Tcc Raphael Ota - Educao Musical e Deficientes Visuais

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Este trabalho aborda aspectos referentes ao ensino musical para alunos com deficiência visual, abrangendo materiais didáticos e metodologia de ensino, a partir de um estudo de caso do projeto de extensão da UEM “Música para deficientes visuais” desenvolvido entre os anos de 2008 a 2010. A pesquisa teve como foco as aulas coletivas de práticas musicais gerais, que durante esses três anos formou duas turmas: uma nos anos de 2008 e 2009 e outra no ano de 2010. Toda a pesquisa teve como referências trabalhos existentes nesta área. Dentre eles, pesquisadores como Tomé (2003), Bertevelli (2007) Bonilha (2006, 2007, 2010), Souza (2010), Souza e Ota (2010, 2011) e relatos de experiências como de Simão (2009), Araldi e Fialho (2009), Silva e Araldi (2010), Ota (2010) e Coutinho (2010). Para atingir tal meta traçada, a pesquisa partiu de um enfoque qualitativo e utilizou-se de entrevistas semi- estruturadas como técnica de coleta de dados. Foram realizadas e registradas no total sete entrevistas com os participantes deste projeto, incluindo alunos e ministrantes, no intuito de investigar as ações metodológicas e a elaboração de materiais didático-musicais. A partir dessas entrevistas foi possível fazer uma análise dos depoimentos entrelaçando-os com a referência bibliográfica existente e comparando resultados alcançados nas duas turmas do projeto descritos nas próprias entrevistas. Destarte, sem a pretensão de afirmar que o resultado deste trabalho é a maneira correta, considero uma metodologia mais adequada ao universo dos alunos de música com deficiência visual. Os resultados desta pesquisa indicam que metodologias de ensino e materiais didático-musicais elaborados e utilizados em aulas de música com alunos deficientes visuais serão mais eficientes se pertencentes ao âmbito da grafia musical em Braille. Sendo assim, professores necessitam de cautela no momento de pensar na sua metodologia e de confeccionar seu material didático, pois é de muita importância respeitar a cognição desta grafia musical. A partir das discussões realizadas, pode-se afirmar que é essencial, um professor que irá trabalhar com alunos cegos, conhecer e estudar a Musicografia Braille. Esta permitirá reflexões e novas idéias de metodologias de ensino, materiais didático-musicais e dinâmicas adaptadas para o ensino de música de alunos com deficiência visual.Palavras-chave: Musicografia Braille; Deficiência visual; Educação Musical; Educação Especial; Inclusão escolar.

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  • RAPHAEL OTA

    EDUCAO MUSICAL E DEFICIENTES VISUAIS: um estudo do Projeto Msica para Deficientes Visuais

    da UEM

    Maring 2011

  • RAPHAEL OTA

    EDUCAO MUSICAL E DEFICIENTES VISUAIS: um estudo do Projeto Msica para Deficientes Visuais da UEM

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Graduao em Msica da Universidade Estadual de Maring.

    Orientadora: Prof. Ms Vania Malagutti Fialho

    Maring

    2011

  • RAPHAEL OTA

    EDUCAO MUSICAL E DEFICIENTES VISUAIS: um estudo do Projeto Msica para Deficientes Visuais da UEM

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Graduao em Msica da Universidade Estadual de Maring, sob apreciao da seguinte banca examinadora:

    Aprovado em ___/___/___

    _________________________________________

    Prof Ms Vania Malagutti Fialho,

    - Orientadora -

    __________________________________________

    Prof Ms Andria Veber - Banca Examinadora -

    ___________________________________________

    Prof Dra Cssia Virgnia Coelho de Souza - Banca Examinadora -

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente Deus por ter me dado fora para escrever cada palavra deste trabalho e conseguir superar a responsabilidade da concluso do meu curso com tranquilidade. meus pais, Alfredo e Cleuza, pelo incentivo durante toda essa caminhada na graduao. Sou muito grato por terem me apoiado a construir a profisso que desejei seguir, mesmo no sendo realmente a profisso que idealizavam para mim. minha orientadora, Vania Malagutti Fialho, pelo auxlio na minha construo acadmica, pelos conselhos e sugestes no encaminhamento e realizao deste trabalho. Ana Paula Simo, Brenda Leci, Juciane Araldi, Rafael Vanazzi, Ricardo Vieira, Samuel Ferreira e Tatiane Fugimoto, alunos e professores do projeto de extenso que forneceram ricas informaes para esta pesquisa.

    Marcia, pelo amor e apoio durante todo este ltimo ano de graduao com TCC, somado escrita de projetos para ingressar em programas de mestrado. Por fim, agradeo a todos os professores e colegas, que de forma direta ou indireta contriburam na realizao deste trabalho, o meu muito obrigado.

  • RESUMO

    Este trabalho aborda aspectos referentes ao ensino musical para alunos com deficincia visual, abrangendo materiais didticos e metodologia de ensino, a partir de um estudo de caso do projeto de extenso da UEM Msica para deficientes visuais desenvolvido entre os anos de 2008 a 2010. A pesquisa teve como foco as aulas coletivas de prticas musicais gerais, que durante esses trs anos formou duas turmas: uma nos anos de 2008 e 2009 e outra no ano de 2010. Toda a pesquisa teve como referncias trabalhos existentes nesta rea. Dentre eles, pesquisadores como Tom (2003), Bertevelli (2007) Bonilha (2006, 2007, 2010), Souza (2010), Souza e Ota (2010, 2011) e relatos de experincias como de Simo (2009), Araldi e Fialho (2009), Silva e Araldi (2010), Ota (2010) e Coutinho (2010). Para atingir tal meta traada, a pesquisa partiu de um enfoque qualitativo e utilizou-se de entrevistas semi-estruturadas como tcnica de coleta de dados. Foram realizadas e registradas no total sete entrevistas com os participantes deste projeto, incluindo alunos e ministrantes, no intuito de investigar as aes metodolgicas e a elaborao de materiais didtico-musicais. A partir dessas entrevistas foi possvel fazer uma anlise dos depoimentos entrelaando-os com a referncia bibliogrfica existente e comparando resultados alcanados nas duas turmas do projeto descritos nas prprias entrevistas. Destarte, sem a pretenso de afirmar que o resultado deste trabalho a maneira correta, considero uma metodologia mais adequada ao universo dos alunos de msica com deficincia visual. Os resultados desta pesquisa indicam que metodologias de ensino e materiais didtico-musicais elaborados e utilizados em aulas de msica com alunos deficientes visuais sero mais eficientes se pertencentes ao mbito da grafia musical em Braille. Sendo assim, professores necessitam de cautela no momento de pensar na sua metodologia e de confeccionar seu material didtico, pois de muita importncia respeitar a cognio desta grafia musical. A partir das discusses realizadas, pode-se afirmar que essencial, um professor que ir trabalhar com alunos cegos, conhecer e estudar a Musicografia Braille. Esta permitir reflexes e novas idias de metodologias de ensino, materiais didtico-musicais e dinmicas adaptadas para o ensino de msica de alunos com deficincia visual.

    Palavras-chave: Musicografia Braille; Deficincia visual; Educao Musical; Educao Especial; Incluso escolar.

  • ABSTRACT

    This current study covers aspects of blind music teaching, including didactic materials and teaching methodology from the Maringas State University extension project Music for blind students developed from 2008 to 2010. This research focuses the collective musical practice classes and had as references all the studies existent in the area. Among them, researchers such as Tom (2003), Bertevelli (2007) Bonilha (2006, 2007, 2010), Souza (2010), Souza and Ota (2010, 2011) and reports of experiences from Simo (2009), Araldi and Fialho (2009), Silva and Araldi (2010), Ota (2010) and Coutinho (2010). To reach the target, the research came from a qualitative approach and used semi-structured interviews as technique of datas collection. It was realized and recorded 7 interviews with students and professors from the project for the purpose of investigate the methodologies action and the didactic materials manufacturing. From these interviews it was able to make an analysis of the intervieweds testimonials interweaving with the existing literatures references and comparing the results achieved in the two classes of the project. By this way, without any intention to make this studys result sure of a thing, I consider an appropriated musical methodology for the blind students universe. The results of this survey indicate that teaching methodologies and didactic materials developed and used in music classes with blind students will be more efficient if covered the Braille music writings universe. Therefore, professors need to be careful when thinking their teaching methodology and manufacturing their didactic materials. Finally, professors who will work with blind students need to have a notion of Braille music writing. Thus, professors will be allowed to reflect and have new ideas about their teaching methodology.

    Key Words: Blind Music Writing; Blind; Music Education; Special Education; Inclusive Education.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Cela Braille. .............................................................................................................. 12

    Figura 2: Alfabeto Braille. ........................................................................................................ 13 Figura 3: Notas de d a si colcheias. ........................................................................................ 14 Figura 4: Notas de d a si em todas as figuras rtmicas e suas respectivas pausas. ................. 14 Figura 5: Sinais musicais em Braille. ....................................................................................... 15 Figura 6: Sinais musicais em Braille. ....................................................................................... 16 Figura 7: Fotos de aulas no Departamento de Msica da UEM em 2008. ............................... 31 Figura 8: Fotos de aula no bloco da PROPAE, 2009, e recital com alunos de violo, 2009,

    respectivamente. ....................................................................................................... 32

    Figura 9: Fotos da turma de 2010 na aula de prticas/vivncias musicais. .............................. 32 Figura 10: Foto do curso de capacitao com o professor Rafael Vanazzi, 2009. ................... 34 Figura 11: Materiais didticos (1 Escada para explicar altura de notas; 2 Grfico utilizado

    para explicar altura de notas de tinta em relevo; 3 Partitura rtmica de tinta em relevo; 4 Barbantes e E.V.A: monograma e notas de partitura em tinta). ............. 43

    Figura 12: Partitura em tinta explicada em Braille. .................................................................. 45 Figura 13: Partitura em tinta e em relevo. ................................................................................ 46

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .......................................................................................................... 8

    2 DEFICIENTES VISUAIS E EDUCAO MUSICAL: MUSICOGRAFIA BRAILLE E REVISO DE LITERATURA ......................................................... 12

    2.1 SOBRE A MUSICOGRAFIA BRAILLE ........................................................ 12 2.2 EDUCAO MUSICAL E DEFICINCIA VISUAL ................................... 17

    3 METODOLOGIA DE PESQUISA......................................................................... 23

    3.1 PESQUISA QUALITATIVA E ESTUDO DE CASO ...................................... 23 3.2 COLETA DE DADOS ....................................................................................... 23

    3.3.1 Colaboradores das entrevistas..................................................................... 24 3.3.2 As entrevistas ............................................................................................... 26 3.3.3 Transcries, categorizao e anlises ....................................................... 28

    4 O PROJETO DE EXTENSO ............................................................................... 30 4.1 HISTRICO DO PROJETO ........................................................................... 30 4.2 FORMAO DOCENTE E OS DESAFIOS DOS MINISTRANTES ......... 34 4.3 OS ALUNOS DO PROJETO: SUAS EXPERINCIAS COM MSICA ..... 38

    5 AS AULAS DO PROJETO: MATERIAIS DIDTICOS E METODOLOGIAS DE ENSINO .............................................................................................................. 41

    5.1 MATERIAIS DIDTICOS: CONCEITO ...................................................... 41 5.2 A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DO PROJETO ............................ 42

    6 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 50

    REFERNCIAS .......................................................................................................... 53

    APNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTAS .................................................... 56

    ANEXO A REPORTAGEM EM JORNAL ........................................................... 58

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    1 INTRODUO

    Este trabalho fruto de uma deciso despretensiosa que tomei no primeiro ano da graduao. Uma deciso sem pensar em conseqncias. Minha vontade era fazer bacharelado em composio, entretanto este curso no foi aberto no ano que me inscrevi para o vestibular na Universidade Estadual de Maring (UEM). Sendo assim, resolvi tentar o curso de licenciatura em Educao Musical. Confesso que no sabia o que era um curso de licenciatura e tambm no tinha a mnima idia do rumo profissional que tomaria na graduao. J nos primeiros meses de aula, duas amigas viram no edital do Departamento de Msica (DMU) um convite para acadmicos interessados em participar de um projeto de extenso que ofereceria msica para alunos com deficincia visual (d.v.). Os interessados deveriam comparecer a uma reunio naquele mesmo dia. Recordo-me que no estava com muito nimo para a reunio e disse para essas amigas que fossem e depois me contassem o resultado. No dia seguinte, eu as encontrei e soube como funcionaria o projeto. Sem pensar muito, resolvi participar.

    Nunca imaginei que dessa deciso, eu me encontraria no curso de graduao. Comecei a estudar e acabei me interessando muito por este campo de atuao (msica e deficincia visual). Desde ento, passei a me dedicar a este projeto de extenso durante a graduao o que resultou neste trabalho de concluso de curso. Esse Projeto de Extenso teve incio no ano letivo de 2008, quando duas pessoas com deficincia visual recorreram ao Departamento de Msica da UEM buscando seus direitos de aprender msica. Aps uma reunio com os d.v.s, os docentes do DMU decidiram elaborar um Projeto de Extenso. Com este projeto, alm de oportunizar o ensino e a pesquisa neste campo, a universidade estaria cumprindo uma funo social, ou seja, comprometimento da universidade com a comunidade. Os maiores problemas foram a inexistncia de um profissional capacitado para lecionar para este pblico especfico na instituio e tambm o desconhecimento de qualquer especialista que pudesse capacitar algum professor ou acadmico do Departamento. Entretanto, os docentes do DMU estavam dispostos a concretizar este novo projeto. Para isso, o Departamento de Msica da UEM firmou uma parceria com o Programa Interdisciplinar de Pesquisa e Apoio Excepcionalidade (PROPAE um rgo interno da instituio) e

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    convidou acadmicos do curso de graduao da habilitao licenciatura em Educao Musical para se envolverem no projeto. Eu estava entre os trs acadmicos1 que aceitaram a proposta de participar. Como na poca ns, professores e alunos do Departamento desconhecamos a Musicografia Braille (grafia musical em Braille), uma ao foi iniciada com prticas musicais por meio do trip base para uma formao musical: criao, execuo e apreciao. Para este fazer, elaboramos e utilizamos materiais didticos alternativos confeccionados em relevo. Com as aulas de msica a partir de vivncias musicais, procuramos pesquisar publicaes a respeito do assunto e descobrimos alguns professores de msica que haviam iniciado trabalhos e pesquisas neste campo. Dentre eles estavam as professoras Dolores Tom e Isabel Bertevelli. Ambas as professoras haviam publicado suas experincias com alunos com deficincia visual e estudos a respeito da Musicografia Braille. A partir desta pesquisa, ns da equipe de ministrantes, tivemos o conhecimento da existncia da grafia musical em Braille e comeamos estud-la. E assim, o projeto caminhou durante os anos de 2008 e 2009, oportunizando aulas de msica com atividades de vivncia musical, introduzindo os princpios da Musicografia Braille, na medida em que estudvamos e compreendamos esta notao musical, e aulas de instrumentos musicais, que partiu da demanda dos prprios alunos, sendo estes: teclado e violo popular e erudito. J nos anos de 2010 e 2011, o projeto seguiu oferecendo para cegos e para alunos com baixa viso, cursos introdutrios em Musicografia Braille, instrumentos musicais (teclado, violo e canto popular), aulas de msica com prticas/vivncia musical e, pr-vestibular em Braille. A abertura deste ltimo ocorreu devido s inscries de alunos com deficincia visual nos ltimos vestibulares para o curso de msica da UEM. Considerando que em 2011 o projeto se encontra em seu 4 ano de aes voltadas ao ensino de msica a pessoas com deficincia visual, busco nessa pesquisa analisar os processos metodolgicos de ensino e aprendizagem da msica desenvolvidos no mbito das aulas coletivas de prticas/vivencias musicais2. Nessas aulas foram tratados de conceitos musicais a partir de experincias prticas com composio e execuo musical com diferentes instrumentos (corpo, voz, percusso, instrumentos no convencionais) e apreciao musical, alm da abordagem da Musicografia Braille. Neste sentido, a partir das entrevistas com seus

    1 Ana Paula Simo; Tatiane Fugimoto, e eu, Raphael Ota.

    2 Essas aulas poderiam ser chamadas de teoria e percepo musical. Porm foi adotado o termo de prticas musicais ou vivencias musicais devido ao termo ter se tornado corrente no projeto (textos e falas), devido ao carter prticos das mesmas.

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    participantes do projeto, que inclui o coordenador, os alunos com deficincia visual e os ministrantes das aulas, descrevo e discuto as metodologias utilizadas e os materiais didticos desenvolvidos nas aulas. Com isto, espero contribuir na sistematizao e registro de possibilidades metodolgicas de ensino de msica para alunos com deficincia visual, bem como na produo de conhecimento a respeito, dado a escassez de materiais em educao musical nessa rea.

    O termo deficincia visual usado ao longo do trabalho para referir-se a pessoas com perdas parciais e totais de viso, tomando como referncia as definies mais correntes, que esto relacionadas acuidade visual e a restrio do campo visual. Essa abordagem comum na literatura especializada bem como em documentos legislativos. No artigo 4 do Decreto 3.2983 que regulamenta a Lei 7.8534, de 24 de outubro de 1989, o conceito de deficincia visual definido por: acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho, aps a melhor correo, ou campo visual menor a 20, ou ocorrncia das duas situaes.

    Malagutti (2010), em sua monografia de especializao, traz a informao de que recentemente est sendo destacada no meio cientfico e adotada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia a definio de deficincia visual sugerida pelo Conselho Internacional de Oftalmologia de Sidney, na Austrlia no ano de 2002:

    - Cegueira a ser usada somente para a perda total de viso e para condies nas quais os indivduos precisam contar predominantemente com habilidades de substituio de viso. - Baixa viso a ser usado para graus menores de perda de viso quando os indivduos podem receber auxlio significativo por meio de aparelhos e dispositivos de reforo de viso. - Viso diminuda a seu usado quando a condio de perda de viso caracterizada por perda de funes visuais (como acuidade visual, campo visual, etc) em nvel de rgo. Muitas dessas funes podem ser medidas quantitativamente. - Viso funcional a ser usada para descrever a capacidade de a pessoa usar a viso nas Atividades Dirias da Vida (ADV). Presentemente, muitas dessas atividades podem ser descritas apenas qualitativamente. - Perda de viso a ser usado como termo geral, inclusive para perda total (cegueira) ou perda parcial (Baixa Viso), caracterizada ou baseada em viso diminuda ou perda de viso funcional. (CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA, 2002 apud MALAGUTTI, 2010, p.11)

    Percebe-se, portanto, que na deficincia visual est a carncia de viso tanto

    3 Disponvel em 4 Dispe sobre o apoio s pessoas portadoras de deficincia, sua integrao social, sobre a Coordenadoria

    Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuao do Ministrio Pblico, define crimes, e d outras providncias.

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    no que se refere a uma mensurao quantitativa quanto qualitativa. No projeto foram atendidos alunos com baixa viso (viso diminuda) e com cegueira (congnita e adquirida). Este trabalho est organizado em cinco captulos. O primeiro captulo apresenta consideraes sobre a Musicografia Braille e uma reviso de literatura acerca do tema Educao Musical e Deficincia Visual. O segundo aborda o referencial metodolgico utilizado e os bastidores da pesquisa. Neste captulo descrevo o passo a passo do perodo em que eu estava colhendo os dados para o trabalho. O terceiro captulo trata-se do histrico do projeto de extenso da UEM contado com a ajuda dos depoimentos dos participantes e artigos publicados sobre o mesmo, as experincias que os ministrantes do projeto tiveram com alunos deficientes visuais e em contrapartida, as experincias com aulas de msica que os alunos do Projeto de Extenso tiveram no decorrer de suas vidas. O quarto aborda as aulas do projeto e a partir das falas dos entrevistados apresento reflexes acerca das metodologias e dos materiais didticos utilizados. Por fim, encontra-se o ltimo captulo onde so apresentadas as consideraes finais deste trabalho.

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    2 DEFICIENTES VISUAIS E EDUCAO MUSICAL: MUSICOGRAFIA BRAILLE E REVISO DE LITERATURA

    2.1 SOBRE A MUSICOGRAFIA BRAILLE

    A Musicografia Braille a escrita musical em relevo utilizada por pessoas cegas, e deriva do Sistema Braille de leitura e escrita criado em 1825 na Frana por Louis Braille (1809 1852), que ficou cego aos trs anos de idade. Este sistema consiste na combinao de seis pontos em relevo dispostos em duas colunas verticais, e numerados de cima para baixo e da esquerda para a direita. A combinao destes seis pontos resulta um nmero de sessenta e trs caracteres. Segundo Bonilha (2006, p.22) o espao ocupado por cada caractere chamado cela Braille (figura 1).

    Figura 1: Cela Braille. (SOUZA, 2009, p.3)

    Os sinais que ocupam apenas uma cela so denominados Sinais Simples, enquanto aqueles que ocupam um nmero maior de celas se denominam Sinais Compostos. Bonilha (2006) tambm explica que os caracteres Braille se apresentam em uma seqncia chamada Ordem Braille e se distribuem em sete sries logicamente constitudas (figura 2).

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    Figura 2: Alfabeto Braille. (So Paulo Estado5, 1999)

    Segundo Bertevelli (2007) e Malagutti (2010), com estas sessenta e trs combinaes, apresentadas na figura 2, podemos transcrever o alfabeto, representar smbolos fonticos, matemticos e fsicos, como tambm os sinais musicais. Os primeiros fundamentos da Musicografia Braille datam por volta de 1828, criados pelo prprio Louis Braille. Segundo Bonilha (2006), no ano de 1829 foi editada a primeira edio do Mtodo de palavras escritas, msicas e canes por meio de sinais, para o uso de cegos e adaptados a eles. Malagutti (2010) relata que Louis Braille estudou rgo e piano e aplicou o seu sistema de leitura e escrita para a notao musical. A autora complementa afirmando que antes da Musicografia Braille, os alunos cegos aprendiam a ler msica por meio de um sistema em que a simbologia da notao em tinta era impressa em auto relevo, o que impedia que os alunos tivessem uma leitura fluente. (MALAGUTTI, 2010, p.22).

    5 So Paulo (Estado). Secretaria de Educao. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas CENP. Servio de Educao Especial. Centro de Apoio Pedaggico para Atendimento ao Deficiente Visual CAP. Cdigo Matemtico Unificado para a Lngua Portuguesa. So Paulo: CAP, 1999. p. 74

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    A Musicografia Braille sofreu diversas modificaes desde sua criao, para poder contemplar todas as formas de representao musical, e segundo Giesteira (2007), somente com a criao em 1997 do Novo Manual Internacional de Musicografia Braille que foi possvel uma sistematizao deste sistema de escrita. No Braille, diferentemente da partitura em tinta, a leitura e escrita so feitas horizontalmente. A base da escrita musicogrfica em Braille so as notas em colcheia, correspondentes aos caracteres que representam as letras de d j.

    Figura 3: Notas de d a si colcheias

    J as demais figuras rtmicas derivam destes caracteres acrescentando os pontos 3 e 6 da cela Braille, como ilustra a figura 4. Souza (2009) explica: na escrita musical em Braille, uma nica cela traz duas informaes: a nota musical e sua durao, sem especificar qual a oitava que a nota est inserida. (SOUZA, 2009, p.3). Nota-se que com o acrscimo de um ponto (3, 6 ou 3 e 6) possvel grafar dois valores de tempos diferentes. Por exemplo: com o acrscimo do ponto 6 se obtm semnimas e semifusas. A diferenciao na hora da leitura est na insero do sinal de maior (para semnima) ou menor (para semifusa) valor.

    Figura 46: Notas de d a si em todas as figuras rtmicas e suas respectivas pausas

    6 Disponvel em Acessado em 24/02/2011

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    As figuras seguintes apresentam outros sinais utilizados para uma transcrio bsica de uma partitura em Braille, estes que representam sinais de oitava, mos direita e esquerda e pedal para partituras de piano, sinais dos dedos 1,2,3,4 e 5 para piano e violo, sinais de intervalos, acidentes (sustenido, bemol e bequadro), ligaduras (de notas, prolongao, ligadura dupla, e ligadura de frases).

    Figura 57: Sinais musicais em Braille

    7 Disponvel em Acessado em 24/02/2011

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    Figura 68: Sinais musicais em Braille

    Dentre os sinais apresentados na figura 6, h tambm as frmulas de compasso, alm das barras (parcial, final e ritornello) presentes na partitura em tinta. O hfen musical, a ser utilizado quando na transcrio de uma partitura o espao da linha acaba no meio do compasso. Sendo assim, o compasso pode continuar a ser transcrito na linha abaixo. O sinal de palavra indica que as celas seguintes so textos. Este sinal utilizado para quando se deseja indicar dinmicas da pea musical, como piano e fortssimo, que so escritas na partitura utilizando as letras alfabticas. P e F, respectivamente, antecedida pelo sinal de letra. O sinal Em acorde utilizado quando se transcreve uma pea a duas vozes ou mais, indicando que as prximas notas escritas so pertencentes ao mesmo compasso.

    Bonilha (2006) conclui que educadores que estejam dispostos a desenvolver um trabalho musical com pessoas com deficincia visual devem ter conhecimento da Musicografia Braille e suas peculiaridades provendo assim recursos e o suporte que tais estudantes necessitam durante o aprendizado (BONILHA, 2006, p.32).

    8 Disponvel em Acessado em 24/02/2011

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    2.2 EDUCAO MUSICAL E DEFICINCIA VSUAL

    Buscando verificar os estudos das reas de educao e educao musical referentes aos deficientes visuais e estratgias metodolgicas de ensino e aprendizagem, foi realizada uma breve reviso de literatura especializada. Para isso foi feito um levantamento dos textos publicados nos Anais da ABEM e das Revistas da ABEM, alm de revistas cientficas online.

    Melo e Alves (2010), alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), diante da aprovao de um aluno deficiente visual no curso de Licenciatura em Msica da Escola de Msica da UFRN, a EMUFRN, no primeiro semestre de 2009, focaram sua pesquisa de mestrado na questo da acessibilidade. Segundo Melo e Alves (2010) a insero de um aluno cego em um curso superior de msica ainda terreno pouco explorado (MELO et all, 2010, p.702) e com isso as adaptaes de espaos fsicos que contribuem a incluso escolar no esto sendo realizadas de maneira satisfatria. Em sua pesquisa de mestrado, Melo e Alves (2010) por meio de uma narrativa fotogrfica, listam e analisam as aes implementadas na UFRN em prol da acessibilidade fsica. Segundo os autores, as aes em sua maioria, ainda so nfimas e desconexas com algumas normatizaes (MELO et all, 2010, p.701), no negando o empenho da instituio em melhorar a autonomia na locomoo dos alunos com necessidades educacionais especiais. Uma das pioneiras acerca do ensino da Musicografia Braille a professora Dolores Tom. Em seu livro Introduo Musicografia Braille, Tom (2003) faz um breve histrico sobre a grafia musical em Braille desde seu nascimento, sua evoluo at chegar em suas regras oficiais, sendo um excelente guia para professores que no tem muito conhecimento sobre esta notao musical. Tom tambm expe a problemtica da carncia de professores de msica especializados na educao musical para deficientes visuais e a falta de divulgao da Musicografia Braille, que um assunto ainda desconhecido por muitos professores de msica. Para isto, a professora ministra cursos de capacitao em Musicografia Braille para professores interessados em trabalhar com este pblico. Nota-se, durante a pesquisa bibliogrfica, certa quantidade de relatos das experincias com a Musicografia Braille e aulas de msica para deficientes visuais, estas vivenciadas por vrios professores de msica em todo o Brasil. Oliveira (2008) descreve um trabalho experimental em Musicografia Braille na Escola de Msica da UFRN. O objetivo desse trabalho seria montar uma equipe de profissionais capazes de atender a uma demanda de alunos cegos interessados em aprender msica de forma sistematizada. O autor comenta

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    que esse projeto de Musicografia Braille possibilitou propostas de implantao de cursos acerca do assunto, alm da incluso de alunos cegos nas turmas de ensino de msica da Escola de Msica da UFRN. Contanto, Oliveira aponta que ... a lgica de implantao de um curso de msica inclusiva para cegos no prevera uma importante etapa: a adaptao do cego Musicografia Braille. (OLIVEIRA, 2008, p. 4). Segundo o autor, os cegos da cidade de Natal que lem em Braille lem muito bem quando se trata da leitura de textos e no quando se trata da grafia musical. Para isso, foi proposto um semestre de aulas para uma turma de alunos cegos, incluindo tambm pessoas com viso normal (videntes9) que tem interesse em se especializar na leitura e escrita musical em Braille.

    Outro autor que disserta sobre sua experincia com aulas para alunos cegos Coutinho (2010), seguindo uma diferente direo de trabalho. Coutinho trabalha com aulas de violo coletivo para deficientes visuais no setor de reabilitao do Instituto Benjamin Constant (IBC) no Rio de Janeiro. Para o autor, esse trabalho com d.v.s tem como meta alm de trabalhar o aprendizado musical, intervir de uma forma positiva na vida social de cada aluno. Segundo Coutinho (2010), a maioria dos alunos, que por perderem a viso j na fase adulta, encontram-se num estado de profunda depresso devido cegueira adquirida repentinamente. Em suas aulas no IBC, Coutinho segue o pensamento pedaggico de Libneo (1990, apud COUTINHO, 2010, p.255) o professor um agente facilitador e mediador de todo o processo ensino/aprendizagem. Sendo assim, o autor, em sala de aula, busca facilitar o processo de ensino e aprendizagem e ao mesmo tempo mostrar pequenos desafios aos alunos. Dessa forma, possvel fazer com que o aluno se sinta motivado e realizado com a conquista de seus objetivos (COUTINHO, 2010, p.255). Nota-se tambm a no utilizao da Musicografia Braille nessas aulas, devido os alunos ainda no terem desenvolvido as tcnicas para leitura e escrita em Braille. Com isso, o professor solicita que os alunos adquiram um pequeno gravador e gravam as prprias aulas. Dessa maneira, em casa, possvel ouvir os acordes e dedilhados aprendidos em sala de aula e estud-los ao violo. Coutinho (2010) relata que muitos alunos demonstraram em aula msicas que conseguiram tirar de ouvido em suas casas. Segundo o autor: acreditamos que o uso do gravador em aula e tambm em casa foi um fator determinante para esse resultado. (COUTINHO, 2010, p.257)

    Dentre as publicaes encontradas, h um nmero significativo de artigos referentes ao projeto de extenso que objeto de estudo deste trabalho. Na publicao dos Anais do Congresso Nacional da ABEM, Simo, Araldi, Hirose, Ota e Fugimoto (2008)

    9 No contexto da acessibilidade para pessoas com deficincia visual, as pessoas com viso normal so chamadas de videntes.

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    descreveram o projeto realizado no mesmo ano, desde as primeiras reunies com os alunos cegos que procuraram instituio em busca de aulas de msica, at as metodologias alternativas utilizadas pelos docentes, apontando as dificuldades que enfrentaram no decorrer do projeto, por no possurem um conhecimento acerca da Musicografia Braille.

    O Projeto de Extenso da UEM teve como objetivo geral promover o contato dos deficientes visuais com o conhecimento de msica, oportunizando vivncias musicais por meio da criao, execuo e apreciao a partir do universo musical contemporneo e iniciao Musicografia Braille. (SIMO et all, 2009, p.826). Segundo os autores as aulas eram caracterizadas por atividades prticas coletivas onde os alunos pudessem desenvolver o senso rtmico-meldico, os princpios da notao alternativa e tradicional e a iniciao Musicografia Braille. Sobre a metodologia os autores destacam: ... houve a necessidade de confeccionar materiais didticos especficos para cada componente (Braille e partituras ampliadas) e alternativos tteis como monogramas com barbantes e E.V.A., cola em alto relevo, canudinhos e papel alumnio. (SIMO et all, 2009, p. 827).

    Araldi (2009) descreveu como seria a seqncia deste projeto. A autora afirma que as aulas do segundo ano do Projeto de Extenso da UEM ofertariam uma hora/aula de teoria e percepo musical e outra hora/aula de instrumento/canto. Sero oferecidas as modalidades: teclado, violo e canto, conforme a demanda anunciada pelos prprios alunos que cursaram o mdulo 1 em 2008. (ARALDI, 2009, p.3). Araldi (2009) complementa dizendo que projetos como este tem rendido estudos e pesquisas que fundamentam a prtica pedaggico-musical com essa clientela e solidifica e diversifica a formao do professor de msica (ARALDI, 2009, p.4)

    Silva e Araldi (2010) tambm relatam sobre a experincia de trabalhar no Projeto de Extenso da UEM e apontam as dificuldades com o tratamento pessoal com os alunos cegos. As autoras comentam: ... me sentia insegura por no saber como estabelecer esse relacionamento com eles. Em algumas aulas que ministrei, tinha o costume de dizer ao final das atividades: viram como fcil? E ento pensava: estou ofendendo eles por usar o verbo ver? (SILVA et all, 2010, p.5). Segundo as autoras, essas questes foram resolvidas aps assistirem um minicurso da professora Brasilena Pinto Trindade, no Encontro Nacional da ABEM (Associao Brasileira de Educao Musical). Atravs de experincias relatadas por ela durante o minicurso pude reconhecer a capacidade que eles tm. A continuidade nesse projeto fez com que esse conceito se aprimorasse na prtica. (SILVA et all, 2010, p.5). Outro relato feito sobre este projeto o de Ota (2010) que fez desta atividade o campo do estgio obrigatrio supervisionado. O autor (2010) descreve a

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    metodologia utilizada nas aulas de estgio diferenciando-a da utilizada nos dois primeiros anos do Projeto de Extenso da UEM e relata sobre os materiais didticos utilizados nas aulas:

    Este material precisa ser repensado para o contexto dessa grafia em Braille, pois questes como altura de nota, espacializao das notas e unidades de compasso so pontos que se usados baseados na grafia em tinta, no so favorveis ao Braille. No Braille esses itens tm uma formatao diferente e por isso condizente que seja feita uma reelaborao dos materiais de musicalizao normalmente usados por pessoas com viso normal, adequando-os ao sistema Braille de escrita. (OTA, 2010, p.5)

    Outro autor que redige sobre as diferenas entre a notao em tinta e em Braille Souza (2010). Nas partituras em tinta as unidades de tempo (UT) possuem distncias espaciais equivalentes, ou seja, aps cada nota musical, h um espao na pauta que varia de acordo com seu respectivo valor de tempo (SOUZA, 2010, p. 3) e sua representao se d na vertical. J na notao Braille o que vertical dentro de um mesmo pentagrama em tinta, inteiramente representado de forma horizontal. (SOUZA, 2010, p. 2-3). Com isto, o autor conclui que as transcries de partituras, materiais didticos e metodologias na sala de aula precisam ser repensados para atender alunos cegos.

    Souza e Ota (2011) apresentam estes materiais didticos e as possveis dinmicas que podem ser aplicadas com alunos com deficincia visual. Segundo os autores sensato elaborar um material didtico para auxiliar o aluno com d.v. de modo a proporcionar dinmicas relacionadas Musicografia Braille, no com a grafia em tinta. (SOUZA et al, 2011, p. 273).

    As autoras Pupo, Carvalho e Oliveira (2008) discorrem em seu artigo sobre as leis que envolvem e favorecem os deficientes visuais e relatam as experincias da criao do LAB (Laboratrio de Acessibilidade), um laboratrio de apoio didtico para alunos deficientes visuais da UNICAMP. Segundo as autoras, as atividades deste espao tm o objetivo de estimular a autonomia e independncia acadmica dos alunos, alm de produo de materiais didticos e desenvolvimento de softwares destinados a estes alunos com deficincia.

    Finck (2008) relata sobre o processo de aprendizagem musical de alunos com outras deficincias alm da cegueira, analisando dois alunos: um com deficincia visual e cerebral e outro portando deficincia visual e mental, que tiveram seu contato com o mundo externo a partir dos dois anos ao tocar teclado. A autora afirma que a experincia musical vivenciada a partir dos primeiros anos fundamental para o desenvolvimento musical de

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    qualquer indivduo, independentemente dele possuir algum grau deficincia sensorial ou no. (FINCK. 2008, p. 5-6).

    Bertevelli (2007) complementa a fala de Finck, afirmando que a educao musical para deficientes visuais de grande importncia, pois com ela o aluno adquire uma maior vivncia auditiva, desenvolvendo a sensibilidade e a musicalidade. Bertevelli (2007) tambm discorre acerca da escassez de cursos de capacitao para professores de msica e de um acervo de partituras musicais em Braille disponveis no mercado. A autora aponta dois fatores que faltam ser conquistados para efetivar a incluso dos alunos cegos nas aulas de msica, sendo estes a produo de material especfico e acessvel, com a transcrio de partituras e livros de msica, e a formao do educador (BERTEVELLI, 2007, p.163)

    Bonilha (2006) em sua tese de mestrado tambm comenta sobre a escassez de trabalhos acadmicos sobre a Musicografia Braille, escasso acervo de partituras transcritas em Braille e tambm da demora na produo do material em Braille quando solicitado por pessoas cegas, servio este prestado por algumas fundaes como a Fundao Dorina Nowill para Cegos. Citando outros autores como Hagerdon, Campbell e Scott Kassner, Bonilha aponta que professores de msica devem realizar adaptaes em suas aulas, levando em considerao as necessidades dos alunos deficientes que possui. (BONILHA, 2006, p.12). Sobre os mtodos acerca do assunto, a autora discorre:

    Deve-se notar que os mtodos de ensino musical comumente utilizados no Brasil, raramente abordam questes que digam respeito incluso de alunos deficientes, o que dificulta a anlise de propstas pedaggicas que j tenham sido criadas e testadas. (BONILHA, 2006, p.13).

    Malagutti (2010) em sua monografia de especializao, faz um levantamento de nomenclaturas, conceitos e programas de apoio relacionado s deficincias, especialmente a visual. Alm disso, a autora aborda o tema incluso social e como ele aparece nos documentos legislativos no Brasil. Este trabalho tambm o primeiro monogrfico a registrar o Projeto de Extenso de msica para deficientes visuais da UEM.

    Giesteira (2007) publicou um artigo expondo seu projeto que prope a elaborao de um mtodo de ensino de violo bsico. Neste artigo, o autor afirma que h instituies espalhadas pelo pas que desenvolvem projetos de capacitao de educadores para o ensino de deficientes visuais como a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade de Braslia e aponta que necessrio o desenvolvimento de polticas inclusivas e engajamento de outras instituies educacionais para que todos os deficientes visuais

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    tenham acesso educao, com as mesmas possibilidades de aprendizado de uma pessoa vidente (GIESTEIRA, 2007, p.152).

    Bonilha (2007) afirma que a Musicografia Braille um elemento imprescindvel para a incluso dos alunos cegos em escolas de msicas. A autora aponta que estas escolas no oferecem condies para que os alunos tenham acesso leitura e escrita musical, pois a maioria dos professores, em sua formao, no adquirem conhecimentos sobre a existncia de um cdigo musical usado pelos cegos. Disto decorre a necessidade de que se viabilize o atendimento educacional especializado a esses alunos. (BONILHA, 2007, p.4).

    Segundo Souza e Ota (2010) raras excees so os professores que os recebem j com as partituras em Braille. Isso se deve a Musicografia Braille ser assunto desconhecido at mesmo entre o meio acadmico. (SOUZA e OTA, 2010, p. 242-243), dessa forma, a incluso do aluno cego no ensino superior se torna algo cada vez mais distante. Os autores complementam: Embora haja relatos de professores universitrios empenhados na incluso deste aluno, a escassez de estudos e o desconhecimento do assunto uma barreira que dificulta a sua concretizao (SOUZA e OTA, 2010, p.243).

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    3 METODOLOGIA DE PESQUISA

    3.1 PESQUISA QUALITATIVA E ESTUDO DE CASO

    Este projeto de pesquisa tem por base uma abordagem de cunho qualitativo. Segundo Neves (1996) a pesquisa qualitativa direcionada durante seu desenvolvimento, no busca medir e enumerar eventos e nem aplica dados estatsticos para anlise de dados. A pesquisa qualitativa caracteriza-se pela obteno de dados descritivos por meio de um contato direto com seu objeto de estudo (NEVES, 1996). Neves complementa: nas pesquisas qualitativas, freqente que o pesquisador procure entender os fenmenos, segundo a perspectiva dos participantes da situao estudada e, a partir, da situe sua interpretao dos fenmenos estudados (NEVES, 1996, p.1). Segundo Godoy (1995 apud NEVES, 1996, p.1), um trabalho de cunho qualitativo apresenta: o ambiente natural como fonte dos dados; carter descritivo; enfoque indutivo; e o significado que as pessoas do vida e as coisas como preocupao do pesquisador. importante salientar que os estudos qualitativos so feitos no local de origem dos dados (NEVES, 1996, p.1). Com relao ao estudo de caso, enquanto mtodo de pesquisa, Goldenberg (2005, p.33) explica que este mtodo supe que se pode adquirir conhecimento do fenmeno estudado a partir da explorao intensa de um nico caso. A autora afirma que o estudo de caso possibilita a penetrao na realidade social, no conseguida pela anlise estatstica (GOLDENBERG, 2005, p.34). Alm disso, o estudo de caso tenta esclarecer uma deciso ou um conjunto de decises: o motivo pelo qual foram tomadas, como foram implementadas e com quais resultados (SCHRAMM, 1971 apud YIN, 2003, p.31). Robert Yin (2003) explica:

    Em resumo, o estudo de caso permite uma investigao para se preservar as caractersticas holsticas e significativas dos acontecimentos da vida real tais como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos, mudanas ocorridas em regies urbanas, relaes internacionais e a maturao de setores econmicos. (YIN, 2003, p.20)

    3.2 COLETA DE DADOS

    Quanto as tcnicas utilizadas para realizar a pesquisa de modalidade estudo de caso, Goldenberg (2005) afirma que no h regras precisas sobre as tcnicas utilizadas em

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    um estudo de caso porque cada entrevista ou observao nica: depende do tema, do pesquisador e de seus pesquisados. Segundo Ludke (1986), a entrevista possibilita uma captao corrente e imediata das informaes desejadas. Para esse trabalho foram utilizadas as seguintes fontes de dados: entrevistas semi-estruturadas e anlise dos documentos derivados do projeto (textos publicados, relatrios e fotografias). A entrevista semi-estruturada consiste em perguntas abertas e fechadas, onde o entrevistado pode discorrer a vontade sobre o tema proposto na pesquisa. Boni e Quaresma (2005) explicam que o pesquisador deve seguir um conjunto de questes previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal (BONI e QUARESMA, 2005, p. 75) e complementam afirmando que este tipo de entrevista utilizado para quando o pesquisador deseja um volume de informaes, alcanando um direcionamento maior para o tema. Ludke (1986) ressalta tambm que a entrevista estruturada dessa forma oportuniza uma maior liberdade de expresso por parte do entrevistado. Segundo Pimentel (2001, p.191) a anlise de documentos pode se caracterizar como instrumento complementar. Bell (1993) afirmar que estes documentos so impresses deixadas num objeto fsico por um ser humano e pode apresentar-se sob uma multiplicidade de formas, como fotografias e filmes.

    3.3 ENTREVISTAS E OS COLABORADORES

    As entrevistas para esta pesquisa iniciaram em dezembro de 2010 e finalizaram em abril de 2011. Ao todo foi realizado um nmero de sete entrevistas, destas quatro foram feitas com professores que ministraram as aulas do Projeto de Extenso da UEM e trs com os alunos deficientes visuais que participaram do projeto. Os professores selecionados para a entrevistas so os que atuaram exclusivamente nas aulas de vivncias/prticas musicais, chamadas de aula terica pelos participantes. J o critrio de seleo dos alunos a serem entrevistados foi a faixa etria. Privilegiei os alunos adultos no intuito de obter maiores informaes.

    3.3.1 Colaboradores das entrevistas

    So apresentados aqui os professores e alunos do projeto que foram

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    entrevistados para esta pesquisa, em ordem alfabtica. Ana Paula Martos Simo, 22 anos, graduanda em Licenciatura em Educao Musical na Universidade Estadual de Maring. Ministrou aulas de msica para alunos com deficincia visual nos anos de 2008 e 2009 no Projeto de Extenso Musica para Deficientes Visuais da UEM. Brenda Leci Pereira Gimenes, 33 anos, cega de um olho e baixa viso no outro olho. Comeou a estudar teclado aos 15 anos no extinto Centro Municipal de Atendimento ao Deficiente Visual (CMADV) de Maring. Foi aluna do Projeto de Extenso da UEM no ano de 2010, cursando aulas de msica nas modalidades de prticas/vivncias musicais e teclado. Juciane Araldi Beltrame, 33 anos, graduada em Educao Artstica pela Universidade Federal do Paran e Licenciatura em Msica pela Escola de Msica e Belas Artes do Paran. Especializao pela Universidade Tuiuti do Paran e Mestre em Msica (Educao Musical) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi coordenadora do Curso de Graduao em Msica da Universidade Estadual de Maring (gesto 2008) e iniciou e coordenou o Projeto de Extenso Msica para Deficientes Visuais na instituio em 2008 e 2009. Rafael Moreira Vanazzi de Souza, 28 anos, graduado em Composio na Unicamp, porm sempre se dedicou Educao Musical. Durante o curso de Composio comeou a trabalhar com msica coral para pessoas cegas o que o levou a estudar e se especializar em Musicografia Braille. Ministra cursos de capacitao em Musicografia Braille para professores de msica. Foi professor do projeto de extenso da Universidade Estadual de Maring no ano de 2010. Ricardo Alexandre Vieira, 34 anos, aluno do projeto de Extenso da UEM nos anos de 2008 2011 cursando aulas de prticas/vivncias musicais, Musicografia Braille, violo e canto popular. cego congnito e trabalha no Centro de Apoio Pedaggico para Atendimento Pessoas com Deficincia Visual (CAP Maring) como revisor de livros escritos em Braille.

    Samuel Ferreira, 45 anos, aluno do projeto de Extenso da UEM nos anos de 2008 2011, cursando aulas de prticas/vivncias musicais, Musicografia Braille, pr-vestibular e violo erudito. Iniciou seus estudos de violo erudito em 1992 no extinto Centro Municipal de Atendimento ao Deficiente Visual (CMADV) de Maring. Aos 39 anos

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    comeou a notar sintomas de retinose pigmentar 10que viria lhe tomar toda a viso aos 43 anos.

    Tatiane Andressa da Cunha Fugimoto, 22 anos, graduanda em Licenciatura em Educao Musical na Universidade Estadual de Maring. Ministrou aulas de msica para deficientes visuais nos anos de 2008 e 2009 no Projeto de Extenso Msica para Deficientes Visuais da UEM.

    3.3.2 As entrevistas

    Para as entrevistas foram desenvolvidos roteiros especficos para cada modalidade de entrevistados (coordenador, ministrantes e alunos) abordando os processos metodolgicos do projeto de extenso da UEM. As entrevistas para esta pesquisa tiveram como foco principal a descrio das aulas do projeto e os materiais didticos utilizados. Entretanto, explorei tambm outros assuntos pertinentes pesquisa com o intuito de enriquecer as anlises dos dados coletados. Com os ministrantes, procurei investigar se estes possuam experincias com alunos com deficincia visual. Em contrapartida, investiguei com os alunos do projeto experincias passadas com aulas de msica. Todas as entrevistas foram gravadas com o auxlio de softwares de gravao de udio: Ardour11, Audacity12 e Sound Forge13 e convertidos para o formato WAV14 de udio. As entrevistas tiveram a durao mdia de 25 minutos, gerando no total aproximado de 3 horas de gravao. A ordem de realizao das entrevistas aconteceu de acordo com a poca do ano letivo em que a pesquisa se encontrava. Optei por comear as entrevistas com os

    ministrantes do projeto e por ltimo os alunos d.v.s. Esta escolha se deu, porque no ms de dezembro, quando iniciei as entrevistas, os alunos j se encontravam em frias, j no ano de 2011 as aulas retornaram somente no incio do ms de abril. Felizmente, quando fiz as

    10 uma doena gentica, que ataca a retina causando destruio das suas clulas. O indivduo que tem a doena perde a viso aos poucos, primeiro a viso noturna depois a viso diurna.

    11 Ardour: um software livre para edio multi-pistas e captao de udio com recursos avanados e considerado atualmente o melhor software para edio de udio em Linux.

    12 Audacity: um software livre e gratuito para edio de udio digital. Est disponvel para Mac OS X, Microsoft Windows, GNU/Linux.

    13 Sound Forge: uma ferramenta profissional para processamento, gravao, mixagem e restaurao de udio. Edio e criao de som.

    14 WAV: forma curta de WAVEform audio format, um formato-padro de arquivo de udio descompactado.

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    entrevistas com os alunos, no tive nenhum problema com os entrevistados, todas as entrevistas ocorreram nas datas que foram agendadas. A primeira entrevista e nica de 2010, com o professor Rafael Vanazzi, foi realizada em sua residncia em Maring e gravada utilizando seu computador com o programa Sound Forge. A segunda, com a professora Juciane Araldi foi realizada por intermdio da internet, com o programa de mensagem instantnea MSN. Esta entrevista precisou acontecer desta maneira, pois a professora mudou para a cidade de Joo Pessoa Paraba - sendo assim, ficou muito difcil um encontro pessoalmente. Mesmo sendo online, no notei diferenas no resultado das entrevistas face to face. Exceto esta, todas as entrevistas realizadas nesta pesquisa foram de carter face to face, modalidade tradicional de entrevistas, o cara a cara com a pessoa que est sendo entrevistada. Oliveira et al (2009) identificaram em um estudo que tanto os chats on-line quanto as entrevistas face to face possibilitam o mesmo entendimento e constataram que a entrevista via chat to eficaz quanto as entrevistas tradicionais cara a cara, pois consegue-se manter a mesma riqueza nas respostas geradas pelos entrevistados. Segundo os autores, outros recursos tecnolgicos podem ser utilizados nas entrevistas on-line, como chats que possuam troca de voz por meio de microfones ou de imagens atravs de webcams (cmeras de vdeo para uso em computadores) (OLIVEIRA et al, 2009, p.69). A terceira e a quarta entrevista com as ministrantes Tatiane Fugimoto e Ana

    Paula Simo aconteceram em minha residncia, nestas foram utilizados o programa de udio Ardour para gravao. As duas seguintes com os alunos Samuel Ferreira e Brenda Gimenes foram agendadas em uma hora que antecedia suas aulas no Projeto de Extenso, sendo realizadas no Departamento de Msica da UEM com o auxlio de um notebook e do programa Audacity. A ltima foi gravada no CAP (Centro de Apoio Pedaggico para Atendimento s Pessoas com Deficincia Visual), local este onde trabalha o entrevistado Ricardo Alexandre. Este aluno no participa mais das aulas que ministro, sendo assim, a seu pedido, eu fui ao local de sua preferncia. Dentre as dificuldades encontradas nas entrevistas houve respostas em monosslabos, sem detalhamento. Notando isso, foi necessrio insistir nas mesmas perguntas para a obteno de mais detalhes da experincia dos alunos nas aulas do projeto. Depois de desligado o rec do programa de gravao eles afirmaram que muita coisa no veio memria. Esse fato pode ser explicado pelo fato da conversa estar sendo gravada, o que certamente inibem os entrevistados.

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    Tabela 1: Dados das entrevistas

    Nome Atuao no projeto Data da entrevista Tempo da entrevista Tipo de entrevista Ana Paula Professora 03/03/2011 30 min Face to face Brenda Aluna 19/04/2011 15 min Face to face Juciane Coordenadora 27/02/2011 40 min Online Ricardo Aluno 20/04/2011 16 min Face to face Samuel Aluno 05/04/2011 19 min Face to face Tatiane Professora 01/03/2011 29 min Face to face Vanazzi Professor 02/12/2010 e 11/03/2011 44 min Face to face

    3.3.3 Transcries, categorizao e anlises

    Todas as entrevistas foram transcritas integralmente por mim logo aps a gravao com cada entrevistado. Confesso que a primeira transcrio foi muito difcil, porque eu nunca havia feito uma anteriormente. Eu ouvia o udio da entrevista e no conseguia digitar fluentemente, tendo que parar vrias vezes e ouvir palavra por palavra. A primeira entrevista no consegui transcrever em um dia, lembro-me que a transcrevi no decorrer de uma semana, cerca de 5 minutos da entrevista a cada dia. A segunda foi mais fcil, sendo realizada online por mensagens instantneas, a transcrio j estava pronta na hora. Essa uma das vantagens da entrevista via online. Na transcrio da terceira e da quarta entrevista eu j estava comeando a pegar o jeito e aperfeioando maneiras para transcrever com mais agilidade. Notei que fechando os olhos a concentrao era maior, sendo assim, eu soltava o udio da entrevista e comeava a digitar com os olhos fechados. Pude perceber que ao aderir a essa maneira de transcrio, eu pausava menos as entrevistas e conseguia transcrever uma com durao de meia hora em aproximadamente de 45 minutos. As entrevistas com os alunos foram as mais difceis de transcrever. Devido s falas rpidas e monossilbicas, os udios das entrevistas foram pausados mais vezes para conseguir captar cada palavra dita pelos entrevistados. Estas demoraram em torno de uma hora cada para serem transcritas e foram tambm as entrevistas mais curtas, cada uma com o tempo aproximado de 15 minutos. O passo seguinte foi a catalogao das entrevistas. Fui orientado a separar

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    em tpicos todos os temas abordados nas entrevistas. Em seguida, separar todas as falas dos entrevistados acerca destes temas. No entanto, no fiz a catalogao de maneira correta na primeira vez. Eu separei apenas os temas que eu acreditava ser relevante, deixando muitas falas dos entrevistados de lado. Fui orientado a refazer a catalogao acrescentando assim, todos os temas abordados com as respectivas falas dos entrevistados. A catalogao das entrevistas foi muito importante para o passo seguinte, a anlise dos dados coletados, facilitando na organizao de todas as falas sobre um mesmo tema. Confesso que a parte mais difcil, demorada e cansativa foi decidir quais seriam os captulos a serem escritos e a anlise das entrevistas. Senti dificuldades em escrever informaes que na minha cabea j eram muito claras, como o histrico do projeto, utilizando as falas dos entrevistados e no somente as minhas palavras. Mas no decorrer da escrita do trabalho fui me acostumando.

    Por fim, a etapa de reviso do texto. A partir das orientaes, fui consertando pargrafos onde o fluxo de leitura foi quebrado e recortando trechos colando em outro lugar para uma melhor fluncia na leitura. Percebi o processo artesanal da construo de um texto acadmico.

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    4 O PROJETO DE EXTENSO

    4.1 HISTRICO DO PROJETO

    Como j mencionado na introduo, o passo inicial para se criar o projeto de extenso Msica para Deficientes Visuais da UEM aconteceu em fevereiro de 2008 com a demanda de duas pessoas com deficincia visual que procuraram o Departamento de Msica (DMU) da instituio em busca de aulas de msica. A professora e coordenadora da graduao em msica na poca, Juciane Araldi diz que o curso: Foi algo at ento indito para todos ns professores do curso. Fomos contatados por um grupo de deficientes visuais que gostariam de saber se o Departamento de Msica poderia oferecer algum curso para eles.. Ela conta que a professora Vnia Malagutti Fialho, chefe do DMU (gesto 2008-2010), convidou os dois interessados para uma reunio de Departamento, e relembra a chegada destes na reunio trazendo consigo o manual de Musicografia Braille pedindo se poderiam ajud-los a compreender a leitura e escrita musical em Braille. Contudo havia um desafio:

    A UEM ainda no possua profissionais capacitados para trabalhar essa especificidade, mas os docentes do DMU estavam dispostos a aceitar a incumbncia e buscar solues para viabilizar esse novo fazer. Para tanto, estabeleceram-se parcerias com rgos internos da instituio, como o Programa Interdisciplinar de Pesquisa e Apoio Excepcionalidade (PROPAE), e acadmicos foram convidados a se envolverem no projeto de extenso a ser criado. (SIMO et al, 2009, p.826)

    Logo aps a reunio com os interessados, Juciane, que nunca havia tido experincia com alunos com deficincia visual, afirma que comeou a pensar em como ministrar aulas para esta clientela, incluindo pessoas com baixa viso, tratando-os de forma mais natural. Ela conta que pensou: ensinar para eles da mesma forma que ensinamos teoria musical para videntes. A entrou um pouco a utilizao de metodologias ativas (...) em primeira mo, pensei que poderamos elaborar material didtico que utilizasse o relevo, ou ampliao.

    Para a concretizao do incio do projeto Juciane contou tambm com o apoio das professoras Vnia Malagutti Fialho, Polyana Demori e Kiyomi Hirose e de trs acadmicos do primeiro ano do curso de graduao em msica da UEM com habilitao em licenciatura - Ana Paula, Raphael e Tatiane.

    importante ressaltar que nenhum dos participantes do projeto havia feito algum curso de capacitao que os ensinassem a trabalhar msica com pessoas com

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    deficincia visual, assim como a maioria professores que se envolvem nessa rea de ensino. Foi ento elaborado um projeto de extenso universitria15 aberto para a

    comunidade externa oferecendo um curso com durao de 7 meses, com duas horas/aulas semanais (ARALDI et al, 2009, p.1) que se iniciou em maio de 2008. Foram traadas metas e o curso teve como objetivo promover o contato dos deficientes visuais com o conhecimento de msica, oportunizando vivncias musicais por meio da criao, execuo e apreciao a partir do universo musical contemporneo e iniciao a Musicografia Braille (SIMO et al, 2009, p.826). Destaco aqui que este curso foi divulgado pela equipe em diversos veculos de comunicao: jornais da cidade (ver anexo B), rdio da universidade e programas de televiso da regio.

    Figura 7: Fotos de aulas no Departamento de Msica da UEM em 2008.

    Para o ano de 2009 o curso foi reformulado. O mdulo II como denomina Araldi (2009) ofereceu uma hora aula semanal terica e percepo musical, e uma hora/aula de instrumento/canto (ARALDI et al, 2009, p.3). Esses instrumentos consistiram em teclado, violo e canto atendendo a demanda dos prprios alunos que cursaram o mdulo I no ano de 2008.

    15 Processo: 1377/2009

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    Figura 8: Fotos de aula no bloco da PROPAE, 2009, e recital com alunos de violo, 2009, respectivamente.

    No ano de 2010 o curso foi novamente reformulado. Neste ano foi oferecido aulas de Musicografia Braille, preparao para vestibular, aulas de instrumentos e vivncia musical (SOUZA et al, 2011, p.265). Hoje, o projeto de extenso contabiliza a formao de duas turmas nas aulas de msica com vivncia musical nesses trs anos de projeto, uma nos anos de 2008 e 2009 e outra em 2010.

    Figura 9: Fotos da turma de 2010 na aula de prticas/vivncias musicais.

    Em relao ao espao fsico onde aconteciam as aulas do projeto, Ana Paula conta que no ano de 2008, o primeiro ano do projeto, as aulas foram ministradas na sede do Departamento de Msica da UEM. J no ano seguinte, no foram ministradas na sede do DMU devido ao excesso barulho e as salas pequenas disponveis: da decidimos, pedimos pra mudar pro bloco da PROPAE (...) a PROPAE um rgo interno da UEM que apia a excepcionalidade, e... inclusive ela quem comeou a imprimir os materiais que ns escrevamos em Braille pros nossos alunos e fomos para aquele bloco. Ana Paula descreve este espao: Uma salinha ou duas que a gente usava. Tambm era um espao muito difcil, porque uma das salas que era a maior tinha computadores, muitos deles e no tinham como tirar, nosso espao era bem apertado. E conclui afirmando que a estrutura das salas de aula nos dois anos de projeto no eram

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    favorveis, tanto na acstica, quanto no espao fsico mesmo.

    Equipes de trabalho

    A cada ano o projeto teve sua equipe de trabalho reformulada. Tatiane conta como foi a formao da equipe no primeiro ano: eu vi num edital, eu e mais uns amigos, no edital, , uma convocao para alunos interessados a irem a uma reunio e levarem seu currculo. Ana Paula complementa: A fomos. A partir disso, estudar um pouquinho, ... a Musicografia Braille, saber que ela existia e bem no incio, bem iniciante. A gente comeou a pesquisar e estudar de leve. Foi isso, como eu entrei.

    Ana Paula e Tatiane contam que foi um grande desafio participar do projeto, devido ambas no terem experincias com alunos deficientes visuais. Ana Paula comenta: No incio eu achei bem complicado, porque no sabia como lidar. Tatiane diz: eu no tinha experincia em lecionar para turma com vrios alunos, de vrias idades e cada um com um grau de deficincia visual. Para mim tambm foi um grande desafio. Eu nunca havia atuado como professor, e j iniciar ministrando para alunos com deficincia visual senti que o medo e os desafios foram duplicados.

    A princpio, os docentes do DMU ministrariam as aulas e os acadmicos atuariam como monitores, porm isso no ocorreu. Juciane explica:

    Eu no dei aulas, s ajudei na concepo e no gerenciamento do curso, no contato com os outros rgos da UEM que pudessem nos apoiar. O projeto funcionou como um espao de aprendizagens para os alunos da graduao, que comearam a atuar no projeto, j como ministrantes. [Mas por] vrios motivos, alguns estruturais, outros por ordem prtica, os alunos que assumiram o projeto acabaram ministrando praticamente todas as aulas.

    No ano de 2009, alm dos trs acadmicos participantes desde o incio do projeto, novos acadmicos do curso de licenciatura integraram a equipe atuando como monitores. Em setembro deste ano, toda a equipe do projeto participou do curso de capacitao em Musicografia Braille, ministrado pelo professor Rafael Vanazzi, que na poca residia em Campinas e no trabalhava no Projeto de Extenso. Juciane relembra:

    O curso teve momentos direcionados aos estudantes de msica que tivessem interesse em dar aulas de Musicografia Braille, e teve um atendimento direto aos alunos deficientes visuais do curso de extenso da UEM. Essa forma foi interessante, pois todos puderam acompanhar o professor Rafael Vanazzi dando aula para os deficientes visuais e posteriormente falando sobre a

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    metodologia utilizada, e principalmente, nos ensinando sobre a lgica Braille. Esse curso foi um verdadeiro divisor de guas para o projeto de extenso da UEM.

    Figura 10: Foto do curso de capacitao com o professor Rafael Vanazzi, 2009.

    Na fala de Juciane, principalmente com o termo divisor de guas, percebe-se a importncia da Musicografia Braille e a falta que seu conhecimento fazia nas aulas do projeto de extenso. A Musicografia Braille um elemento imprescindvel para a incluso de um aluno com deficincia visual em aulas de msica. Segundo Bonilha (2010) cabe ao professor fornecer subsdios para o aluno trilhar o processo de aprendizagem da Musicografia Braille com segurana e autonomia.

    No ano de 2010 Tatiane, Ana Paula e Juciane deixaram o projeto. Contudo, Juciane conta que este ano coincidiu com a chegada do Rafael Vanazzi para trabalhar no projeto Sem Fronteiras16 e se dedicou a este projeto em questo. Souza e Ota (2011) contam que no ano de 2010 o projeto teve (...) como professores Raphael Ota, graduando em msica na UEM e Rafael Moreira Vanazzi de Souza, graduado em msica pela Universidade Estadual de Campinas. (SOUZA et al, 2011, p.266)

    4.2 FORMAO DOCENTE E OS DESAFIOS DOS MINISTRANTES

    De acordo com as entrevistas realizadas para este trabalho, nota-se que todos professores do projeto de extenso no tiveram nenhum preparo prvio para trabalhar com este pblico e s tiveram contato com um indivduo com deficincia visual quando foram ministrar sua primeira aula. Pra mim foi uma novidade diz Juciane. Ana Paula comenta: eu

    16 Projeto de Extenso Educao Musical, Escola e Comunidade, que nos anos de 2009 e 2010 fez parte do Programa de Extenso Universitria Universidade sem Fronteiras e foi financiado pela Secretaria da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paran. Rafael Vanazzi atuou no projeto como bolsista.

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    fiquei um pouco assustada (...) eu nunca tinha estado na presena, eu acho, referindo-se a uma pessoa com d.v.

    Segundo Ana Paula uma das dificuldades, no incio, era a questo do tratamento para com essas pessoas. Ana Paula exemplifica:

    A gente tinha medo de como tratar (...) nas prprias palavras que a gente dizia sem querer: a meu Deus e se a gente disser vejam bem, mas no, mas eles no vem (...) isso acabou acontecendo inmeras vezes e eles quando percebiam (...) brincavam com a gente porque na verdade eles (...) no tem problemas com isso n.

    A fala de Ana Paula demonstra os medos iniciais que a maioria dos professores sentem quando comeam a ministrar aulas de msica para algum aluno com deficincia visual. Isto se d, assim como vivenciado por Ana Paula, pela falta de convvio com uma pessoa com d.v. e por ver o deficiente visual como coitado. Eu, assim como Ana Paula, na posio de ministrante, tive o mesmo medo em relao as palavras a serem utilizadas para com os alunos com deficincia visual.

    A respeito disso Ana Paula comenta: (...) eles (...) me ensinaram muita coisa (...) que eles no so nada de coitadinhos, pelo menos a maioria deles, no se aproveitam da situao pra (...) ganhar alguma coisa em troca disso. A partir da convivncia durante as aulas, a equipe comeou a reconhecer que pessoas com d.v. so completamente independente: trabalharam, tm sua famlia e filhos.

    Juciane diz que ficavam muitas dvidas de como agir. Isso porque, segundo ela: tnhamos alunos que ainda no conheciam o Braille, pois tinham perdido a viso recentemente (...), tnhamos alunos que lia impressos ampliados, mas com muitas dificuldades, as primeiras lies do Braille que apareceu com alguns erros, pois ainda no utilizvamos um programa especfico (...) e a prpria locomoo dos alunos, como orient-los a sentar.

    Vanazzi conta que quando comeou a lecionar msica para deficientes visuais tambm: foi sem nenhum preparo real (...) e a foi meio que sentindo aos poucos li dando com cada um (...) de acordo com a dificuldade de cada aluno. Ia inventando explicao na hora. Em Campinas, Vanazzi passou quatro anos lecionando para pessoas cegas e com viso e nesse tempo, cada ano reformulava o material baseado no que acontecia no anterior.

    Na busca de formas de dar aulas para os alunos d.v.s, Ana Paula fala que descobriu, conforme as aulas foram sendo ministradas, a importncia do tato nos momentos de ensinar contedos prticos, como por exemplo, a respirao no canto. Para ter

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    conhecimento de como fazer a respirao correta eles teriam que sentir na gente e a gente teriam que sentir neles. Relando mesmo, contato fsico. Ana Paula acredita que esta uma alternativa melhor que apenas usar a audio.

    O contato fsico entre o professor e o aluno com deficincia visual, realmente se faz muito importante. Em aulas de msica, os professores comumente apresentam visualmente o que deve ser feito pelo aluno, como a respirao, seguindo o exemplo de Ana Paula. Sendo assim, uma alternativa ir demonstrando para o aluno desprovido de viso os movimentos que faz o corpo em determinadas tarefas. Primeiro deixar que o aluno toque o professor e sinta os movimentos corporais para ento, poder perceber estes movimentos em si mesmos.

    Bonilha (2007) afirma que quando professores recebem pela primeira vez um aluno com a deficincia visual, se sentem desorientados no sabem a quem recorrer. Apesar de no terem um material de apoio que lhes mostre a maneira de trabalhar com alunos com d.v, conseguimos notar no depoimento de Ana Paula que professores acabam percebendo e aprendendo as peculiaridades no lecionar na prtica. Assim como Ana Paula e Tatiane, Vanazzi tambm tem uma experincia em comum.

    A primeira experincia de Vanazzi com alunos cegos foi ainda na graduao em composio, quando comeou a trabalhar com um cro de pessoas com deficincia visual em Campinas. Segundo Vanazzi algumas queriam aprender Musicografia Braille. Elas tiveram algumas poucas aulas e queriam estudar mais. A fui ver o que era e no era muito difcil. A comecei a ensinar. Contudo Vanazzi comenta que a dificuldade no est em aprender a grafia musical em Braille e ler uma partitura, a dificuldade est em ensinar e diz: no existe um mtodo para fazer isso. Existe uma frmula, mas no tem como ensinar a frmula, ento a gente foi descobrindo aos poucos.

    Com as falas de Vanazzi podemos observar a falta de cursos de formao de professores aptos a trabalharem com alunos com deficincia visual, focados em mtodos de ensino. Temos exemplos de cursos de formao como os das professoras Dolores Tom, Isabel Bertevelli e Brasilena Trindade, porm so cursos que explicam apenas a Musicografia Braille. Vanazzi conta que chegou at fazer o curso da professora Isabel Bertevelli, entretanto era um curso de iniciao: j tinha acabado de dar um semestre e meio de aula com o pessoal. J sabia isso de cor e salteado.

    Como dito anteriormente, todos os ministrantes comearam a estudar a Musicografia Braille por conta prpria. Ana Paula comenta: A gente comeou a estudar, mas tambm como era precria n, os livros, a bibliografia, a gente no tinha muita condio de ir

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    pra frente n. A gente fazia o que podia, ia tirando de sites (...) algumas atividades, alguns textos pra gente compreender e praticar. Tatiane explica:

    Acho que isso (...) foi o desafio, sem contar que tivemos que estudar a parte mais direcionada s particularidades que os alunos possuem em relao s suas limitaes visuais. (...) A gente entrou no projeto fazendo um acordo: ns cedamos e procuraramos estudar pra poder ensin-los e eles tambm nos ajudariam quando ns no conseguiria (...) em relao a parte do Braille.

    No depoimento de Ana Paula fica evidente a tambm escassez de bibliografias que possam servir de material de apoio para professores. Bonilha afirma que professores possuem poucos subsdios acerca do ensino musical para deficientes visuais (BONILHA, 2006, p.19) e complementa dizendo que tambm h escassez de trabalhos acadmicos relativos Musicografia Braille. Souza tambm comenta: literatura disponvel e informao sobre o assunto so escassas (SOUZA, 2010, s/p). Vanazzi complementa: hoje em dia j tem um material na Unicamp que fala sobre incluso, mas especificamente sobre incluso com msica no tem at hoje. Ana Paula diz que foi o livro da professora Dolores Tom Introduo Musicografia Braille que ajudou um pouco e conclui: mas escasso, o material muito pouco mesmo.

    Em razo disto, professores acabam tendo que criar sua prpria metodologia de ensino. Bonilha (2006) explica:

    Eles [os professores] rapidamente notam a carncia desses recursos, o que os fora a criar e desenvolver suas prprias estratgias de atuao junto aos alunos que tenham deficincia. Por um lado, a criao desses mtodos (que se d em geral de forma emprica) pode, por vezes, dar origem a experincias bem-sucedidas, permeadas de solues criativas e eficazes. Por outro lado, esse empirismo faz com que professores e alunos se deparem com dificuldades, que, por sua vez, seriam supridas, caso houvesse a existncia de uma sistematizao dos trabalhos realizados nessa rea (grifo meu). (BONILHA, 2006, p.19)

    Contudo, como visto na reviso de literatura, alguns trabalhos acerca do assunto j comearam a ser publicados. A maioria destes so relatos de experincia de professores com alunos deficientes visuais que procuram estudar a Musicografia Braille por conta prpria e acabam por criar suas prprias estratgias de ensino. Entretanto, muitos no persistem neste caminho. Vanazzi comenta:

    Voc encontra os artigos de Braille igual o cara do Rio Grande do Norte que o cara ta se voltando pruma outra coisa que no msica. A o outro que escreveu o artigo t no Rio de Janeiro j fazendo outra coisa. A outra moa que tambm j trabalhou ta na Bahia fazendo outra coisa. Ou seja, todo mundo que tava fazendo alguma coisa no ta fazendo mais em Braille. A j n, fica assim, galera (...) que comea, para.

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    Nota-se neste depoimento a preocupao de Vanazzi em relao ao futuro desta rea. Bonilha afirma: Frequentemente, h videntes interessados (...) mas, via de regra, elas desistem no intento, ao se depararem com as dificuldades inerentes ao aprendizado da Musicografia Braille. (BONILHA, 2006, p. 33). Bonilha (2010), citando Reily, aponta que tais desistncias se do por que pessoas videntes consideram o Braille um sistema muito complexo e de difcil assimilao. Visto isto e a ausncia de um esforo por parte de interessados em estudar e divulgar a Musicografia Braille possibilita um grande risco em levar o mtodo extino.

    4.3 OS ALUNOS DO PROJETO: SUAS EXPERINCIAS COM MSICA

    A partir dos relatos coletados com os alunos do projeto foi possvel constatar que todos os entrevistados j haviam tido contato com aulas de msica antes de ingressarem no projeto de extenso. Contudo, nenhum deles teve acesso ao estudo da teoria musical e da Musicografia Braille.

    Ricardo conta que comeou seus estudos em msica devido ao gosto de cantar. Teve oportunidade de iniciar estudos de instrumentos musicais, entretanto, como no tinha acesso s partituras Braille e ao conhecimento da grafia musical em Braille, abandonava o curso.

    Eu comecei a fazer aula de violo uma poca, depois teclado, mas a o violo eu parei, o teclado eu parei porque a escola fechou e no deu pra continuar (...) mas tudo de ouvido, nada de partitura no. Eu fiz canto (...) dois anos de aula de canto (...) realmente a minha praia mesmo.

    Ricardo comenta que esse projeto da UEM veio a calhar porque (...) comeamos a ter noo de como so partituras em Braille, como que a msica realmente no s de ouvido, mas a msica realmente atravs da leitura. Segundo Ricardo, quando iniciou no projeto tinha como objetivo aprender a interpretar a partitura em Braille e aprender a cantar.

    A fala de Ricardo mostra que para a pessoa com deficincia visual importante ter uma independncia no fazer musical. Essa independncia refere-se ao aluno no necessitar de ajuda de um professor para lhe ditar as notas de uma partitura ou de gravaes para estudar. A no independncia decorre da assdua freqncia de professores de msica, quando lecionam para alunos com d.v, tornar a aula extremamente prtica, ou seja, com o popular tocar de ouvido. Isto conseqncia do no conhecimento da Musicografia

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    Braille por parte dos professores, que muitas vezes nem sequer sabem da sua existncia. Com isso, o aluno acaba no recebendo o devido conhecimento terico e ficando dependente dos fatores citados acima.

    A exemplo disso h a experincia de Coutinho (2010) com aulas de violo para deficientes visuais no setor de reabilitao do Instituto Benjamin Constant do Rio de Janeiro. Nessas aulas, como os alunos e o prprio professor no conhecem a Musicografia

    Braille, Coutinho solicitou que cada aluno portasse um gravador para que pudessem registrar os acordes e as msicas tocadas durante as aulas. Com isso, os alunos poderiam passar a ouvir a gravao em casa e estudar memorizando dedilhados, encadeamento de acordes e melodia das canes propostas nas aulas.

    Assim como Ricardo, Samuel tambm comeou a estudar por gostar muito de msica. Estudou violo erudito no extinto CMADV (Centro Municipal de Atendimento ao Deficiente Visual) por cerca de cinco anos e como muitos alunos com deficincia visual, no teve contato com a Musicografia Braille em suas aulas de violo. Samuel tambm foi instrudo a tocar de ouvido.

    Ao ingressar no projeto de extenso da UEM, ele desejava aprender a usar a Musicografia Braille e a leitura de partitura com o intuito de se preparar para poder ensinar outros msicos com deficincia visual.

    Brenda comeou a estudar teclado aos quinze anos de idade, tambm no extinto CMADV: eu aprendi a tocar teclado, mas, mas foi s o inicial mesmo a depois o professor desistiu de continuar o curso comigo. Segundo ela, isso ocorreu:

    Porque ele achava que eu no ia pra frente n, ele achava que eu no tava conseguindo avanar mais com as notas musicais, tanto que (...) ele comentou com a diretora: ah, vou tirar ela, no vou mais dar aula pra ela, porque ela s fica s assim n, s tocando aquela msica X, a no me deu mais aula a eu parei, fiquei por um tempo parada sem, utilizar nenhum instrumento, a eu fui ter a oportunidade no ano passado aqui [na UEM].

    Nessas aulas de teclado, Brenda comenta que o professor comeou a lhe ensinar a partitura em tinta, primeiro desenhando o teclado e suas teclas, e por fim a pauta e as notas ampliadas. Por conseguir enxergar um pouco mais na poca com apenas um dos olhos Brenda no chegou a conhecer a Musicografia Braille, grafia esta que veio ter conhecimento apenas no projeto de extenso da UEM.

    O depoimento de Brenda um exemplo dos esforos que os professores investem para desenvolverem uma metodologia de ensino. Porm, em determinado ponto eles

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    desistem de lecionar, porque no conseguem encontrar meios para avanar com o contedo terico. Isso ocorre em parte pela falta de cursos de formao de professor, do desconhecimento da existncia da Musicografia Braille e da carncia de uma sistematizao de trabalhos sobre msica para deficientes visuais.

    Brenda chegou ao curso da UEM no ano de 2010 por meio de convite e incentivo de seus amigos, que j eram alunos do projeto. Eu achei que iria gostar muito e por fim acabei gostando n. Brenda tambm afirma que ir prestar vestibular, no para msica, mas se passar ir tentar transferncia para o curso de msica.

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    5 AS AULAS DO PROJETO: MATERIAIS DIDTICOS E METODOLOGIAS DE ENSINO

    5.1 MATERIAIS DIDTICOS: CONCEITO Segundo Oliveira (2005) os materiais didticos vm sendo um tema recorrente nos trabalhos e discusses na rea da educao musical. A autora tambm traz em seu trabalho definies de materiais didticos por diversos autores. Segundo Oliveira (2005), para Lima et al.(1995):

    Materiais didticos so todos os recursos que auxiliam os professores em suas prticas pedaggicas, como: livros, aparelho de som, retroprojetor, projetor, TV, videocassete, gravadores portteis, fitas e programas de udio e videocassete, discos, cartazes, lbuns e transparncias, almanaques, guias, coletnea de leis, livros didticos, tcnicos e cientfico, de cultura em geral; mapas e globo terrestres, borracha, jogos de fantasia, tesoura, pincis, jogo de domin, quebra-cabeas, escorregador e balanos. (Ibid., p.39 46 apud OLIVEIRA, 2005, p.13)

    Oliveira (2007) afirma que o material didtico recurso, ou seja, tudo aquilo que o professor acredita ser capaz de auxiliar suas prticas. Ferreira et al (1996 apud OLIVEIRA, 2005, p.55) afirmam que os materiais didticos so todos os recursos utilizados com grande ou no freqncia em todas as disciplinas visando auxiliar os alunos a realizarem seu aprendizado mais eficientemente. Sacristn afirma que materiais didticos so recursos muito importantes para manter a atividade durante um tempo prolongado, facilitando a direo da atividade nas aulas (2000, p.157 apud OLIVEIRA, 2007, p.78). Costa e Castro apontam que os materiais didticos tm um papel fundamental no processo educacional, pois os consideram como meios de ensino, os quais so elementos mediadores entre o processo de ensino e o de aprendizagem (COSTA E CASTRO, 1991 apud OLIVEIRA, 2005, p. 53). Oliveira (2005) detectou em sua pesquisa de mestrado, por meio de entrevistas com professores de msica, uma unnime posio dos entrevistados em relao aos materiais didticos, considerando-os muito importantes em sua prtica pedaggico-musicais.

    Porm, ainda h uma certa escassez quando se trata de materiais didticos nas aulas de msica. Podemos destacar essa escassez tambm nas aulas de msica para alunos com deficincia visual. Oliveira (2005) afirma que os professores entrevistados em sua pesquisa de mestrado sempre tiveram muitas dificuldades no acesso aos materiais didticos. Este acesso nas instituies em que trabalham bem limitado. Embora buscassem e encontrassem em livrarias, sites da internet e lojas, a maior dificuldade quanto aquisio.

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    Uma forma de sanar este problema foi por meio da troca de materiais didticos com colegas de profisso utilizando e-mails ou nos encontros realizados na escola. Oliveira prossegue afirmando que os entrevistados apontaram que a aquisio de materiais didticos por meio da administrao escolar uma tarefa difcil. Quando chegam com o pedido para a compra de materiais didticos, a direo alega que tem outras prioridades. (OLIVEIRA, 2005, p. 66). A autora (2007) comprova em uma pesquisa (OLIVEIRA, 2007), que a melhor maneira para diminuir a carncia de materiais didticos, professores de msica produzirem seus prprios materiais didticos.

    5.2 A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DO PROJETO

    As aulas eram predominantemente prticas (...) ns procurvamos ao mximo que no ficasse cansativo, ento uma das alternativas era tentar atividades mais ldicas diz Tatiane sobre as aulas do projeto de extenso do ano de 2008. Ana Paula conta que devido ao desconhecimento da grafia Braille, iniciaram as aulas com a musicalizao. Tatiane complementa dizendo que o norte para estas primeiras aulas foram os parmetros do som, que foi seguido por atividades que explorassem ritmos e melodias.

    Ricardo e Samuel contam que as aulas abordaram a princpio ritmo e melodia e com o decorrer do tempo, intervalos e escalas. Ana Paula descreve este momento do projeto: colocadas msicas que ns gravvamos (...) eles bateriam o ritmo, ou eles marcariam com os ps. Tatiane explica:

    Para trabalhar pulso e ritmo (...) cada aluno recebeu uma latinha e a primeiro ns marcvamos o pulso conforme amos cantando, depois comeamos a marcar o ritmo dessa msica (...). Utilizamos muito recurso vocal (...) e tambm instrumentos de percusso que at ento a gente queria fazer com que os alunos sentissem que eles estavam realmente fazendo msica.

    A fala de Tatiane ressoa com Samuel, que conta: trabalhavam tambm ali com o nosso prprio corpo n, (...) como que ns poderamos desenvolver a msica atravs da voz, atravs das palmas n, dos ps n, ali dizendo que a msica tambm tem uma influncia muito grande no nosso corpo.

    As falas de Tatiane e Samuel mostram o uso de materiais didticos, como a latinha, os instrumentos de percusso e o prprio corpo como um instrumento musical. Segundo Oliveira (2007) os materiais didticos so recursos que auxiliam professores em suas prticas pedaggicas. Sendo assim, qualquer objeto pode ser um material didtico que facilite

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    a aprendizagem do aluno. Os prprios alunos entrevistados afirmam a importncia dos materiais didticos nas aulas de msica.

    Para Samuel o material vai ajudando a gente a desenvolver (...) raciocinar, memorizar n e tambm executar aquilo que a msica t pedindo. Brenda conta que: os materiais foram muito importante porque seno fosse esses materiais talvez a gente teria mais

    dificuldade em aprender o Braille. Contudo, no podemos descrever de materiais didticos sem tambm nos

    referirmos metodologias de ensino. Segundo Tatiane as aulas do comeo do projeto no se diferenciavam de outras propostas de Educao Musical, entretanto alguns mtodos, metodologias (...) a gente teve que adaptar pra poder ter um resultado mais concreto, por exemplo, com material em alto relevo, uma grafia alternativa para trabalhar ritmo e altura.

    No depoimento de Tatiane fica evidente a necessidade de adaptar metodologias e materiais didticos devido limitao visual dos alunos. A exemplo disso Bonilha (2006), citando Hagedorn (2001), relata que, o professor ao trabalhar com um aluno deficiente deve adaptar os processos da instruo, bem como os materiais didticos a serem utilizados. Segundo Bonilha (2006), os estudantes podem atingir os mesmos resultados utilizando meios diferentes. Porm, isto precisa ser pensado com cautela. Souza e Ota (2011) explicam ser mais adequado elaborar materiais didticos que respeitam a cognio da grafia em Braille, ou seja, materiais que no faam referncias partitura em tinta. Contudo, isto no impossibilita de elaborar grafias alternativas para representar questes como altura de notas e ritmos (veja exemplo na figura 11, foto 2).

    Figura 11: Materiais didticos (1 Escada para explicar altura de notas; 2 Grfico utilizado para explicar altura de notas de tinta em relevo; 3 Partitura rtmica de tinta em relevo; 4 Barbantes e E.V.A: monograma e notas de partitura em tinta).

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    De acordo com Ana Paula, os materiais utilizados nas aulas do projeto foram confeccionados pelos prprios ministrantes. Tatiane comenta que foi divertido criar os materiais porque ns tnhamos que buscar meios (...) pros alunos poderem grafar, por exemplo, um ritmo (referindo-se a materiais de notao musical alternativa). Juciane descreve os recursos utilizados na confeco de materiais no incio do curso: cola colorida em alto relevo, canudinhos, fios de barbante, E.V.A. e massas de modelar.

    Por meio destes depoimentos constatam-se observaes da pesquisa de Oliveira (2007) sobre confeccionar seus prprios materiais didticos e metodologias de ensino. Tatiane explica o uso dos materiais confeccionados pela equipe do projeto:

    Cortamos canudinhos de trs tamanhos diferentes. Um que representava quatro tempos, uma semibreve que era a maior, depois do tamanho da metade deste, uma mnima, e outros quatro menorzinhos que eram as semnimas. (...) Outro, por exemplo, foi um, tambm de ritmo de massinhas. Ns levamos algumas massinhas e os alunos faziam (...) tamanhos diferentes pra poder grafar ritmos que ns representvamos. (...) A gente fez um exerccio de altura em alto relevo com cola (...) ou barbante tambm d pra fazer, uma folha sulfite e dividamos, por exemplo, em trs dimenses: uma ao centro, uma mais acima e uma abaixo e fazamos curvas para que os alunos pudessem perceber o caminho do som em relao altura.

    Juciane conta que estes materiais eram utilizados de forma bem dinmica: ora como jogos de pergunta e resposta, ora cada um criando um pequeno trecho e o colega executando, outras vezes como ditado. Detecta-se que o contedo terico foi explicado apenas com base nestes materiais. A partir destes, como canudinhos e massinhas de modelar, os ministrantes explicavam mostrando por meio do tato e em seguida a prtica estimulando a escrita e a leitura desta notao alternativa. Trago tambm a descrio dos materiais didticos na fala de Samuel:

    Esses professores foram muito esforados, eles criaram assim, por exemplo, as linhas da msica a tinta com seus espaos e com massinhas eles faziam as notas para que ns pudssemos compreender n, tambm eles faziam tipos de grficos, () partes mais altas, partes mais baixas, mdios, indicando as notas mais agudas, as notas mais graves, as notas, os sons assim mdios n, trabalhavam com instrumentos tambm para descobrirmos os sons.

    Nota-se nestas falas a utilizao de materiais didticos que remetem a partitura em tinta, ou seja, materiais que fazem referncias a elementos desta grafia como, por exemplo, as pautas e notas em relevo. Devido a inexperincia dos professores ao criar materiais didticos, quando questionados a qual partitura estes fizeram referncia, cada entrevistado demonstrou uma viso particular sobre o assunto. Tatiane afirma que os materiais

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    no foram confeccionados baseados na musicografia em tinta e sim na percepo auditiva, contudo conta que no havia percebido isto na poca em que estavam a elaborar os materiais.

    Ana Paula afirma que os materiais eram sim baseados na grafia em tinta. Segundo ela, isto decorre da tentativa de ensinar como ela mesma aprendeu. Ns ensinvamos do nosso jeito at com as mesmas metodologias assim, palavras utilizadas na nossa aprendizagem que ns tivemos, ns passamos pra eles. Em conseqncia disso, Ana Paula conta que foram confeccionadas partituras tradicionais em relevo com intuito de passar para eles como ns vemos, como nossa partitura. No caso deles no seria essa a partitura, mas ns no tnhamos outra ideia

    Isto pode ser explicado por Bonilha: geralmente, os professores so formados para lecionarem aos alunos que aprendem a ler em tinta, e por isso, a metodologia de trabalho por eles adotada se baseia nas especificidades desse cdigo (BONILHA, 2007, p.5). Isto acaba acontecendo sem ao menos perceberem que necessria uma nova reflexo sobre a metodologia de ensino.

    Para Juciane, os materiais didticos foram baseados nas experincias que a equipe tinha q