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#1.3.Março.2015. TRIMESTRAL. ESTA REVISTA É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL LUSO RÚSTICO NOTÍCIAS Nº1. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE. HISTÓRIA Os heróis ao longo do tempo ATUALIDADE A Geração X fala

Temas com Asas #1

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Page 1: Temas com Asas #1

#1.3.Março.2015. TRIMESTRAL. ESTA REVISTA É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL LUSO RÚSTICO NOTÍCIAS Nº1. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

HISTÓRIA

Os heróis ao

longo do

tempo

ATUALIDADE

A Geração X

fala

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“Temas com asas” (Nota das autoras)

A “temas com asas” surgiu a propósito de uma proposta de trabalho que consistia em desenvolver e relacionar temas como a definição de uma identidade nacional coletiva e a defesa da liberdade. Enquanto redatoras de uma revista nunca antes publicada, optámos por nos restringir a um assunto específico, também pelo facto de não termos forma de prever o sucesso da publicação – a adesão ou rejeição dos leitores. Procurámos realizar um trabalho com qualidade, tanto a nível gráfico como ao nível do conteúdo. Analisadas, pensadas e repensadas as hipóteses disponíveis decidimo-nos por uma questão cuja resposta concordamos ser fundamental nos dias que correm e que referiremos mais à frente. Como qualquer assunto está associado a uma ou mais personalidades e aqueles que abordaremos neste projeto não são exceções, selecionámos 7 indivíduos que considerámos heróis para representar o nosso tema. Note-se que um deles é uma personagem fictícia criada por nós com o intuito de homenagear todos aqueles cujo esforço não foi suficientemente valorizado. De forma a respeitar as condições da proposta e aproveitando para facilitar a localização do leitor no tempo, dispusemos todas estas entidades num friso cronológico. Tínhamos estabelecido como principal objetivo a partilha, com os leitores, do resultado da mistura entre as nossas ideias soltas e aquelas que já foram transformadas em teorias. Por conseguinte, aproveitámos todos os campos onde a nossa opinião pessoal pudesse ser expressa. Escrever é o nosso ponto forte.

De que forma é que a luta contra a opressão e a defesa da liberdade contribuíram para a definição do povo português? Dado o impacto maioritariamente negativo da última crise financeira no estado de espírito dos membros da sociedade, responder à questão anterior recordará aos leitores as vitórias alcançadas no passado. Há que manter o patamar ao qual se chegou e continuar a desenvolver o país, em vez de se perder tempo a arranjar pretextos para ceder ao comodismo. É necessário que os portugueses transformem Portugal numa potência forte e não que continuem encostados à sombra dos Descobrimentos. É necessário que os portugueses eliminem os preconceitos que ainda metem medo e não que se contentem com a extinção do “lápis azul”.

Aproveite esta edição para ir ao cinema. São mais do que um os episódios associados às batalhas referidas na pergunta que abriu este texto, assim como são vários os tipos de opressão observados ao longo do tempo. Porém, a revolução do 25 de abril e a opressão psicológica (mais precisamente a que teve como alvo o género feminino) são, respetivamente, o episódio e a categoria excelentes para servir de argumento para o seu filme. Reveja ou conheça o impacto da atitude do Capitão Salgueiro Maia. Recorde ou a descubra o valor da voz de Zeca Afonso. Relembre ou encontre a magia das palavras de alguns poetas do século XX. Relacione ambos com aquilo que se vive presentemente e veja o que a geração X tem a dizer sobre o assunto.

Reflita com a sua revista, dando asas ao seu pensamento.

A redação da Temas com Asas.

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DE 3. MARÇO A 14.ABRIL 2015

Definição de conceitos

O herói aos nossos olhos

Cronologia

Os heróis no tempo

Momentos de partilha

Parafraseando

Maia e Afonso: Uma equipa

A luta contra a opressão e a defesa da liberdade enquanto

maço e malhete

Entrevista

O que pensa a Geração X?

