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1 MARIA GUADALUPE DE HOLANDA BENEDITO
TEATRO: UMA ABORDAGEM HUMANÍSTICA-TERAPÊUTICA
PARA A TERCEIRA IDADE
Projeto de pesquisa apresentado como requisito
parcial para a avaliação no curso de pós-
graduação lato sensu em Arteterapia em
Educação e Saúde, da Universidade Candido
Mendes, sob orientação da professora Fabiane
Muniz.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2004
2
Dedico este trabalho a duas pessoas
insubstituíveis em minha vida, minha
eterna mãe e amiga: Elbe Lima de
Holanda. E ao meu doce companheiro da
luta do dia-a-dia: Daniel Benedito.
3
Agradeço a Deus pela minha sã existência
e determinação, em busca de novas e
incansáveis aprendizagens.
4
“Seria melhor abandonar o nosso
desenvolvimento demasiado do intelecto e
ter em vista, em vez disso, a formação do
coração e das afeições”.
Rousseau.
5 RESUMO
O presente trabalho analisa as possibilidades do teatro como ferramenta
terapêutica-humanística para a terceira idade, procurando identificar o “como”, o
“porquê” e o “quanto”, o teatro pode potencializar e qualificar essa etapa da vida. Tais
reflexões nos remeteram a três momentos investigativos: 1- Uma breve revisão de
literatura histórico/educacional do teatro, com a finalidade de nos situarmos com a
relação teatro-humanidade. 2- Um sucinto estudo sobre a terceira idade, suas
peculiaridades e necessidades humanas. 3- Fundamentar as bases de um teatro
humanístico e terapêutico para a terceira idade. O objetivo principal deste trabalho foi o
de apresentar o teatro, numa perspectiva humanística, como a atividade mais complexa
de criação humana, por pode se utilizar todas as outras modalidades artísticas, agindo
assim como importantíssimo instrumento terapêutico tanto preventivo como na cura dos
problemas relacionados com a terceira idade.
6 SUMÁRIO
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO...............................................................08
1.1- Apresentação....................................................................................08
1.2- Tema.................................................................................................08
1.3- Justificativa.......................................................................................08
1.4- Delimitação do tema.........................................................................08
1.5- Formulação da hipótese....................................................................08
1.6- Objetivos..........................................................................................09
1.7- Revisão de literatura.........................................................................09
1.8- Metodologia.....................................................................................09
CAPÍTULO II – REVISÃO HISTÓRICO/EDUCACIONAL...............11
2.1- O Teatro e a história do pensamento educacional............................11
2.1.1- O mundo antigo.....................................................................12
2.1.2- O período Medieval...............................................................13
2.1.3- A Renascença........................................................................14
2.1.4- O período Neoclássico..........................................................15
2.1.5- O período Romântico............................................................16
2.2- O Teatro educacional.......................................................................17
2.2.1- Base filosófica.......................................................................17
CAPÍTULOIII – A TERCEIRA IDADE..................................................20
3.1- A terceira idade e o mundo...............................................................20
3.2- A terceira idade e realidade brasileira..............................................23
3.2.1- A saúde na terceira idade.......................................................27
3.2.2- A renda na terceira idade.......................................................27
3.2.3- O sumário das análises...........................................................30
3.3- O envelhecimento da população mundial........................................31
3.4- Será possível envelhecer com saúde? .............................................32
3.5- O poder da terceira idade.................................................................34
7 3.6- Envelhecimento: desafios e perspectivas para o 3º milênio............36
CAPÍTULO IV – O TEATRO HUMANÍSTICO-TERAPÊUTICO......39
4.1- Contextualizando a Arteterapia........................................................39
4.2- Definindo a Arteterapia....................................................................41
4.3- A Teatroterapia numa perspectiva humanista..................................45
5- CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES............................................50
6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................55
8 CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
1.1- Apresentação:
Podemos identificar algumas tendências importantes em países desenvolvidos e
em desenvolvimento, que sinalizam o envelhecimento da população mundial, entre elas:
O avanço da medicina e a redução dos níveis de fertilidade. A Organização Mundial de
Saúde sugere que só podemos dar conta do envelhecimento, se formos capazes de
organizarmos políticas, programas e projetos voltados para os idosos, visando sua
atividade, a fim de que se mantenha saudável, independente e produtivo.
A qualidade de vida no envelhecimento está intimamente ligada aos estímulos
positivos que essas populações possam desfrutar. O teatro amparado por uma
abordagem teórica humanística-terapêutica, certamente favorecerá aos idosos as
estimulações positivas supracitadas.
1.2- Tema:
Teatro: Uma abordagem humanística-terapêutica.
1.3- Justificativa:
O mundo atravessa um processo drástico de mudança demográfica, no que diz
respeito ao envelhecimento da população. Este processo aponta para importantes
demandas econômicas, sociais e culturais voltadas para a terceira idade. O presente
trabalho analisará criticamente o fenômeno de envelhecimento, observando quais as
perspectivas de um teatro, dentro de uma visão humanística-terapêutica, possibilitam a
superação das principais barreiras colocadas aos idosos no mundo contemporâneo.
1.4- Delimitação do tema:
Teatro: Uma abordagem humanística-terapêutica para a terceira idade.
1.5- Formulação da hipótese:
O teatro numa abordagem humanística-terapêutica pode contribuir para a
melhoria da qualidade de vida na terceira idade?
9 A solução que vislumbramos é que o teatro por suas histórias holísticas, voltadas
para o devir e exercício da cognição humana, encerra ilimitadas potencialidades
terapêuticas, podendo agir na lógica e na subjetividade individual e social, que
alicerçados por sistemas conceituais humanísticos, oportunizará melhores condições de
vida aos idosos.
1.6- Objetivos:
1.6.1- Realizar uma breve revisão histórica-educacional do teatro.
1.6.2- Estudar o processo de envelhecimento e suas implicações.
1.6.3- Delinear uma abordagem humanística-terapêutica para o teatro que se
deseja para a terceira idade.
1.7- Revisão de literatura:
1.7.1- Quadro teórico da pesquisa:
Buscamos nos ater aos referenciais mais relevantes sobre as temáticas
desenvolvidas. Na revisão histórico-educacional do teatro: Utilizamos, Courtney (1980),
Bartolini (1979), PCN (1997) e Boal (1980), que nos forneceram informações relativas
ao teatro sua história e seus envolvimentos educacionais e terapêuticos. Nas reflexões
sobre o envelhecimento e suas implicações, nos referendamos em: OMS (2002),
Featherstone (1994) e Debert (1997). E em Lievegoed (1976), Morato (1974) e Rogers
(1983), para delinear uma abordagem humanística-terapêutica para o teatro que se
deseja para a terceira idade.
1.8- Metodologia:
1.8.1- Modelo e etapas da pesquisa:
Compreendemos por metodologia, um caminho da práxis exercida na
abordagem da realidade. Neste sentido, realizaremos uma pesquisa qualitativa, iniciada
com uma pesquisa histórica, para a seguir trabalharmos com uma pesquisa teórica,
numa perspectiva dialética, onde se compreende o homem como um ser ativo e de
relações.
A pesquisa a ser realizada, se dará em três etapas distintas porém interligadas:
Num primeiro momento, realizaremos uma sucinta revisão histórica do teatro e sua
10 relação com a educação, visando formar um sistema conceitual sobre as possibilidades
do teatro. Num segundo momento estudaremos os aspectos ligados ao envelhecimento,
dentro de uma abordagem contemporânea. E finalmente o terceiro momento, que
buscará sintetizar as relações estudadas nos capítulos anteriores, dentro de uma
abordagem humanista.
11 CAPÍTULO II
BREVE REVISÃO HISTÓRICO/EDUCACIONAL
Se conseguirmos obter a mesma vitalidade que a criança emprega em seus
momentos de recreação nas atividades de aprendizagem, teremos uma base para a
verdadeira e permanente educação humana. A educação dramática é o ser humano
jogando dramaticamente, em qualquer de suas fases de vida, com o intuito de favorecer
o seu desenvolvimento, gradativamente, no seu passo e tempo próprio.
O presente capítulo trata da história do teatro, mais particularmente da
educacional, visando fornecer subsídios para a teatroterapia e possibilitar uma ótica da
trajetória do teatro na educação, elementos que serão de grande valia para as análises
posteriores.
2.1- O Teatro e a história do pensamento educacional.
“A característica essencial do homem é sua imaginação criativa” (Courtney,
1980, p.3). Esta o auxilia na superação de suas limitações mentais, corporais e materiais,
capacitando-o a dominar o seu meio. A imaginação criativa, é essencialmente dramática
em sua natureza; observe a criança, ela joga, finge ser outra pessoa... Atuar - é parte do
processo de viver “... podemos fazer de conta, fisicamente, quando somos pequenos, e
fazê-lo internamente quando somos adultos” (Courtney, 1980, p.3). Atuamos todos os
dias: com os nossos amigos, nossa família, com estranhos, o nosso verdadeiro “eu” está
escondido por muitas máscaras que assumimos. A criança para conhecer o mundo, joga,
e a medida em que ficamos mais velhos, o processo se torna cada vez mais interno, até
tornar-se automático, e jogarmos dramaticamente com nossa imaginação. “Logo, o
processo dramático é um dos mais vitais para os seres humanos”. (Courtney, 1980, p.
4).
Cada época e cada sociedade desenvolveram sua própria forma de educação. Em
contraposição à Igreja medieval que desenvolveu um sistema educacional voltado para
o sacerdócio e ao século XIX, que procurou prover a força clerical para a revolução
12 industrial. Devemos desenvolver uma educação que possibilite o florescimento de todas
as qualidades humanas, este é o paradigma para o novo milênio.
Na história do pensamento humano, o jogo dramático foi investigado por vários
estudiosos, em diferentes épocas. São essas as análises que faremos a seguir.
2.1.1- O Mundo Antigo.
A educação ateniense do século V a.C. fundamentava-se na literatura, música e
esportes. Na literatura incluía a declamação de obras dos poetas, entre as quais as de
Homero (suprema autoridade em religião e letras), onde passagens inteiras de suas obras
eram recitadas com todos os recursos teatrais. A dança era parte de todas religiões e
cerimônias dramáticas e exigia grande habilidade.
O próprio teatro foi importante instrumento educacional na medida em que
disseminava o conhecimento e representava, para o povo o único saber literário
disponível. “O teatro, em todos os seus aspectos, foi a maior força unificadora e
educacional do mundo ático” (Courtney, 1980, p. 5).
Platão acreditava que a educação deveria estar apoiada no jogo: “... as crianças,
desde tenra idade, devem participar de todas formas lícitas de jogo, para serem bem
educados e virtuosos cidadãos.” (Courtney apud Platão, 1980, p. 5). Para ele a educação
deveria começar desde cedo, de maneira lúdica e sem constrangimento, para que as
crianças pudessem desenvolver o seu caráter. Platão divide o sistema educacional em
música e ginástica, entendendo música de forma ampla, relacionada a ritmo, harmonia,
alegria, prazer, coros e educação. E vinculava-a ao canto, dança e literatura, com
tendência para o jogo. Embora Platão defenda uma educação liberal, não a inclui o
teatro em sua República. Para ele o ideal é a verdade, e a realidade é uma cópia; neste
sentido, o teatro é uma cópia da cópia. O ator também imita uma personagem, e para ele
imitar é transgredir, e se a personagem for má, pode levá- lo a contaminar-se. Sendo
assim, para Platão, o teatro representa um grande perigo para a platéia, por levá- lo a
sucumbir diante das emoções, que deveriam ser subjugadas; e faz distinção entre o jogo,
que deveria ser à base da educação e o teatro, que é mau porque é imitação. Embora
13 contestado por Aristóteles, as idéias de Platão influenciaram o pensamento medieval,
período no qual a obra de Aristóteles andou perdida.
Aristóteles também deu ênfase ao jogo na educação, sob um enfoque científico,
o movimento lúdico deveria ser encorajado para prevenir a indolência e auxiliar no
relaxamento. E faz distinção entre atividades com um fim em si próprio (prazer) e
aquelas que são recursos para um fim. Como na educação ambas funções são relevantes,
o jogo dramático assume um papel, de máxima importância. Até aqui Platão e
Aristóteles concordam, mas na Poética, com sua discussão sobre o teatro a discordância
tem início. Para Aristóteles o teatro não imita os fatos mas as idéias abstratas. Além do
que a imitação é natural da raça humana, e conforme afirma Aristóteles, a criança
aprende primeiro por imitação. E mais, aprender por imitação se constitui um prazer
intelectual: “... estar aprendendo alguma coisa é o maior dos prazeres, não apenas para o
filósofo mas também para os demais homens, por menor que seja sua capacidade.”
