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20 Sob a ameaça nuclear, instalação artística de Luz Interruptus. Foto: Gustavio Sanabria. TCNXMNM 22:Layout 1 7/28/16 11:01 AM Page 20

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Sob a ameaça nuclear, instalação artística de Luz Interruptus. Foto: Gustavio Sanabria.

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Um misterioso exército de cem figu -ras humanas iluminadas apareceram emum bosque nas redondezas de umacidade alemã em agosto de 2011. Eracomo uma estranha procissão de almaspenadas avançando na metade da noite.De qual ameaça fugiam? Para ondeseguiam? Trajadas com macacões bran-cos com o símbolo radiativo, qual era aorigem das luzes interiores que ema -navam? Qual a mensagem de suas ca -beças baixas e bocas tapadas? Sobre quepesadelos ecológicos nos estavam aler-tando? O que nos diziam sobre o pre-sente? E sobre o futuro?

A enigmática instalação, intituladaSob a ameaça nuclear, foi realizada pelocoletivo anônimo Luz Interruptus, umgrupo de artistas cuja proposta consisteem intervenções efêmeras por meio dee le mentos luminosos, capazes de resig-nificar os espaços públicos com su a -vidade e sutileza, usando a luz comomatéria prima e a noite como tela. Naspalavras dos artistas, tratava-se de simu-lar uma vida sob a ameaça constante deum vazamento radioativo. A instalação foicriada para pôr em evidência a paranoiaque sofremos desde que o acidente nu-clear do Japão teve início; evento quedemonstrou, pela enésima vez, a falibili-dade dos sistemas de segurança das cen-trais nucleares. O trabalho convidava àreflexão sobre o uso e abuso da energianuclear, que pode chegar a ocasionargraves sequelas ao meio ambiente e àsaúde, irreversi veis até a eternidade.

Em 11 de março de 2011, um terre-moto de magnitude 9 na escala Richter, oquinto mais intenso registrado na história,fez tremer a terra durante seis minutos, aoredor de seu epicentro no Oceano Pací-fico, em frente à cidade de Sendai. Emseguida, um tsunami gigantesco varreu300 kilômetros da costa de Tōhoku,levando consigo a vida de mais de 16 milpessoas. O choque das ondas sísmicas edas águas com a central de FukushimaDaiichi provocou a falha, um atrás dooutro, de todos os sistemas de segurança.Sem refrigeração, os núcleos dos reatoresse aqueceram até a fusão, e as subse-quentes explosões de hidrogênio ar-rebentaram os edifícios de contenção queos abrigavam. A radiação ionizante sepropagou em todas as direções. Mais de160.000 pessoas foram evacuadas desuas casas. Enquanto os efeitos destru-tivos do terremoto e do tsunami sãopatentes, quantificáveis e podem serreparados, ao menos fisicamente, as con-sequências do acidente radiológico sãoimperceptíveis, difíceis de compreender eperduraram no tempo.

Ao responder com a potência visuale poética da arte a um evento originado amilhares de quilômetros de distância, a in-tervenção de Luz Interruptus evidenciavacomo um acidente em uma única insta-lação industrial tem a formidável e dra -mática capacidade de converter umtopônimo regional em um acontecimentode significação e alcance planetário. Oevento que se enuncia pelo solitário nome

ANTROPOCENO, CAPITALOCENO,CHTHULUCENO, VIVENDO COM O

PROBLEMA EM FUKUSHIMAPablo de Soto

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de Fukushima, como antes Chernobyl, éao mesmo tempo uma catástrofe social eambiental, uma metáfora vivente do devirda modernidade industrial, que se une aofuturo Museu de Acidentes – a exposiçãopara ampliar a consciência sobre os riscosao nosso planeta proposta por Paul Viriliono começo do século 21.

