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LIÈGE FRANZINI TANAMATI Telemetria de respostas neurais : avaliação do potencial de ação composto do nervo auditivo em crianças Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Área de concentração: Fisiopatologia Experimental Orientador: Prof. Dr. Orozimbo Alves Costa São Paulo 2006

Telemetria de respostas neurais : avaliação do potencial ... · Ao Dr. Orozimbo, com originalidade e humildade em suas orientações, confirmaram sua sabedoria e seu conhecimento

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  • LIGE FRANZINI TANAMATI

    Telemetria de respostas neurais : avaliao do potencial de

    ao composto do nervo auditivo em crianas

    Dissertao apresentada Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo para obteno do ttulo

    de Mestre em Cincias

    rea de concentrao: Fisiopatologia Experimental

    Orientador: Prof. Dr. Orozimbo Alves Costa

    So Paulo

    2006

  • TELEMETRIA DE RESPOSTAS NEURAIS: AVALIAO DO POTENCIAL

    DE AO COMPOSTO DO NERVO AUDITIVO EM CRIANAS

    LIGE FRANZINI TANAMATI

    BANCA EXAMINADORA:

    __________________________________________

    (Nome e Assinatura)

    __________________________________________

    (Nome e Assinatura)

    __________________________________________

    (Nome e Assinatura)

    Dissertao defendida em: _____/_____/_____/

  • Dedicatria

    ... No momento em que meus pensamentos

    voltaram-se para Ele, tudo mudou...

    Aos meus pais e ao Digo,

    Desculpem a ausncia.

    Em vocs, sempre estive pensando.

    Com vocs, sempre quis estar.

    A vocs, dedico este trabalho.

  • Agradecimentos

    A todos que conviveram comigo durante este perodo, meus sinceros

    agradecimentos. Em especial:

    Ao Dr. Orozimbo, com originalidade e humildade em suas orientaes, confirmaram

    sua sabedoria e seu conhecimento mpar.

    Dra. Maria Ceclia, por apoiar e fortalecer o crescimento profissional e pessoal,

    exemplo de incansvel busca pelo saber.

    Aos professores do colgio, da universidade e da ps-graduao, pelas sementes

    plantadas...

    Aos colegas da profisso, por compartilharem conhecimentos e momentos, por

    apoiarem decises, por toda a contribuio inconsciente...

    Aos tantos amigos, que tornaram os dias tristes em felizes e os normais em especiais,

    por toda a pacincia, fidelidade e carinho. Pelos telefonemas, nem sempre atendidos,

    pelos convites, nem sempre aceitos, e pelas manifestaes dirias de amizade...

    Muito obrigada.

    A v Ruth, ao C, Duno, Hellen, J, Uli, e toda minha famlia que, mesmo distante,

    acompanhou todo o caminho percorrido...

    Aos usurios de Implante Coclear e seus familiares, obrigada pela ateno e

    cooperao. A cada retorno, uma surpresa, uma vitria, a recompensa e o estmulo

    para continuar...

  • Normalizao adotada

    Esta dissertao est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento

    desta publicao:

    Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors

    (Vancouver)

    Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de Biblioteca e

    Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias.

    Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F.

    Crestana, Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena, 2.

    ed. So Paulo: Servio de Biblioteca e Documentao; 2006.

    Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in

    Index Medicus.

  • Sumrio

    Lista de Smbolos

    Lista de Figuras

    Lista de Quadros

    Lista de Tabelas

    Lista de Grficos

    Resumo

    Summary

    1. INTRODUO ....................................................................................................... 1

    1.1 Objetivo.......................................................................................................... 5

    2. REVISO DE LITERATURA................................................................................ 6

    2.1 O Implante Coclear em crianas .................................................................... 7

    2.2 Estudos Histopatolgicos do Sistema Auditivo.............................................. 16

    2.3 O comportamento do nervo auditivo em resposta ao estmulo eltrico....... 29

    2.4 Entendendo o Implante Coclear................................................................... 46

    2.5 Telemetria de Respostas Neurais ................................................................. 61

    3. METODOLOGIA .................................................................................................. 83

    4. RESULTADOS.................................................................................................... 100

    5. DISCUSSO ....................................................................................................... 118

    6. CONCLUSO ..................................................................................................... 141

    7. ANEXOS ............................................................................................................. 143

    8. REFERNCIAS................................................................................................... 147

  • Lista de Smbolos

    dB Decibel

    mA miliampere

    V milivolts

    s milisegundos

    KHz quilohertz

  • Lista de Figuras

    Figura 1. Localizao do feixe de eletrodos na cclea e a transmisso dos

    estmulos pelas vias auditivas centrais at o crtex auditivo. .................................... 10

    Figura 2. Micrografia do canal de Rosenthal em animais ouvintes e aps

    longos perodos de surdez .......................................................................................... 21

    Figura 3. Raio X do Implante Coclear modelo Nucleus 24 R (CS) Contour......... 39

    Figura 4. Impedncia entre o eletrodo ativo e o de referncia.................................. 41

    Figura 5. Componentes internos do Implante Coclear da Cochlear

    Corporation. ............................................................................................................... 48

    Figura 6. esquerda, processador de Fala Sprint e Esprit ....................................... 49

    Figura 7. Arquitetura interna do processador de fala Sprint. .................................... 50

    Figura 8. Tela de programao do software R 126 verso 2.1.................................. 53

    Figura 9. Feixe de eletrodos intracoclear mostrando o fluxo de corrente entre o

    eletrodo ativo e o de referncia. ................................................................................. 54

    Figura 10. Potencial de ao composto do nervo auditivo registrado pelo

    software da NRT verso 3.1....................................................................................... 64

    Figura 11. Tipos de morfologia do ECAP. ............................................................... 66

    Figura 12. Telemetria Reversa para o registro das respostas neurais.. .................... 67

    Figura 13. Diagrama demonstrando o estmulo mascarador (M), o estmulo

    prova (P), o intervalo inter pulso (MPI) e o delay. .................................................... 68

    Figura 14. Medida realizada na opo de alta resoluo, com razo de

    amostragem 20 kHz.................................................................................................... 69

  • Figura 15. Paradigma de subtrao. .......................................................................... 71

    Figura 16. Pesquisa da Funo de Crescimento da Amplitude. Destacando

    nmero de respostas vlidas, slope, p-NRT, amplitude e latncia do pico N1. ......... 73

    Figura 17. Grfico da Telemetria de Impedncia ..................................................... 89

    Figura 18. Tela do software da NRT v. 3.1 contendo os parmetros de

    estimulao e de registro do ECAP............................................................................ 93

    Figura 19. Tela do software da NRT v.3.1 mostrando as sries disponveis

    para pesquisa. ............................................................................................................. 94

    Figura 20. Tela da NRT. Funo de crescimento da amplitude................................ 96

    Figura 21. Pesquisa da funo de recuperao. ........................................................ 97

    Figura 22. Respostas Neurais do sujeito S1 e S7.................................................... 104

    Figura 23. Tela da NRT: pesquisa da funo de recuperao do S2 ...................... 114

    Figura 24. Raio X do feixe de eletrodos intracocleares modelo Nucleus 24

    R(CS), destacando a localizao dos eletrodos E5, E10, E15 e E20. ...................... 120

  • Lista de Quadros

    Quadro 1. Histrico das aprovaes internacionais (FDA) do IC para as

    crianas e a repercusso destas aprovaes no Brasil, no Centro de Pesquisas

    Audiolgicas .............................................................................................................. 11

    Quadro 2. Resumo dos estudos referentes s alteraes corticais aps o

    Implante Coclear ........................................................................................................ 15

    Quadro 3. Resumo dos estudos sobre os efeitos da deficincia auditiva

    neurossensorial s clulas ganglionares do nervo auditivo em cobaias e em

    seres humanos ............................................................................................................ 20

    Quadro 4. Achados histopatolgicos encontrados por Hinojosa e Lindsay

    (1980) e Hinojosa e Marion (1983) em diferentes etiologias da deficincia

    auditiva....................................................................................................................... 22

    Quadro 5. Efeitos da insero do feixe de eletrodos intracoclear............................. 28

    Quadro 6. Principais parmetros de ajustes do software R. 126 v. 2.1..................... 52

    Quadro 7. Relao entre o nvel de corrente real (A) e as unidades de

    programao (up). ...................................................................................................... 56

    Quadro 8. Principais parmetros de estimulao e de registro do ECAP................. 72

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1. Dados demogrficos dos sujeitos deste estudo.......................................... 85

    Tabela 2. P-valor, obtido no teste de Wilcoxon, comparando as amplitudes do

    pico N1 entre os retornos (de dois em dois), para cada eletrodo ............................. 103

    Tabela 3. P-valor, obtido no teste de Wilcoxon, comparando o p-NRT entre os

    eletrodos (de dois em dois), para cada retorno......................................................... 110

  • Lista de Grficos

    Grfico 1. Mdia e intervalo de confiana das amplitudes do pico N1 (V). Comparao entre os retornos para cada eletrodo................................................... 102

    Grfico 2. Mdia e intervalo de confiana das amplitudes do pico N1 (V). Comparao entre os eletrodos para cada retorno.................................................... 103

    Grfico 3. Mdia das latncias do pico N1 (s). Comparao entre os retornos para cada eletrodo...................................................................................................... 105

    Grfico 4. Mdia e intervalo de confiana dos slopes (V/up). Comparao entre os retornos para cada eletrodo......................................................................... 106

    Grfico 5. Mdia dos slopes (V/up). Comparao entre eletrodos para cada retorno ...................................................................................................................... 107

    Grfico 6. Mdia e intervalo de confiana dos p-NRT (up). Comparao entre os retornos ................................................................................................................ 108

    Grfico 7. Mdia dos p-NRT (up). Comparao entre os eletrodos ....................... 109

    Grfico 8. Porcentagem dos tipos de respostas obtidos nos eletrodos E5, E10, E15 e E20 ................................................................................................................. 111

    Grfico 9.1. Tempo de recuperao (MPI=s) entre os indivduos (%). Comparao entre retornos para os eletrodos E5 e E10........................................... 113

    Grfico 9.2. Tempo de recuperao (MPI=s) entre os indivduos (%). Comparao entre retornos para os eletrodos E15 e E20......................................... 113

    Grfico 10. Comparao das mdias da amplitude do pico N1, entre os retornos, para os modelos de Implante Coclear N24 R(ST) e N24 R(CS) .............. 115

    Grfico 11. Comparao das mdias da latncia do pico N1, entre os retornos, para os modelos de Implante Coclear N24 R(ST) e N24 R(CS) ............................. 116

    Grfico 12. Comparao do slope, entre os retornos, para os modelos de Implante Coclear N24 R(ST) e N24 R(CS) ............................................................. 117