(Courtney apud Aristóteles, 1980, p. 7). Aristóteles para desenvolver sua tese, introduz
a teoria da Catarse: purgação das emoções, que tem dupla influência: provem o drama
de um significado emocional e define a atitude trágica como contendo elementos
opostos.
O pensamento romano, sobre a influência aristotélica, acreditava que a imitação
tinha uma relação direta com a arte e o teatro. Cícero descreveu o teatro como uma
cópia da vida, um espelho dos costumes e um reflexo da verdade. Para os romanos, o
teatro teria propósito educacional, se fosse útil e ensinasse lições morais. Horácio
achava que o teatro deveria entreter e educar, e ordenou a visão clássica, em uma série
de regras que realçaram o decoro. Sêneca condenou o palco porque este desviava a
atenção do povo da aprendizagem (?). Plotino também reinterpretou o pensamento de
Platão, e influenciou os padres católicos, com o neoplatonismo.
2.1.2- O Período Medieval.
Os patriarcas da Igreja condenaram severamente o teatro, proibindo
representações teatrais e ameaçando com terríveis punições. Se o teatro despertou a ira
da Igreja é porque a tradição teatral foi particularmente forte durante esse período,
14 embora por ser verbal, não deixou registros. A Igreja fundamentou sua oposição em: 1-
o indecente mimo satirizava a Igreja - objeção emocional. 2- Os costumes folclóricos
pagãos continham elementos dramáticos e miméticos - objeção religiosa. 3- seu
pensamento se fundava no neoplatonismo, com conflitos entre o mundo e o espírito -
objeção filosófica.
Por volta do século IX, com o reaparecimento dos trabalhos de Aristóteles, o
cenário estava pronto para a reavaliação do teatro. São Tomás de Aquino adaptou
Aristóteles a fé católica, dando plena aprovação à representação, desde que fosse
recreação, e aos jogos e divertimentos, para relaxamento após trabalho sério. Sobre tal
base o teatro cristão se desenvolveu. “Foi criado um teatro litúrgico com um propósito
didático centrado nas escolas monásticas. Seu objetivo era o de ajudar o analfabeto a
compreender a fé”. (Courtney, 1980, p. 9).
E assim o teatro da Igreja cristã se desenvolveu. Por cinco séculos, Mistérios e
Moralidades eram os únicos prazeres intelectuais das multidões. Foi o teatro que
proporcionou às massas sua educação.
2.1.3- A Renascença.
Na Renascença, o mundo dos homens foi reabilitado pela descoberta dos livros
clássicos. Academias apareceram por toda Itália e seus membros se tornaram
professores, e assim a influência do teatro alcançou o povo. O mais famoso foi
Vittorino da Feltra.
No final do século XVI, as atividades dramáticas surgiram em quase todas
escolas. O humanismo enfatizava a arte do falar, que se fazia através do diálogo; isto
reintroduziu o estudo do teatro antigo. Encenações eram comuns, o que permitiu aos
pensadores, formas ainda mais liberais de educação. Vários viram no método dramático
utilidade para o ensino de outras matérias, dando ênfase no jogo e nas atividades de
movimento.
15 As bases para o pensamento humanista no teatro foram Aristóteles e Horácio.
Vários estudiosos italianos deram importantes contribuições para o pensamento
dramático, embora baseados nos gregos, mantêm o discurso moralizante do período
medieval. Os pensadores da Renascença acrescentaram tempo e lugar a unidade de
ação aristotélica teatral.
Bacon afirmou que o teatro educacional fortalece a memória, regula o tom e o
efeito da voz e a pronúncia, ensina o comportamento decente, promove a autoconfiança
e forma hábitos. (Courtney apud Bacon, 1980, p. 12). E Montaigne acreditava que a
criança deveria atuar o máximo possível em sua aprendizagem. “... jogos de criança não
são esporte e deveriam ser consideradas suas mais sérias ocupações”. (Courtney apud
Montaigne, 1980, p. 12).
2.1.4- O Período Neoclássico.
Os puritanos eram contra a utilização das roupas de um sexo por outro, e
atacaram o teatro na Inglaterra da metade do século XVI ao XVII. Nas escolas o teatro
era apenas tolerado, mas preferencialmente em latim e moralmente sadio.
Nessa época, o sistema indutivo de raciocínio de Bacon, havia penetrado nas
escolas através de Comenius. Embora ambos reconhecessem a importância do teatro
educacional, o método natural de se chegar à verdade não poderia conduzir à atividade
dramática. Isso foi reforçado pelas idéias de Locke, de que a educação era a formação
de hábitos da mente, e o que importava era o método. Como resultado o século XVIII se
caracterizou por umas poucas peças escolares, com crianças do sexo masculino. Na
última metade do século, no entanto, as meninas inglesas puderam participar do teatro e
da dança, e tiveram como exemplo a França, onde Richelieu reabilitou o teatro por
decreto, e iniciativas com teatro para moças foram implementadas inclusive pela esposa
de Luís XIV, onde representavam peças de Racine e Corneille. Mas apesar de Voltaire
apoiar o teatro escolar e Rousseau defender os jogos, o teatro escolar foi sendo
suprimido, mesmo antes da revolução.
16 Para Descartes, o pensamento deveria submeter-se a um teste prático, e os
críticos do teatro o acompanharam nessa análise. Na Alemanha, Leibniz apoiava o
teatro instrutivo, enquanto Lessing considerava que a tragédia purificava a
autocompaixão e produzia o altruísmo. Quando Locke afirmava que o conhecimento
advinha da percepção dos sentidos, incluía a idéia de que a arte deveria ser prática. Para
Dryden, mais aberto e liberal, o deleite é o principal objetivo do teatro e instruir é
conseqüência.
A partir da metade do século XVIII, o movimento sentimental desponta por toda
Europa, representado pelas peças inglesas. Diderot considera que as comédias deveriam
ser sérias e cuidar dos deveres do homem, o sentimentalismo teatral deveria tratar da
realidade, em prosa e visar uma moral social definida.
2.1.5- O Período Romântico.
No final do século XVIII, o pensamento europeu como um todo se voltou para o
Romantismo. A natureza era o elemento fundamental, o natural tinha valor e o
antinatural desvalorizado. Para Goethe, o teatro escolar tinha um efeito benéfico para o
espectador e para o ator, ao exigir grande capacidade de memória, gesto e disciplina
interna, e considerava a improvisação de grande valor, por desenvolver a imaginação.
“Em seus jogos, as crianças podem fazer tudo do nada...” (Coutney apud Goethe, 1980,
p. 16). Todo teatro deve desenvolver idéias, despertar emoções e pensamentos na
platéia.
Um dos conceitos românticos mais significativos é o da dualidade do processo
da vida. Goethe a viu como uma espécie de morte e ressurreição: o homem deve perder
parte de si, antes de assimilar o novo. Hegel viu a vida como dialética: tese, antítese e
síntese; e nesse sentido que Hebbel afirmou que o teatro representa o processo da vida.
Schopenhauer considerava o teatro como resultado da vontade do homem. Nietzsche
argumenta que o teatro representa o desejo de viver do homem, seu sucesso em superar
a transitoriedade da existência, e é dominado por duas forças: a de Apolo (razão) e a de
Dionísio (emoção), onde a emoção precisa ser configurada pela razão.
17 O ensino na escola pode não ter mudado muito no século XVIII e no começo do
século XIX, mas sua filosofia mudou. Emile (1762), de Rousseau, foi a porta de entrada
para Froebel, Pestalozzi, Montessori, Dewey e Caldwell cook. “Para Rousseau, a
primeira educação da criança deveria ser quase totalmente através do jogo”. (Courtney,
1980, p. 17). Ensinava que devemos amar a infância, estimular jogos e considerar o
homem no homem e a criança na criança, que a infância tem seus meios próprios de ver,
pensar, sentir, que lhe são convenientes. Considerava ainda, que seus jogos são o seu
trabalho, onde se dedica e se liberta, e mostra o alcance de sua mente e a extensão do
seu conhecimento. “É principalmente por todo esse pensamento natural, calcado no jogo
da criança, que ele adquire importância primeira para os pensadores do futuro”.
(Courtney, 1980, p. 18).
Darwin fornece a base científica às idéias de Rousseau e Froebel: a criança é um
organismo em desenvolvimento, em que cada fase deve ser estimulada, e que o jogo é
pedra angular deste desenvolvimento.
2.2- O Teatro educacional.
No decorrer deste século, o teatro educacional tem crescido em popularidade. No
princípio era prerrogativa das escolas privadas e das escolas públicas de melhor nível,
que normalmente encenavam os clássicos. Com a ampliação da educação inglesa, todos
os tipos de peças passaram a ser representados, aproveitando não só o proscênio ou
palco formal, mas arenas e formas abertas de espaço. Este teatro está intimamente
ligado ao jogo dramático, onde a encenação de peças é só uma de suas partes, e visa
sobretudo, a cooperação e o sentido grupal, rumo à integração.
2.2.1- Base filosófica.
As bases filosóficas do teatro educacional é pedocêntrica humanista e descende
diretamente de Rousseau e Dewey. É nietzschiana, por se fundamentar no processo de
viver, e relaciona-se com o existencialismo, ao mesmo tempo em que se baseia em um
método empírico de pensamento. Tudo isto por lidar com a “complexidade viva”, onde
a atividade é o centro, e o engajamento do ser humano é fundamental. Courtney (1980
apud Burton, p. 54), afirma “... o teatro é uma parte vital de toda educação”.
18 E completa, “... que o teatro é maior que qualquer estudo nele baseado; e a vida é maior
que o teatro que dela depende, dentro da qual vive...”. Que em síntese, significa que
toda aprendizagem depende da experiência total, em busca da consciência total, por
sucessivas aproximações práticas (jogos dramáticos). Podemos dizer que o teatro é o
método universal de experimentar e planificar empreendimentos futuros, ou seja, um
amplo laboratório para o exame e estudo da vida. O ser humano improvisando,
jogando dramaticamente, está experimentando a natureza dos objetos, as probabilidades
e os fatores limitativos dos eventos e detalhes do processo. Cada ação desafia o
pensamento, a memória e a precisão. Onde a criança joga dramaticamente, o adulto
ou o idoso pode fazer o mesmo, dramaticamente ou imaginativamente. Assim, o
desenvolvimento da cognição está relacionado com a ação dramática. Os mais altos
processos mentais têm suas raízes nas experiências dos sentidos, e suas relações com a
inteligência devem ser mantidas. A ação dramática também é a base para a sensibilidade
e ação artística futura, para a apreciação das condições de existência e necessidades
humanas.
Admitimos que o teatro possibilita o crescimento e amadurecimento do homem.
Que a imaginação dramática capacita o ser humano a ver relações entre idéias e suas
múltiplas interelações. “O teatro é à base de toda educação criativa, dele fluem
todas as artes”. (Courtney, 1980, p. 56). O homem inventa no seu “faz-de-conta”, e
necessita de música, dança, artes plásticas e habilidades manuais”. A criatividade
espontânea fundamenta-se na experiência dos sentidos e tem sua base na imaginação
dramática. “A imaginação dramática está por trás de toda aprendizagem humana”.
(Courtney, 1980, p. 57); é o método pelo qual o ser humano se relaciona com a vida,
dramaticamente e imaginativamente, através da criatividade.
A educação dramática é um modo de encarar a educação como um todo. Sendo o
modo vital do desenvolvimento humano. Nada está vivo em nós, em seu sentido
extremo, se não atuamos, quando então se torna parte íntima de nós mesmos. Na
verdade a educação dramática é à base de toda educação, caminho pelo qual o processo
de vida se desenvolve. Através das civilizações ocidentais, nossos jovens, idosos e
19 crianças estão enfrentando problemas (sociais, intelectuais, corporais e emocionais), que
nosso atual sistema educacional, não dá conta.
“A educação dramática favorece a solução pelo qual um significado real é dado ao
homem, porque a vivencia”. (Courtney, 1980, p. 58).
Conclusão do capítulo:
Os estudos intelectuais têm-se fragmentado em um grande número de
especializações, cada um dos quais com seu próprio corpo de conhecimento, perdendo
por muitas vezes de vista, o essencial (a totalidade). Reconhecemos que o processo de
vida em si seja seu árbitro supremo, subordinado à experiência total. A educação
dramática é uma atividade acadêmica abrangente, que utiliza como instrumento, todos
os campos de conhecimento que se relacionam com o fazer dramático, num corpo
unificado de conhecimentos. Resgata e reúne estudos até então não relacionados ou
fragmentados: aspectos filosóficos (porque educamos?), psicanalíticos (interpretação de
símbolos e subjetividade), sociológicos (atividade interativa), psicológicos (desempenho
de papéis no meio) e cognitivos/psicolingüísticos (formação do conceito e linguagem).
