Técnica. Uma Aproximação Histórico-Conceitual

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Tcnica: Uma aproximao Histrico-ConceitualSandra Regina de Abreu Pires ** Assistente Social. Mestre e Doutora em Servio Social pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e Docente do Departamento de Servio Social da Universidade Estadual de [email protected]

RESUMO:O texto apresentado constitui-se numa reflexo sobre a tcnica, tomada amplamente como conjunto de meios para um mais eficiente desenvolvimento das tarefas humanas. Partindo dessa acepo genrica, aborda-se inicialmente sua origem e classificao para, seguidamente, trata-la em duas de suas dimenses: enquanto tcnica de produo e enquanto Tcnica Social. Quanto primeira, evidencia-se a existncia de uma evoluo da tcnica, cujo eixo foi sua progressiva identificao com tecnologia, contribuindo para associa-la com algo mecnico e neutro despido do carter de criao nela presente originalmente. Contribuiu tambm para sua utilizao enquanto instrumento de concretizao dos interesses econmicos-polticos burgueses. A mesma funo poltica foi atribuda tcnica na dimenso de Tcnica Social. O diferencial est na nfase no campo da produo/reproduo/difuso ideolgica, visando construir o consenso social necessrio manuteno da ordem burguesa. Por sua configurao, natureza e orientao conservadora, o Servio Social situa-se dentre essas Tcnicas, definidas por Mannheim como prticas que tm por objetivo final a modelao do comportamento humano. Embora admita ser essa a funo socialmente atribuda profisso, o texto defende que ela no inaltervel. O Servio Social, como tudo, polarizado por interesses de classe, comportando uma prtica que reproduz obrigatoriamente os antagonismos/contradies mvel da histria. Finalizando, exalta-se a necessidade de discusses sobre outra dimenso mais especifica da tcnica: a de elemento instrumentalizador e facilitador de aes profissionais, ou seja, como instrumental tcnico. ela que, empreendendo avanos sem redundar em vieses tecnicistas, pode inscrever adequadamente a tcnica/instrumental tcnico num projeto tico-poltico profissional crtico-transformador.PALAVRAS CHAVE:tcnica, tcnica de produo, Tcnicas Sociais, Servio Social, instrumental tcnico profissionalRESUMEN:El texto presentado constituye una reflexin sobre la tcnica, tomada ampliamente como conjunto de medios para un ms eficiente desarrollo de las tareas humanas. Partiendo de esa acepcin genrica, abordase inicialmente su origen y clasificacin para enseguida tratarla en dos de sus dimensiones: como tcnica de produccin y como Tcnica Social. Con relacin a la primera, aparece evidente la existencia de una evolucin de la tcnica, cuyo eje fue su progresiva identificacin con tecnologa, contribuyendo para asociarla con algo mecnico y neutro desprovisto del carcter de creacin en ella presente originalmente. Contribuy igualmente para su utilizacin como instrumento de concretizacin de los intereses econmico-polticos burgueses. La misma funcin poltica fue atribuida a la tcnica en la dimensin de Tcnica Social. El diferencial est en el nfasis dado al campo de la produccin/reproduccin/difusin ideolgica, que tiene en vista la construccin del consenso social necesario a la manutencin del orden burgus. Por su configuracin, naturaleza y orientacin conservadora, el Servicio Social se sita entre esas Tcnicas, definidas por Mannheim como prcticas que tienen por objetivo final la modelacin del comportamiento humano. Aunque el texto admite ser esa la funcin socialmente atribuida a la profesin, tambin defiende que ella no es inalterable. El Servicio Social, como todo, es polarizado por intereses de clase, y comporta una prctica que reproduce obligatoriamente los antagonismos/contradicciones mvil de la historia. Para finalizar, se resalta la necesidad de discusiones sobre otra dimensin ms especfica de la tcnica: la de elemento instrumentalizador y facilitador de acciones profesionales, o sea, como instrumental tcnico. Es ella la que, emprendiendo avanzos sin redundar en vieses tecnisistas, puede inscribir adecuadamente la tcnica/instrumental tcnico en un proyecto tico-poltico profesional crtico-transformador.PALABRAS LLAVES: tcnica, tcnica de produccin, Tcnicas Sociales, Servicio Social, instrumental tcnico profesional

INTRODUOTcnicas, instrumentos, estratgias de interveno, instrumental tcnico e instrumentos tcnico-operativos so alguns dos termos utilizados para fazer referncia dimenso mais proximamente operativa da prtica profissional do assistente social. Essa heterogeneidade no sem razo: indica a ausncia de um entendimento nico, situao reforada pelo fato de que o tratamento dado pela categoria profissional a essa dimenso ainda insuficiente, apesar dos avanos empreendidos nas ltimas dcadas na direo da formulao e da concretizao de um novo projeto tico-poltico-profissional. visando contribuir com investimentos analticos tambm nesse campo que apresentamos o presente texto, elaborado com base da dissertao de mestrado apresentada pela autora junto Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo Brasil. Seu objetivo oferecer uma reflexo sobre o termo tcnica, tomando-a em um sentido amplo e nas suas dimenses de produo e de Tcnica Social, esperando que isso possa apoiar futuras discusses mais especificas.DISCUTINDO ALGUMAS QUESTES QUE O TERMO TCNICA SUSCITAO vocbulo tcnica originrio do gregoTchneque, por su vez, advm da raiz snscritaTvaksh(fazer, aparelhar). ATchnegrega, freqentemente traduzida para o latim porArs(arte), era usada para designar a habilidade, a arte ou a maneira de fazer algo; um procedimento, geralmente ligado transformao, por intermdio da ao do homem, de uma realidade natural em artificial.No entanto, como afirma Brugger (1997, p. 400), nem sempre o vocbulo era empregado para expressar restritivamente a noo de fabricao material. Muitas vezes desligada dessa idia, aTchnegrega associava-se a toda [...] realizao de coisas sensorialmente perceptveis a servio de uma necessidade ou idia; [denotando], por conseguinte, a habilidade ou destreza tanto para o necessrio (produzir coisas) quanto para o belo (tornar visvel uma idia).Reforando esse entendimento, Castoriadis (1987) afirma que, j em Homero, aTchnedeixa de referir-se fabricao material para aludir produo ou fazer eficaz. Essa produo no era necessariamente material, mas exprimia sempre a idia de eficcia e de adequao. Segundo o mesmo autor, a partir de Herdoto, de Pndaro e dos Trgicos, o vocbulo assume o sentido de habilidade em geral: a habilidade apropriada e eficaz. esse significado que pode ser percebido na concepo de tcnica apresentada por Abbagnano (1963: 1117/1118). Para ele, o termo comporta um sentido geral de [...] todo conjunto de regras para dirigir eficazmente uma atividade qualquer, amplitude essa que lhe permitiria abranger um campo to extenso como o de todas as atividades humanas.Sob esse prisma, no haveria diferena entre tcnica, arte, cincia ou qualquer procedimento capaz de causar um efeito determinado, o que, ao nosso ver, pode iluminar o atual emprego indiscriminado do termo. Com ele se designa procedimentos, instrumentos, processos e estilos dos mais dspares, sejam eles ligados ao campo da arte e da literatura, ao da produo industrial e agrcola, ao da comercializao de produtos, ao do ensino, dentre outros. Assim, pode-se dizer que o emprego usual aponta para aquele sentido genrico de tcnica antes mencionado, o qual, por seu turno, envolve a noo de procedimentos, processos ou instrumentos diferenciados, acionados para a execuo de atividades humanas em todos os seus campos especficos.Apesar dessa amplitude, h, pois, uma consensualidade: a tcnica algo prprio do homem, no se confundindo com os chamados atos naturais, isto , com aqueles atos instintivos, mecnicos e irrefletidos que so inerentes tambm aos animais. Enquanto conjunto de atos tcnicos, ela algo que envolve e exige habilidades e capacidades exclusivamente humanas. Assim, ela surge com o homem e acompanha forosamente sua evoluo histrica, encerrando nisso uma segunda consensualidade: a tcnica no comporta definies particulares que intentem um carter definitivo, na medida em que, como tudo, determinada historicamente.Adotando esse entendimento amplo e vendo-a como intrnseca espcie humana, Abagnano (1963) afirma que a tcnica pode ser dividida, grosso modo, em dois grandes e diferentes campos: o das tcnicas mgicas e religiosas (tambm denominadas genericamente de ritos) e o das tcnicas racionais. Para ele, diferentemente dos ritos, as racionais so relativamente independentes dos sistemas de crenas particulares e, por isso, mostram-se capazes modific-los. So, elas mesmas, modificveis e classificam-se em tcnicas simblicas (cognitivas e estticas), tcnicas de comportamento e tcnicas de produo.As tcnicas simblicas so as que dizem respeito cincia e s belas artes e sua designao de simblica justificada por se constiturem essencialmente no uso de signos. Sem excluso mtua, comportam as tcnicas de explicao, de previso e de comunicao. Concernentes ao comportamento do homem em sua relao com a natureza e dirigidas para a produo de bens, as tcnicas de produo esto intimamente conectadas ao progresso tecnolgico indispensvel sobrevivncia e bem-estar de qualquer grupo humano. Quanto s tcnicas de comportamento (morais, polticos, econmicos), so aquelas relativas ao comportamento do homem em referncia aos outros homens. Cobrindo um campo muito vasto e de zonas dspares, referem-se s que [...] vo desde as tcnicas erticas de propaganda, das econmicas s morais, das jurdicas s educativas, etc. (ABBAGNANO, 1963, p. 1118)Guardadas as devidas especificidades, incluindo-se a o nvel de detalhamento, essa classificao expressa uma diviso[1], observvel na literatura acerca do assunto, entre tcnicas de produo (normalmente vistas restritivamente com aquele sentido de fabricao material) e tcnicas sociais referidas a formas ou procedimentos voltados para a modelao das relaes sociais.AS TCNICAS EM SUA DIMENSO DE PRODUOComo dito, a tcnica, como algo inerente espcie humana, apresenta uma evoluo congregada com a prpria trajetria histrica do homem. Assim, sua emergncia localizvel quando esse, emancipando-se do circuito natural e imediato dos estmulos e reaes comuns aos demais animais, altera sua relao com a natureza.Ambos, homens e animais, atuam sobre a natureza na busca de satisfao de suas necessidades, mas a interveno humana fruto de uma deliberao consciente e no instintiva/mecnica como a daqueles. Ao entrar em relao com a natureza, o homem no apenas retira delain naturaaquilo que pode satisfazer seus carecimentos: adapta-a, transformando-a e moldando-a a seus projetos e interesses.Esse processo se efetiva atravs do trabalho, aqui concebido como atividade vital, ou seja, como atividade livre, universal, criativa e autocriativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histrico e a si mesmo (BOTTOMORE, 1988, p. 292). Desse modo, nele est contido aquilo que diferencia a espcie humana das demais, ou seja, a inteligncia e a capacidade de criar na realidade o que se necessita e o que foi previamente idealizado[2]. com essa natureza que o homem, atravs do trabalho e com o auxlio dos instrumentos que cria, passa crescentemente a dominar a natureza e a subordin-la aos seus fins, dando origem a uma sobrenatureza que no mais apenas natural, mas humana. O homem cria e recria o mundo e, neste processo, como ser da prxis, transforma a si mesmo, fazendo sua histria.Isso implica que o processo de trabalho criador e autocriador (e, portanto, a prpria condio do homem como ser da prxis) envolve a criao ou recriao de meios de trabalho: de tudo aquilo de que pode se servir para a realizao do processo. Os meios de trabalho, nisso contido as tcnicas, figuram como facilitadores no desenvolvimento da atividade produtiva/criativa. Dito de outro modo, tendo em vista um projeto conscientemente formulado, os meios de trabalho figuram como mediao entre ele a ao propriamente dita.No decorrer da trajetria histrica da humanidade, no e pelo processo diferenciado de produo que os homens estabelecem, esses meios de trabalho vo se transformando qualitativa e quantitativamente, dando tambm origem a diferentes formas de entender