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Temas sobre Educação e Escola Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 1

Temas sobre Educação e Escola

Selma Martines Peres

Grenissa Bonvino Stafuzza

Márcia Pereira dos Santos

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Temas sobre Educação e Escola

Selma Martines Peres

Grenissa Bonvino Stafuzza

Márcia Pereira dos Santos

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Temas sobre Educação e Escola

Selma Martines Peres

Grenissa Bonvino Stafuzza

Márcia Pereira dos Santos

Rio de Janeiro, 2020

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Conselho Editorial

Ana Cristina Teixeira Bonecker

UFRJ - Univ. Federal do Rio de Janeiro

Karl Schurster Veríssimo de Sousa-Leão

UPE - Univ. de Pernambuco

Assed Naked HaddadUFRJ - Univ. Federal do Rio de Janeiro

Magali Christe CammarotaUFRJ - Univ. Federal do Rio de Janeiro

Betina Ribeiro Rodrigues da CunhaUFU - Univ. Federal de Uberlândia

Manuel José Brandão SáP.PORTO - Politécnico do Porto (Portugal)

Carlos Alberto LopesISPA - Instituto Universitário de Ciências Psicológicas,

Sociais e da Vida (Portugal)

Maria Madalena G. Rosário CarvalhoUaB - Univer. Aberta de Lisboa

(Portugal)

Claudia Costa BoneckerUEM - Univ. Estadual de Maringá

Nuno HenriquesUCP - Univer. Católica do Porto (Portugal)

Ilana Zalcberg RenaultINCA - Instituto Nacional de Câncer

Sérgio Luiz Costa BoneckerUFRJ - Univ. Federal do Rio de Janeiro

Isabel AndradeENSP/UNL - Escola Nacional de Saúde Pública da Univ.

Nova de Lisboa (Portugal)

EDITORA BONECKER

Editora Bonecker Ltda

Rio de Janeiro

1ª Edição

Março de 2020

ISBN: 978-65-990056-7-1

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização

do autor e da Editora Bonecker.

Projeto Gráfico: Heloísa Bérenger

Capa: Heloísa Bérenger e Odenir José de Paula

A revisão ortográfica e gramatical deste livro é de responsabilidade do autor

T278 Temas sobre Educação e Escola / Organizadoras Selma Martines

Peres, Grenissa Bonvino Stafuzza, Márcia Pereira dos Santos,. – Rio de Janeiro (RJ): Bonecker, 2020.

312 p. : 16 x 23 cm Inclui bibliografia

ISBN 978-65-990056-7-1

1. Ciências Humanas - Educação. 2. Saberes e Práticas Pedagógicas. 3. Letramentos. 4. Educação Popular e Inclusão. I. Título.

CDD 370.7

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Agradecemos à agência de fomento FAPEG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás), que através de apoio financeiro via chamada de financiamento CHAMADA PÚBLICA N° 02/2018 – SELEÇÃO PÚBLICA DE PROPOSTAS PARA APOIO À REALIZAÇÃO DE EVENTOS CIENTÍFICOS, TECNOLÓGICOS E DE INOVAÇÃO DE ABRANGÊNCIA NACIONAL OU INTERNACIONAL, NO ESTADO DE GOIÁS, processo/FAPEG – 2018102670010-78, permiti-ram a elaboração deste livro.

As ideias expressas nos capítulos aqui publicados são de inteira responsabilidade dos autores e autoras, assim como o uso padrão da Língua Portuguesa e cumprimento das normas técnicas – ABNT.

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6 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

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SUMÁRIO

Apresentação 11 Selma Martines Peres, Grenissa Bonvino Stafuzza, Márcia Pereira dos Santos

Psicologia escolar e educacional e a pré-escola: o que pensam as professoras? 17Tiago Gonçalves Corrêa e Janaina Cassiano Silva

A infância e a pastoral da criança: caminhos para compreendermos a infância brasileira 31Carlos André Nunes Lopes e Janaina Cassiano Silva

Alfabetização e letramento na pré-escola 45Liliane Querino do Nascimento e Selma Martines Peres

Práticas de letramento que geram pertencimento 61Rosane R. do Nascimento

Concepções de letramento: uma perspectiva discursiva sobre o alfabetizar e letrar 73Quênia Cristina Silva Moreira e Maria Aparecida Lopes Rossi

A formação do leitor: das políticas às práticas 85Rosane Ribeiro do Nascimento e Selma Martines Peres

Avaliação no ano inicial e final do ciclo de alfabetização 97Carolina Cardoso e Maria Aparecida Lopes Rossi

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Conhecer e ser conhecido, ensinar e ser ensinado: diálogos sobre a relação cultura e educação 109Nelson César Martins e Maria Zenaide Alves

Pixação: letramento em uma perspectiva intercultural 123Ingrid Janini Ramos Oliveira, Klisman Borges Proença e Selma Martines Peres

Até quando? Uma música e seu potencial educativo nas metodologias de trabalho com jovens 137Michela Augusta de Moraes Sousa e Maria Zenaide Alves

Inclusão escolar e social de pessoas com deficiência e sem deficiência em escolas e comunidades rurais - desafios e perspectiva 151Rafaela Aparecida Silva Ferreira Diniz, Dulcéria Tartuci e Jóice Macedo Vinhal

Políticas Educacionais Inclusivas do IF Goiano no Contexto da Lei 13.409/16 165Higor Heyder da Costa Pinto e Dulcéria Tartuci

Atitudes de professores frente ao bullying durante as aulas de Educação Física em escolas públicas de Formosa- Goiás DE ANÁPOLIS - GO 177Ney Marcos Alves de Souza, Clariane Ramos Lôbo e Cristiane da Silva Santos

Produtivismo acadêmico e saúde mental: grandezas in-versamente proporcionais 191 Jóice Macedo Vinhal e Thais Ferreira dos Santos

Os saberes populares e a promoção da educação ambiental no Brasil: desafios e perspectivas 205Luciene Francisco Vieira, Wender Faleiro e Maria Zenaide Alves

A educação nos assentamentos rurais Olga Benário em Ipameri/GO e Marcos Freire em Rio Bonito do Iguaçu/PR 219Wilans Flaviano Silva e Maria Zenaide Alves

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A cidade no currículo de Geografia da Educação de Jovens e Adultos 231Alex Lourenço dos Santos, Ana Lúcia da Silva, Odelfa Rosa e Patrícia Maria da Silva

Makarenko e a Educação de Jovens e Adultos 243 Thiago Henrique Jerônimo e Mauro Andreatta

Produção de Material Cartográfico nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental no Município de Catalão (GO) 255Keroleinny Kariny Da Rocha Reis, João Donizete Lima e Odelfa Rosa

Metodologias ativas de aprendizagem no ensino de Física 267Marina Valentim e Mauro Andreatta

A formação matemática do licenciado em Pedagogia: um estudo de caso na Universidade Estadual de Goiás - Campus Pires do Rio 277Isabel Sampaio Balduino Santana e Altina Abadia da Silva

Percurso formativo no Curso de Pedagogia: percepção a partir do olhar discente 287Ana Carla Araújo Assunção, Juçara Gomes de Moura e Cláudia Tavares do Amaral

História do Tempo Presente: limites, possibilidades e influências na pesquisa em História da Educação 299 Valéria Landa Alfaiate Carrijo e Juliana Pereira de Araújo

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10 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

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Apresentação

O presente livro, Temas sobre Educação e Escola é uma coletânea que reúne tra-

balhos na área da educação apresentados no VI Seminário de Pesquisa, Pós-Graduação e

Inovação (SPPGI), realizado no período de 12 a 14 de setembro de 2018. O SPPGI foi uma

iniciativa da Coordenação de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (CPPGI-Gestão 2018-

2021) em parceria com professores, técnicos e alunos da Universidade Federal de Goiás,

Regional Catalão.

Vale destacar a relevância da obra não só do ponto de vista da socialização do co-

nhecimento produzido, mas que essa produção reflete um olhar científico sobre práticas

e experiências educacionais vividas em Goiás, colaborando assim, para a constituição de

banco de dados de conhecimentos de nossa região e do estado acerca da Educação.

Nesse sentido, essa coletânea comporta vinte e três textos que são resultados de

estudos e pesquisas de iniciação científica, mestrado e relatos de experiência em suas di-

ferentes vertentes e abordagens. Aqui o leitor encontrará discussões sobre alfabetização,

letramentos, formação de professores, Educação de Jovens e Adultos, Infância, Pré-Escola,

Anos Iniciais, Inclusão, Cultura Popular, Metodologias e Materiais Pedagógicos, dentre ou-

tros que foram apresentados sem uma divisão clara, em sessões ou partes, haja vista que

de alguma forma todos os temas se inter-relacionam uns com outros no que compete a

Educação e a Escola, ainda que guardem suas particularidades, seja em relação ao subte-

mas e/ou aos referências teórico-metodológicos.

No primeiro artigo, Psicologia escolar e educacional e a pré-escola: o que pensam as

professoras? Tiago Gonçalves Corrêa e Janaina Cassiano Silva analisam a concepção de

Psicologia Escolar e Educacional de sete professoras de pré-escola que atuam em Catalão/

GO, tendo como referência a Psicologia Histórico-Cultural. Os autores pontuam que a con-

cepção das professoras de Catalão/GO ainda está associada a um modelo de atuação.

No artigo, A infância e a pastoral da criança: caminhos para compreendermos a in-

fância brasileira, Carlos André Nunes Lopes e Janaina Cassiano Silva buscam investigar a

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12 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

relação entre o trabalho de assistência à criança pobre brasileira realizado historicamente

pela Pastoral da Criança e a concepção de infância presente nos principais ordenamentos

jurídicos brasileiros que versam sobre a criança. O estudo mostra que a prevalência de

uma política social compensatória, o trabalho da pastoral ajudou a alicerçar as bases da

assistência e cuidado à criança no país.

Em Alfabetização e letramento na pré-escola, Liliane Querino do Nascimento e Selma

Martines Peres discutem a aquisição da língua oral e escrita em sua fase inicial de escolari-

zação, isto é, na pré-escola. As autoras apontam que a alfabetização está intrinsecamente

ligada ao letramento, visto que envolve a aquisição do sistema gráfico e o seu uso social,

devendo ser trabalhados de forma concomitante na perspectiva do alfabetizar letrando.

O quarto artigo, Práticas de letramento que geram pertencimento, de autoria de

Rosane R. do Nascimento apresenta uma reflexão sobre uma ação desenvolvida em uma

escola da rede pública e sua relação com a ideia de pertencimento entre os alunos.

Em Concepções de letramento: uma perspectiva discursiva sobre o alfabetizar e letrar,

Quênia Cristina Silva Moreira e Maria Aparecida Lopes Rossi tratam de questões atuais de

alfabetização e letramento ao problematizar a visão de duas professoras de terceiro ano

do ensino fundamental de escolas públicas do entorno de Brasília. As autoras discutem

ainda as relações pedagógicas entre os conceitos de alfabetização e letramento e apon-

tam que as escolas brasileiras têm mostrado dificuldades para universalizar a aprendiza-

gem da leitura e da escrita de maneira significativa.

No artigo A formação do leitor: das políticas às práticas, Rosane Ribeiro do Nascimento,

Selma Martines Peres refletem sobre a compreensão da formação do sujeito leitor e dis-

correm sobre a relação e influência das políticas públicas nas práticas educativas a partir

de um estudo bibliográfico.

Carolina Cardoso e Maria Aparecida Lopes Rossi, no texto Avaliação no ano inicial e

final do ciclo de alfabetização, discutem o papel da avaliação e suas concepções. Para isso,

articulam as concepções de avaliação na alfabetização aos objetivos do ensino e, discu-

tem ainda a relação entre as avaliações e o sucesso/fracasso escolar.

No oitavo artigo, Conhecer e ser conhecido, ensinar e ser ensinado: diálogos sobre a re-

lação cultura e educação, os autores Nelson César Martins e Maria Zenaide Alves discutem

as concepções de cultura, em sua diversidade, tendo como pano de fundo a educação

popular e seus letramentos.

Em Pixação: letramento em uma perspectiva intercultural, Ingrid Janini Ramos

Oliveira, Klisman Borges Proença e Selma Martines Peres apresentam a pixação a partir de

uma perspectiva de letramento intercultural. O texto tem como objetivo refletir sobre as

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 13

práticas da pixação no meio social, suas intencionalidades e significados.

No artigo, Até quando? Uma música e seu potencial educativo nas metodologias de trabalho com jovens, Michela Augusta de Moraes e Sousa e Maria Zenaide Alves discutem sobre a importância da escola enquanto condutora dos projetos de vida dos jovens nela inseridos. Para isso, analisam o material de apoio ao professor da disciplina Projeto de Vida dos Centros de Ensino em Período Integral de Ensino Médio do Estado de Goiás e refletem sobre os temas que envolvem os desafios das classes populares presentes na música “Até Quando?” de Gabriel, o Pensador.

O décimo primeiro artigo desta compilação é Inclusão escolar e social de pessoas com deficiência e sem deficiência em escolas e comunidades rurais - desafios e perspectiva, Rafaela Aparecida Silva Ferreira Diniz, Dulcéria Tartuci, Jóice Macedo Vinhal analisam a inclusão dos povos do campo no processo de escolarização, bem como descrevem os desafios e perspectivas das vivências no campo, de estudantes com e sem deficiência, de escolas rurais de um município do sudeste goiano. As autoras demonstram o baixo núme-ro de alunos matriculados nas escolas rurais, o que indica a falta de acesso dos povos no campo ao processo de escolarização.

Higor Heyder da Costa Pinto e Dulcéria Tartuci, no artigo intitulado Políticas Educacionais Inclusivas do IF Goiano no Contexto da Lei 13.409/16 comentam sobre as políticas educacionais inclusivas no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Goiano. Dessa forma os autores analisam o regulamento para a educação inclusiva e edu-cação especial no âmbito do IF Goiano e realizam a discussão com a literatura da área de inclusão a partir da teoria histórico-cultural, em especial, na perspectiva vigotskiana.

Ney Marcos Alves de Souza; Clariane Ramos Lôbo; Cristiane da Silva Santos, no ar-tigo Atitudes de professores frente ao bullying durante as aulas de Educação Física em esco-las públicas de Formosa- Goiás buscam identificar e analisar atitudes dos professores de Educação Física perante o bullying que ocorre nos momentos das aulas e problematizam a necessidade de formação para os profissionais da educação.

Em Produtivismo acadêmico e saúde mental: grandezas inversamente proporcionais Jóice Macedo Vinhal e Thais Ferreira dos Santos problematizam como produtivismo aca-dêmico tem /interferido diretamente na vida dos indivíduos que estão cingidos por este meio, a partir da abordagem do Materialismo Histórico e Dialético.

No décimo quinto artigo dessa obra, Os saberes populares e a promoção da educação ambiental no Brasil: desafios e perspectivas, os autores Luciene Francisco Vieira, Wender Faleiro, Maria Zenaide Alves discutem sobre a educação popular e a necessidade de va-lorizar os saberes populares na escola promovendo assim, a implementação a Educação Ambiental, a partir dessa perspectiva.

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Wilans Flaviano Silva e Maria Zenaide Alves, no artigo A educação nos assentamentos rurais Olga Benário em Ipameri/Go e Marcos Freire em Rio Bonito do Iguaçu/Pr, discutem a educação de jovens assentados em dois assentamentos de reforma agrária com intuito de refletir sobre a educação formal com estes jovens, destacando dificuldades enfrentadas nesse processo e a forma como são recebidos por colegas e professores.

O trabalho A cidade no currículo de Geografia da Educação de Jovens e Adultos ela-borado por Alex Lourenço dos Santos, Ana Lúcia da Silva, Odelfa Rosa, Patrícia Maria da Silva tem como proposta discutir como a Cidade é abordada no currículo de Geografia da Educação de Jovens e Adultos (EJA), da Rede Estadual de Educação do Estado de Goiás.

Em Makarenko e a Educação de Jovens E Adultos os autores Thiago Henrique Jerônimo e Mauro Andreatta articulam questões relativas as práticas de ensino na EJA com as ideias desenvolvidas por Makarenko. O intuito é contribuir na solução de alguns problemas vi-venciados durante a experiencia de estágio.

Keroleinny Kariny Da Rocha Reis, João Donizete Lima, Odelfa Rosa problematizam no texto Produção de Material Cartográfico nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental no Município de Catalão (GO) sobre a realidade escolar do 1º ciclo do Ensino Fundamental de Catalão no que se refere a materiais cartográficos.

Em Metodologias ativas de aprendizagem no ensino de Física, Marina Valentim e Mauro Andreatta realizam discussão bibliográfica acerca das metodologias ativas de aprendizagem mais utilizadas no ensino de física e as apresenta à comunidade científica, destacando sua pertinência de utilização.

No vigésimo primeiro artigo, Isabel Sampaio Balduino Santana e Altina Abadia da Silva discutem no artigo - A formação matemática do licenciado em Pedagogia: um estudo de caso na Universidade Estadual de Goiás - Campus Pires do Rio, a questão da formação matemática do licenciado em Pedagogia para isso analisaram o Projeto Político Curricular do curso analisado, ementas das disciplinas de matemática, questionários aplicados às graduandas e entrevista com a professora responsável pela disciplina.

Percurso formativo no Curso de Pedagogia: percepção a partir do olhar discente foi produzido por Ana Carla Araújo Assunção, Juçara Gomes de Moura, Cláudia Tavares do Amaral. Neste texto, as autoras refletem sobre a formação de professores, a partir da his-tória de vida acadêmica de uma aluna concluinte do Curso de Pedagogia na Universidade Federal de Goiás – UFG. O artigo aponta sobre a relevância das ações e conteúdos usados pelos docentes.

O último artigo dessa compilação, porém, não menos importante, é História do Tempo Presente: limites, possibilidades e influências na pesquisa em História da Educação de

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 15

autoria de Valéria Landa Alfaiate Carrijo e Juliana Pereira de Araújo. Aqui, as autoras ofe-recerem elementos para a compreensão da História do Tempo Presente com destaque para sua localização no contexto da Historiografia e os reflexos na pesquisa em História da Educação.

Por fim, a obra aqui apresentada tem a intenção de contribuir com as discussões no campo da educação. Entendemos que fazer ciência e produzir conhecimentos, na grande área denominada Ciências Humanas, em especial, na Educação é um ato político de resis-tência e de luta pela democratização do ensino de qualidade para a Educação Básica e o Ensino Superior. Assim, desejamos aos/as leitores/as uma leitura profícua e potencializa-dora de novas conquistas e descobertas.

Selma Martines PeresGrenissa Bonvino StafuzzaMárcia Pereira dos Santos

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A PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL E A PRÉ-ESCOLA: O QUE PENSAM AS PROFESSORAS?

Tiago Gonçalves Corrêa1 Janaina Cassiano Silva2

Resumo: O psicólogo, no âmbito da educação, deve pautar a sua prática na luta por uma escola democrática, de qualidade. O presente ensaio é fruto de uma pesqui-sa de Iniciação Científica - PIBIC/UFG-RC, que buscou investigar e analisar a concepção de Psicologia Escolar e Educacional de professores de pré-escola que atuam em Catalão/GO, à luz da Psicologia Histórico-Cultural. Participaram desta pesquisa 07 professo-ras. Utilizamos, como instrumento para coleta dos dados, entrevistas semiestruturadas. Procedemos ao estudo, utilizando a Análise de Conteúdo, pautados nos pressupostos da Psicologia Histórico- -Cultural. A concepção das professoras de Catalão/GO, a respeito da atuação de Psicólogos Escolares e Educacionais, ainda está associada a um modelo de atuação clínico, voltado exclusivamente para o aluno e, em alguns casos específicos, para a família.

Palavras-chave: Psicologia Escolar e Educacional. Psicologia Histórico-Cultural. Educação Infantil.

Abstract: The psychologist, in the scope of education, should guide his practice in the struggle for a democratic, quality school. The present essay is the result of a Research Initiative - PIBIC / UFG-RC, which sought to investigate and analyze the conception of School and Educational Psychology of pre-school teachers working in Catalão / GO, in the light of Historical-Cultural Psychology. 07 teachers participated in this study. We used, as an instrument for data collection, semi-structured interviews. We proceeded to the

1 Universidade Federal de Goiás / Regional Catalão – UFG-RC/ Universidade Federal de Catalão- UFCAT, IBIOTEC- Curso de Psicologia/PPGEDUC. Contato: [email protected]

2 Universidade Federal de Goiás / Regional Catalão – UFG-RC/ Universidade Federal de Catalão- UFCAT, IBIOTEC- Curso de Psicologia/ PPGEDUC. Contato: [email protected]

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18 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

study, using Content Analysis, based on the assumptions of Historical-Cultural. The con-ception of Catalão / GO teachers, regarding the performance of School and Educational Psychologists, is still associated with a clinical model, focused exclusively on the student and, in some specific cases, on the family.

Key-words: School and Educational Psychology. Historical-Cultural Psychology. Child education

Introdução

A partir de 1988 fica oficialmente estabelecida através da Constituição da República a noção de seguridade social, segundo a qual é dever do Estado assistir os cidadãos em suas necessidades sociais básicas. Desse modo, por meio das políticas públicas, passa a ser resguardado o direito à saúde, à educação, entre outros, considerando, ainda, que o acesso a tais serviços deve ser gratuito e público (BRASIL, 1998).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) institui a Educação e a pos-tula como um direito dos cidadãos e como dever do Estado. Desse modo, a Educação Infantil é um direito da criança de zero a seis anos o qual tem que se concretizar frente à inserção em creches e pré-escolas (BRASIL, 1996).

O psicólogo, no âmbito da educação, deve pautar a sua prática na luta por uma escola democrática, de qualidade. “Este compromisso é político e envolve a construção de uma escola participativa, que possa se apropriar dos conflitos nela existentes e romper com a produção do fracasso escolar” (SOUZA, 2011, p.65).

Concordamos com Souza (2011) que vivemos um retrocesso no campo educacio-nal ao transformarmos em patologia algo que é fruto das dificuldades vivenciadas pelo sistema escolar. “Sistema este fruto de políticas que durante décadas depauperaram a escola pública e dificultaram que desempenhasse seus papéis sociais e políticos” (SOUZA, 2011, p.65).

Nessa discussão, Bock (2003, p.86) afirma que a Psicologia se tornou cúmplice da Pedagogia na acusação da vítima, visto que “[...] ditou formas de relacionamento entre a escola e a família e entre professores e alunos; demonstrou a importância da motivação no aprendizado; mas não analisou a educação como um processo social e a escola como uma instituição a serviço de interesses sociais”. Dito de outro modo, a Psicologia não fez a análise de como essas questões se inserem na sala de aula e determinam “[...] forma de ensino, formas de avaliação, critérios de avaliação e o currículo oculto promovido cotidia-namente na escola” (BOCK, 2003, p.86).

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 19

Dessa forma, notamos que a prática do psicólogo dentro das escolas surgiu carre-gada de uma perspectiva corretiva e terapêutica, como exposto por Bock (2003).

Não poderia ser outra, pois se o sujeito já é o que vai ser, dada a natureza huma-na da qual é dotado, a Psicologia só poderia se constituir, enquanto prática profissional, como um conhecimento e um conjunto técnico que detecta desvios do desenvolvimento humano (em relação ao que é concebido como natural), propondo--se como algo que reencaminha, realinha, adapta, cura. É com este olhar curativo que a Psicologia se põe a olhar a experiência educacional, resultando visões de desadaptação do aluno, de dificul-dades de aprendizagem, etc. (BOCK, 2003, p. 100)

Ressaltamos que é necessário o conhecimento omnilateral dos indivíduos para que a educação escolar desempenhe suas funções, uma vez que esse conhecimento, pautado na epistemologia materialista histórico-dialética, possibilita-nos a explicação do psiquis-mo humano em sua totalidade dinâmica concreta (MARTINS, 2007).

Nesse sentido, as atividades de pesquisa com psicólogos atuantes na escola devem resgatar o papel socializador das instituições, na medida em que reconhecem os agen-tes envolvidos como atuantes em processos contínuos de formação para valores mais democráticos. Diante do exposto, alguns questionamentos se tornam presentes, quer se-jam: qual a percepção dos professores de pré-escola acerca da atuação do psicólogo nas escolas? Como os professores de pré-escola enxergam o trabalho desempenhado pela Psicologia na educação infantil? Ou seja, como os professores que trabalham nas pré-es-colas do município Catalão/GO percebem a atuação do psicólogo escolar e educacional?

Assim, o presente ensaio é fruto de pesquisa de Iniciação Científica – PIBIC/UFG-RC, que buscou investigar e analisar a concepção de Psicologia Escolar e Educacional dos professores de pré-escola que atuam em Catalão/GO. Acreditamos ser primordial com-preender a percepção dos professores acerca do trabalho do psicólogo escolar e educa-cional, uma vez que apenas a presença desse profissional nas escolas não é garantia de uma Psicologia mais comprometida com a finalidade de transformação e emancipação da realidade escolar.

Cabe destacar que este trabalho compõe o projeto de pesquisa: “Panorama da edu-cação infantil no sudeste goiano: concepções, práticas educativas e políticas públicas”. Tal projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP), ob-tendo aprovação sob o número: 967.030, como comprovado nos documentos comple-mentares (ANEXO A). Destarte, neste artigo apresentamos e analisamos a concepção de Psicologia Escolar e Educacional dos professores de pré-escola que atuam em Catalão/GO à luz da Psicologia Histórico-Cultural.

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20 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

1. A Psicologia Escolar e Educacional

Conceitualmente, nos primórdios da Psicologia Escolar e Educacional, tais cam-pos eram considerados de forma distinta: a Psicologia Escolar e a Psicologia Educacional. Aquela se detinha em questões práticas, ou seja, no fazer cotidiano, de modo a pensar práticas e formas de atuação, enquanto esta era um campo voltado exclusivamente para a pesquisa, que tinha uma dedicação maior às questões teóricas. Entretanto, perspectivas críticas contrapõem tal distinção e defendem uma Psicologia Escolar e Educacional, uma vez que ao se considerar criticamente a atuação em tal área é impossível a distinção entre pesquisa e prática, estando ambas intrinsecamente correlacionadas.

Segundo Tanamachi e Meira (2003), o psicólogo escolar não é caracterizado pelo seu local de trabalho, mas sim por seu posicionamento e compromisso teórico e prático com as questões do campo educacional. Dessa forma, é essencial que esse profissional conheça, entenda e questione as políticas públicas em educação, uma vez que seu fazer deverá ser sustentado com tal premissa, galgando construir uma escola democrática e de direito, que esteja comprometida com a emancipação dos sujeitos.

Para que desenvolva uma prática consoante às premissas apresentadas, tal profis-sional deve estar fundamentado em um paradigma transdisciplinar, que considere o con-texto, não só desenvolvendo ações que respondam à realidade objetiva da localidade como também sendo crítico.

O Psicólogo na escola deve ser um profissional que auxilie os educadores a transfor-mar sua atuação através da reflexão crítica, ou seja, deve compreender intrinsecamente as relações escolares, de modo que sua visão e posicionamento compreendam, de forma sistêmica, todo o fazer escolar, incluindo, desde alunos, até a comunidade em geral, uma vez que o homem é produto histórico das relações que estabelece com o meio.

Bastos e Pylro (2016) evidenciam que a Psicologia Escolar deve estar ancorada em pressupostos institucionais, sistêmicos e críticos, visto que, institucionalmente, esse pro-fissional deve intervir nas relações que acontecem na escola, amparado pela figura da família e da comunidade. Essa atuação deve ocorrer de modo sistêmico, pois não há como desenvolver atitudes e ações no ambiente escolar sem pensar em todo o sistema e em como as decisões e/ou discussões intervêm no fluxo desse local. Por fim, também deve se dar de modo crítico a análise das múltiplas facetas do processo educacional, consideran-do seu caráter histórico e social.

Frente a isso, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), através do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), lançou, em 2013, as Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogos (as) na Educação Básica. Tal documento, construí-

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do em conjunto com os psicólogos que atuam na educação, teve como objetivo solidifi-car a atuação nesse campo de atuação (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

Assim, esse documento define o projeto de Psicologia Escolar e Educacional como aquele que defende o posicionamento que visa a:

Coletivizar práticas de formação e de qualidade para todos; que lute pela valo-rização do trabalho do professor e constitua relações escolares democráticas, que enfrente os processos de medicalização, patologização e judicialização da vida de educadores e estudantes; que lute por políticas públicas que possibili-tem o desenvolvimento de todos e todas, trabalhando na direção da superação dos processos de exclusão e estigmatização social. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 32)

O documento também apresenta pontos centrais para a atuação do Psicólogo na educação básica, trabalhando e se articulando na dimensão subjetiva do processo de en-sino-aprendizagem, de tal forma que este contempla temáticas como: desenvolvimen-to, relações afetivas, motivações, aprendizagem, socialização, entre outros (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

Amparado em tal posicionamento o psicólogo deve ter noção de que sua práxis pode direcionar para a transformação social ou servir para a manutenção da hierarquiza-ção já imposta em nossa sociedade. Desse modo, pode focar-se em algumas áreas cen-trais, a fim de promover um trabalho que instrumentalize os sujeitos sociais rumo à eman-cipação, de que se podem citar alguns exemplos:

a- Participação na construção do Projeto-Político-Pedagógico, elucidando a dimen-são subjetiva e psicológica do processo educacional, criando pano de fundo para suas futuras ações (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013);

b- Intervenções no processo ensino-aprendizagem, uma vez que, criticamente pensado, tal processo é fruto de elaborações sociais e escolares, visto que “a análise das práticas escolares centra-se nas relações institucionais, considerando o contexto social e histórico em que é produzido o processo de escolarização” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 55);

c- O documento ressalta ainda que a atuação pode perpassar campos como a forma-ção de educadores, através da visão de homem e educação que se pretende alcançar ou atender, por meio da formação continuada, tão importante em tal contexto (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013);

d- Discorre também sobre o papel da psicologia na educação inclusiva (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

e- Por fim, a possibilidade de formação de grupos com alunos, familiares e com a

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comunidade em geral (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

Embora se discuta a importância da presença de psicólogos escolares nas esco-las e seus diversos fazeres em tal ambiente, concordamos com o Conselho Federal de Psicologia (2013) e com Bastos e Pylro (2016) que muitas são as dificuldades encontradas para a inserção no cenário educacional, quer sejam elas referentes ao desconhecimento do papel do psicólogo nas escolas, quer sejam sobre a falta de psicólogos nas equipes que desenvolvem políticas públicas voltadas para a educação. Assim, ressaltamos, tam-bém, com essa pesquisa, a necessidade da inserção de psicólogos em grupos de trabalho que discutam políticas públicas em educação e que consigam montar frentes de trabalho que apresentem às instituições escolares nossas possibilidades de atuação.

2. Percurso Metodológico

Como estratégia metodológica utilizamos os fundamentos metodológicos e filosó-ficos do materialismo histórico dialético, amparados pelos pilares teóricos da Psicologia Histórico-Cultural.

Para realização da pesquisa, após os trâmites burocráticos, foi realizado contato com a Secretaria Municipal de Educação de Catalão/GO para identificarmos a quantidade de instituições de educação infantil. Foram selecionadas duas instituições periféricas de educação infantil, cujos critérios para a escolha foram: oferecer educação infantil e dispo-nibilidade para receber o pesquisador para as entrevistas.

Ao todo, participaram desta pesquisa 07 professoras, que atuam na pré-escola com crianças entre 04 e 05 anos e 11 meses. No primeiro contato foram expostos os objetivos da pesquisa, garantia de anonimato, informações sobre as entrevistas e demais questio-namentos que as educadoras tivessem, conforme o preconizado pelo Conselho Nacional de Saúde e, por fim, foram assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Tais encontros foram realizados individualmente e em horário pré-estabelecido com as professoras.

Como instrumento para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista se-miestruturado que continha oito (08) questões e abordavam dados demográficos e atua-ção do Psicólogo Escolar e Educacional; relação psicólogo/escola; medicalização e queixa escolar.

Não houve permissão por parte das entrevistadas para que as entrevistas fossem gravadas, dessa forma, as entrevistas foram transcritas durante a realização.

Após a coleta, os dados foram analisados segundo a Análise de Conteúdo (BARDIN,

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2010), tendo com referencial teórico a Psicologia Histórico-Cultural.

3. Resultados e Discussão

3.1 Os participantes da pesquisa

Houve uma prevalência do sexo feminino: 100% dos entrevistados eram mulheres entre 29 e 49 anos de idade, contando com uma média de idade de 38 anos. A média do tempo de atuação na pré-escola das entrevistadas ficou em 5 anos e 02 meses, lecionan-do no jardim 01 e 02, com crianças entre 04 anos a 05 anos e 11 meses, como pode ser observado na tabela 1.

3.2. Concepção da atuação de Psicólogos Escolares e Educacionais presente no discurso dos professores da pré-escola.

No que tange à primeira questão das entrevistas, questionamos as professoras so-bre a atuação de psicólogos escolares e educacionais na rede municipal de ensino, quan-do todas relataram não ter conhecimento de tal profissional na rede e nunca contar com auxilio em seus anos de exercício profissional.

Dessa forma, percebemos a necessidade e importância de participação de psicó-logos nos programas de políticas públicas, uma vez que é através de reivindicações a níveis municipais, federais e estaduais que a inserção de psicólogos acontecerá e promo-verá ações no ambiente escolar. Consoante ao exposto, o Conselho Federal de Psicologia

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(2013) destaca, como um desafio a ser superado a participação dos psicólogos em tais discussões e, ainda, o reconhecimento das práticas em Psicologia Escolar e Educacional com práticas que devem ser implementadas.

A inserção de tal profissional nesse contexto permitirá que se desenvolvam práticas que rompam com as desigualdades socialmente estabelecidas, devendo esse profissio-nal se portar de modo crítico e comprometido com a educação. Assim, advogamos uma Psicologia Escolar e Educacional

Comprometida com a transformação da sociedade e a emancipação do homem, prática que, desde já, implica uma forma determinada de conceber a pesquisa e a produção do conhecimento. É por isso que, em Psicologia Escolar, não é sufi-ciente colocar-se como ciência auxiliar da Educação sem se questionar o tipo de Educação que se oferece nas escolas. (LOUREIRO, 1997, p.455)

Desse modo, a inserção de tal ciência no ambiente escolar deve apreender as pecu-liaridades de tal cenário, compreendendo todas as tramas que o envolvem, evidenciando de modo crítico como a hegemonia burguesa atua na escola e como isso subjuga os que precisam dessa educação que deveria emancipar, e não servir ao capital.

No que concerne à atuação do Psicólogo Escolar e Educacional na educação, de forma geral, as respostas evidenciaram uma forte adesão ao modelo clínico. O discurso recorrente nas entrevistas diz respeito a um modelo centrado na resolução de problemas, pautado em metodologias clínicas focadas nos alunos, como se pode observar nas pas-sagens abaixo.

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Fica evidente nos discursos destacados acima que a concepção clínica tradicional continua fortemente enraizada no cotidiano escolar. Segundo Meira (2003), tal concep-ção sustenta processos de culpabilização das vítimas, ou seja, continua a eleger como culpados alunos e suas famílias por insucessos escolares, ou seja, patologiza o cotidiano escolar, como ocorreu nos primórdios da psicologia escolar brasileira.

Os discursos evidenciam também um desconhecimento sobre as possibilidades de trabalho do Psicólogo, uma vez que centra unicamente em fazeres clínicos, descontextua-lizados, focalizando os sujeitos mais vulneráveis, assim o Conselho Federal de Psicologia (2013, p. 42) ressalta que:

A luta da (o) psicóloga (o) é a de sustentar um campo de indagações que dê tempo para que os educadores possam se deslocar também de seus lugares marcados na dicotomia ensinar X aprender, na sustentação de impotência frente às condições, na desistência de transformações do cotidiano.

Para que tal processo ocorra é necessário que o profissional esteja capacitado para além dos trabalhos terapêutico-clínicos, é necessário uma Psicologia Escolar

[...] comprometida radicalmente com a educação das classes populares, que supere o modelo clínico-terapêutico disfarçado e dissimulado ainda presente na representação que o psicólogo tem de sua própria ação, entendendo que a representação e, consequentemente, as expectativas que os demais profissio-nais da educação têm da psicologia só serão superadas pela própria prática do psicólogo escolar (ANTUNES, 2008, p. 474).

Questionamos os educadores sobre a atuação do Psicólogo Escolar e Educacional especificamente na pré-escola e as respostas não diferiram muita das apresentadas no item anterior, conforme podemos observar no quadro 2.

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Nesse sentido, cabe ressaltar que o trabalho do psicólogo na educação infantil deve ser respaldado através de práticas que compreendam o desenvolvimento humano, pois, consoante à perspectiva crítica que defendemos, o desenvolvimento infantil é marcado por atividades principais e acessórias, as quais dizem respeito a aquisições reais da crian-ça. “Para a psicologia soviética, o desenvolvimento psíquico da criança é considerado, portanto, como um processo de assimilação da experiência histórico-social acumulada pelas gerações anteriores” (SILVA, 2013, p. 55).

No que se refere ao desenvolvimento infantil, o psicólogo auxiliará os professores a compreender como as crises, as etapas, os saltos qualitativos e as mudanças dão sinal das etapas do desenvolvimento, e os auxiliará a pensar formas de atuação que estimulem as novas aquisições de cada criança de modo a produzir estimulações, conhecimento e educação.

O psicólogo na escola deve produzir ações que articulem os conhecimentos pró-prios da área aplicados sempre à educação, produzindo práticas contextualizadas e que promovam educação. Desse modo:

[...] entendemos que o papel do psicólogo na escola, desde a Educação Infantil, ultrapassa as funções tradicionalmente atribuídas, tais como, medir habilidades e classificar crianças quanto à capacidade de aprender e de progredir pelos vá-rios graus escolares. Ele passa a exercer as funções de: consultor, especialista em educação, ergonomista, modificador do comportamento, pesquisador, esten-dendo sua ação à comunidade, conforme apresentado em Patto (1984). Dessa forma, a atuação do psicólogo escolar não se limita a uma ação psicometrista e clínica, no sentido de diagnóstico e tratamento, a serviço de uma ideologia de ajustamento, de eficiência, de prevenção, de adaptação e de alienação (VOKOY; PEDROZA, 2005, p. 99).

Com esse breve relato, cumprimos nosso objetivo e demostramos como é impor-tante a atuação de um profissional da Psicologia na pré-escola, uma vez que esse profis-sional comprometido com uma prática emancipadora e crítica têm muito a contribuir com a escola pública brasileira.

Considerações finais

Os dados discutidos neste artigo evidenciam que a concepção das professoras de Catalão/GO, a respeito da atuação de Psicólogos Escolares e Educacionais, ainda, está associada a um modelo de atuação clínico, voltado exclusivamente para o aluno e, em alguns casos específicos, para a família. Tal visão não compreende a totalidade de possibi-lidades de atuação, uma vez que não explora todas as facetas do fazer desse profissional, somente contribui para a cristalização de um papel em que ele tem apenas um fazer, o

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clínico, individual.

Frente a isso, cabe a nós questionarmos sobre como tal posicionamento se crista-lizou, embora saibamos que a pré-história da Psicologia Escolar e Educacional esteve as-sociada a fazeres excludentes, segregadores e classificatórios. Contudo, o que nos intriga ainda hoje é a manutenção de tal perspectiva. Bastos e Pylro (2016), em pesquisas seme-lhantes, constaram tal resultado e salientam que, em parte, a culpa de tal cenário deve-se aos trabalhos dos psicólogos que já ocupam cargos na educação básica.

Frente a isso, vemos a necessidade de estudos que problematizem e investiguem a concepção que os professores, familiares, alunos e a comunidade escolar em geral pos-suem do trabalho do psicólogo, uma vez que ao se discutir, pesquisar e apresentar os dados estamos nos movimentando no sentido de produzir mudanças em tais ideias. E o retorno de pesquisas como essa, pode provocar e instigar a criação de políticas públicas que garantam a presença de Psicólogos Escolares e Educacionais nas instituições de en-sino.

À guisa de conclusão, esperamos que essa pesquisa suscite outros trabalhos que possam contribuir na reflexão da práxis do Psicólogo Escolar e Educacional de forma a conceber a atuação e o fazer de modo crítico, responsável e condizente ao contexto em que está inserido.

Referências

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A INFÂNCIA E A PASTORAL DA CRIANÇA:

CAMINHOS PARA COMPREENDERMOS A INFÂNCA BRASILEIRA

Carlos André Nunes Lopes1

Prof.ª. Dra. Janaina Cassiano Silva2

Resumo: Esta pesquisa fundamenta-se na discussão sobre a construção histórica do conceito de infância. Nesse sentido, buscamos investigar a relação entre o trabalho de assistência à criança pobre brasileira realizado historicamente pela Pastoral da Criança e a concepção de infância presente nos principais ordenamentos jurídicos brasileiros que versam sobre a criança. O estudo balizou-se em uma pesquisa de campo de caráter des-critivo cujo objetivo geral foi analisar a(as) concepção(ões) de infância da Pastoral em re-lação à história da assistência à criança no Brasil. Os objetivos específicos podem ser assim descritos: a) identificar e analisar a concepção de infância de uma voluntária da pastoral; b) cotejar a relação entre o trabalho da Pastoral e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esta análise permitiu pensarmos a realidade a partir de quatro categorias. Apesar da prevalência de uma política social compensatória, o trabalho da pastoral ajudou a ali-cerçar as bases da assistência e cuidado à criança no país.

Palavras-chave: Infância. Pastoral da Criança. Concepções.

Introdução (ou Apresentação)

Muito se tem escrito sobre a criança e sobre a infância nos últimos tempos. Apesar de a Europa ser pioneira nas pesquisas que dizem respeito ao objeto dessa pesquisa, de-ter-nos-emos a investigar a infância no Brasil, maior país da América latina.

A história da infância no Brasil é mais recente e a Pastoral da Criança possui uma correlação quase direta com esta. Alinhada com os movimentos sociais é criada a Pastoral

1 Universidade Federal de Goiás – UFG. Regional Catalão, Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação –PPGEDUC-UFG, bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: [email protected] [email protected]. Bolsista de Produtividade em Pesquisa da CAPES.

2 Universidade Federal de Goiás – UFG. Regional Catalão, Professora Adjunta, do curso de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGEDUC - UFG/ Regional Catalão. E-mail:[email protected]

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da Criança buscando o reconhecimento da prioridade absoluta para o atendimento às crianças e adolescentes.

Do ponto de visto prático e por meio de suas ações, a Pastoral da Criança fazia emer-gir no meio popular, ou senão reforçava, uma concepção social específica do infante. Isto ocorria através do método de multiplicação dos saberes científicos apresentados à popu-lação mais pobre, especialmente às mães.

De acordo com Neumann (1997), foi elaborado pela Pastoral um plano de ação que previa:

Redução da mortalidade, e da desnutrição grave e moderada entre os menores de 5 anos; redução da mortalidade materna; acesso universal a agua potável; ao saneamento básico; e a educação básica; redução do analfabetismo entre os adultos; com ênfase nas mulheres, e proteção às crianças que vivem em circunstancias particularmente difíceis (NEUMMAN, 1997, p.06).

Diante do exposto, este texto propõe apresentar algumas considerações sobre o estudo realizado pela pesquisa com relação à temática. Este trabalho inscreve-se nas ati-vidades da formação do bacharel em Psicologia e se apresenta como trabalho de conclu-são de curso.

O estudo realizado buscou investigar a infância brasileira a partir do trabalho da Pastoral da Criança no Brasil. Como objetivo geral tencionamos analisar a (as) concepção (ões) de infância da Pastoral em relação à história da assistência à criança no Brasil. Os objetivos específicos podem ser assim descritos: a) identificar e analisar a concepção de infância de uma voluntária da pastoral; b) cotejar a relação entre o trabalho da Pastoral e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); e c) analisar a relação entre a Pastoral e o Marco Legal da primeira infância.

Este estudo configura-se como uma pesquisa de campo de orientação qualitativa cujo objetivo orienta-se pela perspectiva descritiva.

Consideramos que o trabalho da Pastoral tem papel significativo na história do cuidado com as crianças em nosso país. Estudar as concepções de sujeito que fizeram e fazem parte deste rico trabalho realizado pela Pastoral, e, ao mesmo tempo, relacionar criticamente estas concepções ao desenvolvimento do atendimento a crianças e adoles-cente é significativo para nos ajudar a pensar a situação concreta da infância brasileira. Buscamos obter esta concepção analisando fala de Maria da Conceição, voluntária da Pastoral, que há mais de 30 anos trabalha nos projetos de assistência à criança pobre no Estado do maranhão, mais especificamente na cidade de Codó. Para tanto foi realizada uma entrevista orientada por perguntas disparadoras que buscaram apreender as con-

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 33

cepções da voluntária.

Em síntese, este trabalho se materializa como uma análise social-histórica da infân-cia no Brasil assumindo que o trabalho da Pastoral da Criança no Brasil tem papel signifi-cativo na construção das representações sobre a infância brasileira.

1 Desenvolvimento

Nesta incursão buscou-se compreender a infância brasileira vista como um fenô-meno historicamente constituído, nesse sentido, acredita-se que estas considerações possam oferecer subsídios para a produção de conhecimento pertinente à temática da infância e possa ainda orientar o trabalho dos profissionais que atuam junto a crianças em situação de vulnerabilidade social.

Ao considerarmos que o trabalho da Pastoral teve papel significativo na história do cuidado com as crianças em nosso país. Apreendemos os movimentos que forjaram as concepções de sujeito que fizeram e fazem parte deste rico trabalho realizado pela Pastoral, e, ao mesmo tempo, circunscrevermos criticamente estas concepções ao desen-volvimento do atendimento a crianças e adolescente tão significativo no país, e que nos ajudou a pensar a situação concreta da infância brasileira.

Segundo, Parizotto (2001), esta organização, constituiu-se em:

Uma organização não-governamental vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), (...) surgi como entidade de ação social que cuida de crianças de zero a seis anos em situação, principalmente, de desnutrição e vulnerabilidade social (PARIZOTTO, 2001, p.1).

A Pastoral da Criança firmou-se como organismo de Ação Social da CNBB, como elemento integrante das novas estratégias e diretrizes da ação evangelizadora da Igreja Católica no Brasil frente a figura da infância, especialmente a infância pobre.

De início, a intenção se voltava ao trabalho voluntário de prevenção de doenças e da marginalização. O trabalho era realizado junto às famílias através da fraternidade, da democratização do saber, da formação humana para a prática do exercício da cidadania, tanto da sociedade como do poder instituído.

Por fim, consolida-se como uma rede de solidariedade, tornando-se referência mundial no combate à desnutrição e à mortalidade infantil, melhorando a qualidade de vida das crianças brasileiras através de suas ações, interações com o infante.

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2 Metodologia / procedimentos utilizados

Este estudo configura-se como uma pesquisa de campo de orientação qualitativa cujo objetivo orienta-se pela perspectiva descritiva.

Consideramos que o trabalho da Pastoral tem papel significativo na história do cui-dado com as crianças em nosso país. Estudar as concepções de sujeito que fizeram e fa-zem parte deste rico trabalho realizado pela Pastoral, e, ao mesmo tempo, relacionar criti-camente estas concepções ao desenvolvimento do atendimento a crianças e adolescente é significativo para nos ajudar a pensar a situação concreta da infância brasileira.

Foi realizada uma entrevista via telefone com uma das voluntárias da Pastoral, Maria da Conceição foi voluntária da Pastoral mais de 30 anos e atuou nos projetos de assistên-cia à criança pobre no Estado do maranhão, mais especificamente na cidade de Codó.

O processo de análise buscou dar sentido a todas estas propriedades da realidade que se apresentam inicialmente de forma caótica, mas que, após o processo ativo do pes-quisador de abstração, estes elementos são organizados a partir de propriedades mais fundamentais que permitem posteriormente, “reconstruir, via processo de síntese, a rea-lidade inicialmente tomada de forma desordenada” (SILVA, 2015, p. 25).

As análises possibilitaram organizar quatro categorias. São elas: 1) encontros e de-sencontros; 2) assistência e direitos; 3) compensação e promoção; 4) desenvolvimento e aprendizagem. Neste texto nos propomos a discutir apenas as categorias: Assistência e Direitos e Desenvolvimento e Aprendizagem.

3 Discussão e Resultados

A partir da análise do material coletado e produzido emergiram alguns caminhos de compreensão que possibilitaram emergir algumas categorias concretas de análise. Uma delas é a categoria Assistência e Direitos que reuniu as discussões em torno dos objetivos do trabalho da pastoral em consonância com a concepção de infância presente neste objetivo.

Nesse caminho há um debate constante a nível mundial sobre o cuidado com a infância, como resultado dessas discussões, em 1959, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração Universal dos Direitos da Criança, e um de seus pilares diz que todas as crianças têm direito à alimentação, à moradia e à assistência médica adequa-da tanto para elas quanto para as mães.

Diante deste cenário, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), preocupa-da com a pobreza e a situação do infante brasileiro, resolveu criar um órgão vinculado à

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igreja católica, de ação social, especificamente para lidar com os cuidados com a infância.

Desse modo, foram convidados civis, que posteriormente foram treinados nas ações sociais em saúde básica; estas pessoas ganharam o título de líderes voluntários. Há aqui uma relação entre as ideias assistencialistas e o voluntarismo nas instituições religiosas que tiveram seu início no século XIX, mas não nos aprofundaremos sobre este assunto aqui neste texto. De acordo com o Instituto Faço Parte (2002):

O trabalho voluntário no Brasil surge no século XIX com enfoque na benemerên-cia. Em um contexto social paternalista, rigoroso e excludente, “O voluntariado de benemerência” era incipiente, moralizador, feminino e baseado em rígidos valores morais. (INSTITUTO, 2002, grifos no original).

Assim, o trabalho da Pastoral enquanto ação social prega o ecumenismo e propaga uma filosofia e uma missão de ideal de vida numa perspectiva cristã. Baseada nos princí-pios cristãos. Segundo o médico epidemiologista Nelson Arns (1997):

As ações realizadas, são realizados por estes líderes que geralmente pertencem a mesma comunidade que atuam, são capacitados em ações de saúde básica como: acompanhamento da gestante, aleitamento materno, vigilância nutricio-nal, e promoção do crescimento, educação essencial, incentivo as imunizações, e controle das infecções diarreicas. (...)...As ações complementares como a parti-cipação em temas ligados a cidadania, projetos de auto sustentação através da geração de renda e alfabetização de jovens e adultos. (ARNS,1997, p.03)

Maria da Conceição Cruz descreve uma das inúmeras ações realizadas por ela junto às demais voluntárias da área zonal Codó/Timbiras no Maranhão, lugar onde “Os bolsões de pobreza e miséria, onde tanto a mortalidade infantil no nordeste brasileiro, quanto à desnutrição infantil estavam acima da média nacional” (PARIZOTTO, 2001, p.):

E cursos e mais, não podemos deixar de falar no aproveitamento dos recursos naturais, eu sempre digo que a multimistura ela veio trazendo vida e esperança para as nossas crianças principalmente no Maranhão, na região nordeste, no município de Codó, no combate à desnutrição. Quantas crianças, hoje eu en-contro lindas né!? Cheias de vida, que usaram a multimistura, uma coisa tão simples que nós aprendemos em cursos, que o aproveitamento das sementes, das folhas e farelo, seja semente de melancia, de abobora, gergelim, do melão, seja lá o que for, que traz vida né, que tem vitamina, e o farelo, farelo de trigo, de arroz, milho e as folhas das mais diversas. A folha da macaxeira que era tão difícil as pessoas compreender que eu posso comer a folha da macaxeira, será que não vai morrer? Então foi um processo de conquista. (CRUZ, 27/07/2017).

Com esse trabalho, a Pastoral da Criança está ajudando as famílias a lutarem por acesso a direitos sociais básicos, tal como está na Constituição Brasileira, no Capítulo II – DOS DIREITOS SOCIAIS, Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infân-

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cia, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (CONSTITUIÇÂO, 1988, art.6)

Havia no país, quando da implantação dos serviços da Pastoral, uma certa ausência da assistência social e a luta pela garantia desses direitos estava em seu estágio embrio-nário. A Pastoral desenvolveu ações concretas que envolviam maciçamente a população pobre por meio da ação “social”, semelhante à caridade, que era quase nula no Brasil.

No que se refere à infância, na concepção da Pastoral, não podemos deixar de tecer críticas. A infância defendida pela Pastoral é a infância ocidental cristã, que inicialmente, foi contemplada como natural para só depois se alinhar com as mudanças de paradigmas e com a incorporação dos conhecimentos científicos.

Destacamos a centralidade da teoria da privação cultural e de compensação de ca-rências nos discursos da Pastoral. Há um certo conceito de criança extremamente abstra-to, o que não poderia ser diferente, uma vez que a instituição está vinculada à filosofia eclesiástica cristã, conforme Sonia Krammer (2001):

[Uma infância] delineada com base em padrões fixos de desenvolvimento, de linguagem de socialização, uma [infância] definida pela falta, por quilo que não é, que não tem, que não conhece e, fundamentalmente, uma [infância] com-preendida pela negação se sua humanidade: filhote do homem, a ela cabia ser moldada ou no máximo se desenvolver para torna-se alguém no dia em que, adulta, deixar de ser criança. (KRAMMER, 2001, p.16)

A Organização, em seu início, representou a infância assim, mas, como uma insti-tuição atenta às mudanças sociais e aberta ao aperfeiçoamento, metamorfoseou-se, as-sistindo às necessidades básicas da infância no país. Estas ações tiveram que ser realiza-das devido à inércia do Estado, que apenas assistia suas crianças morrerem de fome e de doenças, de forma exponencial, podendo tudo isso ser evitado.

As ações do Pastoral contribuíram fortemente para a aprovação do Marco Legal para a Primeira Infância em março de 2016. Marco este que prevê o apoio à família e aos adultos que se relacionam com crianças até seis anos, especialmente em situação vulne-rável.

As ações concretas do Marco Legal da Primeira Infância, de modo generalizado, pre-veem: criação de políticas governamentais e programas destinados ao fortalecimento de atividades familiares centradas nas crianças, e contextualizadas na comunidade; integra-ção dessas políticas e programas e das áreas de cuidado e atendimento (educação, saúde, assistência social, etc.); criação de um Sistema de Garantia dos Direitos, para que crianças em situação de vulnerabilidade tenham prioridade nas políticas sociais; orientação e for-mação para gestantes e famílias com crianças na Primeira Infância para favorecer a forma-

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ção de vínculos afetivos e estimular o desenvolvimento integral.

Em suma, reforça a novidade de trazer para a concepção e a normatização das po-líticas públicas uma cultura de cuidado integral e integrado com a criança, em especial, a Primeira Infância no Brasil, que carece de uma atenção mais focada, de um olhar especí-fico, de uma ação sensível às peculiaridades da idade, que vai desde a concepção até os seis anos de idade, faixa etária abrangida pela legislação recém-sancionada.

2.1 DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

A segunda categoria reúne as discussões em torno dos resultados esperados pelo trabalho de assistência à criança pela Pastoral. Durante a investigação dos princípios que norteiam as atividades que a Pastoral da Criança desenvolve, apesar das críticas tecidas (infância fixa, cristã, inocente), observamos a mudança dentro do processo histórico na concepção social de infância.

Segundo Pagotto (2012), renovada e adaptada às novas exigências das realidades locais, esta concepção se articulou aos objetivos específicos da Pastoral, de sua visão e missão, baseadas em conhecimentos científicos, com a ação evangelizadora. A contribui-ção a Pastoral da Criança para a sociedade se inspira na profecia de Isaías, que diz “Não haverá mais criança que viva só poucos dias” (ISAIAS, 65, 20). Esta é uma boa indicação de orientação para o trabalho da Pastoral.

Maria da Conceição Cruz reitera a forma específica de apreender da criança a partir de suas extensas experiências na Pastoral da Criança. Vemos que todo esse movimento foi iniciado pela preocupação com a alta taxa de mortalidade infantil no país.

O trabalho com as crianças realizado pela Pastoral possui uma especificidade a mais: é direcionado às crianças que compõem: “Os bolsões de pobreza e miséria,

onde tanto a mortalidade infantil no nordeste brasileiro, quanto à desnutrição in-fantil estavam acima da média nacional” (PERIZOTTO, 2001, p.02).

Destarte, não se nega um dos pilares que mobilizam o trabalho empreitado pela instituição, que se constitui em assimilar e apreender que a criança se constitui em um ser que se encontra numa situação particular de desenvolvimento.

As visitas realizadas pelos líderes comunitários se constituem no momento de ex-pressão clara dessa categoria denominada “desenvolvimento e aprendizagem da criança”. De acordo com o “Guia do líder”, edição de 2012, as visitas são momentos de:

valorizar o que as famílias fazem de bom para cuidar de seus filhos; conversar sobre a gravidez; conversar sobre os cuidados e a educação das crianças; alertar

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sobre os sinais de perigo para a saúde da gestante e da criança; identificar situ-ações desfavoráveis para o desenvolvimento da criança; perceber os possíveis problemas e dificuldades enfrentadas; procurar juntos formas de resolver esses problemas (GUIA DO LIDER, 2012, p.32)

Outro fator importante apresentado pela voluntária Maria da Conceição Cruz foi a construção de uma brinquedoteca na sua diocese, entendida por todos os idealizadores como um equipamento promotor de grandes avanços no desenvolvimento infantil.

[...]A brinquedoteca é, ela um gráfico dos trabalhos realizados pela Pastoral da Criança, na época em que eu sentir essa necessidade de ter um espaço para as crianças se unirem só para brincar e alguém cuidar e alguém está de olho pra tudo ocorrer bem, aí aparecerem as irmãs Palotinas como também uma alter-nativa, eu já estava no trabalho, abriram as oportunidades que eu podia estar fazendo um projeto pra que a gente pudesse contemplar esta situação, então eu fiz este projeto, elas conseguiram através de doadores da Alemanha (CRUZ, 27/07/2017).

Em sua narrativa, a líder da pastoral Zilda Arms aponta para outro pilar que compõe o infante: a brincadeira. A brincadeira se constitui em uma das atividades principais da criança até os 06 anos de idade, faixa etária de prioridade no trabalho da mesma.

Apontamos que talvez essa visão possa ter influenciado a legislação brasileira a re-conhecer explicitamente o direito de brincar, tanto na Constituição Federal (1988), artigo 227, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990), artigos 4º e 16, ainda que não ofereça as condições para que esse direito seja exercido plenamente por todas as crianças.

Outros direitos e princípios do ECA guardam direta relação com o brincar, dentre os quais destacamos, direito ao lazer (art. 4º), direito à liberdade e à participação (art. 16), peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (art. 71).

Já o Marco Legal da Primeira Infância reúne uma série de orientações e condutas que colocam a criança no centro da pauta das políticas públicas de Educação, Saúde, Assistência Social, dentre outras áreas afins, priorizadas pelo artigo 5 e reforçadas pelo artigo 17, que determinam que a União, os Estados e os Municípios deverão organizar e estimular espaços lúdicos que propiciem o bem-estar e o exercício da criatividade em am-bientes seguros, públicos e privados: escolas, praças, hospitais, postos de saúde, centros culturais, bibliotecas, sedes do conselho tutelar, igrejas, clubes etc.

Por outro lado, essa ação realizada pelo Pastoral e atualmente regulada pelo Marco Legal se apresenta como uma necessidade atual, por reconhecer que nas últimas décadas mudanças profundas nos ambientes urbanos têm ocorrido e que as crianças que estão crescendo, desenvolvendo-se estão sofrendo um impacto importante no que se refere às

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oportunidades de brincar. Diante disso, a Pastoral da Criança tem fomentado a criação de espaços para a brincadeira, especialmente, brincadeiras livres. De um modo intencional, nada ingênuo, a Pastoral defende, mesmo antes do Estatuto da Criança e Adolescente determinar em 1990, o direito de a espaços de brincadeiras livres para as crianças. De acordo com a líder, a brinquedoteca “Rainha dos Apóstolos”, fundada em 2003, concreti-za-se como:

[...] E um espaço aonde as crianças vão para brincar, lá desenvolvem os brinque-dos, as brincadeiras e nós temos os brinquedistas, que são chamadas as pessoas que brincam com as crianças né! Seja na área livre, seja na parte da arte, seja na construção de brinquedos, então todas as áreas que a criança tem a oportuni-dade de se desenvolver. (CRUZ, 27/07/2017).

Apesar de essas considerações se mostrarem muito pessoais, essa prática de, por meio da brinquedoteca, assimilar a criança e seu desenvolvimento possui quase que direta correlação com a concepção Histórico-Cultural do desenvolvimento infantil e a Pedagogia Histórico Crítica.

Afirmamos isso, porque a Pastoral da Criança, ainda que tenha uma visão ocidental cristã sobre a infância, demonstra por meios de suas atividades que o desenvolvimento humano não se trata de um processo natural, mas que precisa ser estimulado, criando-se condições de mediações para que tal processo ocorra.

Afirma Maria da Conceição Cruz que: “Organizar espaços para a brincadeira é per-mitir que a criança brinque livremente é o papel do adulto”. (CRUZ, 27/07/2017).

Estas ações confluem para o que Pasqualini (2012) pensa acerca das ações do adulto:

[São] as ações do adulto que vão introduzindo a criança em uma esfera de novas inter-relações, em que ela se converte em sujeito de uma relação. O adulto atrai a criança a comunicação e engendra a necessidade de comunicar-se inexistente como tal nas primeiras semanas de vida (PASQUALINI, 2012, p.82)

O que afirmou Maria da Conceição acima, reafirma Elkoni (1987) e também Pasqualini (2012). Este último diz que “todas as aquisições da criança nesse período dependem da influência imediata dos adultos e que o adulto não somente satisfaz as necessidades da criança, mas organiza também seu contato com a realidade” (PASQUALINI, 2012, p.83).

Desse modo, a “Ação Brinquedos e Brincadeiras” criada pela Pastoral da Criança em 2002 têm a intenção de incentivar a brincadeira, por entender como a brincadeira se faz importante no/para o desenvolvimento infantil. Zilda Arns, fundadora da instituição, no livro Guia da “Ação Brinquedos e Brincadeiras”, descreve:

A criança brinca por necessidade e ao brincar aprimora seus sentidos como visão,

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audição, tato e seus movimentos; vai conhecendo como são e para que servem os objetos e brinquedos; desenvolve sua linguagem e seu pensamento; aprende e compreende as atividades, os costumes dos adultos, as relações entre as pessoas (ARNS, 2008, p.15).

Com esta fala evidenciamos implicitamente a fonte da qual a Dra. Zilda Arns bebeu de compreensão da criança. Vigotsky (2002) demonstrou com clareza que isso é um fato. Para finalizar, Pasqualini, citando Vygotky, afirma que: “A imaginação não é a causa da brincadeira, ao contrário, a brincadeira é uma atividade que, por sua própria estrutura e finalidade, demanda a criação da situação imaginária pela criança.” (PASQUALINI, 2012, p.88).

Portanto, isso significa que a Pastoral da Criança defende que a brincadeira, assim como também o fazem a Psicologia Histórico-Cultural do Desenvolvimento

Infantil e a Pedagogia Histórico-Crítica, tem o potencial de promover desenvolvi-mento psíquico, biológico, social, dependendo do acesso ao conhecimento sobre o mun-do que a criança tem ou não, mediado acima de tudo pelo adulto e seu mundo.

Conclusões ou Considerações finais

Diante de todo esse trajeto investigativo percorrido, descobrimos que não é possí-vel pensar a história da infância, sobretudo a infância de crianças empobrecidas, sem as ações da Pastoral da Criança no Brasil.

Ainda que nosso estudo seja uma pequena tentativa de delinear claramente este trabalho com a infância tão significativo no país, acreditamos que desvelamos alguns ca-minhos do trabalho de assistência e educação de crianças da Pastoral da Criança.

Podemos dizer que a concepção de infância preconizada pela instituição, a partir dos dados obtidos e das categorias engendradas, aponta uma infância protegida e cuida-da, e, embora esta seja uma concepção cristalizada e alinhada à filosofia cristã, outra ideia de infância emerge convergindo para as concepções que sustentam o Estatuto da criança e do adolescente (ECA) e os propósitos do Marco Legal da primeira infância.

Destarte, à guisa de [in] conclusão, é necessário dizer que há o grande desafio de co-locar em prática as disposições do Marco Legal da Primeira Infância. Acreditamos que esta futura publicação pode oferecer uma contribuição propedêutica para iluminar caminhos. Fortalecendo a intenção de ajudar a gerar ainda mais consciência social e sensibilização política sobre o significado e a importância da infância, especialmente a Primeira Infância.

Esta proposta, cada vez mais, investigada com profundidade, vai situando este fe-nômeno historicamente, deslocando, movendo, buscando, encontrando e desencontran-

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do, provando que o campo deste objeto pesquisado não é homogêneo, possibilitando diversas leituras e apropriação de concepções sob o mesmo, mostrando que esta não é a única conclusão definitiva, uma vez que há caminhos abertos para investigações futuras.

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA PRÉ-ESCOLA

Liliane Querino do Nascimento1

Selma Martines Peres2

Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir a aquisição da língua oral e escrita em sua fase inicial de escolarização, isto é, na pré-escola. Essa pesquisa é de ca-ráter qualitativa do tipo bibliográfica e seus estudos estão ancorados em pesquisadores da temática e documentos oficiais e orientadores da educação infantil. Como resultados conclui-se que a alfabetização está intrinsecamente ligada ao letramento, visto que en-volve a aquisição do código escrito e o seu uso social, devendo ser trabalhados de forma concomitante na perspectiva do alfabetizar letrando. Pontua que não há uma idade ou período apropriados para a aquisição da língua escrita, uma vez que desde o nascimento as crianças já estão imersas no mundo da escrita por viverem em uma sociedade grafo-cêntrica. Aponta ainda a necessidade de compreensão do alfabetizar letrando a fim de evitar atividades enfadonhas de mecanização e exercícios de prontidão ainda presentes nas salas de pré-escola.

Palavras-chave: ALFABETIZAÇÃO. LETRAMENTO. PRÉ-ESCOLA.

Introdução

Este trabalho, parte da pesquisa de mestrado em andamento – “AS CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA PRÉ-ESCOLA: REFLEXÕES A PARTIR DA EQUIPE GESTORA” de um município do interior de Goiás, tem como objetivo analisar a compreen-

1 Aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação UFG/Regional Catalão. Linha de pesquisa: Leitura, Educação e Ensino de Língua Materna e Ciências da Natureza. Professora da rede pública municipal de ensi-no. EDULE (Grupo de Pesquisa: Educação, Leitura e Escrita. [email protected]

2 Professora da UAEE. Programa de Pós-Graduação em Educação UFG/Regional Catalão. EDULE (Grupo de Pesquisa: Educação, Leitura e Escrita. [email protected]

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são da equipe gestora da rede municipal de ensino de Catalão no que diz respeito às con-cepções de alfabetização e letramento que orientam a elaboração da proposta de ensino para o Jardim II (crianças de 5-6 anos) e como se articulam com as práticas escolares.

Fundamenta-se teoricamente no campo da alfabetização e letramento em autores como Soares (1999, 2016), Freire (1989), Rojo (2009), Street (2014), entre outros, estes au-tores concebem a alfabetização como um processo mais amplo que vai além da codifica-ção e decodificação de letras em sons, mas perpassa pela aprendizagem de palavras, de estrutura textual como pontuação, acentuação, noção espacial de escrita e contemplam este trabalho associado ao letramento, que são os usos sociais da leitura e escrita nos seus contextos sociais. Apoia-se ainda em leituras a respeito da educação infantil em autores como Kramer (1986), etc., que promovem um debate entre a função da pré-escola e os objetivos da educação infantil.

Para realizar esta pesquisa também foi realizado um levantamento de documen-tos referentes à educação infantil, tais como os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEI, 1998), as Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, 2009), Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC, 2016) entre outros.

Neste texto, iniciamos com um breve histórico do conceito de métodos de alfabe-tização, seguido do conceito de alfabetização, o surgimento do letramento e a função da pré-escola no Brasil, trazendo discussões sobre a aquisição da leitura e escrita nos anos iniciais de escolarização em seus aspectos pedagógico e normativo.

Destacamos ainda que a pesquisa de mestrado passou por aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UFG) e teve parecer favorável consubstanciado de n. 2.576.711.

1. A metodização da alfabetização no Brasil: uma demarcação temporal.

Para iniciarmos a discussão sobre alfabetização, faz-se necessário conhecer alguns elementos do processo pelo qual passou até chegarmos na concepção de alfabetização que hoje é difundida e defendida entre estudiosos e pesquisadores da área.

Historicamente, segundo o documento Formação para professores alfabetizadores (2001, p. 7):

O modelo escolar de alfabetização nasceu há pouco mais de dois séculos, pre-cisamente em 1789, na França, após a Revolução Francesa. A partir de então,

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“crianças são transformadas em alunos, aprender a escrever se sobrepõe a aprender a ler, ler agora se aprende escrevendo – até esse período, ler era uma aprendizagem distinta e anterior a escrever, compreendendo alguns anos de instrução através do ensino individualizado. É, então, no jogo estabelecido pela Revolução entre a continuidade e a descontinuidade do tempo, onde a ruptura vai sendo atropelada pela tradição, que a alfabetização se torna o fundamento da escola básica e a leitura/escrita, aprendizagem escolar”.

Neste sentido, percebe-se que a escrita e a leitura são vistas como processos distin-tos desde esse período, o que justifica até os dias atuais a sobreposição da escrita sobre a oralidade.

No Brasil, a preocupação com a alfabetização se torna mais visível no final do século XIX, a partir das dificuldades das crianças em aprender a ler e a escrever. Uma das hipó-teses levantadas incorria na escolha do melhor método de alfabetização. Soares (2016, p. 16) salienta que:

A questão dos métodos de alfabetização não é uma ocorrência atual, ela esteve presente, em nosso país, ao longo da história dos métodos de alfabetização, pelo menos desde as décadas finais do século XIX, momento em que começa a consolidar-se um sistema público de ensino, trazendo a necessidade de imple-mentação de um processo de escolarização que propiciasse às crianças o domí-nio da leitura e da escrita.

Fazendo um recorte temporal, segundo Mortatti (2000) os métodos de alfabetiza-ção no Brasil iniciaram em 1876, com a implantação dos métodos de marcha sintética (da “parte” para o “todo”); da soletração (alfabético), do nome das letras; o fônico dos sons correspondentes às letras); e da silabação

(emissão de sons) das sílabas. “Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e or-tografia, e seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras” (MORTATTI, 2006, p. 5).

Em oposição a esse método, em 1890, ganha força entre os educadores o método analítico. De acordo com este método, o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas. Esse método ganhou he-gemonia no sistema de ensino até os anos 1920.

A partir desse período, as disputas entre os dois métodos (sintético e analítico) fo-ram perdendo força, devido a relativização do método em detrimento do nível de maturi-dade necessário para aprender a ler e a escrever, soma-se ainda o fato dos profissionais da educação começarem a utilizar o método misto (analítico-sintético ou sintético-analítico). Essa relativização ocorre devido a adoção dos testes ABC de Lourenço Filho com grande influência da psicologia e outras ciências que adentraram no campo da educação nessa busca pela superação do fracasso escolar na alfabetização das crianças principalmente

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nos anos de 1970, demarcando assim o 3. momento da metodização do ensino da leitura e escrita.