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O herói aos nossos olhos

Consideramos que a definição de “herói” é vastíssima, principalmente pelo facto de englobar não só o domínio da mitologia, mas também o domínio dos homens. Foi um conceito que variou ao longo do tempo, de maneira a ser enquadrada tanto nas diferentes épocas históricas como nas correntes de pensamento representativas de cada uma delas. Atualmente, já não é tão associado à figura do super-homem que salva o mundo por ter capacidades superiores às do homem comum nem à do deus autor de milagres inexplicáveis, por exemplo.

Contudo, e apesar de não sermos totalmente apologistas da criação de estereótipos, não podemos deixar de concordar que, para um homem adquirir o estatuto de herói, é necessário que possua um determinado conjunto de caraterísticas essencialmente baseadas na fé (religiosa ou não) e na determinação. Um herói tem de ter, logo à partida, autonomia e uma grande força de vontade, que lhe permita transformar a ideia que tem em mente numa meta a alcançar. Está dependente da coragem e da bravura para enfrentar todas as adversidades que possam surgir durante o seu percurso, superando, assim, os medos que eventualmente tenha. Depende, também, da persistência, para não cair na tentação de desistir do seu objetivo antes de o alcançar. É alguém que apresenta uma estrutura psicológica suficientemente forte que lhe possibilite deixar não apenas os entes queridos, mas também a terra natal, quando necessário. No fundo, é

alguém que, tendo as prioridades muito bem estabelecidas, se rege por ideais nobres e justos. Pode ser considerado um mártir pelo facto de, por vezes, se focar no cumprimento da sua missão a ponto de considerar a perda da própria vida um mal menor.

Cumprida essa missão, o impacto (logicamente positivo) da mesma é um outro fator determinante na definição do respetivo autor. Aquilo que o herói alcança deve funcionar como uma motivação para aqueles que o rodeiam, isto é, como um ponto de partida para novas ações, ou como um ponto de viragem, seja a que nível for.

É importante referir, ainda, que um herói que se preze não ambiciona qualquer tipo de reconhecimento ou glória. Filosoficamente argumentando, o herói deve agir em conformidade com a sua boa vontade e unicamente por respeito ao dever. As suas ações devem ser um fim em si mesmas e não um simples meio de obter recompensas.

Pois todas as personalidades que escolhemos são heróis, cada uma à sua maneira. Todos moveram massas, uns mais rápida e diretamente do que outros. Todos foram admirados, uns por uns motivos, outros por outros. Todos deixaram o seu nome marcado na história do nosso país? Não. Porém, todos deixaram que os seus feitos levassem o povo a marcar o seu nome na história do nosso país.

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1929

Zeca Afonso (José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos)

Nascimento: Aveiro, 2 de agosto de 1929 Morte: Setúbal 23 de fevereiro de 1987 Profissões/ocupações: Cantor e compositor português Contribuição na luta contra a opressão/ defesa pela liberdade (em Portugal): Em 1963, editou os primeiros temas de caráter definitivamente político - Os Vampiros e Menino do Bairro Negro. No primeiro expressou a sua opinião acerca da opressão do capitalismo e no segundo descreveu a miséria do Bairro do Barredo, no Porto. O disco Baladas de Coimbra, ao qual pertenciam ambos os temas, acabou por ser proibido pela Censura, o que não impediu que Os Vampiros viesse a tornar-se um símbolo de resistência antissalazarista. Defendeu ideais de independência assim que começou a sua carreira política (entre 1964 e 1967). Em 1971, editou Cantigas do Maio, o qual incluía Grândola, Vila Morena. Como é sabido, a canção foi a senha do MFA no golpe da madrugada de 25 de abril, tendo permanecido na memória do povo como uma das mais marcantes do período revolucionário em questão. Após a revolução, continuou a defender ativamente a liberdade, através da realização de sessões de apoio a vários movimentos portugueses, como o MFA.

