Teatro e Crise

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    TEATRO E CRISE*

    T E O R IA D O D R A M A M O D E R N O ,

    de Peter Szondi. Trad. Luiz Sérgio Repa. São Paulo: Cosac Naify, 2001.

    RAQUEL IMANISHI RODRIGUES

     Mas de tudo, terrível, fica um pouco [...]

     As vezes um botão. As vezes um rato.

    [Carlos Drummond de Andrade, "Resíduo"]

    O leitor talvez se lembre de um anúncio "didático" sobre as crisesveiculado na mídia há alguns anos. "As crises passam", dizia oanúncio, "o negócio é não deixar de anunciar." Frente ao temorcrescente de que os problemas (já grandes e vários) do país pudessemfugir ao controle na esteira de uma nova  crise internacional, a idéiabásica era não se entregar. Como as guerras e os massacres, pouco apouco integrados ao cotidiano via mídia, as crises deveriam ser vistassem sentimentalismos, em sua ocorrência (infelizmente) poucoinvulgar. Tendo com elas uma relação praticamente "de berço", era

    difícil acreditar que ainda não tivéssemos aceito sua recorrência comoque inelutável, nem aprendido a incorporá-las ao dia-a-dia com ummínimo de racionalidade. Segundo nota de um grande jornal paulista, oanúncio teve tamanha acolhida de público que uma leva deempresários "de peso" fez fila para colaborar.

    A propaganda, digerida com prática sabedoria não apenas pelopequeno e médio empresário a quem se dirigia inicialmente, apelavapara um suposto reservatório comum e como que atemporal daexperiência nacional (nós brasileiros que já vimos muitas crises),

    passando por cima de tudo que se vinculasse à história efetiva na qualestas se deram e continuam a dar. A referência a datas e imagens serviaapenas para pontuar a iminente repetição do mesmo (mais uma crise),repondo subliminarmente a natureza enfadonha e desinteressante desuas causas. Nesse raciocínio, era irrelevante investigar as origens reaisda crise de então ou de qualquer outra, saber quem de fato "passou"por elas, foi por elas barrado ou nelas se perdeu. Não importava saberque conflitos a geraram ou dela são resultado. A força de sua verdade

    * Redigido em 2001 e levemente mo-

    dificado em 2003, este texto é partede uma pesquisa mais ampla sobre otrabalho de Peter Szondi.

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    talvez residisse justamente nesse caráter universal e não-residual – todos

    somos vítimas da crise, todos devemos aprender a viver com elas. Nessavisão, como nos relatórios econômicos, a crise não deixa rastrosindiscriminados e pode ser sempre traduzida em planilhas limpas e

    contas exatas. Nela, a taxa de desemprego pode ser "estrutural", ainflação ter sido "inercial", e o país continuar sempre "em desen-volvimento". A convicção que ela chancela tem a mesma natureza dasfrases feitas, de que é uma variação.

    No entanto, se pode ter efeito operatório e servir como raciocínioválido no mundo ameno das idéias, tal convicção dificilmente man-tém-se sem abalo no plano pedestre da experiência cotidiana. Qualquerpessoa que se dispuser a olhar com olhos abertos uma cidade modernae desenvolvida como São Paulo, por exemplo, não terá dificuldade em

    constatar que as crises não foram (nem continuam a ser) umaexperiência de iguais resultados para o conjunto dos que nela vivem,nem tampouco alteraram e redefiniram uniformemente os váriosespaços que a constituem1. Ao contrário do sugerido, elas não são umarepetida sucessão de eventos danosos que "passam" sem deixarvestígio. Seus resultados positivos ou negativos — não uniformes enão generalizáveis — são reais e visíveis, e não basta, para eliminá-los,o anúncio de sua superação. Disso são prova, para ficar nas menções

    sumárias, não só a expansão e ocupação peculiar das metrópoles bra-sileiras, mas a violência urbana e a idiotia televisiva nacional. Comonotou o crítico Roberto Schwarz em um balanço sóbrio e sombrio dofim de século, "as fragmentações locais são o avesso do avançocontemporâneo e de seu curso"2. Ainda que não se pense nos conflitosnão resolvidos ou nos resultados negativos dessa recorrente sucessãode crises, eles continuam impressos no real. Expulsos pela porta dafrente das análises macroeconômicas, acabam por mostrar sua face nasportas de fundo das periferias nacionais. Seu resíduo, a parte não

    considerada de sua história, se funde sensorialmente com o cenário,para usar uma imagem de Simmel, como ruína.

    O mesmo processo de naturalização das crises econômicas, por maisque isso choque os puristas, pode ser flagrado no campo da estética.Ainda que se queira sempre pensar a história das artes como umdesenvolvimento progressivo de inovações, aperfeiçoamento de técnicas,pontuado por crises localizadas, e ainda que seja reconfortante imaginarrupturas heróicas e personalidades geniais a desbravar novos camposartísticos, também aqui as mudanças ocorrem dentro de

    desenvolvimentos específicos e acirram, ou colocam em nova chave,problemas de configuração particular. Também nas obras de arte as crises

    deixam seus rastros, marcando o que elas têm de mais duradouro: suaforma. Estas não são apenas palco de sucessos estilísticos, mas tambémde conflitos. Não carregam apenas o que será visto pela posteridadecomo inovação, mas igualmente o que esta não acolherá como prêmio;aquilo que, com um dado desenvolvimento, não se casou.