Mortatti (2006, p. 10) define este momento com as seguintes palavras:

Nesse 3o. momento, que se estende até aproximadamente o final da década de 1970, funda-se uma outra nova tradição no ensino da leitura e da escrita: a alfabetização sob medida, de que resulta o como ensinar subordinado à matu-ridade da criança a quem se ensina; as questões de ordem didática, portanto, encontram-se subordinadas às de ordem psicológica.

No campo da escrita, a mesma continuou sendo entendida como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica, que devia ser ensinada através de exercícios de discri-minação e coordenação viso-motora e auditivo-motora, posição de corpo e membros, ou seja, ainda presa a modelos mecanicistas e repetitivos assim como no final do século XIX.

É importante destacar que mesmo com toda a discussão em torno dos métodos de alfabetização paralelamente a essa questão, estavam sendo discutidas por outros estudiosos a compreensão do processo de aquisição da língua oral e escrita, em outra perspectiva, conforme citação de Vygotsky no final dos anos 1920, que só começou a ser ouvida cinquenta anos depois:

[...] o melhor método é aquele em que as crianças não aprendam a ler e a es-crever, mas, sim, descubram essa habilidade durante a situação de brinquedo. Para isso é necessário que as letras se tornem elementos da vida das crianças, da mesma maneira como, por exemplo, a fala. Da mesma forma que as crianças aprendem a falar, elas podem muito bem aprender a ler e a escrever (VYGOTSKY, 1993, p. 134).

A escolha do método/métodos se tornou uma questão que perdurou até os anos de 1980 quando a pergunta sobre qual o melhor método de ensino foi substituída pela “Como as crianças aprendem a ler e a escrever”?

O foco então é deslocado do método para o sujeito. Assim, o construtivismo de Emília Ferreiro ganha força no Brasil, contribuindo com os estudos sobre a Psicogênese da Língua Escrita que percebe a criança como protagonista do processo de ensino-apren-dizagem. De acordo com esses estudos, o aprendizado do sistema de escrita não se re-duziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas (a decodificação e a codificação), mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança, desde seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de repre-sentação. (PRO-LETRAMENTO, 2008). A autora defende um ensino voltado para a escrita espontânea.

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 49

Sobre o construtivismo, Soares (2016, p.22) destaca que:

O construtivismo, embora com as diferentes e nem sempre corretas interpre-tações que a ele foram dadas na prática docente, foi hegemônico na área da alfabetização, particularmente no discurso acadêmico e nas orientações curri-culares (cf. PCN, 1997), até os anos iniciais do século em curso, quando a questão do método reaparece mais uma vez se enfrenta um momento de controvérsias em torno dos caminhos adequados para conduzir com sucesso o processo de alfabetização.

Diante dessa discussão em torno dos métodos de alfabetização, reconhecemos que a questão não é a escolha de um método, mas sim a utilização de vários métodos para o ensino da língua oral e escrita, e isto requer dos professores que estão em salas de alfa-betização conhecimentos linguísticos, psicológicos, neurolinguísticos, compreensão do contexto social e cultural dos alunos para fazer as intervenções adequadas.

Soares (2016) conclui que, método é um caminho, e alfabetizar com método é: “al-fabetizar conhecendo e orientando com segurança o processo de alfabetização, o que se diferencia fundamentalmente de alfabetizar trilhando caminhos predeterminados por convencionais métodos de alfabetização” (SOARES, 2016, p. 352).

Mediante a apresentação da trajetória da metodização da alfabetização, convém discutirmos os diferentes conceitos que abrangem esse processo de aprendizagem inicial da leitura e escrita, comumente chamado alfabetização.

1.1 A ALFABETIZAÇÃO: um processo ou um produto?

Discorrer sobre a alfabetização é uma questão considerada fácil se atribuirmos a ela apenas o sentido restrito de codificação e decodificação de sons em letras, um produto acabado.

Contudo, essa definição não se sustenta nos dias atuais, inclusive o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) criado em 2012 para atender a meta 5 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) traz uma concepção mais ampliada, ainda que estabeleça que a aprendizagem aconteça em um período demarcado para sua finalização no ciclo de alfabetização. O PNAIC propõe que toda criança deveria ser alfabetizada até o final do terceiro ano. Fato que chama atenção é que com a criação da Base

Nacional Comum Curricular (BNCC) aprovada em 2017, esse período é antecipado para o segundo ano do ensino fundamental.

É interessante observar nos documentos sobre a alfabetização aparece como um período de início e término do ciclo da alfabetização, propondo um tempo e idade ideal para que ela ocorra. Compreende-se assim a alfabetização como um produto com finali-

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dades específicas de atendimento aos parâmetros de qualidade estabelecidos por órgãos governamentais, como uma política pública para minimizar o analfabetismo no país.

Nessa direção, Soares (2016) argumenta que:

Na verdade, a importância dessa meta é a de garantir a todas as crianças depois de um certo número de anos de escolarização, um domínio básico da leitura e da escrita, imprescindível como meio de superação das desigualdades, que os dados têm evidenciado, na obtenção desse direito fundamental para o exercício da cidadania e aquisição de condições mínimas para a vida social e profissional em uma sociedade grafocêntricas. (SOARES, 2016, p. 345)

Nesses termos, Brito (1999, p.89) faz um alerta para evidenciar um dos objetivos da alfabetização, sendo que para o autor, o indivíduo é alfabetizado para o mercado e para que seja mais produtivo. Entende-se aqui que “produtivo pode significar tanto a capaci-dade de seguir adequadamente instruções de trabalho, quanto de consumir os produtos de mercado e de reproduzir valores da classe dominante”.

No presente trabalho, concebemos a alfabetização como um processo que acom-panha o indivíduo até o final de sua vida, conforme a sua vivência social e cultural em que vai se apropriando, concebendo e/ou atribuindo outros sentidos ao que ouve, ao que lê, ao que escreve. A respeito da alfabetização Freire (1989) já assinalava que:

A alfabetização e pós alfabetização implicam esforços no sentido de uma corre-ta compreensão do que é a palavra escrita, a linguagem, as suas relações com o contexto de quem fala e de quem lê e escreve, compreensão, portanto da relação entre leitura do mundo e leitura da palavra, ler em relação ao contexto. (FREIRE,1989, p. 11)

Nesta direção acerca do processo da alfabetização, Soares (2017) acredita que uma teoria coerente da alfabetização deverá basear-se em um conceito desse processo sufi-cientemente abrangente para incluir a abordagem mecânica do ler/escrever, o enfoque da língua escrita como um meio de expressão/compreensão, com especificidade e auto-nomia em relação à língua oral, e, ainda, os determinantes sociais das funções e fins de aprendizagem da língua escrita.

Rojo (2009, p. 10) compreende a alfabetização, como a “ação de alfabetizar, ensinar a ler e a escrever”, que leva o aprendiz a conhecer o alfabeto, a mecânica da escrita/leitu-ra, a se tornar alfabetizado”. A autora segue argumentando que mais importante do que aprender a decodificação/codificação, é preciso:

Compreender o que se lê, isto é, acionar o conhecimento de mundo para re-lacioná-lo com os temas do texto, inclusive o conhecimento de outros textos/discursos (intertextualizar), prever, hipotetizar, inferir, comparar informações, generalizar. É preciso também interpretar, criticar, dialogar com o texto: contra-

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por a ele seu próprio ponto de vista, detectando o ponto de vista e a ideologia do autor, situando o texto em seu contexto. (ROJO, 2009, p. 11).

Dessa forma, a autora concebe a alfabetização no seu sentido mais amplo.

Por fim, compreendemos o conceito de alfabetização como um processo e não produto e nesse sentido, nos apoiamos nas ideias de Freire (1989) que ressalta a sua im-portância enquanto ato de conhecimento e de emancipação do sujeito, para o autor o processo de alfabetização é uma arma simbólica capaz de transformação social, vista também como um meio de democratização da cultura.

Portanto, a alfabetização é um processo que transcende a aquisição inicial do aprender a ler e a escrever, sua apropriação ocorre de acordo com as experiências e vivên-cias as quais o indivíduo participa ao longo da sua vida, ou seja, não pode ser delimitada num marco ou idade conforme preconizado em alguns documentos de políticas públicas como o PNE, o PNAIC e a BNCC para fins de índices de superação do analfabetismo.

1.2 Letramento e letramentos

Até o presente momento foi apresentado a importância que os métodos tiveram ao longo da história da alfabetização, a alternância do foco do ensino para a aprendizagem com o início do construtivismo a partir de 1980, e a relevância da alfabetização e de sua concepção enquanto promotora de tomada de consciência do sujeito e sua emancipa-ção social, de democratização cultural e de sua incompletude no desenvolvimento da aprendizagem da língua. Contudo, apesar de todo esse entendimento sobre o processo da aquisição inicial da língua escrita, é preciso saber fazer o uso dela nas diversas práticas sociais, e isso nos remete a um outro conceito que é chamado Letramento.

É na segunda metade dos anos 1980 que surge a palavra Letramento no discurso de estudiosos e pesquisadores da aprendizagem da língua quando houve uma amplitude do conceito de alfabetização e, socialmente em decorrência do desenvolvimento cultural, econômico e político em nosso país juntamente com os avanços tecnológicos, exigiram da população outras habilidades com relação à leitura e escrita, isto é, aprender a usá-las em suas práticas sociais e profissionais.

A palavra letramento foi dicionarizada em 2001 (Dicionário Houaiss) assim como le-trado, como adjetivo correspondente a ela. Uma das primeiras ocorrências está no livro de Mary Kato, de 1986 (No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, Editora Ática), além dela, Leda Verdiani Tfouni, em 1988 no capítulo introdutório do seu livro Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, distingue alfabetização de letramento e, em 1995, Ângela Kleiman publica o livro: Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre

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a prática social da escrita. (SOARES, 1999).

De acordo com os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEI, 1998, p. 121) o Letramento é concebido como:

Um produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como siste-ma simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas. Dessa concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas não existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas.

Apesar de estarem estritamente ligados, a alfabetização e o letramento, têm suas especificidades quanto abrangência e natureza dentro da aprendizagem da língua escri-ta. A respeito da definição de letrado e alfabetizado, Soares (1999) pontua que:

Um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo este adjetivo sentido vinculado ao letramento). Assim, um adulto por ser analfabeto, porque marginalizado social e economi-camente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita tem presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em al-gum lugar, esse analfabeto, é de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 1999, P. 24)

Em outras palavras, o letramento corresponde aos usos sociais que as pessoas fa-zem no dia a dia desde o seu nascimento, onde a escrita se faz presente na maioria das relações sociais, principalmente em sociedades industrializadas e tecnológicas, seja no trabalho, no supermercado, na igreja, na escola, ainda que não seja alfabetizado. Isso im-plica compreender que embora existam pessoas que não sabem ler e escrever (analfabe-tos), ao possuir um domínio sobre o uso da língua escrita se torna uma pessoa letrada.

Esse termo vem sofrendo ressignificações devido às mudanças sociais ocorridas nos últimos tempos, cumpre apontar o uso do termo Letramentos e não letramento, tais mudanças se referem a uma nova vertente social de letramento apresentada nos anos 1980 por Street que propõe o modelo ideológico em contraposição ao modelo autôno-mo de letramento.

O modelo autônomo se encontra no âmbito da escola, é bom ressaltar que, embora a escola seja a principal agência de letramento ainda ancora seu ensino a um letramento escolarizado, presa ao currículo onde predomina apenas a norma-padrão de ensino, que ignora o contexto social dos alunos ao invés de desenvolver as suas capacidades de leitu-ra e escrita com vistas à participação na sociedade.

No modelo ideológico concebido por Street (2014, p. 44) “o aprendizado da escrita

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se dá considerando as práticas concretas e sociais, ou seja, as práticas letradas são produ-to da cultura, da história e do discurso”.

O modelo ressalta a importância do processo de socialização na construção do sig-nificado do letramento para os participantes e, portanto, se

preocupa com as instituições sociais gerais por meio das quais esse processo se dá, e não somente com as instituições pedagógicas.

Portanto, cada pessoa, ao ter que interagir em situações em que a escrita se faz presente, torna-se letrada. Não há indivíduos iletrados em uma sociedade em que a es-crita está presente nas relações sociais, pois de forma autônoma ou mediada por outras pessoas, todos participam dessas situações. Todavia, há pessoas que são privadas de agir autonomamente em diversas situações sociais, pois não dominam o sistema de escrita pois não são alfabetizadas.

1.3 A pré-escola: a alfabetização em questão.

Após a educação infantil ser reconhecida como primeira etapa da educação básica, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (9394/96), essa perdeu o seu caráter estritamente assistencialista de atendimento às famílias das classes populares e às mães trabalhadoras. Desse modo observa-se tentativa de consolidação de sua função pedagó-gica na promoção da ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas. A LDB, no artigo 29 dita que “a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. Neste sentido, o desenvolvimento da criança deve ser global.

A educação infantil está organizada em creche para crianças de 0 a 3 anos e a pré-escola destina-se a crianças de 4 a 5 anos. A nomenclatura de organização da pré-escola varia de acordo com o estado e municípios. No município cuja pesquisa foi desenvolvida são adotadas as nomenclaturas Jardim I e Jardim II, sendo que o foco desta pesquisa se encontra nas turmas de Jardim II que antecedem o primeiro ano do ensino fundamental.

A pré-escola vem sendo alvo de debates e discussões entre estudiosos, pesquisa-dores e profissionais da área quanto sua função pedagógica relacionada à especificidade da educação infantil e o processo de alfabetização nesta etapa, uma vez que muitos de-fendem que não se deve escolarizá-la, privilegiando o brincar, característica marcante da infância.

O documento Diretrizes Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, 2009) estabelece como eixos norteadores do currículo da educação infantil as interações e brincadeiras.

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A respeito da indissociabilidade do cuidar/educar na educação infantil, o documen-to Práticas cotidianas na educação infantil (2009) se posiciona nos seguintes termos:

No momento em que a educação infantil passou a ser considerada a primei-ra etapa da Educação Básica, integrando-se aos sistemas, através da LDBEN de 1996, foi necessário interrogar e pensar sua especificidade. Para demarcar sua “identidade”, seu lugar nas políticas públicas e na Educação Básica brasileira, e para retirar a creche da assistência social e a pré-escola da “preparação para o ensino fundamental”, foi necessário sublinhar e insistir na indissociabilidade do educar/cuidar, enquanto estratégia política para aproximá-los, redimensionan-do a educação da infância. (BRASIL, 2009, p. 68).

Compreende-se então, que o receio de se perder a especificidade da educação in-fantil e torna-la como uma etapa preparatória é uma preocupação há mais de 20 anos e ainda permeia as problematizações nas mesas de debates ainda hoje.

De outro lado estão os que defendem o educar nesta fase e argumentam que a escolarização e ludicidade podem e devem ser trabalhadas na pré-escola desde que não estejam pautadas em atividades mecânicas e exercícios de prontidão de preparação para a alfabetização, neste sentido a proposta de atividades de alfabetização se encontram na perspectiva do letramento.

A autora Magda Soares, uma das defensoras da presença da alfabetização e letra-mento na educação infantil, pontua sobre o alfabetizar letrando nestes termos:

Na educação infantil, a criança deve pelo menos descobrir o princípio alfabéti-co: descobrir que, quando escrevemos, registramos o som das palavras, e não a coisa sobre a qual estamos falando. Esse é o grande salto que a educação infantil tem de ajudar a criança a dar. Aliás, é o grande salto que a humanidade deu: descobrir que podemos transformar a oralidade em algo visível, que é a escri-ta. Porém, ao se colocar pré-requisitos para a alfabetização como norte do seu planejamento pedagógico, o professor acaba associando a educação infantil a um conceito inadequado, de que essa etapa prepararia a criança para o ensino fundamental. (SOARES, 2010, p.9)

Neste sentido, é preciso considerar que as crianças desde que nascem estão expos-tos aos eventos de letramento e práticas por viverem em uma sociedade extremamente grafocêntrica como o nosso país, onde a escrita se faz presente em todos os contextos sociais. Isso significa que quando a criança chega à escola ela já possui um conhecimento de mundo, um modo de ser que a escola não pode ignorar, o que a escola precisa é levar a criança a reconhecer a função social da escrita, para que se escreve, por que se escreve dessa e não daquela maneira, etc., dentro de um ambiente alfabetizador.

Kramer e Abramovay (1986, p. 175) acreditam “que não há qualquer tipo de impe-dimento teórico ou argumentação que justifique a impossibilidade de se alfabetizar na pré-escola”. O que não pode ocorrer na educação infantil são práticas semelhantes à do

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primeiro ano do ensino fundamental, baseadas em atividades de coordenação motora, cópias e reconhecimento de letras.

Segundo o RCNEI (1998) para aprender a ler e a escrever, a criança precisa cons-truir um conhecimento de natureza conceitual: precisa compreender não só o que a es-crita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a linguagem. Isso significa que a alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades relacionadas à percepção, memorização e treino de um conjunto de habilidades sensório-motoras. É, antes, um processo no qual as crianças precisam resolver problemas de natureza lógica até chegarem a compreender de que forma a escrita alfabética em português representa a linguagem, e assim poderem escrever e ler por si mesmas retrata que a aprendizagem da língua oral e escrita devem ser trabalhadas de forma integrada e complementar, não sobrepondo uma a outra, mas desenvolvê-las da forma que for solicitada pela criança.

Portanto, a polêmica em torno de iniciar ou não a alfabetização numa determinada idade, se mostra infundada nos dias atuais, uma vez que desconsidera que a criança já chega à escola em pleno processo de alfabetização e letramento, devido aos contextos culturais que elas estão expostas fora da instituição. É preciso repensar a formação dos professores atuantes em salas de pré-escola, quanto as práticas pedagógicas inerentes à alfabetização e letramento de modo a ampliar os saberes e conhecimento de mundo dos alunos, porém sem perder a especificidade dessa etapa de ensino.

2. Metodologia

Neste artigo adotamos como metodologia de pesquisa a abordagem qualitativa, do tipo bibliográfica. Segundo Alicia Fernandez (2007), a investigação qualitativa propõe a ideia de reflexividade em oposição à ideia de objetividade e neutralidade do conheci-mento. Considera ainda que é interativa e reflexiva, ou seja, os investigadores são sensí-veis aos efeitos que eles mesmos causam sobre os sujeitos atuantes.

Consistiu em um exaustivo levantamento bibliográfico, seleção, fichamento e ar-quivamento de informações relacionadas à pesquisa, tendo como fontes: livros de estu-diosos acerca da alfabetização e letramento, educação infantil e a pré-escola, documen-tos normativos oficiais elaborados pelo governo federal, assim como cartilhas, artigos, dissertações, jornais que contribuíram para a reflexão e apropriação nas discussões dos conceitos apresentados neste artigo.

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Considerações finais

Conforme relatado neste texto, a aprendizagem inicial da língua oral e escrita é fato recorrente de pesquisa e discussão de estudiosos e autores que buscam compreen-der o modo como os indivíduos aprendem a ler e a escrever. Em um passado recente, essa aprendizagem compreendida aqui por alfabetização, esteve estritamente restrita à aprendizagem do código escrito e sua representação fônica, vinculada à escolarização, cujo processo tinha seu início no primeiro ano do ensino fundamental. Todavia, a partir dos anos 1980 com o surgimento do letramento, a aprendizagem inicial da língua oral e escrita passa a ser considerada em uma outra vertente, a de que a criança inicia o seu pro-cesso de alfabetização desde o seu nascimento, pois estão expostas à práticas e eventos de letramento que contribuem para o seu conhecimento de mundo. Assim, as formas de ver as crianças vêm, aos poucos, se modificando, e atualmente emerge uma nova concep-ção de criança como “criatura e criadora, capaz de estabelecer múltiplas relações, cidadã de direitos, um ser sócio histórico, produtor de cultura e nela inserido. (PNEI, 2003, p.8).

Essa concepção supera a ideia de que é necessário, em determinada idade, instituir classes de alfabetização para ensinar a ler e escrever. Aprender a ler e a escrever fazem parte de um longo processo ligado à participação em práticas sociais de leitura e escrita, isto é, reconhece-se que a aprendizagem da língua escrita antecede as salas de escolari-zação, devido a exposição das crianças em suas práticas de letramento vivenciadas no seu contexto social.

A leitura dos documentos normativos e orientadores da educação infantil, fornece indícios de que a concepção de alfabetização está concebida na perspectiva do letramen-to, considerando as peculiaridades da educação infantil (brincar, ludicidade, conhecimen-to de mundo) reforçando a importância de valorização dos conhecimentos prévios dos alunos e o contexto social que as crianças hoje estão imersas, entretanto, para tal afirma-ção é necessária uma análise documental mais aprofundada.

Assim, cabe à escola enquanto instituição formadora ampliar os conhecimentos e saberes adquiridos por estas crianças fora dos muros da escola, considerando e reconhe-cendo o seu contexto social.

Cumpre apontar também a importância da formação do profissional no que com-pete à prática de se alfabetizar letrando para compreensão do sentido mais abrangente da alfabetização.

Nesses termos, acredita-se na proposta de se alfabetizar letrando, considerando que os dois processos são interdependentes e devem ser desenvolvidos concomitante-mente e não de forma sequencial ou segmentada.

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 57

Vivemos em um mundo cercado por letras e imagens que remetem a sentidos e carregados de significados, que podem ser compreendidos mesmo por aqueles que não sabem ler, pois reconhecem sua função social.

Realçamos que o processo de alfabetização sofreu mudanças e ressignificações a partir dos anos de 1980 com a presença do construtivismo e o abandono “teórico” dos métodos de alfabetização nos discursos dos educadores, considerados tradicionais, en-tretanto, a partir das discussões acerca da alfabetização na pré-escola identificamos a pre-sença de atividades mecanicistas de repetição e coordenação motora, práticas inerentes à adoção de métodos nos dias atuais.

Por fim, concebemos a pré-escola em um espaço de ampliação do contato da criança com a leitura e escrita, que contribui de maneira significativa na compreensão da criança quanto aos usos sociais da escrita. Para isso, é preciso incentivar o manuseio de diferentes suportes e gêneros textuais; planejar atividades a partir da realidade das crian-ças incentivando a escrita espontânea; incentivar a leitura de livros literários pelos alunos ainda que não dominem a escrita convencional, entre outros.

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PRÁTICAS DE LETRAMENTO QUE GERAM PERTENCIMENTO1

Rosane R. do Nascimento2

Resumo: São conhecidos e intensamente vivenciados pela sociedade contemporâ-nea os problemas que se configuram no contexto escolar. A escola nem sempre tem cum-prido um papel educativo acolhedor, mas reprodutor de desigualdades sociais. Nesse sentido, o presente texto tem por objetivo refletir sobre uma ação desenvolvida em uma escola da rede pública e sua relação com a ideia de pertencimento entre os alunos. Tal proposta pretende trazer alguns apontamentos para se pensar em uma educação que minimize os agravos dessas desigualdade. A metodologia utilizada foi análise bibliográ-fica e o relato de experiência. Para tal discussão, primeiramente foram trazidas algumas considerações sobre o conceito de cultura, a educação popular e práticas de letramento e de modo refletir sobre o sentimento de pertencimento nos alunos, e em um segundo momento uma breve análise sobre uma produção realizada pelos alunos de uma escola pública da cidade de Catalão-Go.

Palavras-chave: Cultura. Práticas de Letramento. Pertencimento.

Introdução

Na maioria dos discursos sobre educação, principalmente nos conselhos de classe, que é um momento destinado a reflexões sobre as ações educativas, pode se observar

1 Este texto é uma versão do trabalho realizado na disciplina eletiva, Educação popular, da Linha de pesquisa, Leitura, educação e ensino da lingua materna e ciências da natureza, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão, ministrada pela professora Dra. Maria Zenaide Alves, em 2018.

2 Discente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão – UFG-CAC. Grupo de Pesquisa Educação, Leitura e Escrita – EDULE. Professora da Secretaria Municipal de Educação de Catalão – GO. Contato: [email protected]

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sempre a preocupação com os resultados apresentados pelos educandos. As queixas re-ferem-se aos mais diversificados setores como responsáveis pelos problemas dentro da escola, problemas de diversas ordens, tais como: Político e econômico, pois faltam inves-timentos e políticas públicas que realmente corresponda à realidade educacional; sociais e familiares, no sentido da pouca ou nenhuma participação da família na escola; a saúde, pelos problemas cognitivos apresentados pelos alunos, que muitas vezes ficam sem aten-dimento especializado. Enfim, o cardápio é vasto e as discussões parecem ser intérminas.

O que parece ser esporádico, em um conselho de classe são reflexões que contex-tualizem o papel da escola inerente a diversidade cultural que nela há. No ambiente edu-cacional vários sujeitos são protagonistas, cada qual com sua cultura, com suas percep-ções e habilidades. O problema é quando esse protagonismo desloca para o coadjuvante ou exclui do processo aqueles que não se enquadram nos padrões estabelecidos pela escola.

A escola deixa de ser o lugar educador e acolhedor que deveria ser e se e torna um lugar reprodutor de desigualdades sociais, quando não de promotora dessas. De acordo com Soares (1986), a escola está a serviço de uma sociedade capitalista e valoriza a cultura das classes dominantes, seus padrões culturais são dados como certos e qualquer outra manifestação cultural é errada. Comportamentos são avaliados com base num modelo e quem não se adequa é colocado a margem.

De acordo com Arroyo (2012), a consciência de que as desigualdades sociais pre-cisam ser superadas está avançando, o que nos coloca num lugar mínimo de reflexão. A primeira coisa a se fazer é tentar reconhecer essas desigualdades, encontrar um pouco de suas origens e tentar elencar soluções para este problema.

Neste sentido, desenvolve-se a proposta deste texto, que é trazer algumas reflexões a partir de um breve relato de uma ação educativa desenvolvida pelos alunos e profes-sores da Escola Municipal Pedro Netto Paranhos em parceria com o Programa Cidadania nos Trilhos.3

A Escola Municipal Pedro Netto Paranhos localizada no bairro Pontal Norte, no mu-nicípio de Catalão foi fundada em agosto de 1983, por reivindicações da população que cresceu muito no bairro neste período. Atualmente o bairro conta com a Creche Ruth Silva, que atende de 0 a 6 anos, e a escola Pedro Netto que atende do 1° ao 9° ano do Ensino Fundamental.

Por ser um bairro mais afastado da cidade acabou marginalizado pelo restante da

3 O Programa Cidadania nos Trilhos é um programa de conscientização da população com a ferrovia, desenvolvido pela FCA- Ferrovia Centro-Atlântica, em municípios dos estados Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe e Goiás.

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população de Catalão. Segundo relatos de pais e moradores que frequentam a escola, por ser um bairro mais afastado da cidade acabou marginalizado pelo restante da popu-lação de Catalão o que acabou levando a alguns moradores a terem vergonha de dizer que moravam no bairro. Para eles, ainda hoje é um bairro vítima de muitos preconceitos e discriminação, mas o povo tem erguido a sua voz e vem se afirmando, a partir de ações e programas de cidadania desenvolvidos por iniciativas dos próprios moradores do bairro em parceria com a prefeitura municipal, a escola, e empresas privadas, tais como: Projetos de Educação Ambiental; Feiras de Artesanatos; Projeto de resgate da História do Bairro e outros.

Meu contato inicial com a escola do bairro, se deu no ano de 2012. Fui transferida pra lá para trabalhar com uma turma de 1° ano de Ensino Fundamental. Confesso que na minha primeira semana, voltava pra casa com lágrimas nos olhos, e com uma intensa angústia, não

pelas dificuldades da escola, dos alunos e do ensino em geral, mas engasgada com as falácias proferidas sobre aquela comunidade. Vendo alguns colegas de trabalho desis-tindo, outros murmurando, outros intensamente envolvidos para o crescimento educa-cional e social daqueles alunos, eu só consegui me apaixonar.

A partir daquela vivência, entendi que o desenvolvimento começa pelo olhar que lançamos e como nos relacionamos. Atualmente são poucos os profissionais que ainda exercem esse olhar de preconceito sobre a escola. A maioria se envolve, de corpo e alma, amando e se doando para o crescimento daquela comunidade.

Para iniciar uma reflexão sobre o papel que a escola tem desenvolvido, é necessário esboçar algumas considerações importantes, que podem trazer clareza sobre o caminho que esta tem trilhado, sobre o conceito de cultura, educação popular, práticas de letra-mento e pertencimento. Só depois desta mínima compreensão torna-se possível pensar em uma educação humanizada, uma escola que considere, acolha e promova com equi-dade todos que por ela passam. Neste sentido, o texto se desdobrará em duas partes, uma teórica, onde serão apresentados alguns pontos relevantes para a reflexão proposta, e outra empírica, onde será relatada uma ação desenvolvida na escola, estabelecendo uma conexão da ação desenvolvida com as discussões teóricas aqui apresentadas.

1 Primeiros passos

Para compreender um pouco de como a escola vem atuando nas comunidades que está inserida é preciso dar os primeiros passos. É preciso ter a clareza da complexidade que está envolta na ação educativa que a escola vem desenvolvendo. Como dito ante-

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riormente, este texto tem por objetivo provocar uma reflexão, pelo relato de uma ação desenvolvida em uma escola municipal, sobre como a escola é influente na sociedade da qual faz parte.

Para que se estabeleça essa conversa é necessário, primeiramente trazer algumas questões para subsidiar uma reflexão. É necessário entender do que se fala quando se diz, contextos culturais, educação popular, práticas de letramento, enfim conceitos que mui-tas vezes aparecem nos discursos, mas em um caráter distorcido e que são relevantes para a compreensão da organização escolar. Essas categorias foram elencadas como base des-ta reflexão por estarem diretamente ligadas a forma de educação que a escola promove. Categorias que revelam o posicionamento da escola frente aos sujeitos que a frequentam.

Neste sentido a primeira consideração é sobre o conceito de cultura pois, a forma de compreensão deste conceito vai dizer muito sobre as práticas educativas. Como a es-cola se coloca frente as diversidades culturais é um fator importante e definidor do tipo de formação que ela vai propor.

O desenvolvimento do conceito de cultura é algo de extrema importância para a compreensão da diversidade inerente à espécie humana. Um conceito desenvolvido de maneira rasa pode colocar-nos num lugar perigoso, promover um pensamento de que existem pessoas mais ou menos culturalmente desenvolvidas.

Laraia (2001), em Cultura: um conceito antropológico, traz várias formas que foram utilizadas ao longo dos estudos históricos para explicar as diferenças de padrões de com-portamentos presentes nas sociedades. Essas formas de explicações, as quais ele deixa claro são incapazes de resolver os problemas de compreensão sobre diversidade cultural, são denominadas por ele de Determinismo Biológico, “teorias que atribuem capacidades especificas, inatas à raça e a outros grupos humanos” (LARAIA, 2001, p.17); e Determinismo Geográfico, “que considera que as diferenças do ambiente condicionam a diversidade cul-tural” (LARAIA, 2001, p. 24).

A cultura não é algo estático, preso e determinado por questões biológicas ou geo-gráficas, ela está em movimento. Laraia, para construir antropologicamente o conceito de cultura, traz algumas definições bem apropriadas, dentre elas a de que “a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo” (BENEDICTH,1972, apud LARAIA, 2001, p.67). Pessoas diferentes vão ver as coisas de maneira diferente, e este modo de ver, perpas-sando colabora com a construção da herança cultural. De acordo com Laraia (2001, p. 68):

O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferen-tes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de um herança cultural, ou seja o resultado da operação de uma determinada cultura.

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Dessa forma, não tem como desenvolver uma educação humanizadora sem con-siderar as particularidades da herança cultural de cada indivíduo, considerar que cada um exerce sobre o mundo um olhar que é seu, que é único e que isto pode ofuscar-nos numa visão etnocêntrica, que coloca uma cultura superior a outra. Para que o conceito de cultura seja construído antropologicamente, essa visão etnocêntrica não lhe cabe. De acordo com Soares (1986, p.14). “Não há culturas superiores ou inferiores, mais complexas ou menos complexas, ricas e pobres; há culturas diferentes”.

A partir dessas considerações sobre cultura é possível caminhar para as considera-ções sobre a educação popular que se desenvolve com o povo, e não marginalizando o povo.

Como marginalizados, seres de fora ou a margem de a solução para eles estaria em que fossem integrados, incorporados a sociedade sadia de onde um dia par-tiram renunciando como trânsfugas, a uma vida feliz... sua solução estaria em deixar a condição de ser seres de fora e assumirem a de seres dentro de. (FREIRE, 1983.p.69).

O caminho para se pensar em uma prática de educação que promova o sentimento de pertencimento, que não reproduza desigualdades, mas que seja libertadora, que con-sidere as individualidades, que trabalhe a consciência de coletividade e que proporcione a humanização é o que considera o sujeito. Educação que além de considerar o sujeito se estabeleça a partir da dialogicidade pois, “não é no silencio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho e na ação-reflexão” (FREIRE,1983, p.92).

A educação ocorre pela via da construção popular, quando o povo é agente ativo, quando há diálogo entre todos os sujeitos envolvidos, quando as experiências são con-sideradas então a educação é popular. Pensada não só para o povo, mas com o povo ela gera aprendizados mais significativos.

Um aprendizado dos coletivos populares, dos trabalhadores é que todo proces-so educativo, formal ou informal não pode ignorar, mas tem de incorporar as formas concretas de socialização, de aprendizado, de formação e deformação a que estão submetidos os educandos. Tem de partir dos processos de sua exis-tência, do seu viver. Ignorar essa realidade e fechar-nos em nossas questões, curriculares e didáticas, terminará por isolar os processos didáticos dos determi-nantes processos socializadores em que os setores populares se formam a partir da infância. (ARROYO,2014, p.83).

Inerente a esta forma de educação popular, construída coletivamente, que conside-ra a diversidade cultural e as particularidades de cada sujeito pode-se discorrer um pouco sobre as práticas de letramento e como estas vem sendo compreendidas e trabalhadas no ambiente escolar. Compreendê-las partindo da conceitualização de letramento.

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De acordo com Street (2014), o letramento pode ser compreendido em duas pers-pectivas. Modelo autônomo: conjunto de habilidades autônomas que podem ser apren-didas independentes do contexto social, político, cultural. Trata-se de considerar o outro (analfabeto ou iletrado) “como carente de habilidades cognitivas vivendo no escuro e no atraso” (STREET, 2014, p.29). Perspectiva que faz com que a escola perpetue as desigual-dades sociais e colabore com promoção do fracasso escolar; e o modelo ideológico: reco-nhece uma multiplicidade de letramentos.

No modelo ideológico, as práticas de letramento estão relacionadas a contextos específicos, por sua vez associados a relações de poder e ideologia. A perspectiva de le-tramento apresentada por Street neste modelo traz a relevância de não se pensar em Letramento, mas em Práticas de Letramento ou em Letramentos sociais, a partir da qual esse texto se desenvolve. Essa reconceitualização de letramento implica em:

Afastar-se de visão dominante de letramento como possuidor de características autônomas distintivas associadas intrinsecamente à escolarização e a pedago-gia e abandonar a caracterização da pessoa como letrada ou iletrada. (STREET, 2014, p.140-141).

Não há um modelo melhor ou superior de letramento, há práticas diversas de le-tramentos que precisam ser consideradas. O autor traz a relevância de se trabalhar no modelo ideológico.

O trabalho de qualquer ação educativa que se traça neste modelo ideológico, re-jeita o que Freire vai chamar de Educação Bancária, que coloca o sujeito em condição passiva diante do conhecimento e “anula o poder criador dos educandos, ou minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade” (FREIRE, 1983, p.68-69).

Esse pensar em práticas de letramento traz a possibilidade de romper com barreiras que existem na escola até mesmo em contextos linguísticos, onde de acordo com Soares (1986), se configuram uma das mais cruéis formas de exclusão social. A linguagem é o principal meio de transmissão de cultura e o uso da língua na escola evidencia claramente as diferenças dos grupos sociais. “A linguagem é o fator de maior relevância nas expli-cações de fracasso escolar das camadas populares.” (SOARES, 1986, p.17). Tomando uma variação linguística como a certa a escola desvaloriza a diversidade cultural, transforma diferenças em deficiências, culpabilizar o aluno pelo fracasso e exclui.

Considerar as práticas de letramentos gera a possibilidade de usar a linguagem para incluir e não excluir. É um desafio, visto que o sistema escolar não é pensado nesta perspectiva, mas não nos cansemos. É sim um trabalho de formiguinha, corpo a corpo, de prática em prática, escola e comunidade. Afirmações que podem gerar soluções.

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É tempo de parar de culpabilizar as vítimas e legitimar mais as desigualdades. É pre-ciso gerar o sentimento de pertencimento, de inclusão, de afirmar a presença dos sujeitos e garantir avanços. É tempo de romper com o etnocentrismo.

2 Metodologia

O trabalho aqui descrito se desenvolveu a partir de uma experiência docente e por meio da revisão bibliográfica. Primeiramente foi realizado um estudo bibliográfico da te-mática aqui abordada e sob este estudo uma análise4 de uma produção realizada pelos alunos da Escola Municipal Pedro Netto Paranhos, da rede municipal de Catalão.

3 Discussão e Resultados

Um dos maiores problemas da escola do bairro Pontal Norte, sempre colocados em pauta nas reuniões é: os alunos não reconhecem a escola como território deles. Não há o sentimento de pertencimento. Ausência justificada pelo fato do bairro ser território de exclusão, pois os moradores tem consciência da marginalização que sofrem em função do bairro onde moram. Esta ausência do sentimento de pertencimento também é justificado como fruto da alta rotatividade de moradores no bairro. Diante desta realidade é necessá-rio criar condições para reverter essa ausência e provocar nos alunos o gosto, a sensação de acolhimento, interesse em fazer parte das ações educativas que ocorrem na escola e no bairro onde moram.

3.1 Lá vem o trem! E com ele o pertencimento

No contexto descrito acima, vários professores em parcerias com empresas priva-das, vem mediando ações, para colaborar com o desenvolvimento deste sentimento de pertencimento. Uma das últimas ações foi a escrita de um livro eletrônico sobre a história do bairro na visão dos alunos, Flores do Meu Pontal.5

Dentre os tantos trabalhos desenvolvidos na Escola M. Pedro Netto Paranhos, foi selecionada uma produção dos alunos da escola em parceria com o Programa Cidadania nos Trilhos. O livro, “Lá vem o trem”, organizado pelas professoras, Edna Nery da Costa

4 A produção escrita do presente artigo (análise bibliográfica e relato de experiência) foi devidamente autorizada pela direção da escola.

5 Memórias do meu Pontal. Realização: Degraf Instituto e. Escola Municipal Pedro Netto Paranhos. Patrocínio Vale Fertilizantes. Disponível em https://www.livrosdigitais.org.br/baixar-livro/5356481O4RL4HD

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Felix e Nirce Aparecida Ferreira Silvério.

A realização desta obra pode ser compreendida como um ação de afirmação dos alunos do bairro com relação a história da cidade de Catalão. A partir da escrita do livro os alunos puderam dizer: Ei, estamos aqui e também vamos contar a história da nossa cidade. Uma ação que colocou os alunos como atuantes na escrita da história da cidade onde moram.

O livro redigido e publicado no ano 2006, traz um reconto das histórias populares sobre a linha do trem de ferro que cruza toda a cidade. Para a realização deste projeto, os alunos visitaram o Museu Ferroviário e a Estação Ferroviária de Araguari, ouviram pa-lestras, entrevistaram pessoas e pesquisaram sobre contos que envolvessem a estrada ferroviária da cidade. A partir dessas ações e da leitura do conto: A morte dos Ferroviários, publicado no livro, Catalão: poesias, lendas e histórias, do escritor Cornélio Ramos (1997) foi proposto que os alunos criassem contos que envolvessem, amor, humor, mistério, ter-ror e suspense.

De acordo com Félix e Silvério (2006,) “Lá vem o trem!”, era o grito apaixonado do Zé do trem, um personagem ainda presente na memória de muitos catalanos. Morador das margens, dedicava a sua vida a anunciar a vinda do trem. (FELIX; SILVERIO, 2006, p.1). O fato é que o trem não vinha apenas fisicamente, pois trazia consigo as lembranças, as histórias, as tragédias acopladas na sua passagem pela cidade. Muitas são ainda contadas e constituem parte importante da história da nossa cidade.

A produção do livro “Lá vem o trem”, realizada pelos alunos de uma escola da rede municipal de ensino de Catalão, é um ótimo exemplo de como dar voz aos sujeitos que frequentam essa escola. E não somente dar voz mas, considerar os usos sociais do letra-mento, fortalecendo essas práticas no ambiente escolar. Chama-los a fazer parte da edu-cação que a escola está proporcionando. Não como mero receptores, mas como atuantes no processo.

Conforme Street, (2006, p.484) uma das formas para desenvolver um trabalho que considere as práticas de letramento como fatores importantes na formação do sujeito é “começar onde as pessoas estão, compreender os significados e os usos culturais das práticas de letramentos e traçar programas e campanhas com base nelas em vez de com base em nossas próprias suposições culturais acerca de letramento”.

De acordo com as professoras que coordenaram o projeto os alunos se sentiram poderosos por fazer parte de tão sensível empreitada. Ainda hoje esse poder perpassou os anos. Eles ainda o sentem quando ouvem a história que os alunos que passaram na escola antes deles escreveram.

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Aspectos culturais são valorizados quando o sujeito é considerado com suas parti-cularidades. As práticas de letramentos são evidenciadas a todo o momento neste traba-lho pois aos alunos não foi imposta uma linguagem dominante. Os alunos foram respei-tados na sua particularidade.

De acordo com Laraia (2001), “cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender essa mudança é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos” (LARAIA, 2001, p.101). Assim como no contexto de escrita do livro, em 2006, os alunos sofriam com a marginalização social, hoje ainda per-siste, essa marginalização. É preciso que ações como estas sejam compartilhadas para que os alunos da escola Pedro Netto, os moradores do bairro Pontal Norte, a comunidade de Catalão entenda que o Bairro Pontal Norte é importante, tem seu lugar, suas histórias, suas práticas de letramento que precisam ser consideradas.

Tive a oportunidade de conhecer três desses alunos. Um, que hoje é professor, in-clusive já atuou na escola, uma que também já trabalhou na escola como monitora de sala de aula e uma outra aluna que tem seus dois filhos estudando na escola atualmente. Fica claro que experiências como estas geram valorização. Uma escola, em um bairro que fora outrora tão marginalizado, e ainda o é, caminhando na luta para se afirmar como par-te importante e essencial para a nossa cidade.

Conclusões ou Considerações finais

A partir das discussões realizadas na disciplina, Educação Popular do Programa de Pós-Graduação em Educação, PPGEDUC- Catalão- Go, e da minha experiência na rede pública de ensino de Catalão, foi possível perceber como a escola se configura como promotora de desigualdades sociais. Diante de todas as temáticas trabalhadas além de desenvolver essa compreensão foi possível também identificar ações de resistência que ocorrem dentro da comunidade escolar, frente a promoção dessas desigualdades.

A proposta inicial do texto foi discorrer sobre alguns conceitos importantes e rela-ciona-los à uma ação desenvolvida na comunidade escolar, a escrita de um livro, a fim de compreender como se dá, ou não, o sentimento de pertencimento dos alunos da escola do bairro pontal Norte.

Para tal compreensão o ponto de partida foi entender um pouco do processo edu-cacional e como as ações que nele se estabelecem podem ou não gerar o sentimento de pertencimento, considerando como a escola se organiza em termos sociais, culturais, educativos, e outros. Organização que define se a escola vai trazer para si ou colocar para fora de si os sujeitos que a frequentam.

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A escola precisa desenvolver suas ações educativas que considerem e promovam práticas de letramentos diversificadas para romper com o caráter reprodutor de desigual-dades que lhe é atribuído.

Elementar é reconhecer os sujeitos que fazem parte de todo esse processo educa-cional. Pra fazer uma escola justa é necessário considerar a diversidade que a compõe.

Na medida em que os grupos sociais subalternizados desconstroem as imagens em que foram pensados, abrem o caminho para reconformar o próprio campo do conheci-mento e das teorias e pedagogias socioeducativas que se configuram nessa forma infe-riorizante de pensa-los e de pensar-se. Uma contribuição de extrema relevância trazida pelas ações e presenças afirmativas do coletivo: para repensar-se as teorias e pedagogias socioeducativas terão que repensar as formas como tem sido pensados os diversos e os diferentes em classe, raça, etnia, gênero, campo, periferia. (ARROYO,2012, p.59)

É possível e preciso considerar as diversas práticas de letramento que são inerentes aos sujeitos. Proporcionar ações que configuram-se também como essas práticas para trazer pra perto esses alunos. Gerar pertencimento.

De acordo com Arroyo (2012), são as pedagogias afirmativas que vão gerar ações que não sejam silenciosas, ações coletivas capazes de gerar tanto o sentimento de per-tencimento como de desestabilizar um sistema educativo hegemônico que persiste em segregar os diferentes, inferiorizar e culpabilizar. “Lá vem o trem”, é mais que uma ação, é uma movimentação que precisa ser contínua.

Referências

ARROYO, Miguel. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis: Vozes, 2012.

FELIX, Edna N. C.; SILVÉRIO, Nirce A. F. (org.) Lá vem o trem! Uma produção dos alunos do programa cidadania nos trilhos da Escola Municipal Pedro Netto Paranhos,2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.13°ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura – Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo, Ática, 198

STREET, Brian. Letramentos sociais. Abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Trad. Marcos Bagno.- 1 ed. São Paulo: Parábola Editorial.2014.

____ Perspectivas interculturais sobre o letramento. Revista Filologia e linguística portuguesa. São Paulo: N.8,2006. Disponível em: .http://www.revistas.usp.br/flp/article/view/59767

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Concepções de letramento: uma perspectiva discursiva sobre o alfabetizar e letrar

MOREIRA,1 Quênia Cristina Silva

ROSSI,2Maria Aparecida. Dra.

Resumo: O objetivo do artigo é problematizar a visão de duas professoras de ter-ceiro ano do ensino fundamental de escolas públicas do entorno de Brasília. Abordando os estudos que tratam de questões atuais de alfabetização e letramento temas recorren-tes na educação brasileira. Neste trabalho utilizou-se como metodologia entrevista com as professoras e pesquisa bibliográfica. As escolas brasileiras têm mostrado dificuldades para universalizar a aprendizagem da leitura e da escrita de maneira significativa. Assim nesse artigo analisaremos também as relações pedagógicas entre os conceitos de alfa-betização e letramento. O Conceito de letramento focaliza os aspectos sócio-históricos enquanto a alfabetização refere-se à aquisição da escrita.

Palavras-chave: Alfabetização, letramento e dificuldade de aprendizagem

A Orientação Educacional teve origem aproximadamente em 1930 nos EUA e, no Brasil surgiu na década de 1940. A LDB 4.024 veio regulamentar a formação do Orientador Educacional e em seguida a 5.692/71, diz, no artigo 10: “será instituída obrigatoriamente a Orientação Educacional, incluindo aconselhamento vocacional em cooperação com os professores, a família e a comunidade”.

Em meu trabalho como Orientadora Educacional participo da elaboração do plano de ação anual da escola. Neste contexto são realizadas reuniões e encontros pedagógicos

1 Professora da Secretaria de Educação do Goiás Mestranda em Educação Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão

2 Dra. Maria Aparecida Lopes Rossi, Graduada em Comunicação Social e Bacharelado em Licenciatura e Letras pela UFG, Mestrado em Letras e Linguística pela UFG e Doutorado em Educação pela UNB. Atualmente professora assistente II da UFG – Catalão.

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no inicio do ano letivo a fim de discutir os projetos que poderão ser desenvolvidos no decorrer do ano. Para além dessas, ainda são realizadas atividades de acompanhamento de crianças com dificuldade de aprendizagem em diversos contextos: escolar e familia-res. Vale lembrar que os alunos assistidos pelo Orientador Educacional são alunos que apresentam problemas de aprendizagem e/ou de comportamento em sala de aula, mas que não possuem laudos. Começo o meu artigo falando um pouco sobre o Orientador Educacional, pois é através do meu trabalho que recebo alunos com dificuldade de apren-dizagem em leitura e escrita. Na prática, esses alunos são encaminhados ao SOE pelo pro-fessor regente através de uma ficha específica, falando como é o aluno em sala e onde se concentram as dificuldades que, na maioria das vezes, estão na leitura e escrita. Essas difi-culdades de leitura são bem visíveis, pois, muitos alunos não reconhecem sequer as letras. Por exemplo: uns fazem garatujas, outros copiam a letra, a palavra e até a frase, porém não reconhecem o que estão escrevendo; outros reconhecem letras, porém não conseguem escrevê-las, também há aquelas que decodificam a frase, porém não interpretam.

Após esse encaminhamento, é feito um trabalho de acompanhamento também com a família, e com o professor para podermos compreender o que está causando a di-ficuldade na aprendizagem do aluno. O objetivo da conversa com os pais é identificar em qual contexto esse aluno vive em casa, como são feitas as atividades de casa, se é junto com os pais, ou se o aluno faz só. Se os pais vivem juntos, como é a rotina na casa da crian-ça. Normalmente as dificuldades, mais encontradas em relação às famílias, são que os pais trabalham fora, nunca podem ajudar os filhos, também filhos com pais separados, ou até pais que não foram alfabetizados, entre outros. Durante esse processo, o aluno é sempre observado e acompanhado para sabermos se está evoluindo ou não.

Alguns desses alunos que são encaminhados ao SOE, apresentam diversas situações problemas que de alguma forma comprometem o aprendizado dessas crianças, como por exemplo, temos crianças que falam que a mãe trabalha o dia todo e o pai é alcoólatra passa o dia no bar, assim como tem outras que contam que o pai chega de madrugada bêbado em casa e bate na mãe e os filhos acordam assustados gritando, e até agridem as crianças. Há também, crianças que reclamam que em casa não têm o que comer. Tais crianças acabam apresentando dificuldades de aprendizagem e comportamentos altera-dos que se refletem no desenvolvimento de seus estudos. Diante dessa realidade, no pre-sente artigo busco problematizar a visão de duas professoras do terceiro ano do ensino fundamental de escolas públicas do entorno de Brasília, que se propuseram participar da pesquisa voltadas para entender as dificuldades relatadas pelas professoras nas práticas de alfabetizar e letrar. As reflexões pautadas nesse artigo procuram mostrar as dificulda-des encontradas nesse processo por parte das professoras, como também o que deveria ser feito pra ajudar enfrentar essas dificuldades e que concepção as professoras têm de al-

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fabetizar e letrar. Na discussão, inicialmente, vou abordar estudos que tratam de questões atuais da alfabetização e letramento; depois a visão das professoras sobre os dois concei-tos e as dificuldades que elas relatam em suas práticas como professoras alfabetizadoras.

A Alfabetização é considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e “de-codificação” da escrita, em meio a métodos muito conhecidos entre os professores como sintéticos ou analíticos. O ensino da leitura e escrita nesse modelo se dá, priorizando-se sempre a memorização de sílabas, palavras ou frases soltas sem significado nenhum para a criança.

A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de ha-bilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso é leva-do a efeito, em geral, por meio do processo de escolarização e, portanto, da ins-trução formal. A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do individual. (Tfouni, 2002 p. 9)

Em mais de 500 anos no Brasil, só se usou a palavra alfabetização, como sendo a palavra-chave para se referir ao processo de aprender a ler e escrever. Em meados dos anos 80, no século XX, surgiu a palavra letramento que vem sendo discutida para escla-recer o real significado dessa palavra. Soares (1998) discute a palavra letramento sobre vários pontos de vista, porém, neste artigo vamos focar principalmente no ponto de vista educacional e pedagógico que entende o termo como habilidades de leitura e escrita de crianças, jovens e adultos, em práticas sociais que envolvem a língua escrita.

Soares (1998ª, p. 47) explica a diferença entre alfabetização e letramento:

Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. SOARES (1998ª, p. 47)

Ao discutir o processo de aquisição da escrita pela criança, Lemos (1994), nos apon-ta dois fatores fundamentais para esclarecer o papel da família e do ambiente familiar no letramento das crianças: a presença de materiais escritos para serem manipulados pelas crianças e as diferentes práticas discursivas orais que mediam as relações entre os indiví-duos e de cada indivíduo com o mundo. Isso nos faz entender que o letramento vai muito além de aprender a “ler e escrever”.

O termo letramento foi usado pela primeira vez no Brasil em obras da escritora Mary Kato e logo após, seguida por Leda Verdiani Tfouni, Ângela Kleiman e Magda Soares. Apesar de ter surgido no campo educacional, esse termo e as práticas que ele deve acarretar, ainda não foram totalmente incorporados por professores em suas práticas de ensino da leitura e da escrita. Sobre a articulação entre os dois conceitos Albuquerque esclarece que:

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No Brasil, o termo letramento não substitui a palavra alfabetização, mas apa-rece associada a ela. Podemos falar, ainda nos dias de hoje, de um alto índice de analfabetos, mas não de “iletrados”, pois sabemos que um sujeito que não domina a escrita alfabética, seja criança, seja adulto, envolve-se em práticas de leitura e escrita através da mediação de uma pessoa alfabetizada, e nessas prá-ticas desenvolve uma série de conhecimentos sobre os gêneros que circulam na sociedade. (ALBUQUERQUE, 2007 pag. 16)

Nessa perspectiva, o professor deve ter consciência que o aluno chega à escola com práticas de letramento que são adquiridas no seu convívio social, e que influenciarão sua maneira de aprender, seus ritmos de aprendizagem, valorizando as experiências que tra-zem consigo antes de chegar à escola. Desse modo, Tfouni (2002) salienta que:

Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. (Tfouni, p.20)

Por outro lado, as escolas não têm dado importância às diferentes formas de letra-mento que há fora delas, às práticas de leitura que as crianças, jovens e adultos trazem consigo e que deveriam ser consideradas na prática escolar. Muitos professores reclamam que crianças chegam na escola sem saber de nada, mas não procuram conhecer a cultura em que as criança vivem, quais as práticas de letramento existentes nas famílias e qual o acesso que essas crianças têm à língua escrita no meio social em que se inserem. De acordo com Street (2014), as práticas de letramento de gerações diferentes podem ser tão diferentes quanto às de culturas diferentes.

O processo de alfabetização e letramento

A alfabetização é o processo de aprendizagem onde se desenvolve a habilidade de ler e escrever enquanto que o letramento se relaciona ao uso da leitura e da escrita nas práticas sociais. Esse conjunto de habilidades possui características variadas e peculiares, isso explica porque o processo de alfabetização tem sido estudado por diferentes profis-sionais. Enquanto o sujeito alfabetizado sabe codificar e decodificar o sistema de escrita, o sujeito letrado vai além, sendo capaz de dominar a língua no seu cotidiano, nos mais distintos contextos. Uma pessoa letrada sabe usar a leitura e a escrita de acordo com as demandas sociais. Um sujeito alfabetizado não significa necessariamente um individuo letrado.

Nos primeiros anos de vida a linguagem da criança se apóia no contexto imediato que são objetos que a cercam, atividades em seu cotidiano, contatos com livros infantis e interações com os adultos que com elas compartilham os conhecimentos. Essa passagem

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da língua oral contextualizada para escrita descontextualizada se dá através da leitura de estórias feita pelo adulto para a criança, isso com freqüência.

A leitura de estórias expõe a criança a eventos distantes de seu contexto ime-diato, permitindo que ela relacione suas experiências anteriores com os referen-tes do texto e faça inferências sobre o contexto apresentado pelo autor. (TERZI, 1995 p. 62)

Trabalhar desde cedo com as crianças, à linguagem escrita pode ajudar a formar bons leitores e conseqüentemente bons escritores. Através do contato com livros infantis, a contação de histórias é um momento agradável no período de alfabetização, e pode trazer resultados satisfatórios aos alunos por toda a sua vida.

Aprender a ler como se a leitura fosse um ato mecânico, separado da compre-ensão, é um desastre que acontece todos os dias. Estudar palavras soltas, sílabas isoladas, ler textos idiotas e repetir sem fim exercícios de cópia, resulta em de-sinteresse e rejeição em relação à escrita. (CARVALHO, 2002 p.11).

Ao entrarem na escola, os alunos já trazem consigo uma bagagem de conhecimen-tos. Com certeza já puderam visualizar muitas coisas escritas como cartazes, placas, faixas, jornais, revistas, embalagens, produtos em supermercados entre outros e provavelmen-te, entendem que a escrita tem algum significado, embora ainda não a compreendam. Segundo Carvalho (2002), conforme a classe social da pessoa, as experiências com a lei-tura e a escrita poderão variar. Em certas famílias, a leitura e a escrita fazem parte da vida cotidiana, em outras de baixa escolaridade, os hábitos de leitura e de escrita são raros ou mesmo inexistentes, seja porque as pessoas não aprenderam a ler ou às vezes são pessoas que suas condições de vida e de trabalho não exigem o uso da língua escrita. As motivações das pessoas são diferentes e a escola se engana quando supõe que a leitura e a escrita têm o mesmo sentido para todos.

Antes mesmo de ensinar a decodificar as letras e sons, é preciso mostrar aos alunos, o que se ganha, o que se aprende com a leitura: mas isso só será possível por meio de atividades que façam sentido, que visem à compreensão de leitura desde as etapas iniciais da alfabetização. (CARVALHO, 2002 P. 11)

O processo de alfabetização envolve conhecimento relacionado à técnica da escrita e também ao valor social da leitura e da escrita. Aprender a escrita somente tem sentido se implicar a inclusão da criança no mundo da escrita, consideramos muitas vezes que as crianças não estão preparadas para entender determinados assuntos, sendo que de modo variados, nossos alunos são capazes de realizar analise do que observam e do que vivem e mostram isso em seus relatos cotidianos. Dentro dessa perspectiva tem que ser valorizado o conhecimento que a criança tem.

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Street (2010) define dois modelos de letramento o autônomo e o ideológico. O au-tônomo é onde se considera a escrita independente do contexto em que se insere, valo-rizando a escrita e aqueles que a detêm como superiores. O modelo autônomo orienta as práticas de letramento escolares que concebem a escrita independente do contexto em que se realiza. Nesta perspectiva, a língua escrita é vista como autônoma e só pode ser aprendida por um processo único, no qual o uso da escrita só é legítimo se atrelado ao padrão da cultura dominante. O modelo ideológico que considera as práticas de escrita vinculadas aos contextos em que se inserem, admite a pluralidade das práticas letradas, valorizando o seu significado cultural e o contexto de produção.

Nesse sentido Street (2014) defende o trabalho no modelo “ideológico” do letra-mento:

Prefiro trabalhar com base no que chamo de modelo “ideológico” de letramen-to, o qual reconhece uma multiplicidade de letramentos, que o significado e os usos das práticas de letramento estão relacionados com contextos culturais específicos; (STREET, P.466).

Entrevista com duas professoras alfabetizadoras

Munida desta discussão busquei compreender junto a duas professoras do ter-ceiro ano do Ensino Fundamental sobre a concepção delas sobre o letramento. A esco-lha dessas professoras se deu pelo fato delas trabalharem com o terceiro ano do Ensino Fundamental. As entrevistas foram feitas dentro da escola com a permissão por escrito e também foi feita a gravação. Fiz isso buscando entender como é colocada na prática a questão do alfabetizar e letrar, e busquei analisar as dificuldades que elas relatam nesse processo de alfabetização.

As professoras participantes da entrevista, são graduadas em pedagogia, se propu-seram a participar da pesquisa Foram dados nomes fictícios, sendo professora Maria Clara e Professora Alice. Quando perguntado a visão das professoras sobre os dois conceitos de alfabetizar e letrar a professora Maria Clara disse que o alfabetizar vai além de decodifica-ção de letras e do simples aprender a ler e escrever, é o uso da escrita de modo interpreta-tivo, em que a criança não só lê e escreve, mas compreende e sabe fazer o uso da palavra, enquanto que o letrar é um processo em que o aluno além de conseguir ler também com-preende o assunto estudado em sala de aula. Feito a mesma pergunta à professora Alice, ela diz que diz que Alfabetizar está relacionado aos símbolos das letras que faz com que os alunos possam ter uma melhor percepção pra interpretar o que ler. O letrar é algo que vai além do alfabetizar, relacionando à leitura e a escrita envolvendo as questões sociais,

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as habilidades, os hábitos que esses alunos trazem e o conhecimento adquirido.

Diante disso o que as professoras dizem vai ao encontro do que diz Soares (2004, p.47): “Ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado”. Quando as professoras falam para que os alunos possam ir além do alfabetizar, elas falam da questão desse letramento como prática social, onde o aluno saiba interagir como o mundo letra-do, conviver em sociedade participando efetivamente em eventos de letramentos, seja de forma escrita ou falada, que desenvolvam habilidades críticas contextualizadas com sua realidade.

Quanto às dificuldades das crianças nesse processo, a professora Maria Clara diz que essas dificuldades podem surgir de várias situações para cada aluno, como fatores so-ciais, ambiente escolar, o contexto familiar, muitas crianças aprendem apenas memorizar conteúdo. Também a professora Alice fala que a maior dificuldade é levar os alunos a assi-milar o conteúdo e às vezes o som para que o aluno possa ter uma interpretação, lê e não consegue entender e também a falta de material pedagógico. Podemos observar que as professoras têm opinião semelhantes a respeito dos alunos não conseguirem assimilar o que leem, memorizam sem ter nenhum significado para eles. De acordo com (CARVALHO, 2002 P.12) “Se não soubermos tornar a leitura significativa e atraente desde as etapas ini-ciais da alfabetização, o fracasso escolar nas séries iniciais persistirá. As professoras não deixam claro, mas apontam para dificuldades das crianças de ler com compreensão e en-tender os conteúdos ministrados. Esses conteúdos estão voltados para as disciplinas, por exemplo: conteúdo de Ciências: Os Seres Vivos. A criança lê o conteúdo, porém não tem significado porque não compreende o que leu.

Para enfrentar essas dificuldades a professora Maria Clara propõe aulas mais dinâ-micas que levem o aluno a pensar, discutir sobre temas atuais, jogos e projetos educativos interdisciplinares, envolvimentos mais responsáveis entre professores, família e escola. E a partir de cada diagnóstico do aluno, fazer um trabalho diferenciado. A professora Alice acha que para enfrentar essas dificuldades, a escola precisa de materiais pedagógicos, como tecnologias, livros infantis, filmes, sons, vídeos assim como aulas de reforço, acom-panhamento do aluno com estagiário estudante de pedagogia no contra turno e mais envolvimento das famílias para enfrentar as dificuldades. Podemos observar que cada professora tem um discurso diferente sobre o que poderia ser feito para ajudar as crianças com dificuldade no processo de alfabetização. No discurso da primeira professora perce-bemos que há uma aprendizagem significativa, ela não se apega as dificuldades dos alu-nos, ela começa do diagnóstico de cada aluno com o objetivo de conhecer os letramentos que dominam as realidades pontuadas por cada um. No discurso da segunda professora

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percebemos que a mesma prioriza aulas de reforço e acompanhamentos por estagiários. É preciso, porém reconhecer que essa defasagem de conteúdo como é tratada pela pro-fessora se dá também porque as pessoas são diferentes, vêm de ambientes distintos e muitas vezes não tem as mesmas oportunidades, logo é natural a dificuldade em deter-minadas matérias, isso vai das diversas condições em que a criança está inserida, por isso temos que ter cuidado com essas aulas de reforço para que não possa ser opressora e sim prazerosa. De acordo com Arroyo (2014, p. 237), “reconhecer que os alunos são diferentes/desiguais nas dificuldades de aprendizagem é um avanço extremamente tímido.

Assim o que se percebe é que não há na escola um trabalho orientado e planejado para trabalhar a partir do conhecimento das crianças, observa-se que a primeira profes-sora fala que “a partir de cada diagnostico fazer um trabalho diferenciado”, assim como defende Street (2014), a professora vai ao encontro à escola ideológica em que reconhece a multiplicidade de letramentos e os contextos culturais em que cada criança se insere. Porém a segunda professora vai mais pela escola autônoma, onde o aluno dever seguir o padrão, nem que pra isso sejam necessárias aulas de reforço.

Mas há a destacar um traço antiético e segregador nesse reconhecimento. A compreensão de diferentes/desiguais em capacidades de aprendizagem carre-ga uma certa anormalidade ou anomalia individual. Logo, a solução será tra-tar essas anomalias de capacidades de aprendizagem com medidas anormais: reforço, apoio, recuperação, turmas especiais, de aceleração... Mecanismos de compensar suas anormalidades pessoais e de Origem. Coletivas. (ARROYO, 2014 P.237)

Ao falar das dificuldades encontradas em suas práticas de alfabetização, a profes-sora Maria Clara fala que sente falta de uma formação continuada eficiente com novas técnicas, maneiras mais eficazes de trabalhar com a criança, a estrutura física da escola, falta de materiais pedagógicos necessários e a falta de comprometimento das famílias. A professora Alice disse que a maior dificuldade em sua prática é a falta de materiais peda-gógicos. Podemos perceber que as duas professoras reclamam da falta de recursos peda-gógicos para alfabetizar. Nos depoimentos o que se infere é que o professor não encontra apoio na escola para que possam desenvolver um bom trabalho, pois no mínimo a escola deveria providenciar os materiais pedagógicos.

Ao perguntar como as professoras veem a relação do conhecimento que os alunos trazem consigo e o conhecimento cobrado na escola, a professora Maria Clara diz que “os conhecimentos prévios dos alunos, devem servir como ponto referencial, observando a bagagem que cada um trás na sua individualidade. A professora Alice diz que” tem que haver uma ligação entre o conhecimento já adquirido com o conhecimento da escola, por mais que a criança esteja começando na escola, ela já trás consigo os conhecimentos

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adquiridos de outras vivências como igrejas, comunidade e o lugar onde habita, para que haja uma aprendizagem significativa.

As reflexões das professoras envolvidas na pesquisa nos mostram que há leituras sobre as questões de letramento e alfabetização, porém nem sempre são possíveis de colocar em prática no cotidiano, por falta de materiais pedagógicos, espaço físico, cursos de aprimoramento entre outras dificuldades encontradas. Para que novas perspectivas de trabalho se constituam é fundamental uma mudança também dos responsáveis pela educação.

Considerações Finais

Concluímos que a aprendizagem da escrita precisa fazer sentido em nossas vidas, o sentido da transformação e da renovação político-social.

Os resultados desses estudos comprovam que o sucesso no desempenho es-colar deriva do valor socialmente atribuído às maneiras de se fazer e de se re-tirar sentido da palavra escrita, aos usos das modalidades linguísticas em di-ferentes comunidades, visto que na escola há uma predominância de modelo. (MATÊNCIO, 1994, p.33)

Partindo do pressuposto de que a alfabetização se dá ao logo do tempo, podemos perceber que esse processo não se inicia propriamente na escola, mas é decorrente dos conhecimentos prévios que a criança traz consigo e que o professor em seu ambi-ente de trabalhos pode transformar esses conhecimentos em aprendizagens signifi-cativas. Quando se trabalha com um modo de alfabetizar que visa à transformação, deve se levar em consideração não só o aspecto cognitivo de uma criança, mas o afetivo, pois o aluno é um ser complexo, de múltiplas dimensões. Baseado nisso constatamos a preocupação das duas professoras com a ausência das famílias na escola.

As entrevistas com as professoras e os estudos aqui discutidos nos possibilitaram refletir e repensar sobre a prática da alfabetização ainda arraigada aos métodos tradicio-nais e sua relação com as novas abordagens teóricas para a construção da leitura e escrita com crianças de terceiro ano do ensino fundamental. A alfabetização deve possibilitar o desenvolvimento integral do indivíduo, dentro de sua realidade, o fazendo capaz de questionar, refletir, criticar, interpretar o mundo e ter uma compreensão sócio-cultural.

A reflexão que fica é que a realidade do ensinar alfabetizar e letrar ainda precisa muito de estudos e pesquisas para chegar até a prática cotidiana da escola e dos profes-sores, pois esse termo letramento ainda não foi incorporado totalmente pelos professores em suas práticas de ensino de leitura e escrita.

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Referências

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MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura produção de textos e a escola: reflexões sobre o processo de letramento. / Maria de Lourdes Meirelles Matencio – Campinas: Mercados de Letras – Editora Autores Associados, 1994.

ARROYO, Miguel G. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias / Miguel G. Arroyo – 2ª edição. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social/Roxane Rojo – São Paulo: Parábola Editorial,2009.

SOARES, Magda. Linguagem e Escola /Magda Soares. – São Paulo: Editora Ática, 4ª edição - 1987.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros /Magda Soares. 2ª edição., 8 reimp. – Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SOARES, Magda. Cultura , escrita e letramento /Marildes Marinho, Gilcinei Teodoro Carvalho, orga-nizadores. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 533p. : il.

SANTOS, Carmi Ferraz. Alfabetização e Letramento: conceitos e relações / organizado por Carmi Ferraz Santos e Márcia Mendonça. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica,2007.

STREET, Brian V. Cultura, escrita e letramento /Marildes Marinho, Gilcinei Teodoro Carvalho, organi-zadores. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 533p. : il.

STREET, Brian V. Letramentos sociais. Abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Trad. Marcos Bagno.- 1 ed. São Paulo: Parábola Editorial.2014.

TERZI, Sylvia Bueno. A construção da leitura: uma experiência com crianças de meio iletrados/Sylvia Bueno Terzi – Campinas: Pontes, Editora da UNICAMP, 1995.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. /Leda Verdiani Tfouni. 5º edição – São Paulo, Cortez, 2002. – (Coleção Questões da Nossa Época; v. 47)

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A formação do leitor: das políticas às praticas1

Rosane Ribeiro do Nascimento2

Selma Martines Peres3

Resumo: O tema geral abordado neste trabalho é a leitura com foco na formação do leitor. A leitura, tal como a escola, tem parâmetros que a orientam, conceitos, ações vi-gentes e articuladas para que aquele que a frequenta aprenda a fazer uso desta nos diver-sificados fins. A complexidade está em garantir a aquisição e funcionalidade da leitura e da escrita, sendo inúmeros os fatores influentes neste processo. Algumas questões preci-sam ser pontuadas para iniciar uma discussão sobre a formação do leitor, desde aspectos conceituais, políticas públicas á praticas educativas. O objetivo do texto é trazer alguns conceitos necessários para compreensão da formação do sujeito leitor, e discorrer sobre a relação e influência das políticas públicas nas práticas educativas. Para tal, a metodologia se pauta no estudo bibliográfico.

Palavras-chave: Formação do leitor. Políticas públicas. Práticas de leitura.

Introdução

Uma das funções atribuídas à escola, primordialmente, é ensinar a ler a escrever. Os alunos precisam adquirir estas habilidades, as quais vão proporcionar a ele outras mais complexas e também importantes como a atribuição de sentidos aquilo que se lê e se

1 O presente trabalho é resultado das discussões realizadas na disciplina eletiva Políticas e Práticas de Leitura, oferecida pela Linha Leitura, educação e ensino de língua materna e ciências da natureza; do Programa de Pós-Graduação em Educação- UFG-Regional Catalão.

