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análise
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ANLISE DE JURIDICIDADE DE PROPOSIES LEGISLATIVAS
Luciano Henrique da Silva Oliveira
Textos para Discusso 151 Agosto/2014
SENADO FEDERAL
DIRETORIA GERAL
Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho Diretor Geral
SECRETARIA GERAL DA MESA
Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho Secretrio Geral
CONSULTORIA LEGISLATIVA
Paulo Fernando Mohn e Souza Consultor-Geral
NCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS
Fernando B. Meneguin Consultor-Geral Adjunto
Ncleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa
Conforme o Ato da Comisso Diretora n 14, de 2013, compete ao Ncleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa elaborar anlises e estudos tcnicos, promover a publicao de textos para discusso contendo o resultado dos trabalhos, sem prejuzo de outras formas de divulgao, bem como executar e coordenar debates, seminrios e eventos tcnico-acadmicos, de forma que todas essas competncias, no mbito do assessoramento legislativo, contribuam para a formulao, implementao e avaliao da legislao e das polticas pblicas discutidas no Congresso Nacional.
Contato: [email protected]
URL: www.senado.leg.br/estudos
ISSN 1983-0645
O contedo deste trabalho de responsabilidade dos autores e no representa posicionamento oficial do Senado Federal.
permitida a reproduo deste texto e dos dados contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.
Como citar este texto:
OLIVEIRA, L. H. S. Anlise de Juridicidade de Proposies Legislativas. Braslia: Ncleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, agosto/2014 (Texto para Discusso n 151). Disponvel em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 11 ago. 2014.
ANLISE DE JURIDICIDADE DE PROPOSIES LEGISLATIVAS
RESUMO
O presente trabalho trata da anlise de juridicidade das proposies legislativas feita pelo Parlamento, durante o processo de elaborao das leis. Aps apresentar os conceitos de proposio e de juridicidade, analisa os principais aspectos de constitucionalidade, juridicidade, regimentalidade e tcnica legislativa que devem ser verificados no exame de admissibilidade das proposies. Investiga ainda as competncias dos rgos parlamentares para esse exame e as regras regimentais das Casas do Congresso Nacional sobre o assunto. Alerta ainda para a importncia da existncia de uma rigorosa anlise de juridicidade das proposies, para que o Legislativo possa cumprir com excelncia sua misso constitucional e entregar sociedade leis de qualidade e que efetivamente promovam a paz, a isonomia e a justia social.
PALAVRAS-CHAVE: Proposies legislativas. Processo Legislativo. Admissibilidade. Constitucionalidade. Juridicidade. Regimentalidade. Tcnica legislativa. Comisses.
SUMRIO
1 INTRODUO..........................................................................................................5 2 PROPOSIES LEGISLATIVAS .................................................................................7
2.1 CONCEITO....................................................................................................... 7 2.2 MEDIDAS PROVISRIAS .................................................................................. 8
3 JURIDICIDADE.........................................................................................................8 3.1 CONCEITO....................................................................................................... 8 3.2 CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................... 10 3.3 REGIMENTALIDADE ...................................................................................... 19 3.4 JURIDICIDADE EM SENTIDO ESTRITO............................................................. 23
3.4.1 ATRIBUTOS DA LEI .................................................................................. 23 3.4.1.1 NOVIDADE......................................................................................... 24 3.4.1.2 GENERALIDADE................................................................................. 26 3.4.1.3 ABSTRATIVIDADE.............................................................................. 27 3.4.1.4 IMPERATIVIDADE E COERCIBILIDADE................................................ 30
3.4.2 LEGALIDADE ........................................................................................... 33 3.4.3 ADERNCIA AOS PRINCPIOS JURDICOS .................................................. 35
3.4.3.1 PRINCPIOS GERAIS DE DIREITO......................................................... 36 3.4.3.2 PRINCPIOS ESPECFICOS DA MATRIA EM ANLISE........................... 38
3.4.4 TCNICA LEGISLATIVA ............................................................................ 39 3.4.4.1 A LEI COMPLEMENTAR N 95, DE 1998 ............................................. 42
3.4.5 OUTROS ASPECTOS DE JURIDICIDADE...................................................... 55 3.4.5.1 ORGANICIDADE DO SISTEMA JURDICO.............................................. 55 3.4.5.2 NECESSIDADE DA ESPCIE LEGISLATIVA........................................... 58 3.4.5.3 EFETIVIDADE DA LEI ......................................................................... 59
4 ANLISE DE JURIDICIDADE DE PROPOSIES PELO LEGISLATIVO........................61 4.1 ADMISSIBILIDADE DAS PROPOSIES ........................................................... 61 4.2 COMPETNCIAS DOS RGOS LEGISLATIVOS................................................ 62
4.2.1 COMISSES.............................................................................................. 62 4.2.1.1 COMISSO DE CONSTITUIO E JUSTIA .......................................... 62 4.2.1.2 DEMAIS COMISSES.......................................................................... 63
4.2.2 PLENRIO................................................................................................ 64 4.3 REGRAS REGIMENTAIS NA ESFERA FEDERAL................................................. 64
4.3.1 REGIMENTO INTERNO DA CMARA DOS DEPUTADOS ............................. 64 4.3.2 REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL .......................................... 68 4.3.3 REGIMENTO COMUM DO CONGRESSO NACIONAL ................................... 74
5 CONCLUSES........................................................................................................80 REFERNCIAS .............................................................................................................84
ANLISE DE JURIDICIDADE DE PROPOSIES LEGISLATIVAS
Luciano Henrique da Silva Oliveira1
1 INTRODUO
Tal o poder da lei que a sua elaborao reclama precaues severssimas. Quem faz a lei como se estivesse acondicionando materiais explosivos. As consequncias da impreviso e da impercia no sero to espetaculares, e quase sempre s de modo indireto atingiro o manipulador, mas podem causar danos irreparveis. (Victor Nunes Leal2)
O presente artigo analisa os principais aspectos de juridicidade das proposies
legislativas que devem ser analisados pelo Parlamento durante o processo de elaborao
das leis3. Trata-se de assunto de grande importncia, pois so as leis que determinam as
regras de conduta a serem obrigatoriamente observadas pela sociedade, de maneira que
o convvio social diretamente influenciado pela qualidade das normas jurdicas
produzidas.
Leis ambguas, obscuras, incoerentes, contraditrias umas com as outras ou
juridicamente invlidas ou viciadas geram transtornos populao, pois, em vez de
conduzirem e pacificarem as relaes humanas, tendem a promover a discrdia e o
aumento dos conflitos judiciais, em sentido oposto ao alcance do objetivo maior do
Direito: a paz e a harmonia sociais. NADER4 ensina que o conhecimento do Direito
no decorre da simples existncia das normas jurdicas, pois um texto de lei mal
elaborado, longe de ser esclarecedor, gera dvidas nas pessoas quanto ao ordenamento
vigente.
1 Consultor Legislativo do Senado Federal, na rea de Direito Constitucional, Administrativo, Eleitoral
e Processo Legislativo. E-mail: [email protected]. 2 LEAL, Victor Nunes. Tcnica Legislativa. In: Problemas de Direito Pblico. Rio de Janeiro:
Forense, 1960, p. 8. 3 Entenda-se o termo lei aqui em sentido amplo, englobando as espcies legislativas previstas no art.
59 da Constituio da Repblica. 4 NADER, Paulo. Introduo ao Estudo do Direito. 33 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 124.
Uma adequada anlise das proposies legislativas, registrada por escrito
durante o processo legislativo, importante tambm por servir, futuramente, como fonte
de interpretao histrica e teleolgica para os operadores do Direito. Nesse sentido,
MAXIMILIANO5 cita os pareceres das Comisses parlamentares como fator histrico
de exegese das normas legais.
O controle de juridicidade das proposies feito pelo Parlamento possui carter
preventivo, pois realizado antes que a matria se transforme em norma jurdica.
Possui ainda, conforme anota BULOS6, natureza poltica, pois, alm de ser realizado
por rgo no pertencente ao Poder Judicirio, no representa exerccio da atividade
jurisdicional, mas da atividade legislativa. Por isso, tal controle marcado por larga
discricionariedade e extremamente influenciado por interesses polticos diversos, os
quais, muitas vezes, prevalecem infelizmente sobre os aspectos tcnico-jurdicos
que deveriam nortear o exame de admissibilidade das proposies.
Desse modo, o presente trabalho pretende, por meio da apresentao de
critrios tcnicos objetivos para a anlise de juridicidade das proposies, no
apenas auxiliar os que lidam com o processo legislativo, bem como os estudiosos que
se debruam sobre o tema, a contriburem para a produo de normas legais livres de
vcios jurdicos e ambiguidades, mas tambm conscientizar esses atores da
importncia de se promover uma rigorosa anlise de juridicidade das proposies, no
intuito de que o Poder Legislativo possa, cada vez mais, entregar sociedade leis de
qualidade e que no gerem, no momento de sua aplicao, contendas nas relaes
pessoais, inclusive, em certos casos, consolidando, pela via legislativa, os avanos
sociais muitas vezes reconhecidos apenas tardiamente pelo Poder Judicirio.
Como destaca LEAL7, urge que os juristas mais qualificados procurem
sistematizar os preceitos recomendveis para a elaborao das leis, pois, quanto mais
disseminados estiverem tais ensinamentos, maior probabilidade haver de possuirmos
leis bem feitas.
5 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. 19 ed. Rio de janeiro: Forense,
2006, p. 115. 6 BULOS, Uadi Lammgo. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 186. 7 LEAL, Victor Nunes. Ob. cit., p. 9.
6
2 PROPOSIES LEGISLATIVAS
2.1 CONCEITO
FARHAT8 define proposio como qualquer matria submetida deliberao
do Congresso Nacional, de suas Casas ou Comisses. Podemos estender tal definio
como a matria sujeita deliberao de qualquer Casa legislativa, em todas as unidades
da Federao.
As principais proposies legislativas so as que se destinam a originar
normas jurdicas constitucionais ou legais, como as propostas de emendas
Constituio (PECs), as quais, uma vez aprovadas pelo Legislativo, originam as
emendas constitucionais; e os projetos, que, aprovados, do origem s leis, aos
decretos legislativos e s resolues. importante ressaltar, por outro lado, que
nem toda proposio legislativa se destina a se transformar em norma jurdica.