    Grfico 13. Comparao do p-NRT, entre os retornos, para os modelos de Implante Coclear N24 R(ST) e N24 R(CS) ............................................................. 117

  • Resumo

    Tanamati LF. Telemetria de Respostas Neurais: Avaliao do potencial de ao composto do nervo auditivo em crianas [dissertao]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2006. 163p. INTRODUO: Nos usurios de Implante Coclear (IC), o registro do potencial de ao composto do nervo auditivo evocado eletricamente (ECAP) representa o modo mais efetivo para se avaliar o estado do nervo auditivo em resposta ao estmulo eltrico e a interao entre o eletrodo e o tecido neural. Modificaes nas respostas neurais ao longo do tempo tm implicao direta nos mapeamentos das crianas, principalmente durante os primeiros meses de uso do IC. OBJETIVO. Estudar o ECAP em crianas ao longo do primeiro ano de uso do IC. Por meio da Telemetria de Respostas Neurais, as caractersticas do ECAP foram analisadas em 13 crianas, implantadas com idades inferiores a trs anos de idade. RESULTADOS. Durante o primeiro ano de uso do IC, houve aumento estatisticamente significante para a amplitude do pico N1, nos eletrodos basais, entre o segundo e o terceiro retorno. No foram obtidas diferenas significantes para a latncia do pico N1, para o slope e para o p-NRT, entre os retornos. Discretas alteraes foram mais evidentes para os eletrodos basais. A anlise entre os eletrodos mostrou que os eletrodos apicais apresentaram maiores amplitudes do N1 e valores do p-NRT, estatisticamente, inferiores aos limiares dos eletrodos apicais. Houve prevalncia das respostas com morfologia do tipo Ia para os eletrodos E10, E15 e E20 e do tipo Ic para o eletrodo E5. No primeiro retorno, o tempo de recuperao do nervo auditivo de seu estado refratrio foi, para a maioria dos sujeitos, igual a 1000 s para o E5, e igual a 2000 s para os eletrodos E5, E10 e E15. No terceiro retorno, o tempo de recuperao do E5 aumentou para 2000 s e, no E20, diminui para 1000 s, para a maioria dos sujeitos. A comparao entre os diferentes modelos revelou que o Implante Coclear N24 R (CS) apresentou as maiores amplitudes, os maiores slopes e as menores latncias e menores valores de p-NRT. CONCLUSO. Ao longo do primeiro ano de uso do IC, a estimulao eltrica liberada pelos eletrodos intracocleares no causou alteraes significativas s caractersticas do ECAP, exceto pelo aumento da amplitude do pico N1. Descritores: Implante Coclear, eletrofisiologia, nervo coclear, criana.

  • Summary

    Tanamati LF. Neural Response Telemetry: Evaluation of the Auditory Nerve Compound Action Potential in children [dissertation]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2006. 163p.

    INTRODUCTION: In Cochlear Implant (CI) users, the recording of the electrically evoked compound action potential (ECAP) of the auditory nerve represents the most effective way to assess the auditory nerve in response to electrical stimulus and the interaction between the electrode and the neural tissue. Changes in neural responses, over time, have direct implication in mappings of children, mainly during the first months of CI use. OBJECTIVE: To study ECAP in children during the first year of CI use. Through Telemetry of Neural Responses, the ECAP characteristics have been analyzed in 13 children. The children who were implanted were younger than three years old. RESULTS: During the first year of CI use there was a significant statistical growth for the amplitude of N1 peak, in basal electrodes, between the second and third returns. There were not any significant differences obtained for N1 peak latency, neither for the slope nor for p-NRT, among the returns. The analysis among the electrodes has shown that the apical ones have presented higher N1 amplitudes and p-NRT values, statistically lower than the thresholds of apical electrodes. Responses with Ia type morphology have prevailed for electrodes E10, E15 and E20, and Ic type for electrode E5. In the first return, recovery time of the refractory state of the auditory nerve was in most subjects equals to 1000 s for E5, and equals to 2000 s for electrodes E5, E10 and E15. In the third return, recovery time of E5 increased to 2000 s and in E20 decreased to 1000 s, in most subjects. The comparison of the different models has shown that the Cochlear Implant N24 R (CS) has presented the highest amplitudes, the highest slopes and the lowest latencies, and the lowest p-NRT values. CONCLUSION: During the first year of CI use, the electrical stimulation released by intracochlear electrodes did not cause significant changes of ECAP characteristics, except in the increase of N1 peak amplitude. Descriptors: Cochlear Implantation, electrophysiology, cochlear nerve, child.

  • 1. INTRODUO

  • Introduo 2

    H uma considervel variabilidade no desempenho auditivo dos usurios de

    Implante Coclear. Longitudinalmente, os resultados obtidos nos testes de percepo

    de fala tm demonstrado diferenas significativas entre os usurios, no que se refere

    aquisio das habilidades auditivas e ao ritmo de desenvolvimento destas

    habilidades em funo da idade de implantao. Tal variabilidade tem sido atribuda

    s caractersticas do sistema auditivo perifrico e central, decorrentes do impacto da

    deficincia auditiva neurossensorial s estruturas neurais aferentes.

    As clulas ganglionares do nervo auditivo so consideradas os elementos que

    efetivamente respondem ao estmulo eltrico liberado pelo IC. Como a maioria dos

    indivduos capaz de apresentar alguma sensao auditiva a partir da estimulao

    eltrica, a participao das clulas ganglionares o fator diferencial no que se refere

    habilidade do indivduo em obter sucesso com o uso do IC (Simmons et al., 1984).

    O nmero e a distribuio destas clulas podem ser evidenciados em estudos

    histopatolgicos. Tais estudos demonstram que a quantidade de clulas ganglionares

    sobreviventes e sua distribuio variam dependendo da etiologia da deficincia

    auditiva (Stypulkowski e van den Honert, 1984). A variabilidade de achados

    encontrados nos estudos post-mortem enfatiza a necessidade de se avaliar a

    funcionalidade e as propriedades neurofisiolgicas das fibras neurais, as quais no

    podem ser mensuradas em tais estudos.

    O registro do potencial de ao composto eliciado em resposta ao estmulo

    eltrico (ECAP) representa uma maneira direta de se avaliar, in vivo, as

  • Introduo 3

    caractersticas funcionais das clulas ganglionares e as demais estruturas neurais

    auditivas. Os modelos de IC disponveis atualmente permitem o registro e a anlise

    dos potencias eletricamente evocados do nervo auditivo em seus usurios, por meio

    do sistema de Telemetria de Respostas Neurais. Este sistema de comunicao

    bidirecional entre os eletrodos intracocleares e os componentes externos do IC

    capaz de estimular as fibras do nervo auditivo e de registrar o potencial de ao

    composto (ECAP) gerado por estas estruturas.

    Tais respostas refletem quais estmulos so efetivos para ativar as clulas

    neurais e quais configuraes de estimulao melhor correspondem s propriedades

    anatomo-fisiolgicas destas clulas (Wallenberg, 1997). A determinao deste

    conjunto de informaes contribui para o sucesso com o IC, pois estmulos que no

    so eficazes em gerar um potencial de ao interferem no resultado final do

    dispositivo em conduzir a informao sensorial at o crtex. Adicionalmente, a

    anlise das funes de crescimento da amplitude e de recuperao do ECAP,

    mensuradas em diferentes eletrodos intracocleares, fornece informaes a respeito da

    interao entre o eletrodo e o tecido neural em diferentes populaes de clulas

    neurais. Estudos longitudinais sobre o ECAP tm demonstrado a estabilizao destas

    respostas neurais, principalmente aps o primeiro ano de uso do IC (Giraud, 2001).

    Nas ltimas dcadas, devido aos importantes avanos na tecnologia

    empregada na fabricao dos IC e ao contnuo aperfeioamento das tcnicas de

    diagnstico audiolgico, os critrios de indicao do dispositivo de IC tm includo

    crianas com idades cada vez menores. Em 1990, o FDA (Food and Drug

    Administration) aprovou o IC em crianas a partir de 2 anos de idade. Atualmente, o

    critrio de indicao cirrgica diminui para 6 meses de idade, sendo que, na

  • Introduo 4

    literatura, casos de crianas implantadas aos quatro meses de idade j foram descritos

    (Colletti et al, 2005).

    Em crianas implantadas precocemente, especialmente com idades inferiores

    aos trs anos, a avaliao do ECAP considerada uma importante ferramenta para

    avaliar as alteraes entre o eletrodo e o tecido neural, verificar a qualidade da

    resposta neural ao longo do tempo e, em certas crianas, o ECAP a nica

    informao disponvel para programar o processador de fala. Juntamente com os

    demais potenciais evocados, o ECAP fornece indcios da permeabilidade do sistema

    auditivo ao longo do tempo em transmitir os sinais eltricos, responsveis, ao menos

    em parte, pelo desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem.

    Crianas implantadas antes dos trs anos de idade constituem um interessante

    grupo a ser estudado. Para esta populao, as modificaes no ECAP tm implicaes

    diretas no ajuste dos nveis psicofsicos e demais parmetros do mapeamento.

    Adicionalmente, em crianas a estimulao do IC permite que a ativao das vias

    auditivas coincida com o perodo crtico para o desenvolvimento deste sistema sensorial.

    Portanto, alm das vantagens em se estudar o ECAP nos usurios de IC, como j descrito

    anteriormente, o diferencial do estudo do ECAP em crianas em idades menores a

    possibilidade de verificar a interao entre o sistema auditivo perifrico e o dispositivo

    eletrnico durante o perodo crtico, considerado o perodo de maior plasticidade

    neuronal. Ainda no se sabe ao certo o efeito trfico que a estimulao eltrica pode

    causar s fibras auditivas aferentes (Roehm e Hansem, 2005).

    Na literatura, escassos so os estudos relacionados s caractersticas do

    registro do potencial de ao composto em crianas e, principalmente, sua evoluo

    ao longo do tempo de uso do dispositivo.

  • Introduo 5

    1.1 OBJETIVO

    Considerando as informaes descritas, o objetivo desta dissertao foi

    estudar o potencial de ao composto eletricamente evocado do nervo auditivo

    (ECAP), utilizando a Telemetria de Respostas Neurais (NRT) em crianas

    implantadas at os trs anos de idade. Ao longo do primeiro ano de uso do

    dispositivo de Implante Coclear, foram avaliados:

    1. A amplitude e a latncia do pico N1 do ECAP;

    2. O slope;

    3. O p-NRT;

    4. O nmero de respostas vlidas;

    5. A morfologia do ECAP;

    6. O tempo de recuperao do nervo auditivo.

  • 2. REVISO DE LITERATURA

  • Reviso de literatura 7

    2.1 O IMPLANTE COCLEAR EM CRIANAS

    Descreve os resultados de pesquisas com crianas implantadas,

    destacando o desenvolvimento das habilidades auditivas e comunicativas,

    a comparao com crianas normais, e os efeitos da experincia auditiva

    ao sistema nervoso central.

