saberiam dizer, de modo pormenorizado, o conceito
de saúde pública.
Ao trabalhar a ideia de saúde pública, Maurides de Melo Ribeiro ensina que, “na
verdade, a definição de saúde pública não se dá por meio de um conceito analítico, em
razão de sua dimensão multifacetária, e sim a partir da delimitação de seu campo de
atuação”21.
20 Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24608854/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-41233-rs-2013-0328836-2-stj> Acesso em 02 set. 2014. 21 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p.39.
22
Destarte, importante ressaltar que uma questão de saúde, para ser considerada
como algo pertencente à saúde pública, em conceito desenvolvido por Nathan Sinai
(1976) e citado por Maurides de Melo Ribeiro (2013), necessita de três requisitos para a
sua configuração: “1) representar causa frequente de morbidade e mortalidade; 2)
existirem métodos eficientes para a sua prevenção e controle; 3) esses métodos não
estarem sendo adequadamente empregados pela sociedade”22.
Eis, portanto, a crítica levantada à atual Lei de Drogas (11.343/2006) e sua
consonância com a moderna doutrina que trata da ideia de bem jurídico: A Lei de
Drogas cumpre o seu papel na proteção de bens jurídicos? De que forma o direito penal,
compreendido como ultima ratio, notoriamente conhecido pela sanção privativa de
liberdade, pode contribuir com a proteção da saúde pública? É preciso aperfeiçoar o
proibicionismo ou investir em planos e modelos de legalização das drogas? O capítulo a
seguir buscará responder a tais indagações – com o apoio da jurisprudência referente à
legalização das drogas.
22 Apud. FORATTINI, P. Oswaldo. Epidemiologia geral. São Paulo: EDUSP, 1976. p. 60.
23
3. CONTROLE OU REPRESSÃO DAS DROGAS?
Não obstante a temática “drogas” ser constantemente discutida ao longo dos
anos, ainda subsiste a discussão – quase sempre maniqueísta - acerca da legalização das
drogas, ou, pela manutenção – quando não se opta por modelos ainda mais repressivos -
do atual sistema proibicionista.
A presente e criticada política criminal de drogas é exposta com eficiência pelo
professor Maurides de Melo Ribeiro, senão vejamos:
Quando falamos sobre Política Criminal relacionada à questão das drogas vemo-nos praticamente obrigados a refletir sobre o proibicionismo que, patrocinado no plano internacional pelos Estados Unidos da América, que por sua vez detém a hegemonia no concerto das nações, não encontrava, até bem pouco tempo, nenhum contraponto à sua ideologia fundamentalista-puritana que se concretiza na chamada “guerra às drogas”.
Na realidade, desde que os Estados modernos passaram a se ocupar da “questão das drogas”, com o propósito de formular políticas públicas para o seu equacionamento, o modelo proibicionista-punitivo vem sendo adotado de maneira quase unânime e praticamente sem questionamentos23.
Portanto, há de se reconhecer que o atual cenário político-dominante sobre a
questão das drogas encontra-se desenhado por meio de argumentos e teses que insistem
em dar o tratamento repressivo às drogas, limitando-se o espaço àqueles que desejam
contribuir com ideias que sejam estranhas à lógica proibicionista.
Tem se observado, como foi afirmado anteriormente, que o argumento
proibicionista tem sido frequentemente contestado por inúmeras instituições e pessoas –
membros do Instituito Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Laboratório de
Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (LEIPSI), LEAP Brasil Law Enforcement
Against Prohibition Brasil (LEAP Brasil), Psicotropicus ONG, Coletivo DAR
(Desentorpecendo a Razão), Advogado Contra o Proibicionismo (ACP) - o que
demonstra que, de fato, a repressão não tem se mostrado o caminho adequado para o
tratamento das drogas.
Em meio a evidências científicas das mais variadas searas, constatou-se que a
questão das drogas merece reformulação, de modo que o proibicionismo-belicista deve
23 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 27.