No entanto, separados por 25 anose contextos geográfico, social e eco nô -mico diferentes, sobre Fukushima supõeuma discontinuidade cultural a respeito daanterior catástrofe nuclear na extintaUnião Soviética. Como exclamado porSvetlana Alexeivich, Chernobyl foi pormuitos anos um “espaço em branco”, ummito fantasmagórico mais que um feitotécnico-cultural (Bürkner 2013). Para essainterpretação contribuiu a escassa exis -tência de imagens, livros ou de filmes deficção sobre a catástrofe, com exceçãodaqueles feitos pelos cinegrafistas IgorKostin e Vladimir Shevchenko – este nãoviveu para contar a história e morreu porenvenenamento radiológico.

O desastre nuclear de Fukushima,ao contrário de Chernobyl, produziu umaampla resposta artística e cultural desdeos primeiros momentos e vem sendo e xa -ustivamente interpretado de múltiplas for-mas. Apesar dessa produção literária evisual não ecoe nos meios hegemônicosde comunicação e sua presença emmuseus e centro culturais ter sido atéagora discreta, muitos desses conteúdosestão disponíveis na Internet para quemtenha o interesse, a paixão e o tempo su-ficientes para investigar sobre o assunto.

Estos trabalhos artistitcos abordamuma realidade que parez propia da ficçãocientífica. As paisagens da zona contami-nada, assim como as da instalação da LuzInterruptus, parecem próprias de umahistória desse subgênero. Múltiplos rea -tores nucleares explodindo um atrás dooutro; edifícios de concreto de alta re-sistência reduzindo-se a escombros; vilas

e pequenas cidades totalmente abando -nadas evocando o imaginário apocalípticoda extinção humana; robôs biônicos de-senhados ad hoc para acessar e poderfilmar o coração mortífero da usina de vas-tada; raios cósmicos empregados paradetectar o combustível nuclear derretido;milhares de dosímetros de radiação com aforma de droides espalhados pelo ter-ritório como novo equipamento urbano;crianças das áreas afetadas portando me-didores Geiger no pescoço durante o dia eà noite e naturalizando a radioatividadenas suas conversas; manifestações inin-terruptas com tambores frente aos centrosde poder do Governo e de TEPCO; açãode protesto de um drone insurgente noprédio do primeiro ministro em Tokyo; o pe -ração de descontaminação sem prece-dentes, produzindo montanhas artificiaisformadas por milhões de sacos de terraradioativa empilhadas por todos lugares;trabalhadores precários vestidos como es-tranhos astronautas limpando a invisívelcontaminação em casas, ruas e bosques;juízes em trajes de proteção radiológicaem missiva para avaliação dos danos, nocontexto de inspeções judiciais requeridaspela população desalojada. Essas sãocenas do mundo criado em Fukushima,onde o limite entre a realidade e a ficção éuma ilusão de ótica.

Essa relação perigosa entre a reali -dade material e a ficção científica é omarco a partir do qual interpretamos a in-tervenção espectral de Luz Interruptus esua estética visual fora dos cânones deimagens naturalizadas e facilmente di-geríveis. Como uma cápsula do tempovinda do futuro, a enigmática intervençãonos alerta, no agora, sobre um porvir dis-tópico, salpicando sua mensagem de fa-talidade do meio ambiente e da condiçãohumana. A arte, segundo Marshall Mc -Luhan, pode ser compreendida como umsistema de alerta prévio para monitorarsinais do futuro, como um radar capaz de

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detectar as transformações que se aprox-imam, sinalizadas pelos avanços das tec-nologias.

A intervenção anuncia uma catás -trofe ambiental e um drama de refugiadosem que o acidente radiológico se soma àlonga lista de causas que forçam os movi-mentos migratórios. Esse cenário hoje édifícil de imaginar, à exceção dos que seconverteram nos deslocados internos deum dia para outro em Chernobyl, Fukushima,Ilhas Marshalls ou Kysthym nos Urais.Pode-se especular, ainda, que a causadessa catástrofe futura teria sido o co-lapso da capacidade dos estados emgerenciar, indefinidamente e com segu-rança, a energia nuclear; como se fossecrível administrar, de maneira assintótica,o impossível. Os resíduos nucleares decentenas de centrais operadas por dé-cadas emergem como pesadelos ecológi-cos desse sistema de controle total,escancarando a falibilidade da técnociên-cia hegemônica e de toda sua logísticafundada na crença de poder dominar eneutralizar os efeitos da radiação. As mis-teriosas figuras podem ser vistas, dessaforma, como um bando de humanos emapuros, distanciando-se a duras penas dofoco de um incidente nuclear; deslocadosforçosos que perderam tudo, sem umlugar para onde regressar tampouco umlugar para onde ir.