2 Discente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão – UFG-CAC. Grupo de Pesquisa Educação, Leitura e Escrita – EDULE. Professora da Secretaria Municipal de Educação de Catalão – GO. Contato: [email protected]

3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão – UFG-CAC. Grupo de Pesquisa Educação, Leitura e Escrita – EDULE. Contato: [email protected]

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escreve, bem como os usos sociais destas habilidades. De acordo com Colomer (2007, p.102)

Estímulo, intervenção, mediação, familiarização, ou animação são termos asso-ciados constantemente com a leitura no âmbito escolar, bibliotecário ou de ou-tras instituições públicas e que se repetem sem cessar nos discursos educativos. Todos esses termos se referem a intervenção dos adultos encarregados a apre-sentar os livros às crianças. Se o tema preocupa tanto na atualidade é porque existe essa consciência generalizada, a que antes aludimos, de que o objetivo de formar o leitor não tem obtido o êxito esperado, de modo que vão aparecendo diferentes hipóteses sobre as causas desses desajustes.

A realidade percebida no contexto escolar, a partir de avaliações, conversas com os profissionais e até com os próprios alunos, ilustra a dificuldade que os mesmos tem de desenvolver sua capacidade leitora, fato que impulsionou este estudo. Quanto maiores são, menos se interessam por tais atividades, fazem-nas, na maioria das vezes, apenas para cumprir objetivos de leitura que são traçados por planos pedagógicos avaliativos.

Diante desta realidade surgiram várias indagações, relevantes para uma reflexão sobre as práticas de leitura desenvolvidas na escola: Por que é tão elevado o índice de alunos que não leem fluentemente ao se cumprir as etapas de alfabetização? Como po-deriam as práticas de leitura serem desenvolvidas de maneira a minimizar as dificuldades na leitura?

Analisando a leitura num contexto educacional, a grosso modo é possível visualizar os caminhos que esta percorre. Longe do pessimismo de afirmar e generalizar que sem-pre sejam assim. Na educação infantil os alunos gostam de ouvir leituras diversificadas, gostam deste universo das letras, se encantam por descobrir coisas novas. Depois vem a fase de “parar de brincar e começar a estudar” então a leitura é relacionada a um esforço por apreender um código. Perde-se um pouco do encantamento, pois é um processo so-frido. Anos posteriores, vem frustrações de um mau desempenho decorrente de leituras para cumprir obrigações. De acordo com Paulino e Cosson, (2009, p.73):

As crianças parecem mais felizes no processamento escolar e familiar em sua re-lação com a literatura, quando nem sabem o que é isto e apenas se entrega aos prazeres rítmicos de poemas, aos suspenses de tramas as vezes milenares que lhes chegam, sem cobranças, e a invenção das palavras, que misturam sons e sentidos mal compreendidos, sem atividades pedagógicas na educação infantil.

E assim seguem as práticas de leitura, muitas vezes excludentes, formando uma aversão por ler, fazendo com que os alunos se afastem do hábito da leitura. Os alunos leem para ganhar medalhas, leem para responder perguntas objetivas, leem para fixar conteúdos gramaticais e de repente, para muitos, a leitura se torna uma das coisas mais chatas na escola.

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Nos anos iniciais do ensino fundamental, são vários os alunos que apresentam dificuldades no processo de alfabetização, alguns porém, aprendem o código mas não conseguem apropriar-se da leitura a contento e outros conseguem articular-se bem na aquisição da leitura. O complexo é que todos estes tendo ou não sido alfabetizados, aprendendo a ler ou não, avançam para as séries posteriores o que vai apenas adiando e agravando problemas, resultando em frustrações e desencantos. Muitas vezes existem ações para tentar minimizar esses agravos, mas nem sempre atendem a real demanda.

Depois desta maratona, depois de frequentar vários anos escolares, alguns alunos não sabem interpretar um texto, não sabem se posicionar frente ao que lhes é proposto e apresentam dificuldades de estabelecer conexões. De acordo com Bridon e Neitzel (2014, p. 438) “As políticas de avaliação nacionais têm mostrado o baixo nível de adequação à aprendizagem dos alunos em compreensão leitora da escola básica no Brasil”. Fato que evidencia uma falha na formação do leitor e que coletivamente deve ser responsabilizada.

Se a formação do leitor está aquém é responsabilidade das políticas formular ações para inverter esta situação. É responsabilidade dos educadores promover ações que con-templem esta competência. É responsabilidade também do sujeito leitor envolver-se nes-tas ações. Em outras palavras, é uma responsabilidade coletiva, política, social, pessoal e cultural. Logo a formação do leitor é construída coletivamente.

Em suma, são inúmeros os fatores envolvidos no processo de formação do leitor, desde aspectos conceituais, políticas públicas e práticas sociais, mais precisamente as que ocorrem no ambiente educacional. Alguns desses fatores serão abordados, no presente texto, metodologicamente, a partir de um estudo bibliográfico.

Aspectos conceituais

Para que haja uma reflexão sobre as práticas de leitura e sobre os descompassos que ocorrem no processo de formação do leitor, é necessário pontuar alguns aspectos conceituais sobre esse tema tão complexo.

Então, um dia da janela de um carro (...) vi um cartaz na beira da estrada. A visão não pode ter durado muito; talvez o carro tenha parado por um instante, talvez tenha apenas diminuído a marcha, o suficiente para que eu lesse, grandes, gigantescas, certas formas semelhantes ás do meu livro, mas formas que eu nunca vira antes. E contudo, de repente eu sabia o que era elas; escutei-as em minha cabeça, elas se metamorfosearam, passando de linhas pretas a espaços brancos a uma realidade sólida, sonora, significante. Eu tinha feito tudo aquilo sozinho. Ninguém realizara a mágica pra mim. Eu e as formas estávamos sozinhos juntos, revelando-nos em um diálogo silenciosamente respeitoso. Como con-

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seguia transformar meras linhas em realidade viva, eu era todo-poderoso. Eu podia ler. (MANGUEL,1997, p.18)

Este trecho, com muita clareza e beleza evidencia uma relação entre a leitura e o poder. Uma ideia de que aquele que lê, domina. Ideia presente nos discursos e nas expec-tativas de muitos.

Há atualmente nos ambientes escolares, alguns desencontros conceituais com re-lação ao que é ser alfabetizado, o que é ser letrado, o que é ser um sujeito leitor. Ouve-se constantemente “o aluno não lê”, “não aprendeu a ler, então não vai ser ninguém na vida”, no sentido de que a aquisição da leitura é uma garantia de mudança de condição social. Lançando sobre a escola a responsabilidade social de ascender o sujeito, o fazer “subir na vida”. Lançando sobre o próprio sujeito a responsabilidade de suas aquisições, ou de seus fracassos. Um modelo gerando falsas expectativas onde “tornar-se letrado” autonoma-mente acarretaria melhores perspectivas no trabalho, maior mobilidade social e realiza-ções pessoais. (STREET, 2014).

Alfabetização, letramento, formação de um leitor crítico, são temas co-relaciona-dos. Necessário é compreender que para formar um leitor, não basta apenas ensiná-lo a decifrar códigos linguísticos, é preciso compreender que este está inserido em um con-texto social e a partir daí pensar o seu desenvolvimento.

De acordo com Street (2014, p.40), “O letramento varia com o contexto social. Difícil fixar um único critério objetivo para uma habilidade amplamente representada como a chave para o progresso individual e social”.

Recorrente é a desconsideração de que o indivíduo tem vivências, participa da so-ciedade, tem relações construídas, o que Paulo Freire (1989) denomina como a “leitura do mundo” precedendo a “leitura o da palavra”. Em grande parte das ações educativas, as experiências dos alunos não são consideradas como ponto de partida para as atividades a serem desenvolvidas no ambiente escolar. E mais grave do que esta forma descontextua-lizada de trabalhar, vem o analfabetismo que ainda assombra várias comunidades brasi-leiras. E mais complexo ainda, muitos são os que passam por um período de escolarização e mesmo assim não tem um desempenho desejável em se tratar de leitura e escrita.

A esse respeito vale aqui lembrar que Tfouni (2006) e Soares (1998) afirmam sobre o papel da alfabetização do letramento:

A alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI,2006, p.20).

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Alfabetização é ensinar/aprender a ler e a escrever [...] e letramento é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita (SOARES, 1998, p.47)

Nesta perspectiva compreende-se que a pessoa que consegue fazer uso frequente, competente e crítico da leitura e da escrita, pode mudar a maneira de viver socialmente, não em um sentido de ascensão, mas de domínio para “ler criticamente” os acontecimen-tos que os cercam. Compreender a sociedade da qual faz parte.

Não basta apenas ensinar a ler e a escrever, é preciso formar leitores, indivíduos críticos, dotados de uma consciência social, histórica e política. É preciso haver uma apro-priação. De acordo com Soares (1998, p.39)

Ter se apropriado da escrita é diferente de ter aprendido a ler e a escrever: apren-der a ler e a escrever significa adquirir uma tecnologia, de codificar em língua escrita e de codificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita própria, ou seja, é assumi-la como sua propriedade.

Mas afinal o que leitura? A leitura vai além do que uma habilidade. Ela é social, cul-tural e historicamente construída. De acordo com Britto (1999, p.84)

A leitura é um ato de posicionamento político diante do mundo. E quando mais consciência o sujeito tiver deste processo, mais independente será sua leitura, já que não tomará o que se afirma no texto que lê como verdadeiro ou como criação original, mas sim como produto.

Ideia bem relevante visto que, os materiais de leitura que chegam à escola muitas vezes são formulados para atender a um mercado editorial, que nesta condição se coloca quantitativo e não qualitativo. Uma grande evidência disto é o fato de que o Brasil tem o maior mercado de produção editorial da América Latina e tem uma média de leitura anual de 1,8 livros por habitante. (ROSA; ODDONE, 2006).

Em síntese, para compreender o que envolve a formação de um leitor é preciso passar por caminhos de intensas reflexões sobre a leitura, compreendendo suas intencio-nalidades e ações, pois “Seja popular, erudita ou letrada, a leitura é sempre produção de sentidos” (GUOLEMOT,1996, p.107). Em outros termos, e necessário entender que não há ingenuidade e nem neutralidade quando se pensa na leitura, nos ensino da leitura e nas políticas de leitura.

O distanciamento das políticas às praticas

Uma política pública reflete a vontade de diferentes setores da sociedade em avan-çar para uma determinada direção e representa uma ação coerente de medidas para

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transformar uma situação. (ROSA e ODONE,2006, p.185). É notório que a leitura é algo amplamente discutido nas políticas pensadas para a educação, bem como as ações que garantem a aquisição desta.

Foram várias as políticas educacionais voltadas para o desenvolvimento do indiví-duo frente às habilidades de leitura e escrita, dentre elas o Programa Nacional Biblioteca da Escola- PNBE, que tinha por objetivo promover a leitura difundindo o conhecimento entre alunos, professores e comunidade, distribuindo obras literárias às escolas públicas. (FERNANDES,2007).

Um programa relevante mas, como tanto outros, formulados, implementados e ca-rentes de acompanhamento. O material chegava mas não havia um direcionamento ade-quado quanto ao trabalho a ser desenvolvido. Neste sentido, vários aspectos precisam ser vistos como por exemplo, as questões estruturais e de funcionalidade. As escolas não tem bibliotecas, são poucas as que tem espaços físicos destinados a momentos de leitura, e a capacitação dos professores para trabalhar em tais programas, e desenvolver projetos de leitura, é precária. Desta forma, destaca Fernandes (2007, p. 76):

Umas das prioridades desses programas deverias ser o investimento na capaci-tação dos professores, principal mediador entre o livro e o leitor na escola (...) Uma saída pratica talvez fosse diminuir o número de livros para garantir a verba para a capacitação. Entretanto, continua-se distribuindo um número cada vez maior de livros que acabam não tendo o uso desejável.

No ambiente escolar a leitura na maioria das vezes, é realizada mecanicamente para cumprir tarefas. Há um distanciamento daquilo que é discutido, idealizado, à pratica da sala de aula. Quando não se tem uma programação adequada para desenvolver as ativi-dades de leitura, acabam por prevalecer as atividades mecânicas das mesmas.

É necessário que a comunidade escolar se envolva pois, a distribuição de obras não garante a formação de leitores, necessário é que as políticas caminhem junto com as ações escolares.

Em relatos feitos pelos professores e pelos alunos, evidenciou-se que são poucos os que tem a prática de leitura em casa. Muitos nem se comprometem a realizar as ativida-des para casa direcionadas pela escola. São poucos os alunos que tem um acompanha-mento adequado neste processo.

De acordo com Goulart (2006), o contexto em que as crianças vivem influencia no modo como elas adentram no ambiente escolar, logo no processo de aprendizagem. As crianças que tem oportunidade de vivenciar momentos de leitura no ambiente familiar, compreendem melhor os usos sociais da leitura e da escrita, ao passo que aquelas crian-ças que não tem essa oportunidade, desenvolvem uma visão restrita de que textos escri-

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tos, e eventos de leitura são próprios à escola.

Como destaca também Castro (2006, p. 56):

Os resultados do SAEB e do ENEM, as avaliações nacionais realizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), do Ministério de Educação, confirmam que fatores como, clima da escola, modos de gestão, participação dos pais, matriz organizacional, projeto pedagógico da escola e perfil dos pro-fessores fazem diferença no processo de aprendizagem.

Na atualidade, os dados demonstram um pequeno avanço se comparados os resul-tados desses exames, contudo, ainda é atual as colocações de Castro (2006) como fatores que influenciam no bom desempenho dos estudantes.

Nesse sentido, compreende-se que a educação não é um ato isolado, abstrato, que acontece com hora marcada e locais indicados. O processo educacional vai além dos mu-ros da escola, ele é social, cultural e histórico. Elementar é que se crie condições para desenvolver o gosto pela leitura, assegurando a aquisição das habilidades de leitura e escrita pelos indivíduos.

Presentes estão nos discursos políticos, nas falas em reuniões de professores, que é preciso se considerar o sujeito da aprendizagem individualmente construído. Mas como? Fornecendo um conjunto de ações que não considera sua individualidade?

Considera-se, nos discursos que os alunos tem um conhecimento prévio, que eles tem um conhecimento de mundo, que eles tem suas expectativas mas, lhes é ofereci-da, na maioria das vezes, uma educação minimalista que desconsidera sua singularidade. Como se formar fosse, literalmente “colocar numa forma”.

“Nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadores e educadoras que procla-mamos uma opção democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso avançado”. (FREIRE,1989, p.16). Nem sempre os educadores conseguem se articular para diminuir a distância do discurso às ações, a fim de minimizar os agravos presentes no processo educacional, talvez até porque nem se reconhecem parte destes. Os discursos e as ações são pensados e propostos, verticalmente, sem considerar as especificidades de cada realidade.

Enfim, o “governo propõe campanhas de alfabetização que desprezam os letra-mentos locais” articulam-se “desconsiderando que as pessoas adquirem práticas letradas em suas convenções orais”. (STREET,2014, p36-37) e que tais práticas podem ser o ponto de partida da formação de um leitor.

Analisar os discursos das políticas públicas sem considerar que sua argumentação é de caráter ideológico, e historicamente sempre o foi, é minimamente ingênuo. Para Paulo

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Freire “não é possível pensar, sequer, a educação, sem que esteja atento a questão do po-der” (FREIRE,1989, p.16).

Discursos, políticas e ações referenciam sempre a sociedade globalizada, o sujeito nativo desta sociedade, onde o acesso a informação determina a formação. Tem-se a ideia de que quanto maior o número de informação, maior o nível de conhecimento, desconsi-derando a qualidade deste material que está disponível.

De acordo com Britto (1999, p.83), “uma das graves pragas da modernidade é a cren-ça na informação”. Não é porque o indivíduo tem disponível a grande oferta dos veículos de informação, que ele tem um conhecimento amplo. Da mesma forma que não é porque chegam livros na escola, oriundos de programas, que os leitores estão sendo formados.

Há uma necessidade de estabelecer um equilíbrio entre as políticas e práticas de leitura. A leitura não pode ser desenvolvida com vistas na obrigação, nem trabalhada de maneira facilitada, apenas vinculada ao prazer. Indispensável é, considerar sua função como produtora de sentidos. De acordo com Britto (1999, p.86-87):

É representativa desse movimento de valorização da leitura do prazer a cam-panha de incentivo à leitura promovida pelo Ministério da Educação em 1997, como lema “quem lê, viaja”: as peças publicitárias de 30 segundos apresenta-vam situações de pessoas lendo livros nos lugares mais variados (ônibus, praia, academia de modelação física) e de tal modo envolvidas com a história que incorporavam fisicamente a personagem. A leitura, comparada a um narcótico (“quem lê, viaja”) nada tem a ver com a construção de conhecimento ou com a experiência solidária e coletiva de crítica intelectual.

Formar um leitor é capacitá-lo para se posicionar frente àquilo que ele lê. Deixando a função de apenas receptor e movendo-se em direção ao desenvolvimento de um pen-samento crítico, compreendendo que nem toda leitura é boa. Formar um leitor é torná-lo capaz de perceber que as informações podem ser manipuladas.

Considerações finais

O período de inserção nos anos iniciais, é apresentado como mágico e poderoso. Tem-se que aprender a ler para ser pleno, tem-se que praticar a leitura pois, ela é prazero-sa e nos leva a lugares extasiantes, “quem lê, viaja”. Um discurso minimalista, ideológico, que camufla as reais condições em que se encontra a leitura dentro da escola e em outros ambientes.

As pessoas precisam aprender a ler, ser alfabetizadas sem ter sua identidade viola-da. É preciso proporcionar ações educativas que considerem que os sujeitos que as viven-ciam tem uma vida, uma história, uma realidade que nem sempre é promissora.

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Se queremos uma sociedade justa, inclusive do ponto de vista cultural é funda-mental que se alfabetize a população, que existam escolas e bibliotecas pública de qualidade. É preciso que haja empregos e salários decentes. É preciso que não haja fome e que as doenças sejam tratadas. Um desempregado, um famin-to, não pode se interessar pela viagem proporcionada pelos livros, pelo conhe-cimento de si e do mundo proporcionado pela alta literatura. É preciso que as pessoas tenham condições materiais para serem leitores. (ABREU,2001, p.156)

Muitos educadores atribuem o insucesso na formação do leitor à uma política que não facilita o aprendizado do sujeito da aprendizagem, muito pelo contrário, o coloca à margem. Unanimemente discordam da progressão dos alunos não alfabetizados para a etapa posterior do ensino. Como destaca Bridon e Neitzel (2014, p.438-439):

Conforme os resultados da avaliação do Saeb (Brasil, 2012), muitos alunos do ensino fundamental, 45,95% do 5º ano e 73,04% do 9º, encontram-se abaixo do nível considerado ideal, acarretando dificuldades de aprendizagem que são ampliadas de uma série para a outra. Se os problemas de compreensão leitora apresentados pelos alunos do 5º ano não forem resolvidos durante sua cami-nhada, por exemplo, e novas competências não forem adquiridas, as problemá-ticas refletirão nos anos escolares posteriores.

Muitos alunos que não conseguem desenvolver suas atividades escolares, em de-corrência de suas dificuldades de leitura, tornam-se indisciplinados, inviabilizando muitas ações pedagógicas e dificultando as práticas de leitura.

A formação de um sujeito leitor capaz de se posicionar criticamente, deveria ser alvo das ações educativas e das políticas públicas. Todos empenhados em desfazer este “rótulo” de que os “alunos não leem”, “não gostam de ler”, “não sabem ler, não vão ser nin-guém na vida”. Todos empenhados a compreender e a exercer uma educação humanitá-ria, que considere o outro participante de si, já que a formação do leitor também é social, histórica e cultural.

Relevante seria informar ao sujeito que se quer formar, que a leitura é relativa. Ora “viagens”, ora estagnação, ora prazer, ora ardor, ora descanso, ora sacrifício, ora liberdade, ora aprisionamento.

Referências

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BRIDON, Janete; NEITZEL, Adair de Aguiar. Competências leitoras no Saeb: qualidade da leitura na educação básica. Educ. Real., Porto Alegre, v. 39, n. 2, p. 437-462, jun. 2014 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-62362014000200006&lng=pt&nrm=i-

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Avaliação no ano inicial e final do ciclo

de alfabetização1

Carolina CARDOSO2

Maria Aparecida Lopes ROSSI3

Resumo: A avaliação é um dos principais instrumentos usados pelo professor na promoção ou reprovação dos alunos. Este texto pretende apresentar algumas análises e discussões sobre os conteúdos avaliados no primeiro e terceiro ano do ensino fundamen-tal, verificando se estão realmente voltados para a aprendizagem ou para a reprovação provocando o fracasso escolar. Para tanto, discute-se o papel da avaliação e suas con-cepções, articulada aos objetivos do ensino, ou seja, a aquisição das aprendizagens que se espera que as crianças adquiram no ciclo voltado para a alfabetização; as causas do fracasso escolar e relação entre as avaliações e o sucesso/fracasso escolar. O estudo está ancorado nos autores: Soares (2016, 2017); Arroyo (2017), Carvalho (2015) dentre outros. As análises mostraram que os conteúdos cobrados promovem aprendizagens, voltadas para a alfabetização propriamente dita, sendo necessário mudar as práticas pedagógicas e considerar o letramento como fundamental para diminuir desigualdades e combater o fracasso escolar.

Palavras-chave: Avaliação. Alfabetização. Fracasso escolar

1 Esse texto é resultado de discussões realizadas na disciplina: Educação popular: fundamentos e práticas do curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Federal de Catalão.

2 Professora da Rede Particular de Catalão – Goiás, Licenciada em Matemática pela Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão; Pedagoga pela Faculdade Albert Einstein; Especialista em Educação Infantil pela Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão e Especialista em Atendimento Educacional Especializado na Perspectiva da Educação Inclusiva pela UFG- Regional Catalão. [email protected]

3 Professora do Curso de Pedagogia e Programa de Pós-graduação em Educação-PPGEDUC, do Departamento de Educação da Regional Catalão/Universidade Federal de Goiás-CAC/UFG. Catalão, Goiás, Brasil. [email protected]

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Introdução

O movimento que busca a democratização do ensino no país é bastante antigo. Brandão (1985) destaca que, no Brasil imperial, iniciou-se a implantação das primeiras es-colas públicas, que foram ampliadas nos primeiros anos da República. Essa demanda sur-giu principalmente por causa do alto nível de analfabetismo experimentado nessa épo-ca, haja vista que 85,2% da população era constituída de analfabetos, o que, já à época, configurava a “vergonhosa precariedade do ensino para o povo do Brasil” (SOARES, 2017, p. 13). Nessa perspectiva, a escola pública, segundo Gomes (2017, p. 134) é “resultado de uma luta popular pelo direito a educação”.

Contudo, esse objetivo parece não ter sido cumprido, pois “ainda prevalece uma escola injusta que nega uma educação de qualidade às crianças das camadas populares” (SOARES, 2017, p. 07). A esse respeito o MEC, em 2017, apresentou dados que demons-traram um paradoxo; isto é, mesmo que a taxa de aprovação no ensino fundamental seja superior nos anos iniciais, há no terceiro ano, uma queda desse percentual, que resulta em resultados negativos como evasão e repetência, o que é preocupante, uma vez que o terceiro ano é considerado etapa final do ciclo de alfabetização, conforme se pode perce-ber nos documentos que vêm sendo elaborados pelo MEC para orientar o chamado ciclo de alfabetização.

O Plano Nacional de Educação tem como uma de suas metas alfabetizar as crianças, no máximo, até o final do terceiro ano do ensino fundamental; da mesma forma, o Pró-letramento e Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade certa (PNAIC) também trazem orientações a esse respeito. O Pró-letramento é um programa de formação continuada de professores dos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental lançado em 2008. O PNAIC, lançado em 2012, apresenta “um conjunto de ações, materiais, referências curriculares e pedagógicas, direcionados para a formação de professores alfabetizadores” (BRASIL, 2012, p. 05). Segundo os documentos que norteiam o projeto, o Pacto foi lançado para garantir a alfabetização das crianças, até no máximo, oito anos de idade. Ou seja, até o final do terceiro ano do ensino fundamental.

Nessa perspectiva, os processos avaliativos da aprendizagem dos alunos surgem como temas recorrentes e necessários, para descrever e orientar o desempenho e a apro-priação do sistema alfabético, ou seja, avaliar se os alfabetizandos estão, de fato, apren-dendo a escrever e a ler, o que exige que os alunos desenvolvam algumas especificidades da alfabetização. Assim, entende-se que a avaliação deve auxiliar a compreensão do de-sempenho dos alunos, à medida que os professores introduzem ou retomam conteúdos; trabalham conceitos para serem desenvolvidos pelo grupo e consolidam, ao final do ter-ceiro ano, os avanços referentes às aprendizagens.

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 99

A discussão que se propõe nesse texto, é analisar e discutir os conteúdos avaliados no primeiro e terceiro ano do ensino fundamental no sentido de perceber quais as apren-dizagens estão sendo avaliadas nas etapas inicial e final do processo. Para tanto, discute-se o papel da avaliação, articulada aos objetivos do ensino; o fracasso escolar e relação entre as avaliações e o sucesso/fracasso escolar.

A relação avaliação e objetivos do ensino

Não se pode pensar em avaliação desarticulada dos objetivos do ensino. Ou seja, das aprendizagens que se espera que as crianças adquiram no ciclo voltado para a alfabe-tização. Em documentos do MEC voltados para orientações sobre as aprendizagens que devem ser adquiridas, no caso do caderno do Pró-letramento, o que se tem salientado é a necessidade de assegurar que os alunos se apropriem do sistema alfabético-ortográfico, e também adquiram condições para fazer uso da língua durante as práticas sociais de leitura e escrita (BRASIL, 2008).

Para isso, a avaliação nos anos que se referem ao ciclo de alfabetização, apresenta-se dentro de uma perspectiva formadora. Os registros realizados durante o processo auxi-liam na compreensão e descrição do desempenho dos alunos. Contudo, a avaliação pode existir dentro de uma “dimensão técnica ou burocrática” (BRASIL, 2008, p. 07) e, portanto, apresenta-se com um caráter classificatório, somativo e controlador. Dentro da tradição escolar pedagógica esses aspectos da avaliação têm como objetivo traduzir resultados quantitativos que redundam na promoção ou reprovação dos alunos. Sobre isso, Arroyo (2017) nos faz pensar: o que pode existir de formador nessa perspectiva em que sujeitos têm sido excluídos e vitimizados por um processo de dominação dessas pedagogias que “pensa os grupos populares como inferiores, incultos, sem valores, com problemas morais e de aprendizagem” (ARROYO, 2017, p. 15). As grandes vítimas do sistema denunciado por Arroyo são os filhos das classes menos privilegiadas que, à falta de opção, não conseguem se manter em escolas melhor avaliadas. A contradição que se verifica é que a classe legiti-mada, em vez de cobrar do Estado uma educação que corresponda aos recursos gerados pelos altos impostos pagos pelo contribuinte brasileiro, prefere se calar e prover do pró-prio bolso a educação dos seus filhos em escolas privadas.

Essas práticas de avaliação, no que diz respeito aos processos de alfabetização, ain-da se encontra presente na memória dos que foram alfabetizados em meados da década de 1980. A avaliação ocorria por meio da elaboração de atividades que exigia a leitura de letras, sílabas, palavras, frases e textos, muitas vezes já trabalhados em sala pelos profes-sores. Isso para garantir “que os alunos apresentassem respostas corretas, uma vez que o

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erro precisava ser evitado, pois eram indicativos de que estudante não havia aprendido/memorizado o que fora ensinado” (BRASIL, 2012, p. 25).

Ao contrário dessa concepção de avaliação, o que o caderno do Pró-letramento, orienta é que os processos avaliativos devem enfatizar a sua “dimensão formativa e ou continuada” (BRASIL, 2008, p. 07). Nessa perspectiva, a avaliação mostra-se diagnóstica, processual, descritiva e qualitativa e, portanto, indica quais aprendizagens já foram con-solidadas pelos alunos, suas dificuldades e quais são as intervenções necessárias para que avancem e alcancem os progressos referentes ao ciclo de alfabetização. Acrescentam-se então às formas de avaliar “sistemas mais abertos de avaliação, a serviço das orientações das aprendizagens dos alunos e não apenas do registro burocrático de seus resultados” (BRASIL, 2008, p. 07).

Essa quebra de paradigma dá-se principalmente a partir de 1980, quando as pes-quisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky começam a dar outro sentido para os erros ou escritas não convencionais das crianças (FERREIRO & TEBEROSKY, 1999). O estudos dessas pesquisadoras reorientam a aprendizagem inicial da língua escrita. Portanto, os méto-dos sintéticos e os analíticos são rejeitados e considerados como tradicionais. Os alunos, nessas abordagens, são considerados passivos durante o processo de alfabetização, pois recebem um conhecimento que é transmitido pelo professor, ao passo que, no constru-tivismo, o foco que estava no professor desloca-se para o aluno, transformando-o em um aprendiz ativo.

Soares (2016) destaca que o construtivismo surge como uma tentativa de combater o fracasso na alfabetização, contudo, apesar do método4 mostrar-se bastante difundido, o fracasso em alfabetização persiste, segundo a autora,

já não se concentra na série inicial da escolarização, mas espraia-se ao longo de todo o ensino fundamental, chegando mesmo ao ensino médio, traduzido em altos índices de precário ou nulo domínio da língua escrita, evidenciando gran-des contingentes de alunos não alfabetizados ou semialfabetizados depois de quatro, seis, oito anos de escolarização (SOARES, 2016, p. 23-24).

O fracasso escolar é um fenômeno social antigo que persiste até os dias de hoje. Diferentes teorias de aprendizagem têm tentando explicar como as crianças aprendem, mas não esclarecem o porquê de uns aprenderem e outros não. “Cada um terá seu desen-volvimento e seus percursos de aprendizagem, de sucesso ou fracasso” (ARROYO, 2017, p. 231).

4 Soares (2016) destaca que o termo construtivismo, refere-se a uma teoria da gênese e do desenvolvimento do conhecimento, contudo, na área da alfabetização, o termo difundiu-se e concordando com a autora e com a ampla apropriação do construtivismo, nesse estudo o construtivismo será abordado como um método.

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 101

Muitas são as causas para o fracasso escolar. Uma dessas causas se relaciona ao fato das escolas não aceitarem os conhecimentos que os alunos constroem, anterior à entrada na etapa da alfabetização. Sobre essa questão, Street (2006) destaca que as práticas de letramento se relacionam aos aspectos culturais da realidade em que os alunos estão in-seridos e “que não podem ser entendidos simplesmente em termos de escolarização e pe-dagogias: eles são parte de instituições e concepções sociais mais abrangentes” (STREET, 2006, p. 475). Nessa abordagem não é possível considerar crianças recém-chegadas ao primeiro ano do Ensino Fundamental como “tábulas rasas”. A respeito disso, Ferreiro e Teberosky (1999) identificam a interpretação da escrita das crianças, por meio da leitura que as próprias crianças fazem, mesmo antes de saber ler convencionalmente.

Soares (2017) aponta três explicações que colaboram para o fracasso escolar. A ideologia do dom, da deficiência cultural e das diferenças culturais. Na primeira expli-cação, o dom de cada um ganha relevância. O sucesso ou fracasso do aluno é resultado da sua inteligência e do talento que possui. Neste caso, resta à escola apenas a função de “adaptar os alunos à sociedade, segundo suas aptidões e características individuais” (SOARES, 2017, p. 18). Contudo, essa ideologia não apresenta credibilidade, pois se essa fosse a razão para o fracasso escolar, existiriam, em igual número, alunos das camadas pri-vilegiadas em condições de evasão e repetência; o que não ocorre, pois segundo dados divulgados pelo MEC em 2017, há um sincronismo entre idade-série nas escolas particu-lares e o risco de insucesso dos alunos matriculados na rede pública é consideravelmente superior ao da rede privada.

Para a ideologia da deficiência cultural, “as desigualdades sociais é que seriam res-ponsáveis pelas diferenças de rendimento dos alunos na escola” (SOARES, 2017, p. 20). Logo, o contexto em que a criança vive proporciona condições de sucesso ou fracasso escolar. Essa ideologia considera a existência de culturas que possam ser superiores a outras. Contudo, conforme Laraia (2001), essa é uma concepção inaceitável, até porque reflete uma postura etnocêntrica.

Nessa explicação as dificuldades de aprendizagem evidenciadas pelas crianças das camadas populares são resultado da “carência ou privação cultural” (SOARES, 2017, p. 21) e, portanto, a função da escola é de compensá-las.

Para a terceira explicação, a ideologia das diferenças culturais, o aluno fracassa, como o nome sugere, porque é diferente. Os comportamentos dos alunos são avaliados a partir de um modelo, o comportamento das classes privilegiadas. Para Soares (2017, p. 25), “os testes e as provas a que os alunos são submetidos são culturalmente precon-ceituosos, construídos a partir de pressupostos etnocêntricos, que supõem familiaridade com conceitos e informações próprios do universo cultural das classes favorecidas”. Essas

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ideologias foram a causa do fracasso escolar no Brasil até meados dos anos de 1980. “O fracasso até então era visto como um problema de deficiência ou carência cognitiva e cultural dos alunos do meio popular” (BRASIL, 2012, p. 25).

Diante das explicações apresentadas percebe-se o papel da linguagem, sobretudo na escola, que revela grupos sociais distintos: de um lado as camadas populares de outro as classes privilegiadas, desse preconceito implica dificuldades de aprendizagem, evasão e repetência escolar. Como pontua Soares (2017, p. 26),

o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguís-ticas social e escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos linguísticos e leva a dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a variante socialmente prestigiada.

Portanto, na alfabetização tem-se configurado um problema: a linguagem que se manifesta de diferentes formas entre grupos sociais, que consequentemente interferem na aprendizagem inicial da língua escrita. Soares (2017, p. 120), afirma que,

não há como não fracassar em um processo de alfabetização que procura levar a criança à aprendizagem da língua escrita sem considerar a distância que separa essa língua não só de variedades cultas orais, que a língua escrita em geral apre-senta, mas, sobretudo, da variedade oral que o aluno domina, e sem considerar que essa distancia é nos só linguística, mas também cultural.

Neste sentido, Soares (2017) concorda com Cagliari (2001), quando ele assevera que a dificuldade das crianças em produzir textos escritos ocorre porque os alunos escre-vem do mesmo modo como falam. Isso porque, na maioria dos casos, a única experiência das crianças economicamente desprivilegiadas com a linguagem, antes de entrarem para a escola, limita-se à linguagem oral. Um elemento complicador da situação em tela diz respeito ao fato de que as avaliações produzidas pelos professores são elaboradas a partir da língua padrão e a correção das mesmas ocorre analisando as respostas dos alunos de acordo com essa língua. “A escola desconsidera que a distribuição do conhecimento da língua legítima é desigual” (SOARES, 2017, p. 98) e evidencia o fracasso escolar pela forma como trata os desiguais.

Arroyo (2017) reitera que essa prática avaliativa é homogênea, haja vista que não considera aspectos individuais, pois trata a todos de forma igual, “oferecendo os mesmos conhecimentos, os mesmos processos, os mesmos tempos a cada um” (ARROYO, 2017, p. 231). Sabendo que as crianças provêm de ambientes sociais e culturais, às vezes, anta-gônicos e sempre distintos no aspecto econômico, não somente a aprendizagem como as avaliações deveriam considerar essas diferenças. O ideal é que houvesse métodos e processos pedagógicos que privilegiassem questões dessa natureza, de modo a atender

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aspectos individuais resultantes não só da inserção da criança no seu meio familiar, como também no extrato social específico.

O que revelam as provas aplicadas na escola

Para a realização deste estudo selecionamos duas provas elaboradas por professo-res e aplicadas aos alunos de uma escola da rede municipal de Catalão-GO. Uma aplicada à turma do primeiro ano e outra ao terceiro, considerados etapas inicial e final do ciclo de alfabetização. As provas foram aplicadas durante o primeiro bimestre do ano letivo de 2018.

Opta-se pela análise documental, para discutir os conteúdos avaliados e quais as aprendizagens estão sendo avaliadas no primeiro e terceiro ano do ensino fundamental.

Os conteúdos explorados em sala de aula por professores e alunos, de acordo com o Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás, durante o primeiro bimes-tre são, no primeiro ano: gravuras, embalagens e contos de fadas. No terceiro ano, teatro e paráfrase.

Avaliação de português – 1° ano

Na avaliação aplicada aos alunos do primeiro ano, percebe-se que os conhecimen-tos avaliados estão relacionados ao aspecto da técnica da escrita. Ou seja, a memorização das letras que compõem o alfabeto, a diferenciação entre as letras e outros sinais gráficos e a relação grafema fonema, quando se solicita que os alunos completem as palavras ou sílabas que faltam. Observa-se, pelos enunciados das questões, a predominância do eixo: Análise linguística: apropriação do Sistema de Escrita Alfabética, conforme descrito no material do PNAIC. Para responder as questões é necessário que as crianças tenham ad-

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quirido algumas competências:

Questão 1: conhecer a ordem alfabética;

Questão 2: diferenciar letras de números e outros símbolos;

Questão 3, 4 e 6: dominar a correspondência entre as letras e seu valor sonoro.

Questão 5: conhecer as letras que representam as vogais e consoantes;

Não se observa nas atividades a articulação entre alfabetizar e letrar. A alfabetiza-ção relaciona-se ao aprendizado inicial da leitura e da escrita, no que diz respeito às re-lações existentes entre letras e sons, enquanto que o letramento possibilita aos alunos a familiarização com os usos sociais da língua escrita e da leitura a ponto de usá-los com desenvoltura e com propriedade em várias situações cotidianas (CARVALHO, 2008). A ava-liação caracterizada neste ensaio demonstra ênfase na faceta linguística da alfabetização, quando se enfatiza as competências relacionadas à codificação e decodificação da escrita (SOARES, 2016), ou seja, a alfabetização propriamente dita.

Contrários à essa desarticulação, o que os estudos que embasam a presente análise enfatizam que a prática pedagógica dos professores, durante os anos que se referem à alfabetização, esteja voltada também para o letramento e que este ocorra durante todo o processo em que as crianças se apropriam do código escrito, principalmente porque grande parte dos alunos da rede pública tem acesso mais restrito à escrita, o que implica o desconhecimento de suas manifestações e utilidades. A construção de uma escola jus-ta leva em consideração as desigualdades reais e procura compensá-las (DUBET, 2004). Assim, é fundamental que a escola proporcione o contato dos alunos com os diferentes gêneros de textos, desde o momento em que as crianças começam a frequentar as salas de aula, para que possam compreender e valorizar os diferentes usos da língua em todas as situações de comunicação.

Avaliação de português – 3° ano

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 105

A avaliação aplicada à turma do terceiro ano é semelhante à anterior no que se re-fere às habilidades avaliadas na maioria das questões que se voltam para a percepção das competências adquiridas pelos alunos relacionadas à técnica da escrita. Foram elabora-das seis questões. Na primeira é preciso ler um texto, um reconto de Esopo - Companhia das Letrinhas, depois responder oito itens, que não exige mais do que a capacidade do aluno de decodificar. Todas as respostas aparecem de forma nítida no texto, são ativida-des do tipo pergunta/resposta voltadas para a recuperação de elementos que estão na superfície do texto. Segundo Arroyo (2017), os professores têm uma visão homogênea e, por isso, esperam dos alunos respostas iguais. Dessa forma, o aluno fica impedido de construir significados, principalmente pela forma como as provas são elaboradas, pois para ter êxito e ser aprovado, é necessário apenas voltar ao texto e copiar o trecho que corresponde à resposta.

- Qual o título do texto? Supõe-se que no terceiro ano as crianças saibam que um texto inicia com um título. Portanto, elas simplesmente copiarão essa informação.

- Quem é o autor do texto? Da mesma forma, apenas cópia.

- Quantos parágrafos tem o texto? Para responder, as crianças apenas enumeram os espaços entre a margem e o início da frase.

- Onde se passa a história? Como a história passa em um único cenário, não é ne-cessário explicar, na resposta, os lugares onde se passa a história.

- Quais são os personagens do texto? Não há necessidade de uma leitura signifi-cativa. A imagem ao lado do texto auxilia na elaboração da resposta.

A única pergunta que exige do aluno a realização de inferência, e não se limita à identificação de elementos que estão na superfície do texto é a última: o que foi que a tartaruga fez que a ajudou a ganhar a corrida? As outras são apenas de localização, ou seja, se distanciam do que seria ler um texto, realizando inferências e exigindo do aluno a ativação de seu conhecimento prévio.

A questão seguinte orienta o aluno a organizar palavras em ordem alfabética. As próximas, que se seguem, 4 a 6, sugerem que o aluno saiba o que são encontros conso-nantais, vocálicos e dígrafos. A separação silábica também está sendo avaliada, demons-trando que ambos os professores têm concepções semelhantes acerca da alfabetização, haja vista que priorizam habilidades em que o aluno seja capaz de conhecer a ordem alfabética, dominar as correspondências entre letras ou grupos de letras de modo a ler e a escrever essas palavras, contudo, desconsidera os seus usos em diferentes gêneros.

As avaliações aplicadas nas turmas do primeiro e terceiro ano do ciclo de alfabeti-zação demonstram que práticas tradicionais de ensino ainda prevalecem. Essa situação,

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para Freire (1987), não passa de uma educação bancária, em que o educador deposita no aluno o conteúdo programático, e “no dia da prova, que cada um tenha aprendido o que a todos foi passado” (ARROYO, 2017, p. 231), o que caracteriza uma educação impositiva, pois nessa concepção o professor aparece como o único detentor do saber.

Para Carvalho (2005) as práticas de alfabetização devem levar a criança a aprender progressivamente as relações entre letras e sons, ao mesmo tempo em que o conheci-mento espontâneo da criança e suas vivências são valorizados. Deste modo, os alunos podem utilizar e elaborar hipóteses, fazer descobertas sobre a leitura e a escrita, construir e valorizar a função social da leitura e escrita. A isso Soares denomina “alfabetizar letran-do” (SOARES, 2016, p. 35).

O ideal é que a escola desenvolvesse processos de letramento, para que, dessa for-ma, os alunos tenham contato com diferentes gêneros textuais e suportes, como livros, revistas, jornais, cartões, visitas a teatros, museus etc. Os processos de letramento, con-forme apontados acima indicam que a “inserção e participação do indivíduo na cultura escrita, abrangendo capacidades de uso do sistema de escrita e de seus equipamentos e instrumentos na compreensão e na produção de textos, em diversas situações ou práticas sociais” (BRASIL, 2008, p.30) proporciona a “aquisição dos bens simbólicos que constituem o capital cultural e linguístico” (SOARES, 2017, p. 96), logo os alunos teriam mais condições de melhores resultados não apenas nas avaliações, mas também na diminuição das desi-gualdades existentes.

Evidencia-se que as avaliações analisadas promovem aprendizagens, voltadas para a alfabetização propriamente dita. Contudo, os problemas apontados comprovam que a alfabetização deve transcender seus aspectos tradicionais, atendendo ao que preceitua o letramento não somente em termos da ação pedagógica na sala de aula como também na avaliação da aprendizagem. Tal iniciativa poderia se constituir em um dos caminhos para reduzir as diferenças, o que implica na redução da desigualdade social, e, portanto, no combate ao fracasso escolar.

Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). O que é educação popular. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2016. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo escolar, 2016. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/fevereiro-2017-pdf/59931-app-censo-escolar-da-educacao-basica-2016-pdf-1/file> Acesso em: 18 jul. 2018

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______ Ministério da Educação e Cultura. Secretaria da Educação Básica. Diretoria de Apoio a Gestão Educacional. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: currículo na alfabetização: con-cepções e princípios. Brasília: MEC, SEB, 2012.

______ Ministério da Educação e Cultura. Secretaria da Educação Básica. Pró-letramento: Programa Nacional de Formação de Professores dos Anos/Séries dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental – Alfabetização e Linguagem. Brasília: MEC, SEB, 2008.

CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

DUBET, Francois. O que é uma escola justa? Cadernos de Pesquisa, v. 34, n 123, p. 539-555, set./dez. 2004. 12

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. Saberes construídos nas lutas por emanci-pação. Petrópolis: Vozes, 2017.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura – Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.

________, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Contexto, 2017.

PACTO PELA EDUCAÇÃO. Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás. Disponível em:<http://www.seduc.go.gov.br/imprensa/documentos/arquivos/Curr%C3%ADculo%20Re- fer%C3%AAncia/Curr%C3%ADculo%20Refer%C3%AAncia%20da%20Rede%20Estadual%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20de%20Goi%C3%A1s!.pdf> Acesso em: 18 jul. 2018

STREET, Brian. Perspectivas interculturais sobre letramento. Revista Filosofia e linguística portu-guesa. São Paulo: n. 08, 2006.

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CONHECER E SER CONHECIDO, ENSINAR E SER ENSINADO: DIALÓGOS SOBRE A RELAÇÃO

CULTURA E EDUCAÇÃO.

Martins, Nelson César1

Alves, Maria Zenaide2

Resumo: Este ensaio se propõe a discutir as concepções de cultura, em sua diver-sidade, à luz de alguns autores que dialogam sobre o tema, tendo como pano de fundo a educação e trazendo uma breve reflexão acerca do contexto multicultural escolar, pau-tando o diálogo pelo paradigma da educação popular. Para este fim, partimos do concei-to de cultura proposto por Laraia (2001), logo depois trago as considerações de Brandão (1985) e por fim as de Soares (1986). Buscamos no auxílio de outros autores suporte para tal ancoragem a fim de promover este diálogo acerca das concepções de cultura. O âma-go da análise é o eixo cultura-educação. Ao fim as reflexões provocadas por este diálogo pontuamos a importância de conhecer e se deixar conhecer para enfim ensinar enquanto somos ensinados e que deve haver um olhar cultural nesse processo, porém longe do esgotamento de seu tema e aplicações.

Palavras-chave: Cultura; Cultura Popular; Educação; Letramentos, Linguagem.

Abstract: This paper proposes to discuss the conceptions of culture, in its diver-sity, in the light of some authors that dialogue on the theme, having as background the education and bringing a brief reflection on the multicultural school context, guiding the dialogue by the paradigm of popular education. To that end, we start from the concept of culture proposed by Laraia (2001), and then I bring the considerations of Brandão (1985) and finally those of Soares (1986). I sought help from other authors for such anchoring

1 Teólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO); Aluno do programa de Mestrado em Educação (PPGEDUC) da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão. E-mail: [email protected]

2 Doutora em Educação. Docente no Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFG-Catalão e no Programa de Pós-Graduação em Educação e Programa de Mestrado em Educação (PPGEDUC) na da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão. Líder do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação e Desenvolvimento do Campo – NEPCAMPO. E-mail: [email protected]

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in order to promote this dialogue about conceptions of culture. The core of the analysis is the culture-education axis. At the end of the reflections provoked by this dialogue we emphasize the importance of knowing and letting ourselves know to finally teach while we are taught and that there must be a cultural view in this process, however far from the exhaustion of its theme and applications.

Keywords: Culture; Popular Culture; Education; Literacy, Language

Introdução

O que é educação? Podemos lidar com várias concepções, ainda que seu valor para o desenvolvimento humano bem como exercício de humanidade sejam quase que de co-mum acordo. Neste sentido queremos começar trazendo aqui a definição da constituição brasileira para este diálogo. A Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil no artigo 205 prevê que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvol-vimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 2016, p, 223).

Analisando o artigo 205 da Carta Magna podemos elencar e assumir que a educa-ção: É um direito para todos e todas; que Estado e família tem o dever de fazer com que a educação seja acessada por todos e todas; que a sociedade deverá ser a promotora e incentivadora da educação; que o alvo da educação é o desenvolvimento integral da pes-soa; que esta educação deve preparar a pessoa para o exercício da plena cidadania; e a educação capacita e torna hábil a pessoa para exercer o trabalho que deseje na sociedade.

Ao olharmos para os alvos desta lei será que podemos perceber a educação alcan-çando os objetivos descritos e esperados segundo este artigo? Será que os sujeitos en-volvidos no processo educacional atuam da forma como é posta na Constituição Federal? Minha intenção, no entanto, não é discorrer sobre cada um destes aspectos, mas é provo-car algumas reflexões sobre o processo educacional de forma geral e promover um diálo-go sobre a educação em seus contextos recorrentes, dessa forma evocando seus sujeitos mais plurais e ativos na educação e não apenas recipientes passivamente receptivos a ideias e conceitos.

Além desses anseios jurídicos, expressos no artigo 205 em forma de lei na Constituição Federal, podemos argumentar que a educação na concepção aí se faz pre-sente, não se dá apenas nas escolas, salas de aulas e laboratórios de maneira formal e ins-titucionalizada somente no relacionamento professor/aluno, mas também nos espaços

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 111

da cidade:

(...) a compreensão da cidade como uma grande rede ou malha de espaços pe-dagógicos formais (escolas, creches, faculdades, universidades, institutos) e in-formais (teatros, praças, museus bibliotecas, meios de comunicação, repartições públicas, igrejas, além do transito, do ônibus, da rua) que, pela intencionalidade das ações desenvolvidas, pode converter a cidade em território educativo, pode fazer da cidade uma pedagogia (MOLL, 2004, p. 42).

A educação se dá também, na família, em casa, no bairro, ao redor do fogão de le-nha, na pausa do almoço, durante a colheita nos campos, na execução do trabalho e por onde houver gente sendo gente; sujeitos do processo educacional ensinando e apren-dendo, ali há educação. Para Brandão,

A educação existe onde não há a escola e por toda parte pode haver redes e estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra, onde ainda não foi sequer criada a sombra de algum modelo de ensino formal e centraliza-do (BRANDÃO, 2007, p. 13).

Portanto, ampliando a ideia de que a cidade é educadora é importante conhecer e reconhecer a educação do campo e seus espaços; a lavoura, a lida com as criações, o administrar de seus recursos e a oportunidade grandiosa e riqueza humana que o espaço rural contém: famílias, a vida em comunidade, memórias e tradições de diferentes gera-ções, escritos e oralidades e seus caleidoscópicos saberes. E de como os saberes, sejam eles quais forem, podem ser usados para resistir, afirmar-se e emanciparem-se: “Tempos/espaços em que Outros sujeitos se afirmam, trazendo experiências sociais, políticas de resistência, de construção de outra cidade, outro campo, ouros saberes e identidades.” (ARROYO, 2014, p. 25).

Refletindo por este prisma, para Carlos Rodrigues Brandão a educação não é ape-nas: “um sistema técnico de uma necessidade profissional de compreender, explicar e es-tabelecer regras e metodologias.” (BRANDÃO, 1997, p.06). Mas algo muito mais complexo. Este autor defende que a educação seja pautada nos valores e necessidade das classes populares. Para tal é necessário revistar os sentidos da própria educação, este argumento toma força em sua obra Educação Popular (1997) onde o autor argumenta que a educação é um processo que se dá em diversos ambientes e a todo tempo, por diversos sujeitos. Tal argumento nos leva, portanto, a ponderar a respeito da natureza da cultura e como ela opera, provocando uma reflexão acerca da importância de educar a partir dos saberes dos sujeitos sem renunciar aos conhecimentos clássicos e científicos e populares.

Contudo a partir do que o sujeito traz em si, seja este sujeito o aluno ou o professor. Deste compartilhamento de saberes tornar-se possível a construção de uma pedagogia

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efetiva: humana, de equidades, popular e científica.

Desta forma faz-se mister uma discussão acerca do conceito de cultura. Pra isto utilizamos Laraia (2001) em seguida o conceito de cultura popular em Brandão (2001) é apresentado para dialogar com o conceito de cultura de Laraia (2001); posteriormente a partir do mesmo conceito de cultura do autor acima citado, conversar, pelo viés da pers-pectiva social de Soares (1986) aplicado a linguagem e escola; depois de me debruçar sobre estes escritos e me referir a outros autores para esta tarefa ao final considerar então como se dá este diálogo a partir do eixo cultura-educação pautada pela educação popu-lar que propõe Brandão (2001) e como isso se demostra no contexto escolar.

1- Cultura: O desafio de compreender a si e ao o outro.

A cultura, da forma como está sendo aqui abordada, na perspectiva antropológica, pode configurar-se como um espaço de embates de valores, ideias, modos de vida, for-mas de pensar e estar no mundo. Isso porque cada povo ou grupo tende a acreditar que a sua cultura é a melhor, a correta, a mais importante. Isso nos leva, portanto, à necessidade de compreensão de outros conceitos.

Dito isto, para compreender o que é cultura, faz-se necessário que tenhamos a mão pelo menos três preciosas ferramentas de entendimento da cultura; uma é o conceito de etnocentrismo, o segundo é o relativismo cultural e o terceiro a endoculturação.

O etnocentrismo aqui definido por Rocha, “é uma visão de mundo onde nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e senti-dos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência” (ROCHA, 1989, p. 7).

Desta maneira vejamos que uma vez que coloquemos nossa cultura no centro de tudo que cremos, somos e produzimos, ela será nosso referencial para incluir e excluir o outro, demostrar assentimento ou reprovação. A visão etnocêntrica faz com que nossa cultura seja a “cultura correta” e que tudo que não é nossa cultura está errado, ou fora de lugar e ainda desprovido de valor algum. Mediante o exposto, geramos uma régua cultural etnocêntrica e pessoal para medir, avaliar e pesar o mundo inteiro desde nossa perspectiva.

Para contrapor a essa visão os estudos antropológicos nos propõem o conceito de relativismo cultural, é o conceito que basicamente argumenta que o jeito de ser e viver em nosso grupo social, não é necessariamente o mesmo para outro grupo social. É reco-

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nhecer que somo incapazes de perceber uma cultura na sua totalidade e por isso somos inaptos para emitir juízo de valor, pois uma cultura só pode ter seus valores analisados dentro de seu próprio grupo social.

Como falar de instinto filial, quando sabemos que os esquimós conduziam seus velhos pais até as planícies geladas para serem devorados pelos ursos? Assim fazendo acreditavam que os pais seriam reincorporados na tribo quando o urso fosse abatido e devorado pela comunidade. (LARAIA, 2002, p. 50-52).

O que é norma para um não é para o outro e vice e versa. Este conceito foi trazido pela antropologia social e foi um critica direta ao evolucionismo, no relativismo cultural tenta-se romper com o estruturalismo, onde apenas se catalogava e categorizava tudo dizendo o que era melhor ou pior, mais civilizado ou mais bárbaro a partir de uma visão etnocêntrica.

E nossa teceria ferramenta que é a endoculturação, que nada mais é que a capa-cidade de aprender e mudar, se adaptar, romper com os determinismos impostos, fosse pela biologia ou geografia ou ainda pelos próprios sistemas humanos hegemônicos. É o homem tornando-se outro que não o esperado pela sua biologia, região geográfica onde se localiza ou o que outro grupo social que não o que o seu grupo demanda. Laraia, argu-menta concernente a endoculturação: “Resumindo, o comportamento dos indivíduos de-pende de um aprendizado, de uni processo que chamamos de endoculturação” (LARAIA, 2001, p. 20.). Endoculturar é ser e/ou agir diferente das expectativas ou determinações, isto pelo aprendizado.

Com estas ferramentas em mãos vamos à cultura! Se partirmos do pressuposto que o etnocentrismo é um traço comum na maioria das culturas e que o relativismo cultural faz o exercício de questionar esses alicerces do nosso ser somos capazes de estabelecer novas formas de ver a nós mesmos, e aos outros.

Podemos agora então trazer os conceitos de determinismos biológicos e geográfi-cos para o diálogo. Estes conceitos que a princípio poderiam ser definidos como alguns argumentos de pensadores que defendiam que a biologia determinava que certo grupo social ou “raça” tinha habilidades inatas e/ou modos de vida baseados em seus atributos de gênero. Por exemplo: trabalho de homem é um e de mulher é outro, mas e quando se observava que a divisão do trabalho era totalmente outra, em diferentes grupos culturais esse argumento perdia força.

O determinismo biológico tentava definir cultura, mas enquanto fazia isto enclau-surava os seus jeitos a certos papeis por seus padrões biológicos e os condenavam a es-tereótipos culturais, gerando exclusão do grupo. Laraia deixa claro que “os antropólogos estão convencidos que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças

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culturais” (LARAIA 2001, p.17.). Assim, “um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada” (LARAIA, 2001, p.20.). Aqui é primordial ressaltar que o determinismo biológico é refutado pela antropologia.

Quanto ao determinismo geográfico, seu argumento parte, por exemplo, dos eixos norte e sul geográficos, mais frio e mais quente para determinar como será a padroniza-ção da cultura dos grupos humanos, desenvolvidas especialmente por geógrafos no final do século XIX e inicio do século XX especialmente localizado nos escritos de Ellsworth Huntington em 1915 (LARAIA, 2001, p.21.), defendia que o clima era fator determinante pra o desenvolvimento da humanidade e por consequência sua cultura. De forma mais di-reta argumentava que o clima era capaz de determinar a cultura e cristalizar padrões nos indivíduos pertencentes a determinadas regiões geográficas. Em 1920 outros antropólo-gos como Franz Boas e Alfred Kroeber contrariaram este argumento pontuando a realida-de de grupos sociais num mesmo contexto geográfico vivendo em completa diversidade cultural tais como os lapões e os esquimós3, tal como demostrado em Laraia (2001). Uma vez que estes conceitos e argumentos neste ponto se tornam familiares para nosso pro-pósito podemos elencar alguns conceitos de cultura e sermos capazes de parear com o conceito de cultura de Laraia (2001).

Para Edward Tylor (Apud Laraia, 2001) a cultura: “É todo este complexo de conhe-cimento que inclui crenças, arte, moral, leis, costumes, ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade”. (LARAIA, 2001, p. 25). Ele sintetizou algumas definições trazendo a primeira tentativa de elaboração de um conceito de cultura mais completo. Para Benedict (1972) Apud Laraia, 2001 a cultura age como lentes, os óculos, que usamos e direcionam como vemos o mundo e que diferentes homens, usam diversas lentes pelas quais o mundo é conhecido e assim tem visões dife-rentes dele, Laraia (2001), pontua isto em sua obra. No olhar de Geertz a cultura é vista da seguinte maneira: “assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado” (GEERTZ, 1978, p. 4).

O que se pode observar nestas três definições é que a cultura tende a ser complexa, opera de acordo com a visão de cada grupo humano e que depende de diversos fatores para fazer seus significados comunicados e conhecidos.

Mostrados os anteriores argumentos nos depararmos com a definição de cultura de

3 Os lapões criam renas e constroem tendas com suas peles para habitar enquanto os esquimós constroem iglus, ou seja, casas com blocos de neve e são exímios caçadores ao invés de criadores de animais e ambos habitam a mesma região.

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Laraia (2001). Para este autor a cultura condiciona a visão do homem: interfere no plano biológico4, os membros de um grupo cultural não possuem a totalidade dos aspectos culturais da mesma (nem todo brasileiro é bom jogador de futebol ou sabe sambar), a cul-tura tem sua própria lógica, e deixa claro dessa forma que usar um padrão de análise de lógica de um grupo social para analisar outro é etnocentrismo e não irá funcionar. Disto isso para Roque de Barros Laraia a cultura é dinâmica, está sempre em movimento indo de uma mudança à outra, algumas mais rápidas outras mais lentas, o tempo que levam tais mudanças é fluido e constante sem ser metódico ou rotineiro:

Concluindo, cada sistema cultural está sempre em mu-dança. Entender esta di-nâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar com-portamentos precon-ceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a hu-ma-nidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo siste-ma. Este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serena-mente este constante e admirável mundo novo do porvir. (LARAIRA, 2001, P.59)

A cultura define quem nós somos e como agimos, faz-nos ver quem os outros são, e isso deve acontecer não com nosso etnocentrismo, mas a partir do relativismo cultural perceber e reconhecer o outro e seu contexto cultural. Somente o ser humano tem cul-tura, e embora alguma cultura seja hegemônica sobre a outra, não há cultura superior ou melhor que outra apenas uma diferente.

Esta realidade demanda de nós um olhar diferenciado e cuidadoso concernente à cultura, e contextos multiculturais, onde várias culturas se encontram e interagem dan-do origem a relações interculturais, necessário é então e por que não dizer de natureza urgente compreender tais contextos, para posteriormente tentar inferir sobre as conse-quências, de que modo operam estas culturas múltiplas e como elas vão se mostrar em nossas escolas e salas de aula.

Dados estes contextos, é preciso dialogar no viés da educação popular, contextuali-zada, emancipadora e com os pés apoiados nos conceitos de Paulo Freire, pois ele em sua obra desafia o sujeito a uma educação libertadora. Seria este o caminho a trilhar ou que outras propostas educacionais podem ser elencadas e apropriadas nesta tarefa hercúlea de ser educado e educar? Que pedagogias podem efetivamente promover a educação ideal?

Essas inquietações se mostram e nos instigam a para pensar a educação e como ela se dá e por isso faz-se necessário se pensar cultura! E se assim o é além da definição de cultura, ou melhor, de suas concepções como é que a ela opera na educação?

4 Um exemplo é a apatia que dizimou os índios Kaingang de São Paulo, quando suas terras foram invadidas. (LARAIA, 2001).

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No caminho do entendimento da cultura, e neste caso cultura e educação, tendo a acreditar que repostas possam ser levantadas quando agimos no sentido de conhecer, entender e reconhecer (não apenas no aspecto de conhecer novamente, mas também de afirmar a existência e valor da cultura dos sujeitos ainda que eu não possa conhecer total-mente tudo) a si mesmo e aos outros. Bem, neste texto proponho este diálogo.

2- Educação, educação popular e cultura: Reflexões.

Para Freire (1987) educar é libertar e emancipar. Já em Arroyo (2014) encontramos uma condição para que a educação se dê, na qual é preciso ter outras pedagogias para que estes outros sujeitos, que até então foram feitos invisíveis pelas pedagogias hege-mônicas da sociedade, possam não apensas ser vistos ou incluídos, mas terem seu lugar de direito pleno na sociedade; seu assento na mesa de decisões da sociedade.

Soares (1986) na sua discussão sobre as relações entre linguagem e escola traz pen-sadores como Basil Bernstein (1958-1973), William Labov (1972) e Pierre Bourdieu (1974) para dialogar respectivamente acerca das diferenças e relações dos argumentos de defi-ciência linguística (código elaborado e código restrito ambos definidos pela camada so-cial de origem) e a educação compensatória (igualdade de oportunidades).

Esta autora nos lembra que diferença cultural não é deficiência cultural (ter cultura diferente não é ter uma deficiência em sua cultura, porém é o argumento para justificar o fracasso escolar, quando na verdade o que a escola demanda é uma cultura desigual entre ricos e pobres) e finalmente como se dá a economia das trocas linguísticas gerando um ambiente opressivo (Além da riqueza financeira há a riqueza de capital cultural como proposto por Pierre Bourdieu), e questiona em sua conclusão, o que pode fazer a escola para que tais situações não ocorram?

Chamando Street (2004) podemos fazer uma ponte de diálogo entre seus argu-mentos e os de argumentos de Soares (1986) em sua perspectiva Street afirma:

No entanto, o fato de uma forma cultural ser dominante é, no mais das vezes, disfarçado por trás de discursos públicos de neutralidade e tecnologia nos quais o letramento dominante é apresentado como o único letramento. Quando ou-tros letramentos são reconhecidos, como, por exemplo, nas práticas de letra-mento associadas a crianças pequenas ou a diferentes classes ou grupos étni-cos, eles são apresentados como inadequados ou tentativas falhas de alcançar o letramento próprio da cultura dominante: exige-se então a atenção remediadora, e os que praticam esses letramentos alternativos são concebidos como culturalmente desprovidos (STREET, 2014, p. 472). Grifo meu.

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Demostrando acima como a exclusão por sua linguagem e letramento podem ser notadas no contexto escolar. Em seu livro The Animal School (1940) e reeditado em 1999, George Reavis, escreve uma fábula sobre uma escola onde alguns animais padronizam e demandam que todos os outros animais, independentes de sua espécie, participem das mesmas disciplinas, por exemplo: demandam que um peixe cave, ou que o coelho voe, é claro que o resultado é um desastre! Similarmente demandar que alunos de culturas diferentes executem as tarefas da mesma maneira ou assimilem os conteúdos de forma igual os fará fracassar!

Dubet (2004) questiona “o que é uma escola justa?” como fazer uma escola que ofereça oportunidades iguais e justas a todos os alunos quando todos os alunos não são iguais e dessa maneira o que é justo para um aluno pode ser injusto para outro. Compensar as desigualdades é um caminho para a justiça, visto que esta e no sentido de reparação as desigualdades. Porém posta as diversidades de cada aluno, a meritocracia e justiça podem elas andar juntas? Dubet (2004) levanta esta questão, mas não a responde apenas nos deixa refletir e tentar achar uma solução para esta equação.

Para Gomes (2017) educar é resistir; o sujeito deve ser autor e ator de suas vidas e destinos na sociedade, por seguinte, as minorias encontram nos movimentos sociais um caminho para se afirmarem ao mesmo tempo em que encontram meios de educar a so-ciedade, a resistência nunca termina, mas é constante e continua.

É relevante abordar primeiramente que em Brandão (1985), é discutido o poder da palavra, de quem a detém e como ela é usada para libertar ou oprimir os sujeitos. A edu-cação não deve ser algo mecânico e não orgânico, mas uma ação que propicie um ensino público de acesso a todos, que comtemple as camadas populares sem haver exclusão de nenhuma outra camada social. A educação deve ser centrada no povo e não no método como o autor argumenta; uma educação contextualizada onde os saberes dos sujeitos não sejam descartados, desprezados ou nulos, mas que a partir deles se crie uma peda-gogia, libertadora e emancipatória. Uma educação do povo e para o povo onde se ensine e se aprenda uns com os outros, uma educação onde o erudito e o popular aprendam juntos, onde trocam experiências e saberes construindo uma sociedade melhor.

Deixando de lado a cultura de fracasso e destino, das “profecias” condenatórias às camadas sociais pobres e às de vitória e glórias às camadas sociais ricas. Rompendo com tal “determinismo social” se usarmos os conceitos de determinismo biológico e geográ-fico para criar um paralelo. Uma educação popular, libertadora, emancipadora onde os iguais ensinam e aprendem entre si.

Cada vez mais vamos nos tornar um país multicultural, precisamos rever nossos conceitos de educação, escola e como a partir de nossa cultura podemos nos tornar aco-

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lhedores e inclusivos desse caldo cultural que vai se tornar mais plural em nossos dias. É preciso não apenas refletir, mas responder de alguma maneira meu desejo é que seja a mais humana e empática possível.

3- Considerações finais

Este ensaio teve como proposta discutir a cultura e educação pelo viés da educação popular, linguagem e letramentos. Fazendo um apanhado geral e olhando pela perspec-tiva cultural a partir de Laraia (2001), e dos diversos autores aqui dispostos quero fazer algumas considerações:

Etnocentrismos vão aparecer quando pensamos em educação, língua dominante, padrões dominantes, avaliações padronizadas, ensino formal são demonstrações disto.

Relativismo cultural é a chave para podemos pensar numa educação, popular, uni-versal (no sentido que abarque todos e todas independente de sua cultura ou origem).

Endoculturação, é a resistência que aparece nas escolas quando um aluno da classe social pobre ou de alguma minoria oprimida por ser quem é e agir como age, apesar de todos os obstáculos postos pela sociedade e pela escola consegue se libertar e emancipar por meio da educação, da luta e resistência.

Determinismos biológicos (de gênero, por exemplo) e determinismos geográficos (o aluno de tal região do Brasil ou de tal bairro), poderão receber “profecias” a respeito de seu futuro, do que deve ou não estudar e onde deve ou não estar e principalmente do que deve ou não fazer e ser.

Tendo como base os autores das reflexões aqui trazidas e os sujeitos da educação, alunos e professores, todos e todas são conclamados não a viver o determinismo, mas mudar, achar uma maneira um caminho de luta e resistência, até que a escola seja justa, a educação seja para todos e todas. E que a sociedade compreenda e reconheça os seus sujeitos diversos, não inferiores ou superiores apenas diversos e finalmente veja a riqueza coletiva que reside na interação das culturas, das outras pedagogias, dos outros saberes, dos letramentos. O caminho, é longo, é árduo, luta e resistência serão diárias, mas é preci-so começar e nossa ferramenta é a educação, mãos à obra.

Conhecer e ser conhecido, ensinar e ser ensinado, este caminhar transita pelo viés da cultura. Para ensinar faz-se necessário se conhecer, e então se dispor e neste dispor compartilhar os nossos saberes. Em contrapartida, conhecer o outro e se dar a conhecer pelo outro e seus saberes, observar não apenas a partir de nós, mas também e necessaria-mente a partir do outro. Uma vez que se entende isto o processo de educar e ser educado

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se torna não apenas prazeroso, fértil, plural, porém infinitamente mais rico.

Finalmente a proposta foi levar o leitor a ver com as “lentes” da cultura a educação, a educação popular, a linguagem e os letramentos como autores e atores de diálogos para a construção de uma educação justa e para todos e todas.

Refêrencias

ARROYO, Miguel G. Outros sujeitos, Outras Pedagogias / Miguel g. Arroyo. 2ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes 2014.

BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 1972.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Maria Alice Nogueira/ Afrânio Catani (organizadores). 9 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

__________________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação popular? Editora e Livraria Brasiliense, Tatuapé, São Paulo – SP: 1ª edição 2006. Coleção Primeiros Passos. 1ª edição e Book, 2017.

__________________. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 2007.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf . Acesso em 06 de Julho de 2018.

DUBET, François. O que é uma escola justa? Cad. Pesqui, São Paulo: v. 34, n. 123, p. 539-555, Dec. 2004 Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742004000300002&l-ng=en&nrm=iso. Acesso em 06 de Julho de 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª, ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987

GOMES, Nilma Lino. O movimento Negro Educador: saberes construídos na luta pela emancipação. Petrópolis – RJ: vozes, 2017.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

MOLL, Jaqueline. Educação de Jovens e Adultos. Projetos Práticos e Pedagógicos. Porto Alegre: Mediação, 2004.

REAVIS, George, H.; The Animal School. Peterborough, New Hampshire: Crystal Springs Books. 1999.

ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo? Brasília: Brasiliense, 1989.

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SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. Belo Horizonte: Editora Ática, (1987- 1995).

STREET, B. Perspectivas interculturais sobre letramento. Revista Filologia e linguística portuguesa. São Paulo: N. 8, 2006. Disponível em http://www.revistas.usp.br/flp/article/view/59767 Acessado em 15 de Junho de 2018.

TYLOR, Edward, Primitive Cultures. Londres: John Mursay & Co. 1871. 2002.

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PIXAÇÃO: Letramento em uma Perspectiva

Intercultural1

OLIVEIRA, Ingrid Janini Ramos2

PROENÇA, Klisman Borges3

PERES, Selma Martines4

Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar a Pixação em uma pers-pectiva de letramento intercultural, o que essa prática representa no meio social, a inten-ção desse ato pelos grupo e as práticas do sujeito. O estudo pautou-se numa abordagem bibliográfica. Para esse texto, fundamento em autores como Street (2008), Soares (1986) e Freire (1984), para discutir sobre o letramento social intercultural, e Mittmann (2012), Silva (2007) e Felisette (2006) para tratar a Pixação. A partir desse estudo podemos compreen-der a pixação como forma de letramento social, haja vista que não são meras palavras aleatórias, mas formas de representação de um grupo, uma forma de comunicação e inte-ração entre/com outros grupos. E por fim, essa representação é compreendida a partir do viés sócio-cultural, pois um grupo de pessoas compartilham de identidades, vocabulário, regras, valores e práticas, ou seja, é possível observar características que definem como práticas de letramento em uma perspectiva intercultural.

