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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 TEMPO E MEMÓRIA NAS PAISAGENS CULTURAIS E NATURAIS NO DISTRITO DE MARZAGÃO, SABARÁ - MG: aproximações, distanciamentos e reaproximações no âmbito das questões patrimoniais ANDRADE, VAGNER L. (1); SILVA, LUDIMILA DE M. R. (2); 1. Rede Ação Ambiental. Graduando em Ciências Biológicas pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Praça Quatorze Bis, 130, Apto 906, Bela Vista, São Paulo SP CEP 03240-400 E-mail: [email protected] 2. Instituto de Geociências, UFMG. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia do IGC Rua Principal, 231, Bl. 03/Apto 203, Bernardo de Souza, Vespasiano MG CEP 33220-000 E-mail: [email protected] RESUMO Ameaças e/ou devastação dos patrimônios cultural e natural, infelizmente são comuns no cotidiano das mais diferentes localidades planetárias. O antigo distrito de Carvalho de Brito, localizado no município de Sabará MG, adjacente ao encontro do poluído ribeirão Arrudas com o rio das Velhas, próximo ao centro de Belo Horizonte apresenta, importantes patrimônios histórico e natural, talvez irreversivelmente afetados pela predatória ação humana. Conhecido popularmente como Marzagão, a localidade guarda em sua história importantes eventos socioeconômicos da história da capital e Minas Gerais, tendo sua fundação, como berço industrial, ocorrida em 1879, ainda em tempos do Curral Del Rey. Pressionada pela expansão urbana da capital, o distrito evidenciou casos recentes de degradação patrimonial. Paralelamente ao ocorrido, houve ampla mobilização local visando sua imediata preservação e tombamento enquanto receptáculo de uma memória coletiva e testemunho vivo de tempos memoráveis. O patrimônio cultural da respectiva localidade é formado pela Vila Operária e a Villa Elisa, e também por dois consideráveis remanescentes florestais: as matas do Melo e do Inferno, ambas declaradas monumentos naturais e paisagísticos para fins de preservação pela Lei Orgânica Municipal e tombados pelo IEPHA. O presente trabalho objetiva, a partir da discussão teórica entre elementos do tempo e da memória, apresentar a relevância das paisagens culturais e naturais de Marzagão, destacando aproximações, distanciamentos e reaproximações no âmbito das questões patrimoniais da cidade de Sabará. PALAVRAS CHAVE Memória; Destruição; Preservação;

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TEMPO E MEMÓRIA NAS PAISAGENS CULTURAIS E NATURAIS NO

DISTRITO DE MARZAGÃO, SABARÁ - MG: aproximações, distanciamentos e reaproximações no âmbito das questões

patrimoniais

ANDRADE, VAGNER L. (1); SILVA, LUDIMILA DE M. R. (2);

1. Rede Ação Ambiental. Graduando em Ciências Biológicas pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Praça Quatorze Bis, 130, Apto 906, Bela Vista, São Paulo – SP CEP 03240-400

E-mail: [email protected]

2. Instituto de Geociências, UFMG. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia do IGC Rua Principal, 231, Bl. 03/Apto 203, Bernardo de Souza, Vespasiano – MG CEP 33220-000

E-mail: [email protected]

RESUMO Ameaças e/ou devastação dos patrimônios cultural e natural, infelizmente são comuns no cotidiano das mais diferentes localidades planetárias. O antigo distrito de Carvalho de Brito, localizado no município de Sabará – MG, adjacente ao encontro do poluído ribeirão Arrudas com o rio das Velhas, próximo ao centro de Belo Horizonte apresenta, importantes patrimônios histórico e natural, talvez irreversivelmente afetados pela predatória ação humana. Conhecido popularmente como Marzagão, a localidade guarda em sua história importantes eventos socioeconômicos da história da capital e Minas Gerais, tendo sua fundação, como berço industrial, ocorrida em 1879, ainda em tempos do Curral Del Rey. Pressionada pela expansão urbana da capital, o distrito evidenciou casos recentes de degradação patrimonial. Paralelamente ao ocorrido, houve ampla mobilização local visando sua imediata preservação e tombamento enquanto receptáculo de uma memória coletiva e testemunho vivo de tempos memoráveis. O patrimônio cultural da respectiva localidade é formado pela Vila Operária e a Villa Elisa, e também por dois consideráveis remanescentes florestais: as matas do Melo e do Inferno, ambas declaradas monumentos naturais e paisagísticos para fins de preservação pela Lei Orgânica Municipal e tombados pelo IEPHA. O presente trabalho objetiva, a partir da discussão teórica entre elementos do tempo e da memória, apresentar a relevância das paisagens culturais e naturais de Marzagão, destacando aproximações, distanciamentos e reaproximações no âmbito das questões patrimoniais da cidade de Sabará. PALAVRAS CHAVE Memória; Destruição; Preservação;

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MEMÓRIA, TEMPO E ESPAÇO: reflexões e indagações

teórico-conceituais

Na análise do passado há respostas desconhecidas que estimulam o desenvolvimento

humano em suas múltiplas possibilidades, integrando paisagens culturais e naturais no tempo

e no espaço. No registro histórico da humanidade há disparidades que se evidenciam, entre

atividades urbanas e rurais; entre padrões de produção e consumo incompatíveis com os

limites planetários. Então em experiências pretéritas buscam-se respostas para os dilemas

contemporâneos. A história ajuda na edificação de uma nova ordem social? Qual é a

importância da memória para o conjunto socioeconômico atual? Qual a afinidade dela com a

Gestão Pública? Como a Gestão Pública deve se posicionar na preservação da memória e do

patrimônio cultural? Porque a coletividade moderna desvaloriza tanto seu patrimônio cultural?