a tcnica.Nesta medida, diferentemente daTchnegrega e dessa condio ontolgica dos meios de trabalho, a tcnica passou, pouco a pouco, a ser identificada comArs Mechanica(arte mecnica) ou com o que hoje podemos denominar de tecnologia. Em termos histricos, embora isso j se fizesse presente em sociedades anteriores capitalista, com seu advento que essa identificao se acentua e que a tcnica deixa de ser vista naquele carter destacado at aqui: a criao[3].No capitalismo, a organizao do processo de trabalho assume uma configurao diferenciada. Agora, h uma classe de homens que proprietria dos meios de produo[4], excluindo dessa condio os demais membros da sociedade. Detendo esses meios, o capitalista, mediante compra e venda da fora de trabalho, controla o processo e seus resultados, bem como o prprio trabalhador. Empreende-se, portanto, no s uma ciso materializada na emergncia de duas grandes classes sociais antagnicas, mas, tambm e inerentemente, no homem: ele alienado do processo de produo como um todo e de suas capacidades e potencialidades humanas.O advento da mquina sem dvida reforou esse quadro. Iniciando com a maquinaria simples e evoluindo para outras mais sofisticadas e automticas, sua introduo no processo de trabalho contribuiu para que fosse retirada com maior rapidez das mos do trabalhador a posse dos instrumentos, dos meios de trabalho. De outra parte, por ter sido introduzida na condio de propriedade dos que j detinham os meios de produo, a mquina, que poderia possibilitar um controle crescente dos homens em geral sobre o processo de trabalho, converteu-se em fator contribuidor para uma maior e mais eficiente sujeio do trabalhador aos modos de produzir organizados, controlados e direcionados para os interesses do capital.Ele no participa mais do processo integral de fabricao no que,stricto sensu, se converteu a tcnica a partir desse momento histrico. Em sntese, o aparecimento da mquina reforou o processo de alienao do homem em relao criao, favoreceu a identificao da tcnica com tecnologia e contribuiu para a cristalizao da sua imagem como algo neutro e mecnico (sem dimenso criativa).Com essa conotao, torna-se compreensvel seu envolvimento em algo que se convencionou denominar de problema da tcnica.Tema recorrente na literatura existente sobre o assunto, o debate em torno do problema da tcnica tinha como elemento basilar aquela que seria uma das grandes polmicas existentes em fins do sculo XIX/comeo do sculo XX: seria o progresso tcnico benfico ou malfico humanidade?A partir do sculo XIX, observou-se um progresso tecnolgico mpar. A rapidez do progresso tcnica e das alteraes dele decorrentes para a vida social entusiasmou e chocou os homens, na mesma proporo em que lhes trouxe preocupao com o conseqente crescimento e complexificao dos problemas sociais. Frente a essa realidade, estabeleceu-se de imediato uma identificao entre tcnica/progresso tcnico e os malefcios que assolavam a humanidade, decorrendo da inmeras obras inseridas em uma luta antitcnica. Utilizando a terminologia de Vita (1963), nessas obras a tcnica acusada, de forma no excludente, de anti-social, antiespiritual e antinatural.Osvald Spengler um bom exemplo dessa posio antitcnica. Em O Homem e a Tcnica, descreve a era moderna, dominada pela tcnica, sob panorama trgico. Pelo seu ponto de vista, a humanidade estava sendo resumida a uma massa humana e o homem havia se tornado escravo da mquina. Alm disso, observava uma dominao crescente das naes tecnicamente evoludas e industrializadas sobre os pases industrialmente pobres, haja vista a ntima relao existente entre fora industrial, riqueza, poderio poltico e poder militar. O grau de poder militar, advindo da intensidade da indstria, desenhava, segundo ele, no s uma submisso interna, com os homens se convertendo em verdadeiras mquinas, mas tambm uma submisso externa: naes submetendo-se a outras naes.Ainda como decorrncia trgica do progresso tcnico, Spengler (1942) menciona a devastao da natureza, mediante o desaparecimento das selvas, a extino da fauna e da flora e as alteraes no clima que ameaam a agricultura e a sobrevivncia das populaes. Resumindo, chama a ateno para a formao de um mundo artificial, criado pela tcnica, que est impregnando, envenenando e destruindo o mundo natural, sem o qual o homem no tem chance de sobreviver.Discorrendo sobre essa postura antitcnica, Abbagnano (1963, p. 1119) inclui nela nomes como Albert Camus e D. Rops e afirma que, conforme o diagnstico traado por pensadores nela inseridos, o mundo dominado pelas mquinas "[...] um mundo sem alma, nivelador, mortificante, um mundo no qual a quantidade tem tomado o lugar da qualidade, e no qual o culto dos valores do esprito tem sido substitudo pelo culto de valores instrumentais e utilitrios".No contraponto, proliferaram reflexes exaltando a tcnica/progresso tcnico e defendendo seu poder benfico para a humanidade. Laloup e Nellis (1965) exaltam esse poder, enumerando como influncia benfica, dentre outras, a diminuio da jornada de trabalho (conforme a profisso, de 16 ou 12 para 8 ou 6 horas dirias em pouco mais de um sculo); o aumento da produo (tanto em volume quanto em produtividade); a melhoria do nvel comum de vida material atravs do aumento do poder de consumo; o domnio do homem sobre a natureza que lhe tem permitido proteger-se das intempries e libertar-se de tarefas ou contatos perigosos e nocivos com a matria; a criao de melhores condies de satisfao das necessidades elementares (alimentao, transporte e outras); e uma significativa contribuio na luta pela vida, em razo dos milagres" da medicina, da farmacologia e da tecnologia.Ainda que reconheam a existncia de conseqncias indesejveis do desenvolvimento da tcnica produtiva sobre a vida individual e coletiva do homem, Laloup e Nellis (1965), bem como outros que adotam o mesmo posicionamento pr-tcnica, apresentam como argumento principal o fato de que esse desenvolvimento, alm de indispensvel para a sobrevivncia de qualquer grupo humano, fundamental para possibilitar ao homem um nvel cada vez mais elevado de bem-estar. Em assim sendo, a soluo para o "problema da tcnica" no estaria, como nos que se contrapunham a ela, no retorno a um estgio anterior de desenvolvimento da humanidade, alis, impossvel. Estaria no avano cada vez maior do progresso tcnico, oportunizando a superao das desvantagens iniciais e o alcance de tal nvel de bem-estar.Traduzindo um equilbrio entre essas duas posturas opostas, tambm localizvel, na literatura sobre o assunto, autores que defendem um carter bivalente da tcnica. Para eles, as conseqncias indesejveis no se originam da prpria essncia dela, mas de "[...] um problema efetivo que a acomodao do homem ao novo ambiente natural e humano produzido pela tcnica" (ABBAGNANO, 1963, p. 1119) e de sua defeituosa insero no domnio global da vida.Para os que apiam essa posio, a tcnica no , em si, malfica humanidade: a questo crucial a subordinao de todas as esferas da vida a ela, o que concorre para a escravido do homem pela mquina e para a desorganizao social. Na verdade, argumentam, a tcnica e o objeto tcnico[5]seriam bivalentes: bons em si, mas com efeitos bivalentes, dependendo do uso benfico ou malfico efetivado pelo homem[6].A discusso sobre o "problema da tcnica" perdurou por vrias dcadas, sendo possvel encontrar ainda nas de quarenta e cinqenta do sculo XX, publicaes em defesa de uma ou de outra posio acima referenciada. Nosso entendimento que a inconcilivel polmica tinha, em ltimo plano, dois alicerces: a j evidenciada vinculao da tcnica com tecnologia, maquinismo e progresso tecnolgico e sua viso como mola propulsora do desenvolvimento da sociedade, isto , como motor da histria.Um percurso pela literatura nos mostra que nem mesmo pensadores filiados tradio marxista ficaram imunes a essa representao da tcnica como motor da histria. Ao analisar criticamente o livro A Teoria do Materialismo Histrico: Manual Popular de Sociologia Marxista, Gramsci (1986) argumenta que Bukharin comete nele o equvoco de afirmar que o desenvolvimento dos instrumentos cientficos que determina o progresso da cincia. Para Gramsci (1986), esse equvoco tem seu fundamento e conecta-se idia de Achile Loria[7]que teria sido o primeiro a substituir os termos "foras materiais de produo" e "conjunto das relaes sociais" pelo termo "instrumental tcnico".Interpretando as colocaes de Marx, manifestas no Prefcio de O Capital , Loria (apud GRAMSCI, 1986, p. 184) teria assim se expressado: A um determinado estgio do instrumento produtivo corresponde, e sobre ele se erige, um determinado sistema de produo e, portanto, de relaes econmicas, que posteriormente origina todo o modo de ser da sociedade. Mas a evoluo incessante dos mtodos produtivos gera, cedo ou tarde, uma metamorfose radical do instrumento tcnico, a qual torna intolervel aquele sistema de produo e de economia, que se fundava sobre o estgio anterior da tcnica. Ento, a forma econmica envelhecida destruda mediante uma revoluo social, sendo substituda por uma forma econmica superior, correspondente nova fase do instrumento produtivo.Contrapondo-se a esse tipo de interpretao, Gramsci (1986) admite que Marx, em algumas passagens de O Capital, enfatiza a importncia das invenes tcnicas. Porm, defende que em nenhum momento ou escrito ele transforma a tcnica em causa terminal do desenvolvimento econmico, at porque os instrumentos do progresso cientfico no podem ser reduzidos ao seu aspecto material, de maquinaria[8].Concordamos com Gramsci nessa contraposio, uma vez que, ao que nos parece, ela se alicera na existncia de um determinismo econmico em Marx. Isto , assume equivocadamente a premissa de que as obras marxianas expressariam uma viso dicotmica da unidade dialtica infra-estrutura (estrutura econmica da sociedade) e superestrutura (formas de conscincia social), com a supervalorizao da primeira. com a adoo dessa premissa que se torna possvel a construo de uma leitura economicista, reducionista e determinista do legado marxiano, da qual deriva a admisso do fator econmico como preponderante na explicao das relaes sociais em geral e, no raro, a defesa de um nexo de causalidade mecnica e automtica: os elementos econmicos (entendidos pelo ngulo restritivamente material) so a causa e a superestrutura simples reflexo passivo, seus efeitos.Apregoa-se, pois, uma correspondncia entre foras produtivas e relaes de produo e, secundariamente, como conseqncia, uma correspondncia entre relaes de produo e relaes sociais em sentido mais amplo. Como afirma Bottomore (1988, p. 158), nessa correspondncia "[...] h um primado das foras produtivas; as relaes de produo so determinadas pelas foras produtivas que, por sua vez, determinam a superestrutura". essa lgica que sustenta a percepo das foras produtivas como motor da histria e a incluso da tcnica na mesma condio (haja vista a identificao que se estabelece entre ambas). Sintetizando: o movimento histrico seria determinado pelo estgio de desenvolvimento das foras produtivas/tcnica, razo pela qual o avano tecnolgico supervalorizado positiva ou negativamente.Leituras deste naipe so alvo de considervel crtica, especialmente a partir de meados do sculo XX. Retornando a Marx como fonte original, passa a ser cada vez mais freqente manifestaes defendendo que o vnculo entre foras produtivas e relaes sociais de produo est longe de ser de correspondncia.Ao contrrio, a idia de contradio, sendo justamente ela que tem o poder de atuar como motor da histria. Estabelecido o conflito entre elas, as relaes sociais de produo tornam-se obstculo s foras produtivas, criando possibilidades de uma revoluo social. Caso essa se efetive, h a substituio das velhas relaes por novas que, por seu turno, impulsionam ainda mais o avano das foras produtivas. De modo geral , ento, essa contradio que "[...] explica a existncia da histria como uma sucesso de modos de produo, j que leva ao colapso necessrio de um modo de produo e a sua substituio por outro". (BOTTOMORE, 1988, p. 157).Sob esse ponto de vista, no se pode negar a relevncia da tcnica no movimento social, mas tambm no h como concordar com sua localizao como fator causal das transformaes sociais. Por outro lado, torna-se igualmente problemtico