12

Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

  • Upload
    dodung

  • View
    223

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

Tempos subjetivos amp tempos objetivos da fotografia

Franccedilois Soulages

o artigo propotildee analisar dois paradigmas que contribuem poro o criaccedilatildeo do conceito de fotograficidade A re~exatildeo tem iniacutecio com o investigaccedilatildeo subjetivo de Roland Barthes que

considero o fotografia um reencontro com o passado uma provo de que isso foi - elo eacute um iacutendice antes de ser icocircnica Depois circulamos pelo praacutetico objetivo do imagem numeacuterico onde

posso o ser questionado o ideacuteio de acontecimento e de existecircncia que estaacute presente no imagem fotograacutefico antigo O autor afirmo que os desafios satildeo consideraacuteveis poro aleacutem do

campo tecnoloacutegico e consequumlentemente do representaccedilatildeo do simulaccedilatildeo do arte e do vida do informaccedilatildeo e do comunicaccedilatildeo do poliacutetico e do estrateacutegia do filosofia e do ideologia

Esteacutetico da (otog ra(a semlOloglO Im agem num eacuteflca

o acontecimento irreversiacuteve l deixa atraacutes de si apenas uma imagem cada vez mais apagada apenas um iacutedolo um refiexo infinitamente duvidoso e finalmente mais nada

A esteacutetica da fotografia2 natildeo pode fazer a economia das relaccedilotildees dessa teacutecnica no tempo como a partir da fotografia os homens vivem sonham e representam de outra forma o tempo e em consequumlecircncia a imagem e as praacuteticas fotograacuteficas e metafotograacuteficas Os desafios satildeo decisivos tanto para a arte - a arte fotograacutefica principalmente e a arte contemporacircnea em geral - quanto para a sem-arte e portanto para a vida cotidiana dos homens que vivem o tempo e morrem

Iremos nos confrontar aqui com esse problema e por isso estudar em um primeiro momento a maneira subjetivo que Barthes viveu de outra maneira graccedilas agrave fotografia sua relaccedilatildeo com o tempo e a morte de sua matildee e em um segundo momento a teoreacutetica objetivo das afinidades do tempo e da fotografia relativas agrave fabricaccedilatildeo de uma foto confrontaremos entatildeo a fotografia e a imagem numeacuterica Essa dupla aproximaccedilatildeo serviraacute de fundamento de uma esteacutetica da fotografia

ITempos subjetivos memoacuteria amp arte

Para isso refietimos interrogando A cocircmara clara de Roland Barthes 3 A motildee reencontrado ou entatildeo O Amor o motildee o morte poderiam ter sido os

Vladimir Jankelevitch

tiacutetulos do livro de Barthes sobre a fotografia Com A cocircmara cloro Roland Barthes escreveu um livro perturbador sobre ele mesmo sobre a relaccedilatildeo que mantinha com sua matildee e sobre esta uacuteltima para fazer isso ele tomou a fotografia com o pretexto de estudar a cacircmara clara a fim de poder falar do quarto da matildee com o amor que lhe conveacutem Esse livro pode certamente ser criticado por algumas dessas teses4 mas permanece de um valor inestimaacutevel com respeito agrave gravidade e agrave forccedila de determinadas afirmaccedilotildees relativas agraves relaccedilotildees entre a fotografia a matildee o amor e a morte relaccedilotildees obrigatoriamente existenciais e edipianas

11 A perda

Barthes acabava de perder sua matildee agrave qual era muito ligado e sofria excessivamente esse desaparecimento Aparentemente o luto nele natildeo se operava Ele natildeo conseguia afastar-se desse objeto de devoccedilatildeo que era a matildee tatildeo amada nem cumprir o que Freud descreveu em Deus e Melancolia o eu por assim dizer obrigado a decidir se quer dividir o destino (do objeto perdido) considerando o conjunto de satisfaccedilotildees narciacutesicas que haacute para deixar em vida decide romper sua ligaccedilatildeo com o objeto desaparecido 5 A morte de sua matildee natildeo estava