Estas e outras questões trazem à tona a discussão acerca do padrão de desenvolvimento

adotado na contemporaneidade que, por sua vez, desconsidera vastamente os patrimônios

histórico e natural, através da ilustração de um caso recente na região de entorno da capital

mineira.

A história tem um sentido único, ao delinear o desenrolar da vida, em diferentes eras e

ocasiões. O planeta também é singular, e se preparou milhões de anos para receber a valiosa

dádiva da vida. Mas dentre as mais diferentes e complexas configurações de vida, existe uma

espécie, cognominada “ser humano” que impera sobre os demais componentes da

comunidade viva, impondo seus numerosos interesses (SOUZA, et. al., 2005). Esta espécie,

por sua habilidade diferenciada de raciocínio, apesar de ser recente na história planetária, já

transformou intensamente a Terra, deixando registros e marcas de atitudes e ações, que

positivas ou negativas, interferiram absolutamente nas dinâmicas socioambientais. Neste

contexto, inúmeras sociedades e povos deixaram incomensuráveis contribuições à evolução

humana, mas por outro lado estamparam no planeta, marcas e seqüelas irreversíveis que

clamam por imediatas soluções (SOUZA, et. al., 2005). Muitas destas marcas se

intensificaram especialmente após o começo da Revolução Industrial e estabelecimento do

presente modelo socioeconômico. A base destas soluções talvez se encontre na agregação

entre os divergentes interesses ligados à ampliação econômica, que se contrapõem à justiça

social e à preservação ambiental. Essa associação, denominada desenvolvimento

sustentável tece contribuições efetivas para a paz entre os povos e nações (SOUZA, et. al.,

2005).

Mas, diante de uma história assinalada por conflitos e interesses antagônicos, será que o

tempo pretérito tem alguma ligação com os momentos atuais? De que forma o tempo pretérito

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contribui para a construção de uma nova ordem social? Como a memória é um mecanismo de

preservação das lições e histórias do tempo pretérito? Mas seria a memória, como

mecanismo indispensável à compreensão da sociedade atual, alvo exclusivo da História e,

portanto dos historiadores? Outras áreas do conhecimento científico trabalhariam com a

memória, na análise de seus objetos de estudo? Existiram relações entre Geografia e História,

entre espaço e memória? Sobre este contexto, Ávila (2008, p. 14-15) atesta que:

Os encaminhamentos do passado e a noção de preservação das culturas relacionadas com a elaboração de políticas públicas de preservação perpassam pelo campo das memórias e das identidades culturais. A utilização do termo patrimônio é geralmente associada ao momento da formação dos estados nacionais a partir do século XVIII. A noção efetiva de preservação patrimonial vinculada a uma política pública e estatal surge na Europa do século XIX, após a Revolução Francesa, momento em que as obras de arte, os imóveis e os monumentos em geral símbolos da nobreza, estavam ameaçados por ataques das massas enfurecidas com o Antigo Regime. Naquela conjuntura, o Estado criou mecanismos para a institucionalização da preservação patrimonial. Isto ocorreu em um contexto especial do contexto francês do século XIX, no qual havia um forte apelo aos valores da nação e à sua história oficial que vinha sendo estimulada e influenciada pelos ideais positivistas de caráter ufanista. Durante esse período, o foco da preservação e o termo patrimônio associavam-se apenas a elementos artísticos e arquitetônicos de notória valorização monetária.

A memória e, portanto, o patrimônio versam sobre os humanos, seres em constante

modificação, que transformam o espaço natural onde vivem, de acordo com interesses e

particularidades, deixando marcas. Na análise da memória, o tempo pretérito é analisado

como conseqüência de marcas culturais que imprimiram nova configuração aos lugares,

resultando em complexas relações sociais estabelecidas sobre o mesmo (SOUZA, et. al.,

2005). Neste sentido, a Ciência Geográfica, enquanto categoria científica relaciona os

conceitos de tempo e memória como indispensáveis na compreensão das técnicas de

produção e reconfiguração do espaço geográfico. Tal aproximação se revela, segundo

Crispim (2012, p. 336) por meio do conceito de paisagem cultural, que vem se destacando

desde a década de 1970 entre as ciências e órgãos de gestão patrimonial, sendo inclusive,

reconhecida “como instrumento da inclusão de bens na lista do patrimônio mundial da

UNESCO” em 1992; e debatida na Convenção Europeia da Paisagem, como forma de

proteção e gestão territorial no âmbito do desenvolvimento sustentável. Desse modo:

Ambas as experiências internacionais revelam a escolha do conceito de paisagem como um elemento integrado de análise da realidade, capaz de unir o homem e o ambiente natural por um escala de valores singular contrapondo-se ao chamado “paradigma da modernidade” que, ao estabelecer rumos para o progresso da civilização ocidental, opunha natureza e cultura, entendendo o ambiente como cenário da ação do homem (CRISPIM, 2012. p.336).