24
ser superado pelas evidências científicas24, a fim de se desvendar os mitos acerca do uso
de drogas e de combater o preconceito em relação ao consumo de drogas que se
mostram estranhos ao senso comum.
3.1 Da inconstitucionalidade da Lei 11.343/2006
Em menor número, porém, em constante ascensão, os estudos que promoveram
e vem promovendo críticas acerca do atual modelo proibicionista tem causado efeito em
manifestações no poder judiciário, com exemplares sentenças que declaram a
inconstitucionalidade, em parte, da Lei 11.343/2006, em especial em relação ao artigo
28, razão pela qual motiva a reflexão se, de fato, a tutela penal sobre a questão das
drogas é constitucional.
O artigo 28 da Lei de Drogas traz como crime condutas relacionadas ao
consumo pessoal de substâncias psicoativas:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1.º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2.º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3.º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4.º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5.º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
24 ESCOHOTADO, Antonio. O livro das drogas: usos e abusos, preconceitos e desafios. São Paulo: Dynamis Editorial, 1997. Tal obra é realizada por um estudo pragmático acerca das drogas, no qual o autor faz uma análise das drogas mais difundidas e sabidas, expondo-se seus efeitos e questões históricas.
25
§ 6.º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II – multa.
§ 7.º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado25.
Acerca da constitucionalidade do crime de porte para consumo pessoal, a já
citada doutrina de Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho –
embora os autores não simpatizem com a inconstitucionalidade do referido artigo -, faz
referência às ideias de Maria Lúcia Karam, Juíza de Direito aposentada e Presidenta do
LEAP Brasil (Law Enforcement Against Prohibition):
Mantendo a criminalização da posse para uso pessoal, a Lei 11.343/2006 repete as violações ao princípio da lesividade e às normas que, assegurando a liberdade individual e o respeito à vida privada, se vinculam ao próprio princípio da legalidade, que, base do Estado de direito democrático, assegura liberdade individual como regra geral (...). A simples posse para uso pessoal das drogas qualificadas de ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que não afetam nenhum bem jurídico alheio, dizendo respeito unicamente ao indivíduo e à sua intimidade e as suas opções pessoais. Não estando autorizado a penetrar no âmbito da vida privada, não pode o Estado intervir sobre condutas de tal natureza. Enquanto não afete concretamente direito de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem quiser26.
Para justificar a crítica em relação à política proibicionista, vale o registro de
parte do poder jurisdicional acerca da inconstitucionalidade da criminalização do artigo
28 da Lei de Drogas:
BRASIL. Tráfico de maconha. Desclassificação para uso próprio pelo Ministério Público após a instrução. Inexistência de crime. Comprar e portar maconha para uso próprio não configura crime. Inexistência de tipicidade e inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei n° 11.343/06. Matéria em Repercussão Geral do STF. Só pode ser punido pelo tráfico quem o pratica. A Constituição Federal não pode ser ferida pela “guerra às drogas”. Absolvição do acusado.
É o Relatório. Decido.
O que se discute, portanto, afastado o crime de tráfico, é se o acusado, de fato, ao portar maconha para seu próprio consumo, cometeu algum crime passível de punição, ou seja, comprar e portar maconha para consumo próprio é crime? Pergunta-se!
25 MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de; Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3º Ed. São Paulo: MÉTODO, 2012.26 A Lei 11.343/2006 e os repetidos danos do protecionismo, Boletim IBCCRIM, ano 14, n. 167, p. 7, out., 2006 apud MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de; Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3º Ed. São Paulo: MÉTODO, 2012.
26
Pois bem, ainda na vigência da Lei n° 6368/76, a então Juíza de Direito Maria Lúcia Karam, em sentença histórica, absolveu acusada da prática do crime previsto no artigo 16 da referida lei, flagrada com pequena quantidade de maconha e cocaína para uso próprio, sob argumento da “falta de tipicidade penal”.
Nesta mesma linha, agora na vigência da Lei n° 11.343/06, em 31.03.2008, a 6ª Câmara Criminal do TJSP, avançou e aprofundou o debate para declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da referida lei.