TEMAacuteTICAmiddot f RANCcedil OI S SO Ul AG ES 153

ale R E V 1ST A o o P R o G A M A o E P 6 S - G R A o U A ccedil A o E M A R TE S V I SUA I S E oA bull U F R J 2 o o 4

ultrapassada Era indialeacutetica6 Muito mais ela tornava a vida e a morte de Barthes tambeacutem indialeacuteticas Eu soacute podia esperar minha morte total indialeacutetica A situaccedilatildeo era de difiacutecil superaccedilatildeo por qualquer oufhebung A existecircncia eacute a narrativa na qual o pensamento puro naufraga escreve Kierkegaard G Barthes recorre a outra coisa diferente do pensamento puro para sair do naufraacutegio provocado pela perda de sua matildee naufraacutegio que comeccedilava a ruir verdadeiramente sua existecircncia

Como ele pocircde ultrapassar entatildeo essa situaccedilatildeo cruel e reencontrar9 pela fotografia aquela que ele amava Quais consequumlecircncias ele extrai disso para a essecircncia da fotografia e para sua relaccedilatildeo com a arteO

Apoacutes a morte de sua matildee Barthes nada esperava da fotografia que o ajudasse a dissipar seu sofrimento Eu natildeo esperava reencontraacuteshyla natildeo esperava nada dessas fotografias de um ser diante das quais nos lembramos menos bem dele do que se nos contentamos em pensar nele 1 De fato uma foto particular natildeo restitui nem a existecircncia nem o ser da pessoa fotografada mesmo se isso eacute o sonho de todo retratista e a ilusatildeo de todo sujeito fotografado justamente como somos confrontados no risco da morte estamos no domiacutenio do sonho e da ilusatildeo e natildeo naquele da realidade Aleacutem do mais uma foto particular reduz uma pessoa com aparecircncias muacuteltiplas e personalidade plural a ter apenas uma representaccedilatildeo solidificada e simplificadora tambeacutem uma foto restitui muito pouco do ser ausente desaparecido A fotografia pode mesmo funcionar como noacutes a vemos com Boltanski como tela interditando toda lembranccedila possiacutevel do ser amado ela impotildee sua visatildeo de ser e censura todo outro acesso ao passado o que Barthes enfatizou quando escreveu Natildeo soacute a foto natildeo eacute jamais em essecircncia uma lembranccedila ( ) mais ainda ela bloqueia toma-se muito raacutepido uma contralembranccedila ( ) Eu que acabava de olhar minhas fotos antigas natildeo tinha mais [lembranccedilas da infacircncia] 12 Mais fortemente ainda uma foto pode excluir o sujeito observado tornaacute-lo ainda mais afastado daquilo que ele procura Eu lia minha existecircncia nas roupas que minha matildee havia vestido antes que pudesse me lembrar dela 13 A foto eacute entatildeo marca da separaccedilatildeo irremediaacutevel e da exclusatildeo do sujeito observador em relaccedilatildeo agrave vida do sujeito fotografado a prova de que haacute um abismo entre minha existecircncia e a existecircncia do outro