    [1] Um exemplo recente desse movi-mento pode ser conferido em Fix,Mariana. Parceiros da exclusão. SãoPaulo: Boitempo, 2001. Para umaabordagem histórica mais ampla, cf.Maricato, Ermínia. Metrópole na pe-riferia do capitalismo.  São Paulo:Hucitec, 1996.

    [2] Schwarz, Roberto. "Fim de sé-culo". In: Seqüências brasileiras. SãoPaulo: Cia. das Letras, 1999, p. 160.

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    II

    [... ]  Res ta saber apenas se é poss íve l comunicar a ev idênc ia de a lgo que setornou c laro para nós

    Peter Szondi, carta a Ivan Nagel, 4.09.1953

    A publicação no Brasil (com 45 anos de atraso) da Teoria do drama

    moderno,  de Peter Szondi3, obra reconhecida pouco depois de seulançamento como um "clássico" da teoria dos gêneros e dos estudosteatrais4, fornece munição para se pensar a emergência e o modo deconfiguração das crises no campo artístico a partir de um prisma par-

    ticular: a dramaturgia.O estudo de Szondi tem um recorte exemplar: trata-se de flagrar odesenvolvimento do drama moderno através da análise de dezoitoexemplos extraídos da dramaturgia "mais avançada" produzida entre1880 e 1950 em vários pólos teatrais europeus e norte-americanos. Nocentro dessa teoria, encontra-se um processo histórico de conflitotravado no interior da forma dramática que descortina não apenas acrise da forma canônica do drama5, mas também o modo particularcom que se dá sua "superação". A dificuldade do procedimento é

    explicitada em uma carta de Szondi ao amigo Ivan Nagel, a quemenviara os capítulos iniciais do manuscrito: "Como você verá, não éfácil e muito menos desprovido de perigos, provar a própria crise dodrama em peças aparentemente perfeitas e tachadas como obrasprimas"6.

    No estudo de Szondi, caem as personalidades geniais e as grandesobras, e o leitor é obrigado a voltar-se para os problemas gerados econfigurados no interior do material artístico ao longo de um processohistórico determinado, no qual se revelam a insuficiência e a ina-

    dequação da forma herdada da tradição. São esses problemas,inscritos no material com que se confrontam os dramaturgos, como amiséria no interior das grandes cidades, que o crítico propõe, comotarefa, recuperar.

    Para avaliar o tamanho da empreitada de Szondi — e com issotambém seu valor para a atualidade —, é preciso atentar não só aoprocesso que dá origem ao drama moderno, mas ao que permite apre-ender seu surgimento em um momento particular. Para tanto, devem-se

    ter claras algumas características-chave desse trabalho.A Teoria do drama moderno não é uma história da dramaturgia mo-derna, mas só pode ser formulada, como explica Szondi na introduçãoda obra, a partir do solo da historicidade7. É só com a emergência deuma concepção histórica das formas artísticas, processo ele mesmohistórico, que se torna possível ver o drama e a forma dramática comofenômenos vinculados a um curso temporal específico e não maiscomo algo passível de configuração e postulação poética em qualquer

    [3] Szondi, Peter. Teoria do dramamoderno.  Trad. Luiz Sérgio Repa.São Paulo: Cosac Naify, 2001. Naseqüência, o livro será citado comoTDM  a partir da edição alemã ( Theo-rie des modernen Dramas. In: Schrif-

    ten, vol. I. Frankfurt: Suhrkamp,1978), em tradução própria, seguidodas referências à edição brasileira.

    [4] O imediato reconhecimento dotexto e o sucesso editorial do livropodem ser flagrados a partir de al-gumas cartas de Szondi escritas en-tre 1955 e 1959. Aparentemente emrazão de uma indicação do germa-nista Emil Staiger, o manuscrito foienviado em meados de 1955 aorenomado editor Peter Suhrkamp,que recomendou sua inclusão, noano seguinte, na coleção "Carta lite-rária". Publicado no final de 1956com uma tiragem de dois mil exem-plares, o livro já estava praticamenteesgotado em setembro de 1957,segundo um relatório da editora. Noinício de 1959 Szondi discutiu comPeter Suhrkamp a possibilidade deuma segunda edição, em vista dasconstantes solicitações por parte deleitores e livreiros e da "maneiraimpressionante" com que o livroentrara na bibliografia dos estudos

    germanísticos. Cf., em especial, ascartas a Peter Suhrkamp de 30/11/ 1955 e 14/03/1959 e a Ivan Nagel de13/09/1957. In: Szondi, Peter.