“O artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é inconstitucional. A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal, porque não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil” (TJ/SP, Sexta Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 993.07.126537-3, Rel. José Henrique Torres, j. 31.03.2008)
Assim, a solução punitiva e a política de “guerra às drogas” não tem se mostrado eficientes para reduzir o tráfico ou o número de dependentes, visto que tomando-se por parâmetro as apreensões, a produção e o consumo crescem em níveis galopantes. Da mesma forma, o sistema não tem se mostrado eficiente na recuperação de quem prende. Muito ao contrário, egressos do sistema são estereotipados e, se não eram incluídos antes no mercado de trabalho, pior agora na condição de ex-presidiário.
Por fim, no caso em apreço, trata-se de um jovem usuário de maconha, residente nesta cidade, trabalhador autônomo e com uma única ocorrência registrada no sistema policial: preso por porte de maconha. Ora, o acusado confessou ser usuário, mas é pessoa que trabalha, tem endereço certo e nunca cometeu crime com violência contra a pessoa ou contra o patrimônio de quem quer que seja. Sendo assim, qual o bem jurídico que ofende ao comprar quantidade de maconha para seu uso próprio? Qual o prejuízo que causa à saúde pública ao fumar seu cigarro de maconha em sua própria residência? Finalmente, qual o crime que cometeu para ser punido?
Isto posto, em face da atipicidade da conduta e inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei n° 11.343/06, exercendo o controle difuso da constitucionalidade, também em face do disposto no artigo 6º da Lei Estadual nº 10.845/07, Lei de Organização e Divisão Judiciária da Bahia (“os juízes togados poderão, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, negar aplicação às leis que entenderem manifestamente inconstitucionais.”), com fundamento no artigo 397, III, do Código de Processo Penal, ABSOLVO o acusado para determinar o arquivamento dos presentes autos.
Sem custas e sem honorários. Transitada em julgado, arquive-se.
Conceição do Coité, 17 de maio de 2012.
Bel. Gerivaldo Alves Neiva.
Juiz de Direito27.
Portanto, vale o registro, em nosso meio político, de que as pressões dos
argumentos antiproibicionistas - embora corresponda a uma minoria se comparado ao
27 Disponível em: <http://www.leapbrasil.com.br/media/uploads/jurisprudencia/42_atipicidade%20drogas%20-%20Gerivaldo%20Neiva.pdf?1338246918>. Acesso em 8 ago. 2014
27
número de adeptos ao modelo repressivo -, tem causado um efeito perturbador na atual
política criminal, motivando-se audiências públicas e discussões sobre os benefícios da
legalização da maconha28 e de outras drogas.
28 Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/09/08/debatedores-divergem-sobre-punicao-a-usuarios-de-maconha>. Acesso em 8 ago. 2014.
28
4. LEGALIZAÇÃO COMO FORMA DE CONTROLE
Não é só por meio do Poder Judiciário que as inconstitucionalidades sobre as
drogas são invocadas. A mudança legislativa tem sua origem em meio às manifestações
sociais, ao discurso racional e em meio ao debate acadêmico. Em pensar a respeito da
legalização das drogas, Maria Lucia Karam, em contínua lição, reflete no sentido de que
a legalização é algo premente, garantindo-se, assim, a defesa dos direitos individuais:
É preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas para assim pôr fim à violência e à corrupção provocadas pela proibição; para assim afastar medidas repressivas violadoras de direitos fundamentais; para assim verdadeiramente proteger a saúde.
Legalizar não significa permissividade ou liberação geral, como insinuam os enganosos discursos dos partidários da fracassada e danosa proibição. Ao contrário. Legalizar significa exatamente regular e controlar, o que hoje não acontece, pois um mercado ilegal é necessariamente desregulado e descontrolado. Legalizar significa devolver ao Estado o poder de regular, limitar, controlar e fiscalizar a produção, o comércio e o consumo dessas substâncias, da mesma forma que o faz em relação às drogas já lícitas, como o álcool e o tabaco29.
