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TIRA AQUI, PÕE ALI O figurino do acrobata aéreo

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Bauru, para obtenção da formação em Design – habilitação em Projeto do Produto.

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TIRA AQUI, PÕE ALIO figurino do acrobata aéreo

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ANGELICA MARTINS DE OLIVEIRA PEREIRA

TIRA AQUI, PÕE ALIO figurino do acrobata aéreo

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Bauru, para obtenção da formação em Design – habilitação em Projeto do Produto.

Orientador: Professor Titular Dr. José Carlos Plácido da Silva

Bauru2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

ANGELICA MARTINS DE OLIVEIRA PEREIRA

Aprovada em: 14/06/2013

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. José Carlos Plácido da SilvaUNESP

Prof. Dr. Claudio Roberto y GoyaUNESP

Profa. Me. Thaís Helena Rissi de SouzaUFF

CONCEITO FINAL: 10,0

(com distinção)

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Dedico este projeto aos responsáveis por minha existência, duas pessoas que se uniram e deram vida a outras duas criaturas, os motivaram e deram-lhes todo apoio para superar as adversidades e se preencher de conhecimento. Pai e mãe, dedico a vocês a minha primeira cria.

DEDICATÓRIA

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8AGRADECIMENTOS

Um projeto de dois anos de estudos, pesquisa e imersão teve seu caminho cruzado com o de tanta gente que merece minha lembrança e agradecimento.

Minha mãe Neidimar, sendo uma pessoa de tão bom coração, sempre disposta a fazer o impossível para ajudar a quem for, obrigada por estar além dos meus 23 anos de vida, nesses últimos quatro anos e meio me motivando e se enchendo de orgulho a cada trabalho acadêmico que eu lhe mostrava. Você é minha inspiração. Sou grata também por você ter se apaixonado pela costura, adquirido suas preciosas máquinas e me incentivado a gostar também.

Meu pai Antonio foi o principal responsável por eu ter chegado de uma maneira suave e estruturada até aqui, sem você eu teria chegado, mas teria enfrentado tantos obstáculos que poderiam ter me feito desistir. Nunca mediu esforços quando o assunto era estudar, nunca se negou mudar de cidade (e passamos por tantas, Planura, Barretos, quase por Marilia, São Carlos, Franca e eu em Bauru) para que eu e meu irmão pudéssemos ter a melhor educação. Pai e mãe obrigada, vocês são minha casa.

Meu irmão Antonio Luiz, me enche de orgulho, sempre que falo de você não me faltam qualidades para descrevê-lo. Você é minha inspiração, foi por sua causa que estudei pra passar em uma faculdade pública, pois tendo a ti como exemplo, eu não poderia ser diferente. Embora a gente brigue e converse pouco, temos uma sintonia que nos faz ter uma parceria mutua, valeu irmão.

Moysés, o amigo, o companheiro e “muso” inspirador. Você me enche de orgulho e sempre me surpreende com suas ideias visionarias. Grande parte dos meus trabalhos tem uma dica ou uma ajuda vinda da sua esperteza e engenhosidade. Você nunca me deixou na mão, sempre se dispôs a fazer por mim o que faria para você. Gratidão meu amor.

Vó Sebastiana, obrigada por ser essa beleza de pessoa, sempre de sorriso no rosto mesmo tendo motivos para se fechar. Obrigada por acreditar nos filhos e netos e por pedir as bênçãos aos santos e orixás que a senhora tem fé. Obrigada também por ter me dado uma maquininha de costura velha que mal funcionava, mas é por causa dela que agora tenho a máquina nova. Vida e luz para a senhora!

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Minhas amigas de faculdade e/ou moradia e “rolês”, Janine, Alice, Sa, Tati, Lu e Elissa, obrigada pela parceria desses quatro anos, a graça que vocês deram à minha vida acadêmica é o que me fez motivada para ir às aulas (as vezes sem graça) e fazer aqueles trabalhos complexos e empoeirados de cortar, lixar, lixar mais um pouco, pintar e montar. Sucesso na carreira de vocês, contem comigo se precisarem de ajuda, de “pitaco” ou para comprar seus produtos de design. E aos tantos colegas de sala, apesar de não nos encontrarmos muito fora dela, vocês formaram a melhor turma. Agradeço também aos professores, em especial Plácido, Osmar e Goya as principais referências que esse curso tem. Obrigada à professora de costura Suzi por me fazer apaixonar pelas malhas.

Meus amigos e amigas de tecido acrobático, Thaís Rissi a acrobata do sorriso aberto, você foi a culpada por me iniciar e me fazer apaixonar por essa arte. Tatiana Santiago, minha professora “gravidinha” que teve pouco tempo para me ensinar, levou um susto quando eu literalmente fiz minha primeira queda, mas me ajudou a levantar e seguir. Mariana Harue um ser de luz que me ensinou a leveza e a graça dos movimentos no tecido. Vanessa, Arianni, Bruninha e os malabaristas do Vitória Arena Juggling obrigada pelos treinos agradáveis e produtivos no Vitória Regia. Meus queridos empreendedores do Coletivo ISO Dani Barros, Fabinho e Léo Moreira, obrigada pela parceria de treinos e pela visão de futuro no tecido acrobático, sozinhos chegaremos a algum lugar, mas juntos e fundidos vamos longe com essa arte. Dani como você diz, não para! Á galera do Instituto Arte e Vida e da Trupe Sen´Tenda, Mah, Branko, Re, Lê, Mary, Zildinha, Mandinha, Bingó, Leo, Rica, Levi, Elivelto, José, Henrique, Vinicius, Fabrício... obrigada por me fazerem acordar de manhã aos domingos para treinar, amar o circo e se empenhar para fazer o nosso Catarse, espetáculo que tenho a honra de fazer parte. Hup Hup Hey!

5º InterCircu Bauru minha primeira convenção circense e todos os amigos que ali fiz Vanessa, Stefania, Marina e Marcelo Pinho, Junaine, Mae, Renan, Lucas Abduch, Rafael Alfia, Roney, Percy, Rafael Kage, Rodolfo Mariano, Calil... Vocês me fizeram abrir os olhos para o circo ao meu redor, me fizeram enxergar o valor na nossa arte e acreditar que o circo que fazemos é tão bom quanto o que sonhamos, embora possa sempre melhorar. 14º Convenção Brasileira de Malabarismo e Circo, ali conheci pessoas incríveis e talentosas como Luisa Guedes, Barbara Francesquine e Juliana Braga, vi gênios e amantes do circo se unindo para manter viva e para por em roda as discussões dessa arte.

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10Agradeço também à banca Thaís Rissi e Goya por ter carinhosamente aceitado meu convite. E ao meu querido orientador Plácido, obrigada por acreditar em meu potencial, você se tornou um grande amigo, suas dicas e sugestões ao longo da graduação foram muito preciosas e importantes para esse projeto e com certeza levarei para a vida profissional.

Ao fotógrafo Rodolfo Mariano, obrigada por ter registrado nossos treinos no Vitória Régia com belíssimas fotos que aqui tenho a honra de usar. Obrigada à talentosa Juliana Maciel que me presenteou com seu trabalho para as fotos do produto final desse projeto.

Obrigada ao Instituto Praxis de Educação e Cultura, e em especial ao coordenador Tony Rocha que me cedeu espaço para os treinos, testes e fotos.

Meu agradecimento ao Gunther, representante da Inneo Brasil com a loja Prospects Representações, que gentilmente me forneceu material neoprene para utilizar no projeto.

Aos meus amigos e amigas, em especial Lica, Mariana (Macaquinha), Deh Licre, Gracia, Aninha, minha família, meus bebês caninos Lesther, Joli e Mulecão e todos ao meu redor, vocês de certa forma fazem parte dessa história, obrigada por existirem.

É com lágrimas de alegria que registro minha gratidão a todos que citei e aos que ficaram implícitos no texto. Valeu galera, espero que apreciem meu projeto.

“ Vamo que vamo”!

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RESUMO

No circo contemporâneo, dentre inúmeras características que compõem um espetáculo, está o ambiente. Ele saiu do picadeiro para encontrar novos públicos. Escolas de circo surgiram e com isso o número de adeptos dessa arte aumentou. Uma das modalidades mais procuradas é o tecido acrobático, realizada em um longo tecido suspenso no qual o acrobata executa manobras de grande dificuldade. A relação do corpo com o equipamento é intrínseca nas atividades circenses. Principalmente a roupa deve estar em contato íntimo com o acrobata, como se fosse extensão do seu próprio corpo, amparando-o, desafiando-o e estimulando a criação. Na falta de cuidado com a roupa usada na prática circense é comum o aparecimento de bolhas, queimaduras, hematomas e dores. Com isso o presente projeto tem a intensão de evitar e sanar esses inconvenientes, criando uma roupa modular e adaptada que suprirá necessidades e carências das roupas comuns utilizadas nos treinos, protegendo, auxiliando e dando liberdade de composição ao acrobata.

Palavras chave: circo, tecido acrobático, figurino, design.

ABSTRACT

In the contemporary circus, among various characteristics that compose the spectacle is the environment. It left the ring to find a new audience. Circus schools emerged, and with it, the number of supporters of this art increased. One of most popular modalities is the aerial silk, executed in a long suspended fabric where the acrobat does tricks of huge difficulty. In the circus activities, the relation between body and equipment is intrinsic. Especially the clothing must be in intimate contact with the acrobat, like the extension of your own body, supporting him, challenging him and encouraging creation. In the absence of care with the clothing used for the circus practice is common the appearance of blisters, burns, bruises and pains. Thus this project has the intention to prevent and remedy theses drawbacks, creating a modular and tailored clothing that will supply the needs and wants of ordinary clothing used in training, protecting, assisting and giving compositional freedom to the acrobat.

Keywords: circus, aerial silk, costume, design.

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Dedicatória.............................................................................................................7

Agradecimentos.....................................................................................................8

Resumo.................................................................................................................11

Introdução............................................................................................................13

Justificativa...........................................................................................................15

1. TECENDO A HISTÓRIA ......................................................................................17

1.1 A evolução das atividades circenses........................................................18

1.2 O picadeiro – Philip Astley........................................................................23

1.3 A lona – circo norte-americano...............................................................29

1.4 O circo atual.............................................................................................34

2. TECENDO OS NÓS.............................................................................................49

2.1 Acrobacia aérea em tecido......................................................................50

2.2 Configuração do tecido acrobático..........................................................55

2.3 As exigências do tecido acrobático..........................................................59

3. DESIGN..............................................................................................................61

3.1 O que fazem os designers.........................................................................62

3.2 O design no Circo.....................................................................................63

4. O QUE OS ACROBATAS ESTÃO VESTINDO......................................................64

5. TECENDO O PROJETO........................................................................................67

5.1 O que, porque, pra quem........................................................................68

5.2 Separando os materiais...........................................................................70

5.3 Papel e lápis na mão................................................................................74

5.4 Traçando o molde....................................................................................78

5.5 Costurando..............................................................................................80

6. PRODUTO FINAL................................................................................................83

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................89

8. BIBLIOGRAFIA..................................................................................................91

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃOComumente sob uma lona colorida o circo reúne artistas com talentos e habilidades diversas, dentre elas o malabarismo, contorcionismo, equilibrismo, palhaçadas, magias, monociclo, pirofagia e acrobacias criadas e recriadas para divertir e emocionar o espectador. O mundo circense é espetacular, nada é impossível, o real e o irreal são indistinguíveis, onde até o invisível aos olhos, com um “tapa” na imaginação, ganham contorno e expressão, seja nos gestos de mímica dos palhaços, nos truques e mágicas dos ilusionistas ou nos efeitos especiais dos sons e das luzes.

A partir da desordem um mundo imaginário se constrói possibilitando no espetáculo a inversão da ordem natural das coisas. O circo se apropria da imaginação e do desejo como meios para extrapolar os limites humanos e fazer de toda loucura algo normal. Ali todos são iguais, homens e bichos se fundem e se transformam em seres bizarros, grotescos, estranhos a primeira impressão, mas que na essência nos mostram inúmeras semelhanças com as atitudes humanas e circunstâncias em que se encontram.

Por se tratar de uma arte de natureza itinerante e passar por tantos lugares diferentes, cada apresentação circense tem sua particularidade, principalmente se tratando dos atos dos palhaços, que em alguns casos

não têm ensaios, e fazem do acaso a ferramenta determinante para a sua graça. "Sendo assim é necessário improvisar, usar a imaginação para não perder a bolinha.1". (PANTANO, p.17). Cada lugar e público influem inspiração única ao circo visitante possibilitando a este se adaptar ao contexto local e garantir a originalidade do espetáculo.

O circo atual acrescenta ao tradicional, linguagens artísticas reformuladas para o nosso tempo como as artes cênicas, artes visuais, efeitos sonoros, música ao vivo, cenografia e figurino tão bem elaborados com o auxílio da criatividade potencializada pela tecnologia. Como também migra para lugares atípicos, retorna as ruas, adentra em teatro e casas de show; apresenta outra configuração muito mais voltada ao corpo em atuação do que aos números de grande risco. O impacto está nos efeitos sensoriais, na apreensão do público para o que é belo e não para o que é chocante.

Junto à busca por novos ares pelos circenses, suas atividades começaram a ser praticadas e ensinadas em escolas, academias, estúdios de dança e onde mais houver gente interessada, e o número de praticantes vem só aumentando. Uma das modalidades mais procuradas é o tecido acrobático, uma dança aérea que coloca o corpo

1. “Expressão utilizada pelos palhaços para designar a concentração necessária à interpretação.” (PANTANO, p.17).

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14do acrobata em íntima união com um tecido. Para tal prática o uso de roupas adequadas é fundamental e deve ser escolhida cuidadosamente para garantir segurança e melhor desempenho.

Para isso o circo tem se preocupado com todos os elementos que compõem o espetáculo, desde a luz, o som, o cenário, a atmosfera, aos adereços, sapatos e figurino, aqui tudo deve estar em concordância tanto com o enredo quanto com o número executado pelo artista que por sua vez deve se sentir confortável e seguro para imprimir expressividade e movimentos fluidos. O figurino merece atenção especial, pois é a segunda pele do artista, que está entre o corpo e o objeto de interação/público, deve tanto personificá-lo quanto auxiliá-lo. Aqui o design tem papel fundamental na busca de soluções imediatas para o melhor desempenho do artista.

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Vou contar uma historinha. O tema circo foi escolhido no terceiro ano da graduação, bem antes de saber qual seria o produto final, mas eu já tinha ali o significado que esse projeto traria para mim. Seja qual fosse o resultado seria um prazer tratar de um assunto cheio de conteúdo, de arte, de movimento e emoção que tanto me fascina.