     Briefe. Frankfurt: Suhrkamp, 1983.

    [5] Sobre o conceito de forma canôni-ca do drama, fiquemos por ora com aspalavras de Szondi na introdução docapítulo "Crise do drama": "Por voltade 1860, a forma do drama não eraapenas a norma subjetiva dos teóri-cos, mas representava ao mesmo tem-

    po o estado objetivo da produção dra-mática" (TDM, p. 21; trad., p. 36).

    [6] Szondi, Briefe, op. cit., p. 22.

    [7] TDM, pp. 12-13; trad., pp. 24-25.

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    momento da História8  — passo decisivo para se conceber a possi-bilidade de surgimento do drama  moderno9.  Lido de maneira re-trospectiva, o texto atesta o esforço de síntese operado no capítulointrodutório da TDM, que condensa uma série de reflexões do então

    estudante sobre a constituição do pensamento histórico e dialético nointerior do idealismo alemão10.

    Seguindo as indicações de Szondi no início do livro, de acordocom a concepção herdada pela tradição, a princípio sistemática e logonormativa, a forma era um modo a-histórico de ordenação econfiguração do material dramático — este, sim, histórico, mutável esubmetido, justamente em função disso, ao processo seletivo deadequação formal. A maestria artística no caso era dada pela escolha,em meio a uma matéria histórica e múltipla, de um conteúdo adequadoa essa forma una e atemporal. Tal concepção tinha, todavia, umacontrapartida paradoxal: o preço pago pela "permanência" da forma, apossibilidade de sua efetivação em qualquer tempo a partir de umamatéria mutável, era ela não expressar, em si mesma, coisa alguma.

    A prova de que tal concepção não fazia parte de um passado dis-tante na época da redação do livro é o comentário feito por um amigoacadêmico a quem Szondi enviara os primeiros capítulos: "a formanão é capaz de enunciar nada, ela é um modo de realização do

    enunciado"11

    . Não é difícil ver que tal concepção, "que paira acima dahistória e se firma na dualidade originária entre forma e conteúdo",não tem como dar conta de um processo histórico que, alterandoprofundamente o que se dispõe como conteúdo dramático, limita pordentro a escolha da forma preestabelecida do drama. A mudançateórica operada pela concepção histórico-dialética, diz Szondi, nãoapenas acaba com a oposição atemporal-histórico na relação entreforma e conteúdo, como aponta a identidade de fundo entre os doistermos. A forma não se reduz, assim, a um modo de ordenação e

    prescrição imposto à matéria dramática, mas é algo que se constitui juntamente com essa matéria em um momento e em um processohistórico preciso, ao qual, justamente por isso, pode a certa altura nãomais corresponder.

    A incompreensão acerca da noção de historicidade presente naTeoria do drama moderno e do modo como esta se relaciona com seuobjeto específico levou a uma série de mal-entendidos sobre a naturezada obra, de que já dava mostra a correspondência do período. Namencionada carta a Peter Suhrkamp, em que se cogita uma nova edição

    do livro, Szondi mostra-se inteiramente contrário a uma ampliação ou"atualização" da pesquisa. "O livro não é uma apresentação histórica",escreve, "mas uma teoria. Completá-lo revelaria o desejo de transformá-lo em algo mais up to date, o que não corresponde de modo algum aocaráter  do livro"12.

    Note-se que a mesma exigência de completude em direção ao fu-turo, às obras escritas em anos posteriores a sua redação, já havia sido

    [8] Idem.

    [9] É de se notar que o processo dehistoricização da poética tinha sidoobjeto de um texto anterior de Szon-di, o ensaio "Friedrich Schlegel e aironia romântica", escrito original-mente em 1952 para um seminário deEmil Staiger e publicado pela primei-ra vez na revista Euphorion, em 1954.

    [10] A análise cada vez mais porme-norizada desse processo será umaconstante na produção intelectual deSzondi, como comprovam seus tex-tos posteriores (cf.  Studienausgabeder Vorlesungen, vols. I-III. Frank-furt: Suhrkamp, 1991). Voltaremos na

    seqüência à relação de Szondi com a"tradição estética".

    [11] Cf. carta a Bernhard Böschens-tein. In: Szondi, Briefe, op. cit., pp.28-29.

    [12] In: Szondi, Briefe, op. cit., pp.83-85 (grifos meus).

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    feita na direção contrária. Na primeira carta trocada com o editor, queestranhara a ausência, no manuscrito, da figura de Shakespeare e deautores de destaque como Franz Wedekind e T. S. Eliot, Szondi expli-cava que a escolha dos dramaturgos não havia sido definida apenas

    em virtude de seu "valor literário e importância histórica", mas a partirde uma consideração "metodológica"13. Os exemplos escolhidos nãoserviam para ilustrar a história da moderna dramaturgia, mas parapossibilitar a "apreensão imanente de sua teoria".