Em meio a uma possível análise do direito penal – sob o enfoque pragmático –
em relação às drogas, é necessário pontuar quais questões devem ser tratadas em juízo, a
fim de se separar condutas as quais estejam relacionadas com drogas e sejam
prejudiciais à sociedade das condutas que não representam lesão ou ameaça concreta à
coletividade.
Assim, não se deve confundir o pensar antiproibicionista com a liberação das
drogas. O tráfico de substancias psicoativas é, de modo incontestável, algo que necessita
ser evitado, visto que as drogas provenientes do tráfico não passam por um controle a
respeito de sua qualidade e composição, atribuindo-se riscos inimagináveis à saúde do
usuário, além da violência que se faz presente que perdura o início do ciclo produtivo
até ao consumidor final. Assim, a inteligência do texto constitucional que dá um
tratamento repressivo ao tráfico de drogas (art. 5º, XLIII, LI; art. 144, § II; art. 227, VII
e art. 243, parágrafo único, todos da Constituição Federal) não se contradiz ao objetivo
que tanto o proibicionista e o antiproibicionista desejam: a proteção da saúde pública e o
bem-estar social.
29 Disponível em: <http://www.leapbrasil.com.br/media/uploads/texto/57_SEMIN%C3%81RIO%20LEAP-ICC%20-%20Apresenta%C3%A7%C3%A3o.pdf?1365476879>. Acesso em 10 ago. 2014.
29
Contudo, a prática Judiciária ao lidar com o tráfico - em especial, as práticas que
se observam em meio à atuação do Ministério Público -, tem se mostrado
inconstitucionais na medida em que não se punem, com a devida eficácia, os reais
traficantes, mas sim os microtraficantes30 – que representam a imensa maioria de
pessoas que preenchem o sistema penitenciário, pessoas negras, pobres, usuários-
traficantes que se utilizam do tráfico para sustentar o consumo de drogas, o que
confirma a teoria da seletividade penal31 .
O efeito da prática punitiva dos microtraficantes tem contribuído para o aumento
da criminalização da pobreza, o preconceito a culturas não dominantes – tidas como
Outsiders32 -, o encarceramento em massa33 e, paradoxalmente, não tem contribuído com
a defesa da saúde pública, visto que a clandestinidade gerada pela repressão e a
violência gerada pelo proibicionismo tem sido os sintomas evidenciados há quase um
século.
4.1 A legalização como controle das drogas
A legalização das drogas não pode ser confundida com a liberação das drogas.
De modo genérico, liberar significa: “tornar livre ou quite”, “libertar”, “liquidar ou
solver (uma dívida)”, “isentar de qualquer obrigação”, “desobrigar”, pôr em liberdade”,
“tornar-se livre”, “desobrigar-se”34.
Em relação ao termo legalizar, o que pressupões um controle, as atuais propostas
legislativas sobre as drogas tem, por objetivo, inicialmente, a regulamentação da
30 RIBEIRO, Maurides de Melo; SEIBEL, Sérgio Dario. Drogas: a hegemonia do cinismo. São Paulo: Memorial, 1997. 353p. : Ilus p. 174. Guaracy Mingardi faz a relação e estabelece as diferenças que especificam o grande traficante, o médio traficante, o pequeno traficante e o microtraficante: “1) Grande traficante. Atacadista, capaz de comprar mais de 250 kg de uma vez. 2) Médio traficante. Trabalha tanto no atacado quanto no varejo, e consegue lidar com até 250 kg. 3) Pequeno traficante. Varejista, embora também venda pequenas quantidades para outros traficantes. Trabalha com quantidades menores que 10 kg. 4) Microtraficante. Normalmente vendedor de pedras de crack e pequenas porções de cocaína”.31 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 129.32 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio / Howard S. Becker; tradução Maria Luiza X. de Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p. 17.33 Disponível em: <https://www.academia.edu/4619863/Nas_Trincheiras_de_uma_Politica_Criminal_com_Derramamento_de_Sangue_depoimento_sobre_os_danos_diretos_e_colaterais_provocados_pela_guerra_as_drogas>. Acesso em 12 ago. 2014. Trata-se de estudo promovido pelo Prof. Dr. Salo de Carvalho. 34 Conferir: RIOS, Dermival Ribeiro. Minidicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: DLC, 2007. p. 313.