154

Para Barthes esses reencontros com sua matildee pareciam impossiacuteveis pior quando ele examinava alguma de suas fotos tinha dificuldade em a reconhecer 14 Eu a reconhecia apenas por seus pedaccedilos 15 Barthes vivia entatildeo dolorosamente essa especificidade que tem a fotografia em desrealizar as aparecircncias do real de esvaziaacute-Ias de seu sentido e de colocar o sujeito observador diante de um mundo sem significaccedilatildeo em todo caso sem certeza em uma situaccedilatildeo que agraves vezes o leva a cortar toda ligaccedilatildeo com o mundo exterior e mergulhar na psicose Pela fotografia Barthes natildeo podia mais ligar-se agrave existecircncia de sua matildee natildeo podia mais integrar a seu presente significante essa dimensatildeo a um soacute tempo passada e afetiva a fotografia natildeo alcanccedilava sua matildee e sublinhava a falta no sujeito observador Eu natildeo alcanccedilava seu ser ( ) portanto toda ela me escapava 16 E ficava cruelmente apenas nas aparecircncias sem poder chegar agrave essecircncia de sua identidade 17 Enquanto as imagens parciais permitem agraves vezes a um sujeito observador reencontrar o ser visado para Barthes elas eram signos do fracasso Mesmo se nessas fotos sua matildee se assemelhava agrave imagem que ele dela guardava essas eram ilusoacuterias porque ficavam no niacutevel inessencial da semelhanccedila natildeo chegando nem agrave apreensatildeo da essecircncia nem agrave da existecircncia a semelhanccedila devolve a identidade do sujeito coisa insignificante puramente civil ateacute mesmo penal ela o entrega como ele mesmo enquanto eu veJO um sujeito tal como nele mesmo 8 Mas o que eacute exatamente a essecircncia do sujeito amado Pascal tomou-nos ceacuteticos quanto a sua existecircncia e o fortiori quanto a sua proacutepria apreensatildeo

12 A ressurreiccedilatildeo

No entanto Barthes afirma ter conseguido reencontrar sua matildee graccedilas a uma foto aquela do jardim de inverno na qual ela tem apenas cinco anos Como isso eacute possiacutevel Em uacuteltimo caso Barthes reencoacutentra sua matildee porque natildeo a reconhece de qualquer modo natildeo eacute a soma de reconhecimentos deste ou daquele elemento que toma possiacuteveis os encontros ao contraacuterio ele percebe sua matildee de uma soacute vez - um amor agrave primeira vista - porque nenhum elemento reconheciacutevel vem perturbar a apreensatildeo eideacutetico e afetiva daquela que ele ama Com a foto de sua matildee crianccedila ele pode chegar a sua essecircncia ao passo que com as fotos de sua matildee adulta estava prisioneiro das aparecircncias e portanto do punctum Natildeo eacute o realismo - o costumeiro - da

fotografia que provoca o milagre - o extraordinaacuterio uma essecircncia apenas a partir de uma fulgurante diferenccedila e natildeo a partir de um agregado de similitudes Eu observei a menina e reencontrei enfim minha matildee 19 natildeo porque a menina parecia com a matildee como duas gotas de aacutegua mas porque na menina jaacute existia a essecircncia dessa pessoa que um dia seria a matildee

De fato se Barthes reencontra sua matildee eacute porque a essecircncia de um ser natildeo eacute visual mas afetiva Uma imagem eacute mais psiacutequica do que visual os olhos satildeo apenas meios para compreender a imagem sua densidade sua vibraccedilatildeo poreacutem noacutes as vivemos em nosso psiacutequico e em nossos olhos Barthes compara esses reencontros agravequeles experimentados por Proust - quando se abaixando um dia para tirar os sapatos percebe bruscamente na memoacuteria o semblante de sua avoacute verdadeira20 Barthes poderia reencontrar em uma lembranccedila involuntaacuteria e completa a realidade viva21 de sua matildee a partir de uma coisa diferente de uma foto A foto eacute apenas um dos meios em meio a outros (Barthes evoca tambeacutem a muacutesica)22 que permitem essa experiecircncia A foto evoca a matildee mais por associaccedilatildeo do que por analogia Podeshyse mesmo surpreender-se com o fato de que isso seja possiacutevel com a fotografia a respeito de sua capacidade de engendrar contralembranccedilas23 o que eacute extraordinaacuterio natildeo eacute que Barthes possa ter reencontrado sua matildee nem que o tenha feito graccedilas a uma foto dela crianccedila mas sim o que pocircde fazer com a fotografia a analogia natildeo proiacutebe a associaccedilatildeo Com efeito o fato de que Barthes tenha reencontrado sua matildee crianccedila natildeo eacute um acaso pois sabe-se que ele cuidava de sua matildee como se cuida de uma crianccedila e que com a doenccedila ela se havia tomado [sua] menina24 dele que natildeo havia tido filhos O ciacuterculo estaacute fechado a foto de sua matildee crianccedila confirma Barthes na proximidade afetiva imaginaacuteria de sua proacutepria matildee na confusatildeo de papeacuteis filhomatildee e por que natildeo homemmulher a fotografia eacuteo mais alto ponto edipiano visto que a situaccedilatildeo entre Barthes e sua matildee eacute em si mesma edipiana e talvez uma perturbaccedilatildeo psiacutequica Nesse livro a imagem do pai eacute duas vezes obstruiacuteda na evocaccedilatildeo do passado e na busca da lembranccedila A fotografia do jardim de inverno eacute uma foto da relaccedilatildeo de Barthes com sua matildee