    O final da longa argumentação sobre Shakespeare dava, nessesentido, um passo decisivo. "Para uma consideração que busca nasobras de uma época, não por último, apreendê-la ela própria", diziaSzondi,

    tornam-se importantes sobretudo obras que pretendem mostrar a imagem

    humana do presente, sem máscaras históricas. Os dramas históricos de

    Shakespeare seriam objeto de uma doutrina das formas do teatro épico que

    se dedicasse a considerar também, ao lado destes e da dramaturgia do

    século XX, a tragédia grega, as peças religiosas medievais e o teatro do

    mundo barroco. Meu trabalho, que se concentra acima de tudo nos

    motivos de surgimento do teatro épico moderno, precisava se furtar 

    a esses temas14.

    Essa série de motivos reaparece no conciso parágrafo à segundaedição da TDM, no estilo lacônico que a caracteriza:

    Esperar dessa nova edição que ela tratasse da dramaturgia do último

    decênio seria não compreender a intenção do livro e tomar como uma

    história do drama moderno o que busca ler em exemplos as condições de seu

    desenvolvimento15.

    O nexo entre o fio condutor histórico da teoria e o interesse pelohorizonte presente no qual o livro é escrito ajuda a explicar a distânciatomada por Szondi em relação ao historicismo e é uma das marcasclaras de sua atitude crítica. Não se trata de ver a história da dra-maturgia moderna como algo previamente dado, mas de revelar a pos-sibilidade dessa mesma história como um resultado histórico a ser veri-ficado no interior das obras, partindo da exploração das camadassedimentadas durante esse processo em sua estrutura formal16.

    A possibilidade de decifrar a inscrição da história no interior dasobras, postulada pela  TDM,  supõe uma mudança prévia ocorrida nointerior da própria teoria. As referências centrais do trabalho, nessesentido, são dois livros escritos, respectivamente, antes da Primeira eantes da Segunda Guerra - a Teoria do romance (1914-1915), de GeorgLukács , e a  T e o r ia d o d r a m a b a r r o c o a l e m ã o  ( 1 9 2 5 ) , d e W a l t e r B e n j a m i n —, e uma obra publicada em 1949 que faz um balanço, a partir da esfera"restrita" da música, dos avanços e retrocessos sociais e estéticos reve-

    [13] Idem, pp. 60-64.

    [14] Idem, p. 61 (grifos meus).

    [15]  TDM, pp. 147-48; trad., p. 185(grifos meus).

    [16] Cf. Introdução à  TDM   (p. 14;

    trad., p. 26): "A história se encerrounos abismos que separam as formaspoéticas e só a reflexão sobre ela podealçar pontes capazes de transpô-los".

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    lados ao longo desse período — a Teoria da nova música, de Theodor W.

    Adorno. Nessas obras, seguindo o texto de Szondi, "colhem-se os

    frutos da concepção dialética de Hegel da relação forma-conteúdo, namedida em que se passa a conceber a forma como uma espécie de

    conteúdo 'sedimentado'"17.Seria passar por cima dos grandes méritos da Teoria do drama

    moderno, no entanto, tentar analisá-la como uma aplicação tout court das teorias de seus predecessores, ainda que essas obras, na medida emque v ê m ao e nc on t ro da s i nqu i e taçõ e s e c onv i c çõ e s de s e u au t or  18  ,  s e ja m d e c i -sivas. Lê-la como um mero resultado de influências teóricas iria,ademais, contra o "espírito" e as premissas de um livro que põe emquestão, desde seu primeiro parágrafo, a questão da historicidade daprópria teoria. É impossível entender o desenvolvimento da dra-maturgia mais recente, diz o início do texto, usando categorias econceitos forjados pela teoria teatral para analisar uma forma que nãocorresponde mais à produção atual. Interpretada por meio dessesconceitos, sugere o autor, essa produção só revelaria aquilo que ela nãoé. Ao invés de mostrar suas características específicas, patentearia suas"insuficiências", a distância que a afastaria de um modelo que não émais o seu. Antes de questionar a possibilidade de formulação daprópria Teoria do drama moderno, é importante esclarecer alguns pontos

    que podem evitar ilusões retrospectivas acerca da relação de Szondicom seus mestres declarados.

    Em meados dos anos 1950, quando o livro é escrito, não se tratavapara Szondi de escolher referências estéticas em meio a um conjunto deformulações reconhecidas — como se sabe, a valorização acadêmica dasreflexões de Adorno e Benjamin só começa na década posterior

    19 —, mas

    de uma convicção pessoal de que tais autores eram capitais para sepensarem os dilemas colocados para reflexão estética naquele mo-mento. É significativo, nesse sentido, o arremate à mencionada carta a

    Böschenstein:

    É provável que o que você escreva sobre o método his tórico correspondainteiramen te à verdade [ . ..] . A respei to de meu em prego desse procedime n-to, só posso dizer mais isso: acredi to que a problemá tica do drama m odernoe as formas concretas do que foi escri to nos úl t imos tempos só podem ser  apreendidas desse modo 20 .