Palavras-chave: Letramento Intercultural. Letramento. Pixação.

1 Texto elaborado para a disciplina Educação Popular: fundamentos e práticas do Programa em Pós-graduação/PPGEDUC/UFG/RC. Ofertada pela linha de pesquisa Leitura, Educação e Ensino de Língua Materna e Ciências da Natureza pela Profa. Dra. Maria Zenaide Alves.

2 UFG/RC, Mestranda em Educação – PPGEDUC. Contato: [email protected]

3 UFG/RC, Graduando em Letras-Português – UAELL.Contato:[email protected]

4 UFG/RC, Professora Doutora – UAEE/PPGEDUC. Contato: [email protected]

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Introdução

Não é raro encontrar pelas cidades muros ou prédios pixados. Grandes metrópoles tem o seu cenário tomado por essa representação. No entanto, a pichação/pixação ainda é uma prática marginalizada, diferente do graffiti, que já é compreendido pela socieda-de e pela mídia a partir de um viés artístico. Mas, quando se fala em pichação ou graffiti, tendemos a compará-las ou associar ambas as práticas. Contudo, existem vários aspectos que as diferenciam. O presente trabalho trará elementos que contribuem para uma me-lhor compreensão em relação a prática de pixação.

Para tal, buscamos abordar aspectos que caracterizam a pixação como prática, des-tacando pontos de singularidades, com a prática do graffiti. Apresentaremos assim, ele-mentos que definem tais práticas, que envolvem toda a habilidade para execução do pixo, e a convivência em grupo, como prática de letramento numa perspectiva intercultural social.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apresentar a pixação em uma perspectiva de letramento intercultural, comentando-o que essa prática representa no meio social, a intenção desse ato por determinados grupos e as práticas dos sujeitos que compõem o grupo. O estudo pautou-se numa abordagem teórico-conceitual, cujo suporte foram livros e artigos que tratam da temática que compõem esse artigo. Dessa forma, o traba-lho embase-se em autores como Street (2008), Soares (1986) e Freire (1984), para funda-mentar sobre o letramento social intercultural, e Mittmann (2012), Silva (2007) e Felisette (2006) que contribuem para a discussão sobre pixação.

O artigo está organizado da seguinte maneira: de início tratamos sobre o Letramento em uma Perspectiva Intercultural. Em sequência discorreremos sobre Pixação, onde os que perpassa questões, que não se restringem a decodificação de palavras, mas envolve sujeitos, grupos e regras. E por fim, a percepção da pixação enquanto prática de letramen-to num contexto sócio-cultural.

1. Letramento em uma perspectiva intercultural

Referindo-se a letramento, é importante ressaltar, segundo Street (2008), que pre-cisamos ser cuidadosos numa abordagem que se refere ao letramento. O autor sugere, que é melhor adotar a expressão práticas de letramento do que de letramento em si, pois existem diversas formas de representarmos o uso de significados de ler e escrever em diferentes contextos sociais. Segundo o autor é enganoso pensar numa coisa única e cha-mar de letramento. E além disso, Street (2008, p.484) afirma que:

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Antes de tudo, precisamos primeiramente clarificar e refinar conceitos de letra-mento, abandonar o grande divisor entre “letramento” e “iletramento” e, em vez disso, estudar as práticas de letramento em contextos culturais e ideológicos diversos. Em segundo lugar, temos de começar onde as pessoas estão, compre-ender os significados e usos culturais das práticas de letramento e traçar pro-gramas e campanhas com base nelas em vez de com base em nossas próprias suposições culturais acerca do letramento.

Mas essa definição de letramento ainda é pouco reconhecida, pois infelizmente ainda pode-se perceber uma separação de pessoas consideradas letradas e outras não, e ao olharmos o letramento numa perspectiva social e cultural, podemos notar que o letramento não se baseia somente num modelo padrão, pois se letramento refere-se ao conhecimento de mundo, um determinado grupo tem seu conhecimento de mundo de sua cultura, que para eles é uma prática comum, para outros pode causar estranhamento, e por não familiarizarmos com o letramento que se tem domínio, acaba que nomeamos como letramento inadequado. Segundo Street (2008, p.472):

Quando outros letramentos são reconhecidos, como, por exemplo, nas práticas de letramento associadas as crianças pequenas ou a diferentes classes ou gru-pos étnicos, eles são apresentados como inadequados ou tentativas falhas de alcançar o letramento próprio da cultura dominante [...] e são concebidos como culturalmente desprovidos. Dentro do campo da linguística já se reconheceu claramente que existe uma grande variedade de formas de língua – dialetos, registros, crioulos, etc. – e que o padrão é, ele também, apenas mais uma “va-riedade”.

Ou seja, não podemos nominar uma única forma de letramento, ela acontece de maneira diversificada. Street (2008) define essas práticas de letramento como uma forma de construção de identidade da pessoa. Mas essa construção de identidade ocorre por meio do contexto social ou grupo em que está inserida. Um exemplo, de que trata este artigo, são as práticas dos pichadores, indivíduos que fazem parte de um grupo, onde se desenvolve habilidades, comunicação por códigos, uma relação de grupo que envolve hierarquia e regras. No que se refere às práticas de letramento, Street (2008, p. 470) afirma que,

A idéia de que as práticas de letramento são constitutivas de identidades forne-ce-nos uma base diferente – e eu argumentaria: mais construtiva – para compre-ender e comparar as práticas de letramento em diferentes culturas, alternativa à ênfase corrente numa simples dicotomia letramento/iletramento, em necessi-dades educacionais como inevitavelmente endêmicas ao letramento e no tipo de letramento associado com uma pequena subcultura acadêmica, com sua ên-fase no texto ensaístico e na identidade típica a ele associada.

Street nos leva a refletir, sobre as práticas de letramento expressas em diferentes culturas, sendo que, é notório perceber as habilidades que os sujeitos têm a determina-

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dos assuntos ou práticas. O autor reforça a ideia de que as pessoas não são tábuas rasas. E partindo por esse pressuposto, podemos aprender com tais culturas e grupos, de modo a direcionar nosso olhar mais em conhecer e aprender do que em julgar e discriminar.

Para Soares (1986, p.24) “[...] é a estrutura social que gera diferentes códigos linguís-ticos, esses códigos transmitem a cultura, e assim determinam comportamentos e modos de ver e de pensar”. Ou seja, é a partir do grupo, o meio social em que a pessoa está inse-rida, que essas características específicas são expressas pelos sujeitos participantes des-te grupo. Um exemplo são as diferentes nacionalidades, existem diversas características que faz de cada país diferente do outro como, a língua, cultura e outros. Segundo Soares (1986, p. 16) “O papel central atribuído à linguagem numa e noutra ideologia explica-se por sua fundamental importância no contexto cultural: a linguagem é, ao mesmo tempo, o principal produto da cultura, e é o principal instrumento para sua transmissão.”

Por fim, pensar a prática de letramento nos remete a Paulo Freire (1984), em seu artigo A importância do ato de ler (1984), que traz a maneira como foi alfabetizado, mo-mento em que podemos ver claramente a prática de letramento, ainda que este termo (letramento) não tivesse sido cunhado pelos especialistas. “Fui alfabetizado no chão do quintal de casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.” (FREIRE, 1984, p. 16). Podemos notar que o meio social e o ambiente em que ele vivia possibilitou à ele um conhecimento de mundo, um letramento. Ou seja, não existe um único meio para se obter letramento, o lugar em que vivemos ou o grupo que estamos inseridos, agrega diariamente suas práticas de letramento, o conhecimento ali gerado, e expressos nos su-jeitos que faz parte dele.

2. Pichação/pixação

Para iniciarmos esse assunto é importante abordar a diferença entre pichação/pixa-ção e graffiti, que para Leite (2015) essa é uma discussão que acontece somente no Brasil, pois em outros países essa distinção não ocorre, ambas são categorizadas como arte ur-bana. O Graffiti de uma forma geral, é constituído por meio de um projeto onde o autor dispõe de uma elaboração formal, que consiste na maioria dos casos, a autorização para o meio artístico, pois de acordo com a Lei nº. 12.408, - o qual traremos mais detalhando nesta discussão -, costa somente a prática de pichar como crime, e a de grafitar não. Ou seja, tornando a pratica de grafitar como autorizado. E neste caso, o grafite tem ganhado espaço no meio urbano. Para realização deste projeto o artista dispõe de estilo próprio onde a variação das cores é um fator importante para a finalização da arte. O que difere

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do processo de pichação, que é marginalizado socialmente. E de modo geral, o grafite pri-vilegia o desenho, enquanto a pichação/pixação engloba a palavra e a escrita. (Mittmann, 2012). Para uma melhor compreensão das diferenças em tais práticas apresentamos as seguintes imagens:

Figura 1 - Graffiti

Fonte: Site Brasil Escola5

Figura 2 – Pixação

Fonte: Site Uma Pera6

5 Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/artes/grafite.htm> acesso em 06 de jul. 2018.

6 Disponível em: <https://medium.com/umapera/quer-saber-como-funciona-a-pichacao- d866a3387c8bc>acesso em 07 de jul. 2018.

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Essa diferença que ocorre nos conceitos da pichação/pixação se dá pela forma onde à prática é inserida socialmente, a forma de protesto que antes era essencial a pixação, cede lugar a uma hierarquização dos grupos e dos indivíduos. E nessa transição o picha-dor não busca mais o protesto como base para a prática, mas o reconhecimento, não só dos integrantes do grupo ao qual pertence como também dos outros grupos, diferente do graffiti onde o artista busca a mais variadas formas de expressão. Para alcançar este pa-tamar o pichador deve possuir o seu codinome espalhados por diversos locais e ter uma variação de escrita, ou seja, ter seu codinome escrito de forma própria o maior número de vezes, mas escrever ainda não é o bastante. Outro fator que é de suma importância é a periculosidade da prática do pixo, quão maior a audácia do pichador maior a fama que ele recebe. (FELISETTE, 2006). Nesse sentido, destacamos que, neste artigo trabalhamos com a pixação numa perspectiva de letramento intercultural, em que os sujeitos trazem consigo práticas de letramento a partir da vivência da pixação. Como há uma distinção entre grafitar e pixar, iremos comentar especificamente a prática de pixação.

Segundo Saraiva Junior (2012), a aceitação no Brasil dessas práticas se diferencia dos demais países. O autor afirma que a Lei nº. 12.408 que foi sancionada no dia 25 de maio de 2011, foi uma tentativa de combater o problema urbano que a pichação/pixação se tornou no Brasil, no entanto, não diminuiu as pichações com o passar dos anos.

A Lei nº. 12.408 assinala que:

Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1º Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa.

§ 2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão com-petente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patri-mônio histórico e artístico nacional. (BRASIL, 2011).

Podemos observar, que como no Brasil há uma distinção entre grafitar e pichar, na lei não é diferente, nota-se que são definidos como práticas diferentes, grafitar deixa de ser um crime, no entanto, pichar ainda é uma prática criminosa de acordo com a lei.

Segundo Mittmann (2012, p.38), “a pichação chega à cidade de São Paulo no final da década de 1970 e início de 1980 pelas mãos de poetas da classe média. Surge como uma forma de expressão, de “publicação” e de experimento para um grupo de “intelec-tuais” ligados às vanguardas artísticas [...]”. Nota-se que a um primeiro momento o ato de

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pichar tinha uma característica de publicação, o autor afirma que pode-se compreender esse movimento inicial da pichação paulista como uma (in)surgente expressão inserida dentro de uma poética urbana. No entanto, essa configuração muda com o tempo, con-forme apresenta Mittmann (2012, p.39)

[...] transmuta-se, nos anos de 1990, a uma escrita que configura-se em uma prá-tica egóica e territorial. Nessa nova conformação da pichação paulistana o que importa é marcar o nome/apelido. Marcar/escrever como recorrência, preferen-cialmente nos espaços mais visíveis, que inquestionavelmente estão no centro da cidade. A pichação passa a ser uma prática que movimenta os seus atores das distantes periferias ao centro, ou aos vários centros da cidade, para escrever sua tag.

Entendemos que a definição de pichação/pixação compreende escritas em muros, fachadas de edificações e outros, no entanto, com o decorrer do tempo houve novas con-figurações nesse ato que possibilitam-nos percebê-la também como uma prática de ma-nifestação de grupos específicos. A esse respeito, Mittmann (2012, p. 32) afirma que,

Podemos entender a pichação de forma genérica como toda e qualquer grafia aplicada de maneira não autorizada nos mais variados espaços públicos. Mas, dentro deste amplo espectro de pichações (letras, palavras, frases, desenhos, signos diversos), encontramos uma espécie particular de pichação, a qual, para diferenciar-se das demais maneiras de escrita não autorizada, os próprios “pixa-dores” adotaram a grafia de “pixação”.

Observa-se que a nomenclatura muda, isto é, aquelas realizadas por grupos se es-creve com “x” “Pixação”, como afirma o autor. Esta expressão é adotada por eles mesmos, para ser uma forma de diferenciar das pichações por indivíduos em particular. Essa distin-ção de prática dentro do próprio ato de pichar ou pixar, é uma forma de reforçar o papel da escrita enquanto

elemento distintivo, sendo que o sujeito que faz parte do grupo de pixação, faz par-te de uma rede de grupos que muitas vezes estão em disputas. Segundo Felisette (2006, p.120) “Essa disputa entre grupos é intensa e estrutura-se no que se entende como ibope, que acaba refletindo para as demais camadas da sociedade, o que ocorre talvez adquiri-rem outros possíveis sentidos a essa prática.” Mittmann (2012) afirma, que ter ibope é ser popular entre os pichadores, e o autor diz que a pichação é um movimento de escrita para os próprios atores desse movimento. “É um código-território fechado: o pichador marca, apropria-se de um espaço físico, entretanto essa comunicação circula apenas entre os demais pichadores. Para quem não “pixa” é só ruído” (MITTMANN, 2012, p. 26).

E esses grupos acabam por apropriar-se de um espaço que é alheio ao seu. Felisette (2006) aponta que esse ato é uma apropriação de um espaço desafiado, que a princípio não é seu, no entanto, em consequência, com sua escrita, torna-se dos grupos que dele se

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apropriam. Para compreendermos melhor, o autor afirma que,

No caso da pichação, pode-se entender que se estabelece muito mais em um código fechado e que tem como principal alvo, a ocupação de lugares estra-tégicos e de importante significado para a cultura dominante [...] a eles, não interessa a legitimidade de sua letra para a cultura dominante, e sim, o sentido expresso da ressignificação do espaço por eles territorializado. (FELISETTE, 2006, p. 128)

E não basta apenas apropriarem do espaço pichado, tem que ser o melhor lugar. E com o que já foi dito até o momento, pode-se compreender o porquê da escolha dos lugares mais inusitados, e isso envolve toda uma estratégia de grupo, - um subir nas cos-tas do outro ou ser apoio para pessoa -, para concluírem com o desafio de alcançarem o melhor lugar para pichar. Para Silva (2007, p. 21) “[...] os suportes são os mais variados possíveis, dos topos dos prédios a monumentos, museus, inclusive espaços da cidade onde o suporte contenha valor histórico ou cultural”. Há uma competição por espaço e são considerados os melhores os que são realizados sob condições de alta dificuldade. Segundo Mittmann (2012, p.28),

O sujeito, que sai às ruas para aplicar sua caligrafia marginal, quer ser conhecido e reconhecido pelos seus pares, e para que esse reconhecimento seja efetivado é necessário que seu “pixo” esteja decalcado nos lugares mais abstrusos. Não tardou para que o topo dos prédios de grandes centros urbanos configurasse como o território de interesse privilegiado desses escritores.

Contudo, Silva (2007, p.22) lembra que, “Esse tipo de atitude causa indignação nas pessoas, que não entendem o que está sendo feito, pois não conseguem ler as letras e ainda por cima, concluem que por não serem autorizadas, as letras estão sujando aquele lugar, portanto, constroem uma imagem negativa da pichação”. Não obstante, a prática de pichar traz consigo significações do sujeito, do grupo em que está inserido, o ato que envolve desde a prática de pichar, o conhecimento de todo o alfabeto específico do gru-po e as regras. Ou seja, como afirma Felisette (2006, p.116) “A letra reflete sua cultura, é parte da sua identidade”.

2.1. Linguagem e escrita dos pixos

Segundo Mittmann (2012), a pichação/pixação pode ser compreendida como uma escrita urbana, um registro, uma linguagem, presente no espaço público. Para Felisette (2006, p.115) “Por mais que possa ser vista enquanto marginal e dissonante tal linguagem, comprova-se um alto grau de organização na raiz de sua prática, e de como são bem ela-boradas suas regras e códigos de atuação”. Ou seja, não se pode considerar tais escritas como rabiscos, elas têm significações, no entanto, é um sistema de signos onde os grupos

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se comunicam entre eles.

Para Silva (2007), este tipo de escrita tem como objetivo gerar status (ibope), reco-nhecimento, para o indivíduo ou grupo, por exemplo, pichar um lugar de difícil acesso e grande visibilidade, fará com que eles sejam reconhecido entre os demais grupos. O autor afirma ainda que a estética é algo secundário para o pichador, eles focam na tipografia, das quais costumam ser simples, próximo a símbolos.

Para compreendermos essas escritas, precisamos entender algumas nomenclatu-ras utilizadas entre esses grupos, que são diversas, no entanto, trazemos apenas duas que são as principais, Tag e Grife. Tag é a assinatura do pichador a sua identidade, enquanto o grife é o nome do grupo a que o pichador está inserido. Silva (2007, p. 33) diz que, “As grifes de pichadores são os agrupamento de pichadores e marcadas pelos logotipos, sím-bolos e pseudônimos de seus integrantes”. Ou seja, o pichador faz o grife e deixa sua tag. Completando a citação anterior, “As grifes [...] também, servem para defender os pichado-res de outras grifes “inimigas”, pois um dos maiores erros que um pichador pode cometer é “atropelar” a pichação de outra grife, ter a sua pichação atropelada é uma grande ofen-sa”. (PEREIRA apud SILVA, 2007). O que o autor refere-se em atropelar, é fazer uma pixação em cima da outra, é como se um quisesse tomar espaço do outro, por esse motivo que há conflitos entre os grupos de pixação. Com a intenção de se diferenciarem, os grupos buscam desenhos próprios para as letras, para que além dos grife eles possam ter suas próprias letras que passa a ser uma característica do grupo. (SILVA, 2007)

São diversas a letras usadas, e como foi dito anteriormente, existem letras especí-ficas de cada grupo, no entanto, apresentamos uma, que é a mais comum, usada entre os pichadores, que é a Tag Reto, que segundo Silva (2007) é caracterizada por letras retas, alongadas e pontiagudas, essa letra é inspirada pelas capas de disco de músicas de punk e rock da década de 90.

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Figura 3 - Tag Reto

Fonte: Site Intellecta Design7

Ao observarmos as letras, nota-se que envolve uma habilidade e a postura do pi-chador, para executar o grife. Segundo Silva (2007, p.38),

Focando o discurso no produto tipográfico dos pichadores de grifes pode-se afirmar que a forma das letras das pichações tem estreita relação como o movi-mento do corpo dos pichadores [...] Portanto as letras acabam sendo orgânicas, como extensão do corpo do pichador e a forma reta das letras sofrem essa in-fluência gestual por serem desenhadas rápidas e muitas vezes em condições de pouco equilíbrio.

Evidencia-se, portanto, que essa prática envolve tanto a prática de executar os es-critos, quanto a agilidade em fazer em menos tempo, e o porquê de não serem tão ela-boradas quanto o grafite, e por fim, podemos ressaltar também toda uma nomenclatura de comunicação, desenvolvida em grupo, e a coletividade na execução do objetivo, de pichar, envolvendo também a relação ou disputas de grupos, nas quais ambas tem a mes-ma finalidade em seu ato.

7 Disponível em: <http://intellectadesign.blogspot.com/2007/03/gustavo-lassala-entra-no-mercad o.html> acesso em 06 de jul. 2018.

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2.2. Pixação em uma perspectiva de Letramento Intercultural

Street (2008) define que as práticas de letramento são a construção de identidade da pessoa. Felisette (2006) afirma que, a letra (pichações) reflete sua cultura, é parte da sua identidade. Ou seja, podemos ver claramente esse ato como uma prática cultural. No que se refere a uma cultura de um determinado grupo, Laraira, (2001, p.81) afirma que, “[...] deve existir um mínimo de participação do indivíduo na pauta de conhecimento da cultura a fim de permitir a sua articulação com os demais membros. Todos necessitam saber como agir em determinadas situações, [...]”. É notório que, dentro do grupo, espe-cificamente de Pixadores, como já foi abordado anteriormente, os indivíduos que fazem parte do grupo, compartilham de uma mesma identidade, vocabulário, regras, valores e práticas. Ou seja, eles devem ter conhecimento de como funciona para fazerem parte do grupo, assumir uma identidade que compõe essa prática. E a habilidade nas quais os sujeitos se apropriam, Street (2008), define como prática de letramento.

No entanto, essa prática nos faz refletir sobre sua marginalização, de acordo com a seguinte citação:

Da família passamos para a escola, onde aprendemos como escrever, o que escrever, onde sentar, como sentar e ainda: quando sentar e quando escre-ver. Depois a fábrica, às vezes o hospital e eventualmente a prisão. O governo dos homens se dá por entre espaços fechados, passamos sempre de um lugar ao outro, o poder se dá no esquadrinhamento do espaço (FOUCAULT apud MITTMANN, 2012, p.42)

Pode-se notar que, essa prática traz consigo uma certa manifestação, pensando a inserção do indivíduo em meio propriedade cultural da pixação e a marginalização dessa cultura é notável que há um deslocamento identitário do indivíduo. No que relaciona os ideais e as motivações que levam a prática do pixo, esse deslocamento da realidade socioeconômica para uma condição de pixador, em que o respeito, que não ocorre pelo meio da moral e dos bons costumes, segundo o senso comum, é o fator que leva ascen-são e reconhecimento do pichador. Sendo assim, o que leva o Pichador ao centro de gran-des cidades não é apenas uma questão de Ibope/Status, mas uma busca de identidade, que começa bem antes da inserção da prática de pixo, começa no berço do problema, a desigualdade social.

De modo geral, a pixação por ter características especificas em sua escrita, que para a maioria das pessoas é de difícil compreensão, como afirma Junior (2012, p.30) demar-ca “[...] o resultado de uma cultura determinada e uma linguagem pictórica que possui seus códigos, convenções e técnicas de produção”, por não termos uma compreensão dessa linguagem pictórica acaba que passa despercebido ou visto de maneira equivoca. Segundo Rojo (2012), essa prática é uma resposta à gritante desigualdade social e acaba

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que eles são incompreendidos por desconhecerem a motivação que os leva a essa práti-ca. São tidos como marginais, vândalos e excluídos da sociedade.

Considerações Finais

Pixação, uma prática conhecida, mas não reconhecida. Os sujeitos que fazem parte de grupos e praticam esse ato são tachados de marginais, e ocorre que generalizam essa prática sem conhecerem suas especificidades, ou podemos dizer, peculiaridade. O pre-sente trabalho buscou abordar e pontuar vários aspectos que caracterizam essa prática, especificamente executadas por grupos de pixadores, compreendendo-a na perspectiva do letramento. É desconhecida o real significado dessa prática, e os sujeitos que a pra-ticam. Nestes termos, os sujeitos são interpretados como pessoas “atoas” que saem du-rante a noite para fazer arruaça. Contudo, ao longo desse artigo, pode-se perceber que existe uma hierarquia, uma disputa entre grupos, e além disso, um sentido no que fazem. Ademais, é importante ressaltar a organização dos grupos, a própria questão da desigual-dade social, que os leva a buscar visibilidade e reconhecimento, através da pixação, que acaba sendo uma forma de manifestação a partir de sua prática e na busca de identidade individual e/ou coletiva.

Assim, podemos concluir que as reflexões aqui propostas trazem considerações significativas da pixação como forma de letramento social, pois não são meras palavras aleatórias, são formas de representação de um determinado grupo, de se comunicarem entre si e das várias habilidades, na execução do pixo, articulando a escrita com o curto prazo de tempo. E por fim, essa representação é de caráter cultural, pois um grupo de pes-soas compartilham na busca pela identidade, vocabulário, regras, valores e práticas, ou seja, características essas que definem como práticas de letramento em uma perspectiva intercultural.

Referências

BRASIL. Lei nº 12.408, de 25 de Maio de 2011. Altera o art. 65 da Lei nº 9.605, de 12 de fev. de 1998, para descriminalizar o ato de grafitar, e dispõe sobre publicação a proibição de comerciali-zação de tintas em embalagens aerossol para menores de 18 (dezoito) anos. Lex: Diário Oficial da União, Seção 01, p. 01, 26 de maio de 2011.

FELISETTE, Marcos Corrêa de Mello. Pichação: escrita, tipografia e voz de uma cultura na cidade de São Paulo no século XXI. 2006. 261 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2006.

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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1984.

JUNIOR, Sergio de Lima Saraiva. O Grafite como Prática Espacial: A produção do grafite para além da imagem. Dissertação (mestrado) Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 2012.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2001.

LEITE, L. P. Narrativas urbanas, Grafite e Pós-modernidade. Dissertação (mestrado em Psicologia Social). Instituto de Psicologia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.

MITTMANN, Daniel. O sujeito pixador: tensões acerca da prática da pichação paulista. 2012. 124 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 2012.

ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

SILVA, Gustavo Lassala. Os tipos gráficos da pichação: desdobramentos visuais. 2007. 85 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo, Ática, 1986.

STREET, Brian. Perspectivas interculturais sobre letramento. Revista Filologia e linguística por-tuguesa. São Paulo: N. 8, 2008.

Imagens

Figura 1 – Grafite. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/artes/grafite.htm> acesso em 06 de jul. 2018.

Figura 2 – Pixação. Disponível em: <https://medium.com/umapera/quer-saber-como-funciona-a-pichacao-d866a387c8bc> acesso em 07 de jul. 2018.

Figura 3 - Tag Reto. Disponível em: <http://intellectadesign.blogspot.com/2007/03/Gustavo-entra-no-mercado.html> acesso em 06 de jul. 2018.

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ATÉ QUANDO? UMA MÚSICA E SEU POTENCIAL EDUCATIVO NAS METODOLOGIAS DE TRABALHO COM JOVENS

Michela Augusta de Moraes e Sousa1

Maria Zenaide Alves2

“Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá. (...) Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente”

(Gabriel, o Pensador)

Resumo: Este artigo tem por objetivo mostrar que o jovem de classe popular so-mente será reconhecido como “sujeito” ativo e criativo na sociedade, se a escola utilizar suas práticas pedagógicas e curriculares de forma consciente e coerente com essa pers-pectiva. Através de reflexões dos temas que envolvem os desafios das classes popula-res presentes na música “Até Quando?” de Gabriel, o Pensador, contemplada no material de apoio ao professor da disciplina Projeto de Vida dos Centros de Ensino em Período Integral de Ensino Médio do Estado de Goiás e da análise crítica deste material, buscamos discutir sobre a importância da escola enquanto condutora dos projetos de vida dos jo-vens nela inseridos. Tomamos como referencial, os teóricos que estudam as questões das juventudes, das culturas juvenis e dos projetos de vida como fio condutor de proposições que orientem um currículo que dialogue com as necessidades e interesses dos jovens dentro da escola.

Palavras-chave: Juventude – Projeto de Vida – Classes Populares

1 Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Informática na Educação pela Universidade Federal de Lavras-MG, em Tecnologias em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-RJ e em Gestão da Educação Pública pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG. Discente do Programa de Pós-Graduação em Educação – UFG-Regional Catalão. Docente da Rede Estadual de Ensino de Goiás. E-mail: [email protected].

2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (Campus Catalão). Coordenadora do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação e Desenvolvimento do Campo (NEPCampo). Membro do programa Observatório da Juventude da UFMG.. E-mail: [email protected].

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Introdução:

A música está presente no dia a dia dos brasileiros, independente da sua idade, clas-se social, grau de escolaridade e/ou localização geográfica. No Brasil existem variados es-tilos musicais, de origens diversas e cujas influências podem afetar diferentes grupos. Um exemplo disso é o rap (rhythm and poetry) traduzido como ritmo e poesia, que, segundo Dayrell (2002), chegou ao Brasil por volta da década de 1970 e, desde então, tem influen-ciado diversos movimentos culturais juvenis. Nos dias atuais, o rap faz parte do cenário musical brasileiro vencendo preconceitos, saindo da periferia e ganhando, aos poucos, destaque na mídia e nas redes sociais, especialmente junto aos jovens.

O rap pode ser entendido como uma música de protesto, pois sua essência se con-substancia em denunciar as injustiças vividas pelas classes populares das periferias das grandes cidades, embora as dificuldades e injustiças presentes nas letras do rap sejam percebidas na realidade do país como um todo, onde a opressão, a violência e as injusti-ças são vivenciadas nas várias esferas sociais.

No meio escolar, o rap está presente no dia a dia dos alunos e tem levado alguns professores a inserir este gênero musical como instrumento para estimular o jovem estu-dante a refletir e debater temas polêmicos e atuais ou introduzir um conteúdo da aula. Mas o poder da música vai além e, especialmente o rap, constrói um caminho de reflexão, um instrumento de insatisfação da juventude e suas lutas por libertação, resistência e afir-mação de identidade. O jovem pobre, da periferia, encontra nessa manifestação cultural terreno fértil para ecoar sua voz e mostrar à sociedade sua consciência de explorado e marginalizado e, além disso, sua disposição para mudança.

Segundo Soares (2017), 66% da população brasileira faz parte de um grupo que se caracteriza por condições sociais e econômicas semelhantes, que a autora define como “classes populares”, pois vivem em condição desfavorecida de sobrevivência, com uma renda igual ou inferior a três salários mínimos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2015). É desse grupo que são oriundos a maioria dos estudantes da escola pública. Mas a escola enxerga a presença do jovem de classe popular, percebe seu grito de liberta-ção e enxerga os anseios dessa classe cantados através da música? Essa escola se constrói pelo povo e com o povo?

Levando em consideração que a escola recebe as várias juventudes e que essas ju-ventudes são constituídas, em sua maioria pelas classes populares, reconhecer sua cultu-ra, entender suas angústias e colaborar na reflexão para solução dos seus desafios é uma tarefa da escola.

A música “Até Quando” de Gabriel o Pensador, é um rap inserido no material de

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apoio ao professor em uma das aulas da Disciplina Projeto de Vida dos CEPIs de ensino médio do estado de Goiás. Analisar a letra da música e como ela se insere dentro dessa disciplina é o foco de discussão neste artigo, atentando-se para a proposta da escola em tempo integral.

O caminho metodológico seguido foi a reflexão sobre a condição do jovem inseri-do dentro do projeto de escola em tempo integral em Goiás e dos objetivos da disciplina Projeto de Vida, seguido de uma breve análise crítica do material didático de apoio ao professor desta disciplina. Utilizamos a letra da música mencionada para refletir sobre a maneira como a escola em tempo integral e a disciplina Projeto de Vida recebem as diver-sidades e procura transformá-las em movimentos de luta para obtenção de uma escola realmente inovadora ou não. Tomaremos como referencial teórico Arroyo (2014), Freire (1994) e Soares (2017) entre outros, fazendo um percurso de análise ligando a música de Gabriel o Pensador, a pedagogia do oprimido, a valorização da cultura popular e a lingua-gem como instrumento de libertação dos jovens das classes populares.

1- O tema juventude e suas abordagens:

O tema Juventude tem sido palco de muitas discussões atuais, isto por que ao lon-go dos anos a juventude vem trazendo inúmeras contribuições na luta pela aceitação e afirmação de muitos movimentos sociais (ABRAMO, 2005). Embora a juventude seja con-siderada como uma categoria social que agrupa sujeitos pertencentes a uma mesma faixa etária, no caso do Brasil entre 15 a 29 anos, de acordo com o Estatuto da Juventude, é preciso estar atento para as várias formas que ela se apresenta. Existem inúmeras reali-dades vivenciadas por esses jovens que podem torná-los diferentes entre si, mesmo con-templados dentro de uma mesma faixa etária ou de um grupo, o que nos faz refletir em diferentes juventudes (CORTI, 2012).

Dayrell (2003) constituiu o jovem como sujeito ativo e criativo na sociedade obser-vando as condições e a cultura juvenis. Segundo ele, o jovem não pode ser visto apenas do ponto de vista teórico, mas como um sujeito que se relaciona e constrói sua identidade dentro da sociedade.

Fato é que, o jovem é o eixo central e o mais importante é enxergá-lo realmente como “sujeito”, como “ator”, com experiências produzidas pelas suas singularidades, di-ficuldades e momentos específicos, mas que fornecem ricas contribuições para os estu-dos e para a construção de uma forma mais humanizada de ver este jovem dentro dos espaços em que se encontra, sejam eles a escola, a igreja, as praças, as ruas, os pontos de diversão ou os movimentos sociais. A forma de viver do jovem é a expressão de seu estilo

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de vida e das características específicas que carrega dentro de um tempo histórico e de sua construção como sujeito dentro de uma sociedade, e compreender este estilo é com-preender a juventude que se desenha a cada dia em nosso país.

2- O jovem como centro do currículo: a disciplina Projeto de Vida. A Escola em Tempo Integral em Goiás (ETI) propõe em seus documentos oficiais, entender o

jovem como sujeito criativo e ativo, através de uma metodologia de trabalho, que não só estende o tempo de permanência do jovem na escola, mas também traz a proposta de ser a escola da escolha. A ETI propõe uma Matriz Curricular dividida entre núcleo comum e núcleo diversificado, onde o jovem tem o contato com componentes curriculares que visam construir nele este intuito de ser um sujeito criativo e ativo dentro da escola, da comunidade e nos vários espaços que ocupa.

Algo que nos indagamos é se essa construção de escola dialoga com as várias condições juve-nis que recebe em seus portões? Sendo uma escola pública criada para alcançar o público das classes populares, essa escola precisa construir processos de educação significativos a essas classes popula-res, com uma metodologia que insira o jovem dentro do contexto escolar respeitando suas escolhas, suas crenças, sua religião, seu gênero, sua condição econômica e social.

Uma das formas que a proposta desta escola encontrou para buscar entender este jovem que adentra o ambiente escolar e tentar alcançá-lo em suas diversidades é através das disciplinas Projeto de Vida e Protagonismo Juvenil. Essas disciplinas foram pensadas para dar abertura ao jovem para se mostrarem ativos e criativos, através de metodologias que visam criar no jovem este movimento de protagonismo. No entanto, neste artigo vamos nos deter apenas a disciplina Projeto de Vida e seu material didático.

Segundo o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE)3, a disciplina Projeto de Vida tem a proposta de “levar o estudante não apenas a despertar sobre os seus sonhos, suas ambições e aquilo que deseja para a sua vida, onde almeja chegar e que pessoa pretende ser, mas a agir sobre tudo isso, ou seja, identificar as etapas a atravessar e mobilizá-lo a pensar nos mecanismos necessá-rios”. A disciplina é aplicada na 1ª e 2ª séries do ensino médio e tem o papel principal de auxiliar o jovem em seus projetos de vida, suas escolhas e aonde ele quer chegar. Alves (2005) argumenta que:

Falar em projetos de vida é mais amplo, porque, além da vida profissional, tam-bém é preciso problematizar outras dimensões da condição humana, como as escolhas afetivas, os projetos coletivos e as orientações subjetivas da vida indi-vidual (ALVES, 2005, p.377).

Isso confirma que, ao trabalhar com um tema de dimensões tão amplas e com im-pacto tão significativo na vida dos jovens estudantes, pressupõe-se que a escola esteja

3 http://icebrasil.org.br ICE: Parceiro da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte responsável pela cria-ção e disponibilização do material de planejamento das aulas da disciplina Projeto de Vida.

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preparada tanto do ponto de vista do seu espaço físico, do material didático de apoio ao profissional, quanto do ponto de vista dos profissionais, que precisam construir seu trabalho com uma sensibilidade capaz de capturar em cada jovem sua heterogeneidade e suas características peculiares, que vão distinguir e definir os caminhos e as escolhas desses jovens.

3- O material de apoio ao planejamento das aulas de Projeto de Vida: a oportunidade dos jovens de classes populares terem voz e vez?

Para servir como parâmetro na orientação do planejamento do professor na exe-cução das aulas da disciplina Projeto de Vida, o ICE disponibiliza à SEDUCE4, um material digitalizado compilado em seiscentos e quarenta e oito páginas (648), estruturado em quarenta (40) aulas para a 1ª série do ensino médio e mais quarenta (40) aulas para a 2ª sé-rie. Segundo o ICE, o objetivo deste material é “oferecer a situação didática idealizada para apoiar o estudante no desenvolvimento da capacidade de planejamento e de execução, fundamentais para transformar suas ambições em projetos muito importantes”.

O material de orientação ao professor é estruturado em um plano de aulas que abrange: 1) o título da aula com ilustrações que denotam o assunto a ser tratado na aula, além de um pequeno resumo introdutório. 2) Um roteiro definindo o tempo ideal para a realização de cada etapa da aula, juntamente com os objetivos e a descrição do material a ser utilizado. 3) Orientações para as atividades práticas relacionadas ao tema detalhando: objetivos, desenvolvimento, comentários e avaliação de cada atividade. 4) Os recursos a serem utilizados na aplicação da metodologia estão disponíveis ao professor em anexo ao final de cada aula, juntamente com uma tarefa a ser realizada pelo aluno em casa.

Na aula 04 deste material do 1º ano do ensino médio que traz como título: “Que lu-gares eu ocupo?”, há a intenção de trabalhar a identidade pessoal e o autoconhecimento do jovem. A aula vem recheada de textos e atividades para serem construídas e mesmo trazendo uma música de resistência e afirmação que permitiria o jovem refletir sobre as várias condições humanas, o plano de aula é carregado de outros conceitos e atividades que somente permitem ao jovem ouvir a música ao final da aula como deleite, sem muito tempo para reflexão, interpretação ou mesmo momento de troca de experiências e cons-cientização.

4 Secretaria de Educação, Cultura e Esporte: Idealizadora do Programa Novo Futuro, responsável pela criação das ETI de ensino médio em Goiás.

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Quando citamos a letra do rap de Gabriel, o Pensador, queremos chamar a atenção ao grito de cada jovem que adentra a escola, “Até quando você vai ficar usando rédea?!/Pobre, rico ou classe média” observando que esse jovem pertence a classes populares que lutam diariamente por seus direitos dentro de uma sociedade que evidencia as diferen-ças de uma forma oportunista e preconceituosa. Nesse sentido, a ETI na perspectiva em que foi arquitetada visando construir um sujeito ativo, precisa dar vez e voz a este jovem, permitindo uma reflexão clara e lúcida dos vários temas abordados na música e que estão diretamente ligados à condição de vida deste jovem dentro e fora da escola.

Segundo Arroyo (2014), quando a escola camufla realidades e deixa de cumprir o seu papel de emancipação e libertação, ela falha em seu propósito. Dessa forma, a disci-plina Projeto de Vida apresenta-se como uma nova pedagogia que tem a pretensão de oportunizar a reflexão do professor junto ao seu jovem aluno, mas que ao construir uma proposta pedagógica de transformação, conforme se projeta a intencionalidade do proje-to de escola em tempo integral do programa Novo Futuro, não leva em consideração uma reflexão mais delongada e aprofundada dos sujeitos que se quer atingir, e consequen-temente, não se preocupa em refletir as realidades e culturas diferentes destes jovens. De acordo com Dayrell (2012), os projetos de vida dos jovens são delineados através da afirmação do ser, da construção de uma identidade e do seu reconhecimento enquanto sujeito social, portanto, ter a sensibilidade de enxergar uma juventude cheia de anseios, indagações e conflitos, precisa estar presente nas discussões e nas orientações da meto-dologia de construção de projetos de vida.

4– Gabriel, o Pensador e a música “Até Quando.

Gabriel, o Pensador é um artista nascido no Rio de Janeiro em 1974. Estreou sua car-reira como rapper em 1992, com a fita demo de “Tô feliz (matei o presidente)”, censurada pelo Ministério da Justiça pouco antes da renúncia do então presidente Collor. Ganhou destaque por criar músicas com letras que evidenciam um canto de resistência, que de-nuncia as desigualdades sociais em várias esferas e criam um chamado para uma movi-mentação da sociedade para questões voltadas as lutas por melhorias de vida (Material do Educador - aulas de projeto de vida -1º e 2º anos do ensino médio).

Segundo Sousa (2011, p. 118) “O rap é um gênero no qual podemos observar a brin-cadeira com a linguagem que sustenta um dizer que é autônomo, contestador, contra-he-gemônico e promotor de um conhecimento mobilizador”. Este conceito fica evidenciado nas letras das músicas de Gabriel, o Pensador especialmente na letra do rap Até Quando? escolhido para reflexão sobre a disciplina Projeto de Vida neste artigo.

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Para facilitar a construção da reflexão, a letra da música se encontra no final do arti-go, em anexo e está numerada em 1, 2, 3, (...) sendo que, cada número corresponde a um verso/linha. O objetivo principal não é analisar o estilo musical, o ritmo ou a sonoridade da canção, nem traçar análises profundas de linguagem, ainda que em algum momento esses subtemas possam estar interligados. O objetivo é mostrar como a letra da canção de uma forma simples e clara traz as principais reflexões para um conhecimento dos lugares que podemos ocupar dentro da sociedade e que na disciplina Projeto de Vida deveriam ser explorados como oportunidade de autoconhecimento.

Uma música que é introduzida como apoio didático dentro de uma aula, para ser utilizada como instrumento a ser amplamente explorado como forma de se reconhecer os vários letramentos existentes dentro do ambiente escolar e as heterogeneidades so-ciais e econômicas do grupo de jovens alunos, precisa ser analisada com mais ênfase para que se possa compreender como instrumentos de libertação podem ser transformados em instrumentos de afirmação de desigualdades.

A música Até Quando? é um rap ainda muito tocado e cantado em movimentos de lutas sociais, manifestações e greves de trabalhadores. Aborda o tema do conformismo e da atitude da população diante dos problemas da sociedade, problemas estes que, mes-mo depois de 18 anos ainda persistem dentro da sociedade atual e especialmente dentro das classes populares de onde se originam a grande maioria dos jovens alunos matricula-dos na disciplina Projeto de Vida.

O título da música já traz uma interrogação: “Até Quando?” e já pressupõe a intenção de sacudir o leitor para sair de uma situação de opressão que o deixa inerte apenas como sujeito receptor de ordem social e propõe que tenha coragem incentivando-o a tomar atitude e inverter a situação (FREIRE, 1994). Essa deveria, justamente, ser o propósito da disciplina Projeto de Vida, fazer com que o jovem questione sua condição. No entanto, ao analisar o material de apoio do professor, podemos iniciar nosso questionamento sobre a forma de trabalhar este material: a escola dá essa oportunidade de questionamento? A escola recebe essa diversidade e dá a ela um lugar de questionar, de resistir e de impor sua identidade?

Entendendo que a palavra traz libertação, conforme Freire (1994), e a linguagem é o principal produto de cultura e instrumento para sua transmissão (SOARES, 2017), ana-lisar uma música de Gabriel o Pensador dentro da disciplina Projeto de Vida deve ser um momento de interpretação da cultura das classes populares, o reconhecimento da lingua-gem enquanto produtora de cultura popular e ainda uma conscientização das minorias pelo seu desejo de luta e libertação.

A música de Gabriel mostra que sair da posição de acomodado não é fácil “Lei do si-

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lêncio, lei do mais fraco /Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco” (linha 37 e 38) e talvez por isso tantos jovens preferem se oprimir dentro de estereótipos impostos pela sociedade e melhor aceitos dentro da escola, do que se mostrar e ir a luta pela afirmação de suas identidades. Nesse ponto, a disciplina Projeto de Vida é um caminho para que o professor enxergue as diferenças, dê espaço para o diálogo, tenha intimidade, e adquira a confiança do jovem com quem lida. Um trabalho que tem de estar acima da pedagogia opressora com a qual o profissional é muitas vezes obrigado a trabalhar.

Gabriel traz a reflexão das tantas ideologias estabelecidas na escola e que supos-tamente fazem com que o jovem ao absorvê-las seja mais aceito na sociedade e conse-quentemente passa a ter mais chances de se dar bem “Você se faz de surdo, não vê que é absurdo” (linha 25). Gabriel chama atenção para o processo de tomada de consciência, para num ato de rebeldia, libertar-se. Essa rebeldia é apenas uma tomada de decisão, o que Freire (1994) denomina conscientização. O que Gabriel propõe quando repete por vá-rias vezes na música: Até quando? É exatamente essa tomada de consciência e o professor que trabalha com a disciplina Projeto de Vida tem de oportunizar seu jovem aluno a ter esse momento de reflexão, para que este possa enfrentar as situações e problematizá-las, buscando as soluções mais viáveis dentro de um campo de possiblidades possíveis, mas de forma consciente e pronto para a luta. O momento de reflexão produz um aprendi-zado para todos que dele participam, e esse aprendizado fortalece e possibilita não só a afirmação pessoal, mas também a afirmação de grupos e a movimentação de luta e resis-tência para reivindicar direitos políticos e sociais.

A letra da música inicia conclamando o ouvinte a se movimentar. Como faz a maio-ria dos ativistas, Gabriel o Pensador, chama o ouvinte a luta usando palavras de ordem que propõem coragem e resistência (linhas 1, 2, 3 – luta/levanta/você pode/deve/crer). Para o jovem estudante, este é um ponto muito importante, por que já o faz se “empo-derar” diante de suas dificuldades. Numa sociedade tão desigual, lutar pela democracia é uma oportunidade de converter vítimas da opressão em atores políticos que constroem a resistência e a luta.

Para Freire (1994, p. 29), “Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mes-mos, superando, assim, sua ‘conivência’ com o regime opressor”. Desta forma, é de suma importância que o professor que ministre a disciplina Projeto de Vida possibilite um diá-logo crítico libertador como os jovens alunos e as primeiras linhas da música já permitem essa reflexão.

Nos versos seguintes (linhas 5 a 20), essa reflexão pode ser aprofundada, pois, a letra enfatiza a posição de sofrimento e opressão enfrentados pelas classes populares fa-

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zendo uma comparação ao sofrimento mudo de Jesus. A pedagogia do oprimido propos-ta por (FREIRE, 1994) ressalta exatamente essa necessidade da prática educativa romper com a forma “bancária” de depositar o aprendizado e buscar o diálogo reflexivo que faz o educando sair da zona de conforto e opressão e se reconhecer como sujeito oprimido que pode ter voz. Arroyo (2014) chama a atenção de como é importante o papel do pro-fessor como educador de sujeitos que carregam vivências de subalternizações buscando aprender com os coletivos diversos e também trazer pedagogias que oportunizem esses sujeitos se reconhecerem e se afirmarem em busca de direitos.

Nas linhas 21 a 53 Gabriel o Pensador introduz uma história real e desumana da vi-vência diária das classes populares (desemprego/prisão/porrada/fracasso) e não há como ouvir ou cantar uma letra tão forte sem se sensibilizar com tamanha crueldade imposta pela sociedade ou ainda tomar os sujeitos nessas condições como inexistentes. Esses são aspectos fundamentais de serem problematizados quando se fala em projetos de vida...

Quando a letra da música diz: “Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá (...) Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente”, fica marcado a impor-tância e a urgência da escola olhar para as peculiaridades e particularidades do sujeito, para o jovem que adentra a escola cheio de saberes, valores, culturas e compreender que esses jovens podem acrescentar muito à sociedade e mobilizar a mudança que não só esta necessita, mas também, a escola como espaço de construção de mudanças inserida na comunidade deste jovem.

Conclusão:

Ser uma escola inovadora vai além de propor uma política pública através da ins-tituição de uma lei que cria espaços escolares com o objetivo de formar indivíduos autô-nomos, solidários e competentes por meio de formação escolar de excelência. Ser uma escola inovadora é muito mais amplo, pois, tem de alcançar as particularidades dos alu-nos jovens que adentram esta escola, e isso só é minimamente possível se observados os vários aspectos do ponto de vista das relações humanas.

A proposta de uma escola em tempo integral com foco nas escolhas e nos projetos de vida dos alunos construídos a partir da disciplina Projeto de Vida é um desafio árduo, mas permite ao professor adentrar na esfera das relações e construir um caminho que pode vislumbrar a transformação. Porém, é necessário um olhar crítico para toda a orga-nização desta escola, iniciando pelo material de apoio ao planejamento proposto para o professor desta disciplina e perpassando pelo perfil deste profissional que ministra tal disciplina, além de todo o conjunto de práticas pedagógicas e demais profissionais da

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escola. Utilizar um material didático sem oportunizar a reflexão da realidade, só promo-verá as diferenças e evidenciará as desigualdades. Ter em sala de aula um professor que não possui a sensibilidade de enxergar os caminhos que o conduzem a uma pedagogia opressora, trará entraves no crescimento do jovem como sujeito ativo. Da mesma forma, uma escola em tempo integral que não insira o aluno respeitando suas diversidades e diferenças não conseguirá alcançar o que se propõe.

Este exercício preliminar de análise da letra da música de Gabriel o Pensador é ape-nas um exemplo de como um material didático pode promover o debate e a reflexão de questões que são determinantes para a libertação do jovem de sua condição de opressão dentro de vários espaços, inclusive da escola. Ao mesmo tempo em que, este mesmo material se não utilizado nessa perspectiva pode apenas reproduzir desigualdades e con-tinuar impondo uma pedagogia tradicional e sem novidade que, somente deposita um conhecimento pouco reflexivo e pouco aproveitável na construção dos projetos de vida reais do jovem estudante.

Referências:

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ARROYO, Miguel G. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

CADERNOS TEMÁTICOS: JUVENTUDE BRASILEIRA E ENSINO MÉDIO / Licinia Maria Correa, Maria Zenaide Alves, Carla Linhares Maia, organizadoras. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

CORTI, Ana Paula. Diálogos com o mundo juvenil: subsídios para educadores / Ana Paula Corti e Raquel Souza. 2ª ed. São Paulo: Ação Educativa, 2012.

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DAYRELL, Juarez. Pedagogia da juventude. A escola precisa reconhecer o jovem por trás do aluno e adaptar a ele seus processos educativos. In: http://www.ondajovem.com.br/acervo/1/pedago-gia-da-juventude. 02/07/2018.

DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. In: http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbedu/n24/n24a04.pdf . 02/07/2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

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LARAIA, Roque de Barros, Cultura, um conceito antropológico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

MATERIAL DO EDUCADOR - AULAS DE PROJETO DE VIDA -1º e 2º ANOS DO ENSINO MÉDIO – ICE – 1ª ed. 2016.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social.18ª ed. São Paulo: Contexto, 2017.

SOUZA, Ana Lúcia Silva. Letramentos de resistência: poesia, grafite, música, dança: hip-hop. São Paulo: Parábola editorial, 2011.

http://icebrasil.org.br/. 09/06/2018.

http://portal.seduc.go.gov.br/Paginas/Superintencias%20e%20Gerencias%20de%20Ensino/Programa-Novo-Futuro.aspx. 09/06/2018 https://viaparole.wordpress.com/2009/10/06/analise-do-discurso-na-letra-da-musica-ate-quando-de-gabriel-o-pensador/ . 09/06/2018

Anexo 01: Até Quando (Gabriel, o Pensador)

1. Não adianta olhar pro céu

2. Com muita fé e pouca luta

3. Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer

4. E muita greve, você pode, você deve, pode crer

5. Não adianta olhar pro chão

6. Virar a cara pra não ver

7. Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus

8. Sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer!

9. Até quando você vai ficar usando rédea?!

10. Rindo da própria tragédia

11. Até quando você vai ficar usando rédea?!

12. Pobre, rico ou classe média

13. Até quando você vai levar cascudo mudo?

14. Muda, muda essa postura

15. Até quando você vai ficando mudo?

16. muda que o medo é um modo de fazer censura

17. Até quando você vai levando? (Porrada! Porrada!!)

18. Até quando vai ficar sem fazer nada?

19. Até quando você vai levando? (Porrada! Porrada!!)

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148 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

20. Até quando vai ser saco de pancada?

21. Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente

22. O seu filho sem escola, seu velho tá sem dente

23. Cê tenta ser contente e não vê que é revoltante

24. Você tá sem emprego e a sua filha tá gestante

25. Você se faz de surdo, não vê que é absurdo

26. Você que é inocente foi preso em flagrante!

27. É tudo flagrante! É tudo flagrante!!

28. A polícia

29. Matou o estudante

30. Falou que era bandido

31. Chamou de traficante!

32. A justiça

33. Prendeu o pé-rapado

34. Soltou o deputado

35. E absolveu os PMs de Vigário!

36. A polícia só existe pra manter você na lei

37. Lei do silêncio, lei do mais fraco

38. Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco

39. A programação existe pra manter você na frente

40. Na frente da TV, que é pra te entreter

41. Que é pra você não ver que o programado é você!

42. Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar

43. O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar

44. E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado, que eu saiba falar

45. Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá

46. Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar

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47. Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar

48. Não peço arrego, mas onde que eu chego se eu fico no mesmo lugar?

49. Brinquedo que o filho me pede, não tenho dinheiro pra dar!

50. Escola! Esmola!

51. Favela, cadeia!

52. Sem terra, enterra!

53. Sem renda, se renda! Não! Não!!

54. Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente

55. A gente muda o mundo na mudança da mente

56. E quando a mente muda a gente anda pra frente

57. E quando a gente manda ninguém manda na gente!

58. Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura

59. Na mudança de postura a gente fica mais seguro

60. Na mudança do presente a gente molda o futuro!

61. Até quando você vai ficar levando porrada,

62. até quando vai ficar sem fazer nada

63. Até quando você vai ficar de saco de pancada?

64. Até quando?

Fonte: (https://www.letras.mus.br/gabriel-pensador/30449/ )

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 151

INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SEM DEFICIÊNCIA EM ESCOLAS

E COMUNIDADES RURAIS - DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Rafaela Aparecida Silva Ferreira Diniz1

Dulcéria Tartuci2

Jóice Macedo Vinhal3

Resumo: Com base nos direitos culturais e sociais dos povos do campo, este tra-balho visa apresentar a análise acerca da inclusão desses sujeitos no processo de esco-larização, bem como descrever os desafios e perspectivas das vivências no campo, de estudantes com e sem deficiência, de escolas rurais de um município do sudeste goiano. Foi realizado um levantamento de matrículas nas escolas rurais do município lócus da pesquisa no ano de 2017 e a análise de questionários e entrevistas realizadas com os estudantes do campo. Os resultados demonstram baixo número de alunos matriculados nas escolas rurais, o que indica a falta de acesso dos povos no campo ao processo de escolarização. Em relação à vida no campo, verificamos os benefícios e os desafios para manutenção e permanência em comunidades rurais. É relevante ampliar o debate sobre a educação do campo como direito, uma educação que vá ao encontro das especificidades desses sujeitos.

Palavras-chave: Estudantes do Campo. Educação do Campo. Acesso. Inclusão.

1 Graduada em Educação do Campo pela Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão (UFG-RC). Unidade Acadêmica Especial de Educação. Membro integrante do Núcleo de Pesquisa em Práticas Educativas e Inclusão (NEPPEIn). Contato: [email protected].

2 Professora Adjunta da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão (UFG-RC). Unidade Acadêmica Especial de Educação UFG/RC, Programa de Pós-Graduação em Educação e Líder do NEPPEIn. Contato: [email protected].

3 Mestranda pela Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão, Unidade Acadêmica Especial Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDUC), Membro integrante do NEPPEIn, bolsista Capes. Contato: [email protected].

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Introdução

Este trabalho é resultado da pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) na área de Educação, durante o perío-do de Agosto de 2017 à Julho de 2018 e está vinculado ao projeto de pesquisa “Sujeitos, Diretrizes Políticas, Formação Docente e Práticas de Educação Especial e Inclusão Escolar em Goiás”, cujo parecer do Comitê de Ética é o de nº 2.016.997, que se encontra ao final do trabalho.

O objetivo desta pesquisa descrever e analisar a realidade e os desafios da educa-ção escolar rural na perspectiva de manutenção e permanência das pessoas com e sem deficiência no campo a partir das vozes desses sujeitos, mais especificamente analisar a educação escolar vivenciada pelos estudantes com e sem deficiência de escolas rurais.

A pesquisa possui cunho qualitativo e é de caráter exploratório. Como procedimen-to de pesquisa foram realizadas 6 entrevistas com os estudantes do campo, e houve a aplicação de questionário aos estudantes de 7º ao 9º ano das escolas selecionadas.

1 – Desenvolvimento

Para muitos pode parecer uma mera falácia as discussões sobre as políticas afirma-tivas e o direito dos estudantes do campo e se opõe a partir do discurso da meritocracia, entretanto é considerável e relevante a discussão dos direitos sociais, culturais e educa-cionais dos povos do campo em geral. Se considerarmos que a produção agrícola campo-nesa e a agricultura familiar garantem o sustento das famílias rurais e urbanas do país, não é possível que não acreditemos na importância de garantir a permanência e manutenção desses sujeitos que tanto fazem por todos nós.

Educação do Campo compreende os processos culturais, as estratégias de socia-lização e as relações de trabalho vividas pelos sujeitos do campo em suas lutas cotidianas para manterem essa identidade como elementos essenciais de seu processo formativo. O acesso ao conhecimento e a garantia do direito à escola-rização para os sujeitos do campo fazem parte dessas lutas (MOLINA; FREITAS, 2011, p. 19).

Conforme as autoras acima mencionadas, a Educação do Campo ganha força a par-tir da luta de movimentos sociais de cunho rural, entretanto, uma vez que ampliamos esse debate através dos resultados de pesquisas que são apresentados nas universidades e eventos acadêmicos, estamos fortalecendo e contribuindo na luta desses sujeitos.

Em relação a relevância de políticas e avanços que norteiam a Educação do Campo, Molina e Freitas (2011) dizem que:

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A existência de uma base legal para o Estado implementar novas ações e pro-gramas educacionais para os sujeitos do campo repõe o debate sobre a univer-salidade do direito à educação e a necessária observância das singularidades e particularidades nas quais esta se materializa. Quando em decorrência da luta social, esses direitos passam a se materializar em políticas públicas específicas de Educação do Campo, o argumento jurídico que sustenta a legitimidade des-sas políticas é exatamente o fato de caber ao Estado a obrigação de considerar as consequências decorrentes de diferenças e desigualdades históricas quanto ao acesso a tais direitos (MOLINA; FREITAS, 2011, p. 21).

Ainda que existam políticas que torne obrigatória a implementação de tais estra-tégias, o que se tem presenciado a nível municipal, estadual e federal, é o fechamento de escolas rurais que implicam diretamente na exclusão educacional e social dos povos do campo, acarretando na migração desses sujeitos para o meio urbano.

É possível apontar ainda as políticas de formação de educadores na perspectiva rural, no sentido de fornecer uma educação que possa, de fato, considerar as especificida-des desses sujeitos, e para isso, é necessário investimento na área da formação docente para atender os diversos grupos de sujeitos do campo, assim é importante que esta for-mação ultrapasse os valores acadêmicos e vá ao encontro de questões como a construção de identidade, cultura e sociedade.

Deste modo, é fundamental refletir e articular na busca pela garantia de políticas de formação de educadores e educadores do campo, para cada vez mais assegurar a quali-dade do ensino, atendendo às especificidades como cultura, identidade e tradição desses povos.

Em contraposição à essas políticas generalizadoras que, comumente, são ordena-das à educação, é que os movimentos sociais buscam políticas que responda às suas es-pecificidades e “defendem políticas de formação assumidas pelo Estado, permanentes” (ARROYO, 2007).

As lutas dos movimentos sociais e sindicais do campo, no Brasil, conquista-ram programas de educação para os camponeses, entre os quais se destacam: o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o Programa Saberes da Terra e o Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo). Embora esses programas enfrentem dificuldades em sua execução –especialmente no que diz respeito à quantidade e à morosidade na liberação dos recursos para efetivação das ações que apoiam –, eles constituem-se em práticas concretas de parte das concepções da Educação do Campo (MOLINA; FREITAS, 2011, p.23).

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2 – Metodologia

A pesquisa é pautada pela abordagem qualitativa e tem um caráter exploratório. Uma vez que constatado que as escolas rurais atualmente em funcionamento no muni-cípio lócus da pesquisa são de cunho municipal, selecionamos duas escolas nas quais a pesquisa foi realizada. Assim, após a seleção de duas escolas rurais do sudeste goiano, nomeadas neste trabalho de Escola A e Escola B, iniciamos os procedimentos de coleta de dados.

A Escola A tem funcionamento matutino, atende cerca de 64 estudantes, desde o nível de Educação Infantil ao Ensino fundamental II, e dentre estes estudantes há dois com deficiência intelectual, dos quais apenas um possui laudo médico. E a Escola B fun-cionamento no período vespertino, atendendo à 70 estudantes, desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental II, e dentre esse número há três estudantes com deficiência in-telectual, sendo que apenas dois alunos possuem laudo médico. Ambas as escolas estão localizadas a cerca de 35 km do município lócus da pesquisa.

Para coleta de dados utilizamos dois procedimentos, a aplicação de questionário com os alunos das turmas do 7° ao 9° do Ensino Fundamental II das duas escolas, e reali-zação de entrevista semiestruturada com 3 estudantes de cada umas destas. Ao todo, par-ticiparam quarenta estudantes, sendo vinte alunos da Escola A e vinte alunos da Escola B. No quadro 1 segue a caracterização destes participantes da pesquisa. Todos os quarenta estudantes participaram da pesquisa respondendo aos questionários.

Quadro 1: Caracterização dos estudantes participantes da pesquisa.

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras, a partir de dados coletados nos questionários (2018).

Deste total de alunos, foram selecionados três estudantes para serem entrevista-dos, sendo eles: um estudante do 8º Ano e dois estudantes do 9º Ano. As entrevistas fo-ram gravadas em um aparelho de celular Moto G5, posteriormente foram transcritas na forma textual e a análise das mesmas foram pautadas na abordagem discursiva.

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3 – Resultados da pesquisa e discussões

As análises estão organizadas da seguinte forma: primeiramente apresentaremos a análise dos questionários e das entrevistas, por meio das vozes de alunos sobre os aspec-tos da educação escolar vivenciada por eles, posteriormente apontaremos que retratam suas vidas no campo, os desafios e as perspectivas para permanência na zona rural.

3.1 – Educação Escolar de Estudantes com e sem deficiência do Campo

A partir da análise referente aos dados obtidos através dos questionários é possível apontar alguns aspectos que podem levar a compreensão da variação do número de ma-trículas dos alunos nas escolas do campo. Vejamos no Quadro 2, a opinião dos estudantes em relação à escola rural, mediante respostas dos questionários:

Quadro 2: Perspectivas de estudantes do campo sobre a escola rural.

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras, a partir de dados coletados nos questionários (2018).

Conforme podemos verificar nas respostas dos alunos, a maioria considera que uma das grandes vantagens de estudar no campo é quantidade de alunos por sala, pois possibilita uma maior aprendizagem e viabiliza uma maior atenção por parte dos profes-sores. Vejamos a fala de alguns alunos, mediante respostas dos questionários:

“As vantagens é que tem poucos alunos é tipo aula particular e também a tranqui-lidade.”

“Como eu estudo aqui desde pequena acho mais legal que na cidade, é mais calmo que na cidade, acho que aqui as pessoas se respeitam mais. Os professores dão mais atenção pelo fato de ter menos alunos, se eu pudesse eu terminava os estudos aqui.”

Os discursos dos alunos dizem que a disponibilidade do professor em acompanhar cada estudante de forma individual é uma característica de aproximação e mediação da aprendizagem, e ressaltam outras qualidades de se viver no campo como a tranquilidade

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e a aproximação com a natureza possam ser condições que façam com que a escola do campo se diferencie das escolas urbanas.

Em relação aos desafios e dificuldades, os alunos consideraram, em sua maioria, que a forma de deslocamento e as condições climáticas são os maiores empecilhos para que cheguem até a escola.

No que diz respeito ao tempo gasto para chegar até a escola, foi possível verificar uma questão bastante relevante, dos vinte alunos participantes da Escola A, oito disse-ram gastar menos de uma hora, e nove gastam até uma hora três mencionaram gastar mais que duas horas para chegar ate a escola. Em relação a Escola B, dos vinte alunos que responderam ao questionário, quatorze alunos gastam até trinta minutos, cinco alunos gastam até uma hora e apenas um aluno gasta mais de uma hora para se deslocar até a escola.

Entendemos que essa variação de respostas em relação ao tempo de deslocamen-to se deve ao fato de que a Escola B está localizada dentro de uma comunidade rural, a comunidade em questão é formada por várias casas onde residem muitas famílias. Já a Escola A está localizada ao lado de uma propriedade rural particular, os estudantes que ali frequentam, são moradores das mais diversas fazendas e comunidades da região, por isso os alunos levam mais tempo para chegar até a escola, o que pode até mesmo impactar na qualidade da aprendizagem desses sujeitos. Vejamos o que alguns alunos responderam nos questionários, em relação ao horário que sai de casa:

“Eu acordo 5 horas e escovo os dentes e tomo café e vou para o ponto para pegar o ônibus.”

“Eu acordo 05:15 e saio de casa às 05:50 para vim para a escola.”

“Eu levanto 5:00 da manhã, venho para a escola e fico com sono.”

Como podemos ver, os relatos revelam que esses alunos levam entre uma a duas horas para chegarem a escola, e que se contarmos o período que ficam na escola e voltam para casa, esse processo pode durar até oito horas e meia, por dia, o que pode ser tornar cansativo para esses adolescentes.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN) nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) prevê:

Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de en-sino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I - Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

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II - Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III - Adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).

Embora a legislação indique adaptações para atender a população rural, o que ob-servamos é que a escola na área rural não apresenta organização ou horário distinto das escolas urbanas, assim como não há adequação em relação a calendário ou condições climáticas, o que pode ser confirmada nos dizeres dos alunos sobre as condições de des-locamento para a escola. Nesta direção, buscamos compreender a vida escolar dos alu-nos com deficiência, em especial como eles são vistos e se as escolas se adaptaram para atendê-los.

3.2 – Os Estudantes com deficiência na escola do Campo

Dentre os quarenta alunos participantes da pesquisa, trinta e três responderam que em suas escolas tem ao menos um aluno com deficiência, três responderam que não tem aluno com deficiência e quatro responderam que não sabiam. E ao serem indagados se a escola estava adaptada para atender esses alunos, oito responderam que sim, dezessete disseram que não e dezesseis não sabiam responder.

Ao serem questionados sobre ter algum tipo de deficiência, todos os alunos parti-cipantes da pesquisa, tanto da Escola A como da Escola B, afirmaram não terem nenhum tipo de deficiência, mas dados obtidos nas escolas, indicam que os alunos com deficiência estão cursando uma das séries cujos questionários foram aplicados, o que sugere que nem os estudantes com deficiência se veem como uma pessoa com deficiência, e ainda que alguns alunos não sabem identificar que o colega é uma pessoa com deficiência.

Outra questão relevante do Quadro 2, é que ao responderem se consideram a esco-la adaptada a atender os estudantes com deficiência, ao analisarmos os dados, apuramos que 42,5% dos estudantes disseram que suas escolas não estão adaptadas, 20% disseram que suas escolas estão sim adaptadas a atender esses estudantes e 37,5% não souberam responder. Como podemos visualizar a seguir:

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Quadro 3: Opinião dos estudantes com e sem deficiência sobre adaptação da escola para atender os estudantes com deficiência.

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras, a partir de dados coletados nos questionários (2018).

Alguns alunos fazem relação direta entre a existência de um professor de apoio ao atendimento dos estudantes com deficiência, o que sugere que em suas concepções es-ses sujeitos só irão desenvolver alguma aprendizagem mediante a presença de um profis-sional específico para o atendimento deste aluno. Há uma crença de que o estudante com deficiência é aluno do professor de apoio, o que já é apresentado em várias pesquisas que discutem a inclusão de alunos com deficiência.

De acordo com a legislação regulamentada para o estado de Goiás, o serviço do pro-fissional de apoio a inclusão, deve ser de um professor com formação na área da Educação Especial, está previsto no item VIII da Resolução N. 07, de 2006 do CEE do estado de Goiás:

§ 1º O professor de apoio das escolas em processo de inclusão deve atuar em sala de aula, atendendo alunos com necessidades especiais que necessitem de apoios ou serviços intensos e contínuos para o acompanhamento das ativida-des curriculares;

§ 2º O professor de apoio das escolas inclusivas deve atuar de forma integrada com o professor regente da sala de aula à qual está lotado, participando ativa-mente do planejamento e de todas as atividades desenvolvidas nas séries de sua atuação (GOIÁS, 2006).

Mediante a isso, acreditamos que o professor de apoio deve estabelecer uma rela-ção direta e trabalhar em parceria com o professor regente pois, os alunos com deficiên-cia são alunos de uma série escolar e não somente do professor de apoio, embora não só os estudantes, mas também os próprios professores regentes deixem a responsabilidade de ensino para este professor.

Ainda que garantido por lei, nas duas escolas onde a pesquisa foi realizada, não há presença de nenhum profissional de apoio à inclusão, outra questão que os estudantes mencionaram é que a estrutura física da escola não está adaptada para os mais variados tipos de deficiência, e esse é um fator que poderia impedir a presença desses sujeitos no âmbito escolar.

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Observamos que as justificativas apontadas para a escola estar apta a atender esses sujeitos, são justamente as condições de ensino na instituição, por tratar-se de salas de aula composta por um baixo número de alunos, e os professores disponibilizarem uma atenção maior aos alunos, como já mencionado anteriormente nesse trabalho, os estu-dantes acreditam que a escola pode garantir a aprendizagem desses estudantes, pois se-gundo eles os professores são bons e pacientes.

Afirmaram ainda que os alunos com deficiência se desenvolvem melhor nessas ati-vidades, em termos de socialização, do que nas atividades de conteúdo escolar, ou seja, mais uma vez conforme já apontado em outras pesquisas, os estudantes com deficiência matriculados no ensino regular são vistos como aqueles que participam e se envolvem em atividades festivas da escola, o que propicia a socialização a despeito da escolarização, não estamos dizendo que a socialização não seja importante, entretanto acreditamos que a escola deve garantir o mínimo de aprendizagem a todos os estudantes, com e sem de-ficiência.

3.3 – Vida no Campo na concepção dos estudantes

Visto que a vivência social e cultural dos povos do campo em geral, se distingue das vivências na zona urbana, na presente categoria descreveremos e analisaremos, as reali-dades apontadas pelos estudantes, em relação à vida no campo. Vejamos inicialmente as atividades que esses sujeitos desenvolvem após chegarem da escola.

Quadro 4: Atividades desenvolvidas no campo pelos estudantes.

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras, a partir de dados coletados nos questionários (2018).