trata-la como algo alienado do conjunto econmico e social e dos interesses nele presente. A tcnica e seu estgio de desenvolvimento esto inteiramente articulados com o movimento scio-poltico-econmico, o que implica em recusar tambm a imagem de neutralidade que foi construda historicamente em seu entorno.Queremos dizer que da crescente identificao da tcnica com tecnologia ou com procedimentos de carter mecnico, adveio o alijamento de algo que fundamental em qualquer discusso a respeito dela: sua figurao como instrumento posto a servio dos interesses dos proprietrios dos meios de produo, visto que contribui para intensificar a acumulao do capital e a sujeio do trabalhador. Na sociedade capitalista, a tcnica no neutra e apoltica: um elemento dessa ordem social e, como tal, dimenso intrnseca do projeto poltico burgus que lhe governa.A TCNICA EM SUA DIMENSO DE TCNICA SOCIALJ enfatizamos que a tcnica nasce quando o homem, na busca de satisfao de seus carecimentos, altera a relao estabelecida com a natureza. No entanto, mesmo a necessidade de viver (que para ele a originria, da qual todas as demais derivam) no se restringe quelas de nvel biolgico ou orgnico as chamadas necessidades bsicas.Ao revs, a busca foi primordialmente pela satisfao de um outro gnero de necessidades: aquelas que poderiam proporcionar seu "estar bem no mundo". Como resultado, no rol do que se denomina necessidade humana ou necessidade bsica sempre estiveram presentes aquelas que extrapolam os limites do simples sobreviver, impossibilitando uma definio nica e abrangente. Para se identificar o que concebido como necessidade humana imprescindvel determinar o que o homem concebe como bem-estar.Por outro lado, essa concepo no individual. O ato de, atravs do trabalho, criar/recriar na natureza o exigido para a satisfao dos carecimentos humanos coletivo, dele emergindo um conjunto de relaes scio-econmicas-polticas e culturais. Nesta medida, definir o que so necessidades humanas e o que bem-estar para o homem individual, exige tambm buscar o que denotam esses dois termos no mbito das relaes sociais pertinentes a cada sociedade e momento histrico especficos. Vale dizer: a noo de necessidades humanas determinada socialmente e amplia-se exponencialmente na e pela trajetria percorrida historicamente pelo gnero humano[9].Se isso verdadeiro, o igualmente o fato de que o acesso satisfao desses carecimentos nem sempre foi igualitrio para todos os membros de cada uma das formas de organizao social visualizveis nessa trajetria. Em verdade, na medida em que a tendncia sempre foi de acesso desigual posse dos meios de produo e, conseqentemente, das riquezas socialmente produzidas, a possibilidade de satisfao de necessidades, tanto ligadas ao sobreviver como ao estar bem no mundo, no poderia deixar de ser analogamente desigual.Essa marca se mantm e se acirra naquele tipo de sociedade que se ergue a partir da instituio do modo capitalista de produo, cuja dinmica permite aumentar progressivamente a acumulao e a concentrao da riqueza em um plo e, no outro, onde se situam os trabalhadores, a explorao e a pauperizao.Por essa lgica fica patente que a sociedade capitalista no est organizada para a satisfao das necessidades dos homens em geral. Sua finalidade a acumulao da riqueza socialmente produzida nas mos de uma classe particular, para o que se faz imprescindvel a reproduo permanente das relaes de explorao de uma classe sobre a outra. Em decorrncia, h nele um crescente acirramento das desigualdades sociais, demonstrando o acesso diferenciado satisfao de necessidades de qualquer ordem.Faz-se imprescindvel igualmente reproduzir as relaes de dominao poltica-ideolgica (contra-face das relaes de explorao), mediante recorrncia a mecanismos de controle social, entendido como o "conjunto de meios de interveno, quer positivos, quer negativos, acionados por cada sociedade ou grupo social a fim de induzir seus prprios membros a se conformarem s normas que a caracterizam, de impedir e desestimular comportamentos contrrios s mencionadas normas, de restabelecer condies de conformao tambm em relao a uma mudana no sistema normativo [...]" (BOBBIO, 1986, p. 283).Evidentemente que o acionamento de mecanismos de controle social tendo em vista perpetuar essa dominao no uma particularidade da sociedade capitalista: essa outra marca observvel na trajetria histrica da humanidade. Porm, de modo distinto ao o que ocorria nas sociedades anteriores, agora tais mecanismos no podiam mais ser de natureza primordialmente coercitiva, com maior apelo fora fsica, intentando uma conformao e obedincia pura e simples dos dominados.Alm de numerosa e com relativo bem-estar, o desenvolvimento da ordem burguesa exigia uma populao que, mediante processos de disciplinamento, se tornasse o mais til possvel do ponto de vista produtivo e o mais dcil possvel do ponto de vista poltico-ideolgico. Para tal, os mecanismos de controle haviam que ser deslocados do direito absoluto sobre a vida e a morte, to prprio da relao entre poder soberano e sditos, para o de gerir a vida.Essa tarefa assumida primordialmente pelo moderno Estado burgus. Como legislador e controlador da fora repressiva, mas tambm por seu papel significativo no processo de reproduo ideolgica, o Estado a instncia privilegiada para o exerccio do poder das classes dominantes e para a concretizao de seu controle sobre a sociedade. Entretanto, esse papel no se encerra no aparato estatalstricto sensu, atuando, de forma conjunta e complementar, instncias prprias da sociedade civil.Nesse sentido, possvel identificar, segundo Bobbio (1986), duas formas principais de controle social: a rea dos controles internos e a rea dos controles externos. Na rea dos controles internos esto todos aqueles meios, atravs dos quais procura-se a internalizao das normas, dos padres, dos valores e dos comportamentos adequados ordem social. Destaca-se nisso o papel desempenhado pela socializao primria e secundria, efetuada por instituies como a famlia e a escola, prioritariamente.Se ao nvel interno o alvo maior a formao, internalizao e veiculao de ideologia favorvel