O art. 100 do Regimento Interno da Cmara dos Deputados (RICD), aps
definir proposio como toda matria sujeita deliberao da Cmara, elenca como
espcies de proposies: a PEC, o projeto, a emenda, a indicao, o
requerimento, o recurso, o parecer e a proposta de fiscalizao e controle
(PFC). Vale ressaltar que o projeto pode ser de lei (ordinria ou complementar), de
decreto legislativo ou de resoluo.
Por sua vez, o art. 211 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF)
apresenta como proposies: as PECs, os projetos, os requerimentos, as
indicaes, os pareceres e as emendas. A Comisso de Constituio, Justia e
Cidadania do Senado Federal, por meio do Parecer n 252, de 1990, concluiu que
esse rol do art. 211 no exaustivo, sendo uma proposio no prevista ali, por
exemplo, a mensagem do Presidente da Repblica referente outorga ou renovao
de concesso, permisso e autorizao de servio de radiodifuso sonora ou de sons
e imagens (art. 223 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil
CRFB/1988). Outro exemplo a PFC, que, no RISF, consta do art. 102-B.
Conforme dito, as PECs e os projetos so as proposies cuja finalidade dar
origem a normas jurdicas e sobre elas que nos deteremos ao longo deste trabalho.
Alm disso, as emendas devem tambm passar por uma apurada anlise de 8 FARHAT, Sad. Dicionrio Parlamentar e Poltico o processo poltico e legislativo no Brasil.
So Paulo: Editora Fundao Peirpolis: Companhia Melhoramentos, 1996, p. 819.
7
juridicidade, pois elas so proposies acessrias s PECs e aos projetos (proposies
principais), destinadas a modific-los. As demais proposies possuem finalidades
diversas9.
2.2 MEDIDAS PROVISRIAS
Conforme o art. 62 da CRFB/1988, as medidas provisrias so atos com fora
de lei editados pelo Presidente da Repblica em caso de relevncia e urgncia. Uma vez
editadas, as medidas provisrias so submetidas de imediato ao Congresso Nacional
pelo chefe do Executivo, para que o Parlamento delibere sobre elas.
Uma peculiaridade da medida provisria (MP) que, apesar de possuir eficcia
desde a sua edio10, ela tambm submetida apreciao do Legislativo, que decide
se a matria deve ser definitivamente aprovada e transformada em lei ordinria, com ou
sem modificaes decorrentes de emendas parlamentares, ou se deve ser rejeitada.
Nota-se, assim, o carter dplice desse ato, de norma em vigor e de proposio
legislativa.
3 JURIDICIDADE
3.1 CONCEITO
Juridicidade a conformidade ao Direito. Dizemos que uma matria
jurdica, ou possui juridicidade, se sua forma e contedo esto em consonncia com a
Constituio, as leis, os princpios jurdicos, a jurisprudncia, os costumes, enfim, com
o Direito como um todo. Caso no haja tal conformidade, a matria dita injurdica ou
antijurdica.
9 As indicaes so hoje utilizadas pelos parlamentares para apresentar aos rgos pblicos sugestes
de medidas de interesse pblico a serem adotadas (Cmara dos Deputados) ou para sugerir que determinado assunto seja objeto de providncia ou estudo pelo rgo competente da prpria Casa legislativa, para seu esclarecimento ou a formulao de proposio (Senado Federal); as PFCs destinam-se realizao de fiscalizaes da Administrao Pblica pelo Legislativo; os pareceres so utilizados pelas Comisses para se pronunciarem sobre matrias sujeitas a seu estudo, inclusive outras proposies; os requerimentos servem para apresentao de solicitaes dos parlamentares sobre variados assuntos (ex.: retirada de proposio de pauta, adiamento de discusso ou votao, urgncia para determinada matria etc.); e os recursos so utilizados pelos parlamentares para solicitarem a modificao de decises tomadas no mbito da Casa.
10 Nesse sentido, a Medida Provisria relacionada como espcie legislativa no art. 59, V, da Carta Magna.
8
FARHAT11 destaca que a juridicidade representa condio de admissibilidade
da tramitao das proposies legislativas. Examinar a admissibilidade de uma
proposio significa apreciar-lhe certos aspectos preliminares que devem anteceder
lgica e cronologicamente sua anlise de fundo, esta relativa convenincia poltica de
aprovao de seu contedo (anlise de mrito). As condies de admissibilidade
representam, assim, questes formais das proposies legislativas que devem ser
atendidas antes que seu aspecto material seja submetido deliberao do Parlamento.
No cumpridas essas preliminares, deve-se, por imposio jurdica, inadmitir a matria,
sem efetuar seu exame de mrito.
A juridicidade conceito que amplia a tradicional noo de legalidade,
entendida esta como a conformidade s regras jurdicas positivas. Conforme ensina
MORAES12, a noo de juridicidade exige que a produo dos atos do poder pblico
observe no s as regras jurdicas, mas tambm os princpios gerais de Direito
previstos explcita ou implicitamente na Constituio.
Adotaremos neste trabalho o critrio de que a juridicidade em sentido amplo
(lato sensu) de uma proposio engloba: sua conformidade com a Constituio Federal,
conhecida como constitucionalidade; sua consonncia com o Regimento da Casa
legislativa onde tramita, chamada de regimentalidade; e sua observncia aos demais
aspectos jurdicos, que chamaremos de juridicidade em sentido estrito (stricto sensu),
como a presena dos atributos da norma legal (que veremos adiante), a legalidade13
(conformidade s leis em vigor) e a aderncia aos princpios jurdicos. Enquadraremos
tambm a tcnica legislativa14 na juridicidade em sentido estrito, em funo de haver
hoje lei especfica que dispe sobre tal assunto: a Lei Complementar n 95, de 26 de
fevereiro de 199815. Sintetizamos toda essa classificao no quadro abaixo.
11 FARHAT, Sad. Ob. cit., p. 544. 12 MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administrao pblica. 2 ed. So
Paulo: Dialtica, 2004, p. 30. 13 Adotamos aqui o sentido estrito de legalidade, ou seja, de conformidade s leis de modo geral. Por
outro lado, em sentido amplo, a legalidade identifica-se com o conceito de juridicidade lato sensu, isto , de conformidade a todo o Direito.
14 Pode-se definir a tcnica legislativa como o conjunto de procedimentos e tcnicas redacionais especficas para a elaborao dos textos legais, para que tanto o contedo quanto a forma da norma gerada expressem a vontade do legislador.
15 Dispe sobre a elaborao, a redao, a alterao e a consolidao das leis, conforme determina o pargrafo nico do art. 59 da Constituio Federal, e estabelece normas para a consolidao dos atos normativos que menciona.
9
JURIDICIDADE EM SENTIDO AMPLO
Constitucionalidade Conformidade Constituio
Regimentalidade Conformidade ao Regimento
Presena dos atributos da lei
Legalidade (conformidade s leis)
Conformidade aos princpios jurdicos
Tcnica legislativa
Juridicidade em sentido estrito
Outros aspectos de juridicidade
3.2 CONSTITUCIONALIDADE
Constitucionalidade a consonncia de determinada matria Constituio.
Na esfera federal, o parmetro de controle de constitucionalidade a CRFB/1988; nos
processos legislativos estadual e municipal, a respectiva Constituio Estadual figura
tambm como parmetro de controle das respectivas proposies legislativas.
No Distrito Federal (DF), a conformidade das proposies Lei Orgnica
distrital pode ser tambm classificada como constitucionalidade. Segundo MENDES,
COELHO e BRANCO16, em posio adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)17, a
Lei Orgnica do DF possui natureza de Constituio local, tendo em vista a autonomia
poltica que a Carta Magna atribui a esse ente federativo.18 19
Em relao ao processo de formao das leis municipais, h controvrsias
quanto a denominar ou no de constitucionalidade a consonncia das proposies Lei
Orgnica do Municpio, uma vez que a doutrina se divide quanto natureza jurdica
dessa especial norma, prevista no art. 29 da CRFB/1988. SILVA20 a define como uma
espcie de Constituio Municipal, posio compartilhada por MEIRELLES21 e
16 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 5 ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 1502. 17 RE 599633 AgR-AgR/DF, RE 577025/DF. 18 No obstante, anote-se a posio contrria de BULOS, para quem inapropriado falar em poder
constituinte do Distrito Federal (BULOS, Uadi Lammgo. Ob. cit., p. 510). 19 Corroborando a tese da natureza constitucional da Lei Orgnica do DF, o art. 8, I, n e o, da Lei n
11.697, de 13 de junho de 2008, que dispe sobre a organizao judiciria do Distrito Federal e dos Territrios, atribui competncia ao Tribunal de Justia do Distrito Federal e Territrios (TJDFT) para processar e julgar originariamente a ao direta de inconstitucionalidade e a ao declaratria de constitucionalidade de lei ou ato normativo do DF em face de sua Lei Orgnica.
20 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 623.
21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16 ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 85.
10
FERRARI22. J BULOS23 entende como exagero falar em poder constituinte municipal,
em consonncia com a opinio de JAMPAULO JNIOR24, que defende que a Lei
Orgnica Municipal no possui o status de Constituio. Adotando-se a corrente de que
essa Lei no tem natureza de Constituio Municipal, a verificao da aderncia das
proposies legislativas locais a seus preceitos representar uma anlise de legalidade,
conforme comentaremos adiante.
importante destacar que um vcio de inconstitucionalidade representa
problema grave em uma proposio, pois, se no sanado durante o processo legislativo,
acarretar o surgimento de uma norma jurdica contrria Constituio e, por isso,
sujeita a ser invalidada. Um projeto de lei eivado de inconstitucionalidade, por exemplo,
poder nem mesmo vir a se transformar em lei, por estar sujeito ao chamado veto
jurdico do chefe do Executivo, por razes de inconstitucionalidade (art. 66, 1,
CRFB/1988). E, ainda que o projeto seja sancionado, a futura lei poder ser atacada
futuramente em sede de controle abstrato de constitucionalidade, no Supremo Tribunal
Federal, no caso de incompatibilidade com a Carta da Repblica (art. 102, I, a, e 1,
CRFB/1988)25; ou nos Tribunais de Justia, se se tratar de lei estadual ou municipal
contrria respectiva Constituio Estadual ou, em relao s leis do DF, sua Lei
Orgnica (art. 125, 2, CRFB/1988).