Mas não pense que desde criança eu vou a circos, na verdade que eu tenho lembrança fui a um ou dois circos tradicionais quando era pequena. O encanto surgiu há uns seis anos quando vi pela primeira vez um vídeo de um dos espetáculos da trupe canadense Cirque du Soleil. Eu estava em uma festa à fantasia, muito agradável por sinal, saí do salão para tomar um ar do lado de fora e estava passando em um telão uma cena do número que até hoje mais me marcou. Não sei se é pela música ou pela maestria do artista, ou por todos os elementos juntos. O número de German Wheel, uma espécie de “roda de hamster” em que o acrobata fica dentro com os braços e pernas esticados fazendo giros de várias velocidades e amplitude, é especial. Fiquei ali o resto na noite, esqueci da festa e da agitação que me cercava, fiquei hipnotizada até que o vídeo inteiro se passasse pelos meus olhos.

Quando cheguei em casa fui procurar por todas a informações possíveis

JUSTIFICATIVAsobre aquilo que eu tinha visto e um universo mágico se abriu para mim. No entanto, a primeira oportunidade de ver um espetáculo do Cirque ao vivo só veio quatro anos depois, mesmo tendo esperado tanto para esse momento foi algo que valeu a pena, pois para a minha satisfação o primeiro espetáculo que eu iria ver era Quidam, o mesmo que havia tirado minha atenção naquela festa. Foi maravilhoso, saí de um sonho e tudo que eu vivia posterior àquilo era voltado para aquilo, eu queria estar naquele meio, fazer parte de alguma forma. Desde então, sempre que posso, acompanho o trabalho da trupe e inicialmente eles seriam o objeto de estudo do meu projeto.

Um ano depois conheci meio que por acaso a pessoa que me fez escrever a historia circense em minha vida, Thaís Rissi. Ela me apresentou aquele que viria a ser o motivo para observar melhor os troncos das árvores e as vigas dos telhados, o tecido acrobático. Apaixonei-me por essa prática e hoje faço dela não só um hobby, mas mais um motivo para minha existência, não sei se nasci para isso, mas isso nasceu pra mim de uma forma que tudo que faço tem que ter tecido no meio.

Paralelamente, na faculdade de Design da UNESP Bauru, eu nutria uma paixão pelo design, mas não sabia de que classe de produtos eu mais gostava e o que eu queria fazer no meu trabalho

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16de conclusão de curso, dentro do tema circo. Foi então que entre algumas conversas com meu orientador Plácido, com toda sua calma e confiabilidade no meu trabalho, me pediu para estudar o assunto, continuar a pesquisa sobre circo que uma hora apareceria a necessidade e consequentemente eu teria o papel de resolvê-la com um produto. Continuei, e junto à prática de tecido acrobático aquela conversa foi fazendo sentido. Uma necessidade foi se desdobrando para mim e para meus parceiros acrobatas de que a roupa que a gente usava não nos dava tanta segurança e nem nos auxiliava quando necessário. Tínhamos sempre que improvisar, dobrando ali, cobrindo aqui para que sentíssemos um pouco menos inseguros. Mas isso nos causava alguns desconfortos até mesmo deixando algumas marcas na pele.

Com isso percebi que o meu produto seria uma roupa voltada para a prática de tecido acrobático, uma roupa que nos desse mais liberdade, adaptabilidade e segurança. Assim o Cirque du Soleil deixou de ser o foco do projeto e passou a ser somente uma boa referência e fonte de inspiração. Adentrando mais nesse universo circense comecei a dar muito mais valor ao circo ao meu redor, às praticas cotidianas, aos grupos pequenos que estão sempre se virando e improvisando para garantirem sua segurança e dar o melhor do seu número.

Então, aqui vai a minha contribuição.

Mudar para melhor a prática de tecido acrobático é algo que eu acredito como a minha verdade nesse design. Uma das lições que levo das primeiras aulas de Plástica com o professor Goya, não sei se exatamente com essas palavras, mas ele disse: faça a sua verdade, faça o que você acredita. E eu acredito.

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1. TECENDO A HISTÓRIA

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paredes das pirâmides pinturas decorativas que informavam a existência de malabaristas e atletas com as pernas para cima e equilibrando-se sobre as mãos. As quais também já representavam a presença de domadores de animais, eles trabalhavam para alimentar o gosto que os faraós tinham em exibir animais ferozes das terras conquistadas nos seus desfiles militares, caracterizando-se os primeiros domadores. Escravos capturados, exibindo seus dotes nas apresentações em argolas e barras também eram representados por essas imagens, práticas essas que lembram os números da moderna ginástica olímpica2.

Da Grécia é possível encontrar imagens sobre peças de cerâmica, as quais a grande atração exercida para o vislumbre do público eramas demonstrações de habilidades físicas nos jogos olímpicos como proezas acrobáticas, contorcionismo,

De acordo com Bolognesi (2003), “dentre as artes cênicas, a circense não tem tradição de pesquisa, no Brasil”. Considerando assim, a falta de subsídios para entender esta relação público/artista circense, não é a intenção deste estudo preencher essa lacuna e sim fornecer uma fundamentação teórica para o projeto proposto.

São muitas as contribuições para o desenvolvimento da atual arte de circo, desde os chineses com seus desenhos rupestres e pinturas em vasos de cerâmica descobertos cerca de 3.000 a.C. e conservados até hoje, das quais aparecem acrobatas, contorcionistas e equilibristas se apresentando diante de uma plateia aparentemente interessada no espetáculo que lhe é oferecido. A acrobacia como forma de treinamento para os guerreiros exigia força física, agilidade, flexibilidade e apurada percepção espacial. Pequenos grupos se destacavam e recriavam em outro contexto o conteúdo ministrado nos treinos somando-se àquelas qualidades graça, beleza e a harmonia dos gestos. Com o tempo, já afastado das práticas de combate, o indivíduo apropriando-se das habilidades adquiridas buscava nas praças um público que garantisse uma possibilidade alternativa para sua subsistência. (DUPRAT, 2007).

No Egito foram encontradas nas

1.1 A EVOLUÇÃO DAS ATIVIDADES CIRCENSES

2. Fonte: http://historiadocirco.netsaber.com.br/index.php?c=1103. Fonte: http://www.juggling.org/papers/evans/

Figura 1. Desenho Egípcio de pessoas executando malabarismo3.

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trapézio, malabarismo, formação de pirâmides humanas, paradas de mão e números de força. E os atletas sempre buscando agradar à plateia exigente que se manifestava ruidosamente ao final de cada número, aprimoraram e elaboraram suas demonstrações.

De acordo com Bolognesi (2003), o que prevaleceu nestas apresentações, dentre outras implicações, eram as práticas artísticas, esportivas e políticas.

Poder-se-ia argumentar que as raízes do circo estariam postas no hipódromo e nas Olimpíadas da Grécia antiga. No primeiro, porque os conquistadores gregos expunham os resultados de uma façanha bélica, exibindo os adversários vencidos e escravizados. Além dessa exibição, os chefes dos exércitos traziam animais exóticos, muitos até então desconhecidos, como prova de bravura e testemunho das distâncias percorridas e das terras conquistadas. As olimpíadas, por sua vez, sob o signo do esporte, expunham os atletas em disputadas acrobáticas, no solo, em corridas e saltos, ou em aparelhos que permitiam a evolução do corpo no ar, em barras e argolas (BOLOGNESI, 2003, p.24).

Em Roma 200 anos a.C. no Império Romano os anfiteatros eram lugares destinados inicialmente às festas públicas de caráter religioso, durante as quais corridas eqüestres e exibições

atléticas eram atrações obrigatórias do programa, que mantinham o povo daquele local a favor do Império. “A habilidade do condutor e a força dos cavalos eram os ingredientes necessários para o sucesso de uma corrida.” (BOLOGNESI, 2003, p.27-28).

A organização espacial das atividades circenses na península itálica ajustava-se perfeitamente à concepção das formas reais e ideais, as quais viam na figura circular uma metáfora do próprio globo terrestre, cujo Roma, evidentemente, ocupava o centro. (BOLOGNESI, 2003). Além disso, as referências nos informam que os espaços circulares, hipoteticamente, foram criados para que o mesmo desfile pudesse dar muitas voltas, sem interrupção, permitindo ao público visualizar cada um dos componentes da parada mais de uma vez.

A adoção do nome Circo veio com a construção de um anfiteatro chamado Circo Máximo de Roma por volta de 366 a.C.. Levantou-se do solo inicialmente com toras de madeira, erguendo arquibancadas para a acomodação dos espectadores. Da madeira passou-se para a pedra, e da pedra para o mármore, com detalhes em bronze e ouro, deixando claro, pela nobreza dos materiais empregados, o ar aristocrata e cerimonioso que o local adquiria4.O Máximo foi destruído por um incêndio e em 40 a.C., por mando de Júlio César o local foi reformado e4. Fonte: http://discoverybrasil.uol.com.br/guia_roma/entretenimento/index.shtml

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20se transformou no então conhecido Coliseu, uma arena circular, rodeada de arquibancadas, onde cabiam 87 mil espectadores. Lá eram apresentadas excentricidades como homens gigantes e louros nórdicos, animais exóticos, acrobatas atuando em grupo de até

quinze participantes, engolidores de fogo e duelos de gladiadores entre eles mesmos ou com feras. Estes eventos atraiam muita gente aos anfiteatros romanos, as quais se interessavam mais pelo desfecho das lutas do que por elas propriamente ditas.

Figura 2. Reconstituição do Circo Máximo5.

6. “Artista que anda ou dança em corda bamba, aquele que muda facilmente de opinião ou partido, inconstante”. (Michaelis, 2000). (nota do autor).7. Do italiano, saltar sobre os bancos. (nota do autor).

5. Fonte: WEBER, 1986, p. 84 apud BOLOGNESI, 2003.

Nos séculos IV e V da Era Cristã, o circo romano foi deixando de ser apreciado, até desaparecer por completo, devido à forte influência da Igreja, que via nos espetáculos circenses um antro pecaminoso, obrigando artistas e ambulantes a procurar, durante um longo período, outras praças públicas e feiras que pudessem acolher a exibição de suas habilidades.

Dependentes das contribuições espontâneas da população, funâmbulos6 e saltimbancos7 buscam novas festas, festivais populares, praças e ruas, apresentando-se nas mais variadas formas: acrobacia, equilibrismo, salto, ilusionismo, mímica, ventriloquia, música, entre outras. (DUPRAT, 2007, p. 25).

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Na Idade Média e no Renascimento os bufões, mais conhecidos como os bobos da corte, eram a atração do momento. Para aliviar seu espírito cansado, de longos períodos guerreando, os grandes senhores feudais necessitavam de alguém que os fizessem rir. Surgiu então essa figura cômica, muitas vezes pela sua aparência física “bizarra ou com alguma deficiência”, usava um chapéu de várias pontas e em cada uma delas um guizo. Esses senhores o exibiam pelas ruas e se gabavam “O meu bobo é o mais engraçado do reino” (THEBAS, 2009, p. 28).

No entanto, o bobo era humilhado e se refugiava dentro de uma fantasia que opunha ao rei: tonto, estúpido e sem reinado. Contudo, o simbolismo já começava no chapéu aparentemente como uma coroa invertida e disforme. As cores também representavam as diferenças, sendo o verde, no qual era usado tanto no chapéu dos condenados, quanto no gorro que os devedores e comerciantes falidos eram obrigados a usar. Ou o amarelo que mascarava os condenados por atos que ferissem os interesses do rei, e o mesmo amarelo que marcava a roupa de um judeu, para que todos soubessem que ele não era um cristão. (THEBAS, 2009).

Os acessórios também acompanhavam a fantasia.

Parodiando o cetro real, alguns bobos da corte seguravam um

bastão de madeira com uma cabeça de bobo esculpida e conversavam com ela fazendo as pessoas gargalharem. Outros, em vez, de bastão, levavam uma vareta com uma bexiga de porco cheia de sementes presa na ponta - uma espécie de centro - chocalho que eles balançavam para os convidados ou até mesmo junto ao ouvido do rei (THEBAS, 2009, p. 29).

Outra contribuição para as artes circenses veio dos Saltimbancos, dos teatros itinerantes, dos palhaços e artistas que se apresentavam sozinhos ou em grupos, ao ar livre, sob tendas de tecido ou barracas de madeira, palcos de pequenos teatros instáveis ou fixos (SILVA, 2007), nas ruas, nas feiras e nas praças ou onde mais houvesse espaço e público para suas acrobacias, palhaçadas, contorcionismos, malabares, equilibrismos e pantomimas8 sempre acompanhadas de música. Esses artistas sobreviveram desde a Idade Media e até mesmo desafiaram a Inquisição. Os lugares onde se apresentavam eram aglomerados de pessoas que vinham conhecer as novidades trazidas

8. Pantomima mais do que apenas um teatro gestual de forma “não falada” e expressão cênica, é a associação do ator com diversos elementos presentes no processo de constituição dos circenses: variedade de números, como trapézio, acrobacia, equilibrismo, ilusionismo, engolidores de fogo e de espada, pernas de pau, as provas eqüestres, adestramento de animais; marcado pela música e acompanhado de histórias, cujos temas tratavam de mitologia e contos de fadas, como Hércules e Ônfale, e posteriormente de temas contemporâneos. (SILVA, 2007).

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22do Oriente e comercializadas na Europa, eram, perfumes, tecidos, animais, ervas, especiarias e plantas exóticas. A multidão era atraída por semanas ou meses e os saltimbancos se aproveitavam desse grande público. Essas personagens eram encontradas por todo lado, marginalizadas, mas vivendo da arte, como ilustra Chico Buarque na seguinte canção:

No palco, na praça, no circo, num banco de jardim

Correndo no escuro, pixado no muroVocê vai saber de mim

Mambembe, ciganoDebaixo da ponte, cantandoPor baixo da terra, cantandoNa boca do povo, cantando

Mendigo, malandro, moleque, mulambo, bem ou mal

Escavo fugido ou louco varridoVou fazer meu festival

Mambembe, ciganoDebaixo da ponte, cantandoPor baixo da terra, cantandoNa boca do povo, cantando

Poeta, palhaço, corisco, errante judeuDormindo na estrada, não é nada, não é

nadaE esse mundo é todo meu

Mambembe ciganoDebaixo da ponte, cantandoPor baixo da terra, cantando

Na boca do povo cantando (Chico Buarque – Mambembe)

Durante o século XVII a movimentação de grupos circenses era intensa especialmente na Espanha, França e Inglaterra. Exibiam suas destrezas a cavalo em provas de equitação

e simulações de combate, ao passo que a música marcava os efeitos sonoros para o vislumbre da plateia visivelmente interessada.

Ao sair do reduto exclusivo aristocrático, o cavalo ficou mais disponível no mercado, com preços acessíveis, possibilitando que os grupos ambulantes os adquirissem e dessem origem, também, a hábeis cavaleiros e disputassem os mesmos espaços com os ex-cavaleiros militares, tornando-se comum a ambos o repertório de exercícios eqüestres e a rotina dos saltimbancos. As agilidades corporais no chão, no ar e em cima do cavalo, denominadas acrobacias eqüestres, eram realizadas ao som de fanfarras militares e paradas espetaculosas. (SILVA, 2007, p.34).