    Seja dito ainda de passagem que os três textos citados, hoje con-siderados "clássicos" da teoria estética, percorreram eles próprios umpercurso tortuoso até encontrarem reconhecimento no meio inte-lectual alemão e serem incorporados à bibliografia acadêmica in-ternacional21.

    Lendo com atenção o texto introdutório da  TDM, vê-se que eleincorpora uma série de formulações teóricas de Adorno que, para odebate acadêmico da época, nada tinham de óbvio ou familiar. Com

    [17] Idem, p. 13; trad., p. 25.

    [18] Cf. a propósito da supramencio-nada carta a Böschenstein, em queSzondi responde de maneira singelasobre seu emprego de métodos his-tóricos: "sei muito pouco sobre isso.Minha relação com essas linhas de

    pesquisa — por mais improvável queisso possa soar — é inteiramentenaïf. Não os adoto por motivos de-

    terminados nem os propago comprovas definidas. Fico entusiasma-do com eles ou os recuso. No primei-ro caso, tento fazer com que outraspessoas também se entusiasmemcom eles. C'est tout".

    [19] Cf. a esse respeito a descriçãopor Rolf Wiggershaus do retorno dosprincipais membros do instituto dePesquisa Social a Frankfurt, em 1950:"Quando Horkheimer, Adorno e Po-

    llock se estabeleceram com suas es-posas em Frankfurt e começaram aexplorar suas posições alemãs eles seviam como judeus, intelectuais deesquerda e cientistas sociais críti-cos em um ambiente que, de umamaneira ou outra, havia passado poruma limpeza completa de figuras si-milares, no qual os sinais já aponta-vam há muito no sentido de umarestauração" (in: Frankfurter Schule.3a ed. Frankfurt: DTV, 1991, p. 479).

    [20] Szondi,  Briefe,  op. cit., pp.28-29.

    [21] Cf. Rouanet, Sérgio P. "Apresen-tação". In: Benjamin, Walter. Teoriado drama barroco alemão. São Paulo:Brasiliense, 1984, pp. 11-12; Macedo,José M. M. de. "Posfácio". In: Lukács,Georg. Teoria do romance. São Pau-lo: Duas Cidades, 200 0, pp. 165-73.

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    isso tocamos outros pontos importantes, desprezados na maioria dasconsiderações sobre o livro.

    O pequeno tratado de Szondi sobre a emergência do teatro épicomoderno não nasceu como livro, mas como tese de doutorado.Redigida em pouco menos de um ano e defendida em setembro de 1954

    na Universidade de Zurique, na Suíça, a tese trazia a chancela de umdos mais influentes germanistas do pós-guerra, o crítico literário EmilStaiger, em cujos concorridos seminários Szondi tomava parte. Paraentender a importância de Staiger no meio intelectual alemão, pode-seretomar uma breve descrição de Rolf Wiggershaus:

    Staiger era o mais notável dentre os críticos literários que, depois de 1945,

     publicaram obras modelares da chamada interpretação imanente  [...].Em seus Conceitos fundamentais da poética, publicado pela primeira

    vez em 1946, Staiger tinha desenvolvido — com base em O ser e o tempo,

    de Heidegger — uma fenomenologia da essência puramente ideal do lírico,

    do épico e do dramático, na qual via, por um lado, nomes literários para as

     possibilidades em geral do homem e, por outro, um espaço lúdico para as

    múltiplas possibilidades do fazer artístico22.

    As reservas do jovem Szondi em relação ao método interpretativo

    do crítico são explicitadas na correspondência desse período. Em umacarta a Ivan Nagel (10 de agosto de 1953), Szondi comenta, com asseguintes palavras, um seminário apresentado por BernhardBöschenstein (hoje um eminente professor da Universidade de Ge-nebra), tido então por Staiger como aluno modelar:

     Minhas objeções (ao seminário) são basicamente objeções contra a "técni-

    ca de interpretação de Zurique"  (Zürcher Art der Interpretat ion) em

    g e r a l : o c o m p o n e n t e f a ls o e d e m a g ó g i c o n a r e c o n s t i t u iç ã o d o p r o c e s s o c o g n i -

    tivo e no envolvimento do leitor no conhecimento23.

    Ao traçar na  TDM   os três caminhos possíveis deixados à teoriaestética depois da obra de Hegel e filiar seu estudo à via histórico-dialética, Szondi assume a distância que o separava do germanista,que optara por "abandonar o solo historicizado da poética e dos gê-neros concretos, buscando refúgio no atemporal"24.

    Diferentemente do que poderia supor um leitor impressionado

    com o estilo conciso e a densidade conceitual da obra25

    , os interessesde Szondi nessa época, então um jovem de menos de 24 anos, não serestringiam à teoria. O que se nota na correspondência e por meio daspoucas referências biográficas disponíveis é que a busca de formu-lações teóricas do jovem acadêmico ligava-se de maneira indissociávela um interesse ativo por teatro, música e literatura. Nas cartas escritasdurante e logo após a redação do trabalho, a discussão de questõesintrincadas de estética vem sempre de par com a análise de casos con-

    [22] Wiggershaus, op. cit., p. 580.