Conforme os dados do Quadro 4, verificamos que os estudantes desenvolvem os mais diversos tipos de atividades, no eixo 1, 70% dos estudantes mencionaram realizar alguma atividade doméstica, o que atualmente parece não ser muito comum em áreas

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zona urbanas.

No eixo 2, ao citarem as atividades relacionadas ao lazer, observamos que normal-mente são as mesmas atividades desenvolvidas por adolescentes da zona urbana, com exceção de andar a cavalo, que não é uma atividade frequente na cidade. Em relação ao eixo 3, 50% dos alunos disseram que realizam alguma atividade escolar, como tarefas de casa ou estudam para as provas.

Dentre as atividades citadas no eixo 4, trazem relatos de atividades como o trabalho campo, porém ao serem indagados sobre trabalho, 60% dos estudantes dizem não traba-lhar, isso nos faz crer que na concepção dos alunos o trabalho está diretamente vinculado às atividades com remuneração financeira, contudo sabemos que quando esses estudan-tes ajudam seus pais na lida com as atividades do campo, os mesmos estão exercendo atividades remuneradas.

Mediante aferido pelos questionários, bem como pelas entrevistas, a maioria dos estudantes e suas famílias praticam atividades de agricultura familiar, o trabalho é reali-zado por membros da família sem contratação de mão-de-obra externa, isso faz com que os estudantes de alguma maneira possam auxiliar seus pais nesse processo e desenvol-ver habilidades culturais do meio onde vivem. Nesta direção, o Parecer N.º: 36/2001 que trata das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo aponta que o campo é “mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana” (BRASIL, 2001, p. 1). Todavia, são vários os desafios vivenciados para manutenção e permanência da vida no campo, vejamos o que os estudantes dizem a respeito no quadro abaixo:

Quadro 5: Desafios e dificuldades de viver no campo.

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras, a partir de dados coletados nos questionários (2018).

De acordo com o eixo 1, 90% dos estudantes disseram que a falta de serviços bási-

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cos de saúde nas comunidades rurais faz com que suas famílias tenham que se deslocar do meio rural para serem atendidos na zona urbana e isso contribui para a evasão desses povos para a zona urbana.

Se unirmos o eixo 1 ao eixo 2, veremos que esse fator se agrava, uma vez que os meios de transportes e as estradas são inevitáveis para o deslocamento do meio rural, para o meio urbano, entretanto não é só o acesso à saúde que fazem com que esses su-jeitos tenham que ir para a cidade, mas também conforme citado no Eixo 4, a busca por alimentos que não são produzidos no campo, a falta de comércio em geral.

Diante das análises realizadas do eixo 3 do Quadro 5, algo bastante interessante nos chamou a atenção, 50% dos estudantes que justificaram suas respostas ressaltando que vida no campo é ruim por não terem amigos por perto. E eles acreditam que o ambiente escolar é um dos principais ambientes de interação social dos adolescentes do campo.

Para além das dificuldades acima mencionadas, os estudantes ainda disseram que, desafios como a falta de internet, falta de energia elétrica e a falta de emprego acarretam na migração desses povos para a zona urbana.

3.4 – Perspectiva de vida: trajetórias escolares e profissionais.

Por fim, descreveremos na presente categoria a concepção dos estudantes em rela-ção à relevância do processo de escolarização e suas perspectivas para o futuro, uma vez que a escola tende a ser um ambiente enriquecedor onde os alunos possam ampliar seus conhecimentos.

Quadro 6: Continuidade aos estudos.

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras, a partir de dados coletados nos questionários (2018).

Ao serem questionados se pretendiam continuar seus estudos após concluírem o Ensino Fundamental II, no eixo 1 do Quadro 6, veremos que as respostas dos estudantes estão pautadas na necessidade de conquistarem um bom emprego, os estudantes fazem uma relação direta entre os estudos e a empregabilidade, visto que o atualmente o mer-cado de trabalho encontra-se cada vez mais exigente em relação a formação escolar.

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No eixo 2 do Quadro 6 os estudantes afirmam a intenção de dar continuidade aos estudos em razão da pretensão de conquistar um bom emprego, afirmaram que a partir dos estudos será possível proporcionar uma melhor qualidade de vida a seus pais.

Visto isso, é possível dizer que apesar de se tratar de adolescentes, a compreensão e concepção desses estudantes é fruto de uma sociedade capitalista, que de forma transpa-rente impõe o todo tempo uma formação pautada na profissionalização para o mercado de trabalho.

Conclusão

Diante da pesquisa realizada foram apontados como impedimento para participa-ção e permanência de estudantes na escola, a falta de escolas rurais e principalmente a falta de transporte que atendam as especificidades dos estudantes com e sem deficiên-cia, em relação aos estudantes com deficiência, percebemos principalmente a ausência de profissionais minimamente capacitados para oferecer um serviço humanizado a essas pessoas que não conseguem ter acesso a seus direitos.

Observamos ainda, que mesmo que a pessoa com deficiência tem acesso à escola na comunidade onde mora, os serviços ofertados nas escolas não são os garantidos por lei, como por exemplo, a presença de profissionais de apoio à inclusão, e até mesmo a construção de uma infraestrutura física e a existência de materiais didáticos que atendam as especificidades desses sujeitos, e que, mesmo assim, a aprendizagem escolar é vista como espaço de socialização e não como um ambiente de promoção do desenvolvimen-to cognitivo.

A partir da análise dos dados podemos apontar que os estudantes do campo em sua maioria consideram que as escolas rurais são boas e se destacam pela qualidade de ensino, entretanto aos estudantes com deficiência foi visto que nas duas escolas não há nenhuma especificidade que possam atendê-los.

Ainda que existam desafios no processo de escolarização desses estudantes, con-forme foi verificado nas respostas dos questionários e mencionado nas entrevistas, os estudantes em geral dizem gostar de estudar nas escolas rurais e relatam que já estão sofrendo por saberem que ao concluir a etapa final do Ensino Fundamental, terão que se deslocar para as escolas da zona urbana se quiserem dar continuidade aos estudos.

Com relação à vida no campo, observamos que os estudantes destacaram que as vantagens são significativas, pois muitas vezes aquele ambiente faz parte do processo cultural que vivenciaram desde o nascimento. Os estudantes salientaram que o campo é um ambiente mais tranquilo e seguro, onde a natureza se faz presente e a fauna e a flora

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local contribuem para o bem-estar e a qualidade de vida. É de suma importância a afirma-ção dos estudantes em relação as possibilidades de produção de alimentos e a sustenta-bilidade que o campo pode fornecer.

Por fim, problematizamos a partir dessa pesquisa o debate a cerca da relevância da manutenção e investimento nas escolas rurais, que se apresentam como ambiente tão importante na formação para a vida dos sujeitos do campo. Visto que a educação é, pra além de tudo, um processo de transformação social, uma vez que esses povos lutam incansavelmente por políticas públicas que garantam esse direito, por meios de escolas rurais que possuam uma boa estrutura física e ensino de qualidade.

Referências

ARROYO, M. G. Políticas de Formação de Educadores (as) do Campo. Cad. CEDES. vol.27, nº.72. Campinas Mai/Ago. 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei No. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/ legislações>. Acesso: 21 mar. 2011.

______. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC, 2008a. Disponível em: <http://peei.mec.gov.br/arquivos/politi-ca_nacional_educacao_especial.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017.

_____. Referências Para Uma Política Nacional de Educação do Campo - Caderno de Subsídios. MEC/Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo. Brasília, 2003.

______. Resolução CNE/SEB Nº 1, de 03 de abril de 2002. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Brasília-DF: CNE/SEB, 2002.

______. Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica. Resolução n° 2, de 11 de setembro de 2001. Brasília: MEC/SEESP, 2001

______. Parecer N.º: 36/2001. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Brasília-DF: CNE/SEB, 2001.

GOIÁS. Resolução CEE N. 07 de 15/12/2006. Estabelece Normas e Parâmetros para a Educação Inclusiva e Educação Especial no Sistema Educativo de Goiás. Conselho Estadual de Educação de Goiás. 2006.

MOLINA, M. C.; FREITAS, H. C. de A. Educação do Campo. Em Aberto / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília, v. 24, n. 85, p. 1-177, abr. 2011.

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POLÍTICAS EDUCACIONAIS INCLUSIVAS DO IF GOIANO NO CONTEXTO DA LEI 13.409/16

Higor Heyder da Costa Pinto1

Dulcéria Tartuci2

Resumo: A partir da teoria histórico-cultural, propõe-se realizar uma análise das políticas educacionais inclusivas no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Goiano. Atualmente, os Institutos Federais possuem sedes em todas as 27 unidades da federação, com diversos Campi e, de fato, tem contribuído para uma menor concentração das atividades de ensino em território nacional, contudo é necessário garantir o direito humano à educação e promover a inclusão escolar do público alvo da educação especial. A promulgação da lei 13.409/16, que institui reserva de vagas para pessoas com deficiên-cia nessas instituições, requer reflexões sobre as políticas inclusivas nessas instituições. Nessa perspectiva, o trabalho analisa o regulamento para a educação inclusiva e edu-cação especial no âmbito do IF Goiano e realiza a discussão com a literatura da área de inclusão na perspectiva vigotskiana.

Palavras-chave: Instituto Federal Goiano. Políticas. Inclusão.

Apresentação

Este trabalho está vinculado à pesquisa “Sujeitos, Diretrizes Políticas, Formação Docente e Práticas de Educação Especial e Inclusão em Goiás”, desenvolvida por pesquisa-dores do Núcleo de Pesquisa em Práticas Educativas e Inclusão (NEPPEIN) já aprovada no comitê de ética, parecer nº 2.016.997 e se propõe a discutir o regulamento de educação

1 Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão – UFG/RC, Unidade Acadêmica de Educação e Instituto Federal Goiano - IFGO. Contato: [email protected]

2 Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão – UFG/RC, Unidade Acadêmica de Educação. Contato: [email protected]

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inclusiva e educação especial no âmbito do IF Goiano3 com autores da área de inclusão escolar, tais como Duarte, Martins, Vigotski, entre outros.

Inicialmente foi realizado o levantamento e a sistematização de dados que indicam o contexto educacional4 da instituição, além do referido regulamento aprovado em 02 de maio de 2017 e, em diálogo com autores da área realiza-se uma análise desse regulamento.

A pequisa é de grande relevância para a compreensão da execução das políticas públicas voltadas para a educação especial e inclusão no âmbito federal e no IF Goiano e, enquanto servidor da Instituição, espero contribuir com as práticas educativas inclusivas, amparado na legislação em âmbito nacional e nas reflexões propostas na perspectiva vigotskiana.

O Instituto Federal Goiano foi criado no ano de 2008 a partir da lei 11.892/08 que institui a criação dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia em âmbito na-cional e caracteriza-se pela oferta de educação profissional e tecnológica nas modalida-des concomitante e subsequente, ensino técnico integrado ao nível médio, graduação e pós-graduação profissional.

Atualmente, o IF Goiano possui 12 campi no estado de Goiás, dos quais 6 deles são Campi Avançados ou em implantação e, portanto, tem se observado um aumento no número de matrículas nos últimos anos, segundo dados da Pró-reitoria de Ensino da ins-tituição, há um total de 10.330 estudantes matriculados em toda a rede no ano de 2017, nos níveis de educação técnica integrada ao ensino médio, técnica subsequente e conco-mitante, superior e pós-graduação.

O artigo está estruturado nas seguintes sessões: Introdução, Referencial teórico-metodológico, Resultados e Discussão e Considerações Finais.

1 – Referencial teórico-metodológico

Em uma perspectiva de pesquisa na área de educação, vários são os vieses possíveis de análise do psiquismo humano e seu processo de desenvolvimento e apropriação do conhecimento, por isso, é necessário haver clareza a respeito deles sob o risco de se uti-lizar como base teórica concepções conflitantes. REGO (2014) elenca três das quais con-sidera as principais concepções do desenvolvimento humano, inatista, ambientalista e sociointeracionista5.

3 Resolução nº 019/2017

4 Quantidade de campi no estado, número de matrículas em cada campus e em cada nível de ensino.

5 Também chamada de histórico-cultural

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A concepção inatista parte do pressuposto que todo ser humano já nasce com as suas capacidades básicas prontas ou com o seu potencial de desenvolvimento, ou seja, nessa perspectiva o ambiente, a cultura, o espaço geográfico em que o indivíduo nasça não são preponderantes em seu desenvolvimento cognitivo e cada um se desenvolverá a partir das capacidades que já possui desde o nascimento, nessa perspectiva, a educa-ção não consegue superar as diferenças, pois a premissa é a de que alguns nascem com capacidades e potencialidades em diferentes áreas melhores que outros, assim retira-se o papel preponderante do professor, uma vez que o sucesso ou fracasso do aluno depende apenas de suas aptidões ou dons inatos.

Em contrapartida, a concepção ambientalista considera que o indivíduo nasce como uma “folha em branco” e o ambiente é que vai ser preponderante para o desenvol-vimento cognitivo da criança, ou seja, a partir dos estímulos externos do meio cultural em que aquele ser humano vive é que se desenvolverão as suas aptidões ou talentos. Essa concepção foi bastante utilizada pela pedagogia tradicional e educação tecnicista, ao conceber que a escola, a partir do seu ambiente pode “moldar” o indivíduo para que assuma uma posição na sociedade de produção capitalista.

A concepção sociointeracionista, proposta por Lev Vigotski, pressupõe uma inte-ração dialética em relação ao desenvolvimento do psiquismo humano, concebe que o indivíduo apreende os valores e conhecimentos a partir do contexto sociocultural que está inserido, mas no processo de internalização ocorre a transformação do conhecimen-to por parte do indivíduo que posteriormente irá intervir em seu meio, para Vigotski, a sociedade se desenvolve e se transforma a partir do conhecimento acumulado no tempo histórico, que é apreendido pelos indivíduos através da cultura, e na intervenção do ho-mem em seu meio. OLIVEIRA (1992, p. 104) identifica na teoria vigotskiana dois aspectos que podem ser considerados universais, considera o cérebro como um sistema flexível, aberto, adaptável ao contexto sociocultural em que o indivíduo está inserido, mantendo as estruturas físicas do órgão, o outro aspecto é sobre o papel determinante da cultura na constituição do indivíduo tal como ele é. VIGOTSKI (2011) considera o Homem enquanto ser biológico e social, contudo aponta que a formação das funções psicológicas superio-res está sob maior influência do social que o biológico.

[...]A palavra social, aplicada à nossa disciplina, possui um importante signifi-cado. Antes de mais nada, em seu sentido mais amplo, essa palavra indica que tudo o que é cultural é social. A cultura também é produto da vida em sociedade e da atividade social do homem e, por isso, a própria colocação do problema do desenvolvimento cultural já nos introduz diretamente no plano social do desen-volvimento. Além disso, seria possível apontar para o fato de que o signo locali-zado fora do organismo, assim como o instrumento, está separado do indivíduo e consiste, em essência, num órgão da sociedade ou num meio social. Ademais, poderíamos dizer que todas as funções superiores formaram-se não na biologia

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nem na história da filogênese pura – esse mecanismo, que se encontra na base das funções psíquicas superiores, tem sua matriz no social. Poderíamos indicar o resultado fundamental a que nos conduz a história do desenvolvimento cul-tural da criança como a sociogênese das formas superiores de comportamento. (Vigotski, 2011, p.867)

A abordagem da teoria histórico-cultural no campo da educação preconiza um pa-pel de grande relevância ao professor, que é o mediador entre o conhecimento cultural produzido historicamente e a internalização desses conhecimentos por parte do estu-dante, dessa forma, há uma intencionalidade na prática do professor já que as funções psicológicas superiores6 não são inatas e sim desenvolvidas em um processo de internali-zação, transformação do conhecimento e intervenção no meio cultural por parte do indi-víduo que transforma o meio e assim transformatambém a si mesmo. “Agora o educador começa a compreender que, ao entrar na cultura, a criança não apenas toma algo dela, adquire algo, incute em si algo de fora, mas também a própria cultura reelabora todo o comportamento natural da criança e refaz de modo novo todo o curso do desenvolvi-mento” . (Vigotski 2011, p. 866).

A diferenciação entre as funções psicológicas elementares e superiores se eviden-cia na resposta do indivíduo ao meio, enquanto ser biológico, o homem reage instin-tivamente e de modo imediato aos estímulos do meio, por isso não há uma distinção clara nesse aspecto entre o Homem e os animais. Somente enquanto ser social, o Homem desenvolve as funções psicológicas superiores, pois se apropria do conhecimento cons-truído culturalmente, como resultado da existência humana em sociedade. A concepção do homem enquanto humano está intimamente ligado ao seu desenvolvimento em nível das funções psíquicas elementares (biológico) e superiores (social).

[..]do ponto de vista psíquico, o que a natureza provê – e que Vigotski denomi-nou como funções primitivas ou elementares, não distinguem, em absoluto, o homem dos demais animais superiores. Para que de fato essa distinção ocor-ra tais funções carecem ser superadas pelos processos superiores, resultados e condições para a formação dos comportamentos complexos culturalmente formados. Ademais, essa superação não corresponde a um processo evolutivo natural e linear que avança “do simples para o complexo”, no qual cada etapa já está potencialmente incluída na antecedente. Fiel à compreensão dialética do desenvolvimento humano, o autor explicou a referida superação como resul-tado das contradições internas que se travam entre natureza e cultura, entre o substrato biológico e a existência social. (Martins, 2012, p.8)

6 Vigotski (2002, p. 52) adota uma diferenciação entre os homens e os animais, segundo ele, os dois nascem com funções psicológicas elementares, básicas, que são aquelas de origem biológica e de relação direta e imediata com a natureza, uma reação direta ao ambiente. Contudo, se diferenciam a partir do momento em que o homem se ap-ropria da cultura em que está inserido a partir de uma interação dialética mediada pelo signo e, assim, desenvolve funções psicológicas superiores que permite o planejamento de ações e não somente a mera reação a estímulos externos do ambiente.

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O desenvolvimento das funções psicológicas superiores somente é possível por um processo de mediação que converte fenômenos sociais em processos intrapsiquicos, em outras palavras, o desenvolvimento do psiquismo humano somente é possível através da sociedade que possui técnicas e instrumentos de se relacionar com o meio e entre si, essa por sua vez mediatiza o conhecimento construídos histórico e culturalmente, o que pro-voca reelaborações internas no pensamento do indivíduo que, através dos signos, possui condições de romper com as ações reflexo imediato aos estímulos do meio e possibilita condições de elaboração de um raciocínio mais complexo e planejado.

Assim concebido, o real significado do signo na conduta humana só pode ser encontrado na função instrumental que assume. Enquanto o instrumento téc-nico se interpõe entre a atividade humana e o objeto externo, o psicológico se orienta em direção ao psiquismo, de sorte que os primeiros transformam o objeto externo, os segundos transformam o próprio sujeito. Não obstante suas especificidades funcionais, ambos, instrumentos técnicos e signos, se incluem num conceito mais geral de atividade mediada, isto é, um tipo de atividade na qual se impõe uma influência recíproca entre sujeito e objeto, da qual depende a própria consecução das finalidades da ação. (Martins, 2012, p. 3)

Ao se buscar a fundamentação da teoria vigotskiana, nota-se que está amparada no método e nos princípios teóricos do materialismo histórico-dialético, formulado por Karl Marx e Friedrich Engels. Segundo REGO (2014), o materialismo histórico-dialético pres-supõe que o homem em sua história se constitui em indivíduos concretos e, na luta pela sobrevivência se organizam em sociedade em torno do trabalho e estabelece então rela-ções entre si e com a natureza, ou seja à medida que o homem (um ser natural, mas tam-bém social) transforma a natureza através do trabalho, também transforma a si mesmo.

A concepção dialética da teoria histórico-cultural foi utilizada por Vigotski na área da educação especial, em que o autor atribui o grande valor da cultura na formação do sujeito e no desenvolvimento da linguagem, a exemplo dos cegos que podem ler de um modo diferente do ser normal (padrão), ao invés da visão, podem se utilizar do tato no sis-tema braile para essa prática, ou os surdo-mudos que podem falar através da linguagem de sinais.

Nós nos acostumamos com a ideia de que o homem lê com os olhos e fala com a boca, e somente o grande experimento cultural que mostrou ser possível ler com os dedos e falar com as mãos revela-nos toda a convencionalidade e a mo-bilidade das formas culturais de comportamento. Psicologicamente, essas for-mas de educação conseguem superar o mais importante, ou seja, a educação consegue incutir na criança surda-muda e na cega a fala e a escrita no sentido próprio dessas palavras. (VIGOTSKI, 2011, p. 868)

A partir dos estudos da defectologia, Vigotski elucida a preponderância da cultura sobre o biológico e orgânico no desenvolvimento da linguagem e funções psicológicas

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superiores no ser humano, pois até então considerava-se a fala possível apenas através do aparelho fonador ou a leitura e escrita apenas a partir do sentido da visão, porém através de caminhos indiretos é possível incluir o indivíduo no contexto social e escolar, o que seria impossível pelos caminhos diretos elaborados para os sujeitos tidos como normais.

Nesse contexto, concebo a teoria histórico-cultural mais adequada como base teó-rica para a promoção de uma educação emancipadora nos princípios da inclusão e cons-trução de uma sociedade mais justa.

2 – Resultados e Discussões

Nessa sessão, analisa-se o conteúdo do referido regulamento amparado nas polí-ticas públicas nacionais no âmbito da educação especial e inclusiva, na teoria histórico-cultural como alicerce para reflexões dessas políticas no âmbito do IF Goiano, utilizando como referencial teórico importantes autores na área de políticas públicas.

O Instituto Federal Goiano foi criado em 29 de dezembro de 2008, por meio da lei nº 11.892 que institui a criação dos Institutos Federais em todas as unidades da federação e em sua homepage7 destaca que é uma instituição que tem como missão “promover edu-cação profissional de qualidade, visando à formação integral do cidadão para o desenvol-vimento da sociedade”, sua visão é “Consolidar-se como instituição de referência nacio-nal na produção de educação profissional verticalizada” e seus valores foram listados nos seguintes tópicos: ética, respeito à diversidade e ao meio ambiente, comprometimento, gestão democrática, transparência, integração, excelência na atuação.

Afigura-se consensual que a integração pressupõe uma “participação tutelada” numa estrutura com valores próprios e aos quais o aluno “integrado” se tem que adaptar. Diferentemente, a EI pressupõe uma participação plena numa estru-tura em que os valores e práticas são delineados tendo em conta todas as ca-racterísticas, interesses, objectivos e direitos de todos os participantes no acto educativo. (RODRIGUES, 2006)

Haja vista que a publicação deste documento no site da instituição ocorreu no dia 15 de abril de 2015, ainda não havia sido promulgada a lei 13.409/2016 que dispõe sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino, o que demonstra a importância da oferta de uma educação cada vez mais inclusiva. Portanto, desperta curiosidade que entre todas as palavras citadas como missão, visão e valores do IF Goiano, não haja a palavra inclusão ou educação inclusiva.

7 https://www.ifgoiano.edu.br/home/index.php/missao-visao-e-valores.html, Acesso em 20/01/2018

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De fato, as políticas do IF Goiano no âmbito da educação inclusivas não se instituem legalmente em sua criação, os documentos relacionados à educação especial e inclusão na verdade são recentes. Somente em 2013 foi criado o Núcleo de Apoio às pessoas com necessidades específicas (NAPNE) da resolução nº 24; o regulamento do atendimento educacional especializado (AEE), criado por intermédio da resolução nº 030/2016, de 17 de junho de 2016; e o em que o aprovado o regulamento para a educação inclusiva e educação especial no âmbito do IF Goiano instituído por intermédio da resolução nº 019/2017 de 02 de maio de 2017 e aqui inicio as minhas reflexões por meio dele.

Destaco o artigo 1º que inicia com a compreensão da instituição a respeito da edu-cação inclusiva:

Art. 1º A educação inclusiva é o processo social, pedagógico, cultural, filosófico, estético e político de ações educativas, pedagógicas e administrativas voltadas para a inclusão, o acesso, a permanência e o êxito de todos os estudantes no IF Goiano, especialmente àqueles estudantes com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento (TGD); altas habilidades/superdotação; jovens, adultos e idosos com deficiência à educação ao longo da vida e transtornos es-pecíficos da aprendizagem de acordo com as necessidades educacionais espe-ciais de cada estudante, em todo o âmbito da instituição. (IF GOIANO, 2017)

Nesse aspecto, a concepção de inclusão envolve toda a esfera administrativa e pe-dagógica da instituição e, seguramente, para que se obtenha êxito nesse processo é ne-cessário capacitar e formar profissionais com o intuito de sensibilizar os sujeitos que in-tegram o ambiente escolar e quebrar as barreiras impostas pelo padrão de “normalidade” da sociedade às pessoas com deficiência, sejam elas físicas, arquitetônicas ou atitudinais.

Ademais, destaco o artigo 2º que aborda a concepção da instituição sobre a educa-ção especial:

A educação especial é uma das modalidades da educação nacional que perpas-sa o sistema educacional em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Essa deve ser oferecida na educação básica, técnica, superior e pós-graduação do IF Goiano, como um conjunto de serviços e recursos especializados para complementar e suplementar o processo de ensino-aprendizagem aos estu-dantes com necessidades educacionais especiais, permanentes ou transitórias. Deste modo, visa garantir a esses estudantes o desenvolvimento de suas poten-cialidades sociais, políticas, psicológicas, criativas e produtivas para a formação cidadã, necessária para aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser e aprender a aprender com o objetivo de prosseguir nos estudos e progredir no trabalho, respeitadas as características individuais e igualdade de direitos entre todos os seres humanos. (IF GOIANO, 2017)

A definição inicial proposta no regulamento a respeito da educação especial foi retirada do título V da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva que define como “uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, eta-

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pas e modalidades[..] . Nota-se uma forte influência do construtivismo na concepção de educação especial da instituição, pois há um forte relacionamento às aprendizagens sig-nificativas dessa teoria, como afirma o teórico construtivista César Coll:

Numa perspectiva construtivista, a finalidade última da intervenção pedagógica é contribuir para que o aluno desenvolva a capacidade de realizar aprendiza-gens significativas por si mesmo numa ampla gama de situações e circunstân-cias, que o aluno “aprenda a aprender”. (Coll 1994 p. 136)

Historicamente, a educação profissional e tecnológica no Brasil está alinhada a um modelo de formação de mão-de-obra para o mercado, em sua maior parte para empresas privadas e, portanto, a adaptabilidade do sujeito é imprescindível para o seu desenvolvi-mento profissional, nesse sentido, Newton Duarte tece a seguinte crítica à pedagogia do aprender a aprender:

O caráter adaptativo dessa pedagogia está bem evidente. Trata-se de preparar aos indivíduos formando as competências necessárias à condição de desem-pregado, deficiente, mãe solteira etc. Aos educadores caberia conhecer a rea-lidade social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma educação comprometida com as lutas por uma transformação social radical, mas sim para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos indivídu-os. Quando educadores e psicólogos apresentam o “aprender a aprender” como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos criativos, é importante atentar para um detalhe fundamental: essa criatividade não deve ser confundi-da com busca de transformações radicais na realidade social, busca de supera-ção radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de capaci-dade de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista. (2001, p. 38)

Em relação ao regulamento em análise, destaco também o artigo 4º que apresenta a concepção da instituição sobre o atendimento educacional especializado:

O atendimento educacional especializado é o complemento ou suplemento es-colar, diferenciado do ensino regular, para melhor atender as especificidades dos estudantes com deficiência, com transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades/superdotação; jovens, adultos e idosos com deficiência à edu-cação ao longo da vida e transtornos específicos da aprendizagem de acordo com as necessidades educacionais especiais de cada estudante, em todo o âm-bito da Instituição. (IF GOIANO, 2017)

Essa definição apresenta algumas incoerências em relação ao público alvo da edu-cação especial definida pelo Conselho Nacional de Educação na resolução nº 4/2009, no artigo 4º:

Para fins destas Diretrizes, considera-se público-alvo do AEE:

I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

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II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apre-sentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, com-prometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.

III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento hu-mano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e cria-tividade.

Observa-se que na referida resolução, o público do AEE não envolve os jovens, adul-tos e idosos com deficiência à educação ao longo da vida, nem mesmo transtornos espe-cíficos da aprendizagem, é possível que ao ampliar esse público haja uma sobrecarga dos profissionais de AEE da instituição e da sala de recursos multifuncionais que, a princípio, se dirige ao público definido na resolução.

Outro ponto que destaco sobre o regulamento em análise é o título IV que institui uma certificação especial para os estudantes com deficiência, o art. 10º e 11º expressa as diretrizes para emissão desse tipo de certificação:

Art. 10º A certificação especial (terminalidade específica) de conclusão de etapa ou curso em qualquer nível, etapa ou modalidade oferecida ao estudante com necessidades educacionais específicas, no que e como couber, descreverá as ap-tidões e habilidades a partir de relatório circunstanciado e plano de desenvolvi-mento, de que constem ainda:

I – avaliação pedagógica alicerçada em programa de desenvolvimento educa-cional para o estudante;

II – tempo de permanência na etapa do curso;

III – processos de aprendizagem funcionais, da vida prática e da convivência social;

IV – nível de aprendizado do curso.

Art. 11. As unidades escolares do IF Goiano manterão arquivo com a documen-tação que comprove a necessidade de emissão da certificação especial, incluin-do o laudo médico, o relatório circunstanciado e o plano de desenvolvimento individual do estudante, para garantia da regularidade da vida escolar do estu-dante e controle do registro acadêmico.

§ 1º A certificação especial deve ser fundamentada em avaliação pedagógica, realizada pelos professores responsáveis e equipe técnico-pedagógica, com his-tórico escolar que apresente, de forma descritiva, o conhecimento apropriado pelo estudante, no processo de aprendizagem.

§ 2° A certificação especial deve possibilitar novas alternativas educacionais e/ou para a educação profissional, visando à inserção na sociedade e no trabalho.

§ 3° No Certificado constará uma nota de que este somente é válido mediante a apresentação do histórico escolar, e é no histórico escolar que constará todas as aptidões e habilidades alcançadas.

§ 4° Caberá à Direção de Ensino, por meio de sua equipe técnica, orientar, acom-

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panhar e aprovar os procedimentos dos casos de certificação especial.

Em uma perspectiva mercadológica, a educação se exprime na competitividade em que cada sujeito é responsável pelo próprio sucesso ou fracasso, se por um lado, a termi-nalidade específica proporciona que o indivíduo possa prosseguir no avanço das séries e adquirir um certificado, por outro, reforça o processo de exclusão, posto que sua certifi-cação é diferenciada dos demais. Nessa perspectiva, LIMA e MENDES(2011) apontam que Nesse processo é preciso deixar claros as contradições e o caráter estigmatizante dessa forma de certificação escolar. Diante disso, essa proposta deveria ser abolida, pois acima de tudo o horizonte deve ser a construção coletiva de um novo modelo de escola .

3 – Considerações finais

A educação compreendida como um direito humano preconiza que as instituições de ensino se adaptem, nas políticas e práticas, para receber e acolher o estudante, en-quanto sujeito social. O avanço do processo de globalização, a partir da ótica neoliberal desumaniza o trabalho, ensino e aprendizagem, ao conceber a educação como mercado-ria e não como política pública, um mero instrumento de preparação para o mercado de trabalho capitalista, em que a competitividade, o individualismo prevalece sobre o social, em um modelo acrítico de naturalização da meritocracia desvinculada das condições ma-teriais de existência dos indivíduos.

A promulgação da lei 13.409/2016, que institui reserva de vagas para pessoas com deficiência nas instituições federais de educação, tende a ampliar o acesso das pessoas com deficiência a essas instituições, contudo, não terão a efetividade desejada se as bar-reiras atitudinais existentes na sociedade forem reproduzidas em seu contexto educacio-nal, assim, as práticas devem estar focadas nas potencialidades dos indivíduos e não em suas limitações.

O IF Goiás e o IF Goiano têm se destacado no estado pela promoção da educação básica em nível médio e também na educação profissional, indubitavelmente a oferta de uma educação de qualidade pode ser um mecanismo de distribuição de renda em um país com altos índices de desigualdade socioeconômica, apesar de ainda haver aspectos a se melhorar, os IF’s e as UF’s são casos raros de instituições federais de educação que se instalam em diversas cidades, de metrópoles a centros locais e, portanto, tem um papel central na promoção do desenvolvimento social e preservação do patrimônio material e imaterial dessas regiões.

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4 – Referências

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ATITUDES DE PROFESSORES FRENTE AO BULLYING DURANTE AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

EM ESCOLAS PÚBLICAS DE FORMOSA- GOIÁS.

Ney Marcos Alves de Souza1

Clariane Ramos Lôbo2

Cristiane da Silva Santos3

Resumo: O presente artigo teve como objetivo identificar e analisar as atitudes dos professores de Educação Física perante o bullying que ocorre nos momentos das aulas e se caracteriza como uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo na qual foi aplicado um questionário semiestruturado a nove professores de Educação Física que atuam nas escolas públicas da cidade de Formosa/ Goiás, mediante análise descritiva dos dados ar-ticulado à literatura da área. Os resultados nos permitiram entender que os professores participantes conseguem identificar o que é bullying e lidam com as intercorrências co-municando aos pais e a direção, bem como castigos e assinaturas de advertências. Ficou claro que é necessário haver cursos e projetos que capacitem de forma mais direta os professores que lidam direto com a temática no contexto escolar.

Palavras-chave: Bullying. Educação Física. Professores.

Introdução

Todas as formas de violência geram problemas de saúde pública importantes, como o estresse, depressão e diversas carências emocionais que crescem a cada ano no mundo; gerando a intolerância, a segregação e dentre outros sentimentos e atitudes que tendem a afastar os seres humanos. Essa intolerância implica em várias consequências negativas que serão notadas e vivenciadas pela sociedade, ainda mais se tratando das crianças e

1 RC-UFG, Curso de Especialização em Educação Física Escolar. Contato: [email protected]

2 RC-UFG, Curso de Especialização em Educação Física Escolar. Contato: [email protected]

3 RC-UFG, IBiotec, NEPPEin. Contato: [email protected]

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dos adolescentes, tendo em vista que pode os acompanhar durante a toda a vida (KRUG et.al., 2002).

Sempre que se trata de violência contra crianças e adolescentes, não se pode deixar de considerar a ligação existente entre os ambientes onde ela ocorre, seja em casa, em uma creche, na escola ou até mesmo na rua em que reside. Já é sabido que a escola faz parte de um espaço de maior convivência dessas crianças e adolescentes nos dias atuais, considerando as mudanças no currículo que ampliam séries e jornada escolar (ELINOFF; CHAFOULEAS; SASSU 2004).

A violência nas escolas é um problema social grave e complexo. Segundo Schilling (2004), a violência é multidimensional, um termo bastante amplo, logo suas manifesta-ções também serão variadas. “A violência é compreendida além da violência física (a vio-lência em si) e é vista como psicológica ou moral, como danos à pessoa ou à sua extensão – família, vizinhança, bens” (SCHILLING, 2004, p. 38). De acordo com Pereira (2009, p. 18), podemos utilizar a seguinte definição:

Por violência brutal podemos caracterizar as agressões físicas (matar, roubar, bater, chutar, dar pontapés etc.) ou ao patrimônio das pessoas (depredar, pi-char, roubar objetos etc.) São chamadas as violências explícitas ou diretas. Por violência sutil, podemos entender as manifestações de agressões indiretas (xin-gar, insultar, desrespeitar, falar mal de outro etc.), incluindo nesse último caso as formas de violência simbólicas e institucionais.

Uma das formas mais difundidas de violência nos meios de comunicação em massa é o bullying. O então chamado bullying desde muito tempo já faz parte do cotidiano de nossas crianças e adolescentes e ele pode ser definido como todas as atitudes físicas e verbais, de natureza agressiva, intencional e repetida, que ocorrem sem motivação evi-dente, adotadas por um ou mais estudante contra outro(s), causando dor e angústia, sen-do executadas dentro de uma relação desigual de poder (MEDEM, 2015).

As pesquisas sobre bullying são recentes em nosso país, contudo elas começaram a ganhar destaque mundial a partir dos anos de 1990, principalmente com os estudos de-senvolvidos por Olweus (1993); Smith & Sharp (1994); Ross (1996) e Rigby (1996). (FEKKES; PIJPERS, 2005).

O bullying tem duas classificações: o direto, quando as vítimas são atacadas direta-mente, ou indireto, quando estão ausentes. O bullying direto são os apelidos, agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais ou expressões e gestos que geram mal estar aos alvos, já o bullying indireto compreende atitudes de indiferença, isolamento, difamação e negação aos desejos, sendo mais adotados pelas meninas (KINDSCAPE, 2005).

No que se refere às aulas de Educação Física, tendo em vista a organização das au-

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las, em que os alunos têm mais liberdade corporal, de expressões, as atividades realizadas favorecem o contato físico e competições é um ambiente propício para o bullying ser pro-pagado mais facilmente (OLIVEIRA et al, 2013).

A Educação Física no Brasil emergiu atrelada à ideia de estrutura corporal e discipli-na, visando objetivos militares, esportivos e estéticos, selecionando sempre os melhores e mais habilidosos, alienando e excluindo os alunos que estão fora dos padrões de corpos e de habilidades (OLIVIERA, 2008). Essas questões, bem como as diferenças de habilida-des entre meninos e meninas, favorecem vários conflitos nas aulas de Educação Física (LOURO, 2003) e é exatamente o nascimento dessas manifestações negativas com gestos e atitudes que compreende o bullying.

Embora, a Educação Física atualmente tende a ter outro tipo de discernimento so-bre seleção e aprendizagem e tende a garantir a inclusão das diferenças em suas aulas a formação e concepção do professor é um ponto chave para organizar aulas que permi-tem a participação e aprendizagem dos alunos sem violência.

O envolvimento de professores, funcionários, pais e alunos são peças fundamentais para que sejam implementados em escolas projetos que visem a sensibilização, a preven-ção e consequentemente a redução do bullying. É necessário que exista no Brasil algumas normas, diretrizes e ações coerentes que protejam os estudantes que sofrem bullying e ao mesmo tempo que visem criar ações que conscientizem a população e dê apoio aos envolvidos, evitando a violência e devolvendo a confiança no ambiente escolar. Mesmo que seja um assunto complexo e de demorada solução, ações devem ser iniciadas para que a conscientização comece nas escolas, já que as ações educativas são relativamente simples e de baixo custo (LOPES,2004).

Nesse contexto, a presente pesquisa teve como objetivo identificar e analisar as atitudes dos professores de Educação Física perante o bullying que ocorre nos momentos das aulas. Mais especificamente buscamos: refletir sobre o bullying escolar e as aulas de Educação Física; investigar como acontecem as aulas práticas de Educação Física no ensi-no Fundamental e Médio para verificar se todos alunos participam; identificar quais são as principais formas de bullying que ocorrem durante as aulas de Educação Física; identificar e analisar as atitudes e ações dos professores em relação ao bullying.

Metodologia

Tendo em vista os objetivos foi realizada uma pesquisa qualitativa de caráter des-critiva. O universo compreendeu os professores efetivos de Educação Física das escolas estaduais da cidade de Formosa, Goiás que ministram aulas dessa disciplina no Ensino

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Fundamental e Ensino Médio. Com base nesses critérios selecionamos nove professores para comporem a amostra do estudo.

Dos nove professores selecionados para o estudo, seis são do sexo feminino, seis possuem pós-graduação Latu Sensu e o tempo de atuação em sala de aula varia de 3 me-ses a 17 anos conforme verificamos no Quadro I.

Quadro I: Caracterização dos sujeitos da pesquisa

Fonte: Dados coletados na pesquisa.

Para coleta de dados aplicamos um questionário misto contendo nove perguntas, com vistas a analisar os seguintes aspectos: organização das aulas visando a participação dos alunos; tipos de violência que ocorrem durante as aulas; atitudes e formação dos pro-fessores frente ao bullying.

Os dados foram analisados qualitativamente, utilizando a técnica da narrativa ana-lítica (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2012), apresentando a descrição dos relatos verba-lizados pelos sujeitos e avaliando criticamente em relação a literatura disponível sobre a temática.

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da UNICEBEU sob o pa-recer n. 1.923.170.

Resultados e Discussões

Ao questionarmos se as aulas dos professores são organizadas visando à participa-ção dos alunos, os nove professores responderam que sim. O professor 3 afirma que suas aulas são elaboradas e voltadas para a interação e socialização do grupo, todas os conteú-dos são direcionados a atividades em grupo.

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A partir desses dados, ressaltamos a importância da organização de uma aula de Educação Física visando a participação de todos os alunos desmistificando a competi-tividade e aflorando companheirismo e dinamismo ao se realizar uma atividade (SILVA; SANTOS, 2009).

Esses resultados podem estar relacionados as pós-graduações cursadas pelos pro-fessores, pois é primordial que os atuantes em Educação Física escolar tenham uma for-mação adequada para lidar com as mais diversas situações, incluindo as de bullying.

Quando perguntamos se todos os alunos participam das aulas apenas dois profes-sores relataram que nem todos os alunos participam. Os motivos apontados foram pro-blemas graves de saúde e a participação das meninas que estão matriculadas no Ensino Médio.

Segundo a lei 9.394/96, as aulas de Educação Física são facultativas para alunos que apresentem condição desfavorável de saúde, que prejudique a execução de exercícios (BRASIL, 1996). Entretanto, entendemos a necessidade da aula ser organizada consideran-do as necessidades específicas de cada aluno.

Em relação a não participação das meninas no ensino médio, Paula e Fylyk (2009) chamam a atenção para que o professor esteja preparado para lidar com os aspectos fi-siológicos que cercam a vida desses adolescentes, inclusive as garotas. Os aspectos fisio-lógicos que influenciam e podem prejudicar a presença delas de forma ativa nas aulas práticas é o próprio desenvolvimento do corpo e a vergonha que essas transformações podem trazer, alguns adolescentes têm muito medo de errar, os distanciando das ativi-dades físicas dentro da escola. Acrescentamos ainda fatores como outras prioridades das alunas nesse nível de ensino, a falta de diversificação dos conteúdos das aulas, postu-ras desinteressadas dos professores e exclusões de gênero que acontecem nas aulas de Educação Física durante o percurso escolar.

Indagamos aos professores se eles utilizam jogos competitivos nas atividades práti-cas de Educação Física. Oito dos entrevistados responderam que usam os jogos competi-tivos e um respondeu que não. O professor justificou que esses jogos geram desconforto e desavenças entre a turma.

Uma das escritas que mais chama a atenção é do professor 7 que justifica que acha de extrema importância abordar e trabalhar na Educação Física com jogos competitivos por permitir espações de reflexões sobre o termo respeito, que da mesma maneira que há a competitividade existe também o nascimento do aprendizado do ganhar e perder. O aluno pode experimentar a sensação do ganho e da derrota, de forma saudável.

Para Tezani (2004), é consenso entre os profissionais de educação a importância

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dos jogos competitivos, uma vez que eles se caracterizam como uma ferramenta para o desenvolvimento intelectual, interativo, social e até mesmo emocional dos educandos. Para o autor, os jogos competitivos são responsáveis por favorecer a iniciativa em grupo e individual, estimular a conhecer todos os colegas e ainda melhorar o clima do ambiente escolar.

Educar através do esporte é acreditar numa sociedade melhor, menos compe-titiva, mais solidária e cooperativa, que privilegia a formação do homem na sua totalidade, transformando-o num cidadão crítico, emancipado, que sabe o valor de ganhar e perder respeitando o adversário (MACIEL; FINCK, 2009, p. 1).

Ao ser questionado se acontece e se já presenciou algum tipo de violência (física, verbal, etc.) durante as aulas cinco professores relataram não presenciar essas ações nor-malmente, que seria raro. Dos quatro que relataram presenciar comumente essas ações, informaram também que cotidianamente os alunos se esbarram e falam palavrões. Pode acontecer um momento de ira, em que os colegas chamam uns aos outros por apelidos, que a situação é resolvida com advertências.

Nos estudos de Oliveira e Votre (2006, p. 194) sobre o Bullying nas aulas de Educação Física os autores apontam que as vítimas da intimidação normalmente enfrentam a mo-lestação sozinhas. Os autores através do estudo perceberam que alunas e alunos são “ví-timas do fenômeno bullying, porém que nem sempre o mesmo é percebido, pelos mem-bros do corpo docente ou pela direção da escola e (arriscamos a afirmar, sem provas) nem mesmo pela família”.

Nesse contexto os professores, gestores, família etc. são desafiados e convidados a afiar o olhar, a melhorar a escuta e estar atentos aos sinais de injustiça e crueldade consi-derando que a violência atinge a integridade moral de uma pessoa, afeta sua participação simbólica e cultural na sociedade (SCHILLING, 2004, OLIVEIRA; VOTRE, 2006).

A convivência dos alunos com situações de bullying pode resultar em danos irreparáveis às vítimas, acarretando, segundo Fante (2005), prejuízos em suas vidas futuras, em suas relações no trabalho, em sua futura constituição familiar e na criação de filhos, além de prejuízos para a sua saúde física e mental. Há estudos que comprovam que aqueles que vivem situações de bullying podem ter comprometimentos, como o rendimento escolar inferior, e também o de-senvolvimento social, emocional e psíquico atingidos (OLIVEIRA; VOTRE, 2006, p. 178-179).

Os conteúdos abordados na matriz curricular de Educação Física, visa a contribui-ção ao combate das inúmeras formas de violência (VERDERI, 2002). Nesse contexto, as causas e as consequências da violência devem ser tratadas pedagogicamente pelo pro-fessor durante o decorrer de suas aulas, compreendendo desde a metodologia adotada

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até o momento prático da execução da atividade. O professor a partir do momento que lhe é percebido algum estresse, algum sintoma de hostilidade entre grupos ou alunos de forma individual, deve chamar a turma e proporcionar momentos de reflexão e sensibili-zação para os atos ocorridos, falar mais sobre violência e o que é, buscando estratégia de intervenções.

Conforme o relato dos professores, os principais tipos de agressões presenciadas durante as aulas estão descritos no quadro abaixo.

Quadro II – Tipos de agressões presenciadas durante as aulas de Educação Física

Fonte: Dados coletados na pesquisa.

Conforme podemos verificar a agressão verbal é a mais presente no cotidiano das aulas de Educação Física. De acordo com Dias (1996), as tendências agressivas, como chu-tes, pontapés, socos e empurrões, são atitudes extremamente instintivas, resultado de uma determinada situação no momento das aulas, da competitividade, por exemplo, O mesmo autor ainda discorre que todas as agressões, incluindo as agressões verbais, é ape-nas a somatização, resultado de muita frustração, depressão, em alguns casos de rejeição e desempenho físico desejável, ansiedade e tensão.

Concordamos com Oliveira e Votre (2006) que esse comportamento está inserido em conjunturas culturais e sociais e que as aulas de Educação Física reproduzem o con-texto que os favorece.

O Quadro III apresenta as atitudes dos docentes no momento em que presenciou a agressão. A atitude do professor no momento em que ocorrem as agressões é um fator determinante para quem agride e para quem é agredido. Para 44% dos professores, a atitude tomada foi comunicar a direção, 33,3% pediram para que o agressor assinasse a advertência, 11,1% deixaram os envolvidos de castigo, 11,1% comunicaram o ocorrido aos pais do agressor, e 67% tomaram atitudes que não estavam listadas.

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Quadro III– Principais atitudes no momento das agressões provocadas por alunos durante as aulas

Fonte: Dados coletados na pesquisa.

Conforme podemos verificar nenhum professor relatou aproveitar a situação para trabalhar pedagogicamente o tema da violência com os alunos. Habermas (2001 apud OLIVEIRA; VOTRE, 2006, p. 193) prevê, em sua teoria da ação comunicativa, que os que “estão prontos e com disposição para serem convencidos tenderão a mudar de atitude e prática após participarem de eventos argumentativos sérios, em que são convidados a refletir sobre a justiça, justeza e ética de seus comportamentos”.

Destacamos as falas do professor 3 que enfatiza que: “O que acontece em sala de aula deve ser resolvido em sala de aula”, e do professor 4: “Devemos conversar primeiro e conscientizar sobre o respeito”.

A maioria dos professores está em consenso ao afirmarem que a intervenção deve ocorrer em sala de aula, ou na quadra, no momento do ocorrido. Sempre tentam usar o diálogo antes de tomar qualquer atitude mais drástica. A sensação de convívio facilita a comunicação entre professores e alunos, permite que o diálogo seja alcançado e que as-sim o professor consiga passar todos os preceitos do convívio social (MELO, 2006).

Ao verificarmos se os professores estão preparados para lidar com o bullying não houve consenso nas opiniões. Três professores acreditam que não estão preparados para lidar com o bullying, cinco acreditam que atualmente estão preparados para lidar com qualquer questão que envolva o bullying e um não opinou. Dos que acreditam que a pre-paração existe, se apoiam na condição da modernização da educação e nos cursos que existem atualmente e podem ser feitos a qualquer momento. Outros professores citam os projetos existentes no âmbito escolar que visam o combate ao bullying, ajudando assim, na compreensão do que ele representa. Os que discordam não justificaram a sua resposta.

Em alguns estudos como os de Olweus (1998); Fante (2005) e Palácios; Rego (2006), há divergência entre professores quando se trata do bullying, nem todos os envolvidos na educação tem o mesmo contato com o tema, tornando assim um assunto ainda levemen-te obscuro para aqueles que ainda não presenciaram ou lidaram com a situação de agres-

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são verbal e física. Há aqueles que mesmo que o tema tenha sido trabalhado em palestras, reportagens, ainda assim não deram muita importância para o assunto, trazendo assim uma dificuldade de diagnosticar e trabalhar o bullying com os alunos durante as aulas.

Toda a responsabilidade de se trabalhar o tema com as crianças e adolescentes, no entanto, não deve recair sobre a escola, mas toda a sociedade deve estar envolvida. É importante salientar que embora a maioria dos professores na pesquisa concorda que o tema deva ser mais trabalhado na escola, não podemos esquecer que toda a família e sociedade de uma maneira geral deverá estar pronta para auxiliar na formação humana do aluno, melhorando suas relações interpessoais (PALÁCIOS; REGO, 2006).

Segundo Weinberg (2012), nem todas as escolas de forma geral estão aptas para trabalhar o combate ao bullying, sendo que em algumas instituições o problema nem mesmo é encarado como algo enraizado nela, alguns educadores podem nem mesmo se incomodar com o problema, se abstendo da responsabilidade enquanto educador. Dessa maneira, os agressores seguem sabendo que não serão punidos e que a escola não se envolve diretamente com as agressões ocorridas.

Fante (2005) ainda provoca e conclama para que os profissionais de educação de forma geral, fiquem alerta quando se tratar de alunos violentos e agressivos, já que ape-nas com cursos e especializações poderá distinguir o que é de fato brincadeira da idade ou o bullying que traz os prejuízos socioeducacionais e emocionais.

Por último buscamos verificar se a escola oferece palestras, cursos de atualização periodicamente que contemple o bullying e como enfrentá-lo. Dos entrevistados, sete professores afirmaram que a instituição escolar onde atuam oferecerem periodicamen-te cursos e palestras que abordam o tema. Alguns ressaltaram a importância e como se sente grato, pois, foi percebida uma facilidade dos professores na mediação dos conflitos após os cursos. Um dos entrevistados não opinou e apenas um disse não receber esse apoio da instituição. O entrevistado alega que o tema é realmente preocupante, de cunho social elevado, para todos: pais, alunos, funcionários e professores, envolvendo também os gestores escolares. Ele ainda ressalta que deveria ser trabalhado o tema em conjunto na sua instituição, com as autoridades educacionais e com os políticos. Ele acredita que assim seriam solucionados vários problemas que advém do bullying escolar.

Segundo Silva (2015), de uma maneira geral, é concebível que todos os educadores tentam e trabalham de maneira a combater o bullying, contudo, somente quando este é manifestado, quando é percebido. Embora a maioria dos professores na pesquisa alegue que as escolas os preparam para lidar com o bullying, infelizmente a realidade nas demais regiões brasileiras tende a ser bem diferente. Silva (2015), ainda acredita que haverá cur-sos obrigatórios e que preparatórios para lidar e capacitar as equipes pedagógicas para

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que o bullying seja discutido e trabalhado para a melhoria de suas aulas.

As instituições escolares devem se contextualizar e irem em busca de um posicio-namento positivo e trilhar uma linha firme e forma contra o bullying, inclusive nos mo-mentos das aulas de Educação Física, unidade curricular a qual se pode trabalhar a ética, amor, respeito ao próximo e companheirismo. É dever da escola orientar os professores de Educação Física a pregarem a prática de tolerância, compreender as diferenças usando as suas melhores habilidades dentro das aulas de Educação Física como um fator positivo, não como meio de violência (BERNSTEIN, 2001).

Considerações Finais

O estudo mostrou diversas manifestações sobre o conhecimento que cerca o bullying nas aulas de Educação Física nas escolas Formosa/Goiás. No entanto, os resul-tados evidenciaram que embora a maioria dos entrevistados relatem ter conhecimento e apoio da instituição que atuam para a compreensão e enfrentamento sobre o bullying nas aulas de Educação Física, percebe-se que alguns entrevistados ainda sentem a falta da participação ativa da comunidade escolar no que se refere a contextualização do que é o bullying realmente e como lidar perante às adversas situações provocados por ele nas aulas de Educação Física.

Identificamos que as atitudes dos professores no momento em que ocorrem as agressões são: comunicar aos pais e a direção da escola, penalizar com castigos e assina-tura de advertências.

A importância do desenvolvimento desse trabalho se justifica pela dimensão que o assunto sobre o bullying tomou durante os últimos anos, em especial aqui em nosso país, já que a violência é tema muitas vezes pouco tratado nos lares brasileiros, de acordo com o que é retratado em alguns artigos científicos que investigam o tema (SILVA, 2015). A crescente onda de violência também se tornou expressiva no nosso meio educacional e isso vem ao encontro com preocupações já existentes dentro da escola (LOPES, 2004; SAAVEDRA, 2004). Para que ações de intervenção, prevenção e orientação aos alunos, pais, professores e funcionários aconteçam, é necessário que se fale mais sobre o tema e que seja abordado em todas as escolas, para que a comunidade escolar e os pais se aten-tem para todo o tipo de agressão (DEBARBIEUX; BLAYA, 2002).

Algumas formas mais agressivas do bullying (agressões verbais compostas por pala-vrões, agressões físicas como empurrões e pontapés), podem acontecer no momento das aulas práticas de Educação Física, como verificamos nos resultados obtidos na pesquisa.

Nesse contexto, esperamos com este estudo subsidiar os gestores educacionais

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na tomada de decisões político-culturais e administrativas acerca da temática estudada. Sugerimos novos estudos que avaliem o bullying na perspectiva dos alunos, bem como a utilização de outros instrumentos de coleta de dados como a observação das aulas e de outros espaços nas escolas.

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PRODUTIVISMO ACADÊMICO E SAÚDE MENTAL:

GRANDEZAS INVERSAMENTE PROPORCIONAIS

Jóice Macedo Vinhal1

Thais Ferreira dos Santos2

Resumo: Este trabalho surge a partir da realização da disciplina de Educação e Conhecimento do mestrado em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão. O mesmo tem como objetivo refletir como o produtivismo acadêmico tem inter-ferido diretamente na vida dos indivíduos que estão cingidos por este meio. Utilizamos da abordagem do Materialismo Histórico e Dialético para realizar as análises e promover as discussões. Fizemos uma breve reflexão sobre os modos de organização e de produ-ção da sociedade, além de refletir sobre algumas correntes filosóficas que transpassam a produção de conhecimento. Problematizamos o pretexto capitalista do produtivismo acadêmico como uma grandeza inversamente proporcional à disposição/manutenção de saúde mental.

Palavras-chave: Educação; Produtivismo Acadêmico; Saúde mental.

Abstract : The present work arises as an Education and Knowledge discipline pro-duct of the masters in Education of the Federal University of Goiás - Regional Catalão. It aims to discuss how academic productivism has directly interfered in the lives of indi-viduals who are tangled by this environment. The Historical and Dialectical Materialism approach was used to analyze and promote the discussions. A brief reflection was made on the modes of organization and production of society, as well as reflecting on some philosophical currents that cross the production of knowledge. It was problematized the capitalist pretext of academic productivism as a quantity inversely proportional to the

1 Mestranda da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão, Unidade Acadêmica Especial Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDUC), Membro integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Práticas Educativas e Inclusão (NEPPEIn), bolsista Capes. Contato: [email protected].

2 Mestranda da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão, Unidade Acadêmica Especial de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDUC), Membro integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Infância e Educação (NEPIE), bolsista Capes.

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192 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

mental health provision/maintenance.

Key-word: Education; Academic Productivism; Mental health.

Introdução

O presente artigo surge como produto da disciplina de “Educação e Conhecimento” do Programa de Pós-Graduação em Educação, que ocorreu no período de Março a Julho de 2018. O objetivo geral do mesmo é refletir e problematizar como a produção acadê-mica, em alta escala, tem sido apregoada como sinônimo de produção científica, e como esta produção desenfreada pode causar danos à saúde mental de quem se vê refém deste movimento para a manutenção de sua permanência no meio acadêmico, sejam docen-tes ou discentes, especialmente no âmbito da pós-graduação, visto que os sistemas de fomentos e incentivos financeiros valorizam cada vez mais a produtividade, e consequen-temente, a competitividade (BIANCHETTI, MACHADO, 2007; BIANCHETTI, VALLE, 2014).

Neste sentido, buscamos discutir como esse movimento de grande exigência de produção acadêmica tem se consolidado e afetado os pesquisadores e suas produções, bem como, explorar de que maneira os modos de organização da sociedade e as corren-tes filosóficas interferem neste modelo atual de sociedade na qual nos encontramos.

Para responder a estas questões fizemos uma pesquisa de cunho qualitativo ex-ploratório, de enfoque analítico pautado pela abordagem do Materialismo Histórico Dialético, e pela teoria Marxiana. Buscando assim, refletir as ideias conhecendo sua es-sência e sua totalidade.

Logo, damos início ao texto contextualizando os modos de organização social que marcaram o funcionamento da sociedade, e são abordadas algumas correntes filosófi-cas que influenciaram e influenciam a produção de conhecimento. Posteriormente, são feitas análises de como o capitalismo tem interferido no âmbito escolar, e como isto che-ga às universidades. Além de, discutir como o produtivismo acadêmico tem sido incu-tido na cultura universitária e como isto tem interferido na saúde mental dos sujeitos. Finalizamos, com alguns questionamentos que continuam causando inquietações em vários pesquisadores, por exemplo, se ao criticarmos este movimento de produtivismo acadêmico, estamos questionando nossas práticas, estamos mudando nossas realidades?

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 193

1 – Texto e Corpo

1.1 – Modos de organização social e modos de produção

O historiador francês Jacques Le Goff (2003) no seu livro “Os Intelectuais na Idade Média” e o filósofo e sociólogo alemão Karl Marx (2001) no seu livro “O capital” caracteri-zam o movimento histórico da sociedade no seu período de transição do Feudalismo para o Capitalismo, pontuando algumas questões centrais destes modelos.

O primeiro modelo era caracterizado por um movimento em que toda a sociedade tinha uma relação estreita com a Igreja, o poder era descentralizado e fragmentado, as forças políticas e econômicas estavam nas mãos dos senhores feudais. Este padrão eco-nômico era pautado por um modelo servil de produção. E conforme cresciam as necessi-dades dos senhores feudais por maiores rendimentos, mais se intensificava a exploração sobre os servos, o que acentuou a luta de classes (LE GOFF, 2003; MARX, 2001).

Já o capitalismo foi movido pelos ideais burgueses na luta por poderes políticos mais independe do poderio dos Reis, interpondo novos princípios e inquietações, por exemplo: o direito à propriedade privada por meio dos modos de produção, a acumula-ção do capital, o trabalho assalariado e o sistema de preços.

Este movimento foi conduzido por liberais que estavam defendendo o poder da burguesia, na tentativa de lutar pelo poder de sua classe, porém, com um lema de igual-dade de direitos, acabaram por idealizar uma sociedade na qual não condizia com a que naquele momento estava formada, por conseguinte, eles se afastaram da realidade ma-terial (MARX, 2001).

Na sociedade feudal havia a inexistência da divisão social do trabalho e sua produ-ção era voltada apenas para a subsistência dos povos. No capitalismo, o que se destaca é a produção de um excedente, já com a finalidade de produção da mais-valia e a transfor-mação do dinheiro em capital. E, enquanto no feudalismo a dominação ocorria de forma direta, no capitalismo, esta dominação se dá de modo indireto, e possui intermediadores, como o Direito e o Estado (MARX, 2001).

Com o advento deste modelo econômico capitalista o homem passa a ser desuma-nizado, alienado pelo trabalho, desconhece tudo que não seja sua atividade principal, o homem se torna alienado de si, do trabalho, e da sociedade. Ele passa a reproduzir ações sem refletir sobre seus aspectos, ou consequências (MARX, 2001).

A premissa principal de Marx (2001) é que o homem transforma a natureza e a na-tureza transforma o homem, no entanto, com a divisão do trabalho e sua objetificação, o ser humano se torna limitado a produzir lucro no intuito de gerar capital. Transpondo esta

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194 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

problemática para a área da educação. Podemos questionar quais os reflexos disto nas políticas educacionais, tanto na Educação Básica, como na Educação Superior.

Conforme há o aperfeiçoamento do sistema do capitalismo e a incorrência das es-tratégias de alienação, os sujeitos passam a ler o mundo como se não houvessem con-tradições. Nesta perspectiva, os sujeitos incorrerem riscos de legitimar cada vez mais os interesses dominantes, cujo propósito é os silenciar, e criar sensos comuns (MÉSZÁROS, 2005). Se os seres humanos não se atentarem para a realidade contextual que estão vi-venciando, que é pautada pelo imediatismo, pelo senso acrítico, pelo conformismo, há uma possibilidade de se continuar produzindo de uma maneira em que eles não se reco-nheçam, inclusive de não se reconheçam dentro de suas próprias produções.

1.2 - Correntes filosóficas que influenciaram e influenciam a produção de conhecimento

Mészáros (2005) aponta em seu livro “Marxismo e educação” sobre a predominância da corrente positivista sob a produção de conhecimento. O autor destaca que esta abor-dagem não leva em consideração a realidade existente de maneira não-problemática, isto é, se pauta em um pressuposto de objetividade, e aposta na neutralidade do pesquisador. Neste sentido, o positivismo estaria ligado à uma visão de racionalidade técnica, de previ-são e controle de comportamentos. No entanto, deste modo seria difícil compreender os movimentos reais da sociedade, ainda mais se considerarmos que o homem é produto e produtor de sua realidade (MÉSZÁROS, 2005).

Isto pode ser elucidado na fala de Sarup (1978) sobre a cultura do positivismo:

“O padrão de certeza e a exatidão passou a ser considerado como o único mo-delo explicativo do conhecimento social. A suposição é sempre a de que a ciên-cia oferece o paradigma do pensamento “correto”, da racionalidade. Assim, os métodos científicos são cada vez mais aplicados (...) o positivismo na ciência se tornou uma ideologia na sociedade capitalista” (SARUP, 1978, p.43).

Nesta perspectiva, entende-se que há a construção de um homem que preza pela objetividade, preocupado com o status de cientificidade, focado estritamente em dados mensuráveis e quantificados, deixando de lado qualquer análise que considera aspec-tos morais e as dimensões éticas. O ser humano parece ser “coisificado” aos nossos olhos (SANTOMÉ, 2003).

No intuito de compreender melhor os fenômenos, de não encarar os seres huma-nos como pura objetividade, surge a corrente fenomenológica, esta abordagem reflete sobre a magnitude da experiência que os seres humanos têm no mundo, na intencio-

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nalidade dos processos, dá foco à liberdade completa e à capacidade de desenvolver a consciência, da capacidade de modificar o mundo. O que os críticos alegam desta aborda-gem é que apesar de dar destaque para o homem como ator de suas ações, ela ainda não consegue explicar como ou porque algumas características das sociedades continuam a existir (MÉSZÁROS, 2005).

O modelo fenomenológico se depara com uma dificuldade de discorrer e refletir sobre os conflitos estruturais da sociedade, numa perspectiva dialética, na medida em que ainda se encontra pautado por sua racionalização.

Outra corrente filosófica que aos poucos vai se consubstanciando é o materialismo histórico e dialético, ele se configura como um instrumento lógico de interpretação da realidade para analisar os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento, con-tribuindo para a construção de uma concepção científica da realidade enriquecida pela prática social (TRIVIÑOS, 1987).

Esta linha de pensamento busca compreender fundamentalmente a realidade hu-mana, dentro de uma totalidade social. Marx e Engels apontam para um caminho de con-cepção de homem enquanto formação histórica e social (ENGELS; MARX, 2007; MARX, 2001; MARX, 2004).

Por meio desta abordagem pode-se aproximar cada vez mais dos objetos estu-dados, e observar suas contradições e nuances. No contexto universitário, por exemplo, passamos a questionar o conhecimento gerado como uma moeda de troca do capitalis-mo, no qual, por mais necessária que seja esta produção, os pesquisadores estão sendo condicionados a uma produção exacerbada, havendo uma intensificação e alienação do seu trabalho (MACHADO; BIANCHETTI, 2011). E as consequências disto vão se arraigando nas mais diversas áreas, como sofrimento mental; grande produtividade de trabalhos de qualidade “duvidável”; autoplágio; mudanças nas políticas das instituições de fomentos à pesquisa; mudanças nas políticas dos programas de pós-graduação; criação de clima de terror e competitividade nas Instituições de Ensino Superior; etc.

1.3 – Contexto Educacional Atual, Produtivismo Acadêmico e Saúde Mental

A partir destas colocações, começa-se a questionar as finalidades da educação. Escola conteudista, escola preparatória para o mercado de trabalho, escolas reproduti-vistas e alienadoras. E esta lógica também tem sido promovida no meio acadêmico nas universidades.

Como Sarup (1978) assinala em seu texto:

“Nas condições de capitalismo, a educação é conduzida sob condições tão alie-nantes que se constitui num processo de desumanização (...) não devemos acei-

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tar sem discutir as definições da realidade da educação existentes, mas indagar que suposições implícitas levaram à formulação de determinadas perguntas e não de outras” (SARUP, 1978, p.17).

As instituições escolares, em tempos de neoliberalismo, de acordo com Santomé (2003), adquirem uma dimensão muito grande em relação ao desenvolvimento econômi-co do país e na construção dos mercados, uma vez que os discursos oficiais, das linhas de trabalhos dos governos e das administrações educativas, introduzem, inculcam, nas ins-tituições escolares, uma estrutura e conteúdo para suprir as suas próprias necessidades, isto é, uma estruturação baseada em interesses maiores (dos estados, da nação, etc.). Cria-se um novo espaço de produção de novas subjetividades economicistas, para a formação de indivíduos com habilidades mecânicas e técnicas (SANTOMÉ, 2003).

Desta forma, os indivíduos são formados a partir demandas econômicas, políticas e não por suas necessidades pessoais, contextuais, processuais. Os indivíduos são formados para o estado. Isto, também chega ao ambiente acadêmico universitário, mas perante outros vieses, por exemplo, sob o pretexto da necessidade de possuir diploma para uma possível inserção no mercado de trabalho, da exigência de publicações para manutenção e permanência dos docentes e discentes no ambiente acadêmico.

De acordo com Bosi (2008, 2009) e Moreira (2009), parece não ser fácil apontar o ponto de partida desta dinâmica do produtivismo, mas ele cogita que seja a partir da transformação da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na medida em que inspirou a competitividade entre os seus pares. Desta forma, os programas de pós-gra-duação, e de pesquisa, tornaram-se o principal cerne de avaliação do trabalho docente na universidade brasileira. A avaliação da CAPES se fundamenta em dados quantitativos de produtividade, em particular, relacionado ao número de publicações, números de orienta-ção, prazos de conclusão de mestrados e doutorados (BOSI, 2008, 2009; MOREIRA, 2009).

Nesta conjuntura, o ensino superior vai adquirindo, aos poucos, a mesma lógica produtivista mercadológica, associada a um discurso de flexibilização, no entanto, com a rigidez das metas de produtividade. Nos vemos circunscritos por um impasse, o “publish or perish” (publicar ou morrer), lema que tem ganhado muita força nos últimos tempos (CASTIEL; SANZ-VALERO, 2007).

À medida que a lógica capitalista de produção atinge a educação, nos vemos intrin-sicamente ligados ao pressuposto do produtivismo. E podemos defini-lo como:

“uma ênfase exacerbada na produção de uma grande quantidade de algo que possui pouca substância, o foco em se fazer o máximo de uma coisa [...] com pouco conteúdo e consequente valorização da quantidade como se fosse quali-dade” (ALCADIPANI, 2011, p. 1174-1178).

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Esta ideologia faz como que haja “uma suposta “objetificação” da mensuração da “qualidade” de um pesquisador. Ele coloca um critério aparentemente claro: quem mais produz, melhor é” (ALCADIPANI, 2011, p.1176). No entanto, como Murilo Vilaça e Alexandre Palma discorrem:

“a norma produtividade explica apenas parcialmente o que ocorre na acade-mia, propomos a norma produtivismo, para designar a deliberada ação de criar estratégias para elevar a produtividade para além dos limites estabelecidos por aquela norma, sobretudo envolvendo más condutas científicas (plágio; autoplá-gio; redundâncias; fabricação e falsificação de dados e resultados; coautorias de fachada etc.)” (VILAÇA; PALMA, 2013).

Vilaça e Alexandre (2013) pontuam que as práticas produtivistas não podem ser en-tendidas como um desvio de caráter individual, mas sim como produto de um contexto de uma sociedade capitalista que exige cada vez mais dos sujeitos, e que, produzem, cada vez mais, reflexos nos corpos dos sujeitos. Aqui que podemos então fazer o caminho de comunicação com a questão da saúde mental dos sujeitos amalgamados pela corrente do produtivismo acadêmico.

Com a crescente demanda pela produtividade, também cresce o grau de exigência e suas consequências, alguns autores postulam sobre a intensificação do trabalho do-cente, a produção duplicada (autoplágio, republicação de artigos com pequenas modifi-cações), criação de clima de terror e competitividade nas Instituições de Ensino Superior redução de prazos (tanto para publicação, como para a finalização de mestrado e dou-torado), tudo isto começa a interferir através de prejuízos na saúde física e mental dos pesquisadores, tais como insatisfação e crescente sofrimento físico/psíquico. E como re-percussão disto, tem-se cada vez mais indivíduos estressados, insatisfeitos, melancólicos, sofrendo de depressão, insônia, ansiedade (ALCADIPANI, 2011; BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2009; MOREIRA, 2009; TREIN; RODRIGUES, 2011; VILAÇA; PALMA, 2013; WATERS, 2006; LOUZADA; SILVA FILHO 2005; ZANDONÁ; CABRAL; SULZBACH, 2014).

Machado e Bianchetti (2011) apresentam uma lista dos mais diversos itens sintomá-ticos que os indivíduos têm apresentado:

“Compõe o inventário dos riscos longa lista de sintomas, associados a exigên-cias que se sobrepõem umas às outras, pressão e colesterol altos, infartos, ten-dinites, solicitações contraditórias, [...] problemas de memória, relatórios, ava-liação de artigos para periódicos, eventos e editais, trabalhos para congressos, palestras, conferências, apresentações, aulas na graduação e pós-graduação, supervisões; viagens, busca de financiamento; gestão de contas bancárias, reu-niões, orientações; escrita, leituras, coleta Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Lattes... Enfim... Custo do trabalho vivo não contabilizado, recurso à força de trabalho, degradação de amplo espectro” (MACHADO; BIANCHETTI, 2011).

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198 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

Para além da problematização das qualidades dos trabalhos, os corpos dos pesqui-sadores perecem, dentre tantos sintomas físicos, as subjetividades são afetadas.

2 - Metodologia

A presente pesquisa é de cunho qualitativo exploratório, no qual, propomos a fa-miliarização do leitor ao fenômeno estudado, além de instigar sua reflexão sobre o tema. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica a respeito dos modos de produção da sociedade, dos paradigmas que permeiam a sociedade relativo aos modos de concepção e produção de conhecimento.

Para responder as questões postas no artigo, optamos por utilizar um enfoque analítico pautado pela abordagem do Materialismo Histórico e Dialético, e pela teoria Marxiana. De acordo com Marx:

“a teoria materialista [define] que os homens são produto das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circuns-tancias diferentes e de educação modificadas (...) a coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racional-mente compreendida como prática transformadora” (MARX; ENGELS, 1977).

De acordo com Kosik (1976) é com o uso da dialética que será possível conhecer a coisa em si, de compreender a realidade, o pensamento dialético diferencia a questão de representação e conceito das coisas, o que nos leva a pensar que há dois tipos de conhe-cer a realidade, e que também se torna possível conhecer a qualidade da práxis humana. É preciso ser capaz “de negar o dado, o aparente, de colocar sob suspeita o que se intitula real” (QUEIROZ, 2014, p. 10).

Somente com a apreensão do movimento real da sociedade que podemos pensar as contradições e o movimento real das coisas. Segundo Mészáros (2005), “mudar essas condições exige uma intervenção consciente em todos os domínios e em todos os níveis de nossa existência individual e social”, neste sentido, torna-se de extrema importância a efetuação de uma intervenção de modo a superar a alienação.

“No século XVIII, foram aceitos os dogmas feudais e clericais, e, no século XIX, o suposto absolutismo do mercado e de suas leis predominou sem ser questiona-do. Hoje, é o “científico” e o “racional” que dominam nossas vidas. Certas crenças sociais, políticas e educacionais seguem-se, ao que se supõe, da aceitação cega dessas categorias legitimadoras. Deveria, portanto, haver um questionamento crítico de tudo o que é aceito tacitamente como “coisa natural” (SARUP, 1978, p.22).

Mediante o exposto, este é o movimento realizado ao longo do texto, tentou-se

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refletir e problematizar os efeitos da produtividade exacerbada exigida no âmbito aca-dêmico, e pensar as vertentes ideológicas e políticas que tem sustentado as ideias destas mudanças que perpassam nossa cultura.

3 – Discussão

É possível assinalar que a as políticas públicas de produção de ciência, tecnologia e inovações são as engrenagens que fornecem força ao capitalismo para que ele possa se renovar e ampliar a sua margem de riqueza. Neste ponto de vista, as universidades se con-figuram como instituições que ocupam um papel considerável no processo de produção do conhecimento-mercadoria, e o lugar mais profícuo desta produção se encontra nos programas de pós-graduações (compreendendo os cursos de mestrado, doutorado), uma vez que estão diretamente relacionados às instituições de fomentos do conhecimento no ensino superior (MANCEBO, 2013).

Alinhado com esta concepção de produção de conhecimento como mercadoria, a ideologia do produtivismo acadêmico faz “uma suposta objetificação” da mensuração da “qualidade” de um pesquisador (TREIN; RODRIGUES, 2011). Ele coloca um critério apa-rentemente claro: quem mais produz, melhor é”, ou como Alcadipani (2011) assinala o “conhecimento vem perdendo seu valor de uso para um valor de troca, tornando-se mer-cadoria” (ALCADIPANI, 2011, p.1176).

Progressivamente somos compelidos a produzir se quisermos continuar na carreira acadêmica, mesmo que esta produção não seja algo de “qualidade”, pensado, escrito e produzido com rigor metodológico de pesquisa. No entanto, à medida que somos com-placentes com este modelo de produção de conhecimento, damos força para sua manu-tenção.

Outro aspecto que também nos causa inquietação seria esse medidor de “quali-dade”. Esse critério de qualidade é muito dúbio, como os próprios autores Vilaça e Palma (2013) assinalam:

“afinal o que é uma pesquisa ou um artigo de qualidade? ... não sabemos defi-nir o que é uma pesquisa de qualidade. Mesmo admitindo não saber, emitimos discursos sobre qualidade que tem um poder normativo, distintivo e hierarqui-zador. Artigos são aprovados ou não, pesquisas e pesquisadores são financiados ou não devido à sua “qualidade” em si” (VILAÇA; PALMA, 2013, p.481).

Dentro desta discussão de “qualidade” de produção de conhecimento, também po-demos salientar sobre o “êxito” acadêmico, Santomé (2003) faz uma colocação em que critica o êxito acadêmico como uma correspondência obrigatória de desenvolvimento

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200 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

pessoal ou de responsabilidade social, o autor situa que muitos programas educacionais profissionalizantes, por vezes, chegam a repelir a capacidade da crítica e de reflexão moral dos estudantes. Se não queremos promover a capacidade de reflexão, a capacidade críti-ca dos nossos alunos, qual seria então a finalidade do educar?

É de suma importância apontar que a esta gestão de produtividade, que requer, cada dia mais, mais produtos acadêmicos, está muito próxima do que podemos encon-trar nas organizações capitalista. Em congruência com este movimento, o crescimento de produção acadêmica se acentua, mas também surgem algumas complicações atreladas, por exemplo, o adoecimento, tanto de docentes, como de discentes, seja por meio da experienciação de estresse elevado (com propensão ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout), e/ou assédio moral (violência psicológico contra o trabalhador), intensifica-ção do uso de álcool, outras drogas, tabaco, aumento do consumo de ansiolíticos, neuro-lépticos, constante preocupação, e somatização que vão surgindo dentro deste percur-so acadêmico. E tudo isso culmina em outro aspecto que é importante ressaltar, pensar a gestão universitária enquanto saúde pública (ZANDONÁ; CABRAL; SULZBACH, 2014; ALCADIPANI, 2011).

Apesar desta produção desenfreada, não podemos deixar de refletir também sobre o que Kuhlmann (2014) aponta a respeito da função de publicação. As publicações tam-bém têm sua importância, por exemplo, promover e potencializar a produção de conhe-cimento científico, tendo como disposição a divulgação à sociedade, além de ter um en-cargo de “prestação de contas” do que está sendo pesquisado. E a contribuição primordial dos artigos influiria diretamente na formação de pesquisadores e no desenvolvimento das pesquisas.

Lógico que não colocamos de lado alguns benefícios que estas produções podem gerar, mas o que almejamos no presente artigo é discutir como este contexto da atual sociedade tem afetado as produções humanas, e como isto tem reverberado nos corpos dos indivíduos.

4 - Conclusão

Marx (2001) e Mészáros (2005) alerta que a sociedade só se transforma pela luta de classes, e é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente, o que dialoga com o que Aranha (1996) aponta em seu livro “História da educação” no trecho a seguir:

“O surgimento de um novo homem depende da construção de nova(s) forma(s) de conhecimento e de poder, de uma subjetividade emancipada e de uma outra

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sociabilidade. Portanto é preciso lembrar que a educação exige intencionalida-de e recusa o espontaneísmo na ação” (ARANHA, 1996, p.238).

Mediante à transformação de nossas práticas, de nossos pensamentos, da constru-ção de novas formas de conhecimento que poderemos modificar esse paradigma produ-tivista que se mantém e tem ganhado força diariamente.

A partir deste aporte teórico apresentado, podemos observar que o contexto atual da sociedade tem influído diretamente no âmbito educacional, seja ele na educação bá-sica ou mesmo no ensino superior. As reverberações disto tem se mostrado com mais voracidade em relação ao adoecimento mental dos envolvidos nestes processos.

A ideia descrita no título, “Produtivismo Acadêmico e Saúde Mental: grandezas in-versamente proporcionais” faz uma alusão ao conceito matemático, que poderia exem-plificar o paradigma que estamos vivenciando hoje. Este conceito é caracterizado como “duas grandezas são ditas inversamente proporcionais quando o aumento de uma im-plica na redução da outra, ou quando a redução de uma implica no aumento da outra” (SILVA, 2013).

Ou seja, estamos vivenciando um momento em que com tanta cobrança por nú-meros de publicações, estão repercutindo em outros aspectos, como o da saúde mental dos sujeitos que estão dentro deste cerco. Quanto mais publicação, menos saúde mental. Salientamos aqui que menos saúde mental no sentido de comprometimento da mesma, não tentando quantificá-la.

Em ritmo acelerado, os pesquisadores, estressados, carecem de tempo para realizar sua principal atribuição: “analisar com rigor crítico a complexidade dos processos em cur-so (naturais ou sociais) ” (MACHADO; BIANCHETTI, 2011).

Este trabalho não tem a pretensão de esgotar a análise sobre o tema proposto, o cerne está em tentar, minimamente, incitar indagações a fim de poder promover enfren-tamos das determinações históricas e estruturais do sistema capitalista vigente.

E por fim, ficamos com alguns questionamentos, nós que percebemos esses mo-vimentos sociais, políticos, econômicos que interferem nos contextos educacionais, que discutimos a importância de um novo modo de fazer pesquisa, e de fazer educação, nós que criticamos esses modelos de produções exigidas e seus efeitos devastadores, será que estamos fazendo algo contra o movimento posto, ou estamos reproduzindo isto? Como escapar desta armadilha?

Como Bianchetti e Machado (2007) colocam, é de suma importância “Recolocar o porquê, o para quê e para quem escrevemos e publicamos é urgente [...] o tempo do capi-tal não pode subssumir os tempos da universidade nem da vida/trabalho é fundamental”.

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OS SABERES POPULARES E A PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃOAMBIENTAL NO BRASIL:

DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Luciene Francisco Vieira1

Wender Faleiro2

Maria Zenaide Alves3

Resumo: Este artigo discute a importância de valorizar a cultura popular como for-ma de aprendizado de saberes cotidianos que muitas vezes passa despercebido e que contribuem na educação formal na escola, uma vez que os saberes populares fazem parte da educação popular que possuem uma diversidade de conhecimentos em relação ao meio ambiente e sua forma de fazer educação ambiental. A valorização dos saberes po-pulares leva à valorização dos sujeitos e de seus conhecimentos que contribuem na for-mação de novo olhar no que diz respeito a relação homem/natureza. O objetivo é discutir a educação popular e a necessidade de valorizar os saberes populares na escola promo-vendo a implementação da Educação Ambiental nessa perspectiva. O aproveitamento dos saberes populares num contexto multidisciplinar, mais democrático e que valoriza a bagagem histórico-cultural dos alunos e nos aproxima da realização do ajuntamento entre Educação Popular e Educação Ambiental, que é difícil, mas que é possível.

Palavras-chave: Educação popular. Educação ambiental. Saberes populares.

1 Mestranda em Educação pela PPGEDU/UFCat., Membro do GEPEEC/UFCat Especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Salgado de Oliveira (2002), graduada em Letras - Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Goiás (1998) e graduada em Tecnologia de Gestão Ambiental (2010). Professora efetiva de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino de Goiás desde 1999. E-mail: [email protected]

2 Professor do Programa de Pós Graduação em Educação e da Licenciatura em Educação do Campo daUniversidade Federal de Catalão-UFCat. Líder do GEPEEC/UFCat. E-mail: [email protected]

3 Doutora em Educação. Docente no Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFG-Catalão e noPrograma de Pós-Graduação em Educação e Programa de Mestrado em Educação (PPGEDUC) na daUniversidade Federal de Goiás – Regional Catalão. Líder do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação eDesenvolvimento do Campo – NEPCAMPO. E-mail: [email protected]

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Introdução

Sabe-se que a educação é, reconhecidamente, o carro-chefe de significativas mu-danças de comportamento e de hábitos sociais ao redor do mundo. Quer seja nas escolas e nas universidades — ambientes formais de ensino — onde o conhecimento é repas-sado adiante por meio de técnicas pré-estabelecidas e padronizadas de transmissão de informações, quer seja em congregações religiosas, organizações não governamentais e associações de classe, por exemplo — espaços não-formais de ensino — onde a difusão do conhecimento se dá de forma menos erudita e mais contextualizada, em que se utiliza majoritariamente os conhecimentos populares, o ato de Educar desenrola-se através da história, mudando indivíduos, comunidades e nações (JACOBUCCI, 2008, p. 57).

Hoje se faz necessário pensar a educação de forma diferente, Brandão (1984) nos afirma que “Complica um pouco pensar a educação como apenas educação”, é necessário que o educador repense sua prática dentro da escola em todos os níveis de ensino. O educador precisa olhar para além dos muros da escola e enxergar outras realidades que possam contribuir para a sua forma de ensinar e lidar com os alunos.

Valorizar a cultura do aluno e seus saberes contribui significativamente para a me-lhoria da educação. O educador terá novas formas de ensinar e aprender porque o aluno traz consigo uma bagagem cultural muito grande que contribuirá na educação de todos, tanto educador quanto alunos.

Ao longo do tempo a humanidade tem criado diferentes formas de perpetuar seu conhecimento, repassando aos mais novos os saberes dos mais antigos numa tentativa de imortalizar suas memórias. Somam-se a estes preceitos os aspectos socioeconômicos relacionados à educação que, principalmente, após o advento da Revolução Industrial, ocorrida na segunda metade do século XVIII, objetivaram as melhorias das técnicas de produção com a finalidade de obtenção de lucro. Ocorre que o que se tem hoje, de forma geral, são indivíduos que se veem obrigados a buscar a educação em função de aprimorar seus conhecimentos para conseguir espaço no mercado de trabalho globalizado, o qual exige profissionais cada vez mais flexíveis e altamente criativos, capazes de “encontrar so-luções inovadoras para os problemas de amanhã”. Neste ambiente de extrema competiti-vidade um único detalhe referente à qualificação individual abre ou fecha diversas portas (PEREIRA; CURI, 2012, p. 36; COUTINHO; LISBÔA, 2011, p. 5).

Neste contexto, registrou-se nos dois últimos séculos o surgimento de inúmeras técnicas e estratégias pedagógicas voltadas, principalmente, ao desenvolvimento da educação nos ambientes formais de ensino, em detrimento aos métodos não-formais de educar. Brandão (1984) afirma que

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 207

Como ensinar – e- aprender torna-se inevitável para que os gupos humanos sobrevivam agora e através do tempo, é necessário que se criem situações onde o trabalho e a convivência sejam também momentos de circulação do saber. Entre mundos e homens muito remotos, onde sequer emergira ainda a nossa espécie – o homo sapiens – este é o primeiro sentido em que é possível falar de educação e de educação popular. (BRANDÃO, 1985, p.09)

Como consequência da disseminação de uma educação mais voltada ao alcance de fatores econômicos do que à valorização dos conhecimentos socioculturais dos povos houve o afastamento das sociedades em relação aos cuidados básicos de preservação ambiental, colocando em segundo plano, práticas culturais, embasadas na natureza e nos saberes das comunidades camponesas.

Para Andrioli, “fenômenos sociais ocorrem e se modificam constantemente e, por isso, somente podem ser compreendidos mediante suas interações entre si e com o con-texto em que se situam e integram” (ANDRIOLI, 2011). A promoção de mudanças nes-ta realidade socioeconômica representa, certamente, um grande desafio, uma vez que sua implementação depende da participação de governos, comunidades e indivíduos. Entretanto, há o consenso de que tanto o planejamento quanto a aplicação de tais medi-das passam, invariavelmente, pela educação. Mais precisamente, este resgate cultural das coisas da terra, do respeito ao meio ambiente e da valorização das técnicas informais, está atrelado a um paradigma educacional, o paradigma da Educação Popular.

Mas o que é Educação Popular? Trata-se de uma forma de ensinar diferente daquela tradicionalmente utilizada nos ambientes formais de ensino? E, por fim, como a Educação Ambiental oferece alternativas para lidar com as problemáticas ambientais existentes no dito “mundo civilizado”? Para trazer estes questionamentos à luz da discussão, apresen-taremos neste texto teórico-reflexivo alguns argumentos já existentes acerca da temática da Educação Popular, entretanto, o desdobramento do assunto se pautará, principalmen-te, nas obras O que é Educação Popular, de Carlos Rodrigues Brandão (1985) e Cultura: um conceito antropológico, de Roque de Barros Laraia (1986).

Optamos por alicerçar a discussão nestas duas obras, pois elas abordam dois pon-tos cruciais no debate: o ato de ensinar, propriamente dito, com toda a contextualização ética que cerca o que vem a ser “educação”, em consonância com que é escrito na obra de Brandão, e a concepção de cultura no seu princípio básico, original, cujos exemplos citados no livro de Laraia nos levam a refletir sobre a riqueza existente na diversidade dos saberes populares. Esperamos que a discussão aqui apresentada promova novos diálo-gos em relação aos desafios de implementação da Educação Ambiental no Brasil, a par-tir do conhecimento de como este processo se dá conjuntamente com a valorização da Educação Popular e com o reconhecimento da importância das vivências e costumes da

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população do campo. O objetivo deste artigo é discutir a Educação Popular e a necessida-de de valorizar os saberes populares no ambiente escolar, promovendo, principalmente, a promoção da Educação Ambiental nessa perspectiva.

Educação popular e educação ambiental: um encontro difícil no Brasil

Desde a publicação da Lei Federal nº 9.394/96, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), que estabeleceu que a Educação Ambiental devesse ser trabalhada no âmbito da segunda fase do Ensino Médio de forma transversal — isto é, não há uma disciplina específica tratando do tema, mas o mesmo necessita ser inserido no escopo de todas as disciplinas —, tomou corpo uma grande discussão acerca de como esse processo deve ser desencadeado. Num país onde a baixa valorização do trabalho dos professores e a existência de grandes problemas estruturais na área da educação são absolutamente visíveis, traçar um planejamento eficiente, em curto e longo prazo, nes-te arranjo é uma tarefa árdua e que possui enormes amarras culturais (PURIFICAÇÃO & FERREIRA, 2015, p. 54; AUGUSTO, 2015, p. 539).

Ao refletir sobre a transversalidade exigida no ensino de Educação Ambiental, Cuba explica que, para que este princípio seja de fato consolidado na prática pedagógica, “é ne-cessário que sejam eliminadas as barreiras entre as disciplinas e necessariamente as bar-reiras entre os profissionais de educação” (CUBA, 2010). Tal proposta nos remete ao pen-samento original de como essas barreiras são construídas ao longo da história, passando pelo poder das palavras e se exteriorizando na forma de organização social das classes. Pois bem, acredito que parta daí a primeira análise sobre o pensamento de Brandão acer-ca do quanto é complexo o exercício de “Educar” e de como esta prática deriva de outros saberes histórico-culturais que ultrapassam as paredes escolares. O autor assim descreve seu pensamento sobre essa questão:

A necessidade profissional de compreender e explicar sistemas e estabelecer regras e metodologias de seu funcionamento obriga o educador a pouco pen-sar a sua própria prática dentro de domínios restritos: “o sistema de ensino de 1º grau, a “5692”, a universidade brasileira”, “a educação de adultos, “a supervisão escolar”, a alfabetização” ( BRANDÃO, 1985, p. 05).

Sob esta óptica — sem dúvida, bem mais abrangente do que aquela sob a qual estamos acostumados a enxergar e, principalmente, a entender o que é “educação” — Brandão (1985) nos convida a refletir sobre o ato de educar a partir de uma gama de va-lores, princípios e conhecimentos sociais, por meio dos quais o professor, transmissor do

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conhecimento, deve se inserir no processo e agregar a ele suas vivências, seus valores e, enfim, sua forma de “ler o mundo”. O autor assim alerta sobre a forma racional pela qual, muitas vezes, enxergamos o processo educativo:

[...] o pensamento do educador não raro esquece de ver a educação no seu con-texto cotidiano, no interior de sua morada: a cultura — o lugar social das ideias, códigos e práticas de produção e reinvenção dos vários nomes, níveis e faces que o saber possui (BRANDÃO, 1985, p. 05).

O educador deve enxergar o que o aluno traz de bagagem cultural. A cultura do aluno deve ser respeitada e valorizada. O “saber que ele possui” pode contribuir para que haja uma melhor aprendizagem.

Conforme Augusto (2015, p. 537), o próprio Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado pela Lei nº 13.005/2014, conhecida como Plano Nacional de Educação (PNE) tem o propósito de medir a “melhoria da qualidade da educação básica” no país. Esta comparação, por sua vez, é fruto da avaliação de dois indicadores: o índice de aprova-ção escolar e as médias de desempenho nos exames específicos aplicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Pois bem, como resultado deste levantamento, tem-se que, em 2012, o Brasil ocupou a 55ª posição no ranking de leitura do Pisa (Programme for International Student Assessment ou Programa de Avaliação Internacional de Estudantes) — que é coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) —, atrás de países como Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia.

Se os números demonstram nossa deficiência, enquanto nação, na formação de leitores — e se consideremos, por enquanto, apenas este ponto no grande universo de variáveis que compõem a educação formal — pode se deduzir que algo nesta situação está errado. Ou este instrumento de quantificação está equivocado ou não estamos sen-do competentes o bastante para entregar a este jovens e adultos matriculados em nossas escolas o resultado que deveríamos, ou melhor, que a sociedade tem o direito de receber. Creio que as duas proposições sejam verdadeiras. Primeiramente, se levarmos em conta o conceito de leitura de Paulo Freire — em que a contextualização do mundo e a car-ga de saberes do leitor está diretamente ligada ao entendimento do que se lê — nosso resultado no Pisa seria ainda pior, pois, não formamos “leitores de mundo”, mas apenas ajuntadores de palavras. E, em segundo, porque medir a qualidade de um trabalho tão complexo quanto o desenvolvido no âmbito da educação básica apenas por índices pode representar que não estamos aferindo como deveríamos os saberes que nossos educan-dos trazem do ambiente “extraescolar”. Não estamos reconhecendo seus valores enquan-to indivíduos sociais, dotados de alguma riqueza cultural que não se mostra nas estantes

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de uma biblioteca, mas sim na história de milhares de vidas (FREIRE, 2015, p. 293).

A educação ambiental a partir dos saberes populares

Ante o desafio de se promover educação levando-se em consideração a multiplici-dade de costumes e a diversidade étnica-cultural que se tem no Brasil, a Educação Popular mostrase como uma alternativa de disseminação de conhecimento que valoriza a cultura dos indivíduos no decorrer de sua existência e, mais do que isso, os saberes dos povos ao longo da história. Laraia (1986) cita diversos exemplos de costumes de comunidades primitivas no curso da história humana para facilitar o entendimento do leitor acerca do que possa ser sintetizada pela palavra “cultura”, extravasando o conceito eurocêntrico de cultura que mostra a cultura européia como pioneira da história e como se fosse a única verdadeira e útil — enraizado em nossos processos formais de ensino durante anos— em que são valorizados como conhecimento somente aqueles saberes transmitidos pela educação formal e originários das sociedades tidas como desenvolvidas, em detrimen-to das populações periféricas, “subdesenvolvidas”. O autor, assim exemplifica, sob a ótica antropológica, como o conhecimento humano adquirido e acumulado no decorrer da história pode ser compreendido como cultura:

[...] O pássaro nasce com um par de asas; nós inventamos o aeroplano. O pássaro renunciou a um par potencial de mãos para obter as suas asas; nós, porque a faculdade não é parte de nossa constituição congênita, conservamos todos os órgãos e capacidade de nossos antepassados, acrescentando-lhes a nova capa-cidade. O processo de desenvolvimento da civilização acumulativo: conserva-se o antigo, apesar da aquisição do novo [...] (LARAIA, 1986, p. 39).

Pode-se perceber que o homem criou mecanismos de sobrevivência a partir da o servação da natureza, dos animais ele foi além de sua concepção orgânica, ele evolui uti-lizando o meio como suporte de aprendizagem para poder sobreviver e explorar o meio ambiente. Hoje percebe-se cada vez mais a importância da observação e valorização dos saberes populares e do meio que se vive na construção de conhecimentos e principal-mente como forma de educar.

A valorização dos saberes populares requer uma revisão do conceito de educação e a compreensão do que é educação popular e de sua importância. É preciso ir mais lon-ge, ao conhecimento do que o povo traz de bagagem. Sobre educação popular Brandão salienta:

Um saber da comunidade torna-se o saber das frações (classes, grupos, povos,-tribos) subalternas da sociedade desigual. Em um primeiro longínquo sentido, as formas – imersas ou não em outras práticas sociais, através das quais o saber

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das classes populares ou das comunidades sem classes é transferido entre gru-pos ou pessoas, são a sua educação popular. (BRANDÃO, 1986, p. 26).

A educação popular é assim definida como a educação que acontece dentro do grupo, que é passada de pai para filho, é o que forma a cultura de um povo, de um grupo, de uma tribo, fazendo com seja diferente de outros povos, de outras tribos, porém nem melhor e nem pior, apenas diferente. Ainda segundo Brandão (1985) “a educação popular emerge como um movimento de trabalho político com as classes populares através da educação.” .

Neste sentido, percebe-se que a implementação da Educação Ambiental no Brasil se dá, de forma mais enfática, nos ambientes em que os saberes populares são amplamen-te difundidos e reconhecidos como componentes de importância no processo educativo. Isto ocorre visivelmente, por exemplo, em comunidades ribeirinhas (povos da Amazônia), assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) e comunidades quilombolas, dentre outros, pois nestes grupos sociais observa-se, geralmente, que há a descentralização do ato de educar da figura do professor e a valorização das vivências do aluno. Nestes grupos sociais conhecimentos diversos acerca de medicina popular, artesanato, culinária e até mesmo de regras de ordenamento político são passados dos mais velhos para o os mais jovens numa espécie de estratégia de resistência e de resiliên-cia através das quais sua identidade cultural é mantida ao longo das gerações (SILVEIRA, 2014, p. 5).

Uma exemplificação interessante de como se dá o processo de Educação Popular nas comunidades ocorre nos assentamentos rurais do MST, onde há estruturas já con-solidadas, e por isso fazem o cultivo de hortaliças, fabricação de doces, carpintaria e vá-rios outros. Esse conhecimento adquirido dentro dos assentamentos é aperfeiçoado em cursos, geralmente oferecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e por especialistas contratados pelas próprias associações de assentados, é repassado aos demais membros do grupo de maneira absolutamente informal e gratuita, por meio da disseminação das práticas do que se aprendeu. Aliás, esta é outra característica bastante valorizada quando se trata de Educação Popular: a descriminalização do saber prático. Observa-se que alguns conhecimentos registrados em relação a um determinado assun-to, nos espaços informais, agregam uma grande riqueza de detalhes e de especificidades que até a própria literatura desconhece, entretanto, por não possuírem embasamento acadêmico ou comprovação científica são desconsiderados no escopo da educação “mo-derna”, enquanto são exaltados no rol da sabedoria popular. Este reconhecimento acerca da importância dos saberes informais, indubitavelmente, gera o empoderamento das co-munidades, pois as coloca à luz do mundo (CRUZ & CARVALHO, 2017, p. 126).

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A educação ambiental deve ser vista na perspectiva de uma educação política, Reigota (2014) afirma que:

A educação ambiental como educação política está comprometida com a am-pliação da cidadania, da liberdade, da autonomia e da intervenção direta dos cidadãos na busca de soluções e alternativas que permitam a convivência digna e voltada para o bem comum. (REIGOTA, 2014, p. 13)

Nas camadas populares é perceptível que haja um maior respeito tanto pelo meio ambiente quanto pelo outro. Nas pequenas comunidades ou grupos sociais há uma in-tegração homem/natureza muito maior. Para sua sobrevivência retira-se da natureza o necessário para que assim tenha como sobreviver harmonicamente naquele local. Essa harmonia homem/ natureza é um exemplo de Educação Ambiental a ser seguido e que parte da cultura popular que compõe os pequenos grupos que os tornam exemplos a serem seguidos.

A necessidade de valorização da cultura popular, dos saberes populares comunga com a ideia de Arroyo (2012), quando ele enfatiza a importância de voltar o olhar para Outros Sujeitos e de criar Outras Pedagogias:

Presenças de Outros Sujeitos em ações coletivas que se tornaram afirmativas no campo, quilombolas, indígenas, povos da floresta, movimento feminista, negro, de orientação sexual, pró-teto, moradia, pró- escola/universidade... Sujeitos so-ciais, invisibilizados apenas destinatários de programas sociais, compensatórios e de políticas educativas se mostrando presentes, visíveis, resistentes. Em que aspectos essas presenças afirmativas de Outros Sujeitos interrogam as teorias pedagógicas e pressionam por Outras Pedagogias? (ARROYO, 2012, p. 25 e 26)

É fato que houve um significativo reconhecimento acerca da necessidade de se pro-mover a Educação Ambiental nas últimas décadas ao redor do mundo. Todavia, os aspec-tos divulgados pela grande mídia fazem referência, em sua maioria, às temáticas como o derretimento das geleiras e a diminuição da camada de ozônio, frutos do desmatamento e da grande emissão de gases poluentes. Sem dúvida, estes são pontos relevantes no con-texto ambiental, mas sua abordagem peca por não proporcionar a aproximação dos pro-blemas à realidade cotidiana das pessoas. Um bom exemplo de como os resultados são mais perceptíveis quando há essa proximidade é a conservação dos seringais da região amazônica, após a repercussão do trabalho de Chico Mendes, trabalhador da floresta, sin-dicalista e, porque não dizer, ativista da causa ambiental. Para Aguiar & Bomfim (2013, p. 3 e 7), “Chico Mendes não era exatamente um ecologista”, mas sua atuação em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais seringueiros se tornou um marco na luta pela conserva-ção da floresta amazônica. Para os autores, hoje, quase trinta anos após a morte de Chico Mendes, há um grande legado deixado por ele, pois, grupos que antes eram segregados

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“ganharam alguma expressão”, porém, a disputa por interesses próprios e a manutenção do poderio político de latifundiários são altamente perceptíveis naquela região do Acre, onde atuou o ativista.

Assim, como ocorre com a preservação da biodiversidade na Amazônia, a conser-vação do Cerrado na região Centro Oeste no país se dá, mais perceptivelmente, em loca-lidades em que estão presentes iniciativas de Educação Popular ou onde há uma baga-gem cultural voltada para os cuidados com o meio em que se vive. O pesquisador Magno Rodrigues Borges, em sua Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Federal de Uberlândia no ano de 2009, fez a exposição de um estudo sobre botânica realizado numa comunidade do distrito de Martinésia, localizado no município de Uberlândia, Minas Gerais, e abordou como os saberes dos indivíduos da referida comunidade rela-cionam-se com a preservação do meio ambiente e fornecem subsídios, do ponto de vista histórico-cultural, para promoção da Educação Ambiental. O autor, assim discorre acerca da importância dos conhecimentos populares no âmbito da pesquisa feita:

Os estudos etnobotânicos correlacionam dados científicos e populares para desvendarem o conhecimento sobre as plantas. Tal conhecimento é de gran-de valia em práticas de Educação Ambiental, pois agrega tanto a organização científica quanto a cultura popular, fazendo dessa união uma discussão sobre a conservação do próprio ser humano (BORGES, 2009, p. 92).

Ainda segundo o autor, a área estudada possui grande potencial para a difusão da Educação ambiental, uma vez que os propagadores do conhecimento — que na pesquisa em questão são chamados de “editores”— estão inseridos dentro da própria comunidade, falam a linguagem do povo e conhecem os símbolos que são importantes no contexto daquela sociedade. Essa amostra nos permite refletir sobre como são desperdiçados os saberes de diversos grupos sociais que poderiam contribuir enormemente para a efetiva implementação da Educação Ambiental em nosso país. É bem provável que nossos re-sultados seriam mais frutíferos se levássemos em consideração o que a população mais próxima da natureza tem a nos dizer e demonstrar. Em relação à forma como poderão se dar os diferentes mecanismos de inclusão da Educação Ambiental em comunidades po-pulares, Borges (2009, p. 93), conclui seu raciocínio tecendo a seguinte explicação:

Não existe modelo universal para a incorporação e articulação da Educação Ambiental no processo educacional. As abordagens e os procedimentos devem ser estabelecidos à luz das condições específicas, dos objetivos e da estrutura educacional e socioeconômica de cada região em que se pretende desenvolver (BORGES, 2009, p. 93).

Sendo assim falar de Educação Ambiental é fala falar de cultura popular, porque para se conhecer as formas de se aplicar a EA é necessário conhecer o meio que se vive e

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as pessoas com as quais estamos lidando. A valorização dos saberes populares é na visão de Arroyo (2012, p. 30) “Reconhecer que esses povos, tem Outras Pedagogias produto-ras de saberes, de modos de pensar, de se libertar e humanizar desestabilizaria a própria identidade da pedagogia hegemônica”.

Porém nessa luta pela valorização de sua cultura, de seus saberes esses Outros Sujeitos com suas Outras Pedagogias sofrem na visão de Paulo Freire um grande dilema:

Sofrem uma dualidade que se instala na “interioridade‘ do seu ser. Descobrem que, não sendo livres, não chegam a ser autenticamente. Querem ser, mas te-mem ser. São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetado neles, como cons-ciência opressora. Sua luta se trava, entre serem eles mesmos ou serem duplos. Entre expulsarem ou não o “opressor‘ de dentro de si. Entre si desalienarem ou se manterem alienados. Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre se-rem expectadores ou serem atores. Entre atuarem, ou terem a ilusão que atuam, na atuação dos opressores. Entre dizerem a palavra, ou não terem voz, castrados no seu poder de criar e recriar, no seu poder de transformar o mundo (FREIRE, 1987, p.22 e 23).

A luta por mudança é constante, deixar de ser oprimido (lutar contra a opressão, as injustiças, a desvalorização de sua cultura, de seus saberes) é uma necessidade para que haja a valorização do que é seu, do seu saber, da sua história, da sua representatividade e dos seus ideais.

Considerações finais

É importante afirmar que a implementação de uma metodologia de ensino que contemple a Educação Ambiental a partir dos preceitos da Educação Popular é algo que carece de muito estudo e amadurecimento, afinal, trata-se de uma iniciativa que almeja quebrar barreiras historicamente já consolidadas na área pedagógica. Há uma tendência clara em nossa matriz curricular de ensino pela individualização do saber, pela visão da “área que é de um” e que “não é do outro”, pela impressão de que os conteúdos ministra-dos numa disciplina — em função da vaidade em nós impregnada por uma espécie de egocentrismo ideológico— são mais importantes do que aqueles apresentados na outra e, por isso, não se dão as mãos.

Outro grande desafio (e talvez este seja o maior de todos) é o de se considerar a plu-ralidade de conhecimento que nos chegam através de nossos alunos de forma produtiva.Este aproveitamento de um saber tão diverso e, ao mesmo tempo, tão despretensioso requer uma “troca de posição” que ainda nos é muito incômoda, pois, não é incomum que nos peguemos, mesmo que de surpresa, comungando com o pensamento de que o aluno “está lá para aprender, e o professor, para ensinar”. A desvalorização do professor,

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ignorada ao longo de anos no Brasil, e as hostilizações sofridas nas salas de aula fizeram nascer um pensamento — praticamente dogmático — de que a relação hierárquica entre educador e educando é assim: um manda e o outro obedece. Enquanto poderia ser: um aprende, e o outro, também.

Não cabe uma crítica às Instituições Formais de ensino reconhecemos que a existên-cia delas é fundamental para a prática educacional, entretanto, o que convém se discutir, refletir e transformar são os métodos de ensino aplicados nessas instituições. O aprovei-tamento dos saberes populares num contexto multidisciplinar, mais democrático e que promova mais a bagagem histórico-cultural dos alunos, certamente nos aproximará da realização do ajuntamento entre Educação Popular e Educação Ambiental, de forma que este encontro, talvez, não deixe de ser difícil, mas se torne cada vez mais possível.

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A EDUCAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS RURAIS OLGA BENÁRIO EM

IPAMERI/GO E MARCOS FREIRE EM RIO BONITO DO IGUAÇU/PR

SILVA, Wilans Flaviano1

ALVES, Maria Zenaide2

Resumo: Este artigo discute de que maneira está sendo realizada a educação de jovens assentados em dois assentamentos de reforma agrária. O objetivo é refletir como está sendo trabalhada a educação formal com estes jovens, levantando as principais difi-culdades enfrentadas por alguns deles e de que maneira são recebidos nas escolas pelos colegas e professores. Para essa reflexão foram analisados dois trabalhos: um estudo reali-zado no Assentamento Olga Benário em Ipameri, Goiás e outro no Assentamento Marcos Freire, localizado na cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná.

Palavras-chave: Juventude Rural. Assentamento. Educação

Introdução

O que é educação? Somente a escola tem o papel de educar/ensinar? Qual o pa-pel da escola? Será que a escola está cumprindo o seu papel e o professor sendo real-mente um educador? São indagações que não querem calar nesse início do século XXI. A Educação é algo indispensável na vida do ser humano e partindo desse pressuposto utilizam-se

métodos (pedagogias) que asseguram a formação e o desenvolvimento físico\al, intelectual e moral do ser humano e esse processo não está restrito somente a escola. O ato de educar pode ocorrer o tempo todo e em qualquer lugar em vários ambientes e não

1 Graduado em Geografia. Professor da Rede Estadual de Educação em Goiás. Mestrando em Educação na UFG – Catalão e integrante do grupo de pesquisa Nepcampo. Ipameri, Goiás, e-mail [email protected]

2 Doutora em Educação. Docente no Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFG-Catalão e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Líder do Nepcampo.

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só por um professor, mas pode acontecer por outros indivíduos que desempenham uma função e conseguem ensinar outras pessoas. (BRANDÃO, 2017).

O exercício de aprender é um processo que ocorre de forma contínua na vida do ser humano, que se relaciona com outros seres humanos, os quais vivem em comunidade/sociedade. Charlot (2001, p. 20) afirma que “[...] aprender é também apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo”. Nesse sentido, aprender tem um significado muito importante, pois o indivíduo estará adqui-rindo um saber que poderá levar por toda a sua vida. Portanto o ato de educar pode ser realizado de maneira formal ou não-formal. Sobre essa questão Charlot (2001) destaca:

A educação é esse triplo movimento de humanização, de subjetivação singula-rização e de socialização (indissociáveis). Ela supõe um processo de apropriação do mundo que eu chamo Aprender (ou o processo Aprender) (CHARLOT, 2001, p. 25).

Ao falar em educação, tema principal deste artigo, façamos uma reflexão sobre como o aprender, seja ele na escola ou em outro ambiente, vem acontecendo na socieda-de, sobretudo para as pessoas menos favorecidas do campo ou da cidade, jovens e adul-tos de camadas mais pobres do Brasil.. Nessa perspectiva, este artigo se propõe a analisar alguns aspectos dos processos educativos de jovens moradores de dois assentamentos de Reforma Agrária, um localizado no município de Ipameri/GO e outro no município de Rio Bonito do Iguaçu/PR. Para a análise recorremos a pesquisas desenvolvidas nos referi-dos assentamentos, além de recorrer ao suporte teórico de alguns estudos da educação popular. Este texto é resultado das reflexões realizadas ao longo do primeiro semestre de 2018 na disciplina “Educação Popular: fundamentos e práticas”, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFG – Campus Catalão. Para desenvolver este ensaio fare-mos, inicialmente, uma explanação sobre alguns aspectos da educação das camadas po-pulares, com base em Brandão (2017), Soares (2002), Arroyo (2014), Freire (1987) e Gomes (2017) e a ideia de aquisição de saberes de Charlot (2001 e 2014). As análises empíricas serão baseadas em Ferreira (2015) e Janata e Vendramini (2015).

A educação tem sido tratada sob diferentes perspectivas e, dependendo da aborda-gem, pode ter finalidades diversas. Neste sentido, a perspectiva da qual falamos pauta-se no paradigma da educação popular que vê na educação o meio mais eficaz de libertação e emancipação, como define um dos maiores expoentes dessa abordagem, Paulo Freire (1987), para quem a educação é pensada como elemento de libertação e emancipação do sujeito; Gomes (2017), também nesse sentido, discute educação na perspectiva da resistência e do empoderamento das minorias. Para esta autora os movimentos sociais são sujeitos ativos nos movimentos por educação. Tais sujeitos são produtores e articula-

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dores dos saberes construídos pelos grupos contra hegemônicos. Para Brandão (2017) o modelo e forma de educação Ocidental que é transmitida nas escolas não é a única forma de educar. Para este autor existem outras formas de educação nas sociedades tribais, nas comunidades nômades, em países desenvolvidos, etc.

Soares (2002), ao discutir as relações entre linguagem e escola, traz importante contribuição para a compreensão do problema da educação nas camadas populares do Brasil, ressaltando que a linguagem tem funcionado como um elemento de discriminação desses grupos dentro da escola. Arroyo (2014) discute o tema questionando os educado-res sobre a ação do Estado e a própria sociedade – com relação a presença afirmativa de outros sujeitos tanto na escola quanto na comunidade questionando a educação popular que está sendo trabalhada com os alunos e o próprio sistema educacional empreendido nas escolas. E quando falamos em educação lembramos do aprender e sistematicamente do saber. Sobre este assunto Charlot (2001) faz uma abordagem de cunho antropológico e reforça que o aprender é natural do ser humano. Nas camadas populares isso é uma questão de sobrevivência num mundo cada vez mais difícil, assim o aprender pode ser confrontado com os saberes.

Caminhos da educação no Brasil

As transformações na educação ocorreram graças às lutas e reivindicações da po-pulação, de movimentos sociais e porque não dizer, da sensibilidade de algumas autori-dades (políticos) que atentaram para o problema da escolarização, como relata Brandão (2006):

[...] é preciso lembrar que não foi apenas o trabalho político pela escola pú-blica, nem uma súbita tomada de consciência do poder de estado, o que, nas primeiras décadas do século XX provocou o advento do ensino escolar oficial. Interesses e pressões de setores urbanizados da população brasileira, ao lado das vantagens que o empresariado via em uma melhoria do nível escolar e da capacitação da força de trabalho de migrantes rurais ou estrangeiros reunidos em suas indústrias (BRANDÃO, 2006, p. 18).

O autor chama atenção para a questão educacional e para as lutas pela implanta-ção de uma educação pública de qualidade que contemple a todos, ou seja, uma edu-cação popular. Na verdade podemos dizer que o sistema educacional brasileiro passou por diversos momentos na história, especialmente no século passado como relata Souza (2002):

O século XX pode ser considerado o século das conquistas relacionadas à edu-cação pública/gratuita no Brasil. Podemos lembrar das lutas populares pela es-

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cola pública, ocorridas ao longo das décadas de 70 e 80, movidas pela necessi-dade de instrução escolar como garantia na conquista de melhores empregos. (SOUZA, 2002, p. 22).

Realizando uma busca nas Diretrizes da Educação Brasileira, é possível entender que o anteprojeto da primeira LDB (Lei de Diretrizes e bases da Educação) deu entrada no congresso nacional no ano de 1948, e só 13 anos depois ela entrou em vigor em 1961 - evidenciando assim, a falta de prioridade para os assuntos educacionais em nosso país. Este projeto se tornou a Lei 4024/61 que sofreu algumas alterações em 1971 e no ano de 1996 uma nova Lei 9.394/96 foi aprovada e passou a vigorar até o momento.

A atual LDB, no seu artigo 1º inciso 2º diz que: “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e às práticas sociais”. Na interpretação desta Lei o conceito de educação é amplo e o processo de formação do indivíduo ocorre em várias instituições (escola, família, trabalho, movimentos sociais. etc...). O que se percebe é que a educação, da forma como está prevista na Lei, está vinculada à vida real e às demandas cotidianas. Portanto, a escola precisa estar atenta aos sujeitos que nela chegam, com suas demandas, suas linguagens, sua cultura e sua história de vida. Corroborando com este pensamento, Soares (1995) explica que o distanciamento entre o sujeito e a escola ocorre no momento em que o aluno chega à escola, pois os alunos de classes sociais menos favorecidas aca-bam por ter maiores dificuldades com a linguagem que é cobrada no ambiente escolar. Isto prejudica o desenvolvimento deste aluno, criando uma barreira para que ele possa acompanhar os demais colegas da turma e não aproveitando o conhecimento que este sujeito traz consigo.

Muito se fala de uma “educação para todos”, mas será que é mesmo para todos? Crianças, jovens e adultos que moram nesse Brasil com dimensões continentais têm as mesmas condições de frequentar a escola? Será que os Jovens de zona rural e jovens da zona urbana estão no mesmo patamar? Será que os jovens têm a mesma visibilidade? Gomes (2017) afirma que “[...] nem todos ganharam a mesma visibilidade social, políti-ca e acadêmica no cenário brasileiro”. A autora comunga da ideia que jovens oriundos de meios populares, dentre eles os jovens de áreas rurais, vivem na invisibilidade social, enfrentando barreiras para melhorarem o grau de escolaridade, conseguirem inserção no mercado de trabalho e qualificação profissional, entre outros problemas advindos do campo. Nesse sentido, Gomes (2017) dialogando com Santos (2004) traz para a discussão a teoria da sociologia das “ausências e emergências”.

A sociologia das ausências consiste numa investigação que visa demonstrar que aquilo que não existe é, na realidade, ativamente produzido como não existen-te, isto é, uma alternativa não credível ao que existe. (GOMES, 2017, p. 40,41).

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De acordo com essa reflexão apontada por Gomes, com base em Boaventura de Souza Santos (2004), podemos entender que os jovens residentes em assentamentos ru-rais têm que realizar uma luta diária no processo de afirmação na sociedade. Sair da invi-sibilidade e firmar-se como sujeito não é uma tarefa fácil para estes atores sociais, mesmo para os jovens contemporâneos que vivem na fase mais aguda da globalização. O jovem de hoje tem a seu favor o desenvolvimento tecnológico aliado as telecomunicações e da mídia para uma maior interação com outros jovens, não é fácil, mas através das redes sociais é possível reduzir essas diferenças aproximando campo e cidade, uma vez que os jovens hoje em dia estão conectados com o mundo e antenados com as mudanças que ocorrem a sua volta. Nesta perspectiva, Carneiro (2007, p. 53) propõe uma reflexão so-bre novas mentalidades presentes no cenário rural com vários indivíduos que relacionam entre si, e fazem um questionamento dessa “nova ruralidade”. Estaríamos vivenciando a elaboração de novas culturas? Freire (1987, p. 64) afirma que “ninguém educa ninguém, tampouco ninguém se educa a si mesmo os homens se educam em comunhão, media-tizados3 pelo mundo.” Esse mundo mediatizador relatado por Freire (1987) é a base para a interação, educação e reflexão sobre o mundo e o que há nele e não é só a escola que tem esse papel de interação e diálogo, ele ocorre no espaço virtual amplamente utilizado pelos jovens contemporâneos.

A educação no Assentamento Olga Benário em Ipameri

O Assentamento Olga Benário4 completou em 2018, 14 anos e todas as crianças em idade escolar, jovens e adultos5 que estudam tem que frequentar as escolas da zona urbana, e para isso eles enfrentam longas distâncias, estradas vicinais em más condições, transporte escolar precário entre outras dificuldades.

Sobre essa questão, Ferreira (2015) relata que existem problemas estruturais como, por exemplo, com o transporte escolar e destaca: “o tempo despendido em função do transporte escolar que pode chegar, em alguns casos, a mais de 4 horas diárias distribuí-das entre os trajetos de ida e volta da escola.” Ferreira (2015, p.57). Em meio às dificulda-

3 A experiência de aprendizagem mediatizada baseia-se numa relação em que o professor (mediatizador) inter-age com o aluno (indivíduo mediatizado) segundo Ferreira (2001) Revista digital de didática de PLNM

4 Olga Benário (1908 – 1942): foi uma militante comunista alemã, companheira de Luís Carlos Prestes e atuante no apoio à Intentona Comunista de 1935. Nasceu em Munique, na Alemanha, no dia 12 de fevereiro de 1908. Filha de família judia, ainda na adolescência entrou para Juventude Comunista do Partido Comunista Alemão. Em 1942 Olga Benário foi enviada para o campo de concentração de Bernburg, Alemanha, onde foi executada na câmara de gás no dia 23 de abril do mesmo ano.

5 Alguns adultos no Assentamento Olga Benário foram atendidos pelo (PRONERA) Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária que propõe e apoio a projetos de educação voltados para o desenvolvimento das áreas com as-sentados.

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des ainda tem o problema das estradas vicinais empoeiradas, o que muitas vezes causam transtornos aos alunos que chegam nas escolas, por conta da terra e do pó que ficam impregnados nas roupas e no corpo gerando, às vezes, piadinhas de mau gosto por parte dos colegas. Ferreira (2015, p. 40) fala também sobre a educação formal, ou seja, aquela que é oferecida nas escolas contribuindo para a formação do jovem estudante que fre-quenta a escola urbana permitindo que ele possa ampliar os seus horizontes em várias áreas do conhecimento tais como (Geografia, História, Matemática, Português, Física, etc) ou seja, é o mesmo conteúdo ministrado para os alunos, não havendo uma educação voltada para os jovens campesinos. Temos também a educação não-formal aquela que o sujeito aprende com outras pessoas da comunidade sem deixar de lado o conhecimento adquirido nas escolas. Uma aprendizagem não formal que ocorre por exemplo na luta e conquista pela terra, adquirindo experiências de vida. Sobre essa questão Ferreira faz a seguinte observação:

Os processos educativos não formais dos jovens ocorrem ou deixam de ocorrer na medida em que o deslocamento imposto por uma escolarização fora dos limites do assentamento os priva de participar mais efetivamente da lida diária na terra. (FERREIRA, 2015, p. 54)

Achamos oportuno dizer que dentro do assentamento existem várias reuniões educativas em que participam as famílias (pais e filhos) e eles discutem vários temas so-ciais ligados aos movimentos sociais que estão inseridos. No caso do assentamento Olga Benário em Ipameri essas reuniões oportunizam essa juventude rural assentada, uma ex-periência ímpar que o jovem da cidade não tem. São conversas promovidas por líderes do assentamento que não deixam os mais jovens esquecer o processo da luta pela terra e ao mesmo tempo saber valorizar a terra que foi conquistada por eles. Nessa vertente, Firmino (2013) relembra como foi difícil a caminhada dos assentados até Ipameri:

Durante a permanência em acampamentos, homens, mulheres, crianças, todos viveram momentos de incertezas, frustrações, medo, angústias etc. O cotidiano no acampamento é esperar pela terra, o que depende de decisões do gover-no, dos proprietários das áreas que serão desapropriadas e de outros processos burocráticos que dificultam o acesso e posse da terra pelos trabalhadores. O acampamento é espaço de espera, haja vista que é um lugar de transição, uma condição que não significa que os acampados tenham a garantia da conquista da terra. (FIRMINO, 2013, p. 12)

Essa forma de educação não-formal desenvolvida nos espaços de convivência, re-forçando a luta do movimento, desperta nesse sujeito uma consciência de classe diferen-ciada, criando novos militantes para a causa que eles defendem, isso se faz com diálogo e sem pressão. Sousa (2002, p. 25) destaca que “acampamento é uma escola para o sem-terra; é a escola da vida onde vivenciam relações e situações sociais extremas – fome,

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conflitos pessoais, violência, solidariedade, sociabilidade,...” Antes de conquistar a terra, para morar, trabalhar e produzir o seu próprio alimento as famílias assentadas passaram pela experiência do acampamento em beira de estradas, forjando este indivíduo no seio do movimento social.

Os jovens da zona urbana que não vivem a realidade do campo são totalmente de-sinformados sobre o tema, enquanto os jovens oriundos do assentamento discutem com muita propriedade contribuindo e enriquecendo para o debate, nesse contexto é visível como a educação não-formal e a vivência contribuem de maneira significativa para a for-mação social dos jovens que vivem no Assentamento.

A educação no Assentamento Marcos Freire em Rio Bonito do Iguaçu, Paraná

Ao analisar os trabalhos produzidos referentes aos assentamentos aqui menciona-dos, este artigo destaca a educação escolar de jovens em dois Assentamentos rurais e sem muita pretensão podemos fazer algumas comparações entre eles. A começar pelo número de trabalhadores assentados, no Olga Benário em Ipameri – GO são 84 famílias enquanto no Assentamento Marcos Freire em Rio Bonito do Iguaçu são 1.500. No caso do Paraná a grande quantidade de assentados fez toda a diferença para a implantação de dez escolas, das quais seis municipais e quatro estaduais. De acordo com Janata (2012, p. 91) a construção das escolas dentro do assentamento evitou que as crianças precisem se deslocar para a cidade em busca de escola. Destaque para o Colégio Estadual Iraci Salete Strozak por ser a única que oferece o Ensino Médio dentro do Assentamento, evita tam-bém que os jovens tenham que deslocar para a cidade, Janata (2012). Este Colégio além das disciplinas regulares também oferece outras atividades lúdicas, como dança, teatro e formação de líderes.

Para falar de educação no Assentamento Marcos Freire em Rio Bonito do Iguaçu no Paraná necessariamente tem que falar sobre o Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, como descreve Janata (2012, p. 24): “O assentamento onde a escola se localiza foi resultado de uma das maiores ocupações organizadas pelo MST, marcando historicamente a luta pela terra”. Informa a autora que neste local foram assentadas 1.500 famílias e com este grande contingente de pessoas com a necessidade de estudar, houve uma mobilização da comu-nidade para que fosse implantada uma escola que atendesse às crianças, jovens e adultos. Nesse sentido, é importante destacar a participação do MST nesse processo (Janata, 2012, p. 140). Nessa perspectiva vale a pena lembrar que a mobilização por parte da comunida-de e a participação do MST, foram fundamentais para que a ideia tornasse realidade.

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[...] a luta por escola mobilizou pais, jovens e crianças no intuito de garantir o acesso à escolarização, bem como a possibilidade de uma formação diferencia-da. A escola passa a configurar-se num importante espaço formativo. (JANATA E VENDRAMINI, 2015, p. 137)

Esse exemplo relatado pelas autoras no Estado do Paraná, no município de Rio Bonito do Iguaçu, evoluiu para a implantação do Ensino Médio na comunidade com a primeira turma formando em 2008. Para Janata e Vendramini (2015) esta conquista foi uma interferência direta do MST na implantação desta unidade escolar. Nessa perspecti-va, Charlot argumenta que:

Quanto à escola pública estamos certos de que cumprirá seu papel se vier, antes de mais nada, num espaço de reconhecimento recíproco. Nesse espaço, porém, cabe-lhe não só o papel de acolhimento, mas também o de diálogo com os jo-vens, no sentido da construção do bem comum e da cidadania. (CHARLOT, 2001, p. 49)

Dessa forma, podemos entender que a escola pública tem a função de acolher e dialogar com os sujeitos no processo de construção de uma cidadania participativa na comunidade, no caso específico do Assentamento Marcos Freire no Paraná a união da comunidade com o poder público, foi fundamental para o funcionamento desta unidade escolar com ambas as partes sendo contempladas.

A pesquisa de Janata (2012) com os egressos do ensino médio evidencia que o tra-balho desenvolvido na escola ajuda na formação de novos militantes para a causa da Reforma Agrária, “[...] jovens que concluíram o ensino médio no colégio e se tornaram militantes justamente durante esse período da escolarização” (p. 24) evidenciam também que essa é uma escola que mostra que está fazendo a diferença para o movimento social e para a formação desses jovens.

Considerações finais

Este artigo teve como proposta discutir a educação com base em duas obras:

Dissertação de Ferreira (2015) “Estudando na cidade Eles querem o quê? Sentidos de escolarização no Assentamento Olga Benário de Ipameri-go e a tese de Janata (2012) “Juventude que ousa lutar!”: trabalho, educação e militância de jovens assentados do MST. As obras analisadas trouxeram realidades diferentes vividas pela juventude rural, mas que vivem alguns dilemas parecidos, por exemplo a luta pela terra, a experiência de viver em acampamentos e morar em assentamento contribuíram para a formação de consciência e luta social. O estudo das obra acima citadas contribuiu para entender a educação que está sendo oferecida para os jovens residentes em assentamentos rurais, as relações pessoais

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dos jovens rurais com o espaço urbanos e como a educação está sendo trabalhada nas escolas por professores e profissionais ligados à educação.

Foram levantadas por Ferreira (2015) as dificuldades enfrentadas pelos os alunos residentes no Assentamento Olga Benário em Ipameri no processo de mobilidade entre o local de moradia e a escola, que, dependendo de onde moram podem gastar até 4 horas entre a ida e a vinda para o colégio.

Em comparação com a educação oferecida aos jovens do Assentamento Marcos Freire em Rio Bonito do Iguaçu/PR, é visível a diferença da formação dos jovens que es-tudam dentro do próprio Assentamento, recebendo uma educação formal, mas, ao mes-mo tempo, sendo valorizados em seu espaço de vivência. Os jovens pesquisados no Assentamento do Paraná, não se sentem como um pássaro fora do ninho, pois os seus colegas vivem as mesmas experiências e compartilham das mesmas ideias, não existe o preconceito típico da sociedade com os sem-terra. O Colégio tem uma “orientação” do MST que ajuda na formação destes alunos que no futuro podem se tornar novos militan-tes da luta pela Reforma Agrária. É possível perceber que a transmissão dos saberes está acontecendo em ambos assentamentos contribuindo na formação dos jovens. Fica claro que no caso do Assentamento Olga Benário a educação oferecida e a mesma tanto para os jovens da cidade ou do campo. Já no Assentamento Marcos Freire, como tem o colégio implantado dentro do assentamento existe uma educação diferenciada, além das disci-plinas eletivas, também são oferecidos aos jovens conhecimentos específicos como por exemplo na formação de novas lideranças para o movimento dos sem-terra.

Referências

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FERREIRA, Ricardo. Estudando na cidade Eles querem o quê? Sentidos de escolarização no as-sentamento Olga Benário de Ipameri-go Dissertação (Mestrado em Educação) UFG – Catalão, Catalão, 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª, ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987

FIRMINO, Waldivino gomes. Itinerários camponeses: de lá para cá e daqui pra li até o Assentamento Olga Benário em Ipameri (GO). Dissertação (Mestrado em Geografia) UFG – Catalão, Catalão, 2013.

GOMES, Nilma Lino. O movimento Negro Educador: saberes construídos na luta pela emancipação. Petrópolis – RJ: vozes, 2017

JANATA, Natacha Eugênia. “Juventude que ousa lutar!”: [tese] : Trabalho, educação e militância de jovens assentados do MST / Natacha Eugênia Janata ; orientadora, Profª. Drª. Célia Regina Vendramini - Florianópolis, 2012.

LEÃO E ROCHA, Geraldo Leão e Maria Izabel Antunes – Rocha (Org) Juventudes do Campo. 1ª Edição – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015, -- (Coleção Caminhos da educação do Campo) in – Natacha Eugênia Janata e Célia Regina Vendramini. 2015.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social, Editora Ática, (1987- 1995).

SOUSA, Maria Antônia de, Educação e cidadania nos assentamentos de reforma agrária: projetos, possibilidades e limites. PUBLICATIO UEPG – Humanities, Applied Social Sciences, Linguistics, letras e Artes, 2002

Sites pesquisados

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A CIDADE NO CURRÍCULO DE GEOGRAFIA DA EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS

Alex Lourenço dos Santos1

Ana Lúcia da Silva2

Odelfa Rosa3

Patrícia Maria da Silva4

Resumo: A Geografia, enquanto disciplina obrigatória no Ensino Fundamental, deve estabelecer uma articulação entre a experiência que o aluno traz do seu cotidiano com o saber sistematizado. Admitimos que desenvolver uma prática docente que busca a eman-cipação humana e formação cidadã frente ao sucateamento da escola pública e desvalori-zação da carreira docente, não é uma tarefa fácil. Neste artigo, elaborado em atendimento à disciplina “Cidades, redes e articulações socioespaciais”, do Programa de Pós-Graduação em Geografia, a nível de Mestrado, da Universidade Federal de Goiás / Regional Catalão, a proposta é discutir como a Cidade é abordada no currículo de Geografia da Educação de Jovens e Adultos (EJA), da Rede Estadual de Educação do Estado de Goiás.

Palavras-chave: Cidades. Geografia. Ensino. Educação de Jovens e Adultos.

Introdução

Com base em leituras e análises, o presente artigo tem como objetivo fazer uma reflexão teórica sobre a cidade, vinculada principalmente, ao conceito de lugar, associado

1 Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão – UFG/RC, Unidade Acadêmica Especial Instituto de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia. Contato: [email protected]

2 Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão – UFG/RC, Unidade Acadêmica Especial Instituto de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia. Contato: [email protected]

3 Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão – UFG/RC, Unidade Acadêmica Especial Instituto de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia. Contato: [email protected]

4 Rede Estadual de Educação do Estado de Goiás. Contato: [email protected]

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à Geografia escolar, às práticas pedagógicas em sala de aula e à abordagem do tema no currículo da EJA, referentes às turmas de 1º, 2º e 3º semestres, correspondentes aos 6º, 7º e 8º anos do Ensino Fundamental regular.

O artigo se estrutura em duas seções: 1) A Cidade Como Lugar de Vivência; 2) O Conteúdo Cidade Presente no Currículo de Geografia da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para confecção do mesmo, foi utilizado como metodologia uma Pesquisa Teórica, res-paldada em levantamentos bibliográficos em teses, dissertações, livros, artigos e Pesquisa Documental, realizada a partir de análise do Currículo Referência de Geografia da Rede Estadual de Educação de Goiás, elaborado de acordo com os Parâmetros Curriculares da Educação Nacional (PCNs).

1 A Cidade como Lugar de Vivência

A Geografia tem como objeto de estudo o espaço geográfico, definido por Milton Santos (1996, p. 39), como “o espaço formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas

como o quadro único no qual a história se dá”. Este espaço está diretamente relacio-nado à lógica de produção, onde o espaço natural, por meio das técnicas, se transforma em objetos de cunho tecnológico que modificam e/ou são modificados pelo meio.

O espaço geográfico é construído a partir da transformação dos elementos naturais através da ação humana e, sendo assim, está permeado de marcas históricas das sociedades ao longo do tempo, marcando esta relação espaço/tempo, que pode ser visualizada, princi-palmente no espaço das cidades. Encaminhando a discussão para o contexto da Geografia escolar, podemos pensar e problematizar a cidade como o espaço vivido do aluno, se tor-nando possível, através dela, compreender as principais categorias geográficas.

O conceito de cidade é complexo, porém necessário. Há diferentes escalas e defini-ções para se discutir a cidade, como por exemplo, cidades locais, médias, metropolitanas, grandes, caóticas, pequena cidade, dentre outras denominações que surgem a partir dos avanços teóricos-metodológicos. Sobre isso, Santos (1994) diz que:

As cidades locais mudam de conteúdo. Antes, eram as cidades dos notáveis, hoje se transformam em cidades econômicas. A cidade dos notáveis, onde as personalidades notáveis eram o padre, o tabelião, a professora primária, o juiz, o promotor, o telegrafista, cede lugar à cidade econômica, onde são imprescindí-veis o agrônomo (que antes vivia nas capitais), o veterinário, o bancário, o piloto agrícola, o especialista em adubos, o responsável pelos comércios especializa-dos. (SANTOS, 1994, p. 51)

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Isso revela que a conceituação das cidades está relacionada diretamente à reprodu-ção do espaço urbano, pois as cidades sofrem transformações para atender as necessida-des do capital. O espaço urbano passa por significativas transformações, daí então temos o entendimento que o mesmo é mutável.

A cidade, vista como espaço de aprendizagem dos alunos, permite ampliar as pos-sibilidades didáticas para trabalhar conteúdos curriculares de Geografia, articulados ao conceito de lugar, levando à compreensão da realidade local, integrando o conhecimento geográfico à sua experiência de vida, promovendo assim, a transformação do conheci-mento do senso comum ao conhecimento científico.

Discutir a cidade nos tempos atuais é uma tarefa extremamente complexa tendo em vista a dinâmica espacial na era da globalização. Essa se baseia no dinheiro e no poder e, consequentemente, não está ao alcance de todos. Há um domínio do capital e uma de-sumanização progressiva. Para Milton Santos (2008), estamos vivendo num mundo con-fuso e confusamente percebido, onde:

De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enga-nosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê- lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização (SANTOS, 2008, p. 09).

Em meio a esse mundo “fabuloso” ou perverso da globalização é que nós, professo-res de Geografia, temos que pensar e repensar nossas práticas pedagógicas para abordar o conteúdo cidade, enfocando na busca e valorização da identidade do aluno e na sua formação para a cidadania, mesmo que o encurtamento das distâncias promovido pela rapidez das informações, propague a ideologia de desvalorização do lugar que não ofere-ça as condições necessárias à reprodução do capital.

Milton Santos (2008), discutindo o conceito no contexto do meio técnico- científico-informacional, afirma que Lugar é o vivido e o global é uma abstração. O mundo depen-de do lugar para se tornar espaço. Sendo construído pela história e cultura dos sujeitos, ele é repleto de sentidos e significados.

Tendo em vista a importância da compreensão do lugar, seus fenômenos, proces-sos e relações para se ter uma visão crítica da totalidade, o estudo deste conceito se torna salutar. É a partir do entendimento do lugar que os atores sociais se tornam capazes de promover transformações na sociedade.

Sendo assim, o lugar no ensino de Geografia deve ser pensado a partir da sua re-

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lação com o mundo, a compreensão do mundo na sua relação com o lugar. Está posto o grande desafio de construir e/ou desenvolver habilidades na prática pedagógica que va-lorize os lugares de vivência dos alunos, fazendo-os compreender esse como integrante do espaço geográfico.

Assim, o professor, atuando como mediador do conhecimento, buscando alcançar uma aprendizagem significativa para os alunos, deve trabalhar o conceito em sala de aula enfatizando o lugar como espaço vivido dos seres humanos na sua interação com o mun-do, sendo esse uma pluralidade de lugares. Trazer para o contexto da aula a visão de lugar do aluno migrante, que por motivos diversos teve que deixar sua terra natal para buscar melhores condições de sobrevivência em um “lugar desconhecido”, tendo a necessidade de recriar vínculos e identidades; do aluno trabalhador, que precisa perceber- se enquan-to cidadão e encontrar “seu lugar” no mundo globalizado; do aluno marginalizado pelo processo perverso do capitalismo que lhe nega oportunidades, pré condenando-o a uma vida indigna. Discutir o lugar na sala de aula abre possibilidades para compreender o local no global e o global no local.

A cidade, nessa perspectiva de pensar o lugar, constitui uma experiência social de grande relevância. No espaço das cidades se tem a materialidade de valores modernos tais como: o individualismo, desigualdades sociais, infraestrutura urbana e o cotidiano das pessoas. Sendo assim, a cidade e o espaço urbano podem servir como elementos educativos, à medida que constituem um sistema dinâmico em constante evolução. Conforme destaca Cavalcanti (2008) as cidades abrigam uma parcela significativa da po-pulação brasileira e são de grande relevância para a construção da vida social, sendo alvo de preocupação de estudiosos do assunto. É no espaço das cidades que se vislumbra, de forma clara, a complexidade e diversidade da vida coletiva.

Para que uma cidade seja, de fato, educadora ela precisa exercer, além de suas fun-ções tradicionais, uma nova função de formar cidadãos conscientes de seu papel na so-ciedade. Conforme aponta o patrono da educação brasileira, o educador pernambucano Paulo Freire (1993):

Enquanto educadora, a Cidade é também educanda. Muito de sua tarefa educa-tiva implica a nossa posição política e, obviamente, a maneira como exerçamos o poder na Cidade e o sonho ou a utopia de que embebamos a política, a serviço de que e de quem a fazemos (FREIRE, 1993, p. 23).

A cidade educadora apresenta espaços formais e informais voltados à construção da cidadania, devido às intensas relações sociais que nela ocorrem permanente e inten-samente. Cabe salientar que em função de sua complexidade e dinamicidade se torna impossível compreendê-la em sua totalidade. Segundo Cavalcanti (2008, p. 74) “a cidade

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é educadora: ela educa, ela forma valores, comportamentos, ela informa com sua espacia-lidade, com seus sinais, com suas imagens, com sua escrita. Ela também é um conteúdo a ser apreendido por seus habitantes”.

Perceber a cidade por meio de abordagens críticas deve ser um dos pilares da Geografia escolar. Os alunos devem entender sua cidade como um lugar de contato entre pessoas de origens distintas, pertencentes a uma complexa rede de interesses capitalis-tas com graus variados de importância, marcada por acordos e desacordos, numa rela-ção dialética permanente. Mesmo mantendo um vínculo de interdependência, Cidade e Urbano não são sinônimos. Conforme aponta Santos (1994, p. 69) “o urbano é frequente-mente o abstrato, o geral, o externo. A cidade é o particular, o concreto, o interno”.

Portanto, viver na cidade é compreender o lugar, uma vez que ela desempenha um papel de destaque na vida de seus habitantes, permitindo a esses a construção de víncu-los relativos aos aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos, numa relação com a natureza e o espaço vivido.

2 O Conteúdo Cidade Presente no Currículo de Geografia da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na Seção V, Art. 37 de 1996, a EJA “será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade dos estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”. Assim, essa modalidade visa atender cidadãos que possuem um histórico de fracasso escolar que, muitas vezes, está associado à inserção prematura no mercado de trabalho. As políticas de currículo devem reconhecer e atender tais especificidades.

As dificuldades e desafios encontrados no processo de ensino aprendizagem de Geografia na EJA são inúmeros. O público atendido por esta modalidade é bastante hete-rogêneo, tanto em faixa etária quanto em aspectos culturais, sociais e econômicos. Diante disso, as metodologias pedagógicas devem apresentar características próprias para su-prir as expectativas dos discentes sendo necessário que os professores que atuam nesse segmento tenham formação e capacitação específicas.

Observando a realidade vivenciada pelos alunos da EJA, nota-se o problema da evasão escolar, onde muitos alunos se sentem desmotivados a chegar à fase de conclusão do ensino básico, consequentemente a grande maioria deixa de ingressar na universida-de, ou seja, falta iniciativas que os levem a conhecer a realidade da mesma e assim pos-sibilitando novos horizontes, principalmente no que tange a inclusão no ensino superior

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público.

Ressalva-se ainda que ensinar Geografia na modalidade EJA é um desafio, pois a mesma é um ensino que tem por objetivo contribuir no curto prazo para formação crítica destes alunos que muitas vezes são levados a desacreditar na escola como uma institui-ção emancipadora, pois os mesmos chegam desmotivados e muitas vezes alienados a apenas qualificar-se para atender as necessidades do capital. E cabe à Geografia a função de despertar o aluno a fazer uma crítica da realidade vivenciada.

A Geografia é uma ciência que pesquisa o espaço constituído pelo trabalho das sociedades humanas, vivendo diferentes tempos, considerando o espaço como resultado do movimento de uma sociedade nas relações que estabelecem com a natureza. Ela per-mite aos indivíduos compreender o espaço geográfico e ampliar a sua visão de mundo. O espaço é o objeto de estudo da Geografia e compreender tudo que está inserido nele é papel da Geografia bem como as relações sociais e ambientais por isso a relação homem-meio. A relação tempo-espaço é a materialidade central da dialética socioespacial.

Ao vivenciar o âmbito escolar na EJA, nota-se que na maioria das vezes, tais políti-cas não são executadas. Isto ocorre por diversos fatores, tais como: falta de profissionais qualificados na sua própria área de trabalho, material didático insuficiente para atender as necessidades dos alunos, o próprio cansaço do aluno e do professor que chegam à escola desmotivados pela longa jornada que enfrentam cotidianamente, dentre outros.

É necessário entender que se trata de um ensino com necessidades especiais, cujo maior objetivo é contribuir, no pouco tempo que se tem para uma formação crítica destes alunos. Alunos que já tem uma realidade de vida, muitas vezes sobrecarregada, que não entendem a realidade que os cerca. E à geografia, cabe o papel de trazê-los ao conheci-mento da sociedade e seus conflitos.

Há diferentes concepções associadas à palavra currículo, que dependem das diver-sas maneiras de como a educação é pensada em determinado contexto histórico. Fatores de ordem social, econômica, política e cultural interferem nessas concepções de currículo e na forma como estes serão implementados no espaço escolar.

No Brasil, as discussões sobre estudos curriculares se iniciam nos anos 1920 com o movimento denominado Escola Nova. O país vivia mudanças ocasionadas pela indus-trialização e a escola precisava voltar-se para a resolução de problemas sociais oriundos das mudanças econômicas da sociedade (LOPES; MACEDO, 2011). Escola e currículo são usados como instrumentos de controle social. Portanto, as discussões sobre questões cur-riculares envolvem também, inevitavelmente, discussões sobre conhecimento, verdade, poder e identidade.

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O currículo escolar em qualquer nível educacional é algo para ser pensado e repen-sado cotidianamente. Deve ser construído levando em consideração o contexto de cada país, estado, cidade. Dessa forma enquadra-se neste trabalho a definição de currículo pro-posta por Santos (2008):

[...] consideramos também como currículo o conjunto de procedimentos que permeiam a organização das instituições educativas e que vão desde a divisão do tempo em disciplinas escolares, passando pela temporalidade do fluxo es-colar (séries, ciclos, fases, módulos etc.), até a forma de gestão institucional im-plementada. Essa concepção de currículo permite que encaremos as políticas a ele relacionadas de forma mais ampla, isto é, as políticas de currículo devem ser tomadas em sua estreita ligação com as políticas educacionais mais gerais, aquelas que definem não apenas o que deve ou não ser estudado nas escolas, mas também a sua estrutura e forma de funcionamento, bem como o ideário político-filosófico que serve de lastro às suas ações. (SANTOS, 2008, p. 50).

Ao pensar nas políticas de currículo de Geografia na EJA, Santos (2008) destaca que, estas nos possibilitam o levantamento e o exame das concepções, intencionalidades e ações que têm marcado o ensino e aprendizagem desta disciplina. Estas propostas difun-dem discursos vigentes no país que criam verdades ao oficializarem saberes e legitima-rem posturas.

É necessário entender que se trata de um ensino com necessidades especiais, cujo maior objetivo é contribuir, no pouco tempo que se tem para uma formação crítica des-ses alunos. Alunos que já tem uma realidade de vida, muitas vezes sobrecarregada, que conviveram durante a infância com o fracasso escolar. Dessa forma, o currículo da EJA pre-cisa atender às especificidades desse público e, cabe ao conteúdo geográfico, contribuir para o desenvolvimento de sujeitos que questionem e compreendem a complexa relação sociedade/natureza. O professor deve agir em conjunto sendo, portanto, um mediador desse processo.

Estados e municípios criam nomes específicos para fazer referência ao currículo, se-gundo suas propostas. No Estado de Goiás a terminologia utilizada atualmente é Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás. Com base nas Matrizes Curriculares da Primeira e Segunda Etapas do Ensino Fundamental – EJA, foi construído esse Currículo Referência. A disciplina Geografia está presente em todas as etapas correspondentes ao Ensino Fundamental II e Ensino Médio, com carga horária de duas aulas por semana, de quarenta minutos cada, no período noturno.

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3 Discussão e Resultados

Esse Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás foi construído por meio de encontros regionais, com professores agrupados por áreas do conhecimen-to (Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias). Os debates e discussões promovidos a partir desses encontros tinham como objetivo a construção de uma proposta de bimestralização dos conteúdos visando homogeneizar o currículo em toda a rede estadual de educação goiana. Cabe salientar, que este currículo referência que serviu de base para a bimestralização dos conteúdos está de acordo com as Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais.

Com base nesse currículo, o tema cidade e espaço urbano são destacados no 1º se-mestre da segunda etapa (equivalente ao 6º ano do Ensino Fundamental). Os conteúdos centrais são: Espaço geográfico, População urbana e rural, Natureza e degradação am-biental, População brasileira e manifestações culturais. Para o conteúdo espaço geográfi-co, as expectativas de aprendizagens são: (a) desenvolver noções básicas do conceito de paisagem, lugar, território, região, natureza e (b) interpretar e diferenciar paisagens locais, regionais e compreender a ação humana nos processos de mudança. Estes permitem que o professor enfatize os conceitos básicos da ciência geográfica, bem como, explore ao máximo questões relacionadas ao urbano, como lócus de vivência dos alunos, tendo em vista que grande parte deles moram nas cidades.

No segundo semestre da EJA (equivalente ao sétimo ano), uma das expectativas de aprendizagens, referente ao conteúdo Trabalho, migração e mobilidade, merece des-taque: Reconhecer e refletir sobre a utilização da rua como espaço de lazer e os desafios da violência da vida urbana. A rua, vista como espaço de vivência dos alunos, como lugar onde ocorrem relações concretas e abstratas, se torna alvo do estudo geográfico permi-tindo que o aluno construa conhecimento a partir de sua realidade.

Se torna possível relacionar conceitos trabalhados em sala com os problemas do cotidiano dos alunos trabalhadores que frequentam o ensino noturno e sentem, dia após dia, as dificuldades da vida no espaço das cidades, principalmente para as classes sociais menos favorecidas. “São, corpos precarizados chegando do trabalho, da sobrevivência às escolas, à EJA” (ARROYO, 2017, p. 17).

Ainda considerando o currículo do segundo semestre, a seguinte expectativa: “Analisar as relações de trabalho e as condições do trabalhador rural e urbano e, entender os proble-mas sociais no campo e na cidade decorrentes deste processo” (Goiás, 2010, p.102), admite que o professor discuta com os alunos a complexa relação campo/cidade, bem como as relações de trabalho que se estabelecem nesses dois espaços, comparando- as.

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Na verdade, o tema cidade e espaço urbano é mais destacado nas expectativas de aprendizagens do que nos conteúdos em si, sempre relacionados aos conceitos de paisa-gem e lugar, conforme mostra a figura 1:

Figura 1: Currículo Referência do 1º Semestre (Segunda Etapa) de Geografia - EJA

Fonte: Currículo em Debate. Secretaria da Educação, Goiás, 2010

É notável, durante análise desse currículo, o destaque dado aos elementos carto-gráficos, sempre utilizados para auxiliar na interpretação e ampliação de informações im-portantes à compreensão dos conceitos geográficos. Os mapas sempre estão presentes nas expectativas de aprendizagens, seja para abordar aspectos naturais quanto aspectos humanos.

Considerações finais

A disciplina Geografia permite que os professores discutam temas importantes para a formação da cidadania e construção da criticidade dos alunos em relação ao seu espaço de vivência. O conceito de cidade contribui significativamente à esta discussão por relacionar e enfocar a compreensão do local com o global.

A cidade pode ser considerada uma porção do espaço mais próxima do sujeito, que expressa seu cotidiano, mas refletem conjecturas e fatos mais amplos. É preciso deixar

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claro para o aluno essa dinâmica espacial, que pode ser retratada em diferentes conteú-dos geográficos, como demostrado no currículo referente aos 1º, 2º e 3º semestres da Educação de Jovens e Adultos.

Acreditamos que o conhecimento geográfico pode ser construído em sala de aula na interação entre professores e alunos, onde ambos têm muito a contribuir neste proces-so. Dessa forma, o docente atua como mediador do conhecimento, auxiliando nas desco-bertas, deixando para trás aquela imagem do professor como detentor único do saber e o aluno como mero receptor.

Ao proceder a análise do conceito de cidade enquanto conteúdo geográfico no cur-rículo escolar da EJA, ficou evidente a relevância dada a seu estudo. Em todos os bimes-tres das turmas analisadas (1º, 2º e 3º semestres) é possível discutir, de maneira direta ou indireta, mostrando ao aluno que a cidade, enquanto lugar, está em sintonia com o resto do mundo por meio do processo de globalização, que pode valorizá-la ou não conforme interesses capitalistas. Será essa discussão tem sido uma realidade em todas as turmas? Será que os docentes capturaram que esse é o caminho a ser seguido na Geografia/EJA?

Enfim, trabalhar a cidade e o espaço urbano em sala de aula pode contribuir para que o aluno supere o senso comum, ampliando o desenvolvimento da consciência es-pacial e do raciocínio geográfico, permitindo a interpretação do mundo e das relações sociais no contexto no qual está inserido. Assim a Geografia vai além da formação de cidadãos críticos. Busca-se dar a esses a capacidade de atuarem como atores principais na transformação da sociedade, amenizando as desigualdades sociais, vislumbrando a construção de uma sociedade mais justa.

Referências

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 241

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MAKARENKO E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Thiago Henrique Jerônimo1

Mauro Antonio Andreata2

Resumo: O presente trabalho apresenta propostas para solucionar alguns dos principais problemas encontrados em colégios da modalidade EJA (Educação deJo-vens e Adultos). As propostassão baseadas na pedagogiado educador ucranianoAnton Semiónovitch Makarenko(1888-1939).Primeiramente mencionamosalguns dos principais problemas encontrados quando da atuaçãode um dos autores (THJ)comoestagiário num colégioda modalidade EJA no interior de Goiás. Em seguida, apresentamos abiografia de-Makarenko e fazemos um apanhado dos mais importantespreceitos educacionais desen-volvidos por ele,tais como: trabalho coletivo, família e escola, disciplina, cortesia e assem-bleias.Concluímoselencandoalgumas propostas adaptadas para a nossa realidade, a fim de solucionar tais problemas.

Palavras-chave: Makarenko. Coletivo.EJA.

Introdução

Por meio deste artigo busca-se apresentar algumas sugestões de adaptações da pe-dagogia do coletivo do educador ucranianoAnton SemiónovitchMakarenko(1888-1939). Ométodo pedagógico desenvolvido por ele entre os anos de 1920 e 1928, enquanto es-tava à frente da direção da colônia Górki,pode ser empregadoem colégios de modalidade EJA (Educação deJovens e Adultos), visando solucionar diversos problemasencontrados

1 Universidade Federal de Goiás –UFG, Departamento de Física. Contato: [email protected]

2 Universidade Federal de Goiás –UFG, Departamento de Física. Contato: [email protected]

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pelos professores,principalmente na disciplina de Física, onde a falta de um bom material didático dificulta bastante o aprendizado e a fixação do conteúdo.

Tem-se que entender que antes de aplicar algum método pedagógico, deve-se analisar e estudar a possibilidade do mesmo atender as necessidadesda escola envolvida. Não se deve simplesmente copiar todo o método e aplicá-lo em uma determinada turma. São necessárias grandes adaptações para que o método não se torne prejudicial, ao invés de solucionar problemas.

Durante o Estágio Supervisionadode um dos autores (THJ) deste trabalho, foi pos-sívelobservar e, posteriormente, assumir uma turma da modalidade EJA. A partir dessas observações,primeiramente apresentaremos algumas das principais dificuldades encon-tradas no desenvolvimento das atividades no âmbito da escola e na disciplina de Física.

Num segundo momento, será apresentada uma breve biografia de Makarenko utili-zando-se como subsídio o livro “Anton Makarenko, vida e obra: apedagogia na revolução” (LUEDEMANN, 2002)para termos uma visão ampla de vida e de suas propostas pedagógi-cas. Em seguida faremos um apanhado dos principais preceitos educacionais desenvolvi-dospor ele tais como: trabalho coletivo, família e escola, disciplina, cortesiae assembleias.

Finalmente,após uma análise da proposta de ensino de Makarenko, faremos uma re-flexão acerca dos problemas e apontaremos algumas adaptações de seu método, que acre-ditamos serem capazes de solucionar diversos problemas encontrados naquele colégio.

1 Experiências profissionais

Quandoum dos autores (THJ)estava na graduação,uma das exigências era a realiza-ção de estágio. Ao cursar a disciplinaEstágio 2, ele teve a oportunidade de ministrar aulas num colégio de modalidade EJA. Na época, o Colégio contava apenas com um professor formado em matemática, o qual também era o diretor eministrava aulas de Matemática e Física para todas as turmas. Assim a turma do 3º ano deEJAdo Ensino Médio se tornou suaprimeira turma de alunos, na qualdaria aulas de física duas vezes na semana.

Com o passar das primeiras semanas, já foi possível observar alguns dos problemas que atrapalhavam o andamento das aulas. Um dos principaiseraque alguns alunos chega-vam atrasados e sempre perdiam de 15 a 20 minutos de aula, o queo faziavoltar e explicar tudo novamente para poder seguir com o curso normal da aula

Dessa forma, decidiuprocurar maneiras de solucionar alguns desses problemas.Então teve a ideia de conversar com cada um,individualmente, abordando-os no inter-valo ou mesmo quando os via passando pela sala dos professores. Os alunos que sempre

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conversavam e,algumas vezes,até atrapalhavam os outros alunos eram os mais jovens da turma, tinham entre 18 e 23 anos de idade e não trabalhavam. Os alunos com mais difi-culdades de acompanhar as aulas e de entender a matéria eram os mais velhos da turma e moravam na zona rural do município.

Com o problema da diferença de idade e as dificuldades que os alunos mais velhos e há muito tempo sem estudarenfrentavam, conversou com a turma e percebeu que dei-xaraescapar mais um problema. Como alguns eram da zona rural e outros trabalhavam a semana inteira, era de se imaginar que nos sábados eles não teriam ânimo para estu-dar. Então sugeriu que se encontrassem nos intervalos de aula do colégio e tam-bém quando tivessem aula vaga, quando um professor faltasse. Deu certo, pois os alunos mais dedicados aceitaram o desafio de auxiliar os com maisdificuldades. Mas havia ainda aqueles alunos problemáticos, que não queriam saber de aulas extras, nem mesmo se dispunham a ajudar outros alunos, estavam sempre conversando em sala e por várias vezes foi preciso chamar a polícia por conta de confusões na porta do colégio provocadas por eles. Com esses, combinamos que haveria uma nota extra de 1 ponto se a turma não criasse tumulto. Assim, quando eles começa-vam a barulheira os mais velhos logo já pediam para diminuir o barulho, e eles os respeitavam. Dessa forma, a responsabilidade da nota extra da turma toda era de interesse de todos.

Com esta turma, pode aprender sobre as dificuldades que o ensino de EJA enfrenta, principalmente em uma disciplina de exatas, como foi o seu caso, lecionando Física.

Quando teve a oportunidade de fazer a disciplina Prática 5 com o Professor Doutor Mauro Antonio Andreata, contou-lhesobre essa experiência e todas as dificuldades que encontrou. O professor Mauro lheindicou a leitura da obra “Poema Pedagógico ”(MAKARENKO, 1989), e logo conseguiuidentificar que as dificuldades encontradas por Makarenkoao educar jovens infratores em um país comunista que passava por uma re-volução eram bem parecidascom as do EJA. Assim, decidimos escrever este trabalho a fim de apontar algumas estratégias emétodos utilizados por Makarenko eque podem ser adaptados aos dias de hoje em colégios que vivamos mesmos problemas.

2 A história de Makarenko

Esta pequena biografia do Makarenko se baseia no livro “Anton Makarenko, vida e obra: a pedagogia na revolução”(LUEDEMANN, 2002). Em 1 de março de 1888,na cidade de Belapolie, província de Kharkov, na Ucrânia, nascia Anton SemiónovitchMakarenko, filho do operário da ferrovia Semion Grigorievich e da dona de casa Tatiana Mikhailovna Dergachova. Durante sua infância Makarenko foi privado de atividades e brincadeiras

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com outras crianças. Se por um lado Makarenko não podia se divertir nas ruas com outras crianças, por outro lado se divertia com histórias e canções do folclore ucraniano, conta-dos por sua mãe enquanto a mesma realizavaos afazeres de casa.

Sua família passava por dificuldadesde manter a casa, Semion passaria a fazer bi-cos além de sua rotina normal de trabalho de até 14 horas diárias, o que o deixaria mais afastado da criação de seus filhos.Com essa educação, Makarenko foi se formando, o dia a dia do trabalho, as necessidades de uma família que morava em uma cidade operária e as dificuldades de um menino franzino e adoentado. Aos 7 anos de idade, partindo para a educação primária, Makarenko recebeas orientações de Semion, escutando-as em silên-cio e com bastante atenção.

Makarenko, por já ter entrado no 1º ano já alfabetizado, graças a Tatiana, sempre fazia suas tarefas e leituras sem medo de castigos, e como sempre terminava suas lições antes queseus colegas. E com tempo para observá-los, pareciam que eram os mesmos co-legas que brincavam na rua e pulavammuros, a diferença é que na escola estavam todos uniformizados como em um exército.

Aos 9 anos de idade, Makarenko concluiu a escola primária. Suas notas foram as melhores da turma, estava preparado para entrar no ginásio onde o curso teria duração de 6 anos.Durante sua passagem pelo ginásio, Makarenko se tornou autodidata. Sua curiosidade fora aflorada, deixando-o interessado em tudo, em especial os mistérios da astronomia, mas acimade tudo sua paixão era a literatura, onde se afundava em aventuras literárias.

Aos 12 anos Makarenko deixou para trás a vida em uma pequena cidade operária.Makarenko teve a oportunidade de conhecer um novo mundo cultural e bem mais avan-çado. Continuou o ginásio em um colégio em Krementchug, e novamente se destacou entre os colegas de classe.

Com apenas 17 anos já havia terminado o Magistério. Apesar dasdeficiências de sua formação, não via a hora de testar seus métodos de ensino. De início deu aulas nas escolas ferroviárias de primário entre 1905 e 1910, na cidade de Kriukov. Logo depois se tornou diretor em Dolinskaia.

De1905 até 1910 lutoupara constituir uma nova educação nas escolas ferroviárias aproveitando-sedo coletivo social operário para destruir o tsarismo dentro de suas esco-las. Essa primeira experiência mostrou a ele as múltiplas possibilidades de uma vida cole-tiva na escola. Já em 1911 como punição, fora tirado das salas de aula e nomeado inspetor na aldeia Dolinskaia com intuito de acabar com sua educação revolucionária e poder ob-servá-lo de perto. Mas essa punição lhe caiu bem, pois na direção da escola ele tinha não só os professores em sua mão, mas também os alunos. Ele conseguiu abrir as portas para

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a comunidade, pois os pais passaram a participar mais da vida escolar. Em 1914, preocu-pado com o início da primeira Guerra Mundial e com o movimento de libertação nacional encerrou o seu trabalho educacional na aldeia de Dolinskaia.

Em 1916 foi retirado de seus estudos para o serviço militar, o que lhe surpreendeu muito. Devido a suas condições físicas, durante meses exerceu atividadesadministrativa-so que para ele parecia um castigo. Mas com a ajuda de colegas, conseguiu uma segunda avaliação médicatornando-oinapto para o serviço militar. Neste mesmo ano, seu pai fa-leceu, abalando mais uma vez o seu entusiasmo para os estudos. O homem que lhe dera força e confiança havia partido. Então tornou-se professor particular durante suas férias.

Em 1917 terminou o seu Curso de Pedagogia como melhor aluno do Instituto de Pedagogia, lembrando-se do conselho de seu pai quando criança “Esta escola não é para nós. Mostre o quanto vales...”(LUEDEMANN 2002, p. 85, grifo do autor).Apesar de seu es-pírito revolucionárioMakarenko, nunca se colocou a frente das ações dos militantes. Ele travava suas batalhas no campo da educação. Em 1918 retornou a escola da ferrovia de Kriukov como diretor.

Em 1920 foi decretada a libertação da Ucrânia do antigo império russo, passando a se constituir como República Soviética da Ucrânia. Com a orientação da Comissão de Instrução Pública, intensos debates em relação à educação surgiram entre os professores em busca de uma educação comunista. Trazendo uma educação legítima que respeitasse a identidade cultural de cada povo. Analisaram diferentes frentes de estudos como a de Rousseau, com a sua autoeducação, e Jean Piaget, com sua apreensão lógica e biológica do indivíduo.

Aos 32 anos, Makarenko estava na direção de uma escola improvisada em Poltava. O espaço não se parecia nem um pouco com uma escola salas sujas e cheiro de tabaco e seu trabalho com os alunos não ia bem.

2.1 Colônia Górki (1920-1928)

Makarenko sempre foi conhecido pelo seu trabalho na Colônia Górki, todas as difi-culdades por ele enfrentada serviam como ferramentas para que ele pudesse continuar um novo modelo de educação baseado na coletividade.

Assim lhe foiproposto: “O que foi antes da Revolução não presta para nós. Temos de criar o homem novo de maneira nova. Precisamos de um homem novo assim... um que seja nosso! E você trate de construí-lo” (LUEDEMANN 2002, p. 118).

Logo que assumiu a direção, já era de conhecimento de Makarenko o preconceito que esse tipo de programa sofria na época, pois ninguém realmente acreditava na reabi-

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litação desses jovens, apenas os queriam para o trabalho manual. Contudo, ele resolveu romper com a velha maneira que se formava a personalidade e introduzir a atividade pedagógica com base no coletivo e não no individual.A construção da coletividade na colônia Górkise estendeu por 8 anos. Primeiramenteem Poltava,depois em Trepke e, por fim, em Kuriaj.

2.1.1 Poltava (1920-1923)

O que Makarenko conseguiu e construiu a respeito da coletividade não estava em livros. Tudo foi baseado em tentativas e erros e feito sempre com força de vontade e con-fiança naquilo que estava trabalhando.

De início, foi-lhe dado um sítio que ficava a 6 km de Poltava, antigo local de uma colônia para infratores.Sua primeira fase foi a organização. Procuraram suprimentos e tra-balharam duro para que a colônia se tornasseapresentável aos educandos. Porém, todos os esforços foram por água a baixo quando em 4 de dezembro de 1920 chegaram a co-lôniaZadorov, Burun, Volokhov, Bendiuk, Gud e Taranets, todos bem apresentáveis eele-gantes. Eram os 6 primeiros internos eem nada se pareciam com delinquentes ou mesmo abandonados. Pelo contrário, riam das condições dos aposentos, não ajudavam em nada nas obrigações, reclamavam da comida e começaram a ir para povoados próximos para roubar durante o dia e só retornavam a noite para dormir.

Isso se tornou a rotina da colônia por 4 meses, até que em um ato desesperado, e repudiado nos dias de hoje, Makarenko agride Zadarov e obriga ele e os outros a traba-lhar, participar dos estudos e seguir as regras da comunidade. Assim, antes que todos fos-sem rotulados de problema sem soluçãoe devolvidos ao sistema, eles passaram a seguir a rotina de trabalho e estudo e a cuidar uns dos outros. Enquanto isso, Makarenko estava sempre atrás de recursos para que todos pudessem superar a fome e as dificuldades, que tanto atrapalhavam o sucesso de seus planos.

Assim começava uma caminhada difícil, arriscada e extenuante, mas que levaria a um grandesucesso na vida de todos. Com achegada de novos integrantes a comunidade, os mais velhos se tornavam exemplos para os mais jovens, auxiliando-os com a intro-dução ao coletivo. Makarenko sempre lia obras de Górki a noitee sempre via nos jovens educandos a emoção de perceber que,assim como eles, Górki também passara por vários problemas e dificuldades e isso os deixava motivadospara superar tudo e lutar pelo ideal do coletivo.

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2.1.2 Trepke (1923-1926)

Em 7 de outubro de 1923, após muitos problemas e conflitos com camponeses e grandes fazendeiros, Makarenko transferiu todos os 80 internos da colônia Górkiem Poltava, que já não suportava a todos, para Trepke, uma região maior e com mais infraes-trutura para que o trabalho fosse melhor desenvolvido.

Começava uma nova fase para todos. Dessa vez, a luta era contra o preconceito que havia sobre ex-marginais terem capacidades intelectuais. Mas a melhor qualidade de vida provou o contrário. Ele viu a força de vontade e o empenho que todos tinham. Mais tarde, esses alunos poderiam até cursar a Rabfak, isto é, a faculdadeoperária. Tudo estava se desenvolvendo bem, a biblioteca tinha recebido muitas obras novas e Makarenko olhava maravilhado “suas crianças” estudando.

Na colônia, alguns alunos já estavam sendo preparados para ingressar na faculdade operária. Eles poderiam ser os primeiros oriundos de um sistema de reabilitação. Também receberam algumas alunas do Instituto de Pedagogia de Kharkov que estavam ali para pesquisar sobre o seu novo método pedagógico.

Em 1924, todos estavam felizes com os primeiros educandos partindo para uma nova jornada rumo à faculdade. Deste momento em diante, já era possível ver algumas crianças se perguntando qual curso deveriam seguir quando fossem para faculdade. Uma nova realidade tomava conta da colônia.

2.1.3 Kuriaj (1926-1928)

Com o sucesso em Trepke, agora a Comissão de Instrução Pública apontaria a Makarenko os grandes problemas em Kuriaj. Lá estavam 400 educandos e 40 educadores e nem uma esperança. Após uma reunião com os educandos,decidiram partir para Kuriaj que ficava a apenas6 Km de Kharkov. Em 9 de maio de 1926, estavam lá 11 educandos e 4 educadores da colônia Górkiem uma missão de reconhecimento. Para sua tristeza, nada parecia promissor. Todos em Kuriajvestiam trapos e estavam mal nutridos, em especial os mais novos queeram roubados pelos mais velhos, os prédios estavam em ruínas e quase não havia suprimentos, não havia estudo nem sequer trabalho.

Após uma reunião geral, Makarenko deu inicio a um trabalho exaustivo que se es-tendeu por todo o ano de 1926. No ano seguinte, porém, obtiveram ótimos resultadose a

colônia atingiuo seu objetivo. Nesse intervalo de tempo, Makarenko já tinha resumi-do o seu método de ensino usando a coletividade para outras instituições de reabilitação.

De 1927 a 1935, Makarenko esteve à frente da Comuna de Dzerjinski que foi pre-

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parada para receber cem colonos. Ele iniciou o seu trabalho pedagógico com cinquenta gorkianos para que os novos alunosapreendessem com eles a vida coletiva. Logovárias crianças em busca de uma vida melhor chegavam à colônia.

O seu trabalho com pedagogo ficou conhecido após a exibição do filme O Caminho da vida,em 1931, pois foi visto em vários países e muitos educadores procuraram conhe-cer suas propostas de ensino coletivo. Em 1937 encerrou as suas experiências pedagógi-cas e saiu da Comuna. No entanto, boa parte de suas obras já haviam sido publicadas e suas teses educacionaiseramconhecidas por vários educadores.

3 Coletividade: A pedagogia do Makarenko

Makarenko foi convidado pelo Estado Soviéticobolchevique para assumir uma co-lônia para crianças e jovens adolescente infratores e elaborar um método de ensino que pudesse formar um novo homem que fosse solidário e preocupado com a sociedade. Em 1920, ele começou o seu trabalho na Colônia Górki enfrentando grandes dificuldades não só financeiras, mas de espaço físico e de professoresque estivessem dispostos a trabalhar.

Segundo Luedemann (2002), Makarenko aprendeu muito com seus erros e acer-tos, mas percebeu que devia “construir” um ambiente do qualos educandos se sentissem parte. Assim, a escola foi organizada na coletividade no interesse da colônia. Segundo Makarenko: “A coletividade é um complexo de indivíduos que têm um objetivo determi-nado, estão organizados e possuem organismos coletivos. São conscientes, devem discu-tir esse projetoe se responsabilizar por ele, passo a passo”(LUEDEMANN, 2002, p. 150-151).

Sendo assim, o trabalho coletivo na escola deve ser entendido como um grupo de pessoas com um objetivocomum, ou seja, a comunidade escolar (professores, coordena-dores, diretores e alunos) e a comunidade devem trabalhar juntos. Desta forma, a esco-la se torna democrática. No entanto, ao analisarmos essa proposta, devemos pensar na sua aplicabilidade na atualidade. Vejamos alguns aspectos importantes da proposta de Makarenko como trabalho coletivo, família e escola, disciplina, cortesia e assembleias.

A princípio, Makarenko enfrentou problemas não muito diferentes dos que enfren-tamos hoje nas escolas: violência física e verbal, roubos, bebidas alcoólicas entreoutros como o consumo e tráfico de drogas. Adisciplina exigida por ele visava o cumprimento das tarefas, o respeito mútuono trabalho, pois dessa forma alcançariam os seus objetivos. A sua forma de trabalhar foi bastante criticada, pois se baseava em técnicas militares, mas com certa sutileza. Makarenko não esperava que seus alunos estivessem submissos a ele ou aos professores e sim que estivessem cientes do seu dever moral perante a sociedade.

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Para ele, a obediência e a submissão não são sinais de disciplina. Disciplina é ser capaz de controlar atitudes que lhe darão autossatisfação, mas que não irãoprejudicar os outros. Por outro lado, “[...] a disciplina não se cria com algumas medidas disciplinares, mas com todo o sistema educativo, com a organizaçãode toda a vida, com a soma de to-das as influências que atuam sobre a criança”(MAKARENKO, 1981, p. 38).

Makarenko nos faz pensar e analisar que caminho a educação vem tomando, por mais que algumas de suas ideias sejam um tanto fora dos “padrões” pedagógicos porque ele, com a sua cortesia e muito respeito aos seus alunos, fez com que se sentissemparte daquele coletivo, vendo-se como útil para todos. Esse esforço foi recompensado, porque ele conseguiu transformar a vida daqueles alunos que estavam fadadosà marginalidade. Em um de seus relatos, ele admira o seu feito quando percebe que nos momentos de fol-ga, por assim dizer, os alunos frequentavam a biblioteca.

4 Ideias de Makarenko aplicadas ao EJA

Hoje, conhecendo o trabalho de Makarenko, e sabendo sobre as dificuldades que um professor encontrava no EJA na época do estágio, não é difícil perceber que várias de suas ideias podem se tornar úteis para os colégios que passam pelo mesmo problema.

Alguns poderão até estranhar a ideia dautilização de um método de ensino de um educador do início do século XX em um país comunista e em plena revolução. Mas de-vemos lembrar que a simples utilização de qualquer método de ensino em um ambiente diferente do que foi criado tende a falhar, por isso devemos fazer uma adaptação a nossa cultura e época.

De acordo com Bencini (2008, p. 01): “O método criado por ele era uma novidade porque organizava a escola como coletividade e levava em conta os sentimentos dos alu-nos na busca pela felicidade, aliás um conceito que só teria sentido se fosse para todos.”

Mudar radicalmente um colégio que possui vários problemas como, por exemplo, a falta de verba para dar melhores condições de trabalho aos professores e de ensino aos alunos e eliminar diversos problemas com criminalidade, não é tarefa fácil. É preciso, por-tanto, lembrar a todos, desde o diretor até os alunos, que eles estão ali por um só objetivo: oferecer aos jovens, adultos, idosos, pessoas com deficiência, apenados e jovens em con-flito com a lei, fora da faixa etária da escolaridade regular de conclusão e continuidade de estudos, oportunidades de escolarização que aliem a educação básica em nível médio à educação profissional, com desenvolvimento de competências e habilidades que propi-ciem a formação integral do aluno como cidadão e profissional de qualidade.

Esses objetivos já eram buscados por Makarenko no século XX, quando ele se preo-

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cupava em formar personalidades, pessoas conscientes de seu papel político e social e que se importassem com o bem-estardo grupo. Assim deveria ser na escola do EJA. Mas, para tais mudanças e implantação da coletividade, devemos pensar no que poderia ou não dar certo.

Makarenko cobrava muito que seus educandos e seus educadores fossem cordiais uns com os outros, e assim deve ser no colégio. Durante o período de estágio, um dos autores (THJ) pode perceber que a falta de educação e o desrespeito imperavam nos corredores e salas de aula, na sua maioria por parte dos professores. Deve ser feito um trabalho muito intenso para solucionar este problema, pois um simples desrespeito pode gerar vários conflitos e influenciar na relação professor-aluno, ou seja, afetar a relação ensino-aprendizagem.

Várias das ideias de Makarenko devem ser adaptadas e aplicadas no colégio como um todo, mas pode-se também começar um trabalho com alunos de uma determinada disciplina. Épossível pensar em algumas ideias,aproveitando tudo o que já foicitado aci-ma e, mesmo aplicado em apenas uma determinada turma, isso daria uma repercussão em toda a unidade.

Umas das ideias que, nossa opinião, é muitoimportante é a que diz respeito ao tra-balho. Como disse Makarenko, “é preciso mostrar aos alunos que o trabalho e a vidadeles são parte do trabalho e da vida do país”,mas diferentemente do que foi trabalhado com os educandos de Makarenko em suas colônias, não épossívelcolocar alunos para limpar a sala ou mesmo trabalhar para conseguir verbas para o colégio. A ideia de trabalho para os dias de hoje em uma turma de física seria a criação de um pequeno laboratório, onde os alunos trabalhariam em experimentos de baixo custo, com foco em situações de suas vidas.

E possível também procurar pessoas que passaram pelo EJA e que se deram bem com o estudo que tiveram. Assim, através de palestras contando suas histórias, eles incen-tivariam os alunos a seguir em frente e a nunca desistir, assim como Makarenko que usava seus educandos que foram promissores para incentivar os demais.

Essas são apenas algumas ideias que podemos ter quando conhecemos Makarenko.Apesar de eleter criado o seu método do coletivo numa época e cultura muito distante da nossa nos dias de hoje é possível, com algumas adaptações, a organização de um colégio na modalidade EJA utilizando o método do coletivo.

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Considerações Finais

Este artigo apontou as dificuldades que atrapalharam a trajetória dosalunosdoE-JA,de uma cidade no interior de Goiás, que estavamem busca dos estudos que tiveram queabandonar enquanto jovens, e mencionou as barreiras que um professor de Física desta modalidade encontrano seu cotidiano. Podemos, após ter apresentado, discutido e colocado em prática a pedagogia de Makarenko, concluir que as adaptações propostas neste trabalhopodem contribuir bastantepara a melhora do ensino em colégios damoda-lidade EJA.

Referências

BENCINI, Roberta. Anton Makarenko, o professor do coletivo, 2008.Disponível em: <https://nova-escola.org.br/conteudo/1557/anton-makarenko-o-professor-do-coletivo>. Acesso em: 01 dez. 2018.

LUEDEMANN, Cecília da Silveira. Anton Makarenko,vida e obra:a pedagogia na revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2002.432 p.

MAKARENKO, Anton Semiónovitch. Poema pedagógico.Tradução direta do russo de Tatiana Belinky. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. v. 1.277 p.

MAKARENKO, AntonSemiónovitch. Conferências sobre educação infantil. Tradução de Maria Aparecida Abelaira Vizotto. São Paulo:Moraes,1981.95 p.

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PRODUÇÃO DE MATERIAL CARTOGRÁFICO NAS SÉRIES

INICIAS DO ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE CATALÃO (GO)

Keroleinny Kariny Da Rocha Reis1

Prof. Dr. João Donizete Lima2

Profª. Drª. Odelfa Rosa3

Unidade Acadêmica Especial Instituto de Geografia – RC/UFG

Resumo: A vivência pedagógica no curso de Licenciatura em Geografia da RC\UFG, nos colocou em contato com uma realidade não muito confortável, que é a falta de ma-terial cartográfico, existente nas instituições de ensino do 1º ciclo do Ensino Fundamental de Catalão (GO). Em função da falta de recursos nas escolas, as aulas ficam com explica-ções mais teóricas, causando dificuldades de entendimento de conceitos e conteúdo. O problema levantado é, até que ponto a falta de recursos em encontrar material didático da realidade local, prejudica o aprendizado do aluno no Ensino Fundamental? Visando contribuir com essas discussões o objetivo da pesquisa será elaborar um Atlas Geográfico Escolar Municipal com temas locais com o fim de despertar no aluno a busca de enten-dimento da dinâmica espacial. A metodologia visa um levantamento de autores que tra-balham o tema, proporcionando aos alunos do Ensino Fundamental uma melhor com-preensão com conceitos do espaço vivido.

Palavras-chave: Geografia. Cartografia. Atlas.

1 orientanda – Unidade Acadêmica Especial Instituto de Geografia - [email protected]

2 orientador – Unidade Acadêmica Especial Instituto de Geografia - [email protected]

3 co-orientadora – Unidade Acadêmica Especial Instituto de Geografia - [email protected] Texto revisado pelo orientador

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Introdução

A vivência pedagógica no curso de Licenciatura em Geografia da Regional Catalão da UFG, nos colocou em contato com uma realidade não muito confortável, que é a falta de material cartográfico, atualmente, existente nas escolas públicas municipais e estaduais no 1º ciclo do Ensino Fundamental de Catalão (GO). Isso nos levou a participar do presen-te projeto “Produção de Material Cartográfico nas Séries Inicias do Ensino Fundamental no Município de Catalão (GO)”, o qual foi contemplado no Edital PRPI N.01/2017 (PIBIC/PIBIC-AF/PIVIC), que teve seu início em 01 de agosto de 2017, todavia em decorrência da desistência do 1º bolsista vinculado a este projeto em março de 2018, o meu vínculo com o mesmo somente ocorre a partir de abril de 2018, dessa forma não foi possível no 1º semestre de 2018, produzir e publicar nenhum material oriunda dessa pesquisa. Feitas as devidas justificativas, nessa pesquisa procurou-se dar continuidade ao que havia sido realizado até então e também demonstrar nossas preocupações com a prática do Ensino de Geografia em Catalão (GO).

Ao longo dos anos, o ensino de Geografia vem passando por constantes atualiza-ções nos conteúdos físicos, humanos e cartográficos. Com essas atualizações, as dificulda-des vão aparecendo há cada dia em função da falta de recursos nas escolas públicas, bem como despertar o interesse por parte do aluno dentro e fora da sala de aula, e também pelo acomodar dos professores na busca por novas formas de metodologias para um melhor aprendizado, facilitando a compreensão do espaço estudado. As escolas públi-cas também não colocam a disposição dos professores, recursos didáticos e pedagógicos para trabalhar com informações locais e regionais, destacando o Município de Catalão (GO). Paralelo ao exposto, o problema levantado da pesquisa que se coloca é, até que ponto a falta de recursos e a dificuldade dos professores em encontrar material didáti-co prejudica o aprendizado para trabalhar a realidade local no Ensino Fundamental em Escolas Públicas de Catalão (GO), em função do livro didático não trazer essa realidade?

A falta de habilidades cartográficas leva o aluno a ter dificuldades de saber ler e interpretar um mapa, como um conjunto de mapas do espaço conhecido e vivido por ele. Pensando nessas dificuldades optamos por elaborar um Atlas do Município de Catalão (GO), com o objetivo de permitir a visualização em modo reduzido do espaço local, mos-trando algumas informações como a história de

Catalão (GO), fotografias antigas e atuais, Hino, e Bandeira do Município bem como a localização geográfica, limites, relevo, vegetação, hidrografia, uso do solo e outras in-formações consideradas necessárias. O uso de recursos como o Atlas conduz o aluno a fazer uma análise da realidade onde vive, associando o conteúdo do lugar ao conteúdo proposto no livro didático.

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Essas informações especializadas servirão para subsidiar as aulas de Geografia para a rede pública de ensino básico em função da falta de material local para auxiliar o profes-sor no processo de ensino aprendizagem. Assim, reafirmar-se a necessidade de elaborar um Atlas escolar como forma de transposição didática, visando despertar no aluno a bus-ca de entendimento da dinâmica espacial e territorial do local conhecido. Neste contexto, o artigo visa apontar os resultados obtidos, até o momento, do projeto em andamento, direcionado para o Ensino Fundamental buscando atender as demandas locais.

O Atlas Escolar Didático de Catalão levará o Ensino de Cartografia para as séries iniciais das Escolas Públicas, fazendo os alunos se interessarem pela própria cidade, pela história, ficando mais motivados a aprender a parte geográfica e juntamente com a Cartografia; já que a didática é o conteúdo que as redes públicas oferecem.

O município é uma espécie de sede regional histórica; em Catalão (GO) o tempo não foi capaz de apagar as marcas impressas no espaço durante seu processo de forma-ção, misturando o antigo com o novo e o moderno, deixando à vista seu processo de desenvolvimento econômico e suas culturas. Tendo noção que o Atlas trará um pouco de tudo que a cidade traz desde suas culturas, os solos, entre tantas outras coisas que a cidade traz.

Desenvolvimento

Os problemas detectados nas escolas públicas do município de Catalão (GO), sejam elas estaduais, municipais, particulares ou filantrópicas no que se refere aos produtos car-tográficos voltados às 1ªs e 2ªs fases do ensino fundamental é o que delimita os objetivos dessa pesquisa.

Construir um Atlas Geográfico Escolar do município de Catalão (GO), material didá-tico pedagógico, permitindo a visualização em modo reduzido do espaço local, aprimo-rando a aprendizagem através de atividades práticas do conteúdo cartográfico no Ensino Fundamental.

Contribuir para um melhor aprendizado do conteúdo cartográfico utilizando o Atlas Geográfico com atividades práticas a serem desenvolvidas pelos alunos do ensino fundamental. Diversificar os recursos didáticos pedagógicos para propiciar uma partici-pação do aluno na elaboração do conhecimento cartográfico. Construir uma interface en-tre Geografia e Cartografia usando o Atlas como apoio ao ensino nas aulas de Geografia e nos trabalhos didáticos.

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Metodologia:

A Geografia é uma ciência fundamental para a compreensão e entendimento da realidade na qual estamos inseridos. Paralelo a isso a cartografia aparece e complementa a efetivação do estudo com os elementos representativos de determinado espaço. Neste sentido a construção de um Atlas Geográfico escolar como material didático pedagógico de apoio a realidade vivida do aluno (local), mostra-se oportuna devido à escassez de conteúdo cartográfico nas escolas Públicas de Catalão (GO).

O Atlas possibilita o desenvolvimento de um trabalho metodológico em que cada conjunto da temática poderá envolver propostas de atividades que promovam a observa-ção, descrição, correlação dos elementos vividos. A ideia de produzir um Atlas Geográfico para escolas Públicas de Catalão (GO) iniciou-se a partir da constatação de escassez de recursos didáticos voltados para realidade local.

Assim, começou-se a construção a partir de buscas de referencial teórico de autores direcionados ao tema pesquisado, levantamento de dados históricos do município, hino, bandeira, aspectos físicos (relevo, vegetação, hidrografia, uso do solo). Pesquisas sobre a educação, saídas a campo para a captura de fotos. Conjuntamente foram elaborados os mapas base da cidade de Catalão (GO). Nessa base cartográfica estão destacados as dre-nagem, rodovias, via férrea, limites municipais e área urbana, conforme mostra a figura 01. Em fase de elaboração estão os mapas de solo, geomorfologia, geologia e cobertura vegetal atual. Também fará parte do Atlas Cartográfico de Catalão (GO) um mapa pictórico.

Figura 01 – Mapa do município de Catalão (GO), destacados a drenagem, rodovias, via férrea, limites municipais e área urbana

Fonte: IMB/SIEG (GO) e IBGE - Org. e Adapt.: LIMA, J. D. 2018.

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Figura 02 – Mapa do município de Catalão (GO), destacando os variáveis tipos de solos

Fonte: IMB/SIEG (GO) e IBGE - Org. e Adapt.: LIMA, J. D. 2018.

Esses mapas serão disponibilizados no Formato A3 (29,7 X 41,99 cm), em meio di-gital para que o docente possa realizar sua impressão ou projeção através de projetor multimídia aos discentes nas escolas da rede pública da cidade de Catalão (GO).

Resultados da pesquisa

Na Geografia, atualmente temos um contexto marcado pelo forte avanço tecno-lógico que possibilita a articulação de um conjunto de técnicas que viabilizam a rapidez com que a informação atinge os diferentes lugares. Nesse processo revelador a Geografia constitui-se uma ciência fundamental para a compreensão de conceitos básicos, melho-rando o ensino aprendizagem, pois a falta do conteúdo local (lugar) no livro didático, dificulta o aprendizado. Assim, ao contestar a escassez ou quase nada de recursos didá-ticos voltados a realidade local, fizemos a opção pela construção de um Atlas Geográfico escolar para trabalhar o conteúdo Cartográfico despertando maior interesse tanto dos alunos, bem como dos professores. Raiz (1964, p.271) conceitua Atlas como uma coleção de mapas, formando geralmente um volume, publicado em um mesmo idioma, com sim-bolismo uniforme e identifica projeção, mas não necessariamente na mesma escala.

Concordamos com o autor quando expõe a questão da escala, porque isso se deve ao tamanho do mapa que será utilizado para diferentes temas. Tudo vai depender do que

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o autor vai informar e comunicar a partir dos dados levantados. Associado ao contexto acima, dizemos que o Atlas é composto não apenas de mapas e, sim de fotografias, tabe-las, gráficos, bem como pequenos textos explicativos e atividades que possam ser traba-lhadas em sala de aula com auxílio do professor.

A construção do Atlas Geográfico Municipal é um instrumento de análise importan-te das diferentes formas de apropriação do espaço local, no entanto é necessário ensinar desde as séries iniciais como trabalhar as primeiras noções espaciais, como interpretar e realizar a leitura dos elementos que estão sendo representados. Castrogiovanni, A.C. e Costella, R. Z. (2006. P.37), dizem:

Para que a escola faça parte do espaço vivido da criança, parece ser interessante que o professor, ao iniciar as aulas na primeira série do ensino fundamental, receba os alunos com a sala de aula, espaço “novo” desprovido de classes e ca-deiras, fazendo com que eles façam o reconhecimento do espaço [...]

Entendendo como parte que se configura entre cidadão e o local, esta relação per-mitirá ao aluno conhecer melhor sua realidade vivida, por meio da orientação, localização e representação espacial. O conceito de lugar não está relacionado apenas a localização e, sim as diferentes percepções das pessoas que ali vivem e compartilham do mesmo espaço.

Os PCNs de Geografia (1988 p. 29) colocam que: o lugar é onde estão as referên-cias das pessoas e o sistema de valores que direcionam as diferentes formas de perceber e construir a paisagem (...).

Assim para que o professor faça a mediação do conhecimento, considerando o lu-gar como foco do vivido será necessário dispor de recursos didáticos e desenvolver ativi-dades. Almeida (1994) A necessidade de realizar atividades em salas de aula proporciona aos alunos o domínio do espaço por meio da representação espacial da sala e do próprio corpo. É importante lembrar que essas atividades se tornam mais significativas para os alunos quando são realizadas com o uso do Atlas escolar Geográfico do espaço conhe-cido. O professor poderá planejar situações de atividades voltadas para a realidade do aluno, com o objetivo de mostrar a importância do clima, vegetação, relevo, comunida-des rurais, bairros urbanos, bem como conhecer e saber a importância das nascentes da cidade, os principais rios que cruzam o município.

O aluno será estimulado a fazer a leitura dos elementos do espaço conhecido, possi-bilitando ao mesmo um momento de interpretação dos objetos e de como eles realmen-te são. A partir destas atividades, o aluno é estimulado a questionar a realidade na qual ele vê e representa e no espaço em que está inserido dentro da sociedade. Acredita-se que a construção do Atlas Geográfico escolar irá possibilitar a inovações dos alunos, bem

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como o envolvimento dos mesmos com o conhecimento geográfico de forma dinâmica e coerente com suas vivências frente ao mundo que os cerca e, exercitando a compreensão do espaço.

Discussões O que nos incomodou e por vez nos conduziu a execução dessa atividade, foi e é a constante au-

sência de material cartográfico, voltado ao município de Catalão (GO) e região a qual será trabalhada em outro momento, ver figura 03.

Figura 03 – Mapa da Microrregião de Catalão e os 11 (onze) municípios que a compõem, atividade de ensino para colorir.

Fonte: IMB/SIEG (GO) e IBGE - Org. e Adapt.: LIMA, J. D. 2019.

O objetivo principal da proposta é elaborar um Atlas Geográfico Escolar Municipal, com o intuito de levar os alunos a compreender de forma mais ampla a realidade em que vivem. Sabe se que as escolas não dispõem de recursos didáticos pedagógicos necessá-rios para um bom desempenho do aluno, logo as dificuldades aumentam quando se trata da falta de um Atlas com temas direcionados a realidade do aluno. Vesentini (1990), colo-ca que, ao mesmo tempo em que retrata a realidade da escola brasileira, com suas preca-riedades e a necessidade do professor em buscar novas metodologias, não condiz com as práticas existentes no Ensino Fundamental, pois os professores dispõem apenas do livro didático como instrumento para ministrarem suas aulas. Daí a necessidade de elaborar, organizar e disponibilizar materiais didáticos para os professores do Ensino Fundamental.

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O estudo do espaço geográfico hoje, requer uma maior discussão e propostas metodológicas para a leitura da paisagem. A criança precisa compreender que os espa-ços são diferentes e as paisagens se transformam ao longo do tempo. Com isso deve-se priorizar os espaços vividos pelos alunos, bem como apresentar instrumentos de ensino para que os conteúdos, sejam menos abstratos e distantes da sua realidade. Conforme o exposto, o estudo do lugar se faz significativo uma vez que trabalha com a dimensão de pertencimento do aluno, não ignorando outras escalas de análises mais distantes. Ao estudar o lugar o aluno estará abordando a sua realidade por meio do espaço concreto. Callai (1988, p.74) nos diz, que; ao estudar o local não se pode perder de vista o regional, o nacional e o mundial. Assim, para entender o espaço próximo, devemos relacionar com outros espaços mais distantes.

Dizemos então que, a configuração espacial local será o ponto de partida para a construção do Atlas escolar específico à realidade municipal de Catalão (GO). Reitera-se que, no momento teremos resultados parciais para serem abordados, o encaminhamento da pesquisa referente a elaboração do Atlas Geográfico Escolar é bastante amplo. Para esta elaboração deverão ser seguidos alguns pontos importantes que considerem as contribuições com autores de referência que tratam sobre o Atlas. Assim, alguns passos deverão ser considerados como levantamento de informações sobre a área da pesquisa, qualificação de equipe, organização do material ilustrativo, produção do documento fi-nal, participação de eventos paralelo ao desenvolvimento de cada passo, organização de publicações e divulgação dos resultados.

O desenvolvimento do projeto iniciou-se, com as primeiras ações propostas no cro-nograma como levantamento de atividades e consultas de diversas bibliografias, a fim de descrever o referencial teórico necessário. Dentre elas podemos destacar importantes obras como, Almeida e Passini (1989), Callai (1998), Castrogiovanni (1999), Aguiar (2000), Le sann (1997). A partir deste levantamento inicial começamos a fazer as leituras e ficha-mentos destacando parágrafos importantes indispensáveis para a elaboração do referen-cial teórico.

Conjuntamente começamos a buscar materiais e levantamento de dados em docu-mentos como histórico do município de Catalão, Bandeira, Hino da cidade, relevo, clima, vegetação, hidrografia, uso do solo, localização geográfica, limites do Município dentre outros. Ressaltamos também o levantamento em materiais cartográficos como mapa do município e fotografias feitas durante algumas saídas de campo, realizadas em Catalão e no seu entorno.

Nas fotos 01 e 02 apresentamos algumas fotografias dos prédios históricos pesqui-sadas na cidade de Catalão (GO), obtidas a partir das saídas de campo onde buscou-se

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levantar se há ainda monumentos e prédios históricos na cidade e também nas comuni-dades rurais e distritos.

Foto 1 - Morro da saudade, popular morrinho do São João.

Foto 2: Museu Cornélio Ramos

Autor: SILVA, V. R. Set./2017.

O levantamento de dados continua em conjunto com consultas em bibliografias e participação em eventos elaborando artigos mostrando parte dos resultados coletados. Os dados que estão sendo obtidos permitirão dar início a elaboração do Atlas Geográfico voltado a realidade local como uma alternativa que acrescentará muito para o aprendiza-do das escolas públicas de Catalão. O recurso Atlas propicia ao aluno um maior dinamis-

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mo prático em relação ao espaço de vivencia. Por isso a elaboração do Atlas fará com que os alunos extraiam informações relacionadas ao seu espaço cotidiano, além de contribuir para que consolidem uma noção de espaço flexível, abrangente e relacional entre o espa-ço próximo e conhecido com o espaço distante. Tivemos participação no CONPEEX 2017 com produção de artigo gerando um banner para apresentação no evento realizado na regional Catalão da UFG. Paralelo estamos elaborando a sequência didática que fará parte do sumário do Atlas em desenvolvimento.

Conclusões

Visando a formação do cidadão a Geografia deve capacitar o aluno a construir co-nhecimentos e habilidades que os faça compreender o espaço de vivência. O lugar é com-posto por dados físicos como o relevo, hidrografia, vegetação e dados edificados como prédios, casas, avenidas, ruas, praças dentre outros. Muitas vezes nos sentimos sem cria-tividade diante de certos conteúdos que estão tão próximos e, pensamos como podería-mos traze-los para o conhecimento do aluno. São essas preocupações que nos fizeram pensar na prática como norteadora do trabalho pedagógico elaborando um projeto para construção de um Atlas Municipal que se encontra em andamento, logo teremos resulta-dos parciais. Os Atlas Geográficos são relevantes para a compreensão do espaço geográfi-co e sua contribuição se dará sobre os dados que estão sendo levantados, seja, através de documentos, literatura e ou trabalho de campo.

A medida que tomamos conhecimentos da importância de trabalhar a realidade local com os alunos do ensino fundamental, vamos ampliando nossas perspectivas e ga-rantindo uma aprendizagem mais significativa para a compreensão do espaço geográfico e seu entorno. A pesquisa busca como resultados esperados despertar uma Geografia crítica e o interesse do aluno para que os elementos representados no Atlas em cons-trução possam promover um ensino fundamentado entre teoria e prática mostrando a realidade local. A construção do Atlas irá inovar o material para ser usado em sala de aula pelo professor, bem como mostrar melhores conhecimentos sobre a realidade dos alunos. Contudo, esperamos como resultados a partir da elaboração do Atlas, poder con-tribuir com os alunos e professores atuantes em sala do ensino fundamental das escolas Públicas de Catalão GO.

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 265

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METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM

NO ENSINO DE FÍSICA

Marina Valentim1

Mauro Andreatta2

Resumo: O trabalho a seguir apresenta uma discussão bibliográfica sobre as me-todologias ativas de aprendizagem mais comumente utilizadas no ensino de física. Essas metodologias promovem uma modificação da sala de aula, contando com o protagonis-mo do aluno e provocando também uma mudança do papel do professor, que passa a ser um professor tutor. As metodologias apresentadas nesse trabalho são: a instrução pelos colegas (mais conhecida como o peer instruction), a aula invertida (flipped classroom) e a aprendizagem por problemas (conhecida também como PBL). Objetiva-se com essa dis-cussão apresentar as metodologias ativas de aprendizagem mais utilizadas no ensino de física à comunidade científica e a sua pertinência de utilização.

Palavras-chave: Metodologias ativas de aprendizagem, instrução pelos colegas, aula invertida, aprendizagem por problemas,

Introdução

A discussão apresentada a seguir é sobre a utilização de metodologias ativas de aprendizagem nas salas de aula de física. O ensino de física nas escolas brasileiras, tan-to de ensino básico quanto de ensino superior, enfrenta muitas dificuldades como por exemplo: o fraco desempenho e desinteresse dos estudantes em relação aos assuntos ensinados, professores(as) não licenciados em física ministrando aulas desses conteúdos, pouca compreensão conceitual de temas físicos por professores(as) e pelos alunos, difi-

1 Instituição: Universidade Federal de Goías-Regional Catalão, Unidade Especial de Educação, Contato:[email protected]

2 Instituição: Universidade Federal de Goías-Regional Catalão, Instituto de Física, Contato:[email protected]

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268 Selma Martines Peres Grenissa Bonvino Stafuzza Márcia Pereira dos Santos (ORGS.)

culdades com o formalismo matemático e conteúdos desconectados da realidade dos estudantes. A escola brasileira ensina a física dos séculos XVIII e XIX utilizando-se de aulas expositivas tradicionais. Além de ensinar uma física fora do contexto da sociedade atual, as aulas dadas são extremamente tradicionais, o aluno não é um participante ativo ape-nas escuta o professor, toma notas sendo praticamente um ouvinte.

Deseja-se que os alunos se envolvam nas atividades de sala de aula, participem e sejam voz ativa para que aprendam física e que esse conteúdo seja significativo na sua formação. Para que exista uma mudança no ensino de física e consequentemente na aprendizagem dos estudantes uma possibilidade de investigação é que se discutam na escola temais atuais e relevantes para a sociedade de forma diferente sala de aula tradi-cional, utilizando-se de metodologias ativas de aprendizagem, ou seja, transformando completamente a sala de aula.

As metodologias ativas de aprendizagem utilizadas em classe têm na sua essência o deslocamento do papel do professor, que ao invés de ser o protagonista da sala de aula passa a ser um mediador, permitindo assim uma participação ativa dos estudantes. Os ambientes de sala de aula tradicionais apresentam o professor no comando da aula, expondo o conteúdo no quadro, transferindo informação para os estudantes, que estão sentados em suas carteiras assistindo a tudo como telespectadores passivos. Essas aulas, ministradas de forma tradicional muitas vezes intercalam a explanação de um conceito, com a resolução de um exercício ou com uma demonstração. Os estudantes na maior parte do tempo admitem uma postura de não dialogar com seus colegas nem com o pro-fessor, que permanece com a postura de transferir conhecimento a todos. De acordo com Zhu e Sing (2011), existe nas aulas tradicionais de física um excesso de preocupação com a parte quantitativa da disciplina e uma menor importância é dada a parte qualitativa de entendimento dos conceitos.

Outro problema comum que aparece nas aulas tradicionais de física é que os estudantes prestam menos atenção à interpretação qualitativa do que às habi-lidades quantitativas quando estão aprendendo física. Sem incentivo, os alunos fazem pouco esforço para interpretar os conceitos e princípios e para organi-zar o conhecimento hierarquicamente. Eles tendem a utilizar um método para resolver os problemas de física, procurando uma fórmula na qual eles podem inserir todas as variáveis dadas no problema (ZHU; SINGH, 2011, p.24).

Dessa forma, atribui-se as metodologias ativas uma alternativa para modificar o aprendizado de estudantes, principalmente no que se refere a disciplina de Física, ao fazê-los participarem ativamente da sala de aula e desenvolverem autonomia em sua apren-dizagem. As metodologias ativas de aprendizagem têm em comum algumas característi-cas que são:

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 269

• Estimular a participação do aluno em sala de aula;

• Possibilitar que o aluno tenha múltiplos interesses no assunto ensinado por meio da liberdade nas atividades desenvolvidas;

• Valorizar o conhecimento contextualizado relacionado com a realidade dos estu-dantes;

• Estimular atividades em grupo contribuindo para a formação de autonomia e pen-samento crítico nos alunos;

• Promover a utilização de recursos tecnológicos, científicos e culturais por parte dos estudantes e;

• Socializar o conhecimento por meio do compartilhamento dos resultados das ati-vidades.

Para se conseguir uma participação ativa dos estudantes e obter sucesso de acordo com as habilidades listadas acima é essencial a participação efetiva e consciente do pro-fessor na sala de aula. Para que o educador possa aplicar a metodologia de modo eficaz e adaptá-la a sua sala de aula é necessário que ele tenha uma compreensão ampla dos fundamentos da metodologia e que saiba utilizá-la. É necessário também que o os pro-fessores(as) reconheçam a resistência que existe em ambientes educacionais para a apli-cação de novos métodos de ensino, para que possam encontrar estratégias de contornar e vencer essas dificuldades.

Pretende-se apresentar a seguir três metodologias de ensino: a aula invertida (fli-pped classroom), a instrução pelos colegas (mais conhecida como o peer instruction) e a aprendizagem por problemas (conhecida também como PBL). Essas metodologias são as mais comumente utilizadas no ensino de física.

1 Desenvolvimento

Dentre as metodologias ativas utilizadas no ensino de Física destacam-se: as au-las invertidas (flipped classroom); o peer instruction (instrução pelos colegas) e a apren-dizagem baseada em problemas que podem servir como ponto de partida para uma pesquisa em metodologias ativas aplicadas ao ensino de física. (ARAUJO; MAZUR, 2013; BERGMANN; SAMS, 2012; CROUCH; MAZUR, 2001; MCLAUGHLIN et al., 2014; MONTANHER, 2012; VALENTIM, 2015).

O flipped classroom (aula invertida) é conhecido como uma metodologia em que há inversão do que acontece normalmente em uma aula tradicional. Os estudantes recebem previamente o conteúdo, por exemplo, por meio de vídeos gravados e assistem a esses

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antes das aulas.

Basicamente o conceito de uma aula invertida é o seguinte: o que era tradicio-nalmente feito em sala de aula é feito agora em casa, e o que é tradicionalmente feito em casa é realizado agora em sala de aula (BERGMANN; SAMS, 2012, p.13).

Após essa etapa, os alunos vão para a sala executar atividades de discussão, reso-lução de problemas com os seus colegas de classe e com o professor. Inverter uma aula, porém, não consiste em somente disponibilizar vídeos para alunos previamente e dentro da sala executar as mesmas tarefas, sem se preocupar com uma mudança na forma que os alunos aprendem. A aula invertida vem acompanhada do conceito de um aprendizado invertido, ou seja, uma maneira nova de aprender com base em uma aula remodelada. Ao analisar a proposta de assistir aos vídeos e alterná-los com aulas tradicionais pode-se pensar que as aulas invertidas reforçam o ensino tradicional de um aluno passivo e espectador. O cuidado que se deve ter é que o conceito de aula invertida não significa somente o que acontece previamente à sala de aula e sim o que acontece na sala de aula. A preparação prévia que pode ser feita por meio de vídeos gravados, leitura de um texto ou mesmo respostas a um questionário permite aos alunos um contato prévio ao conteú-do que será abordado na sala de aula. A parte da instrução tradicional que envolve ouvir o professor, realizar leituras ou responder a questões será feita fora de sala, permitindo, assim, uma otimização das funções e do tempo na sala de aula. Quando o estudante se apresenta para a aula na sala ele realizará atividades, discutirá pontos que ficaram con-fusos na preparação prévia e solucionará suas questões. Essa nova configuração de uma aula em que o estudante é ativo e realiza atividades é denominada aula invertida.

O “aprendizado invertido” é uma abordagem pedagógica em que a instrução movimenta o grupo da sala de aula como um todo, gerando uma aprendizagem individual e que o resultado é a transformação do ambiente da sala de aula em um ambiente dinâmico e interativo em que o educador guia os estudantes a aplicar conceitos e se engajar criativamente no assunto da aula (SAMS et al., 2014).

A principal aquisição da metodologia da aula invertida é a mudança do papel do professor que antes era um expositor de conteúdo, tinha total controle do que acontecia na sala de aula (já que, na maior parte do tempo, é ele que detém a fala, não havendo interação com os estudantes), para um tutor, que auxilia os estudantes nas atividades, interagindo com eles e com suas questões. “Dar uma aula invertida é uma mudança de atitude em relação ao ensino: é retirar a atenção dada ao professor e colocar toda a atenção no aprendiz e no aprendizado” (BERGMANN; SAMS, 2012, p.12). O professor, ao participar da aula invertida, sofre mais demandas que em uma aula tradicional, já que acompanha os estudantes de perto, ficando disponível para todos os alunos de acordo com suas di-

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 271

ficuldades. O que acontece em uma aula em que os alunos realizam atividades, discu-

tem alguns conteúdos em profundidade e são os atores principais é inesperado para o

professor. Em uma aula tradicional, o professor sabe o que vai dizer e tem conhecimento

das dúvidas que possam surgir, não lida com o inesperado. No caso das aulas invertidas

é sugerido que o professor desenvolva atividades que envolvam a participação ativa dos

alunos.

Uma possibilidade para se inverter uma aula é a instrução por pares conhecida tam-

bém por peer instruction. Essa metodologia foi criada em nos anos 1980, pelo professor

Eric Mazur, da Universidade de Harvard. O peer instruction (instrução pelos colegas) apre-

senta uma proposta, ou, como denomina Crouch et al. (2007), uma estratégia de ensino,

que pretende transformar o ambiente de aprendizagem, já que compromete ativamente

os estudantes e atrai a atenção deles para os conceitos principais, tratando o assunto

qualitativamente por meio dos pontos principais. O objetivo principal da instrução pe-

los colegas (peer instruction) é promover a aprendizagem dos fundamentos da física por

meio da discussão entre os estudantes. As aulas baseadas nesse método são estruturadas

em pequenas apresentações de conceitos principais, seguidas de testes para os alunos

responderem individualmente e depois discutirem com o colega. Ao invés de apresentar

o assunto com o nível de detalhamento de um livro texto ou das anotações de aula de

um professor, as aulas baseadas no método do peer instruction consistem em um número

de pequenas apresentações contendo conteúdos chaves, seguidas por testes conceituais

sobre o assunto apresentado que será discutido entre os estudantes (MAZUR, 2012). “O

peer instruction é uma abordagem interativa, que foi formulada para melhorar o processo

de aprendizagem dos alunos, é flexível, podendo ser usada em conjunto com outros métodos

de ensino e é fácil de ser usada” (ROSENBERG; LORENZO; MAZUR, 2006, p.77). O método de

instrução pelos colegas , que abreviadamente é denominado IpC, “pode ser descrito como

um método de ensino baseado no estudo prévio de materiais disponibilizados pelo professor

e na apresentação de questões conceituais, em sala de aula, para os alunos discutirem entre

si“ (ARAUJO; MAZUR, 2013, p.367). As aulas baseadas nesse método são estruturadas em

pequenas apresentações de conceitos principais, seguidas de testes para os alunos res-

ponderem individualmente e depois discutirem com o colega (quadro 1). A aula baseada

nessa metodologia tem inicialmente uma breve exposição oral do professor com uma

duração de 15 minutos e então é apresentado aos alunos um teste conceitual, usualmen-

te de múltipla escolha, para ser respondido por eles. Assim que apresenta a sua primeira

resposta, o estudante é encorajado a discutir com os seus pares. Esses são os colegas pró-

ximos a ele que discordam da sua opção de resposta. Nesse momento, o estudante deve

apresentar argumentos que justifiquem sua escolha e tentar convencer os colegas da sua

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opção. Após esse momento de discussão, os alunos individualmente escolhem novamen-te a resposta ao teste.

Quadro 1- Esquema da aplicação do teste Peer Instruction (CROUCH et al., 2007, p.6-7).

O que a pesquisa mostra é que a resposta após o momento de interação entre os pares converge para a alternativa correta.

As discussões entre os pares aumentam sistematicamente a porcentagem de repostas corretas e a confiança dos estudantes. Os estudantes são capazes de explicar os conceitos para os colegas de forma mais eficiente que os próprios professores. Uma possível explicação para isso é que os estudantes que enten-dem o conceito colocado no teste corretamente acabaram de entender a ideia e estão atentos às dificuldades que enfrentaram para adquirir (assimilar) o con-ceito. Dessa forma, esses estudantes sabem exatamente o que enfatizar nas suas explicações (MAZUR, 2012).

A metodologia denominada aprendizagem baseada em projetos é uma estratégia capaz de tratar a sala de aula por meio de projetos ligados ao mundo dos estudantes. Nesse tipo de abordagem não há fragmentação dos estudos em conteúdos, a ideia é reu-nir todos os aspetos da situação estudada e dar conta da sua complexidade. O conheci-mento é tratado por meio de situações problemas relacionados ao cotidiano dos estu-dantes que tenham relevâncias social, econômica e cultural. Nesse tipo de metodologia de ensino os alunos têm o papel de decidir, encaminhar a solução do problema e o pro-fessor deve ser o responsável por coordenar as atividades desenvolvidas pelo grupo. De acordo com Pasqualetto, Veit e Araujo (2017) a aprendizagem baseada em projetos tem

se mostrado capaz de envolver os estudantes em investigações que ultrapas-sam os limites da sala de aula e que, além da aprendizagem acadêmica, pro-porcionam motivação, engajamento e, em muitos casos, contribuições à comun

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 273

dade na qual os alunos estão inseridos” (PASQUALETTO; VEIT; ARAUJO, 2017).

A metodologia da aprendizagem por problemas (PBL) utiliza problemas que estão relacionados com a realidade dos estudantes e tem objetivo de motivar a aprendizagem dos conhecimentos de uma determinada disciplina. Os estudantes ao experimentar a metodologia devem ser capazes de resolver problemas propostos pelo professor ou for-mulados por eles. É pedido aos estudantes o desenvolvimento de um processo formal para a resolução do problema em grupo, que terá um produto que será apresentado para todos da sala. Ao apresentar as soluções é solicitados a todos os estudantes avaliarem a apresentação e seus pares. Além de resolver o problema em grupo convivendo com di-ferenças, a aprendizagem por problemas possibilita ao aluno adquirir conhecimento de várias áreas e compartilhá-los com os integrantes do seu grupo. A metodologia, já que é baseada em problemas reais na maioria das vezes, também favorece a integração de conhecimentos de várias áreas (RIBEIRO, 2008). O processo permite que os alunos estu-dem de forma autônoma baseando-se nas necessidades que aparecem para resolver os problemas. O papel do professor na aplicação dessa metodologia envolve desde a ela-boração dos problemas, ao acompanhamento da resolução proposta pelo grupo até a avaliação da solução apresentada. Diante disso, o professor deve estar preparado para lidar com situações diversas como: perguntas inesperadas sobre o problema proposto, dificuldades de relacionamento dentro do grupo, dificuldades dos alunos na resolução de problemas multidisplinares e a avaliação das soluções.

Considerações Finais

O objetivo dessa pesquisa é discutir e apresentar metodologias ativas de aprendi-zagem que podem ser utilizadas em salas de aula de física e em outras disciplinas. A aula invertida apresenta-se com uma proposta que a aprendizagem começa fora da sala de aula e é complementada por atividades que são realizadas em classe com participação ativa do aluno. A instrução pelos colegas apresenta-se como uma proposta de inversão da sala de aula por meio de discussão de testes conceituais entre os estudantes, o auxilio dos pares que contribui de forma significativa para a aprendizagem. A metodologia dos problemas aparece como uma estratégia de solução de questões propostas pelos profes-sores ou elaboradas pelos próprios estudantes, garantindo assim uma aula motivadora e desafiadora aos alunos. Essas metodologias tem o poder de modificar a forma com que os estudantes se relacionam com as disciplinas de física tanto na educação básica quanto no ensino superior modificando uma realidade de pouco entendimento conceitual da física, altos índices de reprovação, atenção exagerada em resolução de problemas com

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formalismo matemático complexo e desmotivação. Mas para isso, os professores devem possuir formação e expertise para aplicar essas metodologias em sala de aula. Esse tipo de pesquisa, de descrição e detalhamento das metodologias, esclarece e explica como elas podem ser aplicadas ao ensino de física, possibilitando formação dos professores em exercício e futuros professores.