António de Spínola

Nascimento: Estremoz, 11 de abril de 1910 Morte: Lisboa, 13 de agosto de 1996 Profissões/ ocupações: Militar e político português Contribuição na luta contra a opressão/ defesa pela liberdade (em Portugal): Foi o primeiro Presidente da República após o 25 de abril (estando no poder desde 15 de maio 1974 até 30 de setembro de 1974), sendo que, durante o mandato, mostrou-se descontente com o rumo que o país tomava devido ao choque com as correntes mais radicais do MFA (do qual era membro). Essas correntes forçaram-no a aceitar a independência brusca e desinteressada das colónias, o que entrou em confronto com a sua intenção de cedê-la de forma pacífica e atribuindo aos povos colonizados o respeito que mereciam. A 28 de setembro de 1974, tentou um golpe contra a radicalização política. Apesar de não ter tido sucesso, continuou a manifestar-se contra o MFA, o que foi evidenciado pelo golpe militar de 11 de março de 1975, novamente destituído de efeito. Envolveu-se no MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), mantendo vivo o seu objetivo de derrubo do MFA.

Maria de Lourdes Ruivo da Silva de Matos Pintasilgo

Nascimento: Abrantes, 18 de janeiro de 1930 Morte: Lisboa, 10 de julho de 2004 Profissões/ocupações: Engenheira química, Dirigente eclesial e Política portuguesa Contribuição na luta contra a opressão/ defesa pela liberdade (em Portugal): Foi a primeira mulher a exercer o cargo de Primeira-Ministra, que desempenhou até abril de 1974. A sua ação governativa caraterizou-se pela preferência do diálogo, bem como pela evidente preocupação de justiça social que trespassou a produção legislativa da época. Na qualidade de Procuradora, assinou com “voto vencido” vários pareceres, relativos a questões como a liberdade de imprensa, o que revela o seu interesse por esta causa. Integrou a Delegação Portuguesa à Assembleia Geral da ONU, tendo aí realizado cinco intervenções relativas a problemáticas como o direito dos povos à autodeterminação e a condição feminina. Em 1975 exerceu o cargo de Presidente da Comissão da Condição Feminina. No ano de 1979, foi recomendada pelo Presidente da República – o general Ramalho Eanes - para chefiar o V Governo Constitucional (1 de agosto de 1979 a 3 de janeiro de 1980). Participou em inúmeros colóquios em universidades, em entidades internacionais (como a ONU, a UNITAR a NATO e a UNESCO), em associações e movimentos femininos e em fóruns políticos. Nesses encontros discutiu temas relacionados com os vários aspetos da intervenção das mulheres na sociedade civil, com o desenvolvimento e a qualidade de vida nacional, com a democracia em geral e com a reforma do Estado.

1910 1929 1930

Os heróis no tempo

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Álvaro Manuel Soares Guerra

Nascimento: Vila Franca de Xira, 19 de outubro de 1936 Morte: Vila Franca de Xira, 18 de abril de 2002 Profissões/ocupações: Político, diplomata, escritor e jornalista português Contribuição na luta contra a opressão/ defesa pela liberdade (em Portugal): Manifestou-se contra o salazarismo e contra a guerra colonial. Interveio ativamente no jornalismo, através da colaboração na redação dos jornais "República" e “Caso República”, entre maio e julho de 1975. Deste modo, estabeleceu ligações com os oficiais do MFA, levando consigo cerca de duas dezenas de civis que apoiaram os militares.Contribuiu para a fundação do jornal “A Luta”, que apresentava, à semelhança de “República” e “Caso República”, uma vertente oposicionista ao regime.

1936

Salgueiro Maia

Nascimento: Castelo de Vide, 1 de Julho de 1944 Morte: Lisboa, 4 de Abril de 1992 Profissões/ocupações: Alferes em Moçambique e capitão do exército português Contribuição na luta contra a opressão/ defesa pela liberdade (em Portugal): Foi um militar que se tornou num distinto capitão do Exército Português. Durante a revolução de 25 de abril, liderou as forças revolucionárias que cercaram os ministérios do Terreiro do Paço, forçando a rendição de Marcelo Caetano, no Quartel do Carmo, e obrigando o Presidente a entregar a pasta do governo a António de Spínola.