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Com isso, diz-se que questões epistemológicas e científicas relacionadas ao processo de

compreensão e análise da memória baseada na relação entre as pessoas e destas com o

espaço, não são exclusividade da História, enquanto ciência (MOURA; ANDRADE, 2014).

Num contexto contínuo de aproximações, distanciamentos e reaproximações perpassam

também pela essência da Geografia, enquanto ciência interdisciplinar, multidisciplinar e

transdisciplinar. Assim, a produção e reconfiguração do espaço geográfico transcorre por uma

série de outras ciências (ANDRADE, 2007). Para se correlacionar a Modernidade e memória,

utilizando uma perspectiva interdisciplinar é necessário ainda a compreensão dos conceitos

de Espaço e Tempo, a partir da “materialidade simbólica”, pois, como ressalta Silva (2006):

Neste contexto, a materialidade simbólica do espaço é cada vez mais substituída pelo novo, pelo moderno, de tal forma que o espaço cada vez mais parece “escapar” da memória e das lembranças. Diante deste quadro, objetiva-se desenvolver uma reflexão teórico-metodológica que se situe na confluência das ciências sociais e da geografia, capaz de priorizar a memória não somente como lembrança de um passado, porém como meio para recriar o passado com vistas ao futuro, portanto, como algo que implica numa possível ação transformadora, na qual as lembranças, como matrizes da memória, possam ser os alicerces de novos espaços e novas temporalidades

Neste sentido, Geografia e História seriam ciências complementares, embora tenham seus

objetos de estudo especificamente definidos. Repensando a íntima relação entre História e

Geografia, Holzer (2000, p. 111) diz que “qualquer trabalho que se refira à espacialidade

humana deve referir-se à memória”. Este autor retrabalha brevemente esta relação a partir da

ótica de que “a memória contribui para a constituição de categorias espaciais”. Desse modo, a

geografia humanista, reforçaria a relação existente entre memória, história e espacialidade,

posto que o “caminho proposto era o do estudo da imaginação geográfica e de sua

diferenciação das imagens mentais, que podiam ser meramente invocadas pela memória”, e

pela história de vida das pessoas (HOLZER, 2000, p. 112).

A memória, um importante elemento epistemológico por vezes desvalorizado, ao falar das

origens humanas considera todo um conjunto de vivências, onde o acúmulo de experiências

torna-se referência para a construção do futuro (ANDRADE, 2007). Apresenta-se como

fundamento principal para o desenvolvimento e aprimoramento humano nos níveis pessoal e

social, permitindo entender quem são os seres humanos, seus anseios, dúvidas, interesses e

sentimentos. A memória ao resguardar as lições do tempo pretérito permite entender a íntima

relação entre a natureza e os homens (ANDRADE, 2007). Neste sentido, a partir da

apreciação das conexões existentes entre memória, paisagem e lugar, conclui-se que espaço

e tempo estão indissoluvelmente ligados, reforçando o caráter essencial da geografia,

enquanto ciência que estuda as relações entre sociedade e natureza. No estudo geográfico

da espacialidade, não importa a que época se refira, a memória, como fruto da ação humana

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deve ser amplamente considerada, analisada, compreendida e registrada. Moura e Andrade

(2014, p. 02) verificam que:

Os historiógrafos leigos, isto é, graduados em áreas alheias à história, seguem metodologia tradicional. Alguns advogados, engenheiros, geógrafos e médicos com boa capacidade de narração historiam os fatos relevantes de suas terras natais. Esses historiadores amadores, mesmo colocando em evidência as suas parentelas, contemplam as figuras públicas da realidade que analisam. Ao mesmo tempo, prestam enorme serviço de divulgação das fontes primárias e secundárias, contribuindo com a historiografia. (...) O trabalho historiográfico do geógrafo busca explicitar o contexto de produção do espaço no âmbito dos territórios, analisando as relações existentes entre homem e natureza e a apropriação dos recursos naturais e suas consequências. Com base na informação histórica, teoricamente apurada e retrabalhada, o geógrafo analisa a formação territorial, o meio natural e aspectos ambientais, evidenciando formas sustentáveis de desenvolvimento social, econômico e cultural.