Estando amplamente vinculada a possibilidade de trabalho com atividades
interdisciplinares. A revisão ora realizada, pautada em análises educacionais e
filosóficas da origem histórica do teatro educacional, fornecerá subsídios teóricos para
as reflexões sobre um teatro voltado para a terceira idade.
“Se principiamos nosso pensamento sobre educação, desenvolvendo-se e
evoluindo dentro do processo de vida, então todos os outros estudos se tornam
instrumentos...” (Courtney, 1980, p. 59).
20 CAPÍTULO III
A TERCEIRA IDADE: POTENCIALIDADES E NECESSIDADES
HUMANAS.
Este capítulo apresenta algumas análises do contexto de vida da população idosa
mundial e brasileira. Está divido em tópicos que visam à clareza da exposição realizada.
Analisa a dinâmica de crescimento do grupo etário chamado idoso, a partir das
considerações dos líderes mundiais, tecendo comentários sobre a inserção desse
subgrupo na família, do perfil de mortalidade, bem como as condições de saúde e a
inserção do idoso no mercado de trabalho. Em suma, tenta traçar um perfil de suas
possibilidades e necessidades humanas. Dada a importância da temática para
compreensão do trabalho como um todo vamos realizar ao final do mesmo um sumário
das análises realizadas.
3.1- A terceira idade e o mundo.
Até 1977, as polêmicas questões do idoso não era tratadas pela ONU. A temática
era marginalizada na Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Organização
Mundial da Saúde (OMS) e na Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura da
ONU (UNESCO), sendo apenas parte de suas atividades especializadas, sem relevância
central. Só em 1977 o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) adotou a resolução
32/132, pela qual convidava os Estados Membros a examinar a conveniência de se
convocar uma assembléia mundial sobre envelhecimento. Um ano depois, a Assembléia
Geral da ONU, em sua 33ª Sessão, adotou a resolução 33/52, pela qual decidiu convocar
uma Assembléia Mundial com vistas a servir de foro para a consideração do tema do
envelhecimento, pretendendo elaborar um plano de ação internacional visando garantir
a segurança econômica e social do idoso, bem como identificar oportunidades para o
seu desenvolvimento.
Cento e vinte e quatro Estados foram representados na primeira Assembléia
Mundial sobre Envelhecimento, realizada no período de 26 de julho a 6 de agosto de
1982, em Viena. Na verdade, o tema do envelhecimento adquirira importância real a
21 partir do momento em que se percebeu, pelas projeções das estatísticas, que em
cinqüenta anos o número de idosos superaria a marca do bilhão, sendo que três quartas
partes daquele total pertenceriam a países em vias de desenvolvimento. Já naquela
época dizia-se que essa tendência era o resultado dos controles de natalidade, da
redução da mortalidade infantil, bem como da diminuição da incidência nefasta de uma
séria de doenças infecciosas. A importância do fenômeno demográfico-social parecia
deslocar-se, assim, dos países desenvolvidos para os países em vias de
desenvolvimento.
Considerando que a Assembléia sobre envelhecimento constituiu o primeiro foro
global intergovernamental a tratar do problema da dinâmica da redistribuição dos
grupos etários nas pirâmides populacionais dos países, esperava-se, no começo dos anos
80, alcançar consenso com relação aos princípios básicos para o tratamento da questão,
tendo como pano de fundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Algumas
delegações lembraram, que a Assembléia Mundial sobre Envelhecimento ocorria num
preocupante contexto político, econômico e social e que o idoso, por ser mais
vulnerável, tenderia a sofrer mais as conseqüências do neocolonialismo, racismo e
políticas de apartheid. Convocada em 1968, a Conferência de Teerã, visava concentrar
seus trabalhos nas questões candentes à época da descolonização e das questões dela
derivadas como, por exemplo, a eliminação de todas as formas de discriminação racial e
das práticas da política de apartheid. Podemos concluir que a preocupação com o idoso
surgia como resultado de tendências demográficas bem marcadas e de uma situação de
conflito. Era um tema subordinado a outros considerados mais urgentes.
O Plano Internacional de Ação sobre Envelhecimento que veio a ser adotado
pela primeira Assembléia Mundial sobre Envelhecimento consta de um total de sessenta
e seis recomendações sobre diversos temas, como os da saúde, assistência social,
habitação, transportes, previdência, trabalho e educação. O Embaixador Lindgren Alves
em livro recentemente publicado ressalta que faltava ainda, àquela altura, alçar os temas
sociais ao mesmo status dos temas políticos e econômicos. Os resultados da
Conferência de Teerã teriam ficado aquém da expectativa de observadores que
buscavam encontrar, em meio às tensões do cenário internacional bipolar, um projeto
22 essencialmente humanista que gerasse esperança de mudanças profundas no sistema-
mundo. O problema parecia residir na própria redação do artigo 13 da Proclamação de
Teerã - o documento mais importante daquela Conferência - pelo qual a indivisibilidade
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais parecia condicionar-se à
consecução dos direitos econômicos. A subordinação dos direitos humanos e dos temas
sociais à perspectiva economicista seria aclamada pelos regimes de exceção, que
empregavam a equivocada fórmula de que primeiro seria necessário fazer crescer o
bolo, para depois dividi- lo num segundo tempo, que não chegava nunca. Neste
contexto, todos os direitos e liberdades seriam relegados a um segundo plano de pouca
visibilidade. E o dos idosos não seriam exceção.
A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em 1993,
em Viena, contou com numerosa participação de organizações não-governamentais. O
que demonstra um ganho na importância na parceria existente entre o Estado e a
sociedade civil na consideração de todos os temas, que, desse modo, estão imbuídos de
uma visão antropocêntrica. Eis que, os direitos humanos adquirem importância própria,
se desvinculado de outros temas ou valores. Em decorrência das recomendações da
Conferência de Viena, o Poder executivo estabeleceu uma Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos equivalente ao ministerial e, no âmbito do Ministério das Relações
Exteriores, criou-se o Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais. No plano
interno brasileiro, o quadro de referência é a Constituição de 1988, que ademais de seu
caráter social, tem uma orientação internacionalista jamais vista na história
constitucional brasileira. Que se traduz nos princípios de prevalência dos direitos
humanos, na autodeterminação dos povos, no repúdio ao terrorismo e ao racismo e na
cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
À política de estabilização econômica reduziu o imposto inflacionário,
reduzindo significativamente a pobreza. A proporção da população classificada abaixo
da linha da pobreza diminui de 40% no inicio da década de 90 para 33% em 1999.1
Trata-se, sem dúvida, de uma conquista social sem precedentes na história do Brasil.
1 Utilizou-se a linha de pobreza definida pelo IPEA que em 1999, considerava como pobre as famílias cuja renda familiar per capita era inferior a R$100,83
23 No período de 1994 a 2001 houve significativa melhora nas áreas de direitos
humanos, saúde, educação, trabalho e desenvolvimento rural, fomentada pela
multiplicação de espaços abertos de interlocução Estado/sociedade civil dedicados à
formulação de estratégias para a superação da pobreza e da exclusão social.
"O Brasil não é um país pobre; é um país injusto". Com essa frase, o Presidente
Fernando Henrique Cardoso resumiu as duras heranças recebidas, decorrentes do atraso
histórico brasileiro, que clama pela ação decidida, consciente e responsável de todos os
cidadãos. Mudar um estilo de vida enraizado é algo que leva no mínimo uma vida.
Mudar um país é um processo histórico. Hoje há sinais de que os elementos de mudança
passaram a se sobrepor aos elementos de permanência e conservação. O tema do
envelhecimento urge medidas de conscientização da população, em prol da inclusão
integral dos idosos.
3.2- A terceira idade e a realidade brasileira.
O envelhecimento da população brasileira se torna claro a partir da análise do
aumento da participação do contingente de pessoas maiores de 60 anos de 4% em 1940
para 9% em 2000. Além disto, o quantitativo da população "mais idosa", acima de 80
anos tem aumentado, alterando a composição etária dentro do próprio grupo, o que
significa que a população considerada idosa também está envelhecendo. O que leva a
heterogeneidade do grupo social chamado idoso. Calcula-se que no ano de 2002, a
população brasileira com mais de 60 anos seja da ordem de 15 milhões de habitantes.
Podendo chegar a quase 15% do contingente populacional em 20202. Isto se deve à alta
fecundidade observada nos anos 50 e 60 e à queda da mortalidade que beneficiou todos
os grupos populacionais.
Conforme já foi mencionada, a proporção da população “mais idosa” (acima de
80 anos) no total da população brasileira também está aumentando, em ritmo bastante
acelerado. É o segmento populacional que mais cresce. Em 2000, dos 14,5 milhões de
idosos, 55,0% eram do sexo feminino, o que reflete uma taxa de crescimento mais
2 Camarano et allii, 1997
24 elevada em relação ao segmento masculino. A maior longevidade da população
feminina explica esse diferencial.
A predominância da população feminina entre os idosos tem repercussões
importantes nas demandas por políticas públicas. Uma delas refere-se ao fato de que
embora as mulheres vivam mais do que os homens, elas estão mais sujeitas a
deficiências físicas e mentais do que seus parceiros. Outra conseqüência importante diz
respeito à elevada proporção de mulheres vivendo sozinhas, 14% em 1998.
É crescente o número de idosos que vivem sozinhos, tanto homens quanto
mulheres. A industrialização e a urbanização alteraram os padrões de segurança
econômica, bem como das estreitas relações na família. No entanto, pesquisas recentes
têm mostrado que a universalização da Seguridade Social, as melhorias nas condições
de saúde e outros avanços tecnológicos (tais como nos meios de comunicação,
elevadores, automóveis, entre outros), indicam que viver só, para os idosos, representa
uma forma inovadora e bem sucedida de envelhecimento, o que vai contra a imagem
estereotipada de abandono, descaso e solidão. Viver só pode ser uma situação
temporária do ciclo de vida e pode também refletir uma opção.
Há relativamente menos pobres e indigentes entre as famílias com idosos
chefiadas por mulheres do que entre as chefiadas por homens. Esse fenômeno decorre
do fato de que a legislação brasileira permite que as mulheres acumulem os benefícios
de pensão e viuvez. Além disso, a pensão por viuvez é atualmente igual ao valor da
aposentadoria ou salário do marido. Em 1998, 7,7% das mulheres idosas acumulavam
os dois tipos de benefícios.
As taxas mais altas de chefia entre os idosos em geral, e entre os homens em
particular, podem indicar melhores condições de saúde e capacidade funcional, e estas
por sua vez, podem ser interpretadas como um produto de melhores condições de vida,
sugerindo uma redução da dependência dos idosos sobre a família. Observa-se que as
famílias brasileiras com idosos estão em melhores condições econômicas do que as
demais. Tal fato deve-se à importância dos benefícios previdenciários, que operam
25 como um seguro de renda vitalício. Em muitos casos, constitui-se na única fonte de
renda das famílias, e se verifica mesmo quando se analisa a estrutura familiar por nível
de renda.
Uma outra indicação do papel que os idosos vêm assumindo em termos de apoio
às famílias pode ser obtida por meio da proporção de filhos adultos, maiores de 21 anos
morando em famílias chefiadas por idosos. Uma outra maneira de avaliar o papel que os
idosos vêm assumindo em termos de apoio às famílias de que fazem parte é por meio da
participação da sua renda pessoal na do total familiar
Uma das grandes conquistas do século passado foi a redução da mortalidade,
observada em todos os grupos etários. Para o Brasil como um todo, a esperança de vida
ao nascer aumentou em cerca de 30 anos entre 1940 e 1998, como resultado da queda da
mortalidade infantil. Os ganhos foram para ambos os sexos, mais expressivos entre as
mulheres, que apresentaram em 1998, uma esperança de vida ao nascer superior em 7,5
anos à da masculina.
O aumento da sobrevida da população idosa deveu-se a uma redução das taxas
de mortalidade desse segmento no período 1980-1998. A redução dos níveis de
mortalidade foi observada para todas as faixas etárias consideradas, em ambos os sexos.
Uma das conseqüências é o envelhecimento da população idosa.