    [23] Szondi, Briefe, op. cit., p. 18.

    [24] TDM, p. 12; trad., pp. 24-25.

    [25] Como explicava Szondi ao ami-

    go Ivan Nagel, a quem "preparava oespírito" para o envio do manuscri-to: "comprometi-me a seguir uma viaúnica e estrita,  sans aperçus,  tendocomo ideal estilístico uma deduçãomatemática" (Szondi, Briefe, op. cit.,

    P- 23).

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    cretos extraídos da esfera artística. Tome-se, por exemplo, o luminosocomentário sobre a evidência da linguagem lírica, escrito em resposta auma objeção feita por Böschenstein ao texto do manuscrito:

     Acredito que você não me compreendeu [no tocante à evidência da lingua-gem lírica]. O "caráter evidente" estava na imanência da obra, não na

    relação com o receptor. Um exemplo um pouco claudicante: uma pessoa

    que esteja de fora não vê porque a Gilda que desfalece no Rigoletto (para

    não ter que citar a  Traviata)  ainda pode cantar. Quem, no entanto,

    incorporou a regra formal da ópera, baseada justamente no canto, aceita a

    ária de Gilda; o que não quer dizer de modo algum que não a ouça mais (por 

    a considerar "evidente"). Talvez ele se ocupe ainda mais intensamente do

    canto em si do que o leitor de poemas da linguagem lírica que, com algumas

    restrições, é mais formal que a linguagem dramática26 .

    Esse interesse em ver o funcionamento da teoria em obras concretas

    — um dos traços mais marcantes do livro — mostra-se, na correspon-dência, dirigido aos temas mais variados: a análise detalhada de umfragmento de Kafka (carta a Ivan Nagel, de 4 de setembro de 1953)27,um comentário extenso sobre a Recherche de Proust e sobre o primeiro

    volume da tradução alemã28, para não falar em referências pormeno-rizadas sobre a edição das obras de Bela Bártok, a tradução de poemasde Paul Valéry e, naturalmente, peças e apresentações teatrais.

    Como esclarecem os editores da correspondência — que lastimamque muitas das cartas trocadas com diretores e atores de teatro nesseperíodo tenham se perdido —, Szondi mantinha então uma corres-pondência quase diária com o escritor e dramaturgo Max Rychner(1897-1965), além de ter relações estreitas de amizade com o tambémdramaturgo e diretor Kurt Hirschfeld, que dirigia à época o famosoZürchner Schauspielhaus29, e com o ator e diretor Ernst Ginsberg

    (1904-1964). Outro índice do interesse de Szondi são as resenhas depeças mencionadas nas cartas e infelizmente desconsideradas naedição de suas obras30.

    Como notam Helmut Fuhrmann e Wolfram Buddecke em um es-tudo sobre o drama escrito em língua alemã pós-1945, com a ascensãode Hitler na Alemanha, a cidade de Zurique, que já tinha tido uma cenateatral destacada nas décadas de 1910 e 1920, converte-se em umaverdadeira metrópole teatral graças à migração de inúmeros autores,diretores e atores que fugiam do nazismo. Entre os imigrantes notórios

    que passaram a integrar várias montagens no Zürcher Schauspielhausfiguravam o diretor Leopold Lindtberg, o cenógrafo Teo Otto, e osatores Therese Giehse, Kurt Horwitz, Karl Paryla, Wolfgang Heinz,Ernst Ginsberg e Wolfgang Langhoff. Ainda segundo os autores, alémde ser palco de algumas das pré-estréias mais importantes do período,foi na cidade que apareceram as primeiras traduções em língua alemãde autores como O'Neill, Wilder, Eliot, Claudel, Girardoux, Sartre eLorca31.

    [26] Idem, p. 30.

    [27] Idem, pp. 24-25. A comparaçãodo comentário sobre Kafka com ocapítulo sobre o teatro existencialis-ta da  TDM   diz muito sobre a deter-minação do autor em se ater à análise

    das obras e, mesmo nessa, ao extre-mamente essencial.

    [28] Idem, pp. 36-40. Esses comen-tários serão reaproveitados mais tar-de no artigo "Hoffnung im Vergange-nen", sobre Walter Benjamin (cf.Schriften, op. cit., vol. II, pp. 278-94).

    [29] Segundo as palavras do escritore dramaturgo Max Frisch, o "únicopalco vivo em língua alemã até osanos 1950" (cf. Bienek, Horst.Werkstaatgespräche mit Schriftstel-

    lem. Munique, 1965, p. 25).

    [30] Exceção feita aos comentáriosposteriormente transformados emensaios, tais como "Anphytrion,Kleist: Lustspiel nach Molière" e"Fünfmal Anphytrion" (in:  Schrif-ten, op. cit., vol. II).