Na análise da memória, encontram-se inúmeras respostas do tempo pretérito, aprimorando

antigos feitos, evitando que antigos erros se repitam. Significa também a possibilidade de

resgatar experiências e valores primordiais, que a sociedade consumista, egoísta e

imediatista vêm destruindo. Um tempo pretérito planetário de desigualdades sociais e

destruição ambiental permitirá ao homem refletir sobre suas ações, reforçando-as e

orientando-as para a construção de um futuro melhor, mais justo e harmônico. Um mundo de

paz efetiva-se no momento em que o homem perceber que, até o momento, sua história social

tem sido sinônimo de conflitos, destruição, ganância e guerras. Somente ao repensar estas

atitudes impressas no tempo pretérito, estabelecerá no planeta um pacto verdadeiramente

humano, baseado numa nova relação pautada nos compromissos: pessoal, com o próximo,

com a vida, para assim se concretizar definitivamente a paz (SOUZA, et. al., 2005). Assim

amplia-se a compreensão de um tempo geográfico que se desdobra num espaço histórico,

complementando os tradicionais conceitos de tempo histórico e espaço geográfico. Crispim

(2012, p. 336) evidencia que:

A transposição desse entendimento para a noção de paisagem cultural diz respeito a uma mudança na escala de valores atribuídos à natureza ao longo do tempo. Traduz, em outras palavras, uma aproximação dessas duas esferas como sendo resultado de um processo histórico, de uma dinâmica social especifica para os quais podem ser estabelecidos múltiplos entendimentos. Sendo a natureza não mais vista como cenário, o homem passa a estabelecer com ela um diálogo fortuito, um convite à sua reformulação enquanto ser, de modo que esse relacionamento passa pela discussão de temas como o desenvolvimento sustentável e a ecologia política, sobretudo entre as décadas de 1970 e 1980. Tal debate é contemporâneo à ampliação do conceito de patrimônio e de memória, que passou a abranger o todo da cultura material, representações e técnicas do homem. Essa ampliação corresponde ao debate em torno de conceitos como o de cultura, técnica e outros em trânsito entre diversas áreas com a Antropologia, a História e a Geografia e outras áreas, desde fins dos anos de 1960. Dessa maneira indagamos as interlocuções entre essas duas esferas

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de discussão – o da mudança de valores atribuídos à natureza em seu contato com o elemento humano e o da ampliação do conceito de patrimônio – propondo um trabalho de análise das políticas de preservação reveladoras desse debate.

Mas numa sociedade orientada pela lógica capitalista, os elementos do tempo pretérito e

evidentemente os mecanismos que o resguardam são desconsiderados, dentre eles a

memória e uma de suas formas de materialização: o patrimônio cultural. O planejamento das

regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões muitas vezes desconsideram

a proteção, a salvaguarda e a recuperação do ambiente natural (paisagens naturais) e do

meio construído (paisagens culturais). Assim a preservação do patrimônio arqueológico,

artístico, cultural, histórico e paisagístico muitas vezes é delegada a segundo plano nas

agendas públicas. Por questões que aqui não serão discutidas, há outras prioridades à frente

das demandas culturais e ambientais como a regularização fundiária e urbanização de áreas

ocupadas por população de baixa renda. E na Região Metropolitana de Belo Horizonte esta

realidade não foi exceção com a intensificação da urbanização e desconsideração com

aspectos ligados às paisagens culturais e naturais. No âmbito de aproximações,

distanciamentos e reaproximações fica uma pergunta: quem é efetivamente responsável pela

guarda do tempo e da memória local? Na Grande BH, há uma localidade que exemplifica

claramente isso, denominada popularmente como Marzagão, distrito do município de Sabará.

Geografia e Memória no município de Sabará (MG)

Marzagão é uma exceção no contexto de Sabará que guarda importantes elementos

patrimoniais em seu centro histórico. Antiga Sabarábuçu, dos bandeirantes liderados por

Borba Gato, atualmente a reconhecida cidade colonial mineira é um exemplo vivo das

experiências pretéritas, modelo ideal de preservação da memória e demais registros de outros

tempos. Seu patrimônio cultural e histórico remonta aos tempos do Brasil Colônia e recebe

turistas do Brasil e do mundo (SOUZA, 2008).

Assim Sabará se efetiva como um exemplo no que se refere à preservação do patrimônio e,

portanto, da memória de um povo. Visando resguardar a memória, preservam-se os mais

variados bens históricos que expressam as inúmeras marcas deixadas por pessoas que aqui

viveram e acumularam experiências positivas ou não, se eternizando na memória coletiva.

Várias construções em estilos barroco e rococó guardam vestígios pretéritos que vão desde

Borba Gato ao arquiteto, escultor e entalhador Antônio Francisco Lisboa, o Mestre Aleijadinho

(1730–1814) (SOUZA, 2008). Historicamente transmitidas pela cultura, se tornaram relíquias

capazes de melhorar a vida das sociedades posteriores que às visitam e às analisam.

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Diante de tantos interesses e dilemas da atualidade, a Gestão Pública, na qualidade de

representante dos interesses coletivos articula, promove e efetiva a preservação das mais

diferentes formas culturais resguardando às lições e histórias dos tempos pretéritos. Neste

sentido, existe toda uma estrutura organizacional de âmbito técnico-administrativo voltada à

salvaguarda do patrimônio cultural e natural. Associado à intensa presença e atuação das

diferentes esferas da Gestão Pública e de seus mecanismos efetivos de ação, prioriza-se a

conscientização, reflexão e participação de todos os cidadãos sobre a questão (SOUZA,

2008).