As causas de mortalidade da população idosa por sexo é apresentado no gráfico
3 para os anos de 1980 e de 1997. Foram consideradas as cinco mais importantes causas
de morte. A proporção de óbitos por causas mal definidas entre a população de 60 anos
ou mais de idade ainda é elevada, embora tenha decrescido no período 1980-1997 (de
22,5% dos óbitos masculinos em 1980 a 18,2% dos óbitos em 1997, valores bastante
similares aos das mulheres).
26 Gráfico 3
DISTRIBUIÇÃO DOS ÓBITOS DA POPULAÇÃO IDOSAPELAS CINCO PRINCIPAIS CAUSAS E SEXO
BRASIL, 1980 E 1997
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%
Doenças do aparelho circulatório
Sintomas sinais e afecções mal definidas
Neoplasmas
Doenças do aparelho respiratório
Doenças do aparelho digestivo
Outras
Doenças do aparelho circulatório
Sintomas sinais e afecções mal definidas
Neoplasmas
Doenças do aparelho respiratório
Doenças endóc nutric metab e transt imunit*
Outras
1997
1980
HOMENS
MULHERES
Fonte: Ministério da Saúde, Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Nota: (*) O aumento dos óbitos pode estar sendo influenciado pela nova classificação de doenças.
Observa-se que nos dois anos analisados e em ambos os sexos, as doenças do
aparelho circulatório aparecem como o principal grupo de causas de morte entre a
população idosa. Outros grupos de causas de morte tiveram a sua participação
aumentada, entre eles, destacam-se as doenças do aparelho respiratório e os neoplasmas.
Entre os homens, aumentou o peso das mortes por doenças do aparelho digestivo e entre
as mulheres por doenças endócrinas e do metabolismo. A diminuição de mortes por
doenças do aparelho circulatório parece ter sido a grande responsável pela redução da
mortalidade entre a população idosa brasileira.
Outro aspecto a ser considerado na avaliação das condições de vida da
população idosa é a qualidade de vida ou sobrevida dos idosos, em termos de saúde.
Existem doenças crônicas que, antes de representar um risco de vida, constituem uma
ameaça à autonomia e independência do indivíduo. Essa constatação leva à preocupação
imediata com o aumento da demanda por serviços de saúde e com os custos que isso
acarreta.
27
3.2.1 - A saúde da terceira idade.
Para avaliar o estado de saúde dos idosos brasileiros, utilizamos informações
coletadas pelos dois suplementos especiais da PNAD relativos aos anos de 1981 e de
1998. Em 1998, foi feita uma pesquisa sobre como a população brasileira considerava o
seu estado de saúde. Aproximadamente 83% dos idosos avaliou seu estado como
regular ou bom. As mulheres declaram um estado de saúde ligeiramente inferior a dos
homens.
A informação sobre o estado de saúde geral pode ser examinada pela
identificação do tipo de problema. Considerando-se os grupos de 60-79 anos e 80 anos e
mais, a importância do problema foi praticamente a mesma para os dois grupos etários.
No segmento masculino, os dois grupos mais importantes foram o de doenças de coluna
e o de hipertensão. Entre as mulheres, destacam-se também, as artrites ou reumatismo.
A PNAD de 1981 e o Censo Demográfico de 1991 levantaram informações
sobre as deficiências físicas e mentais que parecem comparáveis entre si. Em 1981,
6,5% das pessoas de 60 anos e mais possuía algum tipo de deficiência física ou mental.
Em 1991, essa proporção caiu para 3,7%. Os homens idosos eram mais atingidos por
algum tipo de deficiência do que as mulheres. Os diferenciais mais expressivos deviam-
se a uma proporção mais elevada de homens com falta de membros e hemiplegia. Por
outro lado, as mulheres apresentavam uma propensão mais elevada em relação aos
homens de adquirirem as demais deficiências, entre as que se mencionam a paraplegia,
a cegueira e a deficiência mental.
3.2.2- A renda da terceira idade.
A tendência das taxas de atividade da população idosa masculina foi de ligeiro
decréscimo. Em contrapartida, a população idosa feminina experimentou um acréscimo
de 23,7% em suas taxas de atividade no mesmo período. Mais expressiva do que as
variações nas taxas de participação foi o aumento observado na participação da
População Economicamente Ativa (PEA) idosa na PEA brasileira total: Observa-se que
28 foi, em 1981, aproximadamente 4,0% da PEA brasileira era composta por idosos,
proporção esta que passou para 6,0% em 1998.
A participação do idoso no mercado de trabalho declina velozmente com a
idade, independentemente do sexo. A velocidade da queda é progressivamente maior
com a idade. O mesmo pode ser observado entre a população idosa feminina, com
reduções mais expressivas. Comparando-se as taxas de atividade dos homens idosos,
entre 1981 e 1998, nota-se uma diminuição de sua participação até a idade de 69 anos,
quando então passa a aumentar. Esse aumento foi mais intenso no segmento de 75-79
anos. Já, a participação das mulheres idosas experimentou incremento em todas as
idades, principalmente entre as que pertencem à faixa etária entre 70-74 anos.
Em 1998, a grande maioria dos idosos do sexo masculino ativos trabalhavam por
conta-própria. Entre as mulheres idosas ativas, aproximadamente 41,0% trabalhavam
conta-própria. O grande diferencial entre a PEA idosa masculina e feminina está na
proporção considerável de mulheres trabalhando sem remuneração (22,5%) e de idosas
que trabalhavam em serviços domésticos (13,4%).
Em 1998, 59,0% da PEA idosa masculina era constituída por aposentados. Tal
proporção aumentou consideravelmente em relação ao ano de 1981; nesse ano, 34,1%
dos idosos que faziam parte da PEA eram aposentados. A participação das mulheres
aposentadas na PEA mais que dobrou entre 1981 e 1998, passando de 19,2% para
40,0%. No entanto, a participação das mulheres aposentadas continuou menor do que da
masculina.
A maioria dos idosos aposentados do sexo masculino ativa trabalha por conta
própria, destaca-se ainda que 12,0% deles eram empregadores. O comportamento das
mulheres aposentadas que trabalhavam era um pouco diferente. A maioria delas também
trabalhava por conta-própria (42,8%), mas aproximadamente 32,0% delas trabalhavam
não recebiam remuneração e 10,7% exercia algum trabalho doméstico.
29 Numa análise de condições de vida, uma das questões importantes a ser
considerada é a do rendimento. Esta é também, uma variável importante na
determinação da dependência ou da chamada vulnerabilidade econômica.
Podemos afirmar que a situação do idoso brasileiro em termos de renda é bem
melhor em 1998 do que a de 1981. Essa melhoria não ocorreu de forma linear no tempo.
Com efeito, no período de 1981 a 1987, o nível dos rendimentos decaiu, enquanto nos
dez últimos anos verificou-se um nítido aumento.3. Essa melhoria deve ter sido
resultado da universalização da Seguridade Social, o que representou a efetiva
ampliação da cobertura da previdência rural, com base nas disposições da legislação da
assistência social estabelecidas pela Constituição de 1988, que garante aos idosos
carentes maiores de 67 anos um salário mínimo mensal.
A renda do idoso depende, principalmente, dos benefícios previdenciários, cuja
contribuição tem aumentado no tempo para ambos os sexos. Por outro lado, a
importância da renda da aposentadoria cresceu no tempo em detrimento de outras
rendas para a população masculina. Para as mulheres, observou-se um aumento da renda
proveniente das pensões.
Já foi observado que a importância da renda proveniente da aposentadoria cresce
com a idade. Em 1998, para a população masculina, as aposentadorias contribuíram
com aproximadamente 46% da renda dos que tinham de 60 a 64 anos e 82% dos
rendimentos da população maior de 80 anos nos dois anos. Entre as mulheres, a
importância da renda da aposentadoria é maior do que entre os homens. Se ao valor das
pensões, que é importante entre o grupo das mulheres, se adicionam os valores
provenientes das aposentadorias, verifica-se que esses benefícios respondem por 89%
da renda das mulheres de 60 a 64 anos, e 98% da renda das mulheres com mais de 80
anos4.
3 Camarano e El Ghaouri, 1999 4 Camarano e El Ghaouri, 1999
30 3.2.3- O sumário das análises.
Pudemos observar a partir das análises, uma melhora nas condições de vida do
idoso brasileiro. A queda da mortalidade conjugada às melhorias nas condições de
saúde em virtude dos avanços na tecnologia médica, da universalização da Seguridade
Social, levou o idoso brasileiro a ter uma maior expectativa de vida, menor grau de
deficiência física ou mental, melhores condições para continuar chefiando suas famílias,
com a conseqüência de ter de viver menos na casa de parentes. Também teve o seu
rendimento médio aumentado, o que levou a uma redução da pobreza e da indigência.
As mudanças foram bem mais expressivas entre as mulheres, especialmente em termos
de rendimentos.
Além disso, observou-se que em 1998, os idosos estavam em melhores
condições econômicas do que outros segmentos populacionais, como os jovens: ganham
mais e contribuem significativamente na renda das famílias. Nas famílias em que os
idosos são os chefes, encontram-se uma proporção expressiva de filhos morando juntos,
proporção esta crescente no tempo. Esta situação deve ser considerada frente as
transformações em curso na economia brasileira, que repercutem negativamente na
participação dos jovens no mercado de trabalho, que incidem nas altas taxas de
desemprego, bem como no surgimento de violências de todo tipo.
Observou-se que as aposentadorias desempenham um papel muito importante na
renda dos idosos, especialmente das mulheres e essa importância cresce com a idade.
Pode concluir-se que no nível familiar, o grau de dependência dos indivíduos idosos é,
em boa parte, determinado pela provisão de rendas por parte do Estado. Como uma
parcela importante da renda familiar depende da renda do idoso, a redução ou o
aumento dos benefícios previdenciários, não atinge apenas os indivíduos, mas as
estruturas familiares. Essa observação é importante porque o perfil do Sistema
Previdenciário construído hoje terá influência sobre a distribuição futura da renda das
famílias.
Pode dizer-se em conclusão que o aumento da longevidade, conjugado com o
momento pelo qual passa a economia brasileira, tem levado a que o idoso assuma papéis
31 não esperados nem pela literatura, nem pelas políticas públicas. Isto faz com que a
associação entre envelhecimento e aumento da carga sobre a família e o Estado não se
verifique de forma tão direta. Por outro lado, por mais que o crescimento a taxas
elevadas da população idosa provoque aumento nos custos da Previdência Social, de
Saúde, a preocupação das políticas públicas dever-se-ia pautar, em primeiro lugar, pela
busca do bem estar coletivo e não simplesmente com os gastos sociais.
3.3- O envelhecimento da população mundial.
A população mundial está envelhecendo rapidamente, continuando neste ritmo, por
volta de 2050, pela primeira vez na história da espécie humana, o número de pessoas
acima dos 60 anos será maior que o de crianças abaixo dos 14 anos. Por isso,
representantes de 160 países se reuniram em Madri, na Espanha, para a 2.ª Assembléia
Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento. O objetivo foi de discutir e
aprovar o Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento. Segundo a ONU, a
população mundial deve saltar dos seis bilhões de 2000 para 10 bilhões em 2050. No
mesmo período, o número de pessoas com mais de 60 anos deve triplicar, passando de
600 milhões para 2 bilhões, ou seja, quase 25% da população do planeta.
O fato de um número maior de pessoas estar chegando a uma idade avançada deve
ser visto como algo positivo, mas é preciso adotar medidas e programas para que os
idosos sejam incluídos ativamente na sociedade e não tratados como um fardo.
O fenômeno é resultado da melhoria das condições de vida, da melhor alimentação, do
saneamento básico, das vacinas, dos medicamentos, que permitiram, inclusive, o
controle da natalidade. Mas essa tendência significa também mais gastos
governamentais com aposentadoria, com medicamentos caros para doenças crônicas,
mudanças nos padrões de consumo e moradia e menos gente em idade produtiva para
pagar impostos e taxas para previdências. Não foi à toa que a Espanha foi escolhida
como sede do encontro: por volta de 2050, a idade média dos espanhóis deve ser de 55
anos. Mas o fenômeno não se restringe aos países desenvolvidos. As projeções da ONU
indicam que em 2025 haverá 93 milhões de latino-americanos com mais de 60 anos. O
Uruguai é hoje o país que concentra o maior número de idosos, com 17% do total do
continente. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a
32 proporção de maiores de 60 anos deve registrar um aumento de 3,5% nas próximas
décadas, derrubando também as taxas de crescimento da população total, uma
população envelhecida têm menos filhos. E, segundo os especialistas, o avanço da
população idosa na América Latina deve ser mais acelerado que nos países
desenvolvidos. Nos Estados Unidos, em 1930, os maiores de 60 anos somavam 5,4% da
população total. Hoje são 12,8% dos americanos. De acordo com a Cepal, no Brasil esse
processo deverá ser duas vezes mais rápido. As projeções indicam que os 5,1% de
idosos de hoje serão 14,5% dos brasileiros em 2040. Embora especialistas estejam
mobilizados, uma parte das pessoas parece não ter despertado para as possíveis
conseqüências do envelhecimento da população mundial. Ao contrário, boa parte
desconhece o problema e despreza até mesmo o seu próprio envelhecimento.
3.4- Será possível envelhecer com saúde?
Ainda que muitos relacionem o passar dos anos com o acúmulo de doenças, na
certeza de que teremos que conviver com inúmeros problemas de saúde e limitações
com o avançar da idade, novas teorias científicas provam que o processo natural de
envelhecimento não impedirá a maioria das atividades cotidianas futuras, e que na
realidade, as verdadeiras deficiências e disfunções atribuídas à velhice são na verdade
doenças, que podem ser prevenidas e tratadas eficientemente em grande parte dos casos.
O conhecimento desta realidade pode mudar nossa atitude diante da vida. Ao invés de
lamentarmos o envelhecimento, de buscarmos incansavelmente as “falsas fontes da
juventude" ou de tentarmos disfarçar os efeitos aparentes do passar dos anos,
deveríamos enfrentar os verdadeiros inimigos da saúde em qualquer idade: os fatores
determinantes e predisponentes das doenças. Entretanto, convém lembrar que a ausência
de doenças não significa necessariamente estar saudável. A Organização Mundial de
Saúde (OMS) define saúde como um estado de bem estar bio-psíco-social, ou seja, um
estado de equilíbrio entre todos os aspectos físicos e emocionais do ser humano.
Entretanto, são muitos os exemplos de portadores de doenças tratadas e
controladas que apresentam bons desempenhos cotidianos, independentes das
enfermidades que possuam. A forma atual de conceber a saúde nos permite vislumbrar
33 um presente e um futuro mais otimista. O envelhecimento deve ser cuidado desde as
idades mais precoces. Na verdade, com o avançar da idade as pessoas se tornam mais
propensas a desenvolver doenças crônicas, em parte por alterações orgânicas próprias
do envelhecimento, mas principalmente por hábitos inadequados de toda uma vida.
Infelizmente, porém, grande parte das pessoas só se lembra de cuidar das doenças
quando já produziram sintomas, quando já estão instaladas e conseqüentemente só
poderão, na melhor das hipóteses, ser controladas ou atenuadas. Poucos são aqueles
que, na fase adulta, preocupam-se com prevenção, e esta é, sem dúvida, a melhor arma
para atingir o envelhecimento saudável.
O termo SENECULTURA foi criado, para incluir todas as técnicas diagnósticas
e terapêuticas, incluindo as educacionais, que visem contribuir direta ou indiretamente a
promoção da saúde na terceira idade. Aspectos como nutrição, que nas pessoas mais
velhas é tão fundamental quanto no jovem, são habitualmente desvalorizados. Raros são
aqueles que reconhecem as necessidades alimentares do organismo em cada idade. A
maioria prefere simplesmente eliminar a maioria dos alimentos "nutritivos", trocando-os
pelos farináceos, ricos em calorias mas pobres em todos os demais componentes. Chá,
bolachas, sopas ralas, macarrão e batatas decididamente não podem ser considerados a
alimentação básica da terceira idade. Dentre os hábitos nocivos à saúde, o alcoolismo e
o tabagismo são aqueles que, embora freqüentemente utilizados durante toda a idade
adulta, vão manifestar suas graves complicações quando o indivíduo apresentar idade
avançada. Estudos atuais demonstram os benefícios decorrentes da interrupção destes
hábitos em qualquer idade. Isto favorece não apenas a saúde dos orgãos-alvo, (fígado,
pâncreas, cérebro, pulmão, artérias) mas também a saúde como um todo. Hábitos mais
higiênicos nos aproximam de pessoas mais interessantes. Por outro devemos considerar
que ninguém muda de hábitos sem um bom motivo. A inatividade ou o sedentarismo se
constitui em um comportamento praticamente epidêmico. Todos, em qualquer idade,
são estimulados cada vez menos ao movimento. Com isso, o tempo de inatividade se
responsabiliza pela progressiva disfunção dos idosos, freqüentemente atribuída à própria
idade. O sedentarismo pode ser mais prejudicial que a velhice. O uso indiscriminado
de medicamentos pode ser, e freqüentemente é, um agente prejudicial à saúde. Os
prejuízos são, portanto, de ordem clínica (pelos efeitos colaterais das drogas), de ordem
social (pelos gastos) e de ordem emocional, visto que freqüentemente a decepção pela
34 recuperação prometida e não alcançada deixa um forte sentimento de frustração e de
descrédito nos outros. Para tal é absolutamente necessário o envolvimento do idoso no
processo terapêutico, para que o plano seja executado com precisão. Outras medidas
preventivas, como as vacinas, estão sendo cada vez mais utilizadas na prevenção das
doenças infecciosas no adulto. As mais recomendadas são: antitetânica,
antipneumocócica e anti gripal. Os projetos que normatizam estes programas de
vacinação já se encontram em fase avançada de desenvolvimento. Todos podem ser
vacinados, especialmente àqueles que podem ser mais facilmente contaminados pelo
tétano ou podem ter conseqüências mais graves nas infecções respiratórias.
Prevenção de acidentes é uma atitude absolutamente necessária à saúde. Dentro de casa,
iluminar melhor o trajeto, as escadas, colocar corrimão nos pontos de desequilíbrio,
retirar ou fixar no piso os tapetes, desimpedir os caminhos. Na rua, como pedestre,
observar pontos de travessia, com atenção aos sinais e aos veículos, usar roupas
coloridas, calçados estáveis, observando as irregularidades do piso. Usar uma bengala é
sinal de prudência, não de velhice. Como passageiro, o uso do cinto de segurança é
fundamental, sempre atento ao trajeto, aproveitando para desfrutar o passeio e aumentar
o conhecimento sobre o local visitado. Como motorista o cuidado é ainda maior, pois
várias pessoas podem ser prejudicadas por uma possível imprecisão. O motorista deve
ser consciente em qualquer idade. Dirigir bem é mais uma demonstração de
competência em idosos, mas parar de dirigir pode ser uma demonstração de
competência ainda maior. Estas, entre outras recomendações, demonstram como vem
crescendo a atenção de todas as áreas do conhecimento em função de um
envelhecimento saudável.
3.5- O poder da terceira idade.
Não se enquadram em estereótipos de vovôs que praticam esportes radicais nem
de velhinhos abandonados em asilos. A terceira idade brasileira forma um grupo muito
heterogêneo de 15 milhões de consumidores (14% da população adulta), que deve
chegar a 30 milhões de pessoas até 2020, a maioria mulheres, com uma renda que soma
R$ 7,5 bilhões ao mês, o dobro da média nacional, e que têm muito mais poder de
influenciar hábitos de consumo nas famílias do que se imagina. São algumas das
35 principais conclusões de uma pesquisa inédita no Brasil sobre o perfil da terceira
idade, que acaba de ser concluída pela Indicator GfK após dois anos de trabalho. A
pesquisa ouviu 1,8 mil homens e mulheres com mais de 60 anos nas grandes regiões
metropolitanas do País e em Goiânia e Brasília. Visava investigar o perfil da terceira
idade, buscando características de comportamento, gastos, saúde, alimentação, moradia,
transporte, educação, cultura, lazer e consumo de mídia. O seminário Terceira Idade -
Panorama Social de um Mercado em Expansão, realizado em São Paulo, discutiu a
questão com especialistas de várias áreas. Na verdade, são eles os responsáveis pela
manutenção de 25% dos lares nacionais, ou seja, 47 milhões de domicílios. De cada
cem entrevistados, 68 declaram ser responsáveis pelas decisões de compra da família.
Apenas 15% deles não têm renda alguma. Já a renda média mensal dessa parcela
da população é de R$ 866. E eles estão em maior número na classe A/B do que a média
nacional, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Pesquisa de
Mercado (Anep). Trinta e um por cento dos idosos pesquisados fazem parte dessa
classe, contra 29% do total nas regiões metropolitanas. E também estão em menor
número na classe D/E - 34% na pesquisa contra 35% considerando-se toda a população
avaliada.
"Tradicionalmente, as pesquisas de mercado eliminam as opiniões daqueles com
mais de 60 anos, desconsiderando uma parcela da população que se revela mais
importante nas decisões do lar do que se imagina", diz Paulo Cidade, sociólogo e
gerente da Indicator GfK, responsável pelo estudo. "As entrevistas revelaram que os
idosos têm um caráter fortíssimo de formadores de opinião, geralmente cuidam dos
netos para que os filhos possam trabalhar, influenciando assim toda a família", completa
ele.
Um dos conceitos centrais utilizados na observação dos dados é que a terceira
idade é um processo, já que as pessoas não envelhecem de repente. "Portanto, o aspecto
heterogêneo desse grupo não é diferente do resto da sociedade e isso é fundamental na
hora de pensarmos estratégias de comunicação que incluam essas pessoas". "Será que,
em vez de vender imagem de beleza, não seria interessante pensar em elegância,
que inclui as pessoas mais idosas?".
36 Outro dado que aparece nas pesquisas é a visão negativa da velhice que
permeia a sociedade como um todo e que também está entre aqueles que já chegaram
nela. O que há verdadeiramente é um grande preconceito em relação à terceira idade.
Esses consumidores revelaram o desejo de serem incluídos, e não separados dos demais
cidadãos na hora de se verem retratados pela mídia. Afinal, eles são fortes consumidores
de produtos de comunicação. Entre as atividades que mais fazem dentro de casa, assistir
à televisão vem em primeiro lugar, seguida de ouvir rádio. A leitura de jornais e revistas
também está entre as atividades mais freqüentes. As maiores despesas dos idosos são
com o supermercado, 24% do total de gastos. Em seguida vêm os gastos com planos de
saúde, 9%, e com luz e telefone, ambos representam 6% do orçamento. Nas despesas
pessoais, a compra de remédios tem o maior peso, 10%, e em seguida vêm as viagens,
5%. Mais da metade desses idosos fez ao menos uma viagem durante o ano.
Dos entrevistados, 45% têm plano de saúde. "Isso significa que o crescimento
acelerado dessa parcela da população tem grande impacto também nas políticas
públicas, já que mais da metade dos idosos depende dos serviços de saúde do governo".
A pesquisa chegou a oito grandes grupos de perfis com as características pessoais e de
estilo de vida dos idosos. Esse refinamento, nunca havia sido mapeado no Brasil e pode
fornecer valiosas informações para as atuais gerações como também para os idosos.
"Podemos concluir que há um grande mercado potencial de produtos específicos para a
terceira idade, como também há uma grande necessidade de readequar os produtos e
serviços que já existem para atender também os idosos".
3.6- Envelhecimento: desafios e perspectivas para o terceiro milênio.
Este ano em que sabiamente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
definiu como temática de sua campanha de Fraternidade a questão do Idoso com o lema
"Vida, Dignidade, Esperança", há em decorrência uma exigência em termos de reflexão
e compromisso. Já configuramos previamente, segundo dados da ONU que há uma
projeção de expressivo envelhecimento da população mundial em curto espaço de
tempo, o que exige medidas sérias em termos sociais. No Brasil vivenciamos uma nova
realidade etária, a do "país de cabelos brancos". São 15 milhões de pessoas com 60 anos
ou mais, o que corresponde a 9,8% de longevos, com projeção para 2025 de 32 milhões
37 de idosos, o que nos colocará como a 6ª nação mais envelhecida do planeta. Contudo,
não existe seriedade no enfrentamento das questões do envelhecimento. A velhice ainda
é considerada um problema social. Ao invés de se celebrar a merecida conquista
enfatiza-se as conseqüências econômicas, sociais e previdenciárias, causando
constrangimento aos idosos. Na Assembléia Mundial sobre Envelhecimento,
patrocinada pela ONU e no Fórum Mundial de ONGS sobre Envelhecimento em abril
de 2002 em Madri, caminhos forma traçados resgatando a urgência no cumprimento da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, considerando temas atuais e relevantes,
tais como: conflitos, guerras, problemática de saúde, exclusão social, fome questões de
gênero, pobreza da população idosa em todo o mundo. A finalidade da Estratégia
Internacional de Ação sobre o Envelhecimento é buscar respostas as potencialidades e
necessidades que desafiam o envelhecimento no século XXI, visando construir uma
sociedade para todas as idades. A proposta supõe contemplar aspectos significativos que
envolvam todas as dimensões da humanidade (sociais, econômicos, culturais,
psicológicos e espirituais), tendo como fundamentação a compreensão de dois
princípios básicos: 1- A sociedade mundial contemporânea está envelhecendo
drasticamente 2- As conseqüências dessas transformações requerem mudanças de
mentalidade e postura, o reconhecimento da primazia de responsabilidade do Estado na
condução das políticas públicas que assegurem um envelhecer com segurança,
dignidade e cidadania como exercício pleno de direito. A sociedade civil organizada
deve estar envolvida neste processo.
Abaixo as recomendações contidas na Estratégia Internacional de Ação sobre
Envelhecimento, convocando a todos brasileiros a se comprometerem com a defesa dos
direitos dos idosos, divulgando e lutando pela efetivação dessas medidas na realidade.
· O envelhecimento em condições de segurança significa reafirmar o objetivo da
eliminação da pobreza na velhice sobre as bases dos princípios das Nações Unidas em
favor das pessoas idosas.
· A habilitação das pessoas idosas para que participem plena e eficazmente da vida
social, econômica e política de suas sociedades, inclusive mediante trabalho remunerado
ou voluntário.
38 · A oportunidade de desenvolvimento, da realização pessoal e do bem-estar do
indivíduo em todo o curso de sua vida, inclusive numa idade avançada, por exemplo,
mediante possibilidades de acesso à aprendizagem durante toda a vida.
· A garantia dos direitos econômicos sociais e culturais das pessoas idosas, assim como
dos seus direitos civis e políticos, inclusive mediante a eliminação de todas as demais
formas de discriminação por razão de idade.
· O compromisso de reafirmar a igualdade de gênero nas pessoas idosas mediante a
eliminação da discriminação por motivo de gênero e das demais formas de
discriminação.
· O reconhecimento da importância decisiva que tem para o desenvolvimento social a
interdependência, a solidariedade e a reciprocidade entre as gerações.
· A atenção à saúde e o apoio às pessoas idosas, segundo as suas necessidades.
· A promoção de uma parceria entre o governo, em todos os seus níveis, a sociedade
civil, o setor privado a as próprias pessoas idosas em torno do processo de transformar a
Estratégia Internacional em medidas práticas.
· A utilização das pesquisas e dos conhecimentos científicos para que sejam
consideradas as conseqüências do envelhecimento desde o ponto de vista das pessoas,
da sociedade e da saúde, em particular nos países em desenvolvimento (Documento
base da 2ª Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento da ONU - Madri, 2002).
39 CAPÍTULO IV
UM TEATRO HUMANÍSTICO-TERAPÊUTICO PARA A
TERCEIRA IDADE
4.1- Contextualizando a Arteterapia.
Durante o curso em Arteterapia pudemos criar destrezas em construir diálogos
internos e externos, de modo alternar os dois lados do cérebro, o direito e o esquerdo. E
assim aprendemos a construir pontes, ligações, contatos entre pessoas. Alternância de
palavras. O termo alternativo, enquanto um adjetivo, nos fornece a idéia de sucessão
"que vem ora de um ora de outro; que se diz ou se faz com alternação; diz-se das coisas
que se pode escolher a que mais se convenha" (Ferreira, 1994, p. 33). Mas se
conceituarmos o termo alternativo como substantivo, esta condição traz a idéia de
sucessão de duas coisas mutuamente exclusivas, nomeando e determinando uma
situação em que deixa implícita a idéia de incompatibilidade.
Consideramos a Arteterapia como uma modalidade de Psicoterapia, que engloba a
idéia de alternância. Em um processo de comunicação sobre o mundo interno, em que
fica incluída tanto a expressividade artística, quanto a expressividade verbal, podendo-
se escolher entre estas duas alternativas, ora uma ora a outra, conforme as conveniências
das pessoas que irão vivenciar, que vivenciam e/ou vivenciaram a possibilidade de se
expressarem numa relação instituída e configurada por elas.
O funcionamento intelectual natural do ser humano se faz incluindo tanto a
modalidade artística quanto a modalidade lógica. Percebemos e processamos as
informações daquilo que vivemos, ora através da modalidade direita, estabelecendo
cruzamentos de informações, assimilando novas informações e integrando-as às
informações já registradas e acumuladas, e de um modo rápido, simultâneo, visual e
espacial, próprio de nosso lado artístico. Em outros momentos, processamos as
informações através da modalidade esquerda, conferindo ponto a ponto, em uma
sequencia lógica e linear, sem curvas, voltas e rodeios, é o lado científico cartesiano. E
assim escolhemos a modalidade que mais nos convenha de momento a momento. Esta
40 liberdade experiencial, que nos é conferida por mecanismos de auto-regulação, torna a
comunicação artística mais imprevisível ainda e menos determinada ou controlada
aprioristicamente, mas muito possível de ser vivida e descrita. Podemos confirmar, cada
vez mais, o poder da contemplação artística, ou a "aplicação demorada e absorta da
vista e do espírito" (Ferreira, 1994, p.173), dirigida a um objeto que tem arte. Um
cenário esteticamente harmonioso remete a interioridade com facilidade, a ver e a
escutar com os olhos e os ouvidos da alma, o que ela dizer para a nossa consciência.
Quanta esperança para a Arteterapia e para os Arteterapeutas... Temos uma bela ponte,
que nos conduz ora para a margem da concretude, da suposta objetividade e da lógica,
ou para a margem da arte e da subjetividade quase insustentável. Indo e vindo por esta
ponte, podemos perceber mudanças nos sentimentos. Em 1993, Faiga Ostrower, em
uma palestra sobre criatividade afirmava: "o ser humano constitui um ser criador, por
natureza". "O fazer artístico é um prolongamento de atos que fazem parte do processo
de viver”.
O teatro inclui um componente artístico, não somente por lançar mão do
manuseio de operações artísticas, mas por transformar este manuseio em um fazer
comprometido com a estética e com o belo. O belo "é agradável aos sentidos", possui
"formas e proporções harmoniosas" (Ferreira, 1994, p.90). A contemplação e a vivência
do belo elevam as sensações e sentimentos ao sublime, ao magnífico, ao êxtase quase
perfeito...A arte pode ser definida como (Ferreira, 1994, p.64): “capacidade que o
homem tem de por em prática uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar a
matéria". Atividade que supões a criação de sensações ou de estado de espírito de
caráter estético carregados de vivência pessoal e profunda, podendo suscitar em outrem
o desejo de prolongamento ou renovação. Mas este fazer artístico seria diferente em
outras contextualizações?
Contextualizar traz a idéia de compor, de efetuar ligação entre partes de um todo
(Ferreira, 1994, p.173), podendo, não necessariamente, ter um compromisso com
atividades artísticas, mas sempre revelando a alma do autor que contextualiza,
desvelando a sua percepção de mundo, de si mesmo e de si mesmo no mundo. Existe
sempre um compromisso com a estética, com a harmonia e com o belo, porque
41 pressupõe uma articulação de partes em um todo, através de um trabalho laborioso,
artesanal e único.
4.2- Definindo a Arteterapia.
Podemos considerar a Arteterapia como a área de terapias expressivas, que
abrange todas as modalidades de recursos artísticos, expressão plástica, dança teatro,
expressão poética, expressão corporal, dentro de um processo terapêutico. A Arteterapia
não possui uma teoria e metodologia própria, sendo necessário ao Arteterapeuta lançar
mão de teorias, assim como de sua própria criatividade, intuição e habilidade de
expressão artística, para delinear seus procedimentos no processo terapêutico. O
referencial que utilizaremos para a teatroterapia para a terceira idade se fundamenta no
Humanismo.
Morato (1974) ao comentar o movimento cultural humanista afirma que "tanto o
humanismo clássico como o moderno são reações contra a desumanização dos seres
humanos" (p.24). As propostas humanistas básicas são de fomentar o processo de
humanização e de dignidade do homem, a ser conquistado através do trabalho livre e
do próprio esforço em expressar talentos, com a sensibilidade necessária e a
flexibilidade suficiente para revelar a ideologia de um momento e de um lugar. O
Humanismo privilegia a experiência e a subjetividade como fenômenos primários,
enfatizando qualidades intrinsecamente humanas, como livre arbítrio, criatividade
e auto-realização, resgatando a valorização da dignidade do Homem e do
desenvolvimento de potencial inerente a cada individualidade.
O movimento humanista mostra uma continuidade, estabelecendo elos de ligação
histórica entre passado e presente (Coelho, 1982, p.438). Se olharmos para a história da
humanidade poderemos verificar que o movimento humanista é bastante integrador,
estabelecendo elos não apenas entre o momento em que ele se manifesta e o contexto no
qual ele se manifesta, como também entre passado e presente, parecendo demonstrar e
confirmar a tendência formativa, tal como concebida por Rogers (1983), de que parece
existir no Universo uma tendência de que "toda forma que vemos ou conhecemos surgiu
de outra mais simples, menos complexa”.
42 Segundo Coelho (1982, p.431), o vocábulo humanista surgiu na Língua
Portuguesa no século XIV, que significava o estudioso e o cultor das artes e da literatura
que expressavam o ideal de nobreza humana. Os primeiros humanistas foram agitadores
de idéias e lideravam um movimento cultural denominado atualmente por Humanismo
Renascentista. O vocábulo humanismo surgiu na Língua Portuguesa apenas no século
XIX, mas para facilidade de comunicação expressaremos como humanismo,
movimentos culturais humanistas, anteriores ao século XIX. Atualizando o significados
destes vocábulos por Ferreira (1994, p.346), humanista é "pessoa versada nos estudos
de humanidades; partidário do humanismo filosófico", enquanto que humanismo
significa "doutrina e movimento de humanistas da Renascença, que ressuscitaram o
culto das línguas e literaturas greco-latinas; formação do espírito humano pela cultura
literária ou científica".
A formação do espírito humano se constrói com a humanidade que existe em
todas as pessoas, e que podem ser expressas através do teatro. Orientar-se pelo amor à
humanidade promove a relação gratificante e o sentido de solidariedade, predispondo o
contato, e vinculando os ente viventes e sensíveis que habitam este planeta.
O Humanismo Renascentista teve como base histórico-social a rejeição da visão
de Homem da sociedade feudal e da cultura eclesiástica. Este movimento de renovação
intelectual e artística, iniciada na Itália no século XIV e tendo seu apogeu no século
XVI, combatia toda e qualquer classificação do Homem em castas ou escalas
hierárquicas, resgatando os valores pessoais do Homem. Desde então todos os
movimentos humanistas foram marcados pela crença na capacidade da criação
humana, buscando um alargamento dos limites humanos, mas de modo a conciliar a
Ética Hedonista, da busca do prazer e da felicidade, com a Ética Cristã, do
desenvolvimento das virtudes no Homem. Com esta síntese, o Humanismo
Renascentista resgatou a credibilidade no potencial de bondade do Homem,
conceituando a bondade como um atributo inerente à natureza humana e não apenas à
natureza dos santos.
O interesse central do Humanismo era, e continua sendo, a realização da
individualidade e do potencial humano. Do ponto de vista Estético, o Humanismo
43 Renascentista trouxe nas Artes Plásticas a valorização da figura humana do corpo
perfeito e forte conciliando com expressões angelicais e perfeitas, refletindo um
equilíbrio harmonioso, embora contraditório, entre a força bruta dos músculos (corpo) e
a força espiritual do homem (as virtudes e a bondade. Contemplem esta Madonna, do
pintor renascentista Botticcini, todas as expressões são angelicais, com corpos robustos
e perfeitos... A expressão angelical atribuída ao anjo, a criança e ao adulto, revela a
crença na angelitude e na bondade do ser humano. Se as pessoas podiam ter expressão
de anjo, poderiam vir a ser anjos. Esta era a mensagem contida na linguagem pictórica
de obras como esta. Ainda no século XIV, com a ascensão da burguesia, os artistas e
intelectuais da época se libertaram do domínio do clero. O conhecimento se tornou
acessível a qualquer pessoa que possuísse talentos para isso, mas desde que esta pessoa
conseguisse cair nas graças de um burguês que se dispusesse a subvencionar seus
estudos. O mecenato foi instituído e os artistas e intelectuais passaram a depender de
burgueses generosos e protetores. Apesar desta atualização do servilismo, agora um
servo ou plebeu, poderia ter acesso aos estudos, conquistar um mecenas e obter
prestígio através do talento pessoal. Pelo esforço e a dedicação de talentos individuais, o
conhecimento deixou de pertencer exclusivamente ao clero, para obedecer às mesmas
leis de mercado que regiam qualquer atividade econômica. Apesar do mecenato, havia
um pouco mais de liberdade para que os artistas e intelectuais expressassem sua
criatividade, idéias e ideais em seus trabalhos e obras. Com isso foi fomentada a
iniciativa pessoal, sendo o processo de dignificação do homem conquistado pelo seu
trabalho e pelo seu esforço em expressar os próprios talentos.
Todos os Humanismos, principalmente o Renascentista, foram inspirados na
Antiguidade Clássica (gregos e romanos), mas cada geração atribuiu elementos
ideológicos que refletiam o momento social e histórico da época. O Humanismo tem
primado pela sensibilidade em captar o modo de pensar e sentir do Homem,
caracterizando-se pela flexibilidade necessária para ser capaz de revelar a ideologia de
um tempo e de um lugar específico. Desde o Renascimento as correntes humanistas
"desejava mostrar uma continuidade cultural, procurando estabelecer elos de ligação
histórica entre passado e presente" (Coelho, 1982, p.438).
44 A natureza do movimento humanista é integradora, como todo ato de
expressão de amor, o humanismo predispõe a atitudes de promoção do bem estar do
outro, de dedicação com devoção e consideração pelo outro, pelo que ele foi (passado),
pelo que ele está sendo (presente) e por aquilo que virá a ser (futuro). É um respeito
profundo para com os atributos humanos e para com a humanidade.
Orientação é um impulso ou tendência, que indica um rumo, uma demanda de
reconhecer e examinar cuidadosamente os aspectos de uma questão, ou de um lugar,
para que possamos guiar e determinar posicionamentos e direcionamentos (Ferreira,
1994, p.469). A orientação humanista dentro da psicologia, como todos os movimentos
humanistas, desde o Humanismo Renascentista, surgiu justamente em reação ao efeito
desumanizante nas pessoas, provocado pela moderna sociedade tecnológica e no
difícil momento do pós-segunda guerra mundial. A Psicologia Humanista surgiu nos
Estados Unidos, no final da década de 40, se contrapondo também às forças da
psicanálise e do behaviorismo, através dos trabalhos de Carl Rogers e de Fritz Perls, se
fortalecendo nas duas décadas seguintes. O movimento humanista dentro da Psicologia
é considerado a "terceira Força da Psicologia", se contrapondo à Epistemologia
determinista e mecanicista da Psicanálise e do Behaviorismo (Morato, 1974, p.55). A
Psicologia Humanista é considerada mais uma atitude dirigida para melhor
compreensão do Homem, do que uma teoria específica para explicar o homem. Não é
prioritário para a Psicologia Humanista encontrar as causas determinantes da natureza e
do sofrimento humanos, mas compreender, ou seja, "alcançar com a inteligência as
intenções ou o sentido de conter em si, abranger; estar incluído ou contido" (Ferreira,
1994, p.165).
Sendo tão primordial a atitude de compreender, é uma conseqüência natural que
se privilegie a experiência imediata, enquanto fenômeno para se conhecer Homem.
Evidentemente para se descobrir com a inteligência à intenção e o sentido da
experiência, o sujeito que se propõe a conhecer precisa estar incluído no próprio
fenômeno estudado. O conhecedor, através da tomada de consciência da própria
experiência imediata, através da identificação dos sentimentos e das percepções que se
destacam em sua subjetividade, encontrará o sentido daquilo que está experienciando ao
45 observar aquilo que está estudando. A Fenomenologia tem sido o método de
investigação mais adequado para se investigar o fenômeno humano, pois ao considerar
o ato de conhecimento como um ato empírico, privilegia o conhecimento subjetivo,
colocando-o como mais fiel e significativo do que o conhecimento objetivo. O método
fenomenológico de investigação é empírico e descritivo e, renunciando à necessidade de
controle de variáveis para descrever e predizer os fatos, como nos métodos científicos
experimentais.
A Fenomenologia viabilizou a observância dos princípios da Psicologia
Humanista de privilegiar a experiência imediata, usar procedimentos de pesquisa
compatíveis à natureza do problema estudado e do organismo humano estudado,
selecionar problemas significativos, mais para a pessoa em estudo do que para o
estudioso do problema. A Fenomenologia assegurou como pré-condição para se chegar
ao conhecimento objetivo o conhecimento subjetivo.
4.3- A Teatroterapia numa perspectiva humanista para a terceira idade.
Encontrar a Teatroterapia através da Orientação Humanista, como referencial
para exercer na terceira idade é relacionar mundo interno e o mundo externo, prestar
mais atenção às dores da alma humana e ter mais consideração com as dores e anseios
de nossa própria alma. Dar outro sentido a dor humana, vendo o sofrimento, como solo
fértil para a semeadura e germinação de novas sementes...
É ver no ato criativo do teatro a alma e a essência do sopro de vida, de todos os
seres. Um ser em qualquer condição: a humana, a animal, a vegetal, a mineral... E ao
escutar as dores e anseios de outras almas buscar a firmeza dos recursos artísticos para
expressão de sentimentos, pensamentos e percepções. Ser terapeuta humanista, através
dos recursos do Teatro é viver o amor essencial de todas as relações, respeitando o ser
humano em todos os seus estágios, valorizando o seu processo individual de relacionar-
se com a arte. Enfatizaremos no teatro para a terceira idade o espiritual, aqui entendido
como tudo aquilo que é "incorpóreo; a parte imaterial do ser humano" (Ferreira, 1994,
p.270), aquilo que objetivamente não é passível de se tornar matéria. São as impressões
46 e os acontecimentos subjetivos, algo de natureza não concreta.
A vivência do Espiritual é uma vivência do Self interno... Nós nos sentimos
interligados com a energia do Universo. É um sentimento de plenitude, no qual nada
parece estar faltando e no qual nós nos sentimos totalmente conscientes e em êxtase.
Nos vivenciamos a nós mesmos não como estando sozinhos, mas como parte de um
todo cuja definição depende também de nossa existência. Cada um de nós está destinado
a participar de uma maneira específica e peculiar na obra da criação. Pelo fato de a porta
ser estreita, devemos atravessá- la - um de cada vez - completamente sozinho,
acompanhado apenas pelo mundo de nossos pensamentos e conquistas íntimas... Pois
para transpor esta porta é preciso aprender a arte de ser. Nesta perspectiva o Self interno
é a fonte de sabedoria, conhecimento e amor que vive dentro de nós. Na alma reside à
essência da pessoa, aquilo que dá vida à pessoa, que permite inclusive a experiência de
interconexão, que dá segurança a existência e faz sentido, traduz o sentido e dá sentido à
existência.
O espírito humano é vivenciado como o próprio eu, que consciente e
inconscientemente dirige a nossa vida. O espírito visa o objetivo da vida, sendo sempre
dirigido para um fim. Na alma este objetivo pode ser vivenciado como um chamado,
pensado como um plano de vida ou desejado como um caminho de vida. (Lievegoed,
1976, p.22-23) "O desenvolvimento espiritual ocorre na polaridade entre criatividade e
sabedoria...” Usamos o termo “sabedoria” para abranger não apenas a sabedoria de
sistemas filosóficos elevados, mas também, mais essencialmente, a sabedoria de vida
que pode ser encontrada em qualquer nível, classe e grau de aprendizado. As
polaridades possuem todas um meio; não é apenas um equilíbrio estacionário de duas
forças distantes, mas é, em si mesmo, uma força ativa no homem. É na verdade a
essência da existência humana. .... Cada uma das três polaridades tem, assim, uma
tríplice natureza : .... Criatividade x plenitude x sabedoria...O espiritual é aquilo que dá
sentido à vida.
(Lievegoed, 1976, p.17): "A palavra mudança conta apenas que nada é estático e
que tudo se move na correnteza do tempo. Crescimento é uma mudança sistemática, na
qual um aumento quantitativo em número, tamanho ou peso de um dado elemento tem
47 lugar dentro do mesmo sistema. Desenvolvimento é o crescimento no qual mudanças
estruturais ocorrem em pontos críticos, através do sistema”.
E é com este espírito que devemos pensar o teatro para a terceira idade trocando
o que há de legítimo entre os seres humanos, para produzir resultados diferentes, seja
por contradição ou não. Mas com a necessidade de promovermos uma fusão de teses e
antíteses e, assim possibilitarmos a realização da teatroterapia em vida que se
transforma e, porque não, a transformação do próprio teatro em Vida?
Como articular atividades e expressão artística em um contexto terapêutico?
Usando o ato criativo como uma ponte para o autoconhecimento. Ato criativo
sustentado pela capacidade em que os idosos têm para simbolizar a vida. A capacidade
de simbolizar é um atributo inerente à natureza humana. Ao compor uma dramatização
e criar tempos e espaços aleatórios para dar concretude à imagem criada, o idoso produz
uma obra. Aquilo que chamamos de obra de arte, não é fruto de uma atividade
misteriosa e inexplicável, mas são objetos feitos por seres humanos e para seres
humanos. Cada uma de suas características é o resultado de uma decisão pessoal do
artista. A capacidade de expressão artística é particular a cada pessoa, na manifestação
da criatividade. Com materiais, recursos artísticos e imaginação cada pessoa constrói
sua obra. A projeção é à base da criatividade artística na obra criada, construída com
uma série de decisões pessoais de seus autores. Por projeção e identificação representam
símbolos e conteúdos de suas percepções, pensamentos e sentimentos, tendo ou não
consciência destes conteúdos. De modo que a obra produzida é um espelho do mundo
interno de seu autor, revelando não apenas suas características pessoais (possibilidades e
limites), suas potencialidades, mas inclusive a maneira que esta pessoa se organiza em
seus relacionamentos intrapessoal, interpessoal e com o mundo. A obra artística é um
verdadeiro registro da alma de seu autor, que se manifesta em uma linguagem muito
peculiar, com símbolos particulares ao contexto do momento histórico e particular ao
contexto terapêutico. O trabalho do teatroterapeuta é laborioso, tanto ao momento da
criação, quanto na criação do contexto; cabendo a ele tarefa de transcodificar a
linguagem contida na obra em linguagem verbal e corporal, para que seu próprio autor
identifique a vida que se transforma, produzindo junto ao idoso desdobramentos
para a compreensão da obra realizada, orientado pelo diálogo intuitivo e silencioso
com a obra e as imagens. O autor também vivencia um diálogo silencioso e intuitivo
48 para tomar as decisões, momento a momento, passo a passo, rumo ao que fazer. Ao
contemplar a obra criada, escuta a si mesmo, fica atento à instigação que a
contemplação provoca dentro de si, observa o os seus movimentos internos, interpreta o
que vivencia na contemplação, ou seja, interpreta a si mesmo, refletindo sobre o vivido
percebe a multiplicidade de sentidos que se desvelam simultaneamente, se captou
alguns dos significados revelados na vivência, se identificou com uma das múltiplas
possibilidades do vivido-sentido e comunica a sua versão do vivido, ou a sua verdade,
absolutamente subjetiva, mas tão concreta quanto a obra contemplada, com um
significado tão fugaz e transitório quanto um instante de luz, ou uma pincelada
vigorosa, curta e rápida de um mestre impressionista. Pois cada momento de
consciência é uma totalidade vivida. O mesmo processo de diálogo pré-reflexivo
acontece no cliente, enquanto contemplador da própria obra. Sua obra tem a concretude
que suas próprias idéias imprimiram no fazer teatral. Elas são um registro de sua alma.
Ao facilitar o diálogo o Teatroterapeuta facilita uma alternância entre o vivido pelo
próprio autor, enquanto autor da obra e enquanto contemplador da obra. Processo este
expandido pela conscientização do vivido (interpretação da experiência, e a
simbolização decorrente desta interpretação). Na Arteterapia o fazer artístico não visa
apenas à realização do potencial humano com um compromisso estético, mas sobretudo
a realização do potencial humano na busca de autoconhecimento com suficiência para
que a pessoa encontre soluções mais felizes para sua vida e seu viver. O autor também
vivencia um diálogo silencioso e intuitivo para tomar as decisões, momento a momento,
passo a passo, do que fazer. Ao facilitar o diálogo o arteterapeuta facilita uma
alternância. Da curiosidade para conhecer a natureza humana e o compromisso em ser
terapeuta, sobreveio a necessidade de buscar continuamente procedimentos para aliviar
o sofrimento da alma humana.
Tentamos expressar aqui, não jogos e exercícios dramáticos para a terceira
idade, pois estes existem aos montes nas diversas livrarias, mas sim traçar perspectivas
que pudessem aprofundar as questões da alma humana. A perspectiva humanista que
desenvolvemos neste trabalho, nos faz crer que a recuperação da subjetividade humana
em nossa civilização é uma das mais dramáticas e urgentes necessidades, tendo em vista
os perfis traçados pela ONU para a população do futuro, em que os idosos devem ser
tratados com o respeito e humanismo que merecem por sua trajetória de vida. Afinal,
50 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
1- A história do teatro educacional revela, que o teatro foi ganhando gradativamente
credibilidade no meio educacional, através de estudos e trabalhos de grandes pensadores
da história da humanidade, que constataram a grande importância de sua função
estimuladora, de forma lúdica, das diversas dimensões do ser (afetiva, racional,
relacional e corporal). Modernamente, no seio educacional, reconhece-se a grande
importância do jogo dramático no desenvolvimento dos processos mentais superiores e
como fonte de lazer e entretenimento. Importância essa destacada na LDB no 9394
(1996) e nos PCN (1997).
Ao ampliar os conhecimentos do ser humano sobre si, fatos, acontecimentos da
realidade social e fenômenos naturais; considerando suas idéias, conhecimentos e
representações sobre os temas desenvolvidos, o terapeuta oportuniza a “experiência
total”, que consiste no resgate dos saberes até então não relacionados e fragmentados.
Oportunizando o prazer da criação e do sentimento de pertencimento e importância no
mundo
O teatro para a terceira idade que preconizamos, se alicerça na consideração de
que o idoso deva ser visto como idoso, sem preconceitos ou estereotipias, com processo
cognitivos e desejos peculiares. Em nossas investigações, constatamos que o jogo
dramático contribui de forma decisiva para o fortalecimento da personalidade e da
autoestima. Quem joga dramaticamente, compartilha, cria, se emociona, participa e
cresce no processo; pelas características do jogo, pelos exercícios, símbolos e regras, e
através de um mecanismo genuinamente humano de lidar com o mundo: a ludicidade.
Todos que jogam devem ser “sérios”, intensos, e entregar todo seu corpo, toda sua alma
para o que estão fazendo. O jogo implica muito mais do que o simples ato de brincar.
Através do jogo o homem se comunica com o mundo e também está aprendendo e se
expressando. Não há dúvida que o terapeuta representa um papel indispensável na
utilização do teatro aqui proposto, como animador, criador de situações problemas que
suscitem reflexões e estimulem pesquisas e esforços, auxiliando nas transformações de
regras e convenções do cotidiano, por intermédio de atividades integradas, que
oportunizem a integração e aprendizagem coletiva. “A característica essencial do
homem é sua imaginação criativa” (Courtney, 1980, p. 3), esta o auxilia na superação de
51 suas limitações mentais, corporais e materiais, capacitando-o a dominar o seu meio. A
imaginação criativa, é essencialmente dramática em sua natureza. Observe a criança, ela
joga, finge ser outra pessoa... Atuar - é parte do processo de viver, podemos fazer de
conta, quando somos pequenos, ou fazê- lo eternamente quando nos tornamos adultos ou
idosos. A ação criadora é típica da raça humana, e fundamental para toda e qualquer
aprendizagem significativa, na verdade, “... o processo dramático é um dos mais vitais
para os seres humanos”. (Courtney, 1980, p. 4).
2- A população mundial de idosos, atualmente estimada em 600 milhões de pessoas,
deve saltar para 2 bilhões nas próximas décadas. O Brasil deve saltar dos atuais 14
milhões de idosos para aproximadamente 33 milhões em 2025. Pelos cálculos da
Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil terá, em 2025, 15% de sua população
composta por idosos. Esses números também devem ser semelhantes em países como os
Estados Unidos, o Japão, a Indonésia, a Rússia e a Alemanha. O mundo está passando
por uma "transformação sem precedentes", o número de idosos passará de 600 milhões
para dois bilhões de pessoas em um período de 50 anos. Kofi Annan, o secretário-geral
da ONU, por ocasião de seu aniversário no dia 8 de abril, ao completar 64 anos,
concluiu seu discurso com uma frase de uma canção dos Beatles: "Você ainda precisará
de mim, ainda me alimentará quando eu tiver 64 anos?" Essa é a grande reflexão que
nos submetemos ao concluir o terceiro capítulo deste trabalho...0 os idosos precisam
lutar pela sua sobrevivência. Isto ocorre justamente numa fase da vida, na qual o
cidadão dedicou sua vida ao trabalho, e poderia utilizar o seu tempo disponível para a
realização de desejos e novos projetos de vida. Assim, se vê obrigado a adiar para um
futuro cada vez mais inatingível, a possibilidade de concretizar alguns sonhos
acalentados ao longo de toda a vida. Sabemos que já existem algumas leis com o
objetivo de corrigir injustiças e amenizar o cenário atual da velhice e dos aposentados.
A Constituição Federal de 1988 por meio de sua Política de Assistência Social conferiu
ao idoso e a pessoa portadora de deficiência a possibilidade de uma renda de
sobrevivência. Trata-se de um salário para os não contribuintes e está prevista na Lei
Orgânica da Assistência Social – LOA, (Lei nº 8742/93 artigos 20 e 21), como benefício
de prestação continuada. Este benefício veio a substituir a Renda Mensal Vitalícia em
1996. Outro exemplo é a legislação em vigor que permite aos maiores de 65 anos e
portadores de deficiência a concessão de meia entrada em eventos culturais, artísticos e
52 esportivos promovidos pelo município, ou órgão da administração indireta. Esta
concessão vem inserir a população idosa nos espaços culturais e sociais da cidade e,
além de tirá-lo do isolamento involuntário no qual é colocado. Essas iniciativas devem
ser apoiadas, divulgadas e promovidas no conjunto da sociedade, a fim de que alcance o
idoso que não possui renda suficiente para patrocinar seus momentos de lazer. Outra
questão importante é se garantir em leis a eliminação de barreiras arquitetônicas que
prejudicam o direito de ir e vir, não somente dos idosos, mas também dos portadores de
deficiência. A isenção de encargos e tarifas públicas como o IPTU para os aposentados
e pensionistas que ganham até três salários mínimos, veio a beneficiar inúmeros idosos
que se sentiam angustiados por ocasião da efetivação desses pagamentos, precisando
muitas vezes recorrer com grande constrangimento ao auxílio dos filhos ou familiares.
A utilização gratuita nos transportes coletivos a partir dos 65 anos, bem como assentos
reservados para idosos e portadores de deficiência, constituiu-se em uma resposta
positiva do poder público para o segmento idoso. Porém, esta conquista ainda necessita
ser entendida por motoristas, cobradores, população em geral, e pelas próprias empresas
de ônibus como um direito a ser respeitado. É grande a queixa dos idosos sobre os maus
tratos a que são submetidos por alguns motoristas representados por freadas bruscas,
arrancadas violentas no veículo, sem contar a falta de paciência ou má vontade para
aguardar a subida ou descida. Na verdade, juntamente com as leis de proteção à pessoa
idosa há a necessidade de se adequar a cidade e os recursos públicos para enfrentar essa
nova realidade. É se suma importância a promoção de campanhas educativas que
sensibilizem toda a sociedade para tratar os mais velhos com respeito e dignidade. Os
semáforos cronometrados e sincronizados para atender a necessidade do escoamento do
trânsito de veículos, estão calculados para o andar ágil dos jovens, desorientando os
pedestres idosos que já não acompanham o ritmo acelerado da metrópole. A situação
ideal seria a de que, ao envelhecer, o cidadão pudesse desfrutar de uma Previdência
Social, cujos recursos fossem suficientes para lhe oferecer uma velhice tranqüila e que o
direito ao atendimento à saúde lhe fosse assegurado com qualidade. Uma vez que
ninguém deseja morrer prematuramente, só nos resta a alternativa de envelhecer.
Como? Dentro de um processo onde toda a sociedade colabore para:
-a transformação da imagem social da velhice, a começar dos idosos da nossa própria
família, respeitando e enxergando os mais velhos como cidadãos com direitos e deveres;
53 - a criação de políticas públicas apropriadas para dar a necessária proteção à pessoa
idosa, não na perspectiva da compensação, mas entendida como um direito;
- resgatar no idoso a condição de sujeito para assumir sua própria vontade, fazer as
coisas que gosta, realizar os seus próprios desejos, viver e exercer a sua cidadania.
Como pudemos perceber no decorrer do trabalho, a concepção de velhice,
enquanto representação sócia,l vem atrelada à participação do indivíduo no sistema
produtivo. Freqüentemente, o grau de respeito e de reconhecimento social das pessoas
idosas está relacionado à produtividade.
O envelhecimento é um processo natural e inevitável, sendo assim, a velhice é
uma fase que, como a infância, a adolescência e a juventude, faz parte do ciclo
biológico e natural da vida. No entanto, trata-se de uma construção social e histórica
devido às variadas formas pelas quais o processo de envelhecimento é entendido e
vivido nas diferentes sociedades. O que desejamos através deste trabalho é contribuir,
ainda que no âmbito da teoria, para que essa população que é mormente excluída, não
participa, e não tem direitos sociais, seja efetivamente incluída na sociedade da qual faz
parte como ser humano.
3- Descobrir a utilidade das técnicas artísticas em um contexto terapêutico, que ajudam
as pessoas a se conhecerem e expressarem não só o presente em sua consciência, mas
também aquilo que está emergindo de seu inconsciente e que está à borda de sua pré-
consciência, estão incluídas no escopo da teatroterapia. Ao realizar um trabalho
artístico, seu autor revela imagens de seu mundo interno, resultante do seu trabalho de
criação. Constrói imagens que estavam internalizadas na dimensão do imaterial. Ao
contemplar sua própria criação, o autor entra em contato com características essenciais
que compõe a sua identidade. Ao usar recursos artísticos teatrais, reconhece seus
recursos internos, ou seu poder criativo, revigorando o sopro de vida contido em si
mesmo.
E como proceder para investigar a manifestação da vida que se transforma?
Dialética! Através da Dialética do diálogo. A palavra dialética significa "processos
gerados por oposições, que provisoriamente se resolvem em unidades" (Ferreira, 1994,
p.220). Se olharmos com atenção para o termo provisoriamente, precisamos considerar
54 a transitoriedade das verdades produzidas por qualquer processo que visa gerar
conhecimento. E incluir o surgimento de sínteses, ou de "fusão de uma tese e de uma
antítese numa proposição nova que retém o que elas têm de legítimo, combinando a
introdução de um ponto de vista superior", como resultado natural de uma "operação
mental do simples para o complexo" (idem, p.602).
Estamos convencidos de que a função do teatroterapeuta, aqui proposta, é ajudar
a despertar em cada pessoa, não apenas a sua identidade, mas também a sua orientação
básica de vida. Ajudar as pessoas a fazerem escolhas por aquilo que pode aplacar a sede
e a fome de existir amorosamente, garantindo uma existência feliz!
Considerando que: a criatividade é um atributo da natureza humana. O ato
criativo é sustentado pela capacidade de simbolizar, atributo inerente à natureza
humana a expressão artística é um atributo da natureza humana, a capacidade de
expressão artística é particular a cada pessoa.
Na manifestação da criatividade com materiais e recursos artísticos, a pessoa
constrói uma obra, a projeção é à base da criatividade artística na obra criada, construída
com uma série de decisões pessoais de seu autor, é revelado, por projeção, os conteúdos
de suas percepções, pensamentos e sentimentos, tendo ou não consciência destes
conteúdos. De modo que a obra produzida é um espelho do mundo interno de seu autor,
revelando não apenas suas características pessoais (possibilidades e limites), suas
potencialidades, mas inclusive a maneira que esta pessoa se organiza em seus
relacionamentos intrapessoal, interpessoal e com o mundo. A obra artística é um
verdadeiro registro da alma de seu autor, que se manifesta em uma linguagem muito
peculiar, com símbolos particulares ao contexto do momento histórico de seu autor e
particular ao contexto terapêutico, neste sentido o trabalho do terapeuta é meticuloso,
tanto ao momento da criação, quanto ao contexto, cabendo ao arteterapeuta a tarefa de
transcodificar a linguagem contida na obra em linguagem verbal, para que seu próprio
autor identifique a vida que se transforma possibilitando desdobramentos, orientados
pelo diálogo intuitivo e silencioso com a obra ou linguagem dramática que o autor
processa.
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