    [31] Fuhrmann, Helmut e Buddecke,Wolfram.  Das deutschsprachige Drama seit 1945 -  Schweiz, Bundes-republik, Österreich, DDR.  Muni-que: Winkler, 1981, pp. 17-23. Nãocusta lembrar para os leitores não-brechtianos que vários dos exiladoscitados trabalhavam com Brecht an-tes da guerra e que o próprio diretorviveria na cidade do final de 1947ªoutubro de 1948.

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    Essas referências aos interesses do jovem Szondi e ao contexto emque a tese é escrita ajudam a precisar o vínculo estabelecido, no livro,entre a teoria formulada pelo estudante e as teorias estéticas tomadas, aprincípio, como seu guia. Longe de dar-se a partir da aplicação direta

    de modelos existentes, a ligação de Szondi com as formulações dessesteóricos parece nascer de convicções sentidas. Leia-se, a propósito, aconfissão feita a um amigo no começo da redação do trabalho: "ouseicolocar no papel várias coisas que, inicialmente, só pretendia expressarcomo conjecturas — acredito que tal atrevimento não vá causar danos à

    ciência literária, que se encontra à beira do esvaziamento"32.Como um jovem interessado em teatro e questões estéticas, Szondi

    tentava tornar produtivas suas leituras e responder à situação teatralespecífica descortinada no pós-guerra. No texto da TDM  encontram-seecos de todas as leituras teóricas de Szondi, retrabalhadas para darconta de um objeto novo, o drama moderno, que não estava no hori-zonte nem na análise específica dessas teorias. O livro, nesse sentido, éexemplo de um trabalho intensivo com uma tradição intelectual críticaque o autor apropria como parte de sua formação. Como dizia nacorrespondência mencionada anteriormente, Szondi estava conven-cido de que, entre as vias teóricas oferecidas a um intelectual naquelemomento, só o arsenal armado por pensadores como Adorno,

    Benjamin e Lúkacs servia para pensar sobre a produção recente. E é porisso que não tem problemas em dizer ao amigo que "sabe muito poucosobre o método histórico".

    A questão decisiva sobre a obra de Szondi não é, portanto, o queela deve à incorporação de uma teoria "mais avançada" trazida porseus mestres assumidos, mas a mudança flagrada, em parte graças aesses autores, em seu próprio objeto de estudo. Note-se, a propósito,que a consciência das camadas históricas sedimentadas nas formastradicionais — base para o trabalho efetuado por Szondi — é ela mesma

    uma conquista histórica, como mostra exemplarmente um trabalhorecente sobre a crítica adorniana33. No plano da estética, o desafiopensado por todos os "mestres" do autor diz respeito a uma situaçãonova da arte, explicitada com o advento das vanguardas estéticas: adesvinculação dos compromissos de estilo. Retomando as categoriasforjadas por Adorno em seu embate com a nova música, a desvincula-ção desses compromissos acabou com a antiga unidade garantida poreles e fez com que a relação entre forma e material artístico se tornasseum problema a ser resolvido no interior de cada obra. Essa percepção jáaparecia na obra do jovem Lukács, apesar de o processo descrito não seencontrar ainda inteiramente configurado. Lê-se, por exemplo, naTeoria do romance:

     De agora em diante, qualquer ressurreição do helenismo é uma hipóstase

    mais ou menos consciente da estética em pura metafísica: um violar e um

    desejo de aniquilar a essência de tudo que é exterior à arte, uma tentativa

    [32] Szondi, Briefe, op. cit., p. 22.

    [33] "Com o fim da segurança e obri-gatoriedade dos pressupostos for-mais sedimentados pela história, aconsciência da historicidade dessespressupostos torna-se ela mesmauma condição para a possibilidadede configuração de formas novas"(Almeida, Jorge M. B. Música e ver-dade: a estética crítica de Theodor 

     Adorno.  São Paulo: tese de doutora-do, FFLCH-USP, 2000).

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    de esquecer que a arte é somente uma esfera entre muitas, que ela tem,

    como pressupostos de sua existência e conscientização, o esfacelamento e a

    insuficiência do mundo. Ora, esse exagero da substancialidade da arte tem

    também que lhe onerar e sobrecarregar as formas: elas próprias têm de

     produzir tudo o que até então era um dado simplesmente aceito; antes, portanto, que sua própria eficácia apriorística possa ter início, elas têm de

    obter por força própria suas condições — o objeto e o mundo circundante.

    Uma totalidade simplesmente aceita não é mais dada às formas: eis por 

    que elas têm ou de estreitar e volatizar aquilo que configuram, a ponto de

     poder sustentá-lo, ou são compelidas a demonstrar polemicamente a im-

     possibilidade de realizar seu objeto necessário e a nulidade intrínseca do

    único objeto possível, introduzindo assim no mundo das formas a fragmen-

    tariedade da estrutura do mundo34.

    Assim, se a TDM  só é possível com o trabalho conceitual de seuspredecessores, ela é tributária preponderantemente de uma situaçãonova colocada para a literatura e a dramaturgia.