  • Reviso de literatura 8

    A maturao normal das vias auditivas centrais uma condio prvia para o

    desenvolvimento das habilidades de fala e linguagem. Esta maturao pode ser

    drasticamente comprometida nos casos de privao sensorial do sistema auditivo

    (Sharma, 2004).

    A privao sensorial ocorre a partir de situaes em que o crtex auditivo

    no recebe as informaes necessrias ao seu desenvolvimento, em virtude da

    existncia de alteraes que acometem os receptores sensoriais e/ou as

    estruturas das vias auditivas, interferindo na codificao e transmisso dos

    estmulos. No se sabe ao certo como a durao da privao sensorial influencia

    o desenvolvimento das vias auditivas centrais. Entretanto, considerando a

    existncia de processos desenvolvimentais durante este perodo, tal como a

    mielinizao, a delimitao dos dendritos, o crescimento axonal, e dependendo

    da idade em que se inicia a privao sensorial auditiva, assim como a sua

    durao, o impacto negativo sobre o desenvolvimento auditivo poder ser ou

    no remediado, mesmo utilizando-se tratamento adequado (Giraud, 2001;

    Harrison et al., 2005).

    Os efeitos mais drsticos ao desenvolvimento do sistema auditivo so

    observados quando h privao sensorial durante os trs primeiros anos de vida.

    Como estes anos so considerados o perodo crtico para o desenvolvimento da

    funo auditiva, processos como a maturao, a plasticidade do sistema auditivo

  • Reviso de literatura 9

    central e a organizao dos mapas corticais, podem ser alterados de modo

    irreversvel (Manrique, 1999; Azevedo, 2004).

    Crianas portadoras de deficincia auditiva de grau severo a profundo, seja

    ela congnita ou adquirida durante o perodo crtico para o desenvolvimento das

    habilidades auditivas, apresentam dficits no desenvolvimento da linguagem oral no

    decorrer dos anos. Por esta razo, h grande preocupao em se realizar a

    interveno adequada e em tempo hbil nesta populao, de modo a se evitar os

    danos proporcionados por esta deficincia.

    O Implante Coclear (IC), dispositivo eletrnico de sofisticada tecnologia,

    consiste no recurso mais eficaz para o tratamento dos casos de deficincia auditiva de

    grau severo a profundo, nos quais os benefcios com o uso do aparelho de

    amplificao sonora so limitados (Bevilacqua et al., 2003). Detalhes sobre este

    dispositivo, tais como seus componentes, funcionamento, parmetros de ajustes,

    sero descritos nos prximos captulos.

    Este dispositivo eletrnico substitui as clulas ciliadas do rgo de Corti,

    no que se refere estimulao das fibras do nervo auditivo. Tal estimulao

    efetiva quando a corrente eltrica liberada pelo Implante Coclear capaz de ativar

    os neurnios auditivos perifricos, fazendo com que potenciais de ao sejam

    gerados e conduzidos at o crtex auditivo (figura 1), proporcionando aos seus

    usurios pistas auditivas necessrias percepo dos sons ambientais e dos sons de

    fala (Shepherd e Illing, 2001).

  • Reviso de literatura 10

    Figura 1. Localizao do feixe de eletrodos na cclea e a transmisso dos estmulos pelas

    vias auditivas centrais at o crtex auditivo.

    Rauschecker, J.P.; Shannon, R.V. Sending sound to the brain. Science, v. 295, n.8, p. 1025-1029.

    Dcadas aps a primeira criana ter sido implantada, a indicao cirrgica em

    crianas pequenas j no mais questionada. Ao contrrio, a principal preocupao

    dos profissionais que atuam na rea de audiologia peditrica diz respeito realizao

    da cirurgia de Implante Coclear em idades cada vez menores, de modo a se evitar os

    efeitos da privao sensorial para o desenvolvimento da audio e da linguagem.

    Acredita-se que as crianas com surdez pr-lingual alcanam melhores nveis de

    habilidades de percepo de fala, desde que implantadas com idades inferiores aos

    trs anos (Gordon et al., 2002).

    Com base na experincia clnica e nos resultados das pesquisas com os

    usurios de IC, desde 2002, esta cirurgia tem sido indicada para crianas com idades

    inferiores a 12 meses de idade. Na literatura internacional, j possvel encontrar-se

    publicaes que descrevem os resultados de cirurgias realizadas em crianas com

    quatro meses de idade (Colletti et al., 2005).

  • Reviso de literatura 11

    No Brasil, o Centro de Pesquisas Audiolgicas (CPA), centro de referncia na

    rea de Implante Coclear no pas, acompanhou as alteraes nos critrios

    interna

    acionais (FDA) do IC para as crianas e a repercusso destas aprovaes no Brasil, no Centro de Pesquisas Audiolgicas

    cionais, aprovados pelo FDA, referentes idade mnima, para a indicao do

    Implante Coclear em crianas (quadro 1).

    Quadro 1. Histrico das aprovaes intern

    ANO FDA CPA

    1990 IC aprovado para crianas a partir de 2 anos de idade.

    1992 Realizado o IC a criana de em um8 anos de idade.

    1998 IC aprovado para crianas a partir de 18 meses de idade.

    1999 Realizado o IC em uma criana com 1 ano e 8 meses de idade.

    2000 IC aprovado para crianas a partir de 12 meses de idade.

    2001 Realizado o IC em uma criana com 1 ano e 1 ms de idade.

    2002 IC aprovado para crianas com idades inferiores a 12 meses de idade.

    2005 Realizado o IC em uma criana com 11 meses de idade.

    2006 Idade de implantao mnima: 6 meses de idade

  • Reviso de literatura 12

    Os critrios para seleo das crianas candidatas ao Implante Coclear no

    Centro de Pesquisas Audiolgicas e Hospital Samaritano consideram os seguintes

    aspectos:

    Grau da perda de audio: so consideradas candidatas ao IC, crianas

    com perda auditiva de grau profundo, a partir dos 06 meses de idade, e

    com perda de grau severo a profundo, a partir dos 18 meses de idade.

    Idade: nos casos de surdez pr-lingual, o IC indicado para crianas at

    os trs anos de idade, uma vez que este o perodo de maior plasticidade

    neuronal. Crianas implantadas at os trs anos tm maiores chances de

    apresentarem desenvolvimento das habilidades de fala e de audio

    prximo ao das crianas normais. Dos trs aos seis anos, a indicao j

    questionvel, no que se refere aos benefcios do IC. Nesta faixa etria, o

    aproveitamento que a criana ter ser limitado. Acima dos seis anos,

    esta limitao torna-se mais evidente, mesmo nos casos em que houve

    reabilitao aurioral efetiva, ou quando o paciente realiza boa leitura

    orofacial (LOF).

    Aproveitamento com o Aparelho de Amplificao Sonora Individual

    (AASI): os limiares tonais com AASI devem ser inferiores a 60 dB nas

    freqncias de fala. Deve haver um aproveitamento limitado com o uso

    do dispositivo, ou seja, o paciente no detecta os sons, ou at capaz de

    detectar, mas no evolui na terapia auditiva e no capaz de reconhecer

    os sons.

    Linguagem oral: so consideradas candidatas ao IC as crianas classificadas

    at a categoria 4 na escala de linguagem proposta por Geers (1994).

  • Reviso de literatura 13

    Crianas ps-linguais: nestes casos, a nica ressalva que o tempo de

    surdez no deve ultrapassar os seis anos de idade.

    Motivao, expectativas familiares, programa de reabilitao na cidade

    de origem, aspectos financeiros so questes importantes a serem

    investigadas e orientadas antes da realizao do procedimento cirrgico.

    O Implante Coclear contra indicado, principalmente, em certos casos de

    malformaes de orelha interna, ossificao coclear, otosclerose avanada e agenesia

    coclear.

    H inmeras vantagens em se realizar a cirurgia de IC em crianas de at trs

    anos de idade. Apresentar o mundo sonoro aos pacientes, fornecer subsdios para o

    desenvolvimento da fala e da linguagem, e, eventualmente, contribuir para o

    desempenho escolar semelhante ao observado nas crianas com audio normal

    (Kileny e Zwolan, 2004; Gordon, 2004). Diversos estudos na literatura avaliaram o

    desenvolvimento auditivo e lingstico das crianas usurias de IC.

    Para Tomblin et al (2005) e Sininger, o desenvolvimento da linguagem em

    crianas que receberam o IC at os 18 meses de idade, normalmente, aproxima-se do

    desenvolvimento encontrado em crianas com audio normal. Crianas implantadas

    em idades inferiores apresentaram melhores nveis de desenvolvimento da percepo

    do som, aquisio de vocabulrio, e estruturao gramatical, do que aquelas crianas

    implantadas em idades tardias.

    Manrique et al. (1999) avaliaram o desenvolvimento de 98 crianas e

    adolescentes, usurios de IC, que apresentavam surdez pr-lingual, comparando-o

    com o de indivduos portadores de surdez ps-lingual. Os resultados obtidos

    mostraram que o melhor desempenho nos testes de percepo de fala foi obtido pelos

  • Reviso de literatura 14

    sujeitos do grupo ps-lingual e do grupo pr-lingual, desde que implantados at os

    seis anos de idade. Dentro do grupo dos pr-linguais, uma melhora progressiva foi

    apresentada pelos indivduos implantados at os trs anos de idade, atingindo o

    reconhecimento de fala em conjunto aberto ao redor do terceiro ano de uso do IC.

    Resultados semelhantes foram encontrados por Harrison et al. (2005).

    Em um estudo transversal, Moret (2002) analisou os aspectos que

    influenciaram o desempenho referente s habilidades de audio e de linguagem em

    60 crianas, portadoras de deficincia auditiva neurossensorial profunda bilateral

    pr-lingual, usurias de Implante Coclear. A autora verificou que o tempo de

    privao sensorial, o tempo de uso do Implante Coclear, o tipo de implante, a

    estratgia de codificao dos sons da fala, e a permeabilidade da famlia no processo

    teraputico, influenciaram significativamente o desempenho das crianas. Tais

    resultados enfatizaram, principalmente, a prioridade que deve ser dada implantao

    em crianas jovens e a participao da famlia no processo teraputico.

    Para avaliar a evoluo do comportamento comunicativo em usurios de IC,

    Coletti et al. (2005) avaliaram 10 crianas implantadas com N24M, com idades entre

    4 e 11 meses. Os resultados obtidos mostraram que o balbucio iniciou-se entre o

    primeiro e terceiro ms aps a ativao do dispositivo. As crianas implantadas

    precocemente foram aquelas que mais se aproximaram dos comportamentos

    apresentados pelas crianas normais.