30
maconha. Os objetivos das iniciativas legislativas sobre a maconha referem-se ao seu
controle, à regulamentação da maconha, e não à sua livre disposição35.
O principal projeto legislativo brasileiro sobre o tema é de autoria do Deputado
Federal Jean Wyllys – Projeto nº 7270/2014 – cujo escopo consiste em dar à maconha,
atualmente uma droga ilícita, o caráter da licitude, atribuindo à maconha um regramento
típico, visualizando-se à redução da violência, o enfraquecimento do tráfico ilícito de
drogas e políticas de redução de danos, visto que a maconha representa a droga ilícita
mais consumida no planeta36.
O referido projeto assemelha-se, em muito, à iniciativa legislativa sobre a
maconha que está sendo desenvolvida pelo Uruguai37. Os objetivos são comuns, pois
tanto o Uruguai quanto o Brasil têm notórios problemas relacionados ao tráfico de
drogas ilícitas, mortes causadas pelo proibicionismo e problemas de saúde pública
associados ao consumo de drogas. Assim, o foco da legalização está em defender a vida
humana, observando-se as garantias ínsitas a um Estado Social e Democrático de
Direito.
Mister destacar que juntamente à ideia de legalização das drogas deve-se
desenvolver políticas efetivas sobre redução de danos, conciliando-se, desse modo, que
o uso de drogas cause menos problemas à saúde do usuário e ao seu convívio social38,
tal como tem ocorrido, de modo geral, nos países da Europa, conforme o competente
estudo desenvolvido por Luciana Boiteux:
Na Europa, onde a doutrina da redução de danos nasceu, a ampla maioria dos países do mundo têm aplicado o modelo da redução de danos como uma forma alternativa pragmática, racional e eficaz de prevenir os riscos e o abuso de drogas. A aplicação dessas políticas de prevenção no modelo proibicionista é possível, desde que as estratégias sejam regulamentadas e as leis penais sofram algumas alterações, para evitar que os operadores possam vir a ser acusados de “incentivo” ao uso de entorpecentes39.
35 Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/legalizar-as-drogas-2566.html > . Acesso em 13 set. 2014. Texto de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys.36 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo. Saraiva. 2013. p. 90.37 Disponível em:< http://coletivodar.org/2013/08/leia-na-integra-o-pl-que-legaliza-producao-distribuicao-e-consumo-de-maconha-no-uruguai>. Acesso em 14.set. 2014.38 RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 46.39 RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. p. 73.Tese de Doutorado disponível em: <http://comunidadesegura.org/files/controlepenalsobredrogasilicitas.pdf> . Acesso em 16 set 2014.
31
Toda política que se relacione à questão das drogas deve, obrigatoriamente, estar
sob a vanguarda de ações que visem reduzir os danos que as drogas tendem a causar a
usuários, sejam habituais, regulares ou crônicos. A educação sobre drogas vai além do
mero consumo seguro de substancias psicoativas. Consiste, assim, em educar as pessoas
a reconhecerem que o consumo de drogas é milenar e que àquele que faz o uso de
substâncias psicoativas são pessoas tão comuns quanto aquelas que não usam drogas, ou
seja, reconhecer no usuário de drogas um sujeito com deveres e com direitos.
4.2 Princípios constitucionais e legalização das drogas
De modo inegável, observa-se que a legalização das drogas encontra amparo na
Constituição Federal de 1.988 e à essência de um Estado Social e Democrático de
Direito.
A Organização Mundial da Saúde possui estudo no sentido de que o consumo de
substâncias consideradas lícitas – em principal o álcool e o tabaco – são as principais
causas de mortalidade do que se comparadas com as drogas ilícitas40.