Nosso objetivo natildeo eacute absolutamente fazer uma psicanaacutelise selvagem dessa situaccedilatildeo mas mostrar que sem cair na alucinaccedilatildeo a fotografia pocircde

certificar e enclausurar esse real particular constituiacutedo pela relaccedilatildeo muito estreita entre o filho e a matildee a tal ponto que a morte de urna vida esvazia de sentido a vida de outra ateacute mesmo tornando-a tragicamente impossiacutevel na extremidade dessa primeira morte minha proacutepria morte estaacute escrita entre as duas mais nada a esperar Eu tenho apenas esse recurso que eacute esta ironia falar do nada a dizer2s Testemunha anaacutelise e obra perturbadoras com acentos beckettianos que mostram que a fotografia longe de nos abrir o real diferente pode mergulhar-nos em um imaginaacuterio separado cada vez mais da realidade e do presente e fixar-nos em um passado do qual natildeo se retoma em resumo mostram que a fotografia eacute existencial

1 fotografia escreve Barthes tem alguma coisa a ver com a ressurreiccedilatildeo 26 Ora eacute o Cristo que ressuscita Logo se a matildee eacute ressuscitada pode-se esperar talvez que ela ascenda agrave divindade e agrave virgindade ela eacute a menina divinizada um anjo que natildeo tem morte sexualidade nem humanidade Para a fotografia o corpo da matildee torna-se a imagem fotograacutefica que se impotildee sem corpo reproduziacutevel ao infinito ela ascende assim agrave eternidade Barthes pode falar entatildeo a respeito do corpo de sua matildee natildeo falando de seu corpo mortal nem de seu corpo sexualizado O recurso agrave fotografia permite um ganho absoluto graccedilas ao desatamento da morte e da sexualidade - duas formas de separaccedilatildeo

Pode-se dizer que em geral quando o Pai natildeo escreve a lei da separaccedilatildeo da Matildee e do Eu nem a Lei da morte resta agrave imagem (fotograacutefica) fazer crer na ressurreiccedilatildeo e na reuniatildeo da perturbaccedilatildeo psiacutequica e desatar o fato de que se pode apenas aceitar a Lei da morte se jaacute se aceitou a Lei da separaccedilatildeo da Matildee e do Eu e correlativamente a Lei da uniatildeo sem perturbaccedilatildeo psiacutequica mas sexualizada da Matildee e do Pai Nessa perspectiva a imagem (fotograacutefica) substitui o corpo a ressurreiccedilatildeo a morte a reuniatildeoconfusatildeo psiacutequica MatildeejEu a uniatildeo sexualizada MatildeePai e a separaccedilatildeo MatildeejEu Em vez de reencontrar a fotografia permite ganhar E que ganho l

Para Barthes a fotografia eacute uma prova de que isso foi Porque ele pocircde reencontrar sua matildee - sua realidade e seu passado27 - a foto eacute literalmente uma emanaccedilatildeo do referente 28 Barthes tambeacutem compara a fotografia ao sudaacuterio de Turim29 a foto de sua matildee eacute o traccedilo e a