Ao encontro desse público as companhias migravam para todos os lados. Em tempo de pouco público os artistas circenses desenvolviam atividades manuais, produziam artefatos diversos, como artigos de couro e utensílios metálicos para uso doméstico, aos poucos cuidadosamente manufaturado.

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1.2 O PICADEIRO – PHILIP ASTLEYNa historiografia europeia que trata da origem do que se denominarão artes circenses, várias companhias, durante o Século XVIII, que mesclavam os vários artistas da época e exibições eqüestres, são referências, como: a de Price, a de Jacob Bates e a de Philip Astley, este com maior destaque e considerado equivocadamente o inventor da pista circular.

Philip Astley era um ex-sargento/suboficial da cavalaria inglesa que em 1766 organizou junto a outros ex-cavaleiros militares, números eqüestres ao ar livre, em praças e feiras, mediante pagamento. Em 1768, próximo de Westminster Bridge alugou um campo e dois anos depois, deslocou-se para um terreno vago a poucos metros do anterior. Em frente a uma pista circular de terra, ainda sem cobertura dispôs as apresentações em forma de picadeiro, cercada por tribunas de madeira, como camarotes e arquibancadas, configuração esta herdada do Império Romano. (SILVA, 2007).

Com relação aos espetáculos Astley teria sido astuto ao perceber que desfilar em círculo desenvolvia nos cavalos um tipo diferente de cavalgada, o galope; e devido às forças centrífuga (que se afasta do centro) e centrípeta (que se dirige para o centro) que agiriam sobre os cavalos possibilitava que as pessoas se equilibrassem em pé

sobre o dorso (considerado o “templo do cavalo”). Dá-se aí a origem do “circo de cavalinhos”.

Sua outra grande inovação foi reunir os saltimbancos e a cavalaria num mesmo picadeiro, como relata Silva (2007):

Quando começou a se apresentar no espaço cercado por tribunas de madeira, não realizava apenas jogos ou corridas a cavalo, como a maioria dos grupos do período. A uma equipe de cavaleiros acrobatas, ao som de um tambor que marcava o ritmo dos cavalos, associou dançarinos de corda (funâmbulos), saltadores, acrobatas, malabaristas, hércules e adestradores de animais.

Esta confraria de artistas ambulantes com os grupos de origem militar, organizados todos juntos e misturados em um espaço circular são considerados a raiz do “circo moderno”. Com os espetáculos diversificando-se a atração do público foi crescente, no entanto, apresentações a céu aberto ficavam comprometidas pela instabilidade do tempo. Para tanto em 1779 Astley iniciou a construção de um anfiteatro, o Astley Royal Amphitheater of Arts, permanente e coberto em madeira, comportando arquibancadas em volta de uma pista cercada. Com o passar do tempo foi se aprimorando. (SILVA, 2007).

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Figura 3. Astley Royal Amphitheater of Arts cerca de 1890.9

O sucesso dos espetáculos de Astley foi tão grande que sua ideia foi reproduzida dali por diante, como fez um cavaleiro chamado Charles Hughes, que inclusive fez parte da primeira trupe de Astley. Ele montou em 1780 a sua própria companhia, a Royal Circus; é a primeira vez que o nome de “circo” é usado para esse modelo de espetáculo. Diferenciando-se de Astley, tal espaço tinha um palco como nos teatros, destinado aos números dos saltimbancos, e uma pista colada a ele onde se apresentavam os cavaleiros e saltadores. No lugar de arquibancadas para a plateia, camarotes e galerias foram colocadas em andares superpostos, o que permitia dar espetáculos maiores do que as pantomimas de pista. Além disso, tendo em vista a disposição do palco em lugares de cima para baixo, a visualização das apresentações era completa. (SILVA, 2007).

Philip Astley teria criado uma “nova

forma” de propagação e organização do trabalho artístico ao reunir os saltimbancos e os cavaleiros em um recinto fechado como cenário da apresentação, em vez de uma rua ou praça, e ao desempenhar papel do empresário de toda essa confraria. Essa configuração e teatralidade circense vão orientar durante quase dois séculos o modo de constituição do espetáculo e organização do trabalho artístico os quais serão levados mundo a fora pelos artistas daquele momento. (SILVA, 2003).

E nesses espetáculos, existem muitos elementos além das habilidades corporais, entre eles a música, iluminação, figurinos, sem contar na publicidade dos cartazes, que tornaram o circo uma linguagem multimídia. Programas encontrados desde 1775 mostram todas as especialidades executadas nos anfiteatros de Astley:

9. Fonte : SILVA, 2007, p. 36.

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jogos eqüestres, animais amestrados, danças acrobáticas, danças da corda, saltos acrobáticos, equilibrismo e pantomimas. O modo de produção do espetáculo pressupunha um enredo, uma história com encenação, música e uma quantidade muito grande de cavalos e artistas. Eram chamadas de pantomimas de grande espetáculo. (SILVA, 2003).

Figura 4. Programa Espetáculo de Astley – 1845.10

10. Fonte da imagem: Henry Thétard – La merveilleuse histoire du cirque. Paris: Prisma. 2 tomes – exemplaire no. 931, 1947, p. 43. Apud http://www.circonteudo.com.br/

rituais dionisíacos com suas máscaras disformes e grotescas e seus falsos falos pendurados entre as pernas, do surgimento de uma linhagem de artistas do picadeiro, os palhaços. Acredita-se que a palavra clown (palhaço) tenha a mesma origem da palavra clod, que se refere ao camponês e ao seu ambiente rústico.

Daí para frente espalhou-se pelo mundo os moldes para o circo moderno. Surgiram a cada lugar grandes artistas e palhaços, entre eles o mais famoso da época, nasceu em 1778 na Inglaterra, chamava-se Joey Grimald. Duas grandes ironias de sua vida era que, apesar de provocar tanto riso nas pessoas ele sofria de depressão, fora isso ele era artista de rua, de teatro, de praças e feiras, mas nunca pisou em um picadeiro. Devido a sua importância para as artes circenses e em sua homenagem, alguns palhaços dos Estados Unidos e da Europa chamam uns aos outros de Joey. (THEBAS, 2009).

Embora o circo de Astley fizesse o maior sucesso com tanta variedade de atos, ele sentia que ainda faltava alguma coisa. Tudo era muito espantoso, misterioso, mas faltava o riso. Então ele mesmo, junto a outros grandes cavaleiros, fingiam ser simples e desastrados camponeses aprendendo a montar sobre o cavalo arrancando o riso da plateia. Eles foram uma das primeiras hipóteses, junto a sátiros encarregados de fazer o povo rir nos

Figura 5. O clown Joey Grimaldi11.

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26O empreendedorismo de Astley não fica só na Inglaterra, ele inicia uma turnê de apresentações pela Europa na década de 1770. Todas as organizações e grupos circenses tinham além de sua estrutura física e números parecidos, a mesma temática, ora referente a histórias mitológicas, ora a acontecimentos de cunho militar, como descreve Silva, (2007, p. 41):

Quando Astley, Hughes e Franconi, entre outros, introduziram nos espetáculos circenses, definitivamente, a pantomima, chamando para isso artistas ambulantes de praças, tablados de feiras e teatros fechados, o modelo de espetáculo construído tinha sinergia com a própria produção cultural contemporânea. Era eclético e variado, fortemente marcado pelo militarismo, com encenações representando contos de fadas, quadros históricos épicos, campanhas militares históricas ou da época. Roland Auguet informa que nenhuma campanha e nenhuma batalha deixou de ser mostrada ao público12. Para o século xix, na França,

as representações da lenda napoleônica e suas “glórias militares” eram particularmente populares, ao passo que na Inglaterra e, depois, na América do Norte, a batalha de Waterloo manteve-se nos repertórios dos circos durante muito tempo. A partir de 1807, em Paris, os Franconi tornaram-se especialistas na produção de “grandes pantomimas” no Cirque Olympique, unindo pista e palco, modelo este que foi adotado por todos os circos do período13. Uma das primeiras, A lanterna de Diogène, era em homenagem a Napoleão, consolidando as representações grandiosas ou, como Arnold Hauser definiu, mélodrame à grand spectale14.

Nas duas primeiras décadas, a confraria de militares egressos, famílias de artistas e saltimbancos emigrou do continente europeu. Alguns grupos ambulantes, que já trabalhavam nas ruas sob tendas ou barracas, mantiveram essa arquitetura mesmo ao se constituírem em companhias itinerantes. Na Europa,

13. Teodoro Klein – El actor en el Rio de La Plata II – de Casacuberta a los Podestá. Buenos Aires: Ediciones Asociacion Argentina de Actores, 1994 , p. 129. (Nota da autora).14. Henry Thétard, op.cit., p. 76. Títulos mencionados de algumas pantomimas: Malborough, Don Quichotte, Montauciel, L’arrivée de Nicodème dans la lune, Frédégonde, Robert le Diable, Geneviève de Brabant, Fra Diavolo, La prise de la corogne ou les anglais en Espagne, Le pont infernal, Le soldat laboureur, Poniatowski ou le passage de l’Elster, Le cuirassier ou La bravoure récompensée, La bataille de bouvines, Le chien du régiment, La prise de la Bastille. (Nota da autora).

11. Fonte : Ilustração de George Cruikshank (27 September 1792 – 1 February 1878) apud http://en.wikipedia.org/wiki/File:Joseph_Grimaldi.jpg12. Roland Auguet – Histoire ey légende du cirque. Paris: Flammarion, 1974, p.98. (Nota da autora).

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os estabelecimentos destas caravanas eram considerados de segunda categoria, em comparação aos de madeira, fixos, e aos teatros adaptados. Devido à vida na estrada percorrendo longas distâncias, a estrutura das tendas teve que ser modificada, conta SILVA (2007, p. 50-51):

Dentre os vários países para onde estes artistas migraram, foi nos Estados Unidos que a consolidação das tendas ou barracas se fez. No final do século xviii, Bill Ricketts, um cavaleiro da trupe do Cirque Royal de Hughes, construiu um anfiteatro de madeira na Filadélfia, apresentando o mesmo programa criado por Astley, inclusive pantomimas eqüestres. Em 1836, o diretor inglês Thomas Cooke realizou também uma turnê naquele país, porém não em espaços fixos, e sim se apresentando em uma tenda. O território americano, com muitas pequenas cidades e enormes distâncias, fez com que, ao mesmo tempo em que estabelecimentos permanentes eram construídos nas grandes cidades, os artistas ambulantes, que já conheciam a tecnologia de viajar em barracas, transformassem-nas no espaço principal dos espetáculos e moradias.

O retorno desses artistas para a Europa, no fim da primeira metade do séc. XIX significou uma mudança tanto dos paradigmas circenses, quanto da configuração espacial e conceitual. Eles levam não só a tenda ambulante e a possibilidade de mobilidade,

mas também artistas dos vários países por onde passavam. Misturavam nacionalidades e consolidavam-se como um espaço de múltiplas linguagens artísticas, que pressupunha todo um conjunto de novas formas de produção e organização de espetáculo. No entanto, havia quem discordasse daquela nova vertente, os defensores do “circo puro” diziam que o “novo circo” era eclético demais, aparentava um music hall, um teatro de variedades. Apesar das críticas a montagem e produção dos mesmos proliferaram, e já continham as principais formas de expressões artísticas contemporâneas. (SILVA, 2007).

E acrescenta Ermínia Silva (2007, p. 52-53):

Foi com esta diversidade que o circo se apresentou nos vários países para onde migrou, identificando-se como companhia eqüestre ou circo de cavalinhos, organizando diferentes circos, marcando relações plurais com as realidades culturais e sociais de cada região ou país. E é com esta base que, a partir do início do século xix, na América do Sul registra-se a chegada de famílias européias compostas por circenses ou saltimbancos.

O surgimento de diversos circos em Londres e Paris, além de várias cidades europeias, que se aproveitaram do modelo de Philip Astley e tentaram repetir ajustando às possibilidadeslocais, foi um dos aspectos marcantes do século XIX.

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28Se tratando daqueles grupos que não conseguiram se estabelecer, tiveram como alternativa a estrutura ambulante, um tanto menos ambiciosa e bem mais flexível. Deslocavam-se constantemente de cidade em cidade sobre carretas cobertas, iterando rotas e trajetos que há muito tempo já vinham sendo percorridos. Constituindo-se de grupos menores, os quais visando favorecer as boas relações internas, foram naturalmente se compondo sob um mesmo eixo familiar. Dos quais surgiram as grandes dinastias circenses.

Os circos do sec. XIX carregaram estrada afora o legado que foi herdado de Astley quanto às apresentações, assimilando a ele os hábitos e tradições locais, fazendo surgir novas formas de concepção do espetáculo, bem como incorporando novos valores socioculturais de cada região a qual o circo se implantasse. Nessa andança, deixaram para trás as exibições militares e de violência entre guerreiros que demonstravam força e celebravam a vitória contra o inimigo, afastando-se definitivamente das origens helênicas ou romanas. Dessas, a contribuição que permanece até hoje é quanto ao espaço cênico circular tendo como único objetivo centralizar a atenção da plateia para homens, mulheres, crianças e velhos dotados de talento e criatividade que estetiza e dilata o intercâmbio em forma de encenação, transmitindo e compartilhando de um mesmo saber adquirido de seus antepassados e

propondo refletir, como num espelho, o gosto do público, afinando e preparando para torná-lo mais seletivo e exigente.

Esse período foi marcado não só pelas transformações como também pela expansão massiva do campo de atuação para lugares diversos e distantes, num espírito nômade que impulsionava as famílias circenses a atravessarem o oceano Atlântico em busca de novos territórios e público interessado em suas exibições. Enquanto que grupos de origem anglo-saxônica dirigiram-se para a América do Norte, dentre os motivos o favorecimento da língua, outros tantos, já enraizados em solo latino, pela mesma razão, darão preferência à América do Sul. No entanto, nessa mesma região, muito antes, ciganos expulsos da península ibérica, desenvolviam algumas atividades próprias da atmosfera circense, com especialidades como a doma de ursos, o ilusionismo e as exibições com cavalos. Há relatos de que eles abrigavam-se em tendas e nas festas sacras, havia bebedeira, bagunça e exibições artísticas, incluindo teatro de bonecos. Eles perambulavam de cidade em cidade, e adaptavam seus espetáculos ao gosto da população local. Sendo que, os números que não faziam sucesso na cidade eram tirados do programa. Daí para frente espalhou-se pelo mundo os moldes para o circo moderno.

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1.3 A LONA – CIRCO NORTE-AMERICANOEncontra-se nesse momento a organização e consolidação da imagem assumida pela expressão circo, a lona erguida sobre um picadeiro e

Figura 6. Tradicional circo de lona15.