    Lida nesse contexto, a regra de ferro seguida por Szondi ao longodo livro, que o obrigava a apreender "as contradições entre a formadramática e os problemas do presente" não in abstracto mas "comocontradições técnicas, isto é, como 'dificuldades' no interior da obra

    concreta"

    35

    , não parece excesso de zelo, mas uma exigência suscitadapor seu próprio objeto. Daí o lugar de destaque ali concedido à análiseimanente das obras. O sucesso do empreendimento deve-se à in-transigência e rigor com que Szondi atém-se a seus objetos. A pro-pósito, e para ficar em um único exemplo: ainda que cause espécie abreve análise de Brecht na TDM, o que Szondi viu no material teatralem meados dos anos 1950 não era o teatro brechtiano como um divi-sor de águas, mas como uma forma que tentava dar conta de problemasdados em um momento determinado e em lugares específicos36.

    II I

    A precedente retomada da Teoria do drama moderno pode servir como

    convite à releitura da obra de Szondi. Lido no Brasil pouco tempodepois de sua primeira publicação na Alemanha37, esse autor discretosó muito lentamente vem encontrando o eco que lhe é devido, tanto nadiscussão acadêmica quanto na prática artística. Tome-se comoexemplo, uma vez mais, a TDM. O que pode ser dito, de saída, a partir

    das indicações de Szondi?Sua tese sobre a crise do drama pressupõe, seguindo a trilha aberta

    por Adorno na Filosofia da nova música, uma mudança no material teatral.

    Onde se observa essa mudança? No deslocamento dos eixos a partirdos quais esse era estruturado — o plano das relações intersubjetivas, a

    configuração da comunicação no diálogo (suporte de toda construçãodramática), a expressão da subjetividade em uma relação neces-

    [34] Lukács, op. cit., pp. 35-36.

    [35] TDM,  p .  13.

    [36] E interessante notar a proximi-dade dessa avaliação com alguns co-mentários de Roberto Schwarz emuma notável periodização recente darecepção brechtiana: "Pensando nopúblico em que se inspiravam as suasinovações, e que elas por sua vez es-tilizavam, Brecht se refere a uma 'as-sembléia de transformadores domundo ' — uma companhia peculiar,

    de caráter proletário, amiga sobretu-do da insatisfação bem formulada,do espírito crítico e de propostassubversivamente materialistas e prá-ticas. Se não for uma ilusão retros-pectiva,  esse espectador sob medida

     para o teatro político existiu durante

    um curto período, nuns poucos luga-

    res, ligado a condições especiais, que

    merecem reflexão"   ("Altos e baixosda atualidade de Brecht" .In: Schwarz,op. cit., p. 126, grifos meus). Hipóte-ses distintas sobre a relação de Szon-di com o teatro brechtiano podemser conferidas nos trabalhos deHans-Thies Lehmann (em particularPostdramatisches Theater.  Frank-furt: Verlag der Autoren, 2001), InáCamargo Costa  (Sinta o drama.  Pe-trópolis: Vozes, 1998) e na apresenta-ção de José Antônio Pasta Jr. à ediçãobrasileira da TDM.

    [37] A primeira referência à obra deSzondi no Brasil, justamente à TDM,

    aparece em 1965 n ' O teatro épico,de Anatol Rosenfeld. Recentementefoi publicado do autor, com tradu-ção, introdução e comentários dePedro Süssekind, o Ensaio sobre otrágico (Rio de janeiro: Jorge Zahar,2004).

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    sariamente interpessoal e comunitária. Com isso, esvanecem-se seustraços essenciais: seu caráter absoluto e total, a inexpressividade detudo o que não integra o mundo intersubjetivo, a ausência do dra-maturgo em sua configuração cênica, a suposta inexistência do

    público para o desenrolar da ação dramática (à qual corresponde, noplano da recepção, a total passividade, e no da configuração espacial, ocaráter apartado do palco, entendido como um mundo por si só), atotal identificação do ator etc. Qual seu sentido? Diverso em cada umdos autores, fazendo supor que as alterações do material teatral são,elas próprias, desiguais em diferentes contextos e configurações. Aindaque Szondi não avance nesse sentido — já que brecou de início o dila-tamento dos resultados da análise em direção a um diagnóstico deépoca —, a declarada matriz adorniana e benjaminiana reivindicadapara o estudo denuncia que as alterações correspondem a mudançasque ultrapassam a esfera estritamente teatral. Se a forma preestabe-lecida do drama tornou-se estreita para o material que deveria ideal-mente conformar — e a crise do drama é indício das fissuras na formafornecida pela tradição —, isso significa que o material teatral, de ma-neiras e em direções diversas, se ampliou. As mudanças, nota Szondi,não se restringem a diferentes atores que passam a forçar a passagemem direção à cena, mas a diferentes formas de relação (ou não-relação)

    com o "próximo" e com o mundo, que anseiam agora por con-figuração.

    RAQUEL IMANISHI RODRIGUES é doutoranda em Filosofia na FFLCH-USP.