TEMAacuteTICAmiddot FRAN CcedilO I S SOU lA GES ISS

ae R E V 1ST A DO P R o G R A lv1 A DE POacuteS - G R A D U A ccedil A o E lv1 A R TE S V I SUA I S E B A bull U F R J bull 2 o o 4

emanaccedilatildeo deste uacuteltimo Ele insiste muito sobre esse aspecto material e quiacutemico da fotografia a ponto de apoacutes ter comparado seu proced imento com o de Proust afirmar o contraacuterio a fotografia natildeo rememora o passado (nada de proustiano em uma foto) O efeito que ela produz em mim natildeo eacute o de restituir o que estaacute abolido pelo tempo pela distacircncia mas o _ de atestar que o que vejo de fato existiu 30 Eacute preciso anotar que literalmente falando o isso foi natildeo eacute ressurreiccedilatildeo ele eacute apenas a reafirmaccedilatildeo da certeza da existecircncia passada de um ser querido Mas quem em face da morte de um ser querido poce contentar-se com a crenccedila absoluta de sua existecircncia no passado Quem pode kar satisfeito com isso Em que essa crenccedila pode suprir a perda radical presente

A O utra estaacute mOlia isto quer dizer que o nada impessoal presente substitui sua presenccedila pessoal em um sentido natildeo existe mais O isso foi parecia insignificante ao lado dessa consciecircncia do nada Exceto se o isso foi shymuito discutiacutevel por outro lad031 - eacute apenas mais um dos poacutelos da relaccedilatildeo Eu presentefisso foi da Outra entatildeo o que o Eu reencontra natildeo eacute tanto o Outro mas a re laccedilatildeo que tem com ele Esse deslocamento eacute decisivo mas eacute fundado no fato de que o Eu seria inicialmente o conjunto de suas relaccedilotildees com os outros ou com o fato de que o Eu estaria em uma relaccedilatildeo de confusatildeo psiacutequica com a Outra Este uacuteltimo caso corresponderia a nossa aceitaccedilatildeo da Lei da separaccedilatildeo entre a Matildee e o Eu Talvez por isso Barthes tenha insistido tanto sobre a doutrina do isso foi para caracterizar a fotografia e acreditado que essa poceria praticamente ressuscitar um ser querido

Mas por que falar em ressurreiccedilatildeo Para dizer que ao mesmo tempo agraves vezes excepcionalmente pode-se graccedilas a uma foto reencontrar um ser e que eacute com os olhos da feacute que se crecirc nessa ressurreiccedilatildeo isso foi para qualquer um que tenha uma foto na matildeo estaacute aiacute uma crenccedila fundamental uma Urdoxa que natildeo pode ser desfeita por nada a natildeo ser que me provem que essa imagem notildeo eacute uma fotografia ]2 O isso foi repousa sobre uma crenccedila Barthes vai assim mais longe que Schaeffer e sua teoria da orcheacute da fotografia 33

Acredita-se no isso foi porque natildeo se pode provaacute-lo34 a atmosfera de sua matildee que ele crecirc reconhecer na foto eacute evidente ( ) e improvaacutevel Ele confessa aliaacutes Agraves vezes me

156

engano ou pelo menos hesito um medalhatildeo representa o busto de uma jovem mulher e seu filho certamente somos minha matildee e eu mas natildeo satildeo sua matildee e seu filho35 O isso foi natildeo diz tanto o que foi quanto o fato de que qualquer coisa foi Ele conduz mais sua eXistecircncia do que sua essecircncia a afirmaccedilatildeo da essecircncia eacute apenas um ato de feacute que eacute um ato de amor Para Barthes o que importa antes de tudo na fotografia eacute o amor e a morte36 A fotografia natildeo eacute uma prova racional da existecircncia de seu amor por sua matildee e de sua capacidade para a reencontrar mas uma prova existencial desse amor e desses reencontros Barthes natildeo eacute o teoacutelogo racionalista da fotografia aquele que pode demonstrar a existecircncia desse Deus que eacute sua matildee de sua ressurreiccedilatildeo e do milagre fotograacutefico - ele eacute o crente inspirado nas afirmaccedilotildees paulinas como Satildeo Paulo ele fala em escacircndalo e loucura37 de sua feacute pela fotografia o que torna possiacutevel o ecircxtase 38 Credo quio obsurdum est 39