ordem social, na rea dos controles externos localizam-se mecanismos mais relacionados a aes coercitivas, acionados quando da existncia de desvios a padres estabelecidos. Encontra-se a uma gama variada de sanes, com peso punitivo igualmente varivel (que vai desde as previstas legalmente at aquelas relativas convivncia social) que assumem a dimenso de reprovao social e/ou jurdica aos indivduos.Disso depreende-se que, tanto em uma rea como em outra, o objetivo da recorrncia a um conjunto de meios ou mecanismos de controle social construir e manter o necessrio consenso social em torno de normas, comportamentos e valores que se identificam e reforam a estrutura societria existente, sem o que no haveria possibilidade de sobrevivncia e de renovao da ordem estabelecida. Na sociedade capitalista, no sendo factvel obter isso atravs da pura violncia, apela-se para o binmio coero-persuaso, com prevalncia do segundo em direta proporo com o aumento da complexidade social.Isto , quando mais se complexifica o conjunto das relaes sociais, mais se impe o acionamento de mecanismos vinculados rea de controles internos, caracterizados por maior apelo reproduo e difuso de ideologia. a internalizao do modo de pensar capitalista, intentando por produto moldagem de comportamento. dentro desse contexto que se inserem o que Van Balem (1983) denomina de tcnicas polticas. Para o autor, o poder caracterstico na nova ordem social "disciplinar", tendo por princpio bsico a assimilao, pelos indivduos, do conjunto de normas e regras sociais, assim como a integrao dos mesmos ao aparato institucional correspondente. O poder poltico, ao nvel da vida, significou a abertura para a era do "biopoder", ou seja, a insero dos fenmenos prprios da vida no mbito do poder e do saber; no campo das tcnicas polticas.Dito de outro modo, tomando agora como referncia Mannheim (1962, p. 257), a responsabilidade pela transformao e modelao do comportamento humano necessrio e condizente com cada configurao social especfica das Tcnicas Sociais, entendidas como a totalidade das "prticas e instrumentos que tm por objetivo final a modelao do comportamento humano e das relaes sociais".As Tcnicas Sociais, a exemplo das voltadas mais restritivamente para a produo material, no so invariveis: alteram-se e se aperfeioam no decorrer da trajetria histrica do homem, irradiando sua influncia sobre o comportamento humano em progresso sempre crescente e tornando-se, pouco a pouco, mais elaboradas e eficazes.Por esse carter histrico, certo que elas tambm no nascem com a sociedade de classes. Contudo, a partir dela que a crescente complexidade social demanda que se engendre cada vez mais Tcnicas Sociais "[...] especficas que existem ou podem ser criadas a fim de efetivarem um controle racional mais completo sobre os elementos da organizao dos grupos sociais e sobre as funes que estes tm a desempenhar na sociedade" (FORACHI, 1982, p. 21)[10].As chamadas Cincias Sociais enquadram-se perfeitamente nessa condio de Tcnica Social, algo constatvel j em sua origem quando, no sculo XIX, surge a primeira de suas disciplinas particulares: a Sociologia. Com as sucessivas crises econmicas vivenciadas j na segunda dcada, mas com maior fora a partir da terceira dcada daquele sculo, os conflitos so intensificados e h uma clara percepo dos antagonismos de classe, forando a organizao do proletariado que emerge como plo antagnico da burguesia.Tendo em vista essa oposio do proletariado e, como complicador, a existncia de uma perspectiva revolucionria que lhe dava sustentao, a burguesia, nesse momento j distanciada do projeto original e substituindo a busca do anunciado trip igualdade/liberdade/fraternidade pela utilizao progressiva de mecanismos ideolgicos e repressivos voltados para sua manuteno no poder, vislumbra a exigncia de neutralizar novos surtos que poderiam aprofundar a revoluo para alm de seus interesses.Assim, era de vital importncia reverter a inspirao liberal-revolucionria que sustentara, no plano das idias, sua ascenso ao poder e que, agora, era considerada incapaz de contribuir no equacionamento dos problemas existentes. Passa, pois, a estimular o desenvolvimento de um tipo de interpretao da realidade no mais de trao negativo e crtico, mas de carter positivo e reorganizador. Uma interpretao que se circunscrevesse dentro dos limites desejados, a saber: que se voltasse para a racionalizao e aperfeioamento da nova ordem social e no para sustentar intuitos de reverte-la. adequando-se a esse propsito que nasce a Sociologia. Seus pioneiros viam na criao de uma cincia da sociedade, estruturada sob o modelo das cincias da natureza, as possibilidades de conhecer as leis que regem os fenmenos sociais e de intervir sobre eles, enfrentando o caos e a desordem que interpretavam como marca da sociedade ps-revoluo. Alm dessa viso da sociedade ps-revoluo como anrquica e desorganizada, fazia parte do universo dos mesmos a exaltao das instituies como imprescindveis para a estabilidade social; a valorizao da autoridade, da famlia e da hierarquia para o equilbrio social; e a preocupao com valores e normas que pudessem contribuir para a integrao e a coeso social.A perspectiva era, pois, conservadora. Alinhada ao projeto poltico burgus, a nascente Sociologia preocupa-se com a reorganizao da sociedade e com o restabelecimento do equilbrio e da estabilidade, o que envolvia a admisso de reformas, desde que direcionadas para o aperfeioamento social. Preocupa-se, em suma, com a manuteno das estruturas sociais estabelecidas, tornando o mbito sociolgico, por excelncia, em um canal de difuso de ideologia favorvel ao capital.Portanto, no apoiada em uma vertente crtica que a Sociologia nasce no sculo XIX e adentra no sculo XX. Ao contrrio, pelo menos at a primeira metade deste ltimo, a perspectiva conservadora que dominar os meios acadmicos e que informar as demais cincias sociais particulares que vo emergindo. Por conseguinte, confirma-se a condio das mesmas como Tcnicas Sociais: como disciplinas de previso e de controle do comportamento humano, notadamente via reproduo/difuso ideolgica, utilizadas crescentemente para produzir conhecimentos teis e necessrios dominao vigente.Dessa condio no se esquivou o Servio Social, at porque, historicamente, nas produes efetivadas no mbito das Cincias Sociais que seus agentes vo buscar ocorpusterico-metodolgico informador de sua interveno. Mais do que isso, essa busca, pelo menos at a dcada de 1960, se processa modulada por uma relao que, em ltima instncia e no que tange ao campo da elaborao terica, colocava a profisso como uma espcie de receptculo dos resultados l obtidos.Significa dizer que o Servio Social se apropriava de categorias, conceitos, representaes, enfim, de produtos resultantes de elaboraes externas a ele, sem que isso viesse acompanhado da apropriao dos processos de construo dos mesmos. Em decorrncia, figurava no como um campo de elaborao de conhecimentos e sim como uma disciplina profissional confinada, na diviso de saberes, interveno concebida como mera aplicao de tais produtos.Porm, no apenas o fato de buscar nas Cincias Sociais seucorpusinformador e nem mesmo essa relao histrica, alis em crescente superao nas ltimas dcadas, que justifica a localizao do Servio Social como Tcnica Social. A justificativa reside muito mais na funo socialmente atribuda a ele desde suas origens. sabido que, no obstante o terreno permitido pela organizao da filantropia as chamadas protoformas o Servio Social s emerge verdadeiramente como profisso no contexto scio-poltico e econmico gerado pela transio do capitalismo para um novo estgio: o monopolista. nele que a interveno do Estado, antes descontnua e pontual, passa a se efetivar por aes metdicas que, tendo em vista os interesses monoplicos e a prpria consecuo do projeto poltico de controle e dominao social, incidem direta ou indiretamente sobre a totalidade da organizao social. Nisso se inclui um novo tipo de interveno nas seqelas da questo social: sua colocao como alvo de polticas sociais.Em outras palavras, apenas no contexto referenciado por esse novo tipo de interveno que se forjam condies objetivas que demandam o aparecimento de uma profisso destinada a ocupar, na diviso scio-tcnica do trabalho, o espao de executora de medidas de poltica social. Uma profisso institucionalizada para intervir nas seqelas da questo social, visualizadas sob o prisma de problemas sociais.Esse espao ocupado mediante desenvolvimento de aes profissionais que, embora recaia sobre as condies favorecedoras da reproduo da fora de trabalho[11], contribuem muito mais na efetivao do controle social via reproduo ideolgica. Ademais, essa contribuio vem orientada majoritariamente por perspectivas terico-metodolgicas e polticas conservadoras, o que, diga-se de passagem, no um trao visvel apenas no momento de emergncia da profisso.Em assim sendo, no resta dvida quanto ao carter de Tcnica Social atribudo socialmente profisso e desempenhado historicamente por seus agentes. O assistente social, com o saber profissional e o poder institucional a ele delegado, interfere diretamente na vida das pessoas, promovendo adaptao adequada aos valores, s normas e aos parmetros comportamentais estabelecidos. Como em qualquer atividade disciplinadora informada por perspectivas conservadoras, isso feito primordialmente atravs da persuaso, dando como frutos, alm da racionalizao dos problemas sociais e a diminuio de seus custos, a amenizao de conflitos e tenses. Em uma frase: como Tcnica Social, atribudo ao Servio Social o fim ltimo de promover, como disse Mannheim (1963), a modelao do comportamento humano e das relaes sociais".ALGUMAS REFLEXES FINAIS: O SERVIO SOCIAL E AS TCNICASO debate profissional efetivado nas ltimas dcadas comprova a validade desse tipo de anlise que situa o Servio Social como Tcnica Social no sentido at aqui abordado. Porm, evitando reiterar uma concepo maniquesta, preciso que se questione: o Servio Social estaria, em decorrncia, fadado a figurar como instrumento de controle a servio exclusivamente do capital? Sua prtica h de ser, inevitavelmente, de reproduo das relaes sociais dominantes?O mesmo debate nos autoriza a dizer que a resposta a isso negativa. Assim como o Estado e o aparato institucional, o Servio Social no pode ser deslocado do jogo de foras contraditrias presentes na sociedade. Ao revs, ele permeado por esse jogo e polarizado pelos interesses de classe, de modo que, atravs da prtica profissional seus agentes, reproduz tais interesses antagnicos. Como afirmam Carvalho e Iamamoto (1983, p. 75), ele responde tanto a demandas do capital quanto do trabalho e s pode fortalecer um ou outro plo pela mediao de seu oposto. Participa tanto dos mecanismos de dominao e explorao como, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta s necessidades de sobrevivncia da classe trabalhadora e da reproduo do antagonismo desses interesses sociais, reforando as contradies que constituem o mvel bsico da histria.Nestes termos, no obstante a citada marca histrica do Servio Social como Tcnica Social, h que se visualizar que suas prprias caractersticas como profisso outorgam aos seus agentes a possibilidade de imprimir, em sua ao, uma orientao que caminhe, por um lado, na legitimao da situao vigente, ou, por outro, na defesa de interesses contra-hegemnicos. Essa condio abre, portanto, a possibilidade de se empreender uma ruptura com tal funo historicamente atribuda, sendo para essa direo que a categoria profissional tem dirigido seus esforos nas ltimas dcadas.Por outro lado, como dito anteriormente, apesar dos avanos j alcanados, h ainda, ao nosso ver, a exigncia de investimentos mais substantivos no tratamento de questes mais diretamente operacionais da prtica profissional, incorporando-as devidamente ao atual projeto tico-poltico profissional. nesse campo mais diretamente operativo que se insere o debate sobre a tcnica em uma outra dimenso, cujo tratamento no possvel dentro dos limites deste texto. Referimo-nos sua figurao, ao lado de uma gama de instrumentos e procedimentos tcnico-operativos, como elemento instrumentalizador e facilitador de aes profissionais, tornando-se, por isso, questo primordial para uma profisso que, como o