Ao situar no centro do problema fi -guras humanas desorientadas e uma na-tureza danificada, Sob a ameaça nucleardesafia-nos a pensar como os humanossão, ao mesmo tempo, os algozes e as ví-timas de suas próprias atividades sobre aTerra. Essa provocação tem a capacidadede estabelecer um diálogo com um dosgrandes relatos científicos e culturais donosso presente. Essa é a ideia denomi-nada pelos geofísicos de Antropoceno, se-gundo a qual teríamos entrado numa novaera geológica no planeta onde a atividadehumana teria alcançado efeitos de trans-

formação do Sistema Terra equivalentesaos das forças geológicas. Essa Época éo aqui e agora em que vivemos; a Terracuja atmosfera vem sendo irreversivel-mente maculada pelos 1.500 bilhões detoneladas de dióxido de carbono emitidaspela queima de combustíveis fósseis. É oempobrecimento do tecido vivo terrestre,radicalmente transformado pelas novasmoléculas químicas e partículas radioati-vas que afetarão de forma trágica a nos-sos descendentes. É um planeta combiodiversidade decrescente, mais altorisco de catástrofes naturais, desertifi-cação acelerada, redução das massas degelo, elevação dos níveis dos mares e umclima mais quente e extremo.

A ideia do Antropoceno vem tendouma destacada e poderosa presença nosúltimos anos, movendo-se rapidamentede uma proposta sobre a periodizaçãogeo lógica do planeta a uma conversaçãotransdisciplinar de amplo alcance, ge -rando novos projetos de investigação,livros, periódicos acadêmicos, seminários,oficinas, exposições de arte e programasculturais ao redor do mundo. Capturandoa imaginação dos âmbitos da Ciência Na -turais, Sociais e da Arte, o Antropoceno é,hoje, um mega-conceito do qual é difícilescapar, um choque nas palavras doshistoriadores Christophe Bonneuill e Jean-Baptiste Fressoz. O importante não é oanúncio da catástrofe, pois todos asabem, mas sim o sentido que damos aela e a maneira que novas sensibilidadespodem emergir, como pontuam IsabelleStengers (2009) e Deborah Danowski eEduardo Viveiros de Castro (2014).

Nesse panorama cultural eacadêmico em formação que pensa o fu-turo desde o presente, a arte de Sob aameaça nuclear, bem como a ideia doAntropoceno, nos desafiam a repensar,radicalmente, a relação entre a naturezae os seres humanos. Isso porque emFukushima, tal qual no Antropoceno, a na-

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Duas mulheres consultando na internet um mapa da radiação, Nagano, 2012. Foto: Pablo de Soto.

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tureza já não é mais o que a ciência con-vencional imaginou que era. A natureza seconverte em uma Zona onde o tempo e oespaço são alterados pela ação humanae, a contrário senso, nossa sensorialidadenão evolui na mesma medida para perce-ber essas transformações. Como conse-quência, se produz um estado dedes orientação e a necessidade de recali-brar nossos sentidos.

Um dos primeiros pensadores a ad-vertir sobre essas transformações pro-duzidas na escala dos fenômenostecnológicos foi Günther Anders. Ele sepreocupou com os desafios éticos que osavanços técnicos desenvolvidos a partirda Segunda Guerra Mundial suportavam,tendo sido pioneiro da filosofia da técnicae um dos grandes pensadores contra abomba atômica. Viveiros de Castro lem-bra-nos, com Anders, a ideia presente nabiologia a respeito dos fenômenos subli -minares à percepção: aquela coisa que étão baixinha, que você ouve mas nãosabe que ouviu; você vê, mas não sabeque viu; como pequenas distinções decores. São fenômenos literalmente subli -minares, abaixo do limite da nossa per-cepção. Segundo Anders, estamos cri andoagora um algo a mais que não existia, a“supraliminaridade”. Quer dizer, há algotão grande que não se pode nem ver, nemimaginar. A crise climática ou umacatástrofe nuclear como a de Fukushimasão uma dessas coisas. Como vamosimaginar algo que depende de milharesde parâmetros, um transatlântico invisívelmovendo-se com enorme massa inercial?As pessoas se paralisam. Se dá uma es-pécie de paralisia cognitiva. Ou, comoPaul Virilio escreveu a respeito de Cher-nobyl, um acidente do conhecimento.

Como dois problemas que atraves-sam as esferas intelectuais, sociais epolíticas, as duas formulações, a doAntropoceno e a de Fukushima, estão emdiscussão. Conforme se enunciará a

questão, assim se formulará as respostasa essas crises do século 21.

A respeito do desastre nuclear, adescrição e a qualificação do aconteci-mento como problema está em disputa:está acontecendo algo em Fukushima ouo desastre foi solucionado?

A posição hegemônica mantidapelo governo e pela indústria é que o de-sastre teria sido superado. Nesse sentido,o acidente é apresentado pelas autori-dades como “está tudo sobre controle”,conforme encenado pelas afirmações doprimeiro ministro Shinzo Abe durante acerimônia onde Tóquio foi eleita cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2020. “Sesorrires a radiação não te afetará”, afir-mava o experto em saúde do Governo deFukushima, o Doctor Shunichi Yamashita.Esse plano em curso assegura que é pos-sível descontaminar a terra e voltar a re-popular as áreas evacuadas. É a eternareconstrução do mito da segurança dosreatores nucleares, como no filme JellyfishEyes de Takeshi Murakami. Nas afir-mações dos físicos vinculados à indústrianuclear, os acidentes atuais, inclusiveaqueles de nível máximo como Chernobylou Fukushima, são comparáveis aos in-cêndios resultados da domesticação dofogo, inevitáveis para passar a outro está-gio da evolução humana.

Por outro lado, cientistas indepen-dentes e uma parte substancial da so-ciedade enxergam o desastre como algoainda não solucionado, um Chernobyl emcâmera lenta (Gundersen 2012), cujasconsequências vem sendo, desde o início,subestimadas pelas autoridades. Essapauta repercutiu nos maiores movimentossociais de protesto ocorridos no Japãonos últimos 40 anos, em que a populaçãodenunciava a ocultação de informação arespeito do acidente por parte do Governoe TEPCO, demandava medidas ade-quadas para a proteção da saúde da po -pulação, especialmente a das crianças, e

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Retrato de uma familia no acampamento de refugiados da radiação em Aizuwakamatsu, prefeitura de Fukushima, 2012. Foto: Pablo de Soto.

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exigiam o fim da energia nuclear no ar-quipélago. Apontavam, ainda, o empo-brecimento da democracia tendo em vistamedidas regressivas, como a promul-gação da Lei dos Segredos. Na esferainternacional, organizações científicas in-de pendentes, como a Fairewinds EnergyEducation e a IPPNW (Congregação In-ternacional de Médicos para a Prevençãoda Guerra Nuclear), criticam as infor-mações das agências internacionais comoa UNSCEAR (Comitê Científico deNações Unidas para os Efeitos da Ener-gia Atômica), indicando seu menosprezoquanto às consequências do acidentepara a saúde pública.

O Antropoceno, como narrativa emascensão meteórica, não está, contudo,imune à questionamentos e proposiçõesalternativas.

Uma das principais contra-formu-lações parte da crítica que o Antropocenonaturaliza uma formação histórica epolítica específica, o capitalismo, como oúnico modo de produção e reprodução davida humana. O argumento põe foco nopoder das corporações, no neoliberal-ismo, no neocolonialismo e no extra-tivismo, e defende que não foi Antropos,como espécie humana indiferenciada,quem causou a destruição que o An -tropoceno assinala. A sexta extinção emmassa de espécies ou o aumento de qua-tro graus da temperatura média do plan-eta pela queima de combustíveis fósseis,por exemplo, foram e continuam sendocausadas, sobretudo, por uma pequenafração da humanidade, um grupo depaíses e umas centenas de grandes cor-porações – o denominado 1%. Um deseus principais impulsores é Jason Moore,sociólogo do Centro Fernand Braudel,cujo questionamento pode ser traduzidona seguinte pergunta: estamos realmentevivendo no Antropoceno, retrocedendo aum ponto de vista curiosamente eurocên-trico da humanidade e na sua fé no deter-

minismo tecnológico, ou estamos vivendono Capitaloceno, uma época formada porrelações que privilegiam a acumulação in-terminável de capital? Moore parte daperspectiva da crise do binômio eco -logia/economia até uma teoria unificadado capitalismo como ecologia-mundo,sumando a acumulação de capital, abusca do poder e a produção da naturezaem uma unidade dialética. A ideia do Ca -pitaloceno define nossa época comoaquela em que a natureza não pode tra-balhar por muito mais tempo para mantero ritmo de extração e produção damáquina industrial contemporânea, pois amaior parte das reservas da Terra foramdrenadas, envenenadas, exterminadas,ou simplesmente, exauridas.

Argumentando que Antropoceno eCapitaloceno são histórias grandes, masnão suficientemente grandes, Donna Har-away nos propõe voltarmos à ficção cien-tífica, especulação fabulativa e feminismoespeculativo como mecanismos comomecanismos para visualizar um futuromais vivivel. Como uma figuração com-pletamente diferente que serpenteie pordentro e através da Era de Antropos e aEra do Capital, a autora propõe o nomeChthuluceno para resgatar as criaturastentaculares que a modernidade relegoucomo algo do passado, como aquilo quejá foi derrotado, mas que não o está deverdade. O Chthuluceno como um tempoheterocrônico em que o limite entre oantigo e o contemporâneo se fundem, quenomeia as forças sim-chtônicas em mar-cha, às quais todos nós pertencemos. Apotência da figura oferece um ponto departida onde os atores não são apenas“nós”: uma saída metodológica ao excep-cionalismo humano. Ante a compreensãode um mundo que enfrenta desastres am-bientais sem precedentes induzidos pelahumanidade, o Chthuluceno convida auma exploração da co-dependência e co-produção das espécies e dos sistemas da

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terra, que Haraway denomina como vivercom o problema”.

Com seus diferentes repertóriosteóricos, aparatos analíticos e metafóri-cos, Antropoceno, Capitaloceno e Chthu-luceno são maneiras de ver que iluminame obscurecem umas e outras lutas situ-adas. São formas de nomear o que estaacontecendo ao nosso ar, água, terras, ro-chas e oceanos, aos animales, plantas e anos mesmos. Seja denominada de umaou outra maneira, nossa época marcadescontinuidades graves. Como emFukushima, o que vem depois na o seracomo o que era.

Notas:1. A Alemanha foi o primeiro país a anunciar o abandonototal de energia nuclear em 2022.2. Este texto integra a introdução da Tese de Doutorado"Antropoceno, Capitaloceno, Chthuluceno; vivendo com oproblema em Fukushima", desenvolvida dentro doPrograma de Posgraduação em Cultura e Comunicaçãoda Escola de Comunicação da Universidade Federal deRio de Janeiro, sob a orientação da Ivana Bentes eAntonio Lafuente.

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29Protesto antinuclear "Os tambores da furia” nas ruas de Shinjuku, Tokyo, 2012. Foto: Pablo de Soto.

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