Eacuteporque a fotografia lhe permite chegar a um niacutevel tatildeo elevado - o ecircxtase fotograacutefico diante da matildee milagrosamente reencontrada - que toco outro uso da fotografia parece para Barthes irrisoacuterio e vatildeo Eacutepor isso que ele recusa consideraacute-Ia uma arte40 segundo ele eacute preciso ao contraacuterio no sentido do sem-arte aprofundar essa experiecircncia uacutenica original e tatildeo rica O que intenciono em uma foto ( ) natildeo eacute nem a Arte nem a Comunicaccedilatildeo eacute a Referecircncia41 eacute a fotografia sem-arte que revela a essecircncia da fotografia o resto eacute apenas divertimento e decoraccedilatildeo Eacute o amador ( ) que se manteacutem mais proacuteximo do noema da Fotografia 42 no amador eacute preciso entender tambeacutem amor em resumo eacute a recepccedilatildeo existencial edipiana e sem-arte de uma foto edipiana e sem-arte que atinge o que eacute mais rico na fotografia e que torna possiacutevel essa experiecircncia extaacutetica uacutenica - isso sem evocar o projeto da foto-autobiografia

Nesse livro portanto Barthes mostrou toda a forccedila da fotografia indicou seu espaccedilo privilegiado de realizaccedilatildeo a saber o espaccedilo edipiano Para ele eacute aqui que a fotografia torna possiacutevel essa recepccedilatildeo absoluta essa que permite a um filho reencontrar sua matildee morta continuar a viver esse amor esperar o ecircxtase e sua morte em resumo a fotografia perturba sua existecircncia porque eacute habitada pela paixatildeo Existir lembra Kierkegaard ( ) natildeo se pode fazer sem paixatildeo 43 Para essa busca fotograacutefica

o autor mostrou o quanto a essecircncia do sUjeito que foi fotografado eacute dificilmente apreendida e o quanto podem ser captadas apenas aparecircncias cruelmente decepcionantes mas ele afirma que essa essecircncia foi para ele o acesso agrave foto do Jardim de inverno Estamos entatildeo em face de uma experiecircncia de feacute de amor e de loucura shynenhuma dessas trecircs palavras deve ser subestimada - uma experiecircncia mostraacutevel mas natildeo demonstraacutevel que separa aquele que a praticou daqueles que natildeo a viveram Louca ou sensata) A fotografia pode ser uma ou outra () Cabe a mim escolher submeter seu espetaacuteculo ao coacutedigo civilizado das ilusotildees perfeitas ou afrontar nela o despertar da intrataacutevel realidade 44

Ao nos confrontar na intrataacutevel realidade no acontecimento e no tempo a fotografia nos obriga a nos interrogar

Apoacutes esse estudo dos tempos subjetivos da fotografia tentemos compreender os tempos objetivos da fabricaccedilatildeo de uma foto

2Tempos objetivos teoreacutetica da fotografia

A imagem fotograacutefica remete a um acontecimento mesmo se ele foi representado 45 Quem estaacute na fotografia numeacuterica Ela eacute uma fotografia sem acontecimento O caacutelculo substituiu a existecircncia Em resumo haacute ruptura ou continuidade entre

essas duas imagens Bachelard demonstrou que as mecacircnicas contemporacircneas ( ) satildeo ciecircncias sem ancestrais46 e que elas engendram uma ruptura histoacuterica na evoluccedilatildeo das ciecircncias modernas47 - ocorre o mesmo com a imagem numeacuterica por causa da evoluccedilatildeo das tecnologias modernas) Os desafios satildeo consideraacuteveis para aleacutem do campo tecnoloacutegico e consequumlentemente da representaccedilatildeo e da simulaccedilatildeo da arte e da vida da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo48 da poliacutetica e da estrateacutegia da filosofia e da ideologia 49