1944

Laudelino Silva (Personagem fictícia)

Nascimento: Lisboa, 14 de julho de 1939 Profissões/ocupações: Operário português de uma fábrica de conservas também portuguesa Contribuição na luta contra a opressão/defesa pela liberdade (em Portugal): Participou em várias manifestações de oposição ao regime salazarista; Apoiou as tropas revolucionárias na madrugada de 25 de abril de 2015, mais precisamente no momento da tomada do edifício onde se encontravam o Primeiro-Ministro e os restantes elementos integrantes do governo; Colocou a sua vida em perigo ao violar as regras que limitavam a liberdade, sobretudo a de expressão, dos cidadãos em geral; Apesar das dificuldades pelas quais passou não só durante a madrugada da revolução, mas também nos períodos imediatamente anterior e posterior a essa, não abandonou a pátria nem quando a emigração representava a solução mais eficaz para os problemas. Curiosidade: Foi punido pela PIDE por se ter mantido fiel às suas convicções – enquanto conversava num café com colegas de trabalho, emitiu um comentário de caráter oposicionista (ao regime em vigor na época) que não agradou a dois agentes que o ouviram quando passaram pelo estabelecimento.

1939

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25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silêncio E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas'

As Portas que Abril abriu

«Era uma vez um país onde entre o mar e a guerra vivia o mais infeliz dos povos à beira-terra.

(...)

Era uma vez um país de tal maneira explorado pelos consórcios fabris pelo mando acumulado pelas ideias nazis pelo dinheiro estragado pelo dobrar da cerviz pelo trabalho amarrado que até hoje já se diz que nos tempo do passado se chamava esse país Portugal suicidado.

(...)

25 de Abril Esta é a madrugada que eu aguardava O dia inicial completo e limpo Onde despontamos da noite e do sigilo E livres povoamos a essência do tempo

As Portas que baril abriu Era uma vez um território onde entre as águas salgadas e a luta habitava a mais triste das nações à beira-terra. (…) Era uma vez um território de tal forma explorado pelas companhas fabris pelo mando aglomerado pelos ideais nazis pela fortuna destruída pela submissão pelo labor atado que até hoje já se diz que no passado longínquo se nomeava esse território Portugal por sua mão aniquilado.

(…)

Parafraseando…

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Foi então que Abril abriu as portas da claridade e a nossa gente invadiu a sua própria cidade. Disse a primeira palavra na madrugada serena um poeta que cantava o povo é quem mais ordena.

(...)

Foi esta força viril de antes de quebrar que torcer que em vinte e cinco de Abril fez Portugal renascer. E em Lisboa capital dos novos mestres de Afiz o povo de Portugal deu o poder a quem quis.»

Ary dos Santos, in José Carlos Ary dos Santos - Obra Poética

Foi aí que abril abriu as portadas da luz clara e o nosso povo se espalhou por entre a sua própria cidade. Rompeu o silêncio que já há muito durava, na madrugada calma e silenciosa um poeta que declamava o povo é quem mais comanda. (…) Foi esta virilidade movida pelo “antes partir que entortar” que no vigésimo-quinto dia do mês de abril fez Portugal ressuscitar. E em Lisboa cidade mestra dos novos comandantes o povo português cedeu o domínio a quem o quis.

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Maia e Afonso: Uma equipa

Até aqueles atos que pareciam não passar de demonstrações de rebeldia, aglomerados, contribuíram para o sucesso da revolução dos cravos, através da persistência, na teoria, e da pressão, na prática. O trabalho feito “nos bastidores” é claramente fundamental, todavia tem de haver um líder que aja e um aliado que lhe dê voz.

Na madrugada do 25 de abril, antes de as linhas de rádio serem abertas, pairava, em conjunto com a dúvida e com o receio, o silêncio sombrio que já foi descrito de tão variadas formas. Foi nesse preciso momento que se ouviu algo: “Grândola, vila morena”. Era a voz de Zeca Afonso a recuperar a esperança, a chamar pela motivação de um povo inteiro. Foi essa voz que tornou real a revolução.

Durante todo o período de marcha, os militares revelaram uma força suprema, tanto física como psicológica. Todavia, foi Salgueiro Maia quem guiou os guiou até ao Quartel do Carmo, garantindo que se mantinham unidos, que não perdiam o fôlego e que seguiam minuciosamente o plano estruturado. Foi ele quem dirigiu o movimento.

É este o motivo pelo qual deve ser atribuído, além do título de herói, especial valor a estas duas individualidades, cujas ações se complementaram, no período em questão. Moveu-se uma massa, mas alguém teve de dar a cara por ela.

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A luta contra a opressão e a

defesa da liberdade enquanto maço

e malhete

Muitas palavras lemos e ouvimos nós, enquanto tentávamos criar um fio condutor que nos permitisse responder à questão-problema da qual partimos. A extensão da história nacional que temos para contar dificulta bastante o exercício de assimilação de todas as batalhas onde fomos guerreiros. Não é fácil viver no presente, olhar para o passado e entender, de imediato, nem o impacto da luta contra a opressão (financeira ou social), nem a influência da constante defesa da liberdade (pessoal, de outrem ou de expressão), no molde da nossa personalidade. Tentemos.

Se não quisermos sair do ano de 1974, podemos afirmar que após o 25 de abril, os direitos do homem foram, gradualmente, sendo igualados aos da mulher. Na altura, era cada vez mais fácil observar mulheres com profissões que, anteriormente, eram associadas apenas a homens. Além do mais, os membros do casal contribuíam de igual forma não só para o sustento da família, como também para a manutenção do lar, ou seja, o modelo “homem na fábrica, mulher em casa” perdeu seguidores. Não foi fácil para os representantes do sexo masculino aceitar a nova realidade, mas aconteceu. Estas pequenas alterações transferiram da ficção para a realidade a criança que afirma ter uma mãe polícia, assim como deram vida à esposa que pede ao marido que aspire a casa. Isto significa que, a mulher portuguesa que há 40 anos vestiu umas calças e foi procurar emprego fora de casa, é a razão pela qual, hoje, a Engenheira Assunção Cristas é a Ministra da Agricultura. Os portugueses estão agora livres do caráter machista que no passado os definia de forma tão justa. Ainda há muito trabalho por fazer. Os papéis de

género, por exemplo, ainda são grandes fantasmas. Porém, metade do caminho já foi percorrido.

Ao mesmo tempo que isto acontecia, os cidadãos em geral iam sendo desacorrentados. Parte dos indivíduos detidos pela PIDE conheceram as celas portuguesas devido ao facto de terem expressado, através da escrita, ideias que diferiam daquelas que eram aceites pelo Professor António de Oliveira Salazar. Note-se que foram apreendidas centenas de livros (alguns dos quais continham poemas destinados a ser cantados) na época. Ora, foi a coragem caraterística dos músicos de intervenção, por exemplo, que permitiu a participação dos Homens da Luta no Festival da Canção de 2010. Pela mesma lógica utilizada no argumento anterior, os portugueses estão agora livres do silêncio que tanto os prendia no passado. Ainda muita gente franze o cenho quando passa pelo quiosque e lê determinados títulos, especialmente dos “tablóides”. Mas a censura foi abolida. Um grande passo já foi dado.

Portugal é o bloco a esculpir, então a sociedade é o escultor. Tal como cada indivíduo é o reflexo das suas escolhas e experiências, cada país é o resultado das ações dos seus habitantes. Se somos aquilo que somos hoje, tal deve-se a todos os gritos, a todo o esbracejar, a todas as lutas, grandes e pequenas, que constam da história do nosso país. Somos uma escultura que está a milhas da perfeição, mas à semelhança daquilo que se tem verificado, temos tudo à disposição. Felizmente, temos um escultor que nunca largará o seu maço nem o seu malhete.

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O que pensa a geração X?

Hoje, eles são pais, filhos e trabalhadores árduos, mas são, sobretudo, participantes ativos da vida política em sociedade. A mentalidade que os descreve, obrigatoriamente aberta pelas experiências que tiveram, permite fazer uma reflexão saudável sobre o contraste entre o passado e o presente. João Mira de 53 anos, natural de Moscavide e Otília Brinkers de 50 anos, natural de Albufeira são membros da geração X que partilharam o seu ponto de vista em relação à contribuição da luta contra a opressão e da defesa da liberdade na definição dos portugueses enquanto povo.

Na madrugada de 25 de abril estava a viver a sua infância, pelo que

pôde observar a evolução da sociedade até aos dias de hoje. Acha que esse episódio teve influência no desenvolvimento do povo português a nível social? João Mira: Acho que foi determinante. Começando logo pela obtenção da liberdade de expressão, também do pensamento político, que quando expresso e cruzado entre concidadãos, em democracia, deve traduzir-se em progresso e numa sociedade melhor. Otília Brinkers: Acho que sim, especialmente a nível social. Apesar de ser uma criança na altura, pude observar uma mudança rápida a nível comportamental. De repente as pessoas trocam ideias sem medo das represálias, lutam pelos seus direitos e todo o país entra numa ebulição, especialmente nas cidades. A nossa geração teve o benefício de poder viajar, estudar e sair, apesar da geração anterior ter dificuldade em permitir ou entender isso. Mas a partir daí tudo se tornou mais fácil e apesar de ainda termos dificuldades e problemas não se compara com o período anterior ao 25 de abril.

Como imaginaria o presente, caso o mesmo episódio não constasse da

história de Portugal? J.M.: Esse é um exercício difícil de fazer, devido à velocidade a que a informação e o conhecimento atualmente circulam. Creio que se o 25 de abril não tivesse acontecido em 74 teria acontecido depois. Os países e as pessoas não são vocacionados para viverem isolados. É preciso ocuparmos o nosso lugar no mundo. Na altura, nós estávamos isolados politicamente na comunidade internacional e sujeitos a pressões várias, às quais o regime político que tínhamos nos impedia de dar adequada resposta. Saía-mos prejudicados a todos os níveis, em sede da gestão das relações internacionais. Mas tendo em conta que passaram 40 anos sobre a Democracia, a altura possível e a situação de regressão social e estagnação política em que atualmente vivemos, diria que, se o anterior regime porventura tivesse continuado, se calhar estaríamos como estamos. Situação que, como há quarenta anos atrás, nos posiciona muito mal, em termos sociais e políticos. Isto tendo em conta o continente e a comunidade de que fazemos parte, as muito diferentes realidades que integra e as que de entre essas, nos interessa ter como referência. O.B.: Possivelmente seria muito diferente, mas não acredito que Portugal conseguisse manter uma ditadura por muitos anos visto que nessa altura já nos debatíamos com a guerra colonial e as influências externas obrigaram-nos a fazer mudanças políticas.

A emancipação feminina foi um fenómeno gradual e internacional que resultou de uma persistente luta contra a opressão. De acordo com a sua perspetiva, as mulheres portuguesas lutaram o suficiente para ver estabelecida a igualdade de direitos? J.M.: Antes de 1974, lutar em Portugal pela igualdade de direitos, não era uma luta das mulheres mas uma luta social. Nessa perspectiva as mulheres lutaram ao lado dos homens pela igualdade de direitos e pela democracia. O.B.: Penso que não. Ainda hoje há diferenças a nível de salários, mas

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também em relação a questões comportamentais. As mulheres continuam a aceitar um tratamento desigual seja em casa ou no trabalho. Duplicaram as suas tarefas sem grande benefício, têm cada vez mais problemas de depressão, não tem noção de igualdade e aceitam desigualdades que ainda se encontram enraizadas em mentalidades machistas e hipócritas.

Considera que atualmente ainda se luta pela liberdade de expressão?

Se sim, por que motivo? J.M.: Curiosa e surpreendentemente, a luta pela liberdade de expressão começa pontualmente a fazer sentido. Novamente, o que é um aviso para o facto de as liberdades precisarem de ser mantidas. Mas hoje e na generalidade, a abordagem que desse tema faz sentido fazer, não é sobre a existência ou não da dita cuja, mas sim acerca da sua consequência. E essa abordagem leva-nos a uma constatação que nos deve preocupar muito a todos. Porque hoje, temos efectivamente liberdade de expressão quanto baste, mas a possibilidade de participação dos cidadãos, na tomada de decisões que lhes mantêm o presente e estruturam o futuro é quase nula, eliminando assim o efeito da livre expressão. O.B.: Não. Considero que por este país ter um regime democrático, já todos dizem o que pensam sem qualquer problema.

De entre os acontecimentos históricos que conhece, consegue atribuir a outro, a mesma importância que a revolução dos cravos teve, na mudança da mentalidade dos portugueses? J.M.:Talvez a implantação da república. O.B.: Sim, por exemplo a segunda guerra mundial obrigou todos os países a repensar os seus conceitos de liberdade, democracia e empatia com o próximo, depois do povo alemão, com ou sem conhecimento, ter consentido uma das maiores barbáries de todos os tempos.

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Segunda nota das autoras

Apesar de sabermos que esta publicação foi uma experiência, agora chegadas ao final, confessamos que surgiu uma vontade de manter esta linha no próximo projeto que nos for proposto. Em relação à redação do conteúdo, encontrar um equilíbrio entre o espaço cedido à expressão de ideias pessoais e os resultados do trabalho de pesquisa foi uma tarefa complicada. Porém, o maior obstáculo foi a construção do formato revista. A disposição do texto em paralelo com as imagens, a escolha da paleta de cores a utilizar, a definição de títulos e o estabelecimento da ordem de surgimento da informação são apenas alguns dos aspetos que tornaram a publicação deste suplemento num trabalho moroso. Além de ser impossível prever a reação dos leitores relativamente à publicação em si, ou seja, ao surgimento de uma nova revista (ponto referido na abertura do suplemento), é difícil imaginar o impacto da nossa opinião particular. O choque de ideias, ainda que nos tenhamos esforçado para nunca lhes retirar o caráter de reflexões, é sempre possível. A facilidade que temos em trabalhar em equipa possibilitou a finalização deste projeto, ponto que consideramos ser o mais importante. O sucesso do mesmo será um mistério.

Ficha técnica

Data de edição: dezembro de 2014

Data de publicação: 3 de março de 2015

Redação: Ana Mira e Cristiana Von Rekowski

Diretora Interna: Isabel Fernandes

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http://proverbios.aborla.net/pu.php http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Z

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http://www.vidaslusofonas.pt/sa_carneiro.htm http://www.arquivopintasilgo.pt/arquivopintasilgo/Site/Categoria2.aspx?cat=33

http://alutablog.blogs.sapo.pt/15486.html http://www.infopedia.pt/$alvaro-guerra

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Dicionários Europa - América. Portugal: Porto Editora, LDA, 2004. ISBN 989-609-054-8. Tomo 24. «Notícias Magazine». Portugal: Catarina Pires, 2014, parte integrante do Diário de Notícias nº 52 e do Jornal de

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socioeconómica/ As tensões culturais/ A evolução das mentalidades. In Portugal Contemporâneo. Lisboa: Publicações Alfa S.A., 1989. ISBN 989-612-032-3. Vol.2

REIS, António – Declínio e queda do Estado Novo/ Inovações e contradições na estrutura económica e social/ Tempos de mudança na vida cultural/ Valores e mentalidades em confronto. In Portugal Contemporâneo. Lisboa: Publicações

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DIÁRIO DE NOTÍCIAS – Portugal: Um século de imagens. Printer Industria Gráfica, S.A., 1999