Ademais, preconiza a Constituição Federal, em seu artigo 1º, III, o respeito à
dignidade à pessoa humana, logo, todos os indivíduos devem ser tratados como
humanos, inexistindo quaisquer diferenças, portanto, entre aquele que faz o uso de
drogas ou não.
Ainda em relação à Constituição Federal, o artigo 5º, caput, preconiza a
igualdade entre os indivíduos como princípio fundamental, sem distinção de qualquer
natureza, a fim de se garantir o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.
Desse modo, tanto o usuário de drogas lícitas, como o usuário de drogas ilícitas,
devem desfrutar dos mesmos direitos - constitucionalmente elencados. Ambas as
espécies de usuários de drogas devem ser tratados como livres e iguais para consumirem
as drogas, haja vista que o conceito de drogas elaborado pela Organização Mundial da
Saúde não possui qualquer distinção entre o lícito e o ilícito.
40 Disponível em: <http://www.who.int/substance_abuse/publications/en/Neuroscience_P.pdf>. p. 11. Acesso em 15. set. 2014.
32
Por conseguinte, o usuário habitual de drogas e aquele que pretende fazer o uso
inaugural de quaisquer substâncias psicoativas devem ter a instrução necessária para
fazer o uso seguro, o que se dá com melhor desenvoltura em meio a uma política que
preze pela legalização das drogas. Assim, a segurança deve ser interpretada de forma
ampla, tanto no sentido de que a segurança seja contra preconceitos e violações externas
(agressões físicas e morais), quanto a meios reconhecidamente seguros de se utilizar
drogas (utilização de seringas descartáveis, uso de filtros em cigarros, melhor qualidade
da droga a fim de se evitar a presença de algo estranho junto à droga, ambiente limpo
com assistência médica disponível, ou seja, de elementos mínimos que contribuam com
uma política de redução de danos e que oriente os riscos relacionados ao consumo das
drogas).
Não obstante a análise dos já citados princípios – que seriam suficientes para
justificar a legalização das drogas – como bem ressaltou Maria Lúcia Karam, o
princípio da privacidade (artigo 5º, X da Constituição Federal) também é fundamental
para elucidar de que não compete ao Estado intervir no âmbito pessoal, sendo
irrelevante, sob o ponto de vista penal, já consolidado na doutrina e na jurisprudência, a
autolesão.
Portanto, vale afirmar que uma conduta, que não seja prejudicial a ninguém, não
merece a tutela estatal, respeitando-se a autonomia privada, os direitos e garantias
fundamentais e o Estado Social e Democrático de Direito.
33
CONCLUSÃO
O estudo produzido até então buscou expor como a questão das drogas, no
Brasil, está enraizada à cultura proibicionista, e de como tal pensar não tem contribuído
com o seu objetivo proposto: a defesa da saúde pública e uma sociedade livre de drogas.
A utilização de obras e textos de autores jurídicos e não jurídicos contribuem para a
análise multidisciplinar da temática “drogas”, demonstrando-se, por várias fontes
científicas, que uma sociedade livre de drogas constitui um mito invencível.
Assim, deve-se reconhecer que o uso de drogas é uma realidade humana, um
fato social, e que a política proibicionista tem causados danos irreparáveis, danos que
superam os danos provenientes do próprio uso, sem quaisquer cuidados, de substâncias
psicoativas.
A ideia de um Estado Social e Democrático de Direito e a cultura proibicionista
são institutos que se mostram incompatíveis, em flagrante contradição. Nesse sentido, o
caminho pela legalização das drogas encontra-se adequado para garantir à coletividade
uma sociedade que seja educada sobre a temática “drogas”, que compreenda que o uso
de drogas deve ser compreendido como algo natural, como o uso de qualquer produto
que satisfaça uma necessidade humana, ensinando-se os indivíduos que a droga não
constitui um mal em si mesmo.
A imposição de limites combinado com ações políticas educacionais, estudos e
incentivo a mais debates sobre a temática “drogas” contribuiriam, em muito, na redução
de danos que o proibicionismo tem causado.
O Direito Penal, não obstante seja a última fonte de controle social, não tem
contribuído com as questões mínimas que lhe são obrigatórias.
É preciso pensar mais em Democracia e na liberdade do que em política
criminal, de sorte que deveriam, os homens livres, eleitos pelo povo, dar garantia da
liberdade a seus súditos.
34
BIBLIOGRAFIA
Apud. FORATTINI, P. Oswaldo. Epidemiologia geral. São Paulo: EDUSP, 1976. P. 60.
BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio / Howard S. Becker; tradução Maria Luiza X. de Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
CARLINI, Elisaldo Araujo; NAPPO, Solange Aparecida; GALDURÓZ, José Carlos Fernandes; NOTO, Ana Regina. Drogas psicotrópicas – o que são e como agem. Revista IMESC nº 3, pp. 9-35, 2001.
CARNEIRO, Henrique. A fabricação do vício. Disponível em: <www.neip.info/downloads/t_hen1.pdf > Acesso em 03. jul. 2014.
LABATE, Beatriz Caiuby et al. Drogas e cultura: novas perspectivas; Salvador: EDUFBA, 2008. http://www.neip.info/html/objects/_downloadblob.php?cod_blob=1091 .
LUZ, Yuri Corrêa da; Entre bens jurídicos e deveres normativos: um estudo sobre os fundamentos do direito penal contemporâneo. 1º Ed. São Paulo: IBCCRIM, 2013.
MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de; Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3º Ed. São Paulo: MÉTODO, 2012.
RIBEIRO, Maurides de Melo; Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas. São Paulo, Saraiva, 2013.
RIBEIRO, Maurides de Melo; SEIBEL, Sérgio Dario. Drogas: a hegemonia do cinismo. São Paulo: Memorial, 1997. 353p. : Ilus.
RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade..Tese de Doutorado disponível em: <http://comunidadesegura.org/files/controlepenalsobredrogasilicitas.pdf> .
World Health Organization (WHO). Neuroscience of psychoactive substance use and dependence. Geneva. 2004. Disponível em: <http://www.who.int/substance_abuse/publications/en/Neuroscience_P.pdf>.
____. Site do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>.
____. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24608854/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-41233-rs-2013-0328836-2-stj>.
____. Disponível em: <http://coletivodar.org/2014/03/onu-sugere-pela-primeira-vez-a-descriminalizacao-do-consumo-de-drogas/>.
____. Disponível em: <http://www.leapbrasil.com.br/media/uploads/jurisprudencia/42_atipicidade%20drogas%20-%20Gerivaldo%20Neiva.pdf?1338246918>.
____. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/09/08/debatedores-divergem-sobre-punicao-a-usuarios-de-maconha >.
____. Disponível em: <http://www.leapbrasil.com.br/media/uploads/texto/57_SEMIN%C3%81RIO%20LEAP-ICC%20-%20Apresenta%C3%A7%C3%A3o.pdf?1365476879 >.
____. Disponível em: <https://www.academia.edu/4619863/Nas_Trincheiras_de_uma_Politica_Criminal_com_Derramamento_de_Sangue_depoimento_sobre_os_danos_diretos_e_colaterais_provocados_pela_guerra_as_drogas>.
35
____. Conferir: RIOS, Dermival Ribeiro. Minidicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: DLC, 2007. p. 313.
____. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/legalizar-as-drogas-2566.html > . Acesso em 13 set. 2014.
____. Disponível em:< http://coletivodar.org/2013/08/leia-na-integra-o-pl-que-legaliza-producao-distribuicao-e-consumo-de-maconha-no-uruguai>.
World Health Organization (WHO). Neuroscience of psychoactive substance use and dependence. Geneva. 2004. Disponível em: <http://www.who.int/substance_abuse/publications/en/Neuroscience_P.pdf>