O município mineiro de Sabará possui área territorial de 302 quilômetros quadrados, que

corresponde a 5,1% do território da região metropolitana de Belo Horizonte, na qual se insere

desde 1974. Limita-se ao norte com Taquaraçu de Minas, a leste com o município de Caeté,

ao sul com Raposos e Nova Lima, e a oeste com os municípios de Santa Luzia e Belo

Horizonte (SOUZA, 2008). Atualmente em termos administrativos, o município, divide-se em

04 distritos e 11 regiões conforme detalhes territoriais descritos por Souza (2008) em seu

trabalho sobre turismo e educação patrimonial.

Historicamente ligado ao Ciclo do Ouro e integrante do Circuito Turístico das Cidades

Históricas Mineiras, Sabará situa-se no limite leste da Zona Urbana de Belo Horizonte, e

funciona como uma espécie de eixo de expansão contínua do tecido urbano da capital

mineira. No que se refere à expansão urbana nessa região, a principal pressão caracteriza-se

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pelos antigos bairros que compõem a Zona Leste, como destaca o Planejamento da Região

Metropolitana de Belo Horizonte - PLAMBEL (1979,p. 21-23):

A Zona Urbana de Belo Horizonte, situada a oeste do parque, apresenta ocupação relativamente antiga: em 1950, parte da área já se encontrava habitada. Em novembro/75, apresentava densidades de população que variavam de 51-100 hab/ha., com nível de renda média familiar na faixa de até seis salários mínimos mensais.

O relevo é caracterizado por uma paisagem montanhosa com fortes rupturas de declive e

vales encaixados, onde predominam os itabiritos, dolomíticos e filitos pertencentes à Série

Minas, em contato com as rochas gnáissicas da região de Belo Horizonte. O município está

localizado na bacia do Rio das Velhas, sendo os principais cursos d´água locais, os Ribeirões

Arrudas e Sabará (SOUZA, 2008). O clima típico da região é o Tropical de altitude com verões

quentes e chuvas predominando nos meses de outubro a abril, com totais pluviométricos

variando em torno de 1.500 mm anuais. A temperatura média anual é de cerca de 21ºC

(SOUZA, 2008). A média das máximas fica em torno de 27ºC e a das mínimas de 16ºC. A

média da umidade relativa do ar é de 72,2%.

A vegetação predominante na paisagem local é o cerrado com presença predominante do

coqueiro macaúba em alguns pontos. Algumas áreas apresentam ainda a existência de uma

vegetação primitiva do tipo remanescente de mata tropical. No que se refere à preservação

ambiental, o município apresenta algumas unidades de conservação criadas e não

implantadas como o caso da Mata do Inferno, em Marzagão que por sua vez, foi em 1979

definida pelo PLAMBEL como área para a implantação do Parque Urbano General Carneiro,

com aproximadamente 200 hectares e em 1990, declarada como reserva ecológica pela Lei

Orgânica do Município de Sabará (SOUZA, 2008). Este remanescente florestal juntamente

coma a mata do Melo compunham o que se conhece historicamente como Fazenda

Marzagão.

DESTRUIÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL: o caso do distrito de

Carvalho de Brito – Marzagão

O distrito de Carvalho de Brito, localiza-se às margens do insalubre ribeirão Arrudas e surgiu

em 1879 na região da Fazenda Marzagão com a constituição de um parque têxtil. Como se

localizava na zona rural foi imprescindível à construção de uma vila operária no entorno da

fábrica, abrigando todos os envolvidos na atividade fabril (SOUZA; ANDRADE, 2006).

Em 1893 foi erguida uma estrada de ferro ligando Sabará à Santa Luzia, e dois anos depois,

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em 1895, foi construída uma segunda estação, recebendo o nome de “General Carneiro”, em

homenagem à figura mineira do General Antônio Gomes Carneiro, nascido no Serro,

governador das Províncias do Paraná e do Mato Grosso. Ávila (2008, p. 56) analisa que:

Se associarmos o nome Marzagão ao lugar localizado entre as sedes dos municípios de Sabará e Belo Horizonte, podemos pensar em um conjunto de edificações e construções arquitetônicas. Outra possível interpretação pode partir de uma análise geográfica deste lugar, que pode ser expressa na percepção de uma paisagem que agrega elementos geográficos diversos como relevos, matas e rios em pontos cardeais determinados. Podemos pensar este nome associado às pessoas que habitaram este lugar, às relações sociais, aos tipos de interação e às relações de poder desenvolvidas em determinados contextos históricos. Outra possibilidade é a de criar uma leitura desse local associando seus aspectos históricos, sociais, geográficos

e arquitetônicos.

Posteriormente, em 1915, o empresário e político mineiro Manuel Thomaz Carvalho Britto

(1872-1952) adquiriu as propriedades em funcionamento, instalando à Companhia de Fiação

e Tecidos Minas Gerais (SOUZA; ANDRADE, 2006). Com o posterior desenvolvimento do

empreendimento industrial, a vila Marzagão viveu tempos prósperos, gozando de

auto-suficiência em prestação de serviços, e chegando ao número de 200 residências e 2.020

habitantes, que usufruíam de uma excelente infra-estrutura urbana e considerável qualidade

de vida (SOUZA; ANDRADE, 2006). Ávila (2009) averigua que:

O conjunto arquitetônico de Marzagão representa um exemplar das transformações correlatas ao desenvolvimento industrial ocorridas em diversas cidades brasileiras durante fins do século XIX e primeiras décadas do século XX. Dentre as mudanças processadas no cotidiano e nos modos de vida urbanos de núcleos industriais, encontram-se a desconstrução da cidade colonial, a modernização e racionalização da infra-estrutura urbana e as reformas da habitação.