15. Fonte: http://fcfamiliavidal.blogspot.com.br/2012/03/dia-do-circo.html16. Fonte: http://www.circopedia.org/John_Bill_Ricketts

Em 1793 John Bill Ricketts, um jovem artista equestre inglês, discípulo de Charles Hughes, movido pela necessidade de expandir sua área de atuação, foi o primeiro a levar o circo para os Estados Unidos. Moldado pelos espetáculos de Astley e motivado pela necessidade de viajar longas distâncias carregando todas as características originais, suas apresentações inicialmente eram feitas á luz do dia, pois o espaço circular preenchido com uma mistura de solo e serragem não teria cobertura.

apoiada por um mastro central, de fácil desmontagem e transporte, caracterizando a itinerância dos espetáculos.

Vencidas varias dificuldades operacionais Ricketts conseguiu se transferir para um local coberto e iluminado localizado na Filadélfia. A carreira de Ricketts não foitão extensa devido a algumas adversidades, mas a influência de sua chegada à América fez-se presente em todos os circos seguintes a sua passagem16.

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Figura 7. Ricketts Circus, na Filadélfia. O Court House está do lado esquerdo, e o Hotel de Oeller à direita17.

17. Fonte: Document © Historical Society of Pennsylvania (1797) publicado em: http://www.circopedia.org/File:Ricketts_Circus.jpg

Para comportar o crescimento dos espetáculos e garantir o conforto do público, os circos tiveram que se cobrir com tendas e aumentar o espaço do redondel. Mas isso só foi possível principalmente graças à invenção, no início do século XIX, de Purdy Brown, juntamente com os irmãos Nathan e Seth, dos mastros centrais cobertos com uma “cava” (tenda), que suportavam os aparelhos aéreos, a iluminação e o tecido, esse inicialmente era feito em algodão, e depois de uma lona simples para uma impermeável (SILVA, 2007 e JACOB, 1992 apud DUPRAT, 2007). Quanto à iluminação Silva (2007, p.51) diz, “De início, os espetáculos eram

realizados durante o dia, até que, por volta de 1845, os diretores de circo sob tenda começaram a se apresentar à noite, iluminando o espaço com tochas de resina e velas de sebo; posteriormente, é claro, foi iluminado a gás, acetileno e eletricidade.”. O transporte das trupes e seus equipamentos, materiais e animais também sofreram mudanças com o passar do tempo, inicialmente era feito com carroças puxadas por animais, e para os lugares mais distantes usavam ferrovias e rios. (SILVA, 2007).

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Por volta de 1830 a grande maioria dos circos americanos havia adotado a cobertura de lona como que um símbolo, o que a transformou na imagem mais conhecida até os dias atuais.

Outro circense inglês a imigrar com seu circo para o continente norte americano, por volta de 1869 foi William Cameron Coup, que veio com a preocupação estética que faltava, se destacou tanto que chegou a apresentar para mais de mil espectadores em todo território americano um espetáculo grandioso de dois picadeiros. Tendo uma visão de futuro para seu circo, Coup dois anos depois se associou a um famoso apresentador, o Phineas T. Barnum, que reunia e usava como entretenimento seres humanos tidos como bizarros: estátuas vivas, ciganos, albinos, obesos, gigantes, anões e até mesmo uma sereia (mas isso niguem comprova a autenticidade), caracterizando assim como “circo dos horrores”. Barnum e Coup criaram juntos, na crescente cidade de Nova York, um circo monumental, e acreditando no poder da promoção anunciavam-no como “o maior espetáculo da Terra” e o público americano foi atraído e se encantou18. Visando um prestigio ainda maior, Barnum associou-se, em 1881, a James Anthony Bailey criando um empreendimento de

sucesso, o Barnum and Bailey sob o diferencial de apresentar em três picadeiros simultaneamente um único espetáculo. Além disso, foi Barnum quem levou ao circo norte americano a exibição de animais exóticos, como um velho elefante que, adquirido com poucos dólares rendeu-lhe o fascínio da plateia. Repetindo o modelo dos generais vitoriosos das campanhas romanas e motivado pelo sucesso das apresentações do elefante, Barnun foi ampliando os exemplares da fauna.

18. Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/circo-centro-picadeiro-435981.shtml

Figura 8. Pôster de anuncio do Maior Espetáculo da Terra19.

19. Fonte: The Strobridge Litho. Co., Cincinnati & New York. Publicado em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Barnum_%26_Bailey_clowns_and_geese2.jpg

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Figura 9. Vista dos pavilhões de lona do circo The Barnum & Bailey20.

20. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Barnum_%26_Bailey_greatest_show_on_Earth_poster.jpg

Depois de uma temporada em outros países Bailey voltou para os EUA e descobriu que uma nova dinastia ganhava reputação no local, eram os Ringling Brothers. Em 1906 Bailey faleceu e Barnum acabou vendendo no ano seguinte seu amado circo para, os irmãos Ringling numa soma de US$ 400.000.

Os irmãos Ringling dispostos a transformar o espetáculo circense e desbancando e abafando o sucesso de seus maiores concorrentes, combinaram os dois circos e passaram a se chamar Ringling Bros and Barnum & Bailey.

21. Fonte : fotografia retirada do The Circus Book, publicada em : http://www.zupi.com.br/fotos-incriveis-de-circos-nos-anos-40-e-50/

Figura 10. Bilheteria do Ringling Bros and Barnum & Bailey21.

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Logo foram rotulados como “os reis do circo”, o motivo era a sua sensível percepção voltada para o sucesso, tocando exatamente no interesse do público. E ainda tiraram vantagem na corrida pela conquista de público atravessando o país inteiro, ao passo que, viram no transporte ferroviário a solução para o deslocamento de seus materiais, elenco e animais. Chegaram a cobrir 150 cidades entre os meses de abril e outubro do mesmo ano e tornaram-se o maior circo itinerante do planeta naquela época, levando seus espetáculos mundo afora22. Porém, diante de uma nova realidade econômica depois da II Guerra Mundial, foram obrigados a abdicar de seu projeto.

Grande parte do continente europeu estava preocupada com a reconstrução de suas cidades. Além de que os custos da montagem dos circos nos países devastados e o transporte tornaram-se inviáveis e dificultados, dando uma desaceleração no movimento circense. Fora isso, surgiram o rádio e o cinema para disputar o tempo de lazer das pessoas. Mais tarde, foi o surgimento da TV e a profissionalização do negócio, que fez o circo mudar.

Toda essa evolução e repertório se dilatando contribuiu para o surgimento de vertentes do circo, carregando a tradição e a mesma expressão central. Dos subsídios dos hábeis e flexíveis chineses surgiu o circo22. Fonte: http://www.jugglenow.com/circus-history.html

Chinês; da audácia dos domadores de animais, o Circo Russo; dos saltimbancos das feiras e praças, o Circo de Rua; do itinerante circo de lona norte americano, o Circo Tradicional; e da mistura e ao mesmo tempo ruptura dos moldes antigos, da combinação de diversas linguagens, que passa a ser apresentado em lugares atípicos, surgiu o multicultural e midiático Circo Contemporâneo.

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Figura 11. Coreografia do espetáculo Dinamo de Deborah Colker23.

1.4 O CIRCO ATUAL

“Gênero heterogêneo que muitos insistem em chamar de ‘novo circo’, na falta de uma denominação que tivesse sido imposta de maneira incontestável”. (WALLON, 2009, p. 15).

Novo circo é um termo que evoca um movimento recente no qual acrescenta linguagens artísticas renovadas, provenientes da dança, do teatro, das artes plásticas, da música ao vivo, das atividades esportivas, com cenografia, iluminação, projeções

23. Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br/2009/02/15/dinamo/

visuais, maquiagem e figurino, muito bem elaborados com o auxílio da criatividade potencializada pela tecnologia. Fazem espetáculos que reúnem artistas com talentos e habilidades circenses, dentre elas o malabarismo, contorcionismo, equilibrismo, acrobacias, palhaçadas, magias, monociclo, pirofagia dentre inúmeras outras combinadas e recriadas para divertir e emocionar o espectador.

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Figura 12. Figurino assinado por Freusa Zechmeister para o espetáculo Breu do Grupo Corpo24.

Figura 13. Músicos do espetáculo Varekai do Cirque du Soleil25.

24. Fonte: http://www.grupocorpo.com.br/obras/breu#fotos

25. Fonte: http://www.fabricaestudios.com.br/blog/comentarios.php?id=559

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Figura 14. Cenário assinado por Gringo Cardia para o espetáculo Ovo do Cirque du Solei l26.

Figura 15. Projeção 3D durante Fête des Lumières, Lyon, França (2010)27.

26. Fonte: http://www.cirquedusoleil.com/en/shows/ovo/extras/photos.aspx

27. Fonte: Artistas: 1024 arquitetura (Foto: Daniela Krautsack), publicado em: http://www.newmediacaucus.org/wp/wp-content/uploads/2011/05/3D-projection-mapping-Fete-des-Lumieres4.jpg

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Figura 16. Maquiagem para o espetáculo Zarkana do Cirque du Soleil28.

Figura 17. Sketch e figurino em uso do espetáculo Alegria do Cirque du Soleil29.

28. Fonte: http://www.cirquedusoleil.com/pt/cirque-club/news/2011/2011-02-25-zarkana-zark-pictures.aspx

29. Fonte: http://www.cirquedusoleil.com/pt/cirque-club/news/2011/2011-05-26-alegria-costume.aspx

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38No entanto essa nomenclatura, surgida entre as décadas de 80 e 90 do século passado, pode ser posta em crítica levando-se em conta que “novo” cria o “velho” e a este pode se contrapor e se subjugar colocando o circo tradicional de portas fechadas às novas possibilidades, o que se mostra um equívoco considerando que uma arte que está constantemente se restaurando, e na qual o velho foi e é um dos elementos constitutivos do processo histórico, não pode ser qualificada como estática e obsoleta. Assim, me volto com maior segurança à denominação Circo Contemporâneo.

Em correspondência via internet concedida à tese de mestrado de Maria Clara Lemos dos Santos, a pesquisadora Alice Viveiros de Castro, afirma que:

[...] toda e qualquer classificação de espetáculos artísticos deve ser muito cuidadosa e deixar espaço para o novo e para a permanente reinvenção estética, para novos formatos de produção, coisas que costumam vir juntas [...].

Ainda sobre a discussão do nome podemos levar em conta as considerações de Jean-Marc Lauchaud em Wallon (2009, p. 55) a respeito:

Este estereótipo é também utilizado por comodidade. Por um lado é redutor, apagando a diversidade de pontos de vista assumidos por cada companhia; por outro lado, ele encoberta a evolução referenciada,

distinguindo as produções dos anos 1980 daquelas dos anos 1990. Seria útil, sem querer reanimar uma querela estéril de oposição entre os antigos e os modernos, pensar sobre as modalidades e as armadilhas de uma denominação como essa. De fato, quem (artistas, especialistas institucionais, críticos, espectadores) nomeia esses espetáculos assim? Segundo quais critérios, para qual (is) objetivo (os)? Diante disso, Barbatas recusa que se fale nesses termos das produções de Zingaro, preferindo definir seu trabalho como algo que se desenvolveu de um teatro equestre e musical.

Ao contrário da indicada “morte do circo”, acontece uma remodelação, uma transformação da atividade circense e do circo tradicional, que auxiliam numa renovação artística integral, ao influenciar outras artes e mais especificamente o teatro de rua. A atividade circense se adequa às mudanças, mostrando-se como arte atual e respondendo às novas necessidades de fruição da mesma.

Talvez seja complicado listar todas as características que identificam o circo contemporâneo, pois variam de espetáculo para espetáculo, de grupo para grupo, e pode se agregar qualquer coisa em sua composição. Mas, em linhas gerais, podem ser destacadas a formação não familiar, não tradicional, a inclusão de elementos atuais e a capacidade de amoldar-se às condições esperadas por seus consumidores e produtores.

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Nessa constituição, a tradição não se mostrou como algo inerte. Nela estava pressuposto um movimento constante de criação e de reelaboração tanto da maneira de se apresentar como do seu modo de trabalhar, viver e do significado de ser um artista circense.

Bernard Turin, em 1996, quando era diretor do Centre National des Arts du Cirque – escola oficial de circo da França, em Chalôns-en-Champagne, afirmava que:

[...] o novo circo é, antes de tudo, um espetáculo com uma forma diferente de realização: há um fio condutor, uma unidade no espetáculo e os mesmos ingredientes de um espetáculo teatral, com um diretor, um coreógrafo, um compositor, os figurinos criados para o espetáculo, um cenógrafo, um iluminador, [...] Agora, atualmente, há circos tradicionais que também funcionam assim, que têm um cuidado com a qualidade, mas é raro (livre tradução)30.

30. “Le nouveau cirque est, avant tout, un spectacle avec une façon de faire différente: il y a un fil conducteur, une unité dans le spectacle et les mêsmes ingrédients que dans un spectacle vivant avec un metteur en scène, un chorégraphe, un compositeur, des costumes créés pour l’ensemble du spectacle, un scénographe, un éclairagiste... Alors, il y a quelques cirques traditionnels qui, maintenant, fonctionnent ainsi, [...] qui a un souci de qualité important, mais c’est plutôt rare” (Tradução pessoal de trecho da entrevista realizada por Marie-France Rachédi. Revista Animation & Education, 1996). (Nota do autor).

A todo o momento, as técnicas se reinventam e apontam novas soluções, para compreender o alcance das mudanças. No caso dos circenses, por exemplo, os antigos equipamentos hoje são feitos de outros materiais podendo ser empregados para diminuírem o peso, aumentar a resistência, ou a durabilidade, mas mantendo o nome tradicional, como é o caso das pernas-de-pau hoje feitas em alumínio, titânio e parafusos. Podemos compreender as mudanças que ocorrem não só no universo circense mundial, mas na cultura em geral como uma atualização necessária, pois nossa sociedade está constantemente se modificando e evoluindo.

O surgimento, na década de 1960, de uma nova ideologia de vida, onde as pessoas querem decidir seu próprio destino, faz prosperar na arte expectativas transformadoras de pensamento, contudo a arte popular quer se projetar longe buscando novos ares para um ainda “não público”. Acrescenta Floriane Gaber em Wallon (2009, p. 48):

O Maio de 68 está ainda em todas as memorias, o desejo se faz urgente de se tomar as ruas para se expressar – de outra forma, [...]. Trata-se da festa, forma de reivindicação tranquila que floreia o asfalto dos anos 1970. Flores nos cabelos e nas bochechas, fantasias brilhantes e maquiagens multicoloridas, fazem parte do

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40ornamento dos ‘cogne-trottoir’;31 o chamado ao circo é discreto, ou mesmo não reivindicado, mas o público reconhece nessa explosão de cores e de rendinhas o que ali pode parecer.

Assim, as gerações que fizeram germinar o chamado “novo circo” são marcadas pelos acontecimentos do Maio de 68, como descreve Jean-Marc Lachaud em Wallon (2009, p. 57):

Depois de passarem por diversas formações (distanciadas do campo artístico para alguns), eles se engajam, no decorrer dos anos 1970, em concordância com as esperanças e os sonhos que se exteriorizam durante esse período utópico em múltiplas aventuras. Para muitos deles, a rua vai ser um terreno primordial de intervenção. A vontade de derrubar as convenções reinantes na criação artística oficialmente reconhecida e sustentada é acrescentada ao desejo de mudar de vida no cotidiano. Descobrindo o mundo dos artistas mambembes e dos saltimbancos, eles experimentam assim, de forma selvagem – pode-se falar desta maneira –, as potencialidades expressivas de diferentes formas populares abandonadas, não legitimadas (ainda) institucionalmente.

Os desejos são múltiplos, para alguns enriquecer o circo com elementos do teatro contemporâneo é a preocupação vigente, outros querem construir as artes de rua

31. Guarda-passeio. (N.T.).

aliando as técnicas do circo com a música, a mímica, etc..

A consolidação da arte circense contemporânea surge na década de 1980 num contexto francês da criação do Centre National des Arts du Cirque (CNAC) em Chalôns-em-Champagne (antes Chalôns-sur-Marne) e da criação da École Supérieure des Arts du Cirque (ESAC), em 1985, onde a questão do interprete não apenas como atleta, mas também como artista era colocada em debate. De lá surgiram gerações que contribuíram para a difusão das novas formas de organização dos espetáculos circenses como Archaos, Zingaro, Le Cirque Baroque (antigamente Puits aux Images), Cirque Bonjour, Théâtre des Manches Balai, Noctambules, Compagnie Foraine, Cirque de Barbarie, Cirque Nu, Pallais des Merveilles, Les Nouveaux Nez, Cirque Ici, Que CirQue e Les Arts Sauts. (WALLON, 2009).

Quanto ao desenvolvimento do curso, acrescenta Corine Pencent em Wallon (2009, p. 40):

Foi Bernard Turin, no momento em que assumiu a direção do CNAC em 1990, quem introduziu uma mudança decisiva: ele optou por convidar um coreógrafo ou diretor para elaborar a criação do espetáculo de fim dos estudos de um ano [...] o sucesso dessa iniciativa e a projeção das peças [...] puderam eclipsar a importância das inovações contidas nos princípios pedagógicos que presidiam a abertura da Escola de Châlons.

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O jovem formado em artes de circo pelo CNAC recebe um brevê artístico, legitimando a possibilidade de se estabelecer enquanto ator social em caso de acidente e que esse deveria ser conhecido como um artista-interprete; recebe também um diploma das profissões das artes do circo, considerando-o um criador/realizador de números em uma ou varias técnicas específicas do circo, amortecidas por uma formação de ator. (WALLON, 2009) “Mesmo que uma disciplina seja privilegiada neste ciclo de estudos, a interdisciplinaridade se mantém no centro da formação. Isso significa formar artistas polivalentes”. (WALLON, 2009, p. 40).

Embora não seja novidade desse período, a década de 1980 representa um marco do aparecimento de escolas no mundo todo, inclusive no Brasil, empenhadas em difundir as técnicas circenses fora do picadeiro. E “num primeiro momento, as escolas privilegiaram o enfoque do ensino nas acrobacias, quer dizer, a busca da construção de um aluno virtuose do corpo” (SILVA e ABREU, 2009, p. 181).

No passado o circo estava restrito à formação de artistas que cresciam ao redor da lona ou às pessoas que fugiam de seu cotidiano, motivadas por alguma paixão e que se agregavam ao circo itinerante que cruzassem seu caminho. Hoje as escolas ensinam as técnicas provenientes do circo tradicional a qualquer pessoa sem a tradição familiar, principalmente

aos artistas advindos de outras formações artísticas, que procuram nesta arte uma maneira de agregar valor artístico a outras modalidades de artes, como as cênicas, a música, o teatro de bonecos, a dança, e outros diálogos entre artista/plateia. E ainda aplicar esta hibridização em outros contextos, fazendo sua interpretação de acordo com a estética do seu tempo e constituindo grupos que retomaram a linguagem múltipla e polissêmica do universo circense dando um rumo diferente à história do circo.

Segundo Silva e Abreu (2009, p. 181) além de um retorno ao passado há um crescimento natural da quantidade de artistas no mercado:

A emergência dessas escolas recuperou, de certo modo, as metodologias de ensino do circo-família: exercícios acrobáticos, teatro, música, dança; além da necessidade de se aprender a montar e desmontar o circo, ser cenógrafo, coreógrafo, ensaiador, figurinista, instrumentista, etc. Mas, não é apenas um retorno ao passado. Com as escolas há de fato novos profissionais que se utilizam da linguagem circense, e demonstram o quanto ela dá e permite a possibilidade de criar, inovar e transformar os espaços culturais.

Mas para os circenses tradicionais, que tendem a construir uma barreira psicológica entre tudo aquilo que é interior e aquilo que é de fora, o ensino nas escolas é visto como impuro e

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42acarreta na descontinuação do saber e da forma de viver nos circos. Tal ensino provocou mudanças e até mesmo rupturas na forma de transmissão e consequentemente na forma de se apresentar, pois o conhecimento contido na memória não era mais compartilhado coletivamente, fazendo surgir novas relações de trabalho e um novo “ser artista de circo”. (SILVA, 2009).

Aqueles “filhos do circo” passaram a buscar outras perspectivas diante das exigências da vida moderna, buscaram pela estabilidade dos estudos profissionalizantes e alguns puderam até dar continuidade ao ensinamento das artes circenses abrindo seu próprio negócio. Mas agora o artista é um especialista de sua modalidade e o único responsável pelo seu número, o qual é oferecido ao mundo empresarial.

E Silva e Abreu (2009, p. 179) acreditam que:

Essas explicações acabam por não considerar que mudanças ocorreram devido a como o próprio circense operou no jogo de identidade e diferença, dado pela especificidade da própria dinâmica de constituição do circo-família. Desconhecendo que foi esse próprio circense que, em última instância, deu sentido e realidade às mudanças.

Porem isso não desencadeou no fim da produção da linguagem circense,

foi uma remodelação da arte que representa o quão viva ela está, motivada e influenciada pelas relações capitalistas das necessidades comerciais de nossa sociedade produtiva que exige não apenas a proeza, mas a novidade e diferenciação dos espetáculos. (BOLOGNESI, 2003). Desde Philip Astley o circo se comporta como uma empresa na forma de organização, e ressalta Bolognesi (2003, p. 49) o caráter empresarial e capitalista do circo moderno:

[...] a organização da empresa circense modulou-se, inicialmente, a partir das famílias. Contudo, principalmente a partir das últimas décadas do século XX, o circo brasileiro vem passando por um processo de transformação em suas formas de organização. Nesse processo tem imperado a idéia e a prática da empresa capitalista de contrato de mão de obra especializada [...] cabendo aos artistas unicamente a apresentação de seus números, com o consequente cuidado de seus aparelhos artísticos.

E para Silva (2009, p. 178) essas mudanças no modo de vida e organização dos espetáculos:

[...] tem sido explicado tanto pelos circenses quanto pela maior parte da bibliografia, como consequência da atuação de elementos externos – e apenas externos – desorganizadores do modo de ser do circo. Para a bibliografia, os meios de comunicação de

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massa, em geral, “invadiram” e “destruíram” o circo. Entre os circenses, com quase unanimidade, é o surgimento da televisão que tem sido apontado como um dos principais responsáveis por esse processo [...].

Assim fica claro que a atividade circense se transforma e se adequa às mudanças culturais e sociais, mostrando-se atualizada e respondendo às novas necessidades de articulação da mesma.

A mistura de linguagens entre si não é novidade, a diferença é que enquanto o circo tradicional valoriza a dificuldade do número, a versão contemporânea se atenta em explorar novas maneiras de exibir essa mistura ao público.

“Um malabarista contemporâneo sabe o valor de equilibrar o maior número de claves ou bolas assim como o tradicional, mas está interessado em descobrir uma nova maneira de apresentar essa sua habilidade, um jeito mais cênico de jogar e aparar os objetos.” (SESC-SP, 2006).

Não só a cultura circense, como a cultura popular em geral adaptou-se à era moderna e à realidade de sua época, criando novas manifestações e visando novos espectadores. Tendo em sua essência a tradição, o circo vai muito além sempre que se encontra esgotado. Muitas vezes usando do improviso o artista tenta dar uma nova ordem ao espetáculo, inventa

novos elementos, junta, separa, justapõe, produzindo, incorporando e adequando o espetáculo para cada público de acordo com as possibilidades. (AVILA, 2008).

A busca pelo novo fez com que o circo fosse em direção a outros palcos, deixando muitas vezes a estrutura de lona e perdendo o seu caráter nômade, para criar raízes e se adentrar em lugares não convencionais e como num retorno ao seu lugar de origem, ao passado dos saltimbancos, se aventuram nas ruas, praças, feiras e convenções32 de circo, figura 18. “A grande lona deixa de ser o único abrigo para as atividades circenses. O ‘novo circo’, pode ser encontrado na rua, em salões comunitários, em parques, em teatros, em cabarés, na TV, em escolas e em acampamentos de férias” (CAMAROTTI, 2004, p. 126).

Abandonaram também os números com animais e os cederam aos zoológicos se diferenciando do “circo moderno (presença de animais, sucessão linear de números, enfoque na proeza física, assepsia do meio, clichês relacionados a algumas figuras emblemáticas).” (WALLON, 2009, p. 56). Privilegiando a façanha da criatividade a par do corpo humano num processo de hibridização do mesmo por meio da arte “a expressão humana ali representada antecede os próprios conceitos de circo ou artes do circo” (HENRIQUES, 2006 p.2).

32. Encontros anuais de malabarismo e circo.

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Figura 18. Cortejo da 14ª Convenção Brasileira de Malabarismo e Circo realizada em São João del Rei33.

33. Foto de autoria própria.

“Híbrido o novo circo sempre foi, entretanto, é hoje que, fazendo menção às formas sábias e contemporâneas da criação (como no contexto coreográfico ou plástico), as equipes vão mais longe na invenção.” (WALLON, 2009, p. 51)

No circo contemporâneo a atualização não se dá apenas nos espaços e na organização, aqui o centro das atenções está no corpo humano em ação “No circo, tudo remete ao corpo, tanto para suas faculdades inestimáveis quanto para sua fragilidade.” (WALLON, 2009, p. 15). O corajoso corpo se aventura, dialoga, emite sons e exprime a proeza

de suas habilidades enquanto fator fundamental do espetáculo desafiando as leis da gravidade ora no palco, de ponta cabeça, ora pendurado no ar, quebrando os limites próprios e os impostos por uma rotina comum da maioria das pessoas, correndo riscos e dando risadas. “A exigência da proeza, não importa sob qual ponto de vista, o distingue dos outros tipos de investimento corporal”. (WALLON, 2009, p. 18)

Provando o contrário do que dizia a ciência, o corpo (do artista circense) mostra o ponto de partida das potencialidades humanas e não seu limite, passando, assim, a ser a nova “estrela” do circo,

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nas inúmeras performances de seus artistas, que inspiravam sensações diversas como o medo, o riso, a possibilidade e a liberdade (HENRIQUES, 2006).

Este corpo é híbrido e por vezes pós humanos, se opondo aos ideais de corpo que a ciência do fim do século XIX construíra. “Artistas como trapezistas, malabaristas e equilibristas fazem do circo um lugar mágico, povoado de seres fantasticamente humanos em sua corporeidade e materialidade.” (HENRIQUES, 2006 p.2).

Transitando livremente entre o sublime e o grotesco o circo mostra sua grandeza, potencialidade, e a superação dos seus “seres”. Na maioria das vezes associado a um enredo teatral o corpo humano nunca deixa de ser um fator extraordinário realizando naturalmente ações “impossíveis” com eficácia cênica.

[...] o circo que adota o teatro pode experimentar um processo similar de imprimir sentidos intelectuais às matrizes sensoriais do circo. [...] Tal processo igualmente provoca o esvaziamento do cômico grotesco, quando o riso se desaloja do corpo e vai se solidificar no enredo (BOLOGNESI, 2003, p. 201).

“Seja mantido ou não por um fio narrativo, o espetáculo de circo procede de um encadeamento de pequenos dramas no qual o corpo é o mecanismo, o vetor, o quadro, enfim, o ator e seu teatro.” WALLON (2009, p. 18). O circo se mostra como um universo

mágico, ao passo que dentro de um espetáculo o público se vê rodeado de elementos fantásticos, lúdicos e imaginários, sua principal função como plateia é experimentar emoções. É isso que o circo desperta nas pessoas, uma variação de humores provocada por uma sequência de atrações sinestésicas e números improváveis que provocam no espectador alternações entre alegria, susto, medo, admiração, encantamento, etc..

Na maioria das vezes essas sensações são intensificadas por um aparato de investimentos cenográficos, sonoros e visuais que representam com realidade a atmosfera em que o artista se coloca em determinado número, fazendo com que o próprio espectador se coloque no lugar. Para Jean-Marc Lachaud em Wallon (2009, p. 56) é preocupação agora a organização cenográfica:

“o universo musical, enriquecido e sem censuras arbitrarias [...] a música é um agente ativo, que assume o seu próprio peso artístico e assim mantem contatos fecundos com os componentes do quadro que se dobram e se desdobram, que se desencadeiam e se entrecruzam. As luzes, os figurinos, as maquiagens, os acessórios, eles também estão sem tabus, trabalhando em função daquilo que é pesquisado e desejado por aquele que cria. Por fim, a disposição e a colocação em situação do publico, cumplice ativo que pode ser solicitado que se cumpra a peça, são cuidadosamente estudados.”

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46Quanto à criação de um espetáculo podemos dividi-lo em três etapas de realização: a aprendizagem, a composição/construção e a representação/exploração do espetáculo. E o corpo do artista se encontra em três situações: o corpo ferramenta, o corpo objeto significante e o corpo explorado.

Ainda podemos identificar quatro fases de aprendizagem (WALLON, 2009):

1ª Descoberta: exploração do desequilíbrio.

2ª Controle: através da repetição o desequilíbrio é controlado e resolvido por uma “figura”.

3ª Domínio: segundo sua necessidade, o praticante é capaz de romper e retomar o equilíbrio.

4ª Virtuose: o praticante é capaz de modificar o número e o

desencadeamento de figuras bem como a velocidade de execução, a amplitude e a força.

E quatro disciplinas básicas do circo que se combinam em especialidades - clown acrobata, malabarismo no monociclo (WALLON 2009): • Manipulação de objetos• Acrobacia• Adestramento• Jogo do clown

A evolução do circo, como qualquer outra, acompanhou as tecnologias disponíveis e refletiu a cultura de cada época. Hoje o grande nome em inovação circense é a trupe canadense Cirque du Soleil, que há 27 anos vem se destacando pela ousadia certeira de seus espetáculos.