Servio Social, tem um estatuto profissional eminentemente interventivo.Na impossibilidade de aqui tratar a tcnica sob essa dimenso, entendemos oportuno pelo menos apontar que o necessrio debate em torno dela no pode intentar (ou redundar) na recuperao de um vis tecnicista que a situe como componente fixo, neutro e apoltico de uma disciplina profissional. importante que ela seja vista na condio de instrumental tcnico, concebido aqui como um manancial de meios, tcnicas, instrumentos, recursos e procedimentos, em princpio ilimitados, acionados obrigatoriamente para o desenvolvimento eficaz da ao. Um repertrio interventivo que, em oposio a procedimentos executados mecnica e irrefletidamente, fruto de escolhas conscientes e reflexivas que, por sua vez, so dependentes e expressam uma determinada perspectiva terico-metodolgica e poltica.Portanto, o instrumental tcnico no indica esquemas ou modelos rgidos e pr-estabelecidos que se mostram sob uma capa de neutralidade poltica. Sua utilizao demanda obrigatoriamente seleo, adaptao e/ou aprimoramento luz da perspectiva terico-metodolgica e poltica do agente profissional, assim como dos determinantes especficos da realidade ou situao particular enfrentada e dos objetivos mediatos e imediatos da ao profissional. assim que o instrumental tcnico pode inscrever-se no cotidiano profissional como elemento instrumentalizador e facilitador de uma prtica diferenciada. Uma prtica profissional que, no dissociando o aspecto tcnico/interventivo do terico-metodolgico e do poltico-ideolgico, materialize verdadeiramente o atual projeto tico-poltico profissional, rompendo, por conseguinte, com a histrica condio de Tcnica Social informada por uma orientao conservadora.BIBLIOGRAFIAABAGNANO, Nicola. Dicionrio de Filosofia . Mxico/Buenos Aires. Fondo de Cultura Ecnmica. 1963BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de Poltica . 2 ed. Braslia, UNB/Hamburg. 1986BOTTOMORE, Tom (org). Dicionrio do Pensamento Marxista . Rio de Janeiro. Zahar. 1988.BRUGUER, Walter. Dicionrio de Filosofia . So Paulo. EPU. 1977CAMPAGNOLLI, Sandra Regina de Abreu Pires. Desvendando uma Relao Complexa: o Servio Social e seu Instrumental Tcnico . Dissertao de Mestrado apresentada PUC-SP. 1993.CARVALHO, Raul & IAMAMOTO, M arilda. Relaes Sociais e Servio Social no Brasil . 2 ed. So Paulo, Cortez.1983.CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do Labirinto/1 . 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Livro Ibero-Americano. 1963NOTAS[1]Essa diviso nem sempre explcita, ao contrrio, uma vez que, principalmente quando a nfase na dimenso da produo, a tendncia empregar apenas o termo tcnica.[2]. A esse respeito pode-se mencionar a seguinte j bastante conhecida afirmativa de Marx (1982, p. 202): [...] o que distingue o pior arquiteto da melhor das abelhas que o arquiteto figura na mente sua construo antes de transform-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que j existia antes idealmente na imaginao do trabalhador.[3]Sobre isso ilustrativa a abordagem efetuada por Castoriadis (1987) acerca da evoluo da tcnica. Para ele, em um segundo estgio (prprio da velha Grcia, da Roma Pr-Imperial e da Idade Mdia), a tcnica, ainda conhecida sob o termo arte (vigente at o sculo XVII), deixa de ser acessvel a todos os homens e aparece associada a um segmento especifico: os homens-tcnicos ou artesos. Isso possvel porque a tcnica passa a ser considerada uma destreza; um dote fixo dado de uma vez por todas a esses homens. Acrescenta que essa condio de homem-tcnico obtida aps um longo aprendizado de tcnicas j elaboradas, transmitidas de forma rgida de gerao em gerao. Ao filiar-se a esta tradio, reproduz-se o aprendido, sem clara conscincia da tcnica como produo do novo e sem o reconhecimento de si mesmo como inventor/criador.[4]E dos meios de trabalho, j que, por meios de produo, estamos entendendo aqui o conjunto formado pelos objetos de trabalho (aquilo sobre o que recai o trabalho) e pelos meios de trabalho (os instrumentos de trabalho).[5]Normalmente tratado no sentido tecnolgico, englobando utenslio, mquinas, autmato, etc.[6]Em corroborao a esse entendimento, Vita (1963, p. xxxvi) cita Abbagnano quando este coloca que a tcnica indispensvel ao homem, mas no concernente propriamente ao homem. Todo objetivo humano, de paz ou de guerra, exige instrumentos e mquinas; mas instrumentos e mquinas nada valem sem homens que saibam utiliz-los. E a natureza desses homens no problema de tcnica cientfica.[7]Em "La Terra e il Sistema Sociale" Verona, Drucker, 1892. As colocaes de Gramsci esto pautadas em um Ensaio de Benedetto Croce sobre Loria. Esse ensaio intitula-se "Materialismo Storico ed Economia Marxista", cuja referncia completa no consta no texto gramsciano por ns consultado.[8]Em suas palavras: "os principais instrumentos do progresso cientfico so de natureza intelectual (bem como poltica), metodolgica; e Engels, com justeza, escreveu que os instrumentos intelectuais no nasceram do nada, no so inatos no homem, mas so adquiridos e se desenvolveram e desenvolvem historicamente". (GRAMSCI, 1986, p. 182)[9]Isso refora o j mencionado carter varivel das tcnicas. Elas sofrem transformaes em direta proporo com a idia de bem-estar j que ambas, tcnicas e necessidades humanas, so criadas e recriadas pelo homem em sua trajetria histrica. Sob esse ponto de vista, o progresso e o desenvolvimento social, demandados pelas necessidades, do origem a novas necessidades e, assim sucessivamente, em espiral sempre crescente, decorrendo da, a evoluo da prpria tcnica.[10]Sobre isso, Mannheim (1963, p. 263-265) destaca o Iluminismo como marco para o "comeo de um processo no qual as formas tradicionais de vida gradualmente se tornaram o tema da discusso racional" e o Exrcito dos Estados Absolutos como a primeira instituio a prever e utilizar "mtodos racionais de criar artificialmente um comportamento uniforme das massas[11]Eminentemente por intermdio da prestao de servios sociais/assistncia, tendo por funo social contribuir na insero, na permanncia e na adaptao do trabalhador s formas de produo capitalista.