A constitucionalidade de uma proposio deve ser verificada tanto em seu
aspecto formal, em relao s regras do processo legislativo e s competncias para
dispor sobre a matria; quanto em sua face material, tendo em vista o contedo da
proposio.
A anlise formal deve verificar, por exemplo, o rgo ou agente detentor da
iniciativa da proposio, a competncia do ente poltico para analisar a matria e a
espcie legislativa adequada para veicular o assunto. Nesse sentido, seria
inconstitucional, por exemplo, por vcio de iniciativa, um projeto de lei apresentado por
parlamentar sobre militares das Foras Armadas, pois a matria de iniciativa privativa 22 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Municipal. 2 ed. So Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2005, pp. 109-110. 23 BULOS, Uadi Lammgo. Ob. cit., p. 386. 24 JAMPAULO JNIOR, Joo. O Processo Legislativo Municipal. 2 ed. Belo Horizonte: Frum,
2009, p. 57. 25 So aes previstas na Carta Magna para o controle abstrato de constitucionalidade das normas, tendo
por parmetro de controle a prpria CRFB/1988: no art. 102, I, a, a ao direta de inconstitucionalidade (ADI) e a ao declaratria de constitucionalidade (ADC); e, no art. 102, 1, a arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
11
do Presidente da Repblica (art. 61, 1, II, f, da CRFB/1988). Do mesmo modo,
contrariaria a Carta Magna um projeto federal sobre transporte coletivo urbano, matria
reservada competncia dos municpios (art. 30, V, CRFB/1988). O mesmo ocorreria
com um projeto de lei ordinria que pretendesse criar uma Comisso do Congresso
Nacional e dispor sobre seu funcionamento, pois a espcie legislativa adequada para tal
assunto a resoluo26 (art. 51, IV; art. 52, XIII; art. 58, caput; todos da CRFB/1988).
Outro caso de exame formal de constitucionalidade seria investigar se
determinado projeto de lei no possui matria constante de outro projeto rejeitado na
mesma sesso legislativa, sem que tenha havido proposta da maioria absoluta dos
membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional para sua tramitao (art. 67 da
CRFB/1988). O desrespeito a essa regra ofenderia as formalidades do processo
legislativo constitucionalmente estabelecido.
Um exemplo interessante de proposio com vcio formal de
inconstitucionalidade, especialmente quando de autoria parlamentar, o chamado
projeto de lei autorizativa, isto , aquele que apenas autoriza outro Poder, em geral o
Executivo, a exercer competncia sua j prevista constitucionalmente (ex.: projeto que
autoriza o Executivo a enviar ao Congresso Nacional outro projeto que vise criao de
um novo Ministrio)27 28. Uma lei com tal teor ser contrria Constituio, conforme
26 No obstante, o art. 6 da Lei n 9.883, de 7 de dezembro de 1999, que institui o Sistema Brasileiro de
Inteligncia, prev que o Congresso Nacional editar ato para criar e regular o funcionamento de um rgo de controle externo da atividade de inteligncia, definindo vrios de seus componentes. Uma regra de lei ordinria que disponha que o Congresso criar um rgo de sua estrutura comando de natureza meramente autorizativa, pois o Parlamento j extrai essa competncia diretamente do art. 58, caput, da Carta Magna. Conforme ser mencionado adiante no texto, o STF entende que inconstitucional uma norma de iniciativa de um Poder (vale frisar que a Lei n 9.883, de 1999, foi de autoria do Executivo) que apenas autoriza outro a exercer competncia sua j prevista na Lei Maior. Alm disso, a previso da composio de um rgo do Congresso Nacional em lei ordinria tambm contraria o caput do art. 58 da CRFB/1988 sob outra tica: tal dispositivo reza que as Comisses do Legislativo devem ser constitudas na forma e com as atribuies previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criao (portanto, uma resoluo, no uma lei ordinria). De qualquer forma, o Congresso Nacional, aceitando a sugesto da Lei n 9.883, de 1999, decidiu criar, por meio da Resoluo n 2, de 2013-CN, a Comisso Mista de Controle das Atividades de Inteligncia (CCAI), cuja composio engloba os agentes previstos no art. 6 da referida Lei.
27 No se confunda o tipo de lei autorizativa de que aqui se fala com aquele que representa ato-condio para a prtica de algum ato pelo Executivo, como a autorizao legislativa para a instituio de empresa pblica, sociedade de economia mista ou fundao pblica (art. 37, XIX, da CRFB/1988); ou o exigido para a alienao de bens imveis da administrao direta, autrquica e fundacional (art. 17, I, da Lei n 8.666, de 21 de junho de 1993). Nesses casos, a lei autorizativa legtima, por expressa previso constitucional ou legal. certo, por outro lado, que, mesmo em tais hipteses, o Poder Executivo no est obrigado a realizar o ato que a lei lhe autoriza, conforme j decidiu o Supremo Tribunal Federal (RMS 21769/DF).
12
entendimento do STF, que j decidiu, na ADI 3176/AP29, que inconstitucional a lei de
iniciativa parlamentar que autorize o Executivo a conceder vantagem pecuniria a
servidores pblicos.
Outra anlise formal a ser feita a comparao entre um projeto de lei ordinria
e uma lei complementar em vigor. Quanto a esse ponto, vale relembrar que o STF j
decidiu30 que inexiste hierarquia entre lei ordinria e lei complementar, havendo apenas,
na verdade, uma distribuio constitucional de matrias entre as espcies legais. Desse
modo, em que pese s divergncias doutrinrias, a posio mais consonante com o que
entende nossa Suprema Corte que a eventual incongruncia do teor de um projeto de
lei ordinria com uma lei complementar vigente representar um problema de
inconstitucionalidade, no de ilegalidade, tendo em vista que ambas as espcies
legislativas tm seu fundamento de validade na Carta Magna, a qual delimita o mbito
material de cada espcie legislativa31. Nesse caso, ser preciso investigar qual norma
competente para regular o assunto: a lei ordinria ou a complementar. No primeiro caso,
o projeto de lei ordinria ser legtimo e poder ser aprovado pelo Parlamento, estando
28 Em consonncia com tal entendimento, o art. 10 do Decreto n 4.176, de 28 de maro de 2002, que
regulamenta a Lei Complementar n 95, de 1998, no mbito do Executivo federal, dispe que o projeto de lei no estabelecer autorizao legislativa pura ou incondicionada.
29 Nessa ao, o Relator, Ministro Cezar Peluso, cujo voto foi acatado de forma unnime pelo Tribunal Pleno, fundamentou-se nos seguintes argumentos: 1) o carter autorizativo da lei no elimina sua inconstitucionalidade formal, por ofensa iniciativa privativa do chefe do Executivo; 2) a alegao de no usurpao de competncia pelo Legislativo, dado o carter meramente autorizativo da lei, no se sustenta, sob pena de subverso da disciplina constitucional de separao dos Poderes e insulto ao art. 2 da Constituio; 3) a declarao de inconstitucionalidade faz-se necessria para evitar que se consolide o entendimento de que as leis que autorizam aquilo que no podem autorizar possam existir e viger. Em concluso, o Relator citou ainda em seu voto a Smula n 1, da Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania da Cmara dos Deputados, a qual expressa que projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providncia, que de sua competncia exclusiva, inconstitucional.
30 AI 702533 AgR/RJ, RE 348605 ED/SC. 31 No Direito Tributrio, esse confronto entre lei ordinria e lei complementar ganha contornos mais
polmicos. Nos termos do art. 146, III, da CRFB/1988, cabe lei complementar estabelecer normas gerais em matria de legislao tributria, papel hoje cumprido pela Lei n 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Cdigo Tributrio Nacional CTN), recepcionada pelo atual ordenamento constitucional com fora de lei complementar. Por outro lado, o art. 150, I, da Constituio, reza que vedado aos entes federativos exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabelea (princpio da legalidade tributria). Desse modo, os tributos devem ser institudos por lei, em geral, ordinria do respectivo ente poltico, a qual deve ser compatvel com as normas gerais previstas no CTN. Tendo em vista esse cenrio, h entre os tributaristas a discusso quanto natureza da injuridicidade de uma lei tributria que contrarie o CTN, se seria uma ilegalidade ou uma inconstitucionalidade. No obstante, o STF j decidiu (RE 84994/SP) que a incompatibilidade entre lei tributria estadual e o CTN uma inconstitucionalidade, no uma ilegalidade, tendo em vista que ambas as leis tem por base a Carta Magna, que determina tanto a edio da lei complementar de normas gerais, como das leis ordinrias que criam tributos.
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o problema de inconstitucionalidade na lei complementar em vigor32; no segundo caso,
a proposio dever ser rejeitada (na verdade, inadmitida) e arquivada, por ser contrria
Carta Magna.
Por outro lado, nossa Corte Mxima j decidiu33 que no h
inconstitucionalidade no fato de uma lei complementar tratar de assunto de lei ordinria,
caso em que a lei ser apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinria.
Tal situao geralmente pode ocorrer em duas hipteses: a lei complementar anterior
CRFB/1988 e foi recepcionada com status de lei ordinria; ou a lei complementar foi
editada aps a nova Lei Magna, mas tratando de assunto de lei ordinria. Esse segundo
caso pode at ser feito legitimamente, por exemplo, quando preciso modificar
determinada matria regulada em Lei Complementar, mas que tambm possui regras
correlatas em lei ordinria, caso em que, por questo de economia processual, se
apresenta um nico projeto de lei complementar para atualizar o assunto em todos os
diplomas34. Nesse caso, porm, os dispositivos prprios de lei ordinria tratados em lei
complementar podero ser alterados posteriormente por nova lei ordinria, se
necessrio35.
Fora das hipteses acima, deve-se evitar veicular em projeto de lei
complementar assunto de lei ordinria, por questes de adequao da espcie legislativa
e tambm de celeridade e eficincia legislativa, j que a aprovao de um projeto de lei
complementar exige qurum qualificado, sendo, portanto, mais dificultosa. No
obstante, se tal hiptese vier a ocorrer, segundo a atual viso do STF, a lei
complementar gerada ser constitucional, porm com status de lei ordinria36.