Figura 19. Imagem publicitária do espetáculo Corteo do Cirque du Soleil34.34. Fonte: http://www.cirquedusoleil.com/en/shows/corteo/extras/wallpapers/wallpaper-gallery/wallpaper3/1280x1024.aspx

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Completamente midiático e expansivo em todas as plataformas, o Cirque demanda de profissionais criativos de diversas áreas, são selecionados os melhores artistas e diretores de criação para todo novo espetáculo/tema. Na área do design existe no comando geral um diretor de criação e outros diretores para cada especialidade, como o designer de som, o de

projeções visuais, o de iluminação, o de equipamentos acrobáticos, o de cenário, o de figurino e o designer de maquiagem. Além destes, existem especialistas em todos os tipos de artesanato, de produtores de sapatos, fantasias e acessórios a carpinteiros nas oficinas e outros tantos profissionais dedicados ao movimento dos corpos.

Figura 20. Costureira confeccionando fantasia no ateliê do Cirque du Soleil35.

Referências em utilizar das técnicas contemporâneas do circo são também as trupes Cirque Plume da França, figura 21, La Arena da Argentina,

35. Fonte: http://www.cirquedusoleil.com/pt/home.aspx#/pt/home/about/details/the-studios.aspx

figura 22, os palhaços russos Slava´s Snow Show, figura 23, Intrépida Trupe, figura 24 e Universo Casuo do Brasil, figura 25, dentre outros espalhados

Figura 21. Cirque Plume, da França, corpos em interação com estrutura atípica36.

36. Fonte: http://www.cirqueplume.com/atelier/photos/diaporama17.html

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Figura 22. Circo La Arena, utilizando-se de projeções visuais37.

37. Fonte: http://circoarena.com.ar/images/leo06.jpg38. Fonte: http://www.flickr.com/photos/intrepidatrupe/7264879586/

Figura 23. Apresentação do Slava´s Snow Show39.

Figura 25. Número de Roue Cyr no Universo Casuo39.

39. Fonte: http://www.slavasnowshow.co.uk/gallery/ 40. Fonte: http://www.marcoscasuo.com.br/uc/ucshow.php

Nesse sentido, o “novo circo” não faz nada além do que se religar com a tradição e reivindicar o que o circo sempre foi: um gênero espetacular e híbrido ligado ao esporte, ao teatro, à magia,

ao adestramento, e hoje, à dança, ao cabaré, aos espetáculos de luz, ao teatro e, provavelmente, logo, às novas tecnologias. (WALLON, 2009, p. 62).

Figura 24. Número de espetáculo Ao Vento, Intrépida Trupe38.

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2. TECENDO OS NÓS

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Num espetáculo circense existem dois espaços de exploração o terrestre e o aéreo, onde para Philippe Goudard em WALLON (2009, p. 27) a estrutura cíclica do espaço na maioria das vezes está:

Simbolizada e manifestada pelo círculo, elemento cenográfico fundamental no circo. A vertical, sua complementar, permite falar ao circo o que é celeste e o que é subterrâneo. Na composição do artista ela marca a intensidade enquanto o círculo marca a duração.

E Christophe Martin em WALLON (2009, p. 74) vai além:

Sem dúvida seria mais justo falar de hemisfério, porque o circo associa o baixo e o alto, providencia a passagem entre os dois e habita o ar, explorando plenamente o fantasma declarado da dança, mesmo contemporânea, da elevação. Podemos lembrar que foi no século XIX que o circo inventou o trapézio voador. A dança, no mesmo momento, será feita nas pontas dos pés (Giselle, 1841). O desafio lançado à gravidade induz uma escritura espacial que autoriza rupturas de escala, permitindo romper com os costumes visuais já perturbados pela configuração do palco redondo.

Os números realizados no hemisfério “celeste” são dados como acrobacias

2.1 ACROBACIA AÉREA EM TECIDO

aéreas, entre elas estão os mais comuns como o trapézio fixo e o voador, a lira, a corda lisa e a corda indiana, as faixas, o tecido acrobático, entre outras releituras desses.

Uma figura acrobática se define como realização de rotações variadas em todos os espaços planejados. Essas rotações podem se desencadear de diversas formas, são tão numerosas quanto rápidas e dispõem de um grande espaço entre a posição inicial e o ponto de destino. Esses dois elementos condicionam a figura acrobática quanto a sua dificuldade ou fragilidade. (WALLON, 2009, p. 34).

O acrobata tem suas origens, entre outras ocultas, representada pelos chineses por meio de imagens junto a contorcionistas e equilibristas. Seu desenvolvimento passou pelos saltimbancos, os artistas da Commedia dell´arte e mais recentemente pela ginástica olímpica e artística. Tem como base a técnica e a disciplina dos atletas, no entanto, no circo a acrobacia deixa de ser uma competição e passa a demonstrar que o valor artístico está muito mais explicito e arraigado.

A acrobacia é uma das primeiras disciplinas aplicadas nas escolas de circo, pois trabalha todo o corpo, o equilíbrio, a postura e a orientação nas três dimensões do espaço. Todos os grupos musculares são exigidos

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nas revoluções seja no solo ou no ar, e a prática regular garante o aprimoramento da força e resistência física, agilidade e flexibilidade, além de trabalhar a consciência corporal e o autoconhecimento com relação à superação de limites, confiança e segurança.

O risco de queda não é ilusório, “um anagrama ainda que aproximativo, sugere: não existe circo sem risco.” WALLON (2009, p. 15), mesmo que simbólico e estético como é o caso do desafio dos malabaristas em prender as bolinhas no ar ou do clown em manter o riso. Assim “Uma falha mínima altera a figura acrobática ou limita seu valor artístico.” WALLON (2009, p. 33).

E o acrobata dissipa a queda ou resolve uma situação de instabilidade corporal, em que se expôs voluntariamente, através da figura artística que tem seu valor exigido antes de qualquer técnica. O medo aqui é administrado e a superação é a proeza do número, o que leva o público a participar de um suspense seguido de alívio. WALLON (2009).

Tendo em vista a segurança destes artistas para Philippe Goudard em WALLON (2009, p. 30) é fundamental a parceria com áreas distintas:

Se quisermos que a obra dure e a apresentação se estabeleça, os artistas necessitam de ferramentas para correr o máximo de riscos sem se destruírem nem se sacrificarem.

A organização de uma politica sanitária adaptada os ajudará tanto quanto a difusão de informações necessárias e o relacionamento dos profissionais de circo com os da saúde.

Essa mesma orientação é valida para o design, na finalidade de desenvolver a melhor adequação tanto da interação entre corpo e objeto, como entre espetáculo e público. Há nesse sentido a necessidade de uma perfeição técnica seguida de uma desconfiança em relação ao seu total domínio tanto por parte dos idealizadores quanto dos artistas. Tudo deve ser constantemente revisado e aperfeiçoado, fugindo da aplicação mecânica e automatizada, especialmente se tratando do corpo do artista que tendo a questão da instabilidade resolvida, pode interpretar e preencher seu número de faculdades estéticas, de harmonia e de emoção, de graça e de signos através de um gestual poético. WALLON (2009).

Dentre as modalidades de acrobacias aéreas a atualmente mais difundida e procurada não só por artistas, mas também por pessoas interessadas nas suas múltiplas qualidades de desempenho físico e estético é o tecido acrobático (ou tecido circense, tecido aéreo, dança aérea). Consiste em uma atividade recente, surgida no circo contemporâneo, executada em um longo tecido suspenso, na maioria das vezes pela metade, com as duas pontas penduradas, nas quais o

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52acrobata executa manobras de grande dificuldade como figuras, torções, giros, inversões (posição de cabeça para baixo), abertura das pernas, spaccata (aberturas laterais), cambré (coluna arqueada), curva (trava com as costas dos joelhos), quedas (lançamento intencional do corpo em queda livre), dentre outras.

Figura 26. Figura executada no tecido pela acrobata Thais Rissi. Foto de autoria própria.

Figura 27. Figura executada no tecido pela acrobata Dani Barros. Foto de Larissa Nalini.

Em decorrência da crescente divulgação, e não somente, por meio da mídia, projetos sociais e disseminação de empresas como o Cirque du Soleil, as atividades circenses vêm atraindo adeptos distintos e de ampla faixa etária, diz-se que crianças a partir de sete anos podem iniciar, embora haja uma discussão a respeito. Pela sua beleza plástica e impacto visual, o caráter lúdico e artístico

combinado com exercícios de alto rendimento físico, os quais condicionam ao aumento da resistência, força, flexibilidade, agilidade e consciência corporal em um tempo relativamente rápido, o tecido acrobático tem sido praticado em diferentes contextos. Em academias, clubes, escolas de dança, ao ar livre pendurado em árvores como mostram as figuras 28-30, entre outros espaços desvinculados do ambiente circense, com objetivos distintos, dentre os quais estão entre os três âmbitos das atividades circenses: recreativo, educativo e profissional. Outro motivo para sua difusão é o conforto de ter o aparelho se moldando ao corpo e às características do acrobata, como também a segurança de partir do solo para iniciar a prática. (BORTOLETO e CALÇA, 2007).

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Figura 28. A c r o b a c i a em tecido ao ar livre pela a c r o b a t a Vanessa de Godoy. Foto de Rodolfo Mariano.

Figura 29. A c r o b a c i a em tecido ao ar livre pela a c r o b a t a M a r i a n a Harue. Foto de Rodolfo Mariano.

Figura 30. A c r o b a c i a em tecido ao ar livre pelo a c r o b a t a Léo Moreira. Foto de a u t o r i a própria.

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54Diferente do trapézio, modalidade secular, o tecido acrobático tem sua aparição recente, aproximadamente uns 30 ou 40 anos (BORTOLETO e CALÇA, 2006). No entanto não é certo atribuir sua origem a uma única hipótese. De acordo com o relato da historiadora de circo, Alice Viveiro de Castro, em Desiderio (2003), quando ela esteve, em 1999, no festival Internacional de Acrobacias de Wuqia (China), alguns desenhos orientais foram expostos por uma pesquisadora da escola de Circo de Beijin, os quais mostravam performances em grandes tecidos (na época a seda) durante festividades dos imperadores da China por volta do ano de 600 d.C.

Outra hipótese de senso comum é a de que o tecido acrobático tenha sido uma evolução das práticas no trapézio fixo e na corda lisa devido às semelhanças de seus elementos. Por sua vez, a própria montagem na lona circense onde os artistas escalavam nas cordas tenha servido de referência para o surgimento da corda lisa. Mas há quem diga que o tecido acrobático possa ter surgido a partir de números realizados nas décadas de 20 e 30 em Berlim (Alemanha) nos quais os artistas utilizaram as cortinas de um cabaré para se pendurarem (BORTOLETO e CALÇA, 2007, apud DESIDERIO, 2003).

Ainda de acordo com Desiderio (2003) os relatos mais recentes da disseminação do tecido acrobático indicam que na França, nos anos 80, o acrobata Gèrard Fasoli aprimorou

a modalidade após pesquisas com diferentes materiais (cordas, tecidos, correntes, etc.), até chegar ao material que empregasse a maior qualidade funcional e estética, que é o caso do tecido chamado liganete. Bastante resistente no comprimento e com elasticidade na largura esse tecido confere grande plasticidade nas figuras e segurança nas quedas suportando o peso do acrobata multiplicado em até quatro vezes.

Conforme os dados de Desiderio (2003, p. 15) o tecido acrobático chegou ao Brasil em 1995:

A primeira apresentação de tecido no Brasil aconteceu em 1995. A Escola Nacional de Circo (ENC) realizou seu festival de encerramento anual, onde uma brasileira (Rachel), que acabava de voltar de uma temporada no Circo Archaos, apresentou-se e apresentou o tecido aos brasileiros. No ano seguinte, a ENC realizou a Universidade do Circo, que tinha como professor convidado – Gèrard Fasoli.

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2.2 CONFIGURAÇÃO DO TECIDO ACROBÁTICO

O tecido utilizado para a prática pode ser coton, lycra, helanca light ou helanquinha, mas ainda hoje o melhor é a malha liganete, figura 30. Essa pode ser 100% poliamida, 100% poliéster, ou mista dependendo da preferência em relação à textura (uns escorregam mais, outros são mais aderentes, mais macios ou ásperos) e à elasticidade (o acréscimo de elastano na composição deixa o tecido mais elástico).

Figura 31. Malha liganete. Foto de autoria própria.

A altura varia de 4 a 12 metros aproximadamente e a dificuldade é proporcional, sendo que a exigência de resistência física no ponto mais alto é maior do que no mais abaixo. E para a execução de quedas o acrobata necessita estar o mais alto possível do chão ao se desenrolar. Consequentemente à variação da altura o tamanho do tecido depende do local onde será instalado, sendo que o tamanho mínimo será o dobro do pé direito mais dois metros. O importante é que o tecido seja uma peça inteiriça, não possua emendas e furos, nem esteja desfiado (SANTOS, 2006).

Figura 32. Altura vista de baixo para cima do tecido pendurado. Foto de autoria própria.

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56Esses aspectos são favoráveis a uma diversidade de exploração da forma de interação do praticante com o tecido acrobático, pois a maleabilidade deste aparelho permite inovações de acordo com a criatividade e a proposta do número. Embora não haja uma metodologia específica para tratar das diferentes possibilidades de uso bem como das terminologias e conceitos aplicados Bortoleto e Calça (2007) documentaram os diferentes tipos de acrobacia aérea em tecido.

A inexistência de regras e a necessidade de inovar e criar, típicas das artes cênicas, fez surgir diferentes formas de prática do tecido na modernidade.

Deste modo, a forma de fixar (amarrar) o tecido, assim como a altura, pode variar, e estes fatores influenciarão os tipos de travas (ou chaves), truques e quedas que poderão ser executados. (BORTOLETO e CALÇA, 2007, p. 75).

Tecido lisoA forma mais comum a qual consiste num tecido de 15 a 30 metros, fixado pelo meio em uma estrutura de no mínimo 4 metros de altura e dividido em duas partes iguais que toquem ou preferencialmente sobrem 2 metros no chão. Nessa configuração é possível a execução de diferentes subidas, descidas, chaves, figuras estáticas e quedas (movimento). Figura 33.

Figura 33. Figura executada em tecido liso realizada pela acrobata Angelica Martins. Foto de Moysés Ferreira.

Tecido marinhoÉ o mesmo tecido, mas ancorado de maneira inversa, ao invés de deixar as pontas voltadas para baixo, elas serão presas na estrutura, a uma distância

variável de 2 a 3 metros do chão dependendo da preferência, formando uma gota com a parte central do tecido onde serão executados os truques e acrobacias. Figura 34.

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Double tecidoSemelhante ao tecido liso na forma de ancoragem, no entanto a performance é executada por dois artistas simultaneamente, como mostra a

figura 35. Além dos movimentos típicos do tecido liso, executados individualmente ou em dupla, podem ser realizadas portagens similares ao double trapézio.

Figura 35. Portagem no tecido pelas acrobatas Arianni Milano e Angelica Martins. Foto de Rodolfo Mariano.

Figura 34. Manobra acrobática dentro da gota do tecido41.