A estratégia e os procedimentos adotados para a implantação de uma fábrica de tecidos e a própria escolha da atividade têxtil como mola propulsora da indústria moderna durante fins do século XIX, no Brasil, apontavam para uma conveniente condução desta atividade, com condições mercadológicas e fiscais favoráveis.

A Estação de Marzagão (Figura 01) pertenceu ao município de Belo Horizonte de1878 até

1938, quando passou a ser distrito de Sabará. Com o crescimento do número de moradias no

entorno da antiga sede, a região passou a ser chamada de General Carneiro e em 1943 o

distrito recebeu o nome de Marzagânia, devido à existência de uma localidade homônima no

estado de Goiás, que acarretava problemas com correspondências (SOUZA; ANDRADE,

2006). O local foi eternizado no conto “Sinhá Secada”, de autoria de Guimarães Rosa,

publicado na década de 1950, em seu livro Tutaméia.

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Figura 01 – a simplicidade da estação Carvalho de Brito em oposição à opulência da Estação General Carneiro, ambas já demolidas

Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br (2016)

Ainda na década de 1950, com a abertura do Brasil ao mercado externo e a livre concorrência,

a fábrica apresentou problemas técnicos e financeiros. Surgindo assim os primeiros

problemas trabalhistas e movimentos sindicais. Um dos mais destacados foi uma greve no

início da década seguinte, conhecida como “Passeata da Fome”, quando os trabalhadores

foram às ruas de Belo Horizonte com panelas vazias nas mãos (SOUZA; ANDRADE, 2006).

Após entrar em crise, a fábrica e a usina hidrelétrica passaram nas décadas posteriores para

propriedade da Paraopeba Industrial, sendo transferidas depois para a União Rio

Empreendimentos S/A, que as fechou. Posteriormente foram vendidas para a Companhia de

Fiação e Tecidos Cedro Cachoeira, que retirou o maquinário, vendendo os galpões para a

Confecções Top, fabricante do jeans Marcell Phillipe, que ainda se encontra em atividade no

local (SOUZA; ANDRADE, 2006).

O nome oficial “Carvalho de Brito” foi dado ao distrito apenas em 1962 e atualmente a sede do

distrito localiza-se em um bairro próximo denominado Nações Unidas, onde estão localizados

o cartório e o pequeno cemitério. O Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Vila Operária,

Fábrica de Tecidos de Marzagão e Vila Elisa inserem dentro da propriedade particular dos

herdeiros do empresário Carvalho Britto, que atualmente vivem no Rio de Janeiro. Toda a

área cultural da vila e entorno natural pertencem à União Rio Empreendimentos S/A, empresa

imobiliária que administra o espólio dos descendentes do deputado pioneiro (SOUZA;

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ANDRADE, 2006). Esta empresa tem implantado empreendimentos urbanísticos como o Alto

Boavista, o Campos Elíseos e o Novo Horizonte, todos no entorno da mata do Inferno,

conectados à zona leste da capital mineira.

Diante de tamanha destruição da memória coletiva, um amplo movimento de mobilização

social foi realizado pela Associação dos Amigos e Moradores de Marzagão (ACAMM) na

comunidade e entorno resultando no processo de tombamento por parte do IEPHA - Instituto

Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (AVILA, 2008), no intuito que este pedaço da

história mineira fosse definitivamente preservado e protegido da especulação imobiliária e do

descaso humano. Porém o tombamento oficial não evitou desabamentos, incêndios, roubos e

depredações e Marzagão encontra-se ainda abandonada, padecendo silenciosamente diante

da indiferença alheia (SOUZA; ANDRADE, 2006).

O Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Vila Operária, Fábrica de Tecidos de Marzagão e

da Vila Elisa (Figura 02) aguarda ações por parte do poder público para resguardar suas

paisagens culturais e naturais. Estas ações serão imprescindíveis para se resguardar o tempo

e a memória local, reafirmando-o como patrimônio de toda uma coletividade. Políticas

públicas dentre as quais as voltadas para o ecoturismo serão uma solução pertinente, desde

que sejam realizadas de forma sustentável, pois nesta região o ribeirão Arrudas, apesar de

intensamente poluído, apresenta inúmeras e pequenas cachoeiras e alguns tributários

preservados, cercados de expressiva vegetação.

Figura 02 – área perimetral adjacente ao conjunto tombado pelo IEPHA

Fonte: Google Earth (2016)

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Talvez após o processo de despoluição de suas águas na ETE, localizada a montante da

localidade, no futuro, o poluído ribeirão traga à comunidade local novas perspectivas de vida,

pautadas no turismo, lazer e recreação, afastando as sombras da devastação. Além da

conquista definitiva do patrimônio, urge a rediscussão em torno do Parque Urbano General

Carneiro, concebido em 1979 e nunca efetivado. Sobre a questão cultural, Ávila (2008) afirma

que:

Em 26 de outubro de 2004 o foi deliberado o tombamento definitivo do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Vila operária, Fábrica de Tecidos de Marzagão e da Vila Elisa, segundo consta na ata da terceira reunião extraordinária constante no dossiê de tombamento do IEPHA-MG. A inscrição definitiva do bem como patrimônio cultural do Estado aguarda sua homologação e inscrição no livro de tombo.

A questão dos usos e atribuições a espaços e bens classificados como patrimônio cultural de interesse público não se desembaraça ou se configura através de determinações legais ou jurídicas. Dentre as propostas apresentadas para a utilização do espaço da antiga vila operária pode-se citar a constante na correspondência anexa ao processo de tombamento, enviada à Top Confecções – Marcel Philipe, no dia 10 de dezembro de 2001. Nessa correspondência a empresa de marketing cultural designada Palco Produções LTDA disponibilizou-se para elaborar um projeto de revitalização da área de Marzagão, com a criação de um lugar alternativo de cultura e lazer. Segundo a empresa, o empreendimento receberia a denominação de Estação Marzagão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A bacia hidrográfica do rio das Velhas apresenta um rico acervo histórico e natural, como as

construções históricas de Nova Lima, Sabará e Santa Luzia, o convento de Macaúbas, os

sítios arqueológicos e paleontólogos da região cárstica de Lagoa Santa, as ruínas de igrejas

localizadas nas fazendas Bom Sucesso, Jagoara Velha e em Barra do Guaicuí, as serras do

Cabral, do Cipó e do Curral, a região natural da cachoeira das Andorinhas, dentre outros

inúmeros monumentos e áreas naturais que, mesmo ameaçados pela falta de cuidados e atos

de vandalismo são testemunhas eternas do intenso processo de apropriação e exploração

humana ocorridos, desde a época em que o referido rio se chamava Guaicuí. É necessário

que ações de mobilização social e educação patrimonial e ambiental sejam direcionadas a

toda bacia hidrográfica em questão, objetivando evitar que situações sombrias como a da

localidade de Marzagão, ocorram novamente. A história não se faz em um único dia, por isso

a Gestão Pública e suas diferentes esferas em conjunto com a sociedade como um todo

devem valorizar a herança cultural deixada pelos antepassados.

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Prevenir os patrimônios histórico e natural da destruição é um exercício de resgate da

memória e da cidadania e uma expressiva contribuição para uma nova ordem social e

preservá-lo é a única solução, pois os danos geralmente são irreversíveis e irrecuperáveis.

Reescrever este período da história através da preservação de construções, igrejas, museus,

ruínas e demais monumentos existentes contribuirão para a identificação das complexas

origens sociais da comunidade ribeirinha, deste importante afluente do rio São Francisco,

mudando a relação homem/natureza e contribuindo efetivamente para elevar os índices de

recuperação ambiental e qualidade de vida. As ações de degradação ocorridas no tempo

pretérito não serão mais repetidas e um novo padrão social pautado na verdadeira

sustentabilidade será inaugurado. As luzes do presente permitirão ações conscientes que

iluminem o pretérito para melhor compreendê-lo e a partir daí, se construir um futuro melhor,

mais humano e solidário para as gerações futuras.

Exemplos lamentáveis de degradação e fragmentação como o relatado é uma voz que se

levanta contra a ausência de sensibilidade para com a memória coletiva, rompendo com o

desrespeito às gerações passadas. A destruição dos patrimônios histórico e ambiental

demonstra o conflito interno e o desconhecimento de uma sociedade urbano-industrial

capitalista, conturbada e perdida, que não convive harmoniosamente com seu tempo

pretérito. Apagando sua memória, perde-se muito, incluindo a possibilidade de se extrair dela

preciosas lições. Neste sentido a Gestão Pública tem a função essencial de preservar o

patrimônio cultural das mais diferentes localidades como compromisso com um futuro

verdadeiramente sustentável.

O planejamento do desenvolvimento das cidades garante o direito constitucional a ambientes

e paisagens sustentáveis. Em síntese, a preservação patrimonial direta e indiretamente

veiculada à qualidade de vida urbana reforça os direitos humanos relacionados à gestão

democrática das cidades. De modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e

seus efeitos negativos sobre o meio ambiente e sobre a cultura local, a preservação

patrimonial promove por meios legais a complementaridade entre natureza e sociedade. É

também uma forma de dizer não ao desprezo do poder econômico vigente para com a vida e

o sentimento, construídos no decorrer da história humana.

Numa sociedade consolidada como democrática, a gestão da urbe, pautada em princípios de

sustentabilidade ambiental, social e econômica, é certamente um mecanismo que ocorre

através de conferências sobre assuntos urbanos de interesse cultural, nos níveis nacional,

estadual e municipal; debates, audiências e consultas públicas; iniciativa popular de projeto

de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; e órgãos colegiados de

política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal. Marzagão é notório exemplo da

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participação da população e de associações representativas; quando estas articuladas

permitem a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da

sociedade minimizando conflitos.