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A FORMAÇÃO MATEMÁTICA DO LICENCIADO EM PEDAGOGIA:

UM ESTUDO DE CASO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL

DE GOIÁS CAMPUS PIRES DO RIO

Isabel Sampaio Balduino Santana1

Altina Abadia da Silva2

Resumo: A presente pesquisa apresenta uma discussão sobre a formação matemá-tica do licenciado em Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) Campus Pires do Rio. Os dados foram obtidos a partir do Projeto Político Curricular do curso analisado, ementas das disciplinas de matemática, questionários aplicados às graduandas e entre-vista com a professora que ministrou a disciplina de matemática. Ao se tratar dos resulta-dos da pesquisa, a análise dos Projetos Políticos Curriculares do curso e das ementas das disciplinas de matemática mostram que o enfoque é dado em metodologias do ensino da disciplina. Quanto aos questionários, percebemos que as graduandas ingressam no curso com uma espécie de bloqueio para ensinar e aprender matemática e este permanece. Em relação à entrevista, observamos que a professora sente insegurança quanto aos conteú-dos matemáticos e por este motivo enfatiza as metodologias de ensino. Portanto, existe uma ausência de relação entre conteúdos matemáticos e metodologias de ensino.

Palavras-chave: Formação inicial. Matemática. Pedagogia.

Introdução

O ensino de matemática na educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental é, predominantemente, ministrado por professores Licenciados em Pedagogia. Normalmente, os demais cursos de licenciatura não possuem disciplinas

1 Universidade Federal de Catalão – UFCat, Programa de Pós Graduação em Educação – PPGEDUC. Contato: [email protected]

2 Universidade Federal de Catalão – UFCat, Unidade Acadêmica de Educação Especial – UAEE. Contato: [email protected]

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que enfatizem as concepções de criança, infância e educação infantil, portanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – 9.394/96) estabelece que o pedagogo é o profissional apto para atuar neste nível.

Sabemos que muitos alunos iniciam a segunda fase do Ensino Fundamental com dificuldades em conteúdos matemáticos e apesar da formação do pedagogo não ser o único motivo para este problema, acredita-se que déficits no ensino-aprendizagem dessa disciplina durante a primeira fase do Ensino Fundamental podem estar relacionados com essa formação. Neste sentido, Cordeiro e Gomes (2010) em uma pesquisa realizada numa universidade pública do Recife, destacam que:

De maneira geral, quando se avalia o ensino de matemática realizado no iní-cio da escolarização percebe-se que a grande maioria dos alunos não consegue utilizar com sucesso os conceitos e processos matemáticos para solucionar pro-blemas, sendo, portanto, nessa fase que se tem início o tabu dessa disciplina. (CORDEIRO E GOMES, 2010, p.1).

Logo, me despertou a curiosidade de investigar como se dá a formação matemática do professor pedagogo que irá lecionar na Educação Infantil e na primeira fase do Ensino Fundamental, visto que é neste momento que a criança tem o primeiro contato formal com a matemática, e este terá um reflexo, talvez, por todo seu percurso escolar. Ou seja, “A não aprendizagem dos conteúdos trabalhados nas séries do Ensino Fundamental tem grandes implicações diante de toda vida escolar do aluno [...]” (DANTAS, 2006, p. 158).

Deste modo, surgiram alguns questionamentos: Qual a base matemática que um pedagogo recebe durante a graduação? Qual a visão dos acadêmicos deste curso em relação à matemática? Qual o perfil dos professores que ministram as disciplinas de mate-mática no curso de Licenciatura em Pedagogia?

Essas perguntas nos levam a investigar como se dá a formação matemática do li-cenciado em Pedagogia que irá lecionar na Educação Infantil e na primeira fase do Ensino Fundamental.

Mediante o contato inicial com alguns pedagogos e graduandos em pedagogia, observamos que os mesmos afirmam não gostar de matemática, veem a disciplina como difícil, e apresentam dificuldades diante dos conteúdos estudados. Segundo Dantas (2006, p.162), “[...] a licenciatura em Pedagogia não está conseguindo resolver essa ques-tão, enviando para as salas de aula professores que possuem dificuldades em resolver problemas que deveriam trabalhar com seus alunos”. Há uma concepção de que a profes-sora das séries iniciais que possui certa resistência com a aprendizagem dos conteúdos matemáticos e em consequência não gosta da disciplina, passa esse sentimento a seus alunos. (NACARATO, MENGALI e PASSOS, 2009).

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Outra questão a ser analisada é em relação às disciplinas de matemática ofertadas nos cursos de pedagogia. Quantas são e quais são essas disciplinas? De que forma a ma-temática é trabalhada dentro destas disciplinas. Com o intuito de buscar respostas a esses questionamentos, esta pesquisa foi desenvolvida no curso de Licenciatura em Pedagogia ofertado pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) Campus Pires do Rio.

1. O Trilhar da Pesquisa

A pesquisa se caracteriza como qualitativa, sendo feita uma descrição dos dados obtidos, sem preocupação com dados numéricos. De acordo Silveira e Córdova (2009, p.31) “A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc.”. São características da pesquisa qualitativa: descrever, compreender e explicar. Ao realizar uma pesquisa qualitativa, esta “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no con-tato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes” (BOGDAN e BIKLEN, 1982 apud LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 13).

Segundo os procedimentos de coleta da pesquisa, esta pode ser caracterizada como pesquisa de campo. De acordo com Gonsalves (2003, p. 67) “Denomina-se pesquisa de campo o tipo de pesquisa que pretende buscar informação diretamente com a popu-lação pesquisada”. Assim sendo, a pesquisa privilegia um caso particular, que é o curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) – Campus Pires do Rio, onde foi feito um estudo de caso, cujos sujeitos foram os alunos e professores do curso.

O desenvolvimento desta pesquisa ocorreu em três etapas. Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009, p. 93) “A rigor, são a natureza da questão (ou pergunta) de investigação e os objetivos da pesquisa que, em última instância, definem os procedimentos de coleta de dados e de análise a serem projetados para a pesquisa.” Ou seja, são os questionamen-tos e os objetivos que determinam quais os procedimentos a serem adotados para o de-senvolvimento da pesquisa. Temos como objetivo investigar a formação matemática do professor pedagogo. Sendo assim, foi utilizado três instrumentos para o desenvolvimento da pesquisa: Análise documental, a qual compreende a Análise do Projeto Pedagógico Curricular do Curso e as ementas das disciplinas relacionadas à matemática, compreen-dendo a primeira etapa da pesquisa; Promoção de Questionários compondo a segunda fase da pesquisa; e a Realização de Entrevistas como terceira fase.

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Conforme salientado, na primeira etapa foi analisado o Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Licenciatura em Pedagogia com o intuito de identificar quais são as disciplinas de Matemática presentes no curso e suas respectivas ementas. Estas emen-tas foram analisadas, a fim de obter os seguintes dados: os conteúdos abordados na dis-ciplina, a carga horária e a bibliografia básica.

Na segunda etapa foi aplicado um questionário às alunas da graduação em Pedagogia que já cursaram a disciplina relacionada à Matemática, a fim de saber a visão destas em relação à matemática. Sendo assim, optou-se por questões abertas, onde as alunas ficaram livres em suas respostas, não havendo respostas predefinidas. A escolha do questionário se justifica pela quantidade de pessoas envolvidas, pois entrevistar todas as alunas demandaria mais tempo e dificultaria a análise dos dados de modo geral.

Na terceira etapa foi realizada uma entrevista semiestruturada com a professora do curso de Licenciatura em Pedagogia que ministrou a disciplina relacionada à matemática. O objetivo da entrevista foi traçar o perfil da docente: qual sua formação, sua visão quanto à importância da matemática na graduação em Pedagogia, quais os métodos utilizados em sala de aula, etc.

Após a coleta dos dados, foi feita uma análise de modo indutivo. Para Bogdan e Biklen (1994),

Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indu-tiva. Não recolhem dados ou provas com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente; ao invés disso, as abstrações são construí-das à medida que os dados particulares que foram recolhidos se vão agrupando (BOGDAN E BIKLEN, 1994, p.50).

Dessa forma, foram relacionadas todas as etapas da pesquisa a fim de compreender a formação matemática recebida pelo professor pedagogo.

2. Resultados e Discussões

Ao dar início a pesquisa no ano de 2016, obtivemos a informação de que a turma que iniciou o curso em 2014 está vinculada ao PPC aprovado em 2009, e as turmas que ingressaram após 2015 estão vinculadas ao PPC aprovado em 2015. Sendo assim, ambos foram analisados, visto que houve mudanças de um para o outro quanto às disciplinas de matemática.

A execução dos questionários e a realização da entrevista se deram no ano de 2017. O objetivo de aplicar os questionários é analisar a visão das acadêmicas (futuras pedago-gas) em relação à matemática, após terem tido contato com a disciplina na graduação.

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Deste modo, o questionário foi aplicado no primeiro semestre de 2017 com as acadêmi-cas do sétimo período, as quais obtiveram duas disciplinas relacionadas à matemática: a primeira no quarto período (segundo semestre de 2015) e a segunda no quinto período (primeiro semestre de 2016).

A entrevista foi realizada do segundo semestre de 2017 com a professora que mi-nistrou disciplina no quinto período para a turma que ingressou em 2015, ou seja, a

disciplina foi ministrada no primeiro semestre de 2017. Nosso intuito era conhecer a visão dela quanto à matemática na formação do licenciado em pedagogia.

Como mencionado anteriormente, foi analisado o Projeto Político Curricular de 2009 e o Projeto Político Curricular de 2015.

Foi analisado primeiro o Projeto Político Curricular reformulado em 2009. De acordo com a matriz curricular deste, o curso tem uma carga horária total 3340 (três mil trezentos e quarenta) horas, um total de quarenta e seis disciplinas, e dentre estas duas disciplinas de matemática. A primeira com o título de Conteúdos e Processos de Matemática I, minis-trada no 4º Período do curso com a carga horária de 60 (sessenta) horas. A segunda dis-ciplina com o título de Conteúdos e Processos de Ensino de Matemática II, ministrada no 5º Período do curso com a carga horária de 30 (trinta) horas. Somando a carga horária das disciplinas, temos 90 (noventa) horas referentes às disciplinas relacionadas à matemática, o que corresponde em aproximadamente 2,7% da carga horária total do curso.

Ou seja, com uma carga horária inexpressiva para as disciplinas de Matemática, não é possível que o discente do curso consiga relacionar o conteúdo específico que ele deve ministrar com as práticas pedagógicas. Nacarato, Mengali e Passos (2009) afirmam que,

Podemos, então, dizer que as futuras professoras polivalentes têm tido poucas oportunidades para uma formação matemática que possa fazer frente às atuais exigências da sociedade e, quando ela ocorre na formação inicial, vem se pau-tando nos aspectos metodológicos (NACARATO, MENGALI E PASSOS, 2009, p. 22).

Outra questão observada ao analisar as disciplinas de Conteúdo e Processos do Ensino de Matemática I e II é que as disciplinas focam em metodologias a serem traba-lhadas em sala de aula. A utilização de metodologias diferenciadas e novas técnicas de ensino são importantes para aprendizagem dos alunos. Mas, é possível esses professores ou futuros professores utilizarem essas metodologias sem conhecerem e dominarem os conteúdos que irão ensinar? Curi (2005) aponta que o processo de ensino-aprendizagem é influenciado pelo conhecimento que o professor possui do conteúdo a ser ensinado.

Em relação ao Projeto Político Curricular reformulado em 2015, de acordo com a matriz curricular, o curso possui uma carga horária total de 3200 (três mil e duzentas)

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horas, um total de quarenta e cinco disciplinas, e dentre estas uma disciplina referente à matemática com o título Conteúdos e Processos do Ensino de Matemática, ministrada no 5º período do curso com uma carga horária de 60 (sessenta) horas, representando aproxi-madamente 1,9% da carga horária total do curso.

Ao fazer um paralelo entre o Projeto Político Curricular (PPC) reformulado em 2009 e o Projeto Político Curricular reformulado em 2015 conclui-se que houve uma diminui-ção da quantidade de disciplinas referentes à matemática de duas disciplinas para uma disciplina, e consequentemente diminuição em um terço (1/3) na carga horária, de 90 (noventa) horas para 60 (sessenta) horas. Segundo Curi (2005), alguns estudos sobre as grades curriculares e as disciplinas da área de matemática nos cursos de Licenciatura em Pedagogia revelam um quadro preocupante e que apesar das discussões as mudanças ainda são insuficientes.

Porém, não é possível analisar a formação matemática do licenciado em pedagogia apenas com base na análise das ementas, pois a forma como os conteúdos são trabalha-dos interferem nesta formação. Conforme afirma Nacarato, Mengali e Passos (2009, p.22), “Não é possível avaliar a qualidade da formação oferecida, tomando por base apenas as ementas dos cursos – as quais muitas vezes cumprem apenas um papel burocrático das instituições.” Deste modo, prosseguiremos com as análises dos questionários e entrevista.

Conforme mencionado, o questionário foi realizado com as acadêmicas do sétimo período do curso de Licenciatura em Pedagogia no primeiro semestre de 2017, com o intuito de apresentar a visão geral das alunas em relação à matemática após terem cur-sado as disciplinas de Conteúdos e Processos de Ensino de Matemática I e Conteúdos e Processos de Ensino de Matemática II.

O questionário foi composto por seis questões abertas. Dentre o que foi relatado, é possível notar que as acadêmicas possuem sentimentos negativos quanto à disciplina de matemática e que muitas não esperavam ter o contato com a disciplina durante a gradua-ção. Porém, três alunas, o que representa uma porcentagem de 10% do total de acadê-micas que responderam o questionário, argumentam que esperavam estudar conteúdos matemáticos nas disciplinas referentes à matemática e receber um maior embasamento da disciplina. A partir dos relatos, pode-se perceber que o enfoque foi dado em meto-dologias de Ensino da matemática. No entanto, as dificuldades nos conteúdos próprios da matemática que as acadêmicas possuem, sendo essa uma das possíveis causas para a aversão à disciplina, continuam.

Ao analisar de modo geral as respostar e argumentações, é possível notar que as acadêmicas do curso de Licenciatura em Pedagogia estão concluindo o curso sem mu-dar suas visões e crenças negativas em relação à matemática. Com relação ao ensino da

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disciplina, tiveram a visão que a matemática pode ser ensinada de forma divertida e que vai muito além de cálculos e memorização de fórmulas algébricas. Contudo, as disciplinas cursadas na graduação não fizeram uma relação entre conteúdos próprios da matemática e metodologias de ensino dos mesmos. Algumas alunas inclusive retratam isso em suas respostas, salientando que tinham a expectativa de compreenderem e que fosse feita a relação nas disciplinas. Outra argumentação presente é sobre o pouco tempo de traba-lho com a matemática durante o curso. Apesar de não gostarem e permanecerem com a aversão a disciplina, a maioria reconhecem a importância da mesma, inclusive para sua profissão.

Como mencionado, a entrevista foi realizada no segundo semestre de 2017 com a professora que ministrou a disciplina de Conteúdos e Processos do Ensino de Matemática.

De início, a professora se apresentou, informando que tem formação em Licenciatura em História (2004) e Pedagogia (2011) pela Universidade Estadual de Goiás Campus -Pires do Rio. Em relação a matemática, relatou que não existe uma relação específica em sua formação com a disciplina.

Sobre as metodologias utilizadas nas aulas, a professora relatou que trabalhou com confecção de jogos pelas acadêmicas, com o intuito de que as alunas reaproveitassem o material construído em seus estágios curriculares e enquanto docentes.

Quanto ao tempo das aulas, ela também argumenta que sentiu necessidade de mais aulas e mais tempo para trabalhar matemática dentro do curso de Licenciatura em Pedagogia.

Ao ser questionada se acredita que a resistência dos alunos com relação a mate-mática tem relação com a forma com que a mesma é ensinada, ela afirma que sim, e que o professor para ensinar matemática tem que ter domínio do conteúdo e desenvolver práticas que motivem os alunos, pois tem o papel de mediador no processo de ensino-aprendizagem.

Entretanto, ao fazer uma relação com as respostas das acadêmicas nos questioná-rios e as respostas da entrevista, temos que maior parte das alunas ingressa no curso com aversão a disciplina de matemática e a graduação não tem conseguido resolver esta questão. A disciplina existente no curso relacionada a matemática trabalha metodologias para o Ensino da Matemática e neste caso, a professora responsável pela disciplina tam-bém não tem uma relação com a matemática em termos de formação e como ela mesmo afirma, também se sente insegura quanto a conteúdos matemáticos.

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Considerações Finais

A pesquisa aqui apresentada teve como foco investigar a formação matemática do Licenciado em Pedagogia, em um estudo de caso na Universidade Estadual de Goiás (UEG) Campus Pires do Rio.

O curso de Licenciatura em Pedagogia visa formar o professor polivalente, aque-le que em tese, estará apto para ministrar aulas de todas as disciplinas para a Educação Infantil e Primeira Fase do Ensino Fundamental, inclusive matemática. Entretanto, as ma-trizes curriculares do curso, dão ênfase às disciplinas teóricas, como por exemplo, filosofia da educação, psicologia do desenvolvimento, ou seja, é dada ênfase nas de disciplinas de fundamentos e de conhecimento didático-pedagógicos deixando de lado os conheci-mentos específicos das disciplinas as quais ele irá lecionar.

Uma das justificativas com a acanhada preocupação dos cursos de formação de professores das séries iniciais com o ensino da matemática é que como se trata do ensino de conceitos e conteúdos considerados simples, acredita-se que todos aqueles que já os estudaram em algum momento de sua trajetória escolar podem ensiná-los (DINIZ, 2012).

Um fator articulado tanto pelas acadêmicas ao responderem o questionário quanto pela professora na entrevista foi sobre o pouco tempo dedicado à matemática no curso. Neste sentido, Curi (2005) afirma que;

O tempo destinado ao tema Matemática, na formação de professores polivalen-tes, precisa ser mais extenso se considerarmos importante que esse professor amplie seus conhecimentos sobre a Matemática como área de conhecimento, e não a ‘veja’ apenas como uma disciplina escolar (CURI, 2005, p.157).

Desta forma, não é suficiente aumentar a quantidade de disciplinas de Matemática e suas respectivas cargas horárias no curso de Licenciatura em Pedagogia, se não houver uma relação entre conteúdos matemáticos e metodologias de ensino. Talvez fosse inte-ressante que o profissional responsável por ministrar essas disciplinas no curso, tivesse uma relação com a matemática em sua formação. Neste aspecto de estabelecer a relação entre os conteúdos matemáticos e metodologias de ensino, vale revisar a bibliografia uti-lizada a fim de atender tais critérios.

Referências

BOGDAN, R. & BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Editora Porto, 1994.

CORDEIRO, R. M. A.; GOMES, C. R. A. Formação de professores para o Ensino de Matemática

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nos anos iniciais do Ensino Fundamental: Um estudo de caso da Licenciatura em Pedagogia. In: X Encontro Nacional de Educação Matemática, 2010, Salvador-BA, Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica.

CURI, E. A matemática e os professores dos anos iniciais. São Paulo: Musa Editora, 2005.

DANTAS, A. S. O curso de pedagogia e a formação inicial do professor para o trabalho com os saberes disciplinares de Matemática. Educação em Revista, v.43, p.153-171, jun/2006. 9

DINIZ, R. S.. A MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: as professoras, suas concepções e práticas. Revista de Educação, Ciências e Matemática. v.2, n.2. p.15-27, maio/ago, 2012.

FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. 3ª ed. rev. – Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L. S; PASSOS, C. L. B. A matemática nos anos iniciais do ensino fundamental: Tecendo os fios do ensinar e do aprender. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

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PERCURSO FORMATIVO NO CURSO DE PEDAGOGIA:

PERCEPÇÃO A PARTIR DO OLHAR DISCENTE

Ana Carla Araújo Assunção1

Juçara Gomes de Moura2

Cláudia Tavares do Amaral3

Resumo: Esse artigo é o recorte de uma pesquisa realizada cuja temática centrou-se no percurso formativo no Curso de Pedagogia. Buscou-se refletir sobre a formação de professores, a partir da história de vida acadêmica de uma aluna concluinte do Curso de Pedagogia na Universidade Federal de Goiás – UFG. Essa pesquisa qualitativa foi realizada a partir do levantamento dos registros constantes em anotações realizadas no decorrer do curso em seu diário de bordo sobre as experiências vivenciadas no período de qua-tro anos em algumas disciplinas ofertadas na matriz curricular de licenciatura/Pedagogia. Sendo assim, as narrativas sobre as disciplinas tiveram como aporte teórico autores como Irandé Antunes (1937), Jan Amos Comenius (1968), Paulo Freire (1996), Piaget (1972), Vitor Paro (2016) Vygotsky (2007), entre outros. Os resultados apontam a relevância das ações e conteúdos usados pelos docentes.

Palavras-chave: Formação de professores. Vivências. Pedagogia.

Introdução:

Este artigo busca tecer reflexões a partir de um diário de bordo no qual constam registros de uma aluna no desenvolvimento de sua formação, sobre a importância das

1 Universidade Federal de Goiás – UFG – Regional Catalão, Unidade Acadêmica Especial de Educação – UAEE, Curso de Pedagogia, Contato: [email protected]

2 Universidade Federal de Goiás – UFG – Regional Catalão, Unidade Acadêmica Especial de Educação – UAEE, Curso de Pedagogia, Contato: [email protected]

3 Universidade Federal de Goiás – UFG – Regional Catalão, Unidade Acadêmica Especial de Educação – UAEE, Curso de Pedagogia, Contato: [email protected]

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vivências universitárias, como estas são lembradas no decorrer do curso de Pedagogia na visão dos estudantes, e os momentos mais marcantes das práticas realizadas pelos pro-fessores em algumas disciplinas do curso de Pedagogia de uma Universidade pública do Estado de Goiás.

Sendo assim, foram feitos alguns recortes de uma pesquisa realizada cuja temática centrou-se no percurso formativo no Curso de Pedagogia, especificamente no âmbito das vivências no Pibid (Programa de Bolsas de Iniciação à Docência) alfabetização/letramento, em que foram relatadas experiências comtempladas em algumas disciplinas curriculares obrigatórias, por uma aluna concluinte do curso de Pedagogia em sua formação. Este re-lato tem por objetivo compartilhar a aprendizagem, o conhecimento adquirido em cada disciplina mencionada, contribuindo assim, para uma reflexão sobre as teorias e práticas estudadas nas universidades por professores/alunos.

As fundamentações teóricas utilizadas pelos professores nas disciplinas como: Antunes (1937), Comenius (1968), Paula (2016), Rousseau (1979), Vygotsky (2007), contri-buem para fundamentar os conteúdos desenvolvidos em sala de aula nos levando a re-fletir sobre a importância da prática docente na sala de aula envolvendo infinitos saberes. Entre eles, a leitura que ao olhar da educanda mencionada nessa pesquisa, é uma porta a qual cabe ao professor deixá-la sempre aberta, para que ele mesmo e os seus alunos possam ter contato com variados tipos de gêneros textuais por caminhos diferentes, já que os cursos têm métodos desiguais, mas que se identificam em busca de um mesmo caminho, o entendimento de significados múltiplos que variam conforme a disciplina e permitem relacionar áreas dos conhecimentos nas exatas e humanas com a leitura, que se faz presente em tudo que estudamos e em nosso dia-a-dia.

Com efeito, se aprendemos sem grandes dificuldades a fazer aquilo que é pró-prio do corpo, a comer, a beber, a caminhar, a saltar e a exercer profissões ma-nuais, porque não havemos de aprender também as coisas que são próprias da mente, desde que não falte a necessária instrução? (COMENIUS, 1968 p. 162).

Todos esses direcionamentos que devem ser atribuídos na formação do sujeito, principalmente no ambiente universitário, buscam uma ligação entre teoria e prática na graduação que sirva de suporte para saber discernir e sobressair diante das dificuldades que permeiam a educação. Essa oportunidade agrega conhecimentos adquiridos no cur-so de Pedagogia e colaboram para a formação de futuros docentes críticos diante de um saber construído coletivamente por meios de complementações individuais em que a reflexão sobre a ação pedagógica expõe momentos vivenciados e buscam compreendê-los.

Refletindo sobre isso, pode-se concluir que essas teorias citadas contribuem para

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a formação da identidade docente, pois assim como desde que nascemos temos nossa identidade, que pode ser comprovada através de documento. Ao identificar quem somos passamos a reconhecer nossos limites e nossas possibilidades. Na formação docente não é diferente, ela é constituída por várias fontes e momentos da história de vida, como to-dos saberes construídos na graduação, na participação de programas para formação de professores, contribuindo para formar a identidade profissional.

1. O Percurso da Formação de Professores

O caminho percorrido para a formação de professores têm sido uma questão que desperta muitas interrogações na trajetória de vida pessoal e profissional dos alunos. São vários os processos envolvidos nessa formação de tamanha amplitude, exigência e des-valorização. Profissão por certo, que tem o docente como o eixo central, ligado em todas as áreas do conhecimento e aos sujeitos que passam pela sala de aula em busca de novos saberes que lhes proporcionem qualificação profissional. Em relação a essa temática, se-rão abordadas as experiências e anseios relacionados à prática educativa de uma aluna no período de 2014 a 2018, com o intuito de evidenciar leituras fundamentadas em teóricos de suma relevância e os momentos mais marcantes nas aulas de algumas disciplinas do Curso de Pedagogia de uma Universidade pública do Estado de Goiás, na percepção da estudante.

Destaca-se aqui, relatos vivenciados ao longo de um percurso acadêmico por uma estudante concluinte em licenciatura/Pedagogia, a partir de uma pesquisa metodológica qualitativa com registros advindos de um diário de bordo, no qual foram registrados a percepção de uma aluna sobre os conteúdos trabalhados pelos mestres em alguns mo-mentos na universidade, permitindo assim, que outras pessoas se relacionem com as his-tórias escritas pela aluna, interligando saberes e compreendendo a realidade da prática docente.

2. Metodologia

Para o desenvolvimento deste artigo foi utilizado a abordagem qualitativa funda-mentada em Ludke e André (1986), que compreender ser um confronto entre os dados coletados sobre um determinado assunto e a teoria a respeito do mesmo.

Trata-se, assim, de uma ocasião privilegiada, reunindo o pensamento e a ação de uma pessoa, ou de um grupo, no esforço de elaborar conhecimentos sobre aspectos da realidade que deverão servir para a composição de soluções pro-postas aos seus problemas. Esses conhecimentos são, portanto, frutos da curio-

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sidade, da inquietação, da inteligência e da atividade investigativa dos indivídu-os, a partir e em continuação do que já foi elaborado e sistematizado pelos que trabalharam o assunto anteriormente. (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 02)

Sendo assim, foi utilizado como ferramenta de pesquisa um diário de bordo, que proporcionou analisar os registros feitos por uma aluna do curso de Pedagogia em uma universidade pública do estado de Goiás, em algumas disciplinas presenciais e eventos. As escritas da estudante foram sendo anotadas dia após dia no decorrer do curso, servin-do como um diário que narra sua trajetória acadêmica, seu contato com os professores e os conhecimentos por eles transmitidos. Nessa perspectiva, Paulo Freire (1996) discorre sobre a importância de propiciar aos educandos condições para que eles nas suas rela-ções sociais possam assumir-se como sujeitos históricos.

Às vezes, mal se imagina o que pode passar a apresentar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignifi-cante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo. Nunca me esqueço, na história já longa de minha memória, de um des-ses gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja significação mais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve importante influência sobre mim. (FREIRE, 1996, p. 42)

Com um mesmo posicionamento, as falas do autor tiveram um peso significativo nos relatos presenciados nesse trabalho, deixando em evidencia a compreensão dos sen-timentos, das emoções compartilhadas em cada aula, e não apenas a repetição mecânica de um gesto nessa trajetória.

3. Discusões e resultados

A princípio sobre as disciplinas de Psicologia da Educação I e II, foi possível a aluna afirmar que as aulas presenciadas acrescentaram em sua formação de senso comum co-nhecimentos científicos, levando-a a refletir sobre a teoria de Vygotsky (2007) em cada aula, ao observar que o objetivo do estudo do autor é voltado para a história da espécie e do indivíduo resgatando o cultural e o social.

Somando, Vygotsky (2007) afirma que assim como desenvolvemos nossos compor-tamentos desde os homens das cavernas, mudando a maneira de vestir, de escrever, de contar, de andar, a criança também, desde que nasce passa por um processo de desen-volvimento, de transformação, ao qual depende do histórico social para aprender e de-pois desenvolver. Nessa direção, o processo de internalização ocorre através da interação entre os indivíduos. Primeiro a criança observa e aprende o externo, depois transforma em um processo interno. Um desses comportamentos interiorizados é a imitação, que

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através da relação entre os indivíduos e o próprio indivíduo, ao observar um gesto ele pode ser aprendido e repetido.

Com base nessas definições do autor, a professora de Psicologia da Educação apre-sentou para a turma um filme verídico de nome “A Maçã” escrito por Samira Makhmalbaf (1998), que conta as vivências de Zahra e Massoumeh, duas irmãs que desde o nasci-mento não tiveram nenhum contato com o mundo externo durante doze anos. Os pais mantinham as filhas presas em casa, elas não iam a escola, não viam a luz do sol, eram mal alimentadas.

Sobre esses aspectos, a docente da classe solicitou que fosse feito como atividade uma relação das cenas do filme com as teorias de Vygotsky. Em um primeiro momento, observa-se que o

filme se trata de uma história representada pela falta de conhecimento, em que o social não foi desenvolvido devido à falta de contato com o mundo externo não havia aprendizagem. Zahra e Massoumeh não tinham um convívio social que devemos ter para nos desenvolver, segundo o autor.

Em outros momentos das imagens, podem-se perceber alguns pressupostos do au-tor Piaget (1972), que contradiz as de Vygotsky (2007). Para ele a construção do real vai do interno para o externo, primeiro observa, constrói, desenvolvendo o biológico e depois a aprendizagem. Sendo assim, ele minimiza o papel da interação social na aprendizagem, e na relação entre linguagem e pensamento desenvolve primeiro o pensamento que é interno e depois se aprende a linguagem. A formação do pensamento depende dos es-quemas sensório motor, pré-operacional, operacional concreto, operacional formal, para desenvolver a aprendizagem em cada fase do desenvolvimento. Ele registra que primeiro o pensamento é organizado e depois a linguagem.

Uma das características mais peculiares a esse conceito no filme foram os momen-tos em que as crianças tinham gestos de bebês, como colocar a língua para fora, chorar como neném, colocar objetos na boca, representar pelo desenho, mostrando encontrar-se na fase pré-operatório sendo que deveriam estar iniciando o formal por já terem doze anos.

A propósito, outras informações foram somadas nesse percurso acadêmico com aulas em disciplinas curriculares obrigatórias; Alfabetização e Letramento em que todas as aulas eram iniciadas com uma história literária. Considerando assim, a leitura em sua excelência, presente em todas as disciplinas destacaremos algumas questões levantadas nessas aulas, evidenciando que, muitas vezes as produções de leitura e escrita são traba-lhadas, nas escolas, dos diferentes níveis, de forma improvisada, tornando as atividades restritas as aulas de português.

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Entretanto, todas as outras disciplinas trabalham seu conteúdo através de textos, mas não ensinam de forma aprofundada a leitura. Atribuir tal responsabilidade, somente aos professores de língua portuguesa, ocasiona uma sobrecarga no conteúdo, que exige muito trabalho com a gramática, deixando a produção escrita ser trabalhada de forma superficial, sem ganhar o espaço e atenção que necessitariam ter durante as aulas.

Geralmente, os alunos escrevem sem saber para quem vão escrever como escrever, e por que escrever. Sem responder a essas questões o ato da produção escrita termina por tornar sem significado o exercício da escrita e da leitura.

Deve-se fugir da forma mecânica e fragmentada que envolve os métodos de escrita e leitura, que ocorre quando se pede ao aluno que escreva sobre determinado tema, mas não explica sobre o gênero que deverá ser utilizado.

Dessa forma, orientar o aluno antes de sua escrita sobre um determinado gênero textual, requer apresenta-lo de forma detalhada o que o texto necessita ter em sua es-trutura, disponibilizando conteúdos que demonstrem de forma clara, sua composição. E quando solicitar ao sujeito que escreva a respeito de um tema, deve-se disponibilizar tempo para que ele venha pesquisar a respeito, orientando fontes de pesquisa.

Após reunir as informações necessárias estimula-se que o mesmo avalie o que es-creveu, incentivando assim, o hábito da reescrita, produção de rascunhos, ensinando que essa prática se faz necessária para o aprendizado eficaz da escrita.

Atribuindo significado ao texto, esse trabalho pode ser mais abrangente e significa-tivo, levando o sujeito a avaliar sua escrita, sua leitura, se tornando um estudante crítico quanto ao conteúdo que lê e escreve. Partindo desses pressupostos, conforme as palavras de Irandé Antunes a leitura é o eixo central para a construção de saberes:

Com enormes dificuldades de leitura, o aluno se vê frustrado no seu esforço de estudar outras disciplinas e, quase sempre, “deixa” a escola com a quase inabalá-vel certeza de que é incapaz, de que é linguisticamente deficiente, inferior, não podendo, portanto, tomar a palavra ou ter voz para fazer valer seus direitos, para participar ativa e criticamente daquilo que acontece à sua volta. Naturalmente, como tantos outros, vai ficar à margem do entendimento e das decisões de construção da sociedade. (ANTUNES, 1937, p. 20)

A oficina que teve a temática “O uso das estratégias de leitura na compreensão do texto” no I Congresso Nacional de Educação, Leitura e Escrita – Escola e Literatura Infantil, também contribui significativamente por meio da palestrante Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza. A autora distribuiu aos participantes uma atividade diagnóstica de leitura, depois que todos responderam, Renata explicou que iria responder cada questão relacionando-as com as estratégias de leitura, citou alguns livros literários como “Uma

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Noiva Chique, Chiquérrima, Lindérrima” de Anna Laura Cantone e Beatrice Masini (2003), e explicou a importância de explorar o texto com os estudantes, a capa do livro fazendo inferência ao que a imagem retrata, nesse livro ela ressalta que poderia ser trabalhado uma crítica ao consumismo, rimas, mostrar convites de casamento para as crianças visua-lizarem, lembrando que a visualização também trabalha com os sentidos, explicar como funciona o texto de convite de casamento, pedir aos alunos que façam um convite, in-troduzir o vestido de noiva da personagem Narizinho do Sítio do Pica-pau Amarelo com essa história da Noiva Chique. Todas essas habilidades de leitura agregam estratégias de compreensão leitora, relação texto mundo, valorizando assim, o conhecimento prévio do aluno.

Nesse sentido, outra disciplina muito importante foi Didática e Formação de Professores, que teve por finalidade reflexões sobre a formação científica e humana dos

profissionais da educação. É importante salientar que, a especificidade desse con-texto demostrou que desde séculos passados, havia-se uma preocupação de autores como Comenius sobre a aprendizagem destinada a crianças, abordando em suas obras a importância do como ensinar, as formas de ensino à criança observando as leis da natu-reza.

No livro “A Didática Magna” Comenius (1968) mostra processos de ensino-apren-dizagem que asseguram ensinar e aprender com segurança, rapidez, facilidade e solida-mente. Ele viveu em uma época de guerra, por isso pregava a paz e uma educação escolar para todas classes sociais. Sua obra foi dirigida aos alunos, aos pais, aos educadores, os pastores de igreja, e aos ministros do estado, com a finalidade de que os mesmos com-preendessem sua pesquisa sobre a educação. O autor ressalta que os alunos devem fre-quentar a escola no período da manhã, no momento que o dia começa e se tem mais dis-posição para aprender, seguindo assim, o ciclo da natureza, que se tem o professor como o sol que deve transmitir sua luminosidade, seu brilho, para todos sem exceção.

Aristóteles comparou a alma humana a uma tábua rasa, onde nada está escrito e onde se pode escrever tudo. Portanto, da mesma maneira que, numa tábua, onde não há nada, o escritor pode escrever, e o pintor pintar aquilo que quer, desde que saiba da sua arte, assim também na mente humana, com a mesma facilidade, quem não ignora a arte de ensinar pode gravar a efigie de todas as coisas. (COMENIUS, 1968, p. 87)

O método utilizado por Comenius descrevia a criança como plantinhas, que devem crescer com raízes fincadas na terra, para terem equilíbrio na vida e não seguir caminhos tortuosos. Nesse sentido, cada etapa do desenvolvimento da criança deve ser respeitada, por certo que, a planta nasce de uma semente pequena, se desenvolve enfrentando os climas as estações, tornando-se uma árvore grande, com galhos fortes, raízes solidamente

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aprofundadas na terra, que a fortifica para que o vento, a tempestade, não a derrube. E em seguida, se desenvolva florescendo na primavera, crescendo seus frutos, que geram novas sementes dando continuidade à vida.

Nessa linha, podemos identificar que esses pressupostos de Comenius (1968) são análogos com a forma de pensar de Jean-Jacques Rousseau, pois eles abordam os mes-mos parâmetros que devemos adotar na educação, seguindo as direções da natureza. Para ele, o que a natureza quer é que a criança seja criança, brincando, fantasiando, ob-servando a natureza para saber agir diante das dificuldades, tendo responsabilidades que convém a idade delas. Essas questões por sua amplitude de questionamentos estiveram presentes nas aulas de Filosofia I e na disciplina de Núcleo Livre, A Poíesis e a Práxis se-gundo os pressupostos de Rousseau onde foram abordados ensinamentos que o autor considerou importantes na educação da criança, em sua visão,

Não se conhece a infância: com as falsas ideias que dela temos, quanto mais longe vamos mais nos extraviamos. Os mais sábios apegam-se ao que importa que saibam os homens, sem considerar que as crianças se acham em estado de aprender. Eles procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que esta é, antes de ser homem. (ROUSSEAU, 1979, p. 06)

Por conseguinte, as aulas da disciplina de Filosofia II, eram iniciadas com a leitura de uma das histórias de um livro cujo autor é desconhecido, “Nunca deixe de sonhar: você é do tamanho do seu sonho” (Editora Original, 2002, p. 119-120), que tinha um significado de vida incrível, sendo capaz de emocionar a turma inteira.

QUANTO VALE SEU TEMPO

Imagine que você tenha uma conta corrente e a cada manhã você acorde com um saldo de R$86.400 só que não é permitido transferir o saldo do dia para o dia seguinte. Todas as noites o seu saldo é zerado, mesmo que você não tenha conseguido gastá-lo durante o dia. O que você faz? Você irá gastar cada centavo, é claro! Todos nós somos clientes deste banco de que estamos falando. Chama-se TEMPO. Todas as manhãs, são creditados para cada uns 86.400 segundos. Todas as noites o saldo é debitado como perda. Não é permitido acumular este saldo para o dia seguinte. Todas as manhãs a sua conta é reiniciada, e todas as noites as sobras do dia se evaporam. Não há volta. Você precisa gastar vivendo no presente o seu depósito diário. Invista então no que for melhor, na saúde, felicidade e sucesso! O relógio está correndo. Faça o melhor para o seu dia-a-dia. Para você perceber o valor de um ano, pergunte para um estudante que repetiu o ano. Para você perceber o valor de um mês, pergunte para uma mãe que teve seu bebê prematuramente. Para você perceber o valor de uma semana, pergunte a um editor de um jornal semanal. Para você perceber o valor de um dia, pergunte a uma diarista que não pôde ir ao trabalho. Para você perceber o valor de uma hora, pergunte aos amantes que estão espe-

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rando para se encontrar. Para você perceber o valor de um minuto, pergunte a uma pessoa que perdeu o trem. Para você perceber o valor de um segundo, pergunte a uma pessoa que conse-guiu evitar um acidente. Para você perceber o valor de um milésimo de segundo, pergunte a alguém que ganhou a medalha de prata em uma Olimpíada. Valorize cada momento que você tem! E valorize mais porque você deve dividir com alguém especial o suficiente para gastar seu tempo junto com você.

O ontem é história O amanhã é um mistério O hoje é uma dádiva Por isso é chamado Presente! (Autor desconhecido, Editora Original, 2002, p. 119-120)

E por falar em emoções, a disciplina Arte e Educação I e II, apresentou conteúdo de diferentes linguagens envolvendo o aluno em suas próprias emoções subjetivas com aulas diversificadas. Tem-se como exemplo um filme que a professora levou para a turma assistir “A música nunca parou” dirigido por Jim Kohl Berg nos EUA em 2011, que descreve a história de uma família envolvida em um psicodrama, em que a arte e a música interli-gadas apontam momentos relacionados a fatos de esquecimento, perda de memória, e serve de instrumento para a família buscar a cura através da musicoterapia.

Em adição, sobrepõe outro estudo fascinante, o surrealismo que se trata de um mo-vimento artístico e literário, criado em Paris na década de 1920. Teve influência do psicó-logo Sigmund Freud (1856-1939) revelando o papel do inconsciente na criatividade. Um dos principais artistas desse movimento foi o espanhol Salvador Dalí (1904-1989), com suas obras fantásticas, desvendando o irreal, imaginário, um duplo sentido das imagens.

Por falar em imagens é oportuno destacar conteúdos estudados na disciplina de Educação Comunicação e Mídias. Nela contemplou-se características que a televisão apresenta, permitindo cada vez mais a evolução da tecnologia e transmissão das mídias para a população diante de uma praticidade que lhes permite acessar a internet, jogos, imagens audiovisuais.

Esses meios de comunicação expressam uma forte relação com a educação, a qual não está presente somente na escola, no aluno, ou professor. Mas está agregada a uma teia de relações que envolvem as vivências entre os sujeitos e a soma dos seus saberes construídos.

Apesar de ter seu lado positivo, a televisão tem seu lado negativo que transmite di-versos programas e alguns propagam o consumismo, moda, a busca por um corpo perfei-to, que pode levar as pessoas a ficarem doentes, com anorexia, bulimia, depressão, além de diminuir o contato humano, com amigos, com familiares, com a natureza.

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E é com esse olhar que as escolas muitas vezes têm medo de dialogar com os meios de comunicação, porém, deve-se ter um olhar crítico diante desse contexto, pois, por um lado, muitos fatos são apresentados na TV porque estão acontecendo na sociedade, no mundo. Por outro, muitas coisas acontecem na vida da população porque estão sendo apresentadas na TV.

Portanto, se durante o tempo que a criança assiste à TV, os adultos a rodeiam e orientam, e ouve seus professores para formar juízos, pode construir um re-ferencial para compreender o meio e desenvolver capacidades comunicativas essenciais para ser um telespectador crítico. (PAULA, 2016, p. 102)

Dessa forma, é possível utilizar a televisão a favor do processo educativo, no entan-to, o professor deve se capacitar para saber como utilizar as tecnologias, as mídias, em sala de aula já que essas ferramentas são conduzidas pelo sujeito, podendo transformar a forma de ensinar em alienação, ou construção de conhecimentos positivos para os es-tudantes.

Por fim, os comentários expostos acima referentes a algumas disciplinas do curso de Pedagogia são apresentados por uma aluna concluinte do curso, que buscou mostrar diante de inúmeras relações, as histórias que foram somadas a essa oportunidade, deixan-do evidente o processo formativo pelo qual passou com o aprender a exercer a profissão de professor, porque formam intensas as relações e valores estabelecidos nesse caminho.

Considerações Finais

Este artigo é resultado de experiências vividas por uma aluna, que buscou mostrar a trajetória acadêmica de algumas aulas relatadas em um diário de bordo da mesma. Tais vivências possibilitaram destacar também o significado de alguns momentos literários proporcionados por algumas disciplinas, a fim de compreender a percepção que a parti-cipante do curso teve diante das leituras nas mediações entre professoras/alunos. Desta forma, poder verificar o que a licenciatura em Pedagogia acrescentou na vida acadêmica dessa aluna para a formação docente nos traz evidências de possíveis discussões que ainda carecem de estudo.

Nesse artigo apresentou-se os relatos e autores que observam fatos que fazem par-te da aprendizagem desde que nascemos, como os primeiros passos, as primeiras palavras pronunciadas para a desenvoltura da linguagem oral e da alfabetização. Em acréscimo nos mostra que a família e a escola interferem diretamente na aprendizagem dos alunos, quando possibilitam a eles a rica oportunidade de ter contatos com variados gêneros li-terários, adequados para cada fase de seu desenvolvimento. A descrição dos filmes nesse

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trabalho também nos remete a importância de aproximar os conhecimentos de senso comum dos alunos, seus sentimentos, com a teoria.

Conclui-se então, que os resultados presentes no relato da aluna sobre cada disci-plina, deixa evidente as experiências percorridas por ela, os percalços, as dificuldades, as vitórias, e a importância de cada componente curricular aqui apresentado na aquisição de saberes, colaborando para uma formação e reflexão subjetiva dos alunos/professores como pesquisadores.

Referências

A MAÇÃ. Direção: Samira Makhmalbaf. Irã, França, 1998. DVD (86 min.). Cult Filmes.

A MUSICA NUNCA PAROU. Direção: Jim Kohlberg. Elenco: Lou Taylor Pucci. EUA. 2014. DVD (105 min.) Europa Filmes.

ANTUNES, Irandé. Aula de português: Encontro e Interação. São Paulo: Parábola editorial; 2003.

COMENIUS, J. A. Didática Magna. Madrid: Akal, 1968.

____________. Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmera Brasileira do livro. SP, Brasil. Nunca deixe de sonhar: você é do tamanho do seu sonho. São Paulo. Editora Original, 2002. Vários autores. Texto: páginas: 119-120.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire. – São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura)

JOHN- STEINER, V. SOUBERMAN, E. Posfácio. IN: VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984/2007.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A de. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

PAULA, Everton Luiz Renaud de. Mídia e escola: um estudo de recepção de reportagens de telejornal em sala de aula / Everton Luiz Renaud de Paula.

PIAGET, Jean. Desenvolvimento e aprendizagem. Studying teaching, 1972.

ROUSSEAU, J. J. Ou da Educação. Emílio. 3ª edição, São Paulo. 1979.

SOUZA, Renata Junqueira de. Et al. Ler e Compreender: Estratégias de Leitura. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2010.

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HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE: LIMITES, POSSIBILIDADES E INFLUÊNCIAS NA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Valéria Landa Alfaiate Carrijo1

Juliana P. de Araújo2

RESUMO: Este artigo, produzido como um estudo teórico exploratório, tem como objetivo oferecer elementos para a compreensão da História do Tempo Presente com destaque para sua localização no contexto da Historiografia e os reflexos na pesquisa em História da Educação. A metodologia utilizada foi o levantamento bibliográfico pelo qual foram selecionados artigos acadêmicos disponíveis em meios eletrônicos relativos à “História do Tempo Presente”. Autores como Chauveau e Tétart (1999) se revelaram como importantes referências; além disso, as leituras sobre a Escola dos Annales garanti-ram o embasamento para a compreensão do caminho percorrido para a constituição da História do Tempo Presente. Resultados preliminares confirmam a influência da História do Tempo Presente em alguns dos pré-projetos de pesquisa em desenvolvimento pela VIII Turma do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão, com ingresso em 2018.

Palavras-chave: História do Tempo Presente. História da Educação. Pesquisa em Educação.

Introdução:

Desde o início do corrente ano temos nos dedicado a desenvolver uma pesquisa de mestrado cujo objeto são os processos de subjetivação (TOURAINE, 2009) vivenciados

1 UFG – Mestranda Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão. E-mail: [email protected]

2 UFG - Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão. E-mail: [email protected]

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por jovens negros participantes do Empodera!3. Os processos de subjetivação podem ser entendidos como aqueles que articulam, propiciam e/ou potencializam a construção da identidade. Partimos do pressuposto que pelo Empodera! jovens negros vivenciam outra possibilidade de ser, sentir-se, socializar-se em sua negritude (FANON, 2008) ressignifica-da o que acarretaria ou refletiria passos de uma outra constituição identitária.

Por nos atrelarmos à linha “Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto)biográfica” do Programa de Pós Graduação em Educação - Mestrado em Educação da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão, uma de nossas preocupações foi situar a pesquisa de modo que ela se articulasse a um campo teórico-metodológico coe-rente com as produções já realizadas e com as escolhas do coletivo de professores. Uma das grandes dificuldades do pesquisador iniciante é encontrar o campo onde se locali-za seu objeto de pesquisa, sobretudo quando se pretende entender um fenômeno que acontece concomitantemente ao processo da pesquisa. Desse modo, ponderamos que uma das maneiras de tratar o objeto escolhido pressupõe seu entendimento como ele-mento congruente com os estudos da História do Tempo Presente o que garantiria a rele-vância e atualidade da questão, o uso das narrativas como forma prioritária de acesso aos dados e o alinhamento à História da Educação.

A partir do exposto, o artigo estruturou-se da seguinte forma: dedicamo-nos a res-ponder à questão: O que é a História do Tempo Presente? Apresentamos o conceito de História do Tempo Presente que está sujeito a contradições e possibilidades de vários entendimentos; traçamos um histórico da História do Tempo Presente, descrevendo ele-mentos importantes para o modo de se fazer História do Tempo Presente. Em seguida, investigamos a influência da História do Tempo Presente nos pré-projetos de pesquisa da VIII Turma do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação – da Universidade Federal de Goiás e apontamos os resultados obtidos, para em seguida realizar os aponta-mentos finais.

Por meio da leitura da obra Questões para o Tempo Presente de Agnès Chaveau e Philippe Tétart (1999), pudemos encontrar argumentos para tornar mais robustas as questões relativas aos objetivos, epistemologia e metodologia de pesquisa que envolve a História do Tempo Presente. Ampliando nosso estudo com a leitura de outros textos como os de AREND (2009), DOSSE (2012) e de (FERREIRA 2000, 2002, 2018) chegamos ao que se apresenta neste artigo e que manifesta nossa construção em torno do objeto para situá-lo, fortalecê-lo, ancorá-lo em um campo de pesquisa consolidado que é a História do Tempo Presente.

3 O Empodera é um projeto que acontece, desde 2016, na E.E. Madre Maria Blandina - Araguari – MG, com o propósito de tratar a temática racial na perspectiva do empoderamento da juventude negra.

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As reflexões sobre a História do Tempo Presente apresentadas nesse artigo são uma proposição para lançar luz às questões da História do Tempo Presente com intuito de conhecer esse novo campo de pesquisa histórica que se propõe a refletir um tempo em andamento, no qual historiador e objeto estão em contínua relação.

1. Desenvolvimento

1.1 A Escola dos Annales inaugura a História do Tempo Presente

Um novo entendimento sobre o fazer História, a partir do século XX, tem início com os Annales que propõem uma história entendida pelos vieses social, cultural e econômico, distanciando-se da história historicizante presa a documentos escritos, uma história que se liga ao fato histórico, à figura do herói e ao uso dos métodos das Ciências Naturais. A Escola dos Annales, segundo Bourdé; Martin (1990), deriva sua atenção para a atividade econômica, a organização social e a psicologia coletiva, esforça-se para aproximar a his-tória das outras ciências humanas. Para compreender a História do Tempo Presente não se pode prescindir de realizar apontamentos sobre a Escola de Annales, seus principais expoentes e o percurso da Revista Les Annales, canal de divulgação do novo pensamento.

Nos anos de 1920, encontram-se na Universidade de Estrasburgo, os grandes ex-poentes da época e intentam um novo projeto para alcançar a renovação da história por meio do diálogo com outras disciplinas: geografia, psicologia, sociologia entre outras. O marco dessa história é a fundação da Revista Les Annales d’Histoire Écononomique et Sociale em 1929, por Lucien Febvre e Marc Bloch, pioneiros de uma Nova História que “apela para uma história total, que aborde todos os aspectos das atividades humanas” e, ainda segundo Bourdé; Martin (1990), L. Febvre recomenda, por um lado, não isolar os patamares da realidade social, por em evidência as suas interações e, por outro, inverter a hierarquia das instâncias: não descer do político para o econômico, mas subir do econô-mico para o político.

A escola francesa tem papel importantíssimo na consolidação da História do Tempo Presente. Reservamos um espaço nesse artigo para evidenciar o trabalho dos pais dos Annales que, já nos anos 1930, abriram as possibilidades para que a História abordasse temas relevantes para e da própria época, passando dos debates para as realizações con-cretas no terreno da história contemporânea, prenunciando o que viria a ser a História do Tempo Presente a partir de 1970. Os pioneiros da primeira fase da revista (1929-1932), Febvre e Bloch, eliminam o espírito de especialidade e promovem a pluridisciplinaridade, em favor das ciências humanas.

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A desconfiança com a possibilidade de se fazer história recente foi manifestada por muitos historiadores que defendiam que a compreensão de História exigia uma retros-pectiva temporal, elemento capaz de garantir a isenção e a objetividade do historiador, por meio do cuidado com as fontes que tinham de ser arquivadas e catalogadas para requererem valor histórico. Questões que atualmente são postas em relação às fontes históricas, ao valor dos documentos em comparação entre si, fazem frente à possibilidade de se “reinventar” as fontes históricas a contragosto das regras definidas por Seignobos e Langlois (1897) para quem a história somente seria feita a partir de documentos.

A terceira geração dos Annales, coordenada por um grupo de discípulos das gera-ções anteriores. Dentre eles, os principais: Jacques Le Goff, Pierre Nora, Emmanuel Le Roy Ladurie, Marc Ferro que formaram o corpo editorial da Revista dos Annales e impulsiona-ram a publicação também de livros sobre essa Nova História. O percurso traçado pelos pioneiros dos Annales se amplia por meio da criação de linhas de pesquisa, institutos e fundações com investimentos financeiros, provoca avanços na produção acadêmica nos anos 1960 e 1970, com novas abordagens sobre novos temas, incluindo a contemporanei-dade, com direito a incorporar as mudanças trazidas pela escola francesa à Historiografia, como a interdisciplinaridade, permitindo, inclusive a recuperação da história política e, com ela, a afirmação da História do Tempo Presente. René Rémond (1999) explica o lugar que o político assume na Nova História:

Não insistirei em demonstrar que o político, os fenômenos assim chamados, retomou na história contemporânea, e particularmente naquela do presente, ainda comumente chamada de história imediata, um lugar que eles tinham per-dido. Admite-se, hoje em dia, que o político também pode ser um objeto de co-nhecimento científico assim como um fator de explicação de outros fatos além de si mesmo. (RÉMOND, 1999, p. 51)

Assim a História do Tempo Presente passa a ter um lugar na Historiografia, sobretu-do pelo resgate da história feita por meio de relatos, biografias, valorizando a história do acontecimento, com grande interesse pelas mentalidades, pelo político e pelo cultural. É com René Rémond que se evidencia a primeira obra da História do Tempo Presente “Introdução à história de nosso tempo”, tratando sobre a questão das direitas, logo após a II Grande Guerra Mundial. Em 1978, é criado o Instituto de História do Tempo Presente (IHTP), tendo como fundador François Bédarida, reuniu pesquisadores dispostos a distin-guir da história contemporânea a história do presente.

No Brasil, após o fim da ditadura militar, sopros de história do tempo presente co-meçam a se fazer, pela valorização da história oral, sobretudo nos anos 1990, quando grupos de pesquisa voltados para a história oral e preservação da memória coletiva ou individual abriram portas para que pesquisadores brasileiros começassem a pensar na

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TEMAS SOBRE EDUCAÇÃO E ESCOLA 303

História do Tempo Presente. Segundo Ferreira (2018), a história oral no início dos anos 1990 foi o elemento de estímulo para a afirmação da história do tempo presente no Brasil, no século XXI foi por meio da história política e dos desafios trazidos pelos deba-tes acerca da memória dos grupos excluídos que de fato ocorreu um crescimento expo-nencial dos trabalhos nesse campo. O CEPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, a Lei de Acesso à Informação e a criação da Comissão Nacional da Verdade (2011), que investiga o período da ditadura militar brasileira (1946-1968), impulsionam a formulação de pesquisas que envolvem o tempo presente no Brasil, a saber, pela quantidade de iniciativas e publica-ções nos últimos anos.

1.2 Entre limites e possibilidades - O que é a História do Tempo Presente?

As controvérsias sobre a História do Tempo Presente se manifestam a começar pela própria nomenclatura. Até se configurar como categoria de pesquisa, a história recente é chamada por uns de história do contemporâneo, história imediata, história do presente, até ser legitimada pelo Instituto de História do Tempo Presente. Marcada fortemente pelo viés político, alcança os campos do social, cultural, econômico e, por isso, é questionada quanto à epistemologia e metodologia. O Instituto de História do Tempo Presente funcio-na como garantia de identidade e autonomia à história do presente, o que não impede questionamentos a respeito de seus limites e possibilidades.

Segundo Rioux (1990) a história do presente é um fenômeno de geração, por isso, possível afirmar que a história do presente teria que ser feita por historiadores que ti-vessem contato com o fato, reforçando, segundo Chaveau e Tétard (1999), a natureza da presença física do historiador em seu tempo e no seu tema, tendo a demanda social como centro. Jean-Pierre Rioux (1999) apresenta várias questões sobre a adequação ou inade-quação da História do Presente: “pode-se fazer uma história do tempo presente?”; “pode o presente ser objeto de história”?; “o presente tem sua chance diante de uma longa dura-ção?”; “como traduzir em termos de duração um presente, por definição, efêmero?”

As perguntas trazidas pelo autor são as que perpassam e deixam marcas de des-confiança em torno da História do Tempo Presente. Sobretudo em razão da proximidade do historiador com os fatos que se transformam em maior velocidade, em função de po-derem ser percebidos em tempo imediato, principalmente, no final do século XX e iní-cio do século XXI, com o advento das altas tecnologias de comunicação e informação. Entretanto, é o próprio Rioux (1999) quem oferece o alento para que se faça a História do Tempo Presente

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Não se trata mais aqui, percebe-se bem, de uma versão atualizada desse gosto generalizado pela história ou desse ativismo das raízes, das genealogias e das celebrações patrimoniais que atacaram nossas sociedades às vésperas de um fim de século. É antes de um vivo desejo de identidade que nasce essa ambi-ção de uma história atenta ao presente, cuja originalidade será ser escrita sob o olhar dos atores e cuja vocação desabrochará no balanço das temerosas especi-ficidades do século XX. (RIOUX, 1999, p. 43)

A busca pela identidade da História do Tempo Presente, a luta contra aquilo que mais lhe é peculiar na crítica: a efemeridade e a concomitância entre o fato e o autor da história são elementos que ao lado da questão da aceleração dos fatos pela mídia trazem desconfiança a esse modo de se fazer história. Entretanto, as mudanças políticas, econô-micas e tecnológicas ocorridas no século XX e início do XXI não merecem esperar pela longevidade braudeliana para que se tornem história. Essa é a contribuição da História do Tempo Presente mesmo que os próprios historiadores mantenham suas ressalvas.

1.3 Como se faz História do Tempo Presente?

Interessante que, em Chaveau-Tétard (1999), o capítulo assinado por Jacques Le Goff, o principal medievalista da Historiografia, é o que traz contribuições para que se pense o ofício de operar a História do Presente. Isso se dá pelo fato de que ele próprio, Le Goff (1999) reconhece que o historiador, de qualquer período ou tema, realiza suas reflexões em torno de duas questões “que são a base do procedimento do historiador: de onde vem isso? Até onde é preciso remontar para compreender bem o acontecimento, a situação, o problema de hoje?” Outras preocupações expostas por ele localizam-se na relação do historiador com as fontes e com o método. Le Goff (1999) enumera as dificul-dades em fazer esse tipo de história: “1. por causa dos documentos e das fontes; 2. a sub-jetividade do historiador; 3. a ignorância do futuro”.

Ao se pensar as fontes possíveis na História do Tempo Presente há que se olhar a abundância de elementos que podem ser encontrados, sobretudo quando considerada a digitalização de documentos e o alcance da disponibilização dos mesmos por meio da internet. Nesse mesmo viés, os documentos produzidos pelos meios de comunicação nas diversas mídias, seja a imprensa escrita, a imprensa via web, as redes de televisão avolu-mam as fontes para a história do presente. Além disso, a ampliação do conceito de docu-mento alargou a visão dos historiadores do presente que podem considerar documentos, conforme Le Goff (2003), “a fotografia, o filme, o cassete” para os quais “tomam-se neces-sários novos arquivos, onde o primeiro lugar é ocupado pelo corpus, a fita magnética. O novo documento é armazenado e manejado nos bancos de dados”.

Outra controvérsia para a História do Tempo Presente é o uso da fonte oral ou tes-

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temunho de fonte viva. As ressalvas sobre as fontes orais residem no fato de elas serem portadoras de uma heterogeneidade em função das experiências vividas ou das percep-ções que trazem sobre a vida real. O primeiro aspecto a ser considerado é a confiabilidade da fonte oral; o segundo, a questão da memória; o terceiro, a relação do historiador com a testemunha. Os dois primeiros geram dúvidas em relação às fontes orais, sobretudo sobre a possibilidade de as informações não serem factíveis ou a memória da testemunha não ser confiável, podendo em ambos os casos, haver lapsos, ocultamentos, exageros que prejudicariam a pesquisa. O terceiro aspecto, reside num eventual comprometimento do historiador com o objeto ou com a testemunha, gerando cumplicidade ou tensões que podem interferir nos resultados da pesquisa.

Por fim, apesar de Le Goff (1999) não esclarecer em seu capítulo na obra organizada por Chauveau e Tétard, como ele diferencia a história do presente da história imediata e da história contemporânea, apresenta preferência pela primeira e diz como deve atuar o historiador, qualquer que seja sua forma de realizar seu ofício, uma vez que pertencem “ainda assim à mesma tribo”. Para ele, o historiador deve “ler o presente, o acontecimento, com uma profundidade histórica; manifestar quanto a suas fontes o espírito crítico; es-forçar-se para explicar; hierarquizar os fatos, distinguir o incidente do fato significativo e importante”.

Essas atitudes cabem aos pesquisadores do tempo presente, sobretudo pela de-manda social que permeia os campos de pesquisa que se difundem em temas, objetos, fontes os mais diversos. Orientação preciosa à qual os historiadores em educação também devem se ater, especialmente, aqueles que buscam um recorte temporal mais próximo de si, tendo em vista que lidam com acontecimentos em andamento, com testemunhas vi-vas que podem questionar da análise à representação produzida.

2 Metodologia

Para a escrita do artigo realizamos leituras, pesquisa bibliográfica, que nos forne-cessem elementos para compreensão a respeito da História do Tempo Presente como um campo de pesquisa a serviço da História da Educação, apresentando o conceito, os mo-dos de fazer, as possibilidades e os entraves da História do Tempo Presente, conjugando-as ao levantamento de dados para identificar elementos da História do Tempo Presente nas produções acadêmicas da VIII turma do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão. Em seguida, realizamos a análise dos dados obtidos e expusemos os resultados encontrados e as considerações acerca da hipótese levantada.

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Utilizamos o quadro, organizado pela professora Dra. Aparecida Maria Almeida Barros e apresentado no Seminário de Pesquisa da linha Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto)biográfica, como referência nesse trabalho para verificação da confluência entre História do Tempo Presente e Historiografia da Educação nos pré-pro-jetos de pesquisa apresentados para a seleção da VIII Turma de Mestrado do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás, Regional Catalão, com ingresso em 2018, sinalizam em suas propostas iniciais uma carga de pesquisa de História do Tempo Presente em diálogo com a Pesquisa em Educação.

Trata-se de uma análise simples, realizada a partir da observação dos recortes tem-porais adotados nos pré-projetos de pesquisa aprovados. A princípio, a busca deteve-se nos títulos dos referidos projetos e, quando não identificado o recorte imediatamente no título, procurou-se alguma referência ao tempo a ser pesquisado no resumo ou no objeti-vo geral. Não há nessa análise a preocupação em verificar outros elementos que venham a caracterizar a adoção dos mecanismos de pesquisa da História do Tempo Presente, a intenção é observar pelos marcadores temporais das pesquisas o quanto as mesmas po-dem se inserir nesse campo.

3 Discussão e Resultados

No sentido de encontrar vestígios da utilização da História do Tempo Presente nas pesquisas em História da Educação, realizamos levantamento e análise com base nos marcadores temporais existentes nos títulos, nos resumos ou nas justificativas dos dez projetos de pesquisa dos candidatos aprovados no processo seletivo para o ingresso no Mestrado em Educação, na Regional Catalão da Universidade Federal de Goiás, no ano de 2018, cujo acesso se deu por meio de quadro-síntese apresentado na disciplina Seminário de Pesquisa I, a fim de encontrar vestígios da utilização da História do Tempo Presente nas pesquisas em andamento.

Organizamos os dados levantados em tabela formatada em duas colunas, separan-do-se os títulos dos pré-projetos de pesquisa, de um lado os que apresentam marcadores temporais e de outro os que não apresentam o recorte de tempo no título. É importante considerar que os títulos são os originais apresentados por ocasião do processo de sele-ção realizado no segundo semestre de 2017, sem as eventuais modificações ocorridas durante o processo de orientação de pesquisa decorrentes do trabalho desenvolvido por alunos e orientadores da linha Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto)biográfica do PPGEDU – UFG/Catalão.

A Tabela 1 apresenta a relação dos títulos dos pré-projetos de pesquisa da VIII turma

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do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão:

TABELA 1: Relação dos Títulos dos pré-projetos de pesquisa apresentados na seleção do PPGEDUC-UFG/CATALÃO, na linha Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto)biográfica 2018.

Fonte: Aparecida Maria Almeida Barros, 2018.

Do total de dez pré-projetos, notamos que três apresentam no título o recorte tem-poral da pesquisa e os outros sete não explicitam a referência temporal diretamente no título. Entre os pré-projetos que apresentam o recorte temporal, dois fazem referência a períodos exclusivos deste século e um refere-se aos últimos trinta anos localizando a pes-quisa no final do século XX para as primeiras décadas do século XXI.

Não houve nessa análise a intenção de verificar outros elementos, como fontes, me-todologia, a intenção foi simplesmente observar pelos marcadores temporais das pesqui-sas o quanto as mesmas podem se inserir nesse campo. Observamos que sete pré-proje-tos não especificam no título a sua marca temporal, por isso buscamos por meio da leitura de cada texto, pistas para localização do tempo nas pesquisas propostas. Recorremos à justificativa ou ao problema de pesquisa para identificar o marcador temporal onde fica-ram mais evidentes as referências de tempo. A Tabela 2 apresenta os pré-projetos, confor-me a seção em que foi possível identificar tais marcadores.

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TABELA 2: Relação dos pré-projetos de pesquisa apresentados na seleção do PPGEDUC-UFG/CATALÃO, na linha Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto)biográfica, 2018,

que apresentam marcadores temporais no corpo do texto.

Fonte: Projetos de Pesquisa, PPGEDUC - 2018.

A Tabela 2 apresenta os sete pré-projetos de pesquisa cujos marcadores temporais localizam-se no corpo do texto, sendo que três deles trazem a informação na justificativa e os outros quatro na definição do problema a ser pesquisado. Dentre eles, apenas um re-monta o objeto de pesquisa ao século XVIII, os demais localizam o tempo a ser observado em final do século XX (apenas um) e os outros seis nas primeiras décadas do século XXI, ou seja, na atualidade.

Por mais que não fosse intencional ou exigência de a linha de pesquisa localizar o recorte temporal com referência à atualidade, é interessante notar que apenas um dos dez projetos apresentados propõe iniciar sua pesquisa no século XVIII, sem deixar, entre-tanto, de contextualizar o objeto até os tempos atuais. Os outros nove pré-projetos, mes-mo que não façam referência à utilização da História do Tempo Presente como referencial teórico-metodológico, constituem interesse de pesquisa no tempo presente.

Sabendo-se que os anos 1990 foram marcantes para a eclosão das sociedades de pesquisa que vieram a fortalecer o campo da História da Educação, a produção dos pes-quisadores, a História do Tempo Presente e a pesquisa em Educação podem ser facilmen-te relacionadas pelo fato de a História da Educação no Brasil como pesquisa, situar como pano de fundo, a pesquisa histórica educacional, a partir do século XX. Por essa influência,

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os centros de pesquisa em educação de todo o país não têm se privado de apoiar o desen-volvimento de projetos que buscam trazer à luz temas que fazem parte de um presente onde convivem pesquisadores e objetos de pesquisa, como se evidenciou nos resultados acima.

Considerações Finais

O breve estudo sobre a História do Tempo Presente foi extremamente produtivo para avançarmos na compreensão de que é possível e permitido desenvolver temas que fazem parte da experiência, da vivência e do mesmo tempo de quem se propõe a pensar a Educação. O entrelaçamento entre História do Tempo Presente e a História da Educação está no fato de ambas estarem livres de lidar com a linearidade, com o passado como algo fechado e ponto de partida para as suas configurações. Ambas decorrem de práticas so-ciais, de experiências vividas, de uma nova forma de relação com as fontes e documentos, além da pluralidade de abordagens e temas, principalmente, porque a História do Tempo Presente e a História da Educação possuem o privilégio de trabalharem com a memória social viva, tendo autonomia para criar as suas próprias fontes.

A análise dos pré-projetos, embora marcada pela simplicidade na produção dos da-dos, pode indicar sem considerar o referencial teórico, a natureza dos métodos, os instru-mentos de pesquisa, que a VIII Turma, ingressante em 2018, na linha Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto)biográfica no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão, demonstra grande interesse pela pes-quisa em educação em confluência com a história do presente, podendo contribuir tanto na Historiografia da Educação quanto na História do Tempo Presente.

Desse modo, podemos dizer que a perspectiva de pesquisa proposta pela História do Tempo Presente parece-nos adequada ao desenvolvimento do nosso projeto de pes-quisa, em andamento pela linha “Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto)biográfica. Isso porque, ao pensarmos os processos de subjetivação dos jovens ne-gros do projeto Empodera! assumiremos temas, premissas e metodologias que que nos levem à compreender as formas de ser e estar dessas juventudes negras em seu próprio tempo, utilizando as narrativas como estratégia para perceber as relações étnico-raciais, numa aproximação direta com a História do Tempo Presente que assume um caráter orientador em nossa pesquisa.

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Temas sobre Educação e Escola é uma coletânea que reúne trabalhos

na área da educação apresentados no VI Seminário de Pesquisa, Pós-Gradu-

ação e Inovação (SPPGI), realizado no período de 12 a 14 de setembro de

2018 e organizado pela Coordenação de Pesquisa, Pós-Graduação e

Inovação (CPPGI-Gestão 2018-2021) da Universidade Federal de Goiás,

Regional Catalão.

A coletânea comporta vinte e três textos que são resultados de estudos

e pesquisas de iniciação científica, mestrado e relatos de experiência em

suas diferentes vertentes e abordagens. Aqui o leitor encontrará discussões

sobre alfabetização, letramentos, formação de professores, Educação de

Jovens e Adultos, Infância, Pré-Escola, Anos Iniciais, Inclusão, Cultura Popu-

lar, Metodologias e Materiais Pedagógicos, dentre outros