41. Fonte: http://www.destinpilates.c o m / 1 0 0 0 _ 6 6 6 _ c s u p l o a d _ 4 5 7 0 2 7 5 0 .jpg?u=246051885

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58Tecido ao vooSimilar à faixa circense quanto à execução, e fixação parecida à do tecido liso. O artista se prende nas pontas do tecido que estão soltas de diversas maneiras no solo, e realiza

voos, giros, travas, prancha e apoios invertidos, tracionados por um moitão (manual) ou guincho (automático) que regulam a altura. As travas geralmente são realizadas nos braços, punhos, mãos e pernas. Figura 36.

Essas são algumas dentre outras possibilidades de uso que cada praticante ou grupo pesquisa e desenvolve como forma de interação com o aparelho, adicionando inclusive elementos externos e inusitados, como por exemplo, o bambu.

Figura 36. Número de tecido ao voo do espetáculo La Nouba do Cirque du Soleil42.

42. Fonte: http://www.orlandosentinel.com/the-daily-disney/orl-cirque-du-soleil-la-nouba-101510-001,0,4651794.photo

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A prática de tecido acrobático requer qualidades físicas específicas como força, flexibilidade e coordenação já que é inerente a tarefa de se sustentar pendurado pelos braços, mãos, pernas, pés e nuca. Também exige capacidade de concentração e autocontrole. A falta ou deficiência desses aspectos pode colocar o acrobata em situação de risco. Neste caso o corpo do artista tem de

Figura 38. Movimento que exige alongamento, realizado pelo acrobata Fabio Augusto. Foto de

autoria própria.

estar em estado de alerta para o jogo cênico fluir com espontaneidade. É necessário também que se tenha resistência física e bom alongamento, para isso a repetição é essencial, pois leva ao fortalecimento do corpo, corrige e limpa os movimentos e o faz experimentar novas formas. (SANTOS, 2006).

Após um prolongado investimento na variedade de exercícios de resistência física, muscular, cardiovascular e de flexibilidade, o acrobata torna-se virtuoso, seguro e íntimo do aparelho, podendo então imprimir expressividade artística aos movimentos, deixando-os orgânicos e fluidos em busca de uma comunicação sublime com a plateia.

A relação do corpo com um equipamento é intrínseca nas atividades circenses. Assim o artista deve ter consciência plena, não só do seu corpo (tamanho do seu braço, força, limites), como também do equipamento e dos objetos utilizados. O figurino, os adereços e cenário devem estar em contato íntimo com o acrobata, como se fossem extensões do seu próprio corpo, amparando-o, desafiando-o e estimulando a criação.

2.3 AS EXIGÊNCIAS DO TE-CIDO ACROBÁTICO

Figura 37. Movimento que exige resistência física, realizado pela acrobata Angelica

Martins. Foto de Moysés Ferreira.

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60No tecido acrobático é pertinente que as mãos estejam livres e os pés estejam descalços, pois o contato da pele com o tecido é que proporciona segurança pela aderência. Uma alternativa para evitar o comum escorregamento é o uso de breu, uma resina que ajuda a proteger do suor. No entanto, é comum o aparecimento de bolhas, queimaduras, hematomas e dores,

o tecido pode causar estrangulamentos dos membros devido ao aperto dos seus “nós” nas travas e truques, como exemplifica a figura a seguir.A criação de cascas na pele torna-se uma forma de proteção natural devido ao atrito constante, assim como os calos nas mãos e por vezes a perda das digitais. Por isso, a proteção é indispensável. (SANTOS, 2006).

Por este motivo o uso de roupas apropriadas, que cubram a maior superfície possível do corpo, principalmente as axilas,

a região abdominal e as pernas, ajuda a evitar as escoriações e os hematomas ocasionados pelo contato direto com o tecido.

Figuras 39-42. Marcas na panturrilha, no braço e axila, na cintura e na panturrilha respectivamente da esquerda para direita, de cima para baixo. Fotos de autoria própria.

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3. DESIGN

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623.1 O QUE FAZEM OS DESIGNERSNão faltam definições para a expressão design, de origem relativamente recente, e isto tem causado muita controvérsia devido a acepções equivocadas e inapropriadas.

A palavra de língua inglesa design tem derivação mais remota da palavra designare do latim, que abrange os significados de designar e o de desenhar. O substantivo design faz referência tanto a ideias abstratas de plano, desígnio e intenção, como a ideias concretas de configuração, arranjo ou estrutura.

Na maioria das definições, há a junção desses dois sentidos para o design de produto, configurando basicamente na transformação de conceitos intelectuais em forma material.

Assim, conforme LÖBACH (2001 – p.16) “o conceito de design compreende a concretização de uma ideia em forma de projetos ou modelos [...]” e tal processo resultaria na elaboração de produtos e informações passíveis de fabricação em série, e cuja intenção seria a concordância com as necessidades humanas. No entanto, o design não se trata apenas do fator humano, pois é inteiramente aceitável, falar do “design das moléculas” ou do “design no universo”.

Junto à busca pela estrutura da forma dos objetos e informações, o design

tem como fundamento a busca pela qualidade funcional de tais. Com isso a relação entre design e ergonomia estende-se além da estética dos produtos industrializados, levando em consideração o aprimoramento de suas características funcionais. Portanto, resultados que atendam à satisfação das necessidades físicas e intelectuais dos seres humanos requerem o domínio e a orientação de ambas áreas.

Diante disso é comum a tendência de impor uma série de normas e restrições, como “este é designer e aquele não” ou “isto é um bom design, aquilo não”. Por isso, alguns princípios foram adotados, pelo Internacional Design Center de Berlim em 1979, a fim de esclarecer o que seria um bom Design:

• Não se limita a uma técnica de empacotamento; precisa expressar as particularidades de cada produto por meio de uma configuração própria;• Deve tornar visível a função do produto, seu manejo, para ensejar uma clara leitura do usuário;• Deve tornar transparente o estado mais atual do desenvolvimento da técnica;• Não deve se ativer apenas ao produto em si, mas deve responder a questões do meio ambiente, da economia de energia, da reutilização, de duração e ergonomia;

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• Deve fazer da relação do homem e do objeto o ponto de partida da configuração, especialmente nos aspectos da medicina do trabalho e da percepção; (BÜRDEK, 2006 p.15).

BÜRDEK (2006, p.16) ainda sugere que o Design do século XXI deve atender a alguns requisitos:

• Visualizar progressos tecnológicos;• Priorizar a utilização e o fácil manejo de produtos (não importa se “hardware” ou “software”);• Tornar transparente o contexto da produção, do consumo e da reutilização;• Promover serviços e a comunicação, mas também, quando necessário, exercer com energia a tarefa de evitar produtos sem sentido.

3.2 O DESIGN NO CIRCOÉ cada vez mais reforçada a importância do design na busca da qualidade estética/funcional das coisas, podemos falar de coisas, pois essa necessidade não se restringe ao que é visual nem tampouco ao que é material, podemos falar do “sentir o design” que é o momento quando este se torna sinestésico tocando nossos ouvidos, paladar, olfato, muito além do tato e da visão.

Nas artes cênicas então, o design torna-se abrangente, deve estar presente na luz, no som, no cenário, no figurino,

na expressividade do artista, na atmosfera, em tudo onde for possível aplicar efeito perceptivo funcional. É a ferramenta apoiada ao talento do artista, é tão necessariamente criativa quanto técnica, visando o entretenimento, a emoção e sensibilidade do público.

O circo assim sendo uma arte cênica recorre ao trabalho de design na elaboração completa de um espetáculo. Todo processo de criação passa pelas mãos dos designers, são os responsáveis por gerar um embrião o qual os artistas darão movimento e vida. No formato contemporâneo, o circo abre ainda mais portas aos designers, pois enxerga nesses profissionais o caminho e sucesso para as inovações sempre recorrentes. Atuando em conjunto com áreas que estudam o corpo humano e suas habilidades e a par dos avanços tecnológicos, o design dentro do circo estuda tudo o que é possível para melhorar o desempenho do artista, melhorar o equipamento de interação, melhorar a visibilidade do palco e consequentemente melhorar a percepção pelo público.

E um dos pontos pouco estudado, mas que merece devida atenção é o figurino com o papel funcional de proteger e ajudar o artista, não só como parte da construção do enredo. Aqui a tecnologia têxtil atua em conjunto com o design nas expectativas de atender ao máximo conforto e fluidez dos movimentos artísticos.

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4. O QUE OS ACROBATAS ESTÃO VESTINDO

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O Design opera funcionalmente e desempenha a qualidade estética de todos os aspectos de composição de uma obra circense contemporânea. Está tanto nos elementos mais explícitos, na atuação, no palco, bem como nas profundezas da criação, atrás das cortinas do espetáculo.

Uma das abas que lida diretamente com o corpo do artista é o costume design ou design de figurino, é tanto aquilo que o personifica quanto o que o protege. É a carapaça do corpo em atuação, a primeira impressão que a personagem transmite como também é em muitos casos a superfície de contato do corpo com o objeto de interação.

No ponto de partida de um número o acrobata se situa em uma posição inicial, a qual é o momento em que se deve manter a maior estabilidade possível. Não só o corpo deve estar seguro, a mente do acrobata deve estar focada no objetivo e todos os elementos externos interagindo de maneira positiva. Tudo a sua volta tem devida importância e pode influenciar no desempenho do artista, uma música incomum, o deslocamento de uma pessoa da primeira fila, parte do adereço que não está confortável, uma luz que ofusca a visão. Mínimas alterações na posição inicial são potencialmente prejudiciais. Tendo garantido a harmonia dos elementos externos com as habilidades do artista, este pode preencher o número de arte e graça, e chegando ao objetivo final pode relaxar a fisionomia,

descontrair a postura e reverenciar ao público. WALLON (2009).

O uso de figurino por estar diretamente ligado ao corpo em cena tem fundamental importância no desempenho, deve não só reproduzir fielmente as características físicas do acrobata como também agregar a este, características até então deficientes. Aqui a ergonomia da vestimenta deve estar impecável e a estética deve cumprir um papel no enredo da obra.

No caso da prática de tecido acrobático o figurino é fundamental, está entre o corpo e o aparelho, ele deve permitir movimentos orgânicos e livres, deve ser por vezes minimalista, como também deve proteger ao máximo possível áreas do corpo que quando expostas sofrem lesões.

Em grandes espetáculos e nos mais renomados circos contemporâneos como é o caso do Cirque du Soleil essa preocupação é tida como primordial, é estudada e através da tecnologia tenta-se chegar ao ideal. No entanto, nos treinos de rotina ou mesmo em algumas apresentações o figurino é pensado, ou às vezes nem é pensado, apenas com função estética. É comum o uso de roupas de ginástica (macacão, legging e blusa e/ou camiseta, figuras 43-45) na falta de um figurino apropriado, neste caso a inflexibilidade e incômodo provocado por essas peças é sentido pelo acrobata e muitas vezes ele (a) fica com as marcas da improvisação na pele.

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Essas roupas não oferecem total segurança, pois na maioria das vezes deixam áreas do corpo que não deveriam estar expostas como costas, axilas e abdome, e não possuem material que auxiliam os movimentos.

Procurar-se-á com este projeto suprir uma necessidade latente, que está sendo despertada e até então não atendida pelo mercado pela falta de um estudo a respeito do assunto, que tenha em vista os aspectos ergonômicos e plásticos de um figurino adequado. Acredita-se que qualquer alteração positiva na forma e função deste produto será um passo adiante.

Figura 43. Exemplo de similares43. Figura 44. Exemplo de similares44.

Figura 45. Exemplo de similares45.

44. Fonte: www.temestilo.com.brproduto-1363moda-fitnessmacacati ldeo-fitness-mulher-aranha-estampado-ref-344sl-------

43. Fonte: http://www.temestilo.com.br/produto-1265/moda-fitness/macacao-com-cos-duplo-alto-roxo-ref%3A-912-ksl-fitness45. Fonte: http://pro-move-s.tumblr.com/post/49678161954

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5. TECENDO O PROJETO

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685.1 O QUE, PORQUE, PRA QUEMEmbora seja uma modalidade originalmente circense o tecido acrobático vem encontrando novos espaços e praticantes, no entanto, o maior problema é que o mercado ainda não está acostumado com as exigências dessa prática. Soa estranha a procura tanto pelo equipamento (apesar de simplesmente ser um tecido longo), quanto pelas roupas apropriadas à sua prática, o que a torna difícil de ser encontrada, levando à improvisação para garantir melhores condições de uso.

Como já vimos, a prática de tecido acrobático deixa marcas e escoriações pela pele, é inevitável os apertões do tecido no corpo, sendo assim a proteção se torna necessária. Por outro lado, o contato direto da pele com o tecido, principalmente dos pés e mãos passa mais segurança ao acrobata, portanto, é recomendado que estejam livres.

Como o mercado consumidor ainda é pequeno é difícil encontrar a roupa certa à venda, geralmente a saída é fazer sob medida, e é o que as companhias circenses, as escolas e os artistas fazem para suas apresentações. Mas não há uma receita em relação às melhorias específicas, não há uma base de corpo ou um molde com as devidas adequações para se trabalhar o figurino.

A maioria dos usuários são mulheres entre 12 e 35 anos, no entanto, não restringe ao sexo feminino. Procuram o tecido acrobático não só como profissionalização artística, mas também como atividade física que ajuda a emagrecer, tonificar e fortalecer os músculos, assim sendo, esses corpos se tornam esbeltos, alongados e flexíveis.

O objetivo do presente projeto é a criação de uma roupa base com devidas adequações que facilitem e apoiem as manobras acrobáticas. Procurando aplicar uma melhor ergonomia, pensando na otimização da forma, dos recortes e do material, bem como na possível economia e sustentabilidade do produto. A partir dessa peça piloto há a possibilidade de incorporação de outros elementos estéticos na elaboração de um figurino de apresentação.

O projeto dessa roupa se aproxima de um design para roupas fitness, no que diz respeito ao material, pois este deve obedecer a exigências de uso como elasticidade, flexibilidade, porosidade, maciez, bom caimento e conforto. As malhas são o tipo de tecido mais indicado para tal uso por atender essas características. Sua estrutura consiste em um entrelaçamento de laçadas de um ou mais fios.

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“Essas laçadas assumem aspecto de fios em forma curva que se sustentam entre si e são livres para se mover quando submetidas a alguma tensão, determinando a conhecida flexibilidade da malha, capaz de fazê-la abraçar as mais complexas formas do corpo humano”. PEZZOLO (2009, p. 222).

O projeto abordará alguns conceitos estruturais, visando um melhor aproveitamento da forma, da função e da gama de materiais tecnológicos disponíveis no mercado.

Um dos conceitos será a adaptabilidade da peça, tendo em vista tornar o que já existe em uma peça adequada ou apropriada, transformando ou ajustando de acordo com as circunstâncias. Essas transformações podem se manifestar de diversas formas, na cor, na silhueta, na textura, na estampa, nos recortes, nos materiais, etc.. Cada qual em menor ou maior grau de transformação, desafiando o status quo46 da moda industrial. A preocupação aqui é criar funções que atendam além das necessidades básicas, de uma forma bem planejada, que faça com que o usuário sinta efetivamente o resultado pretendido de cada função. O foco como designer será a criação de um trabalho em desenvolvimento, de uma peça em transformação ao contrário de um produto acabado.

46. Status quo é uma forma nominativa abreviada da expressão in statu quo res erant ante bellum, é uma expressão latina que designa o estado atual das coisas, seja em que momento for.

No design sustentável, a adaptabilidade de um produto, processo ou sistema é, quase sempre, uma resposta ao uso ineficiente de recursos na indústria da moda comercial. As estratégias de adaptabilidade visam intensificar o uso para aumentar a eficiência com que cada peça de indumentária é usada – isto é obter mais rendimento no mesmo insumo. FLETCHER (2011, p. 76).

A modularidade também será outro conceito aplicado no projeto. A roupa será desenvolvida de forma modular, possibilitando o uso de diferentes materiais, combinações múltiplas das peças e ainda o uso com ou sem determinada parte. Isso permite ao usuário compor um figurino de acordo com suas preferências pessoais e finalidade do número, possibilitando uma participação lúdica e criativa, seria como um jogo de “tira aqui, põe ali”, como sugere o nome do projeto. Torna-se então, um produto durável e renovável, que pode ser trocado por partes, o que nos faz refletir sobre um possível modo de consumo sustentável.

Desenhar peças modulares combináveis demanda mais do designer, que deve conciliar e facilitar a expressão individual do consumidor. O objetivo do designer deixa de ser a criação de um produto acabado e passa a ser a criação de um conceito acabado, e a genialidade do design reside tanto no sistema ou mecanismo de montagem e desmontagem quanto no produto em si. FLETCHER (2011, p. 80).

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70Outra abordagem será o beneficiamento do corte, optando por uma otimizada configuração das peças e posicionamento delas no tecido para que possa gerar o mínimo possível de desperdício de material, sendo que na medida do possível será usado corte a laser. A redução de sobras do corte pode ser invisível no produto final, mas ela estará presente na forma de dados em algum lugar na cadeia da produção industrial.

Nos últimos anos, em relação às sobras da etapa de corte, surgiram conceitos de design com foco na sustentabilidade que vão desde usar os restos de pano em peças feitas de retalho até reciclá-los como novos fios. Essas ideias prometem e estão ajudando a desacelerar o fluxo de resíduos na indústria da moda. Mas os conceitos emergentes de design podem ir muito mais longe e desenvolver formas totalmente novas de conceber a confecção de roupas. Essas técnicas mostram que no talento e na habilidade prática dos designers, no contexto da sustentabilidade, é que estão a promessa real e os promotores de mudanças. A tecnologia pode proporcionar novas ferramentas, mas é o espirito do design criativo que orienta sua eficácia. E são a criatividade do designer e sua capacidade de dar grandes saltos de imaginação que podem transformar não só o modo como fazemos as coisas, mas também o modo como pensamos. FLETCHER (2011, p. 48).

5.2 SEPARANDO OS MA-TERIAISSeguindo os conceitos do projeto a adaptabilidade se dará da seguinte maneira:

• Uso de diferentes materiais para cada especificidade das partes do corpo, sendo que em todos os casos eles deverão ser macios, flexíveis, elásticos, resistentes e frescos.

• Existem pontos a serem trabalhados em diferentes aspectos, são eles: axilas, cintura (lateral), curvas (costas do joelho) e peito do pé vulneráveis a queimaduras e as entrepernas vulneráveis a hematomas.

Figura 46. Pontos de atenção.

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• Para as partes que exigem maior aderência de contato com o equipamento, principalmente as curvas (costas dos joelhos) deve ser usado um tecido aderente. Inicialmente foi pensado e testado um tipo de malha de poliéster com elastano revestida com vinil, fibra sintética. É um tecido com aspecto plastificado e brilho lembrando sapatos de verniz e no vestuário é comum ver sua utilização na confecção de cosplays. No entanto, no teste esse material não gerou bons resultados, sua aderência era ilusória, além de que o material não resistiu ao atrito e acabou sendo esfolado.

Figura 47. Malha de Vinil. Foto de autoria própria.

Após esse inconveniente iniciou-se uma nova busca por alternativas, onde se chegou a um material satisfatório, o Neoprene (nome genérico dos elastômeros de policloropreno, desenvolvido pela DuPont). É um material de composição 80% borracha expandida. Suas principais características são: flexibilidade, elasticidade, resistência e proteção térmica. Nesse caso o modelo escolhido é o Shark Skin. Ele possui

uma textura prensada por um molde, é um material usado em equipamentos esportivos como luvas.

Figura 48. Neoprene Shark Skin. Foto de autoria própria.

• Para o restante do corpo foi utilizada uma malha que facilite o deslizamento, mas sem ser escorregadio. O material escolhido foi a malha Suplex, fibra DuPont Sudamerica S/A de composição 88% poliamida (nylon) e 12% elastano e gramatura 350 g/m². Devido a sua estrutura e a titulagem do fio proporciona um conforto propício para peças de esporte que exigem uma alta capacidade de elasticidade.

Figura 49. Malha Suplex. Foto de autoria própria.

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72• Na região das entrepernas foi feito um recorte para se evitar a ruptura acidental da roupa e ainda colocado (também na cintura) um reforço de Neoprene revestido com tecido poliamida dos dois lados. Sua gramatura mais alta (três milímetros) ajudará a evitar hematomas causados por impactos do equipamento nessa região.

Figura 50. Neoprene revestido com poliamida dos dois lados. Foto de autoria própria.

• Recortes foram pensados de modo que permitam encaixar esses tecidos entre si sem que venham causar desconforto ao usuário, nem uma ruptura acidental.

Já para garantir a modularidade, são levados em consideração os seguintes aspectos:

• Recortes que segmentem a peça inteira em partes que possam ser colocadas, retiradas e trocadas por outras dependendo do gosto, proposta ou intenção do acrobata.

• Os segmentos aparecerão nos braços e nas pernas, sendo que a peça

principal será a do tronco na forma de um body/colant.

Figura 51. Segmentos da roupa.

• Nesse esquema a roupa poderá não ter mangas, ou ter mangas curtas, ou mangas longas; não ter pernas (collant - similar ao maiô), ou ter pernas curtas (macaquinho), ou pernas intermediárias (um palmo abaixo do joelho), ou pernas compridas (macacão, até o tornozelo). Com isso o usuário poderá compor o corpo do figurino juntando, misturando e trocando as partes.

• Por enquanto a solução mais plausível para a união das peças é o zíper aparente (de encaixe). De material sintético e com dentes de nylon, ele tem um sistema de encaixe na parte inferior, que permite soltar as duas partes do zíper. No entanto, se constituindo esse, um trabalho em constante desenvolvimento, se estudará outras ferramentas de encaixe

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de desempenho comparável, visto que o zíper, embora cumpra muito bem a função aqui requisitada é um

Figuras 52 e 53. Zíper de encaixe. Foto de autoria própria.

Ao folear as páginas da revista Sportwear International encontro a imagem de uma blusa (figura 54) com o mesmo conceito de modularidade e a solução quase

aviamento que se desgasta rápido podendo comprometer a vida útil do produto.

idêntica com a ideia do presente projeto na aplicação de zíper para a união das peças. Achei interessante a similaridade não só funcional como estética de ambos os produtos.

Figura 54. Roupa modular com encaixe de zíper.

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745.3 PAPEL E LÁPIS NA MÃOAntes de começar a desenhar o modelo da roupa, foi feito um estudo sobre desenho de moda, corpo

humano, pose e movimento, para uma melhor representação da ideia através do desenho, como esboça a figura 55.

Figura 55. Estudos do corpo.

Depois de alguns estudos o desenho finalmente chegou a essa configuração, figura 58, sendo ela monocromática e

completa com todas as peças: collant, short + calça longa e blusa de manga longa.

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Figura 56. Processo de ilustração. Foto de a u t o r i a

própria.

Figura 57. Processo de ilustração. Foto de a u t o r i a

própria.

Figura 58. Configuração final. Foto de autoria

própria.

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76Como o modelo é composto de peças que se unem e se combinam entre si, foram ilustradas cada peça separadamente, (figura 59) utilizando-se da técnica de sobreposição de

desenhos feitos em papel vegetal, (figura 60) cada qual contendo o desenho de cada peça da roupa, para que então pudesse visualizar as possibilidades.

Figura 59. Peças separadas.

Figura 60. Transparências.

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Com elas é possível fazer diferentes composições. Ao todos são 12

combinações, algumas delas ilustradas na figura 61:

Figura 61. Combinações de peças.

Ou ainda é possível fazer combinações através das cores, texturas e estampas

Figura 62. Combinações de cores e estampas

dos tecidos, como ilustra a figura 62:

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785.4 TRAÇANDO O MOLDE

Antes de começar a elaborar as peças eu teria que ter um manequim para tirar medidas e traçar o molde. Então, resolvi produzir o próprio manequim do meu corpo e isso só foi possível com a ajuda do Moysés. O procedimento para fazer um manequim se iniciou com a proteção do corpo por meio de uma roupa velha, que pode ser cortada e a qual foi envolvida por fita adesiva em quantas camadas fossem necessárias para deixar o manequim firme para retirar do corpo, sem se rasgar. Ao retirar o manequim do corpo

(um processo, admito um tanto complicado, pois ele fica justo e a tesoura, além de correr o risco de encostar-se acidentalmente na pele, não consegue chegar a algumas partes), preenchemos o seu interior com um enchimento, neste caso, usamos jornal amassado e depois tampamos as cavidades. Por fim, foi dado acabamento com mais fita adesiva e para dar mais firmeza foi feito empapelamento de jornal com goma arábica.

Figuras 63-65. Confecção do manequim. Foto superior esquerda de Neidimar Martins, as outras três de autoria própria.

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Tendo em mãos o manequim, os moldes começaram a ser criados. Esse procedimento se chama moulage, é uma técnica desenvolvida pela estilista francesa Madeleine Vionnet para tirar o molde da roupa a partir do copo.

A criação através do moulage é feita diretamente no manequim, aprimorando o caimento e o acabamento da roupa. Geralmente, são usadas malhas de baixo valor com caimento parecido ao do tecido “final”. Após terminado o processo de moulage, fica mais fácil entender e planificar a tela

45. Fonte: http://institutoriomoda.blogspot.com.br/2011/07/o-que-e-moulage.html

em um desenho bidimensional.Usando esse processo consegue-se reduzir a margem de erros no caimento e acabamento da peça, o que não acontece ao utilizar apenas a forma planificada para criação45.

Ao invés da malha se utilizou mais fitas adesivas para desenhar o molde, pois como a roupa é justa no corpo, a fita consegue reproduzir o caimento da malha. Os traços foram feitos e em seguida foram recortados, assim obteve-se, a partir do tridimensional, um molde planificado e pronto para ser passado para o papel.

Figuras 66-69. Confecção dos moldes. Fotos de autoria própria.

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80O próximo passo foi dispôr o molde sobre o material (a malha suplex, e o neoprene) e recortá-lo, neste caso,

com tesoura. Feito isso, as peças estavam prontas para serem costuradas.

Figuras 70-73. Transferindo o molde e recortando os materiais. Fotos de autoria própria.

5.5 COSTURANDOAqui entra a parte que mais me agrada e encanta qualquer costureira. Ver as peças se unirem por pontilhados da agulha e um entrelaçamento de linhas, ver a ideia se materializando e tomando forma, é muito gratificante, ainda mais quando você tem a capacidade de executar todas as fases do projeto e acompanhar o passo a passo.

Isso só foi possível porque desde cedo

aprendi, costurando roupinhas de boneca com minha mãe Neidimar, a gostar de costura. Me encanta ver um pedaço de tecido ser transformado em algo tridimensional que vai vestir alguém. Até mesmo o barulho do motor da máquina me faz sentir que tenho o poder em minhas mãos. É como uma terapia, quando sento pra costurar me envolvo completamente naquele “silêncio”.

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Com uma máquina semi industrial do tipo overloque, uma máquina doméstica de pontos para malha, linhas e fios de costura o trabalho foi feito sem muitas dificuldades, com algumas improvisações e num tempo relativamente rápido.

O resultado foi como havia sido planejado, a roupa vestiu bem e confortável, a união das peças por meio de zíper funcionou normalmente, e a parte que exige aderência cumpriu sua funcionalidade.

Figuras 73-77. Processo de costura e união das peças. Fotos de Neidimar Martins.

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6. PRODUTO FINAL

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Fotos de Juliana Maciel

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Fotos de Juliana Maciel

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Fotos de Juliana Maciel

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Embora eu não soubesse o que fazer inicialmente, eu sabia que trabalhar com o tema circo seria muito prazeroso, e foi. Mais ainda, me fez envolver num universo mágico, que se tornou um estilo de vida. O tecido acrobático é meu hobby, mas levado tão a sério que quero melhorar a relação desse equipamento com o corpo, melhorando o rendimento dos praticantes dessa e quem sabe de outras modalidades circenses.

O projeto desenvolvido foi pensado tendo como base as experiências próprias e os depoimentos dos praticantes que tive contato ao logo dos últimos anos. Que se queixavam tanto dos machucados provocados pela não proteção de determinadas áreas do corpo, como pela insegurança e desconforto que a roupa passava em outras ocasiões, sugerindo adaptações que pudessem ser feitas.

Assim o design foi orientado ao cumprimento dessas necessidades, tendo como maior valor o funcional, mas sem se desapegar do estético. Os materiais escolhidos foram selecionados dentre as melhores possibilidades que estavam ao meu alcance para a construção de um protótipo que pudesse ser colocado em teste.

Pelo teste pude verificar que a roupa cumpriu com seu principal propósito, o de aderência nas costas do joelho, bem como o de proteção.

É confortável e veste bem, e a possibilidade de troca das partes também foi satisfatória. No entanto, o calor do tempo fez intensificar o calor que a roupa provoca no corpo, até mesmo a cor preta tem influência nesse ponto. Outro inconveniente é que sua aderência é tão forte, que à prova de teste num determinado movimento, ela não permitiu que este concluísse perfeitamente, ocasionando na mesma um desgaste acidental. Para tal movimento, o qual chamamos de queda “bala dupla”, a sugestão é que o faça sem estar usando as partes que compõem as pernas da calça, ou seja, usando o short até o meio da cocha e/ou o collant.

Assim, conclui-se que a roupa cumpriu pelo menos 90% do resultado esperado. Contudo, defino-o como um projeto em desenvolvimento, que pode e deve ser estudado e aperfeiçoado conforme se encontre melhores soluções para suas necessidades.

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8. BIBLIOGRAFIA

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92ÁVILA, F. S. Território Circense. 2008. 131 f. Dissertação de Mestrado (Pós-graduação em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, Presidente Prudente.

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DESIDERIO, A. Corpos Suspensos: o tecido circense como possibilidade para a educação física escolar. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

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