Tambm a eventual incongruncia entre uma proposio legislativa estadual e
uma lei federal em vigor ou entre uma proposio municipal e uma lei estadual ou 32 A eventual declarao de inconstitucionalidade da lei complementar, neste caso, dever ocorrer pelos
instrumentos jurdicos competentes para tanto, a exemplo da ao direta de inconstitucionalidade (ADI), prevista no art. 102, I, a, da CRFB/1988, a ser ajuizada por um de seus legitimados, relacionados no art. 103 da Lei Maior.
33 AI 702533 AgR/RJ, RE 677589 AgR-ED/SP, RE 377457/PR, ADC 1. 34 Um exemplo a Lei Complementar n 128, de 19 de dezembro de 2008, que altera a Lei
Complementar n 123, de 14 de dezembro de 2006; a Lei n 8.212, de 24 de julho de 1991; a Lei n 8.213, de 24 de julho de 1991; a Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Cdigo Civil); e a Lei n 8.029, de 12 de abril de 1990.
35 Por exemplo, a Lei n 12.792, de 28 de maro de 2013, alterou os arts. 2, 76 e 85-A da Lei Complementar n 123, de 2006, dispositivos que tratavam de matria prpria de lei ordinria.
36 Veremos adiante no texto que a adoo de uma espcie legislativa de rito de elaborao mais complexo, quando seria suficiente uma de procedimento mais simples, pode ser vista como um caso de injuridicidade em sentido estrito.
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federal vigente no ser um conflito de legalidade, mas de constitucionalidade, pois
o fundamento de validade de todas elas ser a Constituio Federal ou Estadual,
conforme o caso. Assim, nesses casos, para determinar se a inconstitucionalidade est
na proposio legislativa ou na lei em vigor, tambm ser preciso verificar qual ente
poltico recebeu competncia da Constituio para regular a matria.
Sob a tica agora da constitucionalidade material, o exemplo mais comum o
confronto do assunto de um projeto com o teor de dispositivos constitucionais em geral,
por exemplo, um projeto de lei que, ao reestruturar determinada carreira pblica,
reduzisse os vencimentos dos ocupantes dos respectivos cargos, o que seria
inconstitucional por violao ao art. 37, XV, da Lei Magna.
Uma especial hiptese de verificao material de compatibilidade com a Carta
Magna o cotejamento do contedo das PECs com as chamadas clusulas ptreas,
arroladas no art. 60, 4, da Lei Maior37, a fim de analisar se a proposio no
tendente a aboli-las. Nota-se, assim, que, embora as PECs possuam estatura
constitucional, por se destinarem a alterar a prpria Carta Poltica, elas tambm esto
sujeitas ao controle de constitucionalidade, justamente por no poderem desrespeitar as
clusulas ptreas.
Em relao s medidas provisrias (MPs), deve ser analisada, inicialmente, a
presena dos requisitos constitucionais de relevncia e urgncia, nos termos do art. 62
da CRFB/1988. Uma MP editada pelo Presidente da Repblica em casos em que no se
verifiquem a relevncia e a urgncia ser inconstitucional, pois tais pressupostos so da
essncia dessa espcie legislativa38.
37 Art. 60, 4, CRFB/1988: No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: I
a forma federativa de Estado; II o voto direto, secreto, universal e peridico; III a separao dos Poderes; IV os direitos e garantias individuais.
38 Lamentavelmente no o que vem ocorrendo, pois o Executivo federal, seduzido pela imediata vigncia desse ato com fora de lei e por sua celeridade processual, tem publicado diversas MPs para regular situaes no urgentes e at corriqueiras da administrao, valendo-se de prerrogativa que deveria ser exercida apenas em situaes excepcionais. E tudo com o beneplcito do Congresso Nacional, que, por diversas razes polticas, raramente deixa de aprovar uma MP. Desse modo, muitas matrias, algumas bastante complexas, cuja discusso deveria ocorrer durante o processo legislativo ordinrio, acabam sendo aprovadas s pressas por meio de medidas provisrias, com ntidos prejuzos para uma produo legislativa responsvel e de qualidade. Sobre isso, vale citar LEAL, que preleciona: As leis feitas de afogadilho, para atender a certas situaes mais prementes, so as maiores responsveis pela mutilao dos institutos jurdicos. Nelas, o legislador tem em vista um resultado imediato a atingir e no se d ao trabalho de estudar as repercusses que tais alteraes provocam no sistema jurdico em vigor. (LEAL, Victor Nunes. Ob. cit., pp. 24-25)
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Superados os requisitos de relevncia e urgncia, preciso verificar o
atendimento aos demais pressupostos de constitucionalidade da MP, por exemplo, se a
medida no cuida de matrias a ela vedadas, constantes do art. 62, 1, da Carta Magna.
A Constituio probe tambm a reedio, na mesma sesso legislativa, de MP que
tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficcia por decurso de prazo (art. 62,
10). Vale citar o art. 246 da Lei Maior, o qual veda a adoo de MP para regulamentar
artigo da Constituio da Repblica cuja redao tenha sido alterada por emenda
constitucional promulgada entre 1/1/1995 e 11/9/2001, inclusive. essencial, tambm,
que a medida provisria, aps editada, seja examinada por uma Comisso Mista de
Deputados e Senadores39, que sobre ela emitir parecer, antes de ser apreciada pelas
Casas do Congresso Nacional (art. 62, 9, CRFB/1988). O STF, inclusive, j decidiu40
ser inconstitucional a apreciao de MP pelo Congresso Nacional sem o parecer dessa
Comisso Mista.
Quanto constitucionalidade das leis oramentrias41, deve ser observado se as
respectivas proposies atendem, principalmente, ao contido nos artigos 165 a 167 da
Lei Maior. Nessa anlise, deve ser verificado, por exemplo, se um projeto de lei de
diretrizes oramentrias (LDO) no veicula matria estranha prevista no art. 165, 2,
da CRFB/198842. No tocante aos crditos extraordinrios, veiculados por MP na
esfera federal, o atendimento ao art. 167, 3, da Lei Maior deve ser tambm
investigado, notadamente a verificao de que as despesas a que eles visam atender so
realmente imprevisveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoo interna ou
calamidade pblica43.
39 A Comisso chamada de mista justamente por ser composta por dois tipos de parlamentares:
Senadores e Deputados Federais. 40 ADI 4029/AM. 41 Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO), Lei Oramentria Anual (LOA) e
leis de crditos adicionais, os quais podem ser suplementares, especiais ou extraordinrios. 42 No obstante, hoje se constata que as LDOs tm regulado todos os anos uma gama de matrias que
muito excede ao previsto no art. 165, 2, da Constituio. Por outro lado, a Lei Complementar n 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), editada com fundamento nos arts. 163 e 165, 9, da CRFB/1988, prev outras matrias que tambm devero constar da LDO. Ainda assim, a cada ano, cresce desmesuradamente o nmero de assuntos inseridos nessa lei temporria, cujo projeto possui tramitao muito mais clere que os projetos de lei comuns, tudo para suprir a lacuna legislativa decorrente da no edio, at hoje, de uma lei complementar sobre finanas pblicas que venha a substituir a vetusta Lei n 4.320, de 17 de maro de 1964, a qual cuida hoje do tema, e que, em muitos pontos, j foi tacitamente revogada por normas posteriores.
43 Preceito frequentemente desrespeitado pelo Executivo e, infelizmente, chancelado pelo Congresso Nacional. O STF j teve a oportunidade de declarar inconstitucional MP de crditos supostamente extraordinrios, mas que, em realidade, se destinavam a prover despesas correntes, no qualificadas por imprevisibilidade ou urgncia, o que, segundo a Corte, configurou um patente desvirtuamento dos
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Entre os demais aspectos de constitucionalidade a serem verificados no processo
legislativo oramentrio, destacamos: a vedao a que o projeto de Lei Oramentria
Anual (LOA) contenha dispositivo estranho previso da receita e fixao da despesa,
salvo a autorizao para abertura de crditos suplementares e contratao de operaes
de crdito (art. 165, 8, CRFB/1988)44; a obrigatria anlise dos projetos
oramentrios federais e de suas emendas por uma Comisso Mista Permanente de
Deputados e Senadores, conhecida como Comisso Mista de Oramentos (art. 166,
1, I; e 2)45 46; a vedao aprovao de emendas ao projeto de LOA que sejam
incompatveis com o Plano Plurianual (PPA) ou a LDO (art. 166, 3, I) ou que
prevejam despesas sem indicar a correspondente anulao de despesas, a qual, por sua
vez, no pode incidir sobre dotaes para pessoal e seus encargos, servio da dvida ou
transferncias tributrias constitucionais para Estados, Municpios e Distrito Federal
(art. 166, 3, II); a vedao aprovao de emendas ao projeto de LDO incompatveis
com o PPA (art. 166, 4); a vedao a projetos de leis de crditos suplementares ou
especiais sem a indicao dos recursos correspondentes (art. 167, V); a proibio de
utilizao dos recursos provenientes de determinadas contribuies sociais para a
realizao de despesas distintas do pagamento de benefcios do regime geral de
previdncia social (art. 167, XI); e a vedao incluso no projeto de LOA de
investimento cuja execuo ultrapasse um exerccio financeiro, sem prvia incluso no
PPA (art. 167, 1).
Frise-se que o processo legislativo das proposies oramentrias na esfera
federal ocorre sob o chamado procedimento (rito) concentrado, em que as matrias,
aps passarem pela citada Comisso Mista, so deliberadas pelas duas Casas do
Congresso Nacional em sesso conjunta47. Assim, um interessante controle de
parmetros constitucionais que permitem a edio de MPs para a abertura crditos extraordinrios (ADI 4048 MC/DF).
44 Regra que materializa o princpio da exclusividade oramentria. 45 Nos Legislativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, que so unicamerais, obviamente
as Comisses de Oramentos no sero mistas, mas elas devero, do mesmo modo, analisar a matria, antes da deliberao do respectivo Plenrio.
46 No obstante, os arts. 106 e 107 da Resoluo n 1, de 22 de dezembro de 2006-CN, que trata do processo legislativo oramentrio federal, contrariam essa regra constitucional, prevendo que os projetos de leis de crditos adicionais sobre os quais a Comisso Mista de Oramentos no emitir parecer at o dia 20 de novembro de cada ano sero, mesmo assim, apreciados pelo Plenrio do Congresso Nacional.
47 Sesso simultnea das duas Casas reunidas em um nico local, normalmente o Plenrio da Cmara dos Deputados. Embora conjunta, tal sesso bicameral, isto , a matria em anlise, para ser aprovada, deve obter a maioria de cada Casa separadamente. Nisso ela se difere da sesso
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juridicidade a ser feito sobre a matria oramentria, mas durante o rito legislativo
ordinrio48, consiste em verificar se no h dispositivos oramentrios inseridos em
projetos de lei comuns, que tramitam em sesses separadas das duas Casas. Como a
Carta Magna exige o rito concentrado para essas regras, haveria, nesse caso, uma
evidente inconstitucionalidade formal49.
Finalmente, deve ser examinado ainda o atendimento das proposies
oramentrias ao disposto na Lei Complementar n 101, de 4 de maio de 2000, Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), editada com base nos arts. 163; 165, 9; e 169 da
CRFB/198850.
Sobre a constitucionalidade das proposies em geral, vale citar ainda a
importncia de que elas observem o princpio da razoabilidade ou
proporcionalidade51, sob pena de ofensa ao princpio do devido processo legal (art. 5,
LIV, CRFB/1988), em sua acepo material. Conforme j decidiu o STF, as normas
legais devem observar, no processo de sua formulao, critrios de razoabilidade que
guardem estrita consonncia com os padres fundados no princpio da
proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Pblico devem ajustar-se
clusula que consagra, em sua dimenso material, o princpio do substantive due
process of law52 53.
unicameral, em que Deputados e Senadores so vistos igualmente, como Congressistas, e a aprovao da matria depende da maioria do conjunto dos parlamentares, sem verificao da Casa a que pertencem, como foi o caso da reviso constitucional (art. 3 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias ADCT).
48 Rito adotado para os projetos de lei em geral, em que a matria apreciada separadamente por cada Casa do Congresso Nacional.
49 Foi o caso do art. 339 da Lei n 9.503, de 23 de setembro de 1997, Cdigo de Trnsito Brasileiro, que autorizou o Poder Executivo a abrir crdito especial no valor de R$ 264.954,00 (duzentos e sessenta e quatro mil, novecentos e cinquenta e quatro reais) em favor do ministrio ou rgo a que coubesse a coordenao mxima do Sistema Nacional de Trnsito, para atender as despesas decorrentes da implantao do novo Cdigo.
50 Aplica-se aqui o mesmo raciocnio utilizado para a comparao entre um projeto de lei ordinria comum e uma lei complementar em vigor. O cotejo entre uma proposio oramentria e a LRF pode ser visto como uma anlise de constitucionalidade, no de legalidade, pois esta Lei Complementar no o fundamento de validade da lei oramentria. Ambas so editadas com base na CRFB/1988, logo, o desrespeito da proposio oramentria ao disposto na LRF ofender, reflexamente, a prpria Constituio.
51 No nos deteremos aqui na discusso doutrinria sobre a diferena entre proporcionalidade e razoabilidade.
52 ADI 2667 MC/DF. Nessa mesma ao, nossa Corte Mxima entendeu que a exigncia de razoabilidade que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Pblico, notadamente no desempenho de suas funes normativas atua, enquanto categoria fundamental de limitao dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parmetro de aferio da constitucionalidade material dos atos estatais. Declarou ainda o STF que a teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das
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3.3 REGIMENTALIDADE
Como vimos, regimentalidade a aderncia da proposio legislativa s
normas regimentais da Casa onde tramita. Segundo SILVA54, os Regimentos Internos
das Casas legislativas so suas leis internas, que disciplinam sua organizao, sem
interferncia de uma na outra ou de outro rgo governamental. J MEIRELLES55
classifica os Regimentos como atos administrativos normativos de atuao interna,
destinado a reger o funcionamento das corporaes legislativas.
No obstante, por serem editados sob a forma de Resoluo, uma das espcies
legislativas elencadas pelo art. 59 da Constituio da Repblica, e por veicularem
normas relativas ao processo legislativo, entendemos que tais atos tm natureza de lei
tanto em sentido formal quanto em sentido material.
Conforme ensina SILVA56, lei formal a regularmente votada pelo Parlamento,
independentemente de seu contedo; e lei material, a que veicula comandos gerais,
abstratos e imperativos, independentemente de quem a elabore. Um ato jurdico pode
ser lei em sentido formal e material (a maioria das leis aprovadas pelo Legislativo), em
sentido apenas formal (ex.: lei que declara determinado imvel como de interesse
pblico) ou em sentido apenas material (ex.: decreto regulamentar do Executivo).
No mesmo sentido a opinio do ex-Ministro do STF Moreira Alves57, que
declarou ser doutrina pacfica em nosso sistema constitucional a afirmao de que o
Regimento de cada uma das Casas do Congresso tem fora de lei.
A anlise de regimentalidade da proposio verifica a consonncia da matria
tanto ao procedimento de tramitao como s competncias dos rgos legislativos
para apreciar o assunto. Por exemplo, so exemplos de antirregimentalidades: a
atividades legislativas, permite que se contenham eventuais excessos decorrentes do exerccio imoderado e arbitrrio da competncia institucional outorgada ao Poder Pblico, pois o Estado no pode, no desempenho de suas atribuies, dar causa instaurao de situaes normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prtica da funo de legislar.
53 Um exemplo de proposio eivada de inconstitucionalidade por ofensa ao princpio da proporcionalidade seria uma que previsse pena mais pesada para determinado crime praticado com dolo eventual do que para o mesmo crime praticado com dolo direto (este, portanto, mais grave). Uma discusso do STF sobre tal exemplo pode ser encontrada nos autos do HC 102094/SC, em relao ao 1 do art. 180 do Cdigo Penal, que prev o crime de receptao qualificada.
54 SILVA, Jos Afonso da. Ob. cit., p. 510. 55 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39 ed. So Paulo: Malheiros, 2013, p. 182. 56 SILVA, Jos Afonso da. Processo Constitucional de Formao das Leis. 2 ed. So Paulo:
Malheiros, 2007, pp. 26-27. 57 Voto proferido no MS 21564/DF, fls. 362.
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apresentao de um projeto de lei sem a respectiva justificao58; a inobservncia dos
interstcios, dos quruns de votao ou de outras formalidades59 previstas no Regimento
Interno; a distribuio de uma proposio a uma Comisso que no possui competncia
para apreciar seu mrito; a admisso de emenda sem relao com o contedo do
dispositivo que se pretende emendar ou em sentido contrrio proposio60.
Quanto regimentalidade das medidas provisrias na esfera federal, preciso
verificar a Resoluo n 1, de 8 de maio de 2002-CN61, que dispe sobre a apreciao
das MPs pelo Congresso Nacional. Segundo esse diploma, so exemplos de
antirregimentalidades: a ausncia de apreciao da MP por Comisso Mista (arts. 2,
caput; e 6, caput)62; a apreciao de MP pelo Congresso Nacional sem as respectivas
Mensagem Presidencial e Exposio de Motivos (art. 2, 1); a aceitao de
emendas de Plenrio MP, pois somente perante a Comisso Mista podero elas ser
oferecidas (art. 4, 1); e a admisso de emendas MP sobre matria estranha ao seu
objeto (art. 4, 4)63.
58 Texto que acompanha a proposio, por meio do qual o autor apresenta as razes pelas quais a
proposio deve ser aprovada. A justificao apresentada quando a matria de autoria parlamentar. As proposies de origem extraparlamentar costumam vir acompanhadas de Mensagem do Poder ou rgo independente, com a exposio de motivos do assunto, a qual faz as vezes de justificao.
59 Por exemplo, o Regimento Interno do Senado Federal prev que as proposies devem ser escritas em termos concisos e claros e divididas, sempre que possvel, em artigos, pargrafos, incisos e alneas (art. 236); que os projetos, pareceres e indicaes devem ser encimados por ementa (art. 237); que as proposies, salvo os requerimentos, devem ser acompanhadas de justificao oral ou escrita (art. 238); e que qualquer proposio autnoma ser sempre acompanhada de transcrio, na ntegra ou em resumo, das disposies de lei invocadas em seu texto (art. 239). O desrespeito a qualquer dessas formalidades caracterizar vcio de antirregimentalidade.
60 Por exemplo, o art. 230 do Regimento Interno do Senado Federal prev que no se admitir emenda sem relao com a matria da disposio que se pretenda emendar (inciso I); nem emenda em sentido contrrio proposio principal, quando se trate de proposta de emenda Constituio, projeto de lei ou de resoluo (inciso II).
61 Essa norma, nos termos de seu art. 1, parte integrante do Regimento Comum do Congresso Nacional. 62 Vimos que o STF j decidiu que a ausncia de apreciao da MP por Comisso Mista representa
tambm uma inconstitucionalidade, em funo do disposto no art. 62, 9, da CRFB/1988 (ADI 4029/AM). Em razo disso, a Suprema Corte declarou inconstitucionais o caput do art. 5 e os 1 e 2 do art. 6 da Resoluo n 1, de 2002-CN, que autorizavam a apreciao da MP pelas Casas do Congresso Nacional sem o parecer da referida Comisso.
63 No obstante, tal regra regimental, por razes polticas, tem sido frequentemente desrespeitada pelo Parlamento, sendo vrios os casos de emendas sobre matrias estranhas aprovadas pelo Congresso Nacional. Um dos casos mais emblemticos foi o do Regime Diferenciado de Contrataes Pblicas (RDC), regulado pela Lei n 12.462, de 4 de agosto de 2011, oriunda da MP n 527, de 18 de maro de 2011, a qual, por sua vez, tratava apenas da organizao de rgos e entidades da Administrao Federal, tendo sido os dispositivos sobre o RDC includos durante a tramitao da matria. Em razo disso, o Procurador-Geral da Repblica (PGR) ajuizou no STF a ADI 4655/DF, ainda em tramitao, alegando a inconstitucionalidade formal das regras desse regime. O PGR argumentou na petio inicial da ADI que a incluso de matria estranha tratada na MP viola o devido processo legislativo e o princpio da separao dos Poderes, j que as MPs so de iniciativa exclusiva do Presidente da Repblica.
20
No tocante s leis oramentrias federais, o processo legislativo dos
respectivos projetos regulado pelo Regimento Comum do Congresso Nacional
(RCCN), mais precisamente, pela Resoluo n 1, de 22 de dezembro de 2006-CN, que
constitui, conforme seu art. 1, parte integrante do RCCN64.
Percebe-se que, algumas vezes, a antijuridicidade de uma proposio configura,
simultaneamente, uma inconstitucionalidade e uma antirregimentalidade. Por exemplo,
o art. 47 da Carta da Repblica dispe que, salvo disposio constitucional em
contrrio, as deliberaes de cada Casa legislativa e de suas Comisses sero tomadas
por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros, regra que costuma
ser reproduzida nos Regimentos Internos. Assim, nesse caso, uma violao a tal qurum
de votao ofender, simultaneamente, a Constituio e o Regimento. Uma sugesto
para a estruturao do parecer proposio em tal hiptese seria relatar as eventuais
ofensas Constituio na parte da constitucionalidade, ainda que houvesse desrespeito
simultneo s normas regimentais, deixando para o tpico de anlise de regimentalidade
os vcios que ofendessem apenas o Regimento da Casa (antirregimentalidades puras).
Alerte-se que hoje os problemas de regimentalidade de uma proposio no
necessariamente invalidam a futura norma jurdica dela decorrente. Quando a
antirregimentalidade configurar, simultaneamente, uma inconstitucionalidade, no h
dvidas de que a norma poder ser invalidada, por ofensa Constituio. Mas quando
se tratar de uma antirregimentalidade pura, possvel que, mesmo assim, se admita
como legtima a lei produzida, sob o argumento de que as regras regimentais
configuram apenas matria interna corporis, de ordenao interna das Casas
legislativas. Segundo esse entendimento, se o prprio Parlamento decidiu aprovar a
proposio, ainda que tenha havido alguma inobservncia (apenas) ao Regimento, no
caberia a outro Poder, notadamente o Judicirio, questionar a validade da norma gerada,
tendo em vista o princpio da independncia dos Poderes, previsto no art. 2 da nossa
Lei Maior. Nesse sentido a atual jurisprudncia do STF65, que j afirmou que, se a
controvrsia puramente regimental, resultante de interpretao de normas regimentais,
trata-se de ato interna corporis, imune ao controle judicial.
64 A matria oramentria tratada em Resoluo do Congresso Nacional por ser examinada por
Comisso Mista e discutida e votada simultaneamente pela Cmara dos Deputados e pelo Senado Federal em sesso conjunta, conforme citado anteriormente no texto.
65 MS 24356/DF. Ver tambm os MS 25588 AgR/DF e 22503/DF.
21
Seria possvel criticar esse entendimento, que torna as regras regimentais imunes
anlise jurisdicional, retirando, em ltima instncia, sua coercibilidade, mas tal
aspecto foge ao escopo especfico deste trabalho. De qualquer forma, entendemos que
tal posicionamento do Pretrio Excelso no deve justificar a ausncia de anlise de
regimentalidade da proposio pelo legislador, sob o argumento de que seria incua tal
verificao, j que uma eventual antirregimentalidade no processo legislativo no
retiraria a validade da futura lei. Embora a teoria dos atos interna corporis diga que,
ante o princpio da independncia dos Poderes, o Judicirio no pode controlar os atos
do Legislativo que ofendam, unicamente, regras regimentais, isso no significa que o
Parlamento esteja autorizado a se eximir de cumprir com zelo sua funo constitucional
de produzir normas jurdicas de qualidade.
Assim, independentemente da discusso sobre a verdadeira natureza jurdica do
Regimento Interno de um rgo legislativo, se lei em sentido formal, ou material, ou se
mero conjunto de regras convencionais que no consubstanciam verdadeiras normas
jurdicas (especialmente ante a ausncia de sano por seu descumprimento66), ele
existe para detalhar o processo legislativo constitucionalmente estabelecido e direcionar
esse processo para a produo de leis de qualidade para a populao. Leis mal
elaboradas, confusas e ambguas corroem a harmonia social e geram conflitos
desnecessrios na sociedade. No por menos que CARVALHO conceitua o processo
legislativo, sob o ponto de vista poltico, como
um sistema destinado a organizar a deliberao sobre valores, para extrair uma concluso a respeito de determinada expectativa social de normatizao, para orientar a negociao em torno da conduo das polticas pblicas e realizar, enfim, a interseo entre os planos do ser e do dever-ser, concretizando os ideais e as aspiraes que do ensejo formao do Estado.67
66 Quando falamos em ausncia de sano pelo descumprimento das normas regimentais, referimo-nos
no necessariamente ausncia de previso de sano nos Regimentos Internos (o que, no entanto, tambm costuma ocorrer), mas, em ltima instncia, postura do STF de no analisar as violaes s regras regimentais, sob a alegao de que se trata de matria interna corporis. O art. 412, IV, do Regimento Interno do Senado Federal, por exemplo, estabelece a nulidade de qualquer deciso que contrarie norma regimental. Todavia, se uma deciso antirregimental for tomada, e o prprio Senado no reconhecer sua nulidade, tendo em vista ainda o citado entendimento do STF, a deciso simplesmente permanecer eficaz. Assim, ante a ausncia de coercibilidade, possvel definir o Regimento no como uma norma jurdica, mas como uma mera carta de orientaes do Legislativo, verdadeiro ato de carter dispositivo, ainda que na seara do Direito Pblico, que serve apenas para orientar os trabalhos dos parlamentares, caso eles no decidam agir de maneira diversa da regimentalmente prevista, ressalvadas, claro, as normas regimentais que reproduzam regras previstas na prpria Constituio da Repblica, as quais, por isso, no podem ser desrespeitadas.
67 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Controle Judicial e Processo Legislativo a observncia dos regimentos internos das Casas legislativas como garantia do Estado Democrtico de Direito. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris, 2002, p. 64.
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Assim, tendo em vista essa importncia atribuda ao processo legislativo e a seu
produto final (as leis), de atender expectativa social de normatizao e concretizar os
ideais e as aspiraes do Estado e da sociedade, afigura-se ilegtima, ainda que sob a
tica metajurdica, a produo de normas legais sem a observncia das regras
regimentais, que existem para garantir a qualidade e a efetividade do processo
constitucional de formao das leis e a adequada produo das diversas espcies
legislativas.
Alm disso, possvel ver a questo de outra maneira: a atual prevalncia da
teoria dos atos interna corporis faz crescer a responsabilidade poltica do Parlamento
quanto adequada anlise de regimentalidade das proposies legislativas. Se ao
Judicirio vedado reexaminar as questes puramente regimentais, ento as eventuais
antirregimentalidades em matrias aprovadas pelas Casas legislativas, em grau capaz de
afetar a qualidade das normas jurdicas produzidas, devem ser, na verdade, objeto de
redobrada ateno dos parlamentares, pois, se no detectadas e sanadas, ingressaro no
mundo jurdico e nele permanecero, maculando a norma em que se inserem.
3.4 JURIDICIDADE EM SENTIDO ESTRITO
Vistas a constitucionalidade e a regimentalidade, os demais pontos de
juridicidade podem ser reunidos, conforme a sistematizao que estamos adotando neste
trabalho, sob a classificao de juridicidade em sentido estrito. Nesse conjunto, os
principais aspectos das proposies legislativas a serem analisados referem-se aos
atributos da norma legal, legalidade, conformidade aos princpios jurdicos e,
ainda, tcnica legislativa. Abordaremos tambm, adiante, alguns pontos adicionais de
juridicidade.
3.4.1 Atributos da lei
A norma legal, para ser qualificada como tal, deve possuir determinadas
caractersticas, elencadas pela doutrina, dentre as quais destacamos a novidade, a
abstratividade, a generalidade, a imperatividade e a coercibilidade.
Antes de abordar especificamente tais requisitos, vale reler a distino,
anteriormente abordada, entre lei em sentido formal e em sentido material.
Os atributos que estudaremos a seguir referem-se lei em seu sentido material.
23
3.4.1.1 Novidade
Novidade a caracterstica da norma de poder inovar o ordenamento jurdico,
isto , de ser autorizada a criar nova regra de direito e a estabelecer direitos e obrigaes
aos indivduos.
A lei ato normativo primrio, isto , cujo fundamento direto de validade a
Constituio. Ela se diferencia, por exemplo, do regulamento68, ato normativo
secundrio, que retira sua validade da lei. Enquanto a norma legal, por ser ato primrio,
possui o poder de inovar o ordenamento, o regulamento no pode ir alm da lei que
detalha, isto , no pode criar novos direitos e obrigaes. o que estabelece o art. 5,
II, da Lei Maior, segundo o qual ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa seno em virtude de lei, preceito conhecido como princpio da
legalidade. Conforme ensina MEIRELLES69, o essencial que o Executivo, ao expedir
regulamentos, no invada as chamadas reservas de lei, como as que afetam as
garantias e os direitos individuais assegurados pela Constituio70.
CARVALHO71 cita a novidade como sendo da essncia do ato legislativo,
servindo justamente para distinguir a lei do regulamento. Ele destaca que se caracteriza
como novo o direito criado em plano imediatamente inferior Constituio, estando o
regulamento em um segundo plano, mediato em relao Carta Magna.
Se, por um lado, somente a lei pode inovar o ordenamento jurdico, por outro,
ela s deve ser produzida se efetivamente se destinar a tal mister. Assim, uma norma
que no inove o ordenamento jurdico, isto , que no possua o atributo da novidade,
68 Nos termos do art. 84, IV, da Carta Magna, compete privativamente ao Presidente da Repblica
expedir decretos e regulamentos para a fiel execuo das leis. O poder regulamentar atribuio tpica dos chefes do Poder Executivo, em suas respectivas esferas de governo. O regulamento, em muitos casos, pode ser lei em sentido material, mas, por no ser produzido pelo Parlamento, no lei em sentido formal, nem possui o atributo da novidade.
69 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 136. 70 Por outro lado, no se deve confundir o decreto regulamentar citado no texto com o decreto
autnomo de que trata o inciso VI do artigo 84 da CRFB/1988. Este constitui ato normativo primrio, com fora de lei, e que pode ser adotado apenas nos casos ali especificados, quais sejam: organizao e funcionamento da administrao federal, quando no implicar aumento de despesa nem criao ou extino de rgos pblicos; e extino de funes ou cargos pblicos, quando vagos. Como somente decreto autnomo pode dispor sobre tais matrias, elas constituem o que se chama de reserva de administrao (STF: RE 427574 ED/MG, ADI 3343/DF, ADI 2364 MC/AL, ADI 776 MC/RS). Nesse sentido, conforme comentaremos adiante no texto, um eventual projeto de lei de autoria do Executivo que tratasse desses assuntos incorreria em uma injuridicidade stricto sensu, por ser desnecessrio (j que bastaria o decreto). J se tal projeto fosse de autoria parlamentar, haveria tambm uma inconstitucionalidade, por vcio de iniciativa.
71 CARVALHO, Kildare Gonalves. Tcnica Legislativa. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 20.
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ser injurdica. Um exemplo um projeto de lei que veicule comando idntico a outro j
previsto em uma lei ou na Constituio. Tendo em vista j existir regra positiva sobre o
assunto, a edio de nova norma jurdica desnecessria, por no inovar o
ordenamento.
Outro exemplo so as proposies que se destinem a originar leis de carter
meramente autorizativo, que apenas prevejam que um Poder possa exercer competncia
sua j prevista constitucionalmente. Neste caso, no h inovao do ordenamento
jurdico, pois tal competncia j est prevista em norma vigente, sendo despiciendo
autorizar por lei o que a Constituio j autoriza72. Vimos inclusive que o STF
considera que norma dessa natureza inconstitucional, por ofender a iniciativa
privativa do respectivo Poder e o princpio da separao dos Poderes.
Do mesmo modo, inexiste novidade na conhecida regra, constante de algumas
leis administrativas, de que o Poder Executivo regulamentar o disposto na lei73. Ora, o
poder regulamentar do chefe do Executivo j previsto no art. 84, IV, da Carta Magna.
Logo, inserir o citado comando no texto da proposio desnecessrio74. O mesmo se
diga da clusula revogam-se as disposies contrrio75, tendo em vista que, nos
termos do art. 2, 1, do Decreto-Lei n 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de
Introduo s Normas do Direito Brasileiro LINDB), a lei posterior revoga a anterior
quando for com ela incompatvel, sendo desnecessria e incua, portanto, a referida
clusula.
Por outro lado, um exemplo legtimo de norma legal sem carter de novidade a
chamada lei interpretativa, cujo objetivo simplesmente esclarecer o sentido e o
alcance de outras leis (interpretao autntica)76. Algumas vezes, a prpria lei veicula
72 Pode-se apontar tambm, neste caso, um problema de imperatividade (atributo que veremos adiante),
pois a futura lei no ser de cumprimento obrigatrio pelo Poder destinatrio, que tem autonomia para decidir quando exercer sua competncia.
73 Exemplo: art. 17 da Lei n 12.598, de 21 de maro de 2012. 74 Poderia surgir aqui a discusso sobre o alcance de um decreto federal regulamentador de uma lei de
normas gerais da Unio, aplicvel a todos os entes da Federao (lei de carter nacional): se seria tal decreto incidente apenas Unio (ou mesmo apenas ao Executivo federal) ou se ele se estenderia a todos as esferas de governo. No nos aprofundaremos nessa discusso aqui, mas, em princpio, tal extenso do decreto a toda a Federao seria inconstitucional, pois feriria a autonomia federativa dos estados, Distrito Federal e municpios.
75 A qual configura, tambm, problema de tcnica legislativa, conforme veremos frente. 76 O STF j entendeu ser plausvel, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento
da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idneo de veiculao da denominada interpretao autntica (ADI 605 MC/DF).
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dispositivos interpretativos de seus prprios comandos77; porm h casos em que
editada uma nova lei para interpretar dispositivos de outra j em vigor, caso em que
aquela no inovar o ordenamento jurdico, podendo, inclusive, desde que a nova
interpretao no gere gravames adicionais aos destinatrios, ser aplicada
retroativamente edio da lei interpretada78.
No obstante, preciso ateno quanto a leis que, autoproclamando-se
interpretativas, na verdade inovam o ordenamento jurdico79. Segundo
MAXIMILIANO80, quase impossvel fazer uma norma exclusivamente interpretativa,
sendo comum a nova regra apresentar-se com esse carter, mas modificar a lei
interpretada de modo quase imperceptvel. Acrescenta ele, quanto s normas
explicativas, que nada mais difcil do que distinguir a mera interpretao da verdadeira
inovao.
3.4.1.2 Generalidade
Generalidade o atributo da norma de ser aplicvel a destinatrios
indeterminados, isto , a qualquer um que se enquadre na regra prescrita. A norma geral
ope-se individual, dirigida a um ou mais sujeitos determinados. A lei que se destine
a regular assunto de uma especfica classe (ex.: servidores pblicos) deve ser
considerada geral, por no se referir a indivduos especficos, mas a qualquer um que se
enquadre ou venha a se enquadrar na classe.
CARVALHO81 ensina que a generalidade da lei fator de proteo do indivduo
contra a arbitrariedade do Estado, quando impede que os detentores do poder adotem
deciso individual em relao a situao determinada, pois tambm eles ficam
vinculados pela regra geral contida na lei. Ele acrescenta que a generalidade
consequncia do princpio da igualdade perante a lei, que veda lei estabelecer
excees ou distines entre as pessoas em razo de caractersticas meramente
individuais.
77 exemplo o art. 327 do Cdigo Penal, que esclarece o conceito de funcionrio pblico para os efeitos
penais. 78 O STF j decidiu que, quando a retroprojeo normativa da lei no gera nem produz gravames aos
destinatrios, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo (ADI 605 MC/DF).
79 Foi o caso do art. 3 da Lei Complementar n 118, de 9 de fevereiro de 2005, conforme decidiu o STF (RE 566621/RS).
80 MAXIMILIANO, Carlos. Ob. cit., p. 75. 81 CARVALHO, Kildare Gonalves. Ob. cit., pp. 19-20.
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Por exemplo, uma lei que estabelece que toda proposta de compra pela
Administrao deve caracterizar adequadamente o objeto a ser adquirido e indicar os
recursos oramentrios para seu pagamento uma norma geral, pois se aplica a todos os
agentes pblicos que pretendam elaborar propostas de compras pblicas. J outra que d
nome a determinada rodovia configura norma individual, por ser diretamente aplicvel
apenas rodovia. Nesse exemplo, a norma de carter individual lei apenas em sentido
formal, sendo mesmo questionvel a necessidade de se regular tal assunto por lei,
conforme debateremos futuramente.
O usual, assim, que a lei atenda ao requisito da generalidade, embora haja
exemplos legtimos de leis individuais, como as que concedem iseno tributria a
determinada pessoa, em relao a fatos geradores decorrentes de certas atividades,
desde que tal concesso no ofenda outras normas tributrias82.
Os vcios ligados generalidade normalmente esto associados quebra da
isonomia entre as pessoas. o caso de um projeto de lei que vede o nepotismo no
servio pblico, salvo para os cargos integrantes da chefia do Poder Executivo83. Outro,
mais sutil, o de uma proposio que pretenda submeter identificao criminal toda
pessoa que no possuir carteira de identidade (exigindo a identificao criminal de
quem possuir, por exemplo, apenas a carteira de motorista ou a carteira profissional,
embora tais documentos sejam igualmente hbeis identificao civil).
3.4.1.3 Abstratividade
A abstratividade (ou abstrao) refere-se qualidade da norma de se destinar a
situaes hipotticas, que podem ou no ocorrer no mundo real. Surgindo um caso
concreto que se amolde situao descrita, a regra deve ser aplicada (subsuno do fato
norma). A abstrao ope-se concretude, caracterstica da regra de ser aplicvel
apenas a um ou mais casos especficos, no a reiteradas situaes semelhantes.
82 O art. 125, II, e o art. 194, pargrafo nico, da Lei n 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Cdigo
Tributrio Nacional), preveem a possibilidade de iseno tributria de carter pessoal. Tal iseno configurar lei apenas em sentido formal. Um exemplo o art. 41 da Lei n 12.663, de 5 de junho de 2012, que isentou do pagamento de imposto de renda e contribuio previdenciria o prmio de R$ 100.000,00 (cem mil reais) concedido pelo governo brasileiro aos jogadores das selees campes das copas mundiais de 1958, 1962 e 1970.
83 Por mais esdrxulo que possa parecer, tal exemplo j ocorreu na realidade. A Lei n 13.145, de 5 de setembro de 1997, do Estado de Gois, que veda a prtica do nepotismo no Estado, excetuava da proibio a nomeao de at dois parentes por autoridade, alm do cnjuge do chefe do Poder Executivo. O STF declarou essa exceo inconstitucional em 15/5/2013, por meio da ADI 3745/GO.
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Por exemplo, uma lei que determine que a pessoa que queira receber
determinado benefcio de assistncia social (ex.: salrio mnimo mensal a idosos e
pessoas com deficincia) deve apresentar comprovante de residncia uma norma
abstrata, pois ser aplicada sempre que algum enquadrado na regra pretender receber o
benefcio. J outra que preveja que tal comprovante ser exigido apenas para o
recebimento de um benefcio especfico, a ser concedido em determinada data (ex.:
cesta bsica a pessoas de uma regio atingida por uma calamidade da natureza), uma
norma de carter concreto, pois se aplica apenas a essa oportunidade, configurando lei
apenas em sentido formal.
Quanto abstratividade, NADER leciona que: Visando atingir o maior nmero possvel de situaes, a norma jurdica abstrata, regulando os casos dentro do seu denominador comum, ou seja, como ocorrem via de regra. Se o mtodo legislativo pretendesse abandonar a abstratividade em favor da casustica, para alcanar os fatos como ocorrem singularmente, com todas as suas variaes e matizes, alm de se produzirem leis e cdigos muito mais extensos, o legislador no lograria o seu objetivo, pois a vida social mais rica do que a imaginao do homem e cria sempre acontecimentos novos e de formas imprevisveis.84
Note-se que generalidade diferente de abstrao. A primeira refere-se
aplicao da norma a indivduos indeterminados; a segunda, incidncia do comando a
situaes inespecficas. Conforme ensina BOBBIO85, gerais so as normas universais
em relao aos destinatrios e abstratas aquelas universais em relao ao. Tanto
que podem existir comandos legais gerais e concretos, como certas normas de carter
transitrio, aplicveis s pessoas em geral, mas referentes a uma situao especfica.
So exemplos o art. 5, 1, do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias
(ADCT)86 e o caso hipottico acima, da concesso de cestas bsicas s pessoas
atingidas por uma calamidade natural.
Do mesmo modo, podem-se imaginar regras individuais e abstratas, como um
comando que exija que um especfico condenado em processo criminal comparea
periodicamente presena do juiz, para informar e justificar suas atividades, o que
84 NADER, Paulo. Ob. cit., p. 87. 85 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurdica. 2 ed. So Paulo: Edipro, 2003, pp. 180-181. 86 Art. 5, 1, ADCT: Para as eleies de 15 de novembro de 1988 ser exigido domiclio eleitoral na
circunscrio pelo menos durante os quatro meses anteriores ao pleito, podendo os candidatos que preencham este requisito, atendidas as demais exigncias da lei, ter seu registro efetivado pela Justia Eleitoral aps a promulgao da Constituio.
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costuma ocorrer por meio de deciso judicial87. Note-se, por outro lado, ser mais difcil
imaginar uma lei legtima que seja individual e abstrata. BOBBIO88 cita o exemplo de
uma lei que atribua a uma determinada pessoa um ofcio, por exemplo, o de juiz da
Corte constitucional, prescrevendo-lhe as aes inerentes ao exerccio da funo.
Salvo em casos especiais, a proposio legislativa deve veicular comandos no
apenas gerais, mas tambm abstratos, para que a futura norma jurdica possa regular
adequadamente o conjunto das relaes sociais e estabelecer a convivncia harmnica e
pacfica entre todos os membros da coletividade. BOBBIO89 leciona que a generalidade
da norma, isto , o fato de ela se dirigir no quele ou a este indivduo, mas totalidade
dos cidados, meio de efetivao da igualdade; e que a abstrao, com a
regulamentao no de um especfico caso, mas de uma ao-tipo que englobe todas as
aes concretas inclusas nesse tipo, garantia de certeza nas relaes sociais, ao
permitir que os cidados saibam, com antecedncia, as consequncias de suas aes.
As regras individuais e concretas so mais adequadas criao de relaes
jurdicas entre indivduos especficos, no devendo, em regra, ser veiculadas em leis,
mas em contratos ou decises judiciais. Uma exceo a autorizao legislativa para a
alienao de imveis pblicos90, que configura norma legal individual e concreta. Outra
so as leis que configuram comandos gerais e concretos, como os j citados acima.
Vale destacar que os exemplos de leis em sentido apenas formal at agora
mencionados so legtimos em funo do que exige a Constituio ou outras leis, como
a citada autorizao legislativa para a alienao de imveis pblicos. O exemplo da
concesso de cestas bsicas s pessoas atingidas por uma calamidade natural, por sua
vez, caso que tambm exige lei em sentido formal, tendo em vista o princpio da
legalidade previsto no art. 37, caput, da Carta Magna. Conforme ensina
87 O art. 319, I, do Cdigo de Processo Penal prev essa medida cautelar, mas em carter geral e
abstrato, isto , como regra aplicvel a qualquer (e no a um especfico) condenado criminalmente e a toda situao que se enquadre na previso legal, conforme as condies fixadas pelo juiz. Neste caso, conforme citado no texto, a regra individual e abstrata materializar-se- pela deciso judicial que aplique a lei a um especfico condenado, pela prtica de determinado crime.
88 BOBBIO, Norberto. Ob. cit., p. 183. 89 BOBBIO, Norberto. Ob. cit., p. 182. 90 O art. 17, I, da Lei n 8.666, de 1993 (Lei de Licitaes e Contratos Administrativos), determina que a
alienao de bens imveis da Administrao direta, autrquica e fundacional depende de autorizao legislativa. Um exemplo Lei n 11.234, de 22 de dezembro de 2005, que autoriza a Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) a alienar os imveis que especifica. Como se percebe, trata-se de lei apenas em sentido formal.
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MEIRELLES91, na Administrao Pblica no h liberdade nem vontade pessoal.
Enquanto na administrao particular lcito fazer tudo que a lei no probe, na
Administrao Pblica s permitido fazer o que a lei autoriza.
Uma proposio com vcio quanto abstratividade o j citado exemplo de um
projeto de lei que d nome a determinada rodovia. A lei de carter individual decorrente
da proposio, alm de ser lei apenas formal, desnecessria ao fim almejado, pois a
denominao pode ser feita por ato administrativo, sem mobilizao do Poder
Legislativo. No obstante, tem sido comum o uso de lei para tais fins92 93.
3.4.1.4 Imperatividade e coercibilidade
Imperatividade a possibilidade de imposio da lei ao indivduo, por meio da
previso de uma sano (penalidade94) legal em caso de inobservncia da norma. J
coercibilidade a possibilidade de coao (aplicao forada) da sano ao
descumpridor da lei, por meio do uso legtimo da fora pelo Estado, caso o infrator no
aceite espontaneamente a penalidade. Conforme leciona REALE95, o Direito, segundo a
teoria da coercibilidade, pode ser definido como a ordenao coercvel da conduta
humana. No mesmo sentido, CARNELUTTI96 ensina que sano o meio utilizado
para a imposio de um preceito e coao, a fora empregada para a aplicao da
sano. Por exemplo, a penalidade pelo descumprimento de uma lei pode ser uma multa
nela prevista; se o descumpridor da norma no quitar o respectivo valor, ele pode ser
91 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 87. 92 Citem-se, como exemplos, a Lei n 12.882, de 12 de novembro de 2013, que denomina o novo Prdio
da Administrao da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas de Prdio Professor Samuel Benchimol; e a Lei n 12.827, de 11 de junho de 2013, que denomina de Engenheiro Vasco Filho o trecho da BR-324 que liga os Municpios de Salvador e Feira de Santana, na Bahia.
93 A Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania da Cmara dos Deputados, por meio do enunciado n 3 de sua Smula, considerava projeto de lei que d denominao a rodovia ou logradouro pblico inconstitucional e injurdico. No obstante, a Comisso decidiu revogar tal verbete, sob o argumento de que o art. 2 da Lei n 6.682, de 27 de agosto de 1979, autoriza que, mediante lei especial, uma estao terminal, obra de arte ou trecho de via poder ter a designao de um fato histrico ou de nome de pessoa falecida que haja prestado relevante servio nao ou humanidade. No obstante, entendemos que o fato de tal designao poder ser feita por lei no torna obrigatrio o uso da norma legal para tanto, sendo suficiente, para tal fim, um ato administrativo do rgo competente. Desse modo, ainda que possa ser considerada vlida, tal lei ser injurdica, por desnecessria.
94 Estamos adotando a palavra sano aqui apenas em seu sentido negativo, de penalidade. Conforme ensina REALE, sano todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra, havendo as sanes penais, que punem o indivduo descumpridor da lei, e as sanes premiais, que oferecem um benefcio quele que cumpre a norma (REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27 ed. So Paulo: Saraiva, 2006, pp. 72 e 76).
95 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27 ed. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 48. 96 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. So Paulo: Lejus, 1999, pp. 113, 114 e 117.
30
forado a isso pelo Poder Judicirio, mediante a penhora dos seus bens ou por outros
mecanismos disposio do juiz.
S uma regra imperativa pode ser tambm coercvel, pois no se pode aplicar
uma sano, nem se exigir o cumprimento desta, pela inobservncia de uma regra que
no efetivamente obrigatria. Nesse sentido, ao lado das leis imperativas, ou
cogentes, existem aquelas que possuem menos imperatividade, chamadas dispositivas,
ou supletivas, notadamente no Direito Privado, por exemplo, uma regra que estabelea
determinada conduta, mas permita aos sujeitos decidirem agir diversamente97. Todavia,
mesmo no caso das normas dispositivas, no se deve dizer categoricamente que elas no
possuem imperatividade, pois, conforme ressalta FRANA98, as leis que permitem que
as partes acordem uma relao segundo sua vontade no deixam igualmente de obrigar,
falta desse acordo ou na sua obscuridade. Nesse sentido, DINIZ99 classifica as normas
cogentes como aquelas de imperatividade absoluta e as leis dispositivas como as de
imperatividade relativa.
Assim, possvel que uma lei no seja marcada pela imperatividade, mas tal
caracterstica s se justificar em casos especficos, como o de certas normas de Direito
Privado ou o das leis meramente interpretativas100. Assim, a necessidade ou no da
presena de imperatividade e coercibilidade da futura norma jurdica deve ser
cuidadosamente analisada pelo legislador durante o trmite da proposio.
Uma norma legal com vcio quanto imperatividade (e, portanto,
coercibilidade) seria aquela, de iniciativa parlamentar, que pretendesse autorizar o Poder
Executivo a realizar algo j de sua competncia constitucional, conforme citamos
anteriormente, pois, em geral, a deciso sobre o exerccio ou no da competncia, bem
como o momento de exerc-la, fica a critrio desse Poder. J uma norma imperativa,
mas sem coercibilidade, seria a que exigisse determinada conduta, sem, todavia, prever
97 Por exemplo, o art. 327 do Cdigo Civil de 2002, que dispe que o pagamento ser efetuado no
domiclio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrrio resultar da lei, da natureza da obrigao ou das circunstncias.
98 FRANA, R. Limongi. Hermenutica Jurdica. 10 ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 73.
99 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24 ed. So Paulo, Saraiva, 2007, p. 35. 100 No obstante, embora as leis interpretativas, por si ss, no sejam imperativas, por se destinarem
apenas a interpretar outra norma, elas podem ter uma imperatividade indireta, se interpretarem regra de carter obrigatrio, cuja imposio se torne mais efetiva com a interpretao autntica adotada.
31
sano pelo seu descumprimento101: no havendo sano prevista, no h que se falar
em coercibilidade.
Alerte-se, entretanto, que a sano pelo descumprimento de uma lei pode j estar
prevista em outra parte do ordenamento jurdico. Seja, por exemplo, uma proposio
que proba a um agente pblico receber ajuda financeira para realizar determinado ato
administrativo, sem estabelecer sano pela violao da regra. Tal cond