    Estudos avaliando as alteraes corticais aps certo tempo de uso do Implante

    Coclear apresentam uma relevncia particular, pois, ao descreverem os efeitos da

    experincia auditiva s estruturas corticais, enfatizam a importncia da indicao

    cirrgica em idades cada vez mais precoces. O quadro 2 contm, resumidamente,

    estudos sobre as conseqncias do uso do Implante Coclear para as estruturas e

    processos corticais.

  • Reviso de literatura 15

    Quadro 2. Resumo dos estudos referentes s alteraes corticais aps o Implante Coclear Autores,

    ano Sujeitos Objetivo Resultados Concluses

    Ponton, et al., 1996

    Crianas e adultos normais e deficientes auditivos com diferentes perodos de privao sensorial.

    Avaliar os efeitos do IC para a maturao cortical.

    A anlise do pico P1 mostrou velocidade de maturao normal nas crianas com IC. Nestas, o atraso da maturao correspondeu ao tempo de privao sensorial.

    A maturao do sistema auditivo no acontece na ausncia de entrada sensorial. Aps perodos de privao sensorial, o sistema auditivo conserva certa plasticidade.

    Eggermont et al., 1997

    Crianas normais e usurias de IC em diferentes faixas etrias.

    Avaliar a maturao das vias auditivas.

    Ritmos semelhantes de maturao do P1 entre crianas normais e com IC precoce.

    IC em idades precoces evitou atrasos na maturao das vias auditivas.

    Sharma e Dorman, 2000

    Crianas implantadas com 3, 4, 10 e aps 10 anos de idade.

    Avaliar as latncias dos potenciais evocados corticais

    2.Ms de uso: Latncias apropriadas para a idade em crianas com IC at os 3 anos.

    Efeitos positivos da implantao precoce.

    Giraud et al., 2001

    Usurios de IC de diferentes faixas etrias. Estudo longitudinal.

    Estudar a evoluo da ativao do crtex auditivo frente ao estimulo de fala.

    Aps um ano: recrutamento de reas corticais contralaterais ao IC. Aps reabilitao: fala recrutou a regio clssica do giro temporal superior no hemisfrio esquerdo.

    IC pode reverter os efeitos da surdez. Certo grau de especializao pode ser readquirido, contudo, reas corticais mais rudimentares podem permanecer.

    Brademann et al., 2003.

    Criana com surdez pr-lingual. IC aos 3 anos de idade estudo de caso.

    Avaliar a influncia do IC na maturao das vias auditivas.

    Aos 7 anos de idade: satisfatrio desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem.

    IC unilateral: papel determinante no processo de maturao das vias auditivas.

    Kang et al., 2004.

    Oito indivduos: com surdez ps-lingual e pr-lingual.

    Verificar as alteraes cerebrais em ambos os grupos aps o IC, via exames por imagem (PET).

    Ps-linguais: restaurao similar s condies normais. Pr-linguais: restaurao dependente da idade do IC. Aumento do metabolismo da glicose aps o IC em reas corticais. Correlao entre as os exames por imagem e a percepo de fala.

    Quanto maior a idade de implantao, mais limitados os resultados e maior a participao do crtex visual. A experincia auditiva com o IC reduziu as diferenas neurofisiolgicas entre as crianas normais e portadoras de surdez.

    Rauschecker e Shannon

    Crianas implantadas em diferentes faixas etrias.

    Avaliar a resposta do crtex auditivo ao estimulo eltrico.

    Crianas implantadas precocemente e o crtex auditivo: houve um maior recrutamento de neurnios de regies adjacentes, formando novas conexes neurais.

    Na maioria dos casos avaliados, crianas que receberam o IC em idades precoces atingiram desenvolvimento de padres de ativao neurais prximos do normal.

    Sharma, 2004

    Duas crianas implantadas aos 13 e 14 meses de idade. Estudo longitudinal.

    Estudar a relao entre maturao das vias auditivas e o desenvolvimento do balbucio.

    3. Ms de uso: latncia da onda P1 prxima normalidade. Achados concomitantes ao aumento das vocalizaes.

    Desenvolvimento das habilidades comunicati- vas e latncia da onda P1 apresentaram trajetria similar.

  • Reviso de literatura 16

    2.2 ESTUDOS HISTOPATOLGICOS DO SISTEMA AUDITIVO

    Este captulo contm uma breve reviso dos estudos histopatolgicos em

    ossos temporais de animais e seres humanos. Esta reviso tem o objetivo

    de contribuir para a discusso referente s variveis que interferem nos

    registros das respostas eletrofisiolgicas dos indivduos usurios de IC.

  • Reviso de literatura 17

    A efetividade do Implante Coclear depende de vrios fatores, incluindo o

    estado do nervo auditivo e das vias auditivas centrais, em particular, o nmero e a

    distribuio de neurnios sobreviventes e sua resposta fisiolgica estimulao

    eltrica (Incesulu e Nadol, 1998). Diferenas inatas de inteligncia, habilidades de

    processamento de informaes, e habilidades de aprendizagem tambm contribuem,

    de algum modo, para a variabilidade na performance (Stypulkowiski et al., 1986;

    Brown e Abbas, 1991; Abbas, 1998).

    Dentre os elementos neurais sobreviventes, as clulas ganglionares espirais

    so consideradas as estruturas neurais que efetivamente respondem estimulao

    eltrica liberada pelo IC. Sabe-se que pacientes com mnima audio residual so

    considerados candidatos ao IC, devido existncia de clulas ganglionares

    sobreviventes capazes de responder ao estmulo eltrico. O nmero mnimo de

    clulas ganglionares necessrio para eliciar uma resposta auditiva frente

    estimulao eltrica ainda no foi definido. No entanto, provvel que, mesmo um

    nmero relativamente pequeno de fibras neurais intactas e excitveis, possa fornecer

    alguma quantidade de informao pela transmisso de impulsos eltricos (Ylikoski e

    Savolainen, 1984; Linthicum e Anderson, 1991; Blamey, 1997).

    Como a quantidade de informao auditiva percebida pelo indivduo usurio

    de IC extremamente varivel, sempre houve o interesse, por parte dos

    pesquisadores, em identificar os diversos fatores que poderiam influenciar a

    performance ps-implante (Brown, 1990; Brown e Abbas 1991). Neste sentido, os

    achados encontrados nos estudos histopatolgicos tm auxiliado os pesquisadores a

    melhor compreender os efeitos da estimulao eltrica ao sistema auditivo, bem

    como a origem, as causas e os fatores que conduzem s diferentes performances

    apresentadas pelos usurios de Implante Coclear.

  • Reviso de literatura 18

    Histopatologia das estruturas neurais nos casos de deficincia auditiva

    neurossensorial

    As clulas ganglionares (CG), localizadas no canal de Rosenthal, dentro do

    modolo, so formadas por duas subpopulaes de neurnios: as CG maiores, do tipo

    I, as quais representam, aproximadamente, 95% dos neurnios auditivos aferentes, e

    as CG menores, do tipo II. As clulas do tipo I e II inervam as clulas ciliadas

    internas e externas, respectivamente (Javel, 1986).

    Em cobaias, as CG do tipo I so neurnios auditivos primrios bipolares

    mielinizados compostos por processos perifricos, realizando sinapses com as clulas

    ciliadas internas (CCI), e por processos centrais, que fazem sinapses com neurnios

    no ncleo coclear. Para sobreviver, as clulas do tipo I dependem do fornecimento de

    neurotrofinas por meio da sinapse com a periferia (CCI) e com os alvos centrais. A

    mdia das CG, estimada, em indivduos jovens com audio normal de 35.000, e,

    em adultos, de 29.000 (Nadol et al., 1989).

    A deficincia auditiva neurossensorial (DANS) pode causar degenerao das

    estruturas cocleares, de processos perifricos neurais, e a desmielinizao, sendo que

    o processo de degenerao neural pode acontecer primria ou secundariamente

    degenerao das clulas ciliadas e demais estruturas cocleares.

    Fisiologicamente, a perda dos processos perifricos pode resultar no aumento

    dos limiares, devido ao deslocamento do local de gerao do potencial de ao em

    direo ao soma e ao centro do axnio. A desmielinizao reflete no aumento da

    capacitncia da membrana, de modo a reduzir a eficincia do neurnio em responder

    ao estmulo eltrico, aumentando a chance de bloqueio da conduo neural. Fibras

  • Reviso de literatura 19

    neurais privadas de mielina so capazes de conduzir o potencial de ao, mas com

    prolongados perodos refratrios (Shepherd et al., 2004).

    A histopatologia das clulas ganglionares, nos casos de deficincia

    auditiva neurossensorial, foi estudada, extensivamente, tanto em animais, como

    em humanos.

    O quadro 3 resume os estudos realizados em cobaias e em serem humanos, os

    quais tiveram como objetivo descrever os achados histopatolgicos obtidos nas

    estruturas neurais, enquanto conseqncia da deficincia auditiva.

  • Reviso de literatura 20

    Quadro 3. Resumo dos estudos sobre os efeitos da deficincia auditiva neurossensorial s clulas ganglionares do nervo auditivo em cobaias e em seres humanos

    Estudos em cobaias e seres humanos. Efeitos da DANS para as CG do nervo auditivo

    Hinojosa e Lindsay, 1980. Aps perda das clulas ciliadas do rgo de Corti, houve danos aos processos perifricos das CG. A densidade das CG variaram entre os casos.

    Ylikoski e Savolainen, 1984.

    Existncia de diferentes padres de degenerao das CG: descendente (afetando toda a poro distal do axnio) e ascendente (afetando a poro proximal do axnio e se estendendo a uma distncia prxima a dois inter-ndulos em direo ao corpo celular).

    Nadol et al., 1989, Nadol, 1997.

    Menores densidades de CG foram encontradas no segmento 1 da cclea.

    Nadol et al., 1992.

    Perda das CCI no gerou danos s CG. Quando houve degenerao, ela foi mais lenta nos corpos celulares, seguida pelos axnios. Degeneraes mais rpidas foram encontradas nos dendritos dos neurnios auditivos.

    Shepherd et al., 1993. Preservao das CG foi reflexo do estado das estruturas do rgo de Corti. Houve forte correlao entre grau de degenerao neural e tempo de surdez.

    Zimmermann et al., 1995.

    Degenerao das CG: processo lento, afetando primeiro os processos perifricos e, posteriormente, o corpo celular dos neurnios do nervo auditivo. O nmero mdio de CG do tipo I variou de 570 a 123 m2, e do tipo II, de 176 a 42 m2. A degenerao das CG foi significantemente maior na base da cclea, principalmente nos segmentos onde a degenerao do rgo de Corti foi mais severa. Houve maior degenerao das clulas do tipo II do que do tipo I.

    Michell et al., 1997. Degenerao das CG: teve incio duas semanas aps a perda das clulas ciliadas internas.

    Dodson e Mohuiddin, 2000.

    Avaliao das respostas das CG do tipo I durante semanas aps a aplicao de gentamicina. Houve perda significante de CG alm da 30 semana aps a destruio das CCI. Perda de CG aps a destruio de CCI em ccleas de mamferos ocorreu aps um longo perodo de tempo, com a possibilidade de mais de um fator estar contribuindo para este processo.

    Vollmer et al., 2004. Nervo auditivo: densidade reduzida de CG, desmielinizao e degenerao dos processos perifricos dos neurnios (figura 2).

  • Reviso de literatura 21

    A figura 2 exemplifica a degenerao das CG em animais avaliados aps

    longos perodos de surdez, em comparao com as CG em animais com audio

    normal (Vollmer et al., 2004).

    Figura 2. Micrografia do canal de Rosenthal em animais ouvintes ( esquerda), e aps

    longos perodos de surdez ( direita), evidenciando a perda severa de clulas ganglionares e a

    degenerao das fibras neurais radiais.

    Fonte: Vollmer, M.; Beitel, R.E.; Schreiner, C.E.; Raggio, M.W.; Snyder, R.L.; Leake, P.A.

    (2004). Protective and plastic effects of patterned electrical stimulation on the deafened

    auditory system. Second Quarterly progress report N01-DC-3-1006.

    A influncia da etiologia da deficincia auditiva para a sobrevivncia das

    estruturas cocleares e neurais foi estudada por diversos autores. Nestes estudos,

    considervel variabilidade de resultados foi obtida entre os sujeitos avaliados.

    Estudos conduzidos por Hinojosa e Lindsay (1980) e Hinojosa e Marion

    (1983) descreveram o nvel de degenerao das clulas ganglionares em diferentes

    etiologias da deficincia auditiva de grau profundo. Em todos os sujeitos avaliados,

    cuja durao da deficincia auditiva foi de, no mnimo, 20 anos, o epitlio sensorial

    ao longo da membrana basilar estava degenerado. No entanto, o nmero de clulas

  • Reviso de literatura 22

    ganglionares e de seus processos perifricos variou, consideravelmente, entre as

    diferentes etiologias. Os casos de meningite viral e labirintite bacteriana

    corresponderam s etiologias que apresentaram o menor nmero de clulas

    ganglionares. Os resultados mais freqentes, de acordo como tipo de patologia, esto

    descritos no quadro 4.

    Quadro 4. Achados histopatolgicos encontrados por Hinojosa e Lindsay (1980) e Hinojosa e Marion (1983) em diferentes etiologias da deficincia auditiva

    Etiologia Estruturas cocleares alteradas Clulas do rgo de

    Corti Nervo auditivo

    Labirintite bacteriana Tecido neoformado, fibrose, ossificao nos espaos labirnticos.

    Ausncia de CCE e CCI, mas presena de clulas de sustentao.

    Ausncia de axnios perifricos em vrias regies.

    Labirintite viral Desenvolvimento de Hidropsia endolinftica.

    Destruio completa do rgo de Corti.

    Ausncia de axnios perifricos.

    Labirintite endolinftica viral

    Degenerao da estria vascular.

    Moderada reduo no nmero de CCE e CCI.

    Preservao dos axnios perifricos em 20% a 60% de clulas ganglionares na maioria dos casos.

    Meningite viral Extensa formao de tecido fibroso e sseo. Degenerao completa das CC.

    Reduo considervel das clulas ganglionares. Ausncia de axnios perifricos.

    Trauma Craniano Degenerao completa da estria vascular. Preservao parcial das CC.

    Reduo do nmero de axnios perifricos.

    Ototoxicidade Degenerao da estria vascular. Degenerao das CC do rgo de Corti.

    Reduo do nmero de axnios perifricos.

    Otosclerose Degenerao da estria vascular e formao de tecido sseo.

    Reduo do numero de CC principalmente na regio basal.

    Degenerao dos axnios perifricos ao longo da cclea.

    Presbiacusia Degenerao da estria vascular. Reduo do nmero de CC.

    Degenerao das clulas ganglionares.

  • Reviso de literatura 23

    Histopatologia das estruturas cocleares e neurais aps o Implante Coclear

    A partir do momento em que o IC foi desenvolvido com o intuito de ser

    utilizado como tratamento para a surdez, os estudos histopatolgicos em humanos e

    em animais puderam avaliar, efetivamente, as alteraes nas estruturas cocleares e

    retrococleares em decorrncia da insero do feixe de eletrodos.

    Para avaliar histologicamente o estado do nervo auditivo aps certo tempo de

    implantao de eletrodos, Schindler (1976) analisou os ossos temporais de mais de

    vinte animais implantados. Comparando a orelha implantada com a no implantada,

    foram observadas significantes reaes na escala timpnica, caracterizadas por:

    formao de matriz de tecido sseo ao redor dos eletrodos, presena de clulas

    inflamatrias no tecido neoformado em decorrncia de trauma no endsteo ou devido

    perfurao da membrana basilar, e leso das clulas ciliadas na regio abaixo do

    eletrodo, preservando alguns elementos de sustentao. Muitas clulas ciliadas da

    cclea sobreviveram insero dos eletrodos, bem como a maioria das clulas

    ganglionares espirais e suas fibras radiais. Apenas nos locais onde houve ruptura da

    membrana basilar, ou fratura da lmina espiral ssea, foi constatada uma severa

    degenerao neural.

    Shepherd et al. (1991) implantaram, bilateralmente, um gato com um feixe

    contendo quatro bandas de eletrodos de platina. No foi observado trauma de

    insero. A membrana basilar, o ligamento espiral, a estria vascular e a lmina

    espiral ssea permaneceram intactos. Houve formao mnima de tecido em resposta

    insero do feixe de eletrodos. A sobrevivncia das clulas ganglionares foi de

    aproximadamente 80% para a maior parte da extenso coclear, embora tenha sido

    reduzida a um nvel de 60%, aproximadamente, nos primeiros 10 mm da cclea. A

    partir destes resultados, no foi possvel concluir se a perda das clulas ganglionares

  • Reviso de literatura 24

    ocorreu devido aos efeitos da estimulao, ou em decorrncia da degenerao

    retrgrada aps a perda das clulas ciliadas.

    Burton et al. (1996) avaliaram quatro macacos com idades entre 6 e 7 meses,

    implantados com um feixe com 22 eletrodos, fabricado pela Cochlear Corporation,

    semelhante ao utilizado clinicamente em humanos. Tecidos sseo e fibroso

    neoformados foram visualizados apenas ao redor do local onde estava o feixe de

    eletrodos, principalmente nos primeiros 25% da escala timpnica. A populao de

    clulas ganglionares foi reduzida entre 50% a 60% na regio basal, e em apenas 10%

    na regio apical. A diminuio no nmero de clulas ganglionares no foi claramente

    relacionada ao mesmo local onde houve perda das clulas ciliadas. Houve

    preservao de clulas ciliadas apicais ao feixe e preservao de populaes

    estimulveis de clulas ganglionares espirais. Mesmo aps extensos perodos de

    implantao, houve substancial preservao dos elementos neurais.

    Apesar da importncia dos estudos com modelos animais, com o intuito de

    avaliar os efeitos do IC s estruturas auditivas, nem sempre possvel extrapolar aos

    seres humanos as concluses obtidas em tais estudos. Portanto, os estudos com ossos

    temporais de sujeitos que foram, durante a vida, submetidos cirurgia do IC so

    essenciais para uma melhor compreenso dos efeitos a longo prazo da implantao

    dos eletrodos em humanos (Nadol et al., 1989 e 2001).

    Johnsson et al., (1982) publicaram um artigo descrevendo os achados

    histopatolgicos em um paciente de 68 anos de idade, usurio de IC monocanal

    bilateral. Houve atrofia do ligamento espiral e da estria vascular, e presena de tecido

    fibroso na regio basal da cclea. Foi constatada reduo do nmero de clulas

    ganglionares, em ambas as orelhas, e de processo degenerativo mais severo atingindo

    os processos distais do nervo auditivo.

  • Reviso de literatura 25

    Vinte e dois ossos temporais e um tronco cerebral, provenientes de treze

    usurios de IC, foram examinados histologicamente por Linthicum Jr. et al. (1991).

    Dez casos apresentavam IC unilateral, modelo 3M/House e prottipo Symbion.

    Trs casos apresentavam IC bilateral, modelo 3M/House e Nucleus. A durao da

    deficincia auditiva, antes da implantao, foi em mdia de 27.5 anos, e o tempo de

    uso do dispositivo variou entre 1 a 14 anos. Todos os ossos temporais apresentaram

    quantidades variadas de fibrose no giro basal da cclea. Os resultados mostraram

    que as alteraes em decorrncia da insero dos eletrodos, quando existiram, no

    afetaram o nmero de clulas ganglionares. Entretanto, foi comum o detrimento

    dos elementos sobreviventes do rgo de Corti e dos dendritos ao longo de todo

    feixe de eletrodos.

    Fayad et al. (1991) avaliaram 16 ossos temporais de 13 usurios de IC. A

    durao da deficincia auditiva variou de 5 a 62 anos, e o tempo de uso do

    dispositivo, de 1 a 14 anos. As principais etiologias da surdez foram: otosclerose,

    ototoxicidade e fratura do osso temporal. Dentre os sujeitos avaliados, os ossos

    temporais bilaterais de 9 sujeitos estavam disponveis, e nos 4 restantes, apenas o

    lado implantado estava disponvel para anlise. Os resultados mostraram que houve

    leso na poro basal, regio na qual o eletrodo atingiu a parede externa da cclea.

    Neste nvel, foram observados rompimento do ligamento espiral e estria vascular,

    reabsoro do rgo de Corti, ossificao do endsteo lesado, fratura da lmina

    espiral ssea, e degenerao de dendritos. No houve leso correspondente das

    clulas ganglionares espirais.

    Em 1994, Nadol et al. avaliaram os temporais de um paciente usurio de IC

    Ineraid. A cclea foi dividida para o estudo histopatolgico em seis segmentos,

  • Reviso de literatura 26

    medidos a partir da janela redonda at o pice. No segmento coclear entre 6 a 15

    mm, os resultados evidenciaram danos membrana basilar, ao ligamento espiral,

    estria vascular e membrana de Reissner. Foram observadas altas densidades de

    clulas ganglionares em todos os segmentos, com exceo do segmento coclear entre

    11 a 20 mm, o qual coincidiu com a rea de maior ruptura das estruturas cocleares,

    devido ao trauma da insero dos eletrodos. No houve diferena estatisticamente

    significante entre o nmero de clulas ganglionares na orelha implantada e na orelha

    no implantada. No houve evidncia de degenerao das clulas ganglionares

    espirais devido alterao nos elementos de sustentao da cclea. Resultados

    semelhantes foram encontrados por Nadol (1997).

    Nadol et al. (2001) apresentaram os achados histopatolgicos em ossos

    temporais de oito indivduos usurios de IC. Os indivduos foram implantados em

    idades variando de 52 a 77 anos, e que utilizaram o dispositivo modelo Nucleus 22

    ou Ineraid, de 1 a 8 anos. Em todos os sujeitos, os resultados mostraram evidncia de

    trauma ao ligamento espiral e estria vascular, principalmente no giro basal. Distoro

    e fratura da lmina espiral ssea tambm foram observadas em alguns casos. Houve

    formao de tecido sseo no local da cocleostomia e de cpsula de tecido ao redor do

    feixe dos eletrodos, em todos os casos avaliados. No houve correlao entre a

    quantidade de tecido neoformado e os resultados de percepo de fala.

    Handzel et al. (2005) compararam o nmero de CG em orelhas implantadas e

    no implantadas em 11 sujeitos usurios de IC, unilateralmente. No houve diferena

    estatisticamente significante entre o nmero de CG na orelha implantada e no

    implantada, para os trs primeiros segmentos da cclea (basal e medial). No entanto,

    foi observado menor nmero de CG no segmento 4 (apical) na orelha com IC. Os

  • Reviso de literatura 27

    autores associaram esta diminuio do nmero de CG na regio apical a fatores

    outros, no relacionados diretamente ao trauma da insero dos eletrodos.

    Utilizando microscopia eletrnica de alta resoluo, Glueckert et al. (2005)

    estudaram os ossos temporais de nove indivduos normais e um portador de

    deficincia auditiva em conseqncia de trauma acstico, com o objetivo de avaliar a

    sobrevivncia das estruturas neurais. Com relao ao indivduo com surdez, usurio

    de IC perimodiolar, os resultados mostraram que a densidade de inervao da cclea

    variou entre a base e o pice, atingindo uma inervao mxima no segundo giro

    inferior da cclea. Foi observada intensa interao entre os neurnios apicais, fato

    que poderia explicar a degenerao mais lenta nesta regio. Fatores genticos

    inerentes, bem como diferenas locais na produo de substncias neurotrficas,

    tambm podem estar relacionados ao processo degenerativo mais lento na regio

    medial-apical. No foi observada fibrose na regio apical. Segundo os autores, tal

    achado sugeriria o favorecimento do crescimento dos processos perifricos em

    direo ao feixe de eletrodos. A maioria dos axnios mostrou severa alterao no

    arranjo da mielina. A formao de tecido sseo entre as CG e as estruturas cocleares

    contribuiu para o aumento da resistncia eltrica e diminuio da eficincia do IC. A

    energia necessria para estimular as CG esteve diretamente relacionada densidade

    de proliferao do tecido fibroso.

    O quadro 5 apresenta os principais efeitos causados pela insero do feixe de

    eletrodos s estruturas cocleares e neurais, encontrados nos estudos descritos na

    literatura.

  • Reviso de literatura 28

    Quadro 5. Efeitos da insero do feixe de eletrodos intracoclear.

    Estudos Descrio dos achados cocleares e neurais

    Shindler, 1976; Burton, 1996; Johnsson, 1982; Linthicum Jr et al., 1991; Fayad et al., 1991; Nadol, 1997; Nadol et al., 2001.

    Formao de Tecido sseo e Fibroso ao redor do feixe de eletrodos.

    Johnsson, 1982 ; Nadol, et al., 1994; Nadol et al., 2001.

    Danos s estruturas cocleares.

    Johnsson, 1982; Burton, 1996; Fayad et al., 1991.

    Destruio das clulas ciliadas do rgo de Corti.

    Johnsson, 1982; Fayad et al., 1991; Nadol et al., 1994.

    Degenerao de dendritos.

    Johnsson, 1982; Burton, 1996; Linthicum Jr et al., 1991 ; Nadol et al., 1994, Glueckert et al., 2005.

    Preservao das clulas ganglionares, principalmente na regio apical.

    Handzel et al. 2005. Preservao parcial das clulas ganglionares, principalmente nos segmentos 1 a 3.

  • Reviso de literatura 29

    2.3 O COMPORTAMENTO DO NERVO AUDITIVO EM

    RESPOSTA AO ESTMULO ELTRICO

    Este captulo descreve os estudos relacionados estimulao eltrica no

    nervo auditivo, e quais os possveis efeitos da estimulao liberada pelos

    eletrodos do IC para as estruturas cocleares e neurais, bem como os

    fatores que agem na interface eletrodo-tecido.

  • Reviso de literatura 30

    Estimulao eltrica do nervo auditivo: caractersticas gerais

    A estimulao eltrica capaz de eliciar uma resposta no nervo auditivo - o

    potencial de ao. Este processo possvel graas existncia de um mecanismo

    inerente aos neurnios dos sistemas sensoriais, destinado a identificar e a codificar

    determinado tipo de estmulo. Tal mecanismo denominado cdigo de identificao

    linear, o qual explica o fato dos neurnios sensoriais responderem de maneira

    caracterstica a um tipo especfico de estmulo, o qual, no caso do sistema auditivo,

    trata-se do estmulo sonoro. A excitao do axnio, seja ela natural ou artificial, no

    caso da estimulao eltrica proporcionada pelo IC, ir produzir uma atividade

    neuronal ao longo das vias auditivas, gerando a percepo do estmulo sonoro no

    crtex (Kandel et al., 2000).

    A partir do potencial de ao, os processos de despolarizao e repolarizao

    da membrana celular se propagam ao longo da fibra neural. Estes processos de

    despolarizao e repolarizao so caracterizados pelo fluxo de corrente entrando e

    saindo da membrana do ndulo. Na realidade, o ECAP compreende o registro

    simultneo, a partir de um eletrodo de registro, dos potenciais induzidos por estas

    correntes (Briaire and Frijns, 2005).

    O potencial de ao, gerado pelo estmulo eltrico, e propagado ao longo das vias

    auditivas centrais ao crtex auditivo, difere das respostas obtidas quando o estmulo

    acstico apresentado. Comportamentos no-lineares das fibras neurais em resposta a

    estmulos de mltiplas freqncias, a perda da significativa independncia entre as

    respostas eliciadas em diferentes neurnios estimulados, e a ampla diferena no grau de

    sincronizao so as principais diferenas observadas nas fibras neurais em resposta ao

    estmulo eltrico, as quais no so obtidas quando o estmulo acstico utilizado.

  • Reviso de literatura 31

    Especificamente, a perda da independncia entre as respostas eliciadas em

    diferentes neurnios faz com que, em nveis suficientemente fortes de intensidade, o

    que uma fibra desempenhar, as demais tambm desempenharo, gerando descargas

    em alta freqncia e significativa sincronizao (Shannon, 1989; Javel, 1989;

    Gordon, 2003).

    Estas e outras caractersticas (rea dinmica reduzida e maior freqncia de

    disparo dos potenciais de ao) podem ser, ao menos parcialmente, atribudas

    ausncia dos mecanismos de decodificao dos sons inerentes membrana basilar,

    assim como do processo de transduo das clulas ciliadas do rgo de Corti.

    Comparando-se com a estimulao acstica, as propriedades temporais das respostas

    geradas pela estimulao eltrica so mais sincronizadas, e a adaptao neural

    menor. O maior sincronismo pode ser vantajoso, uma vez que o intervalo das

    mudanas pode ser mais precisamente transmitido ao sistema nervoso central (Brown

    e Abbas, 1990a).

    Graas ao sincronismo de disparo e transmisso, a informao que atinge o

    neurnio de segunda ordem capaz de dispar-lo, gerando um potencial de ao que

    ser transmitido ao longo da via auditiva. A sincronia neural interfere,

    principalmente, na somao temporal das informaes para a gerao deste potencial

    de ao (Abbas, 1998).

    As propriedades das respostas neurais, geradas pelos neurnios auditivos,

    tambm so influenciadas pelo tempo de surdez. Longos perodos de surdez

    podem contribuir para alteraes nas caractersticas de gerao e propagao dos

    potencias de ao.

  • Reviso de literatura 32

    Em um estudo realizado por Shepherd et al. (2004), os autores observaram

    que longos perodos de surdez repercutiram, dentre outros achados, no aumento do

    limiar. Este aumento foi resultado dos seguintes fatores: deslocamento do local de

    gerao do potencial de ao em direo ao soma ou ao axnio; e aumento da

    intensidade do estmulo necessrio para evocar a atividade em neurnios mais

    distais, devido perda dos processos perifricos e degenerao dos neurnios

    auditivos prximos ao eletrodo de estimulao; aumento da capacitncia da

    membrana, em funo da perda de mielina, resultando na necessidade de um maior

    nvel de corrente aplicado membrana, para se gerar a despolarizao e as alteraes

    na distribuio dos canais de sdio dependentes de voltagem, em decorrncia da

    desmielinizao. Em ratos com curtos perodos de surdez, os resultados obtidos

    mostraram existncia de um aumento da probabilidade de disparo e uma

    diminuio da latncia, com o aumento da intensidade do estmulo, achados

    semelhante aos ratos normais.

    A influncia que as caractersticas dos axnios exercem no limiar de gerao

    do potencial de ao foi estudada por Solomonow (1989). Segundo o autor, para um

    dado axnio, a maior parte da corrente estimulatria contorna a fibra, deslocando-se

    para outros axnios, ou fluindo atravs de vias de baixa resistncia, constitudas pelo

    meio extracelular. Os axnios, nos quais o fluxo de corrente passa mais facilmente,

    so os mais excitveis. De modo geral, os axnios de maior calibre tm o menor

    limiar para a corrente extracelular, permitindo que uma frao maior da corrente total

    penetre no axnio, despolarizando-o de maneira mais efetiva. Por essas razes, os

    axnios de maior calibre so recrutados mesmo com fracos nveis de corrente e, os

    de menor calibre, so recrutados em intensidades de corrente relativamente grandes.

  • Reviso de literatura 33

    A configurao do estmulo eltrico e o local de estimulao tambm

    interferem na gerao do potencial de ao, refletindo nas caractersticas do potencial

    gerado. Javel e Shepherd (2000) classificaram as caractersticas das respostas das

    fibras do nervo auditivo frente estimulao eltrica e, as associaram com os locais

    geradores da atividade neural. Gatos com audio normal e com surdez foram

    avaliados. Foram encontrados dois tipos de respostas neurais. A resposta tipo

    apresentou uma atividade neural caracterizada por respostas de curta latncia

    (

  • Reviso de literatura 34

    A estimulao gerada pelo IC, a qual desencadeia a ativao das vias aferentes

    do sistema auditivo, representa uma oportunidade mpar para se estudar diretamente s

    alteraes provocadas por esta estimulao ao sistema nervoso auditivo perifrico e em

    nveis organizacionais superiores. Considerando ainda o crescente nmero de crianas

    implantadas, importante que os profissionais que lidam com tal populao possam

    compreender melhor as conseqncias da estimulao eltrica para o sistema neural

    auditivo, uma vez que estas alteraes, principalmente quando acontecem durante o

    perodo crtico de plasticidade do sistema nervoso, apresentam um papel fundamental

    no desenvolvimento das habilidades auditivas.

    Os reais efeitos que a estimulao eltrica liberada pelo feixe de eletrodos

    causa s estruturas cocleares e s clulas ganglionares ainda no foram totalmente

    compreendidos. Conjectura-se, com base na literatura, que as caractersticas dos

    potenciais de ao evocados eletricamente nas fibras neurais, destacando-se a

    morfologia, a amplitude e o limiar das respostas, dependem de uma srie de fatores,

    dentre os quais poderiam ser elencados: a configurao do estmulo eltrico,

    propriamente dito, as caractersticas da interface eletrodo-tecido neural, as

    propriedades fisiolgicas, o nmero de clulas neurais sobreviventes, e a combinao

    de ambos, tudo isso associado varivel tempo de uso do dispositivo.

    Efeitos da estimulao eltrica: a curto e a longo prazo

    Como os Implantes Cocleares foram os primeiros dispositivos a restaurar

    funcionalmente o sistema sensorial auditivo, em princpio, havia dvidas quanto

    possibilidade da estimulao eltrica a longo prazo pode causar prejuzos ao

  • Reviso de literatura 35

    sistema nervoso. Pensava-se que os campos eltricos poderiam gerar crescimento

    sseo na cclea e ao redor do nervo, bem como lesar os elementos neurais

    remanescentes (Shannon, 1996).

    Considerando estas questes, estudos em animais foram desenvolvidos com

    intuito de investigar os possveis efeitos da estimulao, a curto e longo prazo, s

    estruturas neurais remanescentes.

    Leak e Snyder (1993) estudaram os efeitos morfolgicos causados pela

    estimulao eltrica nas clulas ganglionares espirais em 12 gatos com deficincia

    auditiva congnita de grau profundo causada por ototxicos. Os animais foram

    unilateralmente implantados com o implante Clarion, entre 6 a 16 semanas de idade.

    Os resultados obtidos mostraram um aumento significativo da densidade neural nas

    ccleas estimuladas cronicamente, o que no foi observado nas ccleas no

    estimuladas. Segundo os autores, a estimulao eltrica em gatos, ao menos em

    parte, pode ter gerado o aumento desta densidade. Os autores tambm avaliaram o

    efeito da estimulao eltrica em diferentes regies cocleares. Um subgrupo recebeu

    os pares de eletrodos na base, e o outro, mais prximo ao pice da cclea. Os

    resultados mostraram que o aumento da densidade neural foi maior no segmento

    mais prximo ao par de eletrodos de estimulao, havendo um decrscimo desta

    densidade nos segmentos mais distantes do par de eletrodos.

    Para avaliar os efeitos da estimulao eltrica a longo prazo, Michell et al.

    (1997) utilizaram diferentes freqncias de estimulao (250, 1000 e 2750 Hz), em

    quarenta e duas cobaias com deficincia auditiva causada por ototxicos. As cobaias

    foram divididas em grupos, sendo que um grupo foi implantado e recebeu

    estimulao (A), outro foi implantado, mas no recebeu estimulao (B), e um

  • Reviso de literatura 36

    terceiro grupo no foi implantado (C). O grupo A foi subdividido em animais que

    receberam estimulao semanalmente e animais estimulados diariamente, durante 42

    dias. Os resultados mostraram que houve formao de tecido sseo nas orelhas

    implantadas, ao longo do feixe de eletrodos. Houve uma melhora na sobrevivncia

    das clulas ganglionares em todas as condies de estimulao, em comparao ao

    grupo que no recebeu estimulao e ao grupo no implantado.

    Dodson e Mohuiddin (2000) encontraram resultados semelhantes,

    confirmando a possibilidade da ativao do nervo auditivo pela estimulao eltrica

    resultar em uma maior preservao no nmero de CG no lado estimulado, quando

    comparados com o lado no estimulado em cobaias. Segundo estes autores, a

    estimulao eltrica pode ter sido a responsvel por prevenir a perda da camada de

    mielina, ou por estimular a remielinizao, aumentando a sobrevivncia neural.

    Os efeitos da estimulao eltrica gerada pelo IC tambm foram descritos por

    Klinke e Hartmann (1997). Segundo os autores, as vias auditivas centrais em gatos

    congenitamente surdos no transmitiam a informao do sinal acstico do ambiente

    ao crtex. Diante desta situao, foi observada a imaturidade nas sinapses. Somente

    aps a maturao das mesmas, no caso, observada aps o IC, as estratgias de

    processamento do estmulo acstico poderiam ser adquiridas.

    A anlise de trs ossos temporais em humanos, realizada por Terr et al. (1989),

    os quais apresentaram diferentes tempos de uso do IC (5-9 anos), mostrou no haver

    diferenas qualitativas e quantitativas substanciais entre as estruturas neurais

    submetidas a curtos e longos perodos de estimulao. As alteraes histopatolgicas

    encontradas no nervo auditivo foram associadas, pelos autores, a outros fatores, como

    por exemplo, a ocorrncia de processos degenerativos, ou devido a caractersticas da

    prpria etiologia da surdez e no exposio ao estmulo eltrico.

  • Reviso de literatura 37

    Investigaes recentes tm identificado diversos mecanismos celulares e

    moleculares para preservar ou regenerar as clulas ganglionares. Dentre elas,

    destacam-se: a pesquisa com fatores neurotrficos e com clulas-tronco, e a

    investigao sobre a restaurao da atividade neural via estimulao eltrica. Para

    Hardie (1998), o elemento crucial para evitar a resposta celular degenerativa a

    possibilidade de se manter a atividade eltrica do nervo auditivo.

    Segundo Roehm e Hansem (2005), alm dos fatores trficos, tanto a

    atividade sinptica, como a eltrica, ao nvel da membrana, proporcionam

    refinamento adicional circuitaria neuronal. Resultados encontrados em modelos

    animais tm demonstrado que a reposio dos fatores neurotrficos e/ou a utilizao

    da estimulao eltrica, via IC, atenuaram o processo de degenerao das clulas

    ganglionares, contriburam para a ativao de clulas neurais ao longo do tempo, e

    para a manuteno da inervao coclear aferente. Durante tais processos, o on

    Clcio (Ca2+) apresenta significativa participao. In vivo, a partir da estimulao

    eltrica gerada pelo IC, a despolarizao das clulas ganglionares leva a um aumento

    da concentrao do on Clcio (Ca2+) intracelular, via ativao dos canais de Ca2+

    dependentes de voltagem. Este aumento do Ca2+ intracelular ativa mltiplas cascatas

    enzimticas, fundamentais para a sobrevivncia da clula.

    Modelo do Dispositivo Interno

    No que se refere aos eletrodos intracocleares, segundo Spelman (1989),

    quando so destinados a injetar uma corrente eltrica em tecidos e a registrar os

    potenciais evocados resultantes, estes eletrodos devem ser feitos de materiais que

    minimizem a gerao de produtos txicos. O feixe de eletrodos deve ser pequeno

  • Reviso de literatura 38

    para minimizar os danos ao tecido, e para que seja possvel obter um nmero

    apropriado de amostras espaciais dos tecidos neurais. Eletrodos com tamanho

    reduzido requerem menores nveis de corrente, uma vez que a densidade da corrente

    na superfcie do eletrodo de estimulao deve ser mantida em nveis seguros,

    evitando-se alteraes qumicas nas regies prximas ao tecido neural.

    Nos ltimos anos, tm sido observados muitos avanos na tecnologia

    empregada nos Implantes Cocleares com objetivo de melhorar a percepo de fala e

    a interao com as estruturas cocleares e neurais. A interface entre eletrodo e nervo

    auditivo, dada a importncia desta regio para a transmisso do fluxo da corrente

    eltrica que atinge o nervo auditivo, tornou-se alvo das inovaes tecnolgicas

    desenvolvidas nos modelos de Implantes Cocleares.

    Baseado em estudos experimentais, Implantes Cocleares contendo feixe de

    eletrodos posicionados mais prximos do modolo (feixe de eletrodos

    perimodiolares), com eletrodos apresentando metade da superfcie de contato,

    denominados de eletrodos meia banda, foram desenvolvidos. Tais modelos, como

    o caso do modelo Nucleus 24R (CS) ilustrado na figura 3, tm a finalidade de:

    reduzir os nveis de corrente necessrios para estimular as fibras do nervo auditivo,

    aumentar a rea dinmica para estimulao, evitar a interao entre diferentes

    populaes de fibras, e tornar o estmulo eltrico cada vez mais efetivo em eliciar

    uma resposta neural, proporcionando a possibilidade de criao de novas estratgias

    de codificao da fala (Sauders et al., 2002).

  • Reviso de literatura 39

    Figura 3. Raio X do Implante Coclear modelo Nucleus 24 R (CS) Contour. Fonte: Clark,

    G. M. Cochlear Implant in children: safety as well as speech and language. Int Congress

    Series, v.1254, p.7-25, 2003.

    Com o objetivo de comparar os diferentes modelos de feixes intracocleares,

    no que se refere ao nvel de corrente necessrio para estimular as fibras auditivas,

    Saunders et al. (2002) avaliaram as modificaes nos nveis psicofsicos e nos

    valores das impedncias, entre intervalos superiores a 12 semanas. Foram avaliados

    21 usurios de Implante Coclear Nucleus 24R (CS) Contour, e 36 usurios de

    Nucleus 24 R (ST) Standard. Com base nos resultados obtidos, os autores

    encontraram diferentes padres de crescimento de tecido fibroso, aps a insero do

    feixe de eletrodos e a estimulao entre os dois modelos de implante. Maiores nveis

    de impedncia foram obtidos nos eletrodos do modelo Contour, principalmente na

    regio basal. Os autores associaram tal achado formao de uma cpsula de tecido

    fibroso na regio basal.

  • Reviso de literatura 40

    Impedncia dos eletrodos e Campos Eltricos

    Independente do modelo de eletrodo utilizado, a modificao na impedncia

    dos eletrodos tambm interfere no processo de estimulao eltrica das fibras do

    nervo auditivo.

    Segundo Hughes et al. (2001), tais modificaes, atribudas s alteraes

    qumicas que ocorrem na interface eletrodo-tecido, teriam incio a partir da ativao

    do feixe de eletrodos. Aps a ativao, uma camada hdrica tende a se formar na

    superfcie do eletrodo. O resultado final dessa camada hdrica um aumento da rea

    de contato dos eletrodos, a qual, dessa maneira, contribuiria para a diminuio dos

    valores de impedncia, quando obtidas no momento da cirurgia e aps a ativao. A

    maior superfcie de contato dos eletrodos basais, associada ao maior volume coclear

    nesta regio, tambm foram considerados fatores que contriburam com a diminuio

    dos valores de impedncia.

    Modelos experimentais indicaram que a medio das impedncias

    influenciada pela separao entre os pares de eletrodos, pela separao entre as

    fontes de energia (figura 4) e os sensores de voltagem, e pela proximidade do feixe

    de eletrodos aos limites do tecido. Em 1993, Miller et al. observaram um maior

    recrutamento de fibras neurais, mensurado pela onda I do EABR, em feixes de

    eletrodos posicionados em regies intermedirias. Segundo os autores, tal posio

    proporcionou campos de excitao irrestritos, no limitados pelas altas impedncias

    presentes em inseres mais prximas ao modolo.

  • Reviso de literatura 41

    Eletrodo ativo

    Impedncia

    VCorrente Eltrica

    Eletrodo de referncia

    Figura 4. Impedncia entre o eletrodo ativo e o de referncia: Influncia da voltagem (V) e

    da corrente eltrica. Fonte: Cochlear Corporation. Nucleus NRT 3.0. Englewood, Cochlear

    Co. 2002. 1 cd-rom.

    Independente do modelo de Implante Coclear utilizado e da proximidade do

    feixe de eletrodos das fibras neurais, os eletrodos intracocleares, quando estimulados,

    geram determinados padres de campos eltricos dentro da cclea. Nas proximidades

    dos elementos neurais, esses campos surgem como gradientes de voltagem

    extracelular, os quais percorrem toda a extenso dos neurnios (Finley et al., 1989).

    Os campos eltricos so gerados entre dois eletrodos polarizados com

    diferentes voltagens, imersos em um meio, cuja resistncia menor que infinito e

    maior que 0. Os campos eltricos formam contornos elpticos de voltagem e de

    corrente ao redor de cada eletrodo, sendo que a corrente eltrica sempre flui do plo

    positivo (eletrodo de estimulao) para o negativo (eletrodo de registro). Alteraes

    nas resistncias do meio podem distorcer os contornos elpticos, podendo

    interromper ou modificar as vias das correntes eltricas (Parkins, 1995).

    Os campos de voltagem extracelular produzem um fluxo de corrente para

    dentro e para fora dos elementos neurais, dependendo das impedncias locais de suas

  • Reviso de literatura 42

    membranas, bem como da magnitude e da direo da corrente em relao ao eixo do

    neurnio. Para as fibras mielinizadas, o vetor mais efetivo da corrente o paralelo

    fibra. Se os elementos neurais forem suficientemente despolarizados, os potenciais

    de ao gerados iro propagar-se, ao longo dos axnios, at o ncleo coclear.

    Globalmente, estes eventos ocorrem simultaneamente, mas em estgios diferentes

    entre a populao neural, produzindo um conjunto de respostas neurais estimulao

    (Finley et al., 1989; Parkins, 1995).

    Resultados semelhantes foram encontrados por Kral et al. (1998). Estes

    autores investigaram a resoluo espacial do estmulo eltrico liberado pelo feixe de

    eletrodos inserido na cclea de gatos. Os campos dos potenciais gerados pelos

    eletrodos foram mensurados em um reservatrio contendo soluo salina. Segundo

    os autores, a magnitude dos campos eltricos no foi o fator determinante na

    estimulao dos neurnios. A efetividade da estimulao eltrica, em atingir os

    limiares das fibras, dependeu da exata orientao das fibras dentro do campo eltrico.

    Correntes perpendiculares s fibras nervosas foram menos efetivas do que correntes

    paralelas s fibras. Houve uma melhora na resoluo espacial do estmulo

    intracoclear no pice da cclea.

    Dentre os achados constatados nos estudos post-mortem, no que se refere s

    alteraes que ocorrem na interface eletrodo-tecido, ao longo do tempo de exposio

    estimulao eltrica, destaca-se a existncia de formao de tecido fibroso.

    Segundo Shepherd et al., 1991, provvel que exista um encapsulamento do

    feixe de eletrodos por tecido fibroso aps a implantao. O crescimento de tecido ao

    redor do eletrodo tende a aumentar a impedncia no local ao longo do tempo,

    resultando em pulsos de corrente assimtricos, e afetando a distribuio da corrente

  • Reviso de literatura 43

    dentro da cclea. O conjunto destas alteraes pode contribuir para que haja

    alteraes na percepo auditiva. Tais consideraes tambm foram realizadas por

    outros autores (Finley et al., 1989; Charlet de Sauvage et al., 1997).

    A empresa fabricante do Implante Coclear considera, de fato, que as

    mudanas nos valores da impedncia, ao longo do tempo de uso do IC, podem ser

    explicadas como sendo o resultado da camada de tecido protetor que cresce ao redor

    do feixe de eletrodos, considerada uma reao natural do organismo a um corpo

    estranho, mesmo se tratando de um material biocompatvel. No entanto, outras

    alteraes anatmicas, hormonais, alrgicas, biolgicas e/ou eletroqumicas podem

    ocorrer aps a insero, ou aps a ativao dos eletrodos.

    No entanto, apesar da existncia das variaes nos valores da impedncia, os

    nveis T e C, assim como a percepo dos sons, no se alteraram, pois o IC contm

    um sistema de fonte de corrente, o qual, automaticamente, mantm a corrente

    necessria para estimular as fibras do nervo auditivo, mesmo havendo alteraes nos

    valores da impedncia. Este sistema funciona adequadamente, exceto nos casos em

    que a impedncia atinge valores tais, que levam o sistema a um estado de fora de

    complincia (Cochlear Corporation, 1999).

    Potenciais Evocados Auditivos para avaliar os efeitos do estmulo eltrico

    Uma maneira de acompanhar as modificaes que ocorrem, desde a liberao

    do estmulo pelos eletrodos, at o comportamento neural em resposta a este estmulo,

    d-se por meio da avaliao peridica dos potenciais auditivos eletricamente

    evocados. Para Brown et al. (1994), as respostas evocadas registradas podem

    fornecer valiosas informaes a respeito dos processos que norteiam a gerao e a

  • Reviso de literatura 44

    transmisso do fluxo eltrico, uma vez que refletem a interao entre a interface

    eletrodo-tecido neural. Estudos modificaes nas ondas dos potenciais evocados

    (EABR e ECAP), principalmente durante os primeiros meses de uso do IC.

    Shepherd et al. (1994) examinaram os efeitos trficos, a longo prazo, da

    estimulao eltrica do nervo auditivo em oito gatos, implantados unilateralmente.

    Foram registrados os potencias auditivos evocados eletricamente durante um perodo

    superior a quatro meses. No foram observadas alteraes significativas ao longo do

    tempo, com exceo do aumento da amplitude das respostas obtidas no EABR

    (Electrically Evoked Auditory Brainstem Response). Os limiares permaneceram

    relativamente estveis. Para os autores, estas alteraes resultaram de modificaes

    na distribuio da corrente intracoclear devido ao encapsulamento dos eletrodos pelo

    tecido fibroso, no podendo ser justificadas por alteraes no estado ou recrutamento

    das fibras auditivas.

    Shepherd e Javel (1997) avaliaram os potenciais evocados em seis gatos

    implantados que receberam estimulao eltrica crnica. Foram observados: aumento

    do perodo refratrio, respostas assistemticas ao estmulo eltrico, aumento dos

    limiares do EABR, e diminuio da amplitude do ECAP ao longo de tempo. Os

    autores consideraram que o valor da amplitude da onda I do EABR foi um

    apropriado indicador da sobrevivncia das clulas ganglionares. Segundo os autores,

    tais resultados podem ter sido reflexo da degenerao dos processos perifricos e da

    menor participao das fibras neurais para gerar o ECAP, de modo a alterar,

    significativamente, as propriedades neurais, tais como, a capacitncia e a resistncia

    da membrana neural, alm da permeabilidade dos canais de sdio e potssio. Com o

    tempo, podem ter ocorrido alteraes na impedncia eltrica em diferentes locais da

    cclea, afetando a distribuio dos campos eltricos durante a estimulao.

  • Reviso de literatura 45

    Outros autores no relacionam as alteraes nas respostas neurais qualidade

    ou quantidade de corrente eltrica que atinge as estruturas neurais. Para Shepherd e

    Hardie (2001), os potenciais evocados auditivos podem apresentar uma melhora nos

    registros ao longo do tempo de uso do IC. Esta melhora pode ser atribuda a

    mecanismos de plasticidade das fibras neurais em resposta ao estmulo eltrico. Para

    estes autores, a perda dos processos perifricos das clulas ganglionares, associada

    desmielinizao das mesmas, elevam o limiar e prolongam a latncia dos potenciais

    evocados, alm de alterarem as propriedades refratrias e temporais das fibras

    neurais. A despolarizao das fibras neurais constitui uma fonte substancial de

    suporte neurotrfico para as clulas ganglionares espirais.

  • Reviso de literatura 46

    2.4 ENTENDENDO O IMPLANTE COCLEAR

    Este captulo contm uma breve descrio sobre o Implante Coclear

    Nucleus 24, seus componentes, funcionamento e softwares de

    programao.

  • Reviso de literatura 47

    Consideraes iniciais

    Dentre as denominadas prteses neurais, os Implantes Cocleares so os

    exemplos mais bem sucedidos da classe de dispositivos biomdicos. O objetivo

    principal das prteses neurais corrigir as disfunes do sistema motor ou sensorial,

    por meio da utilizao de componentes eletrnicos, os quais iro substituir elementos

    ausentes ou danificados do sistema neural (Loeb, 1996).

    Mais do que qualquer outro sentido, a audio depende da deteco de

    flutuaes do estmulo sonoro ao longo do tempo. O sinal acstico caracteriza-se por

    flutuaes contnuas de uma nica varivel, a presso sonora. Os componentes

    interno e externo do Implante Coclear so responsveis por converter a informao

    acstica em estmulos eltricos, preservando as caractersticas mais relevantes do

    sinal sonoro, de modo a proporcionar ao usurio uma adequada percepo dos

    estmulos ambientais (Shannon, 1998).

    Componentes e Funcionamento

    O IC Nucleus 24 apresenta dois componentes: interno e externo. O

    componente interno composto por: antena transmissora interna,

    receptor/estimulador envolvido hermeticamente em uma cpsula de titnio e coberto

    po