Outro mecanismo relevante trata da necessidade de estudo prévio do potencial ambiental de

forma a contemplar os efeitos positivos à qualidade de vida da população residente na área e

suas proximidades. Tal estudo corrobora para a importância das paisagens naturais

associadas às matas do Inferno e Melo, legitimando-as enquanto categorias patrimoniais

locais e espaços de referência local. Outros estudos, no mínimo interdisciplinares, incluindo a

análise de potencial dos imóveis tombados, empreendimentos culturais e atividades

correlacionadas à memória da localidade contribuem para a sua preservação e apropriação.

Por último destaca-se a importância da discussão do Parque Urbano General Carneiro, o

quanto antes, com implantação de equipamentos urbanos, espaços comunitários e

preservação da vegetação remanescente. Considerado de interesse histórico, ambiental,

paisagístico, social e cultural, Marzagão se integrará às políticas patrimoniais já consolidadas

na cidade de Sabará, tornando-se mais um lugar efetivamente preservado. Assim num

contexto de aproximações, distanciamentos e reaproximações no âmbito das questões

patrimoniais, o tempo e memória de Marzagão, se efetivarão nas paisagens culturais e

naturais da conhecida cidade de Sabará:

A efetivação de políticas patrimoniais nas paisagens culturais e naturais mencionadas reflete

a importância do cuidado com o patrimônio visando preservar uma memória secular,

mantendo testemunhos de inúmeras manifestações culturais, que propiciam à sociedade,

condições de reconhecer o seu tempo pretérito, valorizando a sua identidade, buscando

referências para a construção de um futuro digno e sustentável. Não somente parte da

memória industrial do estado se preserva como também dos sujeitos trabalhadores que

efetivaram o sucesso do parque têxtil. Que os lamentáveis acontecimentos descritos em

Marzagão, possam ser definitivamente evitados, demonstrando o respeito e a consideração

dos seres humanos para com as gerações passadas e futuras. A memória é a referência que

os homens dispõem para reescrever suas histórias pessoais e sociais. Assim como o peixe na

época da piracema, sobe o rio rumo à nascente de sua origem, que o homem possa buscar no

resgate da história suas verdadeiras origens, sua essência, recuperando assim valores que a

sociedade atual tem exterminado devido ao consumismo, ao egoísmo e ao individualismo.

Que se possa, ainda que pareça improvável, buscar na análise do tempo pretérito, o exemplo

dos indígenas e homens primitivos, que viviam em plena comunhão, equilíbrio, harmonia e

paz com a comunidade e com a natureza. Essa é sem dúvida a essência verdadeira de todos

os seres humanos, sem exceções e que precisa ser urgentemente resgatada e preservada.

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Referências

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ÁVILA, Rodrigo Pletikoszits de. Trabalho, memórias e preservação patrimonial na Vila Marzagão (Sabará, MG). Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Ciências Sócias, março de 2008. 127 páginas

CRISPIM, Felipe Bueno. ENTRE GEOGRAFIA E PATRIMÔNIO: a historicidade do debate. um estudo das políticas de preservação paulistas sob o viés da paisagem, São Paulo, CONDEPHAAT (1969-1989). In: Anais eletrônicos do XI Encontro Estadual de História - História, Memória e Patrimônio. 23 a 27 de julho de 2012 - Rio Grande – RS, Universidade Federal do Rio Grande - FURG

HOLZER, Werther. Memórias de viajantes: paisagens e lugares de um novo mundo. In: GEOgraphia – Ano. II – n° 3. Universidade Federal Fluminense, 2000. p. 111-122, disponível em http://www.uff.br/geographia/rev_03/werther%20holzer.pdf, acesso em 11. nov. 2015

SOUZA. Joana D’arc de. ANDRADE, Vagner Luciano de. Patrimônios histórico e natural do distrito de Marzagão, Sabará – MG: histórico, situação atual e perspectivas. In: Cadernos Manuelzão no 02 – dez/2006. Belo Horizonte: Projeto Manuelzão/UFMG – Instituto SOS Guaicuí, p. 17-23

MOURA, Antônio de Paiva; ANDRADE, Vagner Luciano de. HISTÓRIA GEOGRÁFICA DO ESPAÇO MINEIRO. In: Boletim UFMG, Ano 41, nº 1882, 27/10/ 2014. p. 002

SOUZA, Flávia Henriques de. IMPASSES DO PLANEJAMENTO TURÍSTICO NO MUNICÍPIO DE SABARÁ: uma avaliação qualitativa. (Monografia de Especialização em Turismo e Desenvolvimento Sustentável em Minas Gerais), Instituto de Geociências. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, 2008

SOUZA, Joana D’arc de. et al. Patrimônio Histórico: Como o passado pode nos ajudar a encontrar a paz? In: Revista Ecologia Integral. Belo Horizonte: Ano 5, no 23. p. 17-18. Jan-Mar/2005.

PLAMBEL. Plano Metropolitano de Parques Urbanos. Belo Horizonte: PLAMBEL, 1979. p. 21-23