21 O conceito de fotograficidade

O que eacute entatildeo uma fotografia O que faz de uma coisa uma foto O que em urna foto depende da fotografla50 Em outros termos o que eacute a fotograflcidade O conceito de fotograflcidade designa o que eacute fotograacutefico na fotografia mas natildeo podemos lhe ajuntar uma segunda caracteriacutestica que torna a fotograficidade simeacutetrica da literalidade de que

fala Todorov em A Poeacutetica51 para este a ciecircncia estrutural natildeo se preocupa mais com a literatura real mas com a literatura possiacutevel em outras palavras esta propriedade abstrata que faz a singularidade do fato literaacuterio a literalidade assim a fotograficidade designa essa propriedade abstrata que faz a singularidade do fato fotograacutefico - esse fato remetendo tanto ao sem-arteS2 quanto agrave arte Mas a partir da proposiccedilatildeo de Todorov o que eacute ainda mais interessante a observar eacute a possibilidade de se preocupar graccedilas ao conceito de fotograficidade natildeo apenas com a fotografia real mas tambeacutem com a fotografia possiacutevel e ateacute mesmo com as potencialidades fotograacuteficas ora justamente uma das caracteriacutesticas da fotograficidade eacute o inacabaacutevel a saber o fato de possuir potencialidades sempre desdobradas ao infinito a fotografia eacute entatildeo a arte do possiacutevel tomado em sentido intenso

Quando estudamos a materialidade de uma foto somos inicialmente confrontados com sua impossiacutevel definiccedilatildeo a foto pode ser feita em um nuacutemero indefinido de mateacuterias melhor pode existir apenas no estado da luz como no caso do diapositivo o que haacute entatildeo em comum - materialmente falando - entre um diapositivo projetado em uma tela e uma foto impressa em um livro Aparentemente nada De outra parte o que eacute uma foto no caso de um diapositivo O diapositivo em si mesmo ou efetivamente a imagem projetada Do mesmo modo deve-se pensar que a foto eacute o negativ05) ou efetivamente a imagem material que se fabricou a partir dela) Tudo isso eacute um problema

Para resolver essa dificuldade eacute preciso operar um deslocamento e passar do resultado - a foto fabricada a imagem projetada a partir do diapositivo - agrave relaccedilatildeo que existe entre a matriz de partida - o negativo o diapositivo - e o produto que dela se obteacutem Essa relaccedilatildeo eacute uma das caracteriacutesticas da fotograflcidade notemos bem que essa caracteriacutestica natildeo remete a uma mateacuteria qualquer nem a quaisquer tipos de formas nem a um ser qualquer mas a uma relaccedilatildeo habitada por uma Infinidade de possibilidades essa re laccedilatildeo em sua realizaccedilatildeo concreta natildeo depende nunca de uma necessidade mas de uma escolha que faz passar dos possiacuteveis ao real a saber tal foto particular

22 A ruptura entre o irreversiacutevel e o inacabaacutevel

Uma foto se faz em trecircs etapas o ato fotograacutefico a obtenccedilatildeo do negativo e o trabalho do negativo

TE MA TIC A bull FR A NCcedil O I S SOULAGE S 157

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacute S-GRADUA CcedilAtildeO EM ARTES V I SUA I S EBA bull U fRJ 2004

Durante o ato fotograacutefico o fotoacutegrafo aperta o disparador e assim abre o obturador do aparelho - o obturador pode abrir-se automaticamente o problema natildeo estaacute aqui o filme eacute entatildeo exposto agrave luz o filme virgem eacute logo transformado e toma-se o filme exposto ou insolado A segunda etapa eacute aquela da obtenccedilatildeo do negativo consiste em transformar o filme exposto em negativo eacute o tempo do desenvolvimento composto de cinco momentos a revelaccedilatildeo que transforma o bromato de prata do filme em prata metal o banho de paragem a fixaccedilatildeo a lavagem e a secagem obteacutem-se assim um negativo que eacute a matriz das fotos futuras e que a menos que haja uma intervenccedilatildeo excepcional e voluntaacuteria sobre ele natildeo se transformaraacute mais apesar de todas as passagens de luz que ocorreratildeo atraveacutes dele para fazer as fotos A terceira etapa pode entatildeo acontecer eacute a tiragem da foto o que noacutes chamamos o trabalho do negativo isto eacute a passagem do negativo agrave foto o fotoacutegrafo frequumlentemente escolhe uma das vistas que compotildeem o negativo depois processa seis operaccedilotildees em geral graccedilas a um ampliador ele potildee a vista escolhida em um passa-vista e procede a uma exposiccedilatildeo pela luz em um papel sensiacutevel esse papel eacute por sua vez revelado depois mergulhado em um banho de paragem depois fixado depois lavado e enfim secado entatildeo tem-se a foto

Noacutes podemos perceber uma simetria perfeita entre as duas primeiras etapas de um lado e a terceira de outro seis operaccedilotildees que as caracterizam exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem Portanto eacute preciso distinguir duas maneiras de analisar o trabalho do fotoacutegrafo

- a primeira estabelece uma ruptura entre o ato fotograacutefico e o trabalho no laboratoacuterio

- a segunda estabelece de um lado o ato fotograacutefico e a obtenccedilatildeo do negativo e de outro o trabalho do negativo

o problema esta aiacute pode-se analisar a fotografia seja a partir do vivido pelo sujeito fotoacutegrafo seja a partir do processo fotograacutefico logo seja com uma abordagem humanista isto eacute relativa ao homem fotoacutegrafo - o tempo do homem com o aparelho depois o tempo do homem no laboratOacuterio - seja com uma abordagem materialista isto eacute relativa ao material fotograacutefico - da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto

158

o material fotograacutefico tem um estatuto ambiacuteguo parece ser ao mesmo tempo do lado das condiccedilotildees de possibilidade da foto e do lado da foto em si mesma Haacute um problema esse problema natildeo eacute resolvido pela abordagem humanista da fotografia na medida em que durante os dois tempos o homem eacute confrontado com o material fotograacutefico Entretanto essa abordagem insiste com justeza sobre a irreversibi lidade do ato fotograacutefico shycaracteriacutestica que noacutes vamos mostrar eacute muito importante A existecircncia do problema do material fotograacutefico longe de nos levar a um impasse vai nos permitir descobrir qual tipo de anaacutelise - humanista ou materialista - eacute preciso realizar para compreender a fotografia e vai nos levar agrave soluccedilatildeo do problema geral da essecircncia da fotografia Com efeito visto que a opccedilatildeo humanista se verifica inoperante pelo simples fato de ser equiacutevoco o estatuto do material fotograacutefico tentemos outra possibilidade a abordagem materialista

A ruptura natildeo eacute mais entatildeo entre o ato fotograacutefico e a accedilatildeo no laboratoacuterio mas entre a obtenccedilatildeo generalizada do negativo - entendemos pela articu laccedilatildeo do ato fotograacutefico com a obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as seis operaccedilotildees que vatildeo da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo - e o trabalho do negativo que entatildeo poderemos chamar de obtenccedilatildeo restrita da foto a saber as seis primeiras operaccedilotildees que vatildeo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto O que caracteriza essas duas operaccedilotildees Nos dois casos satildeo operaccedilotildees que resultam na obtenccedilatildeo de uma coisa que estaraacute fixa definitivamente (a menos que se intervenha nelas voluntariamente) em um caso obteacutem-se um negativo em outro uma foto Em compensaccedilatildeo a obtenccedilatildeo generalizada do negativo e o trabalho do negativo se distinguem

fundamentalmente quanto a seu modo de ser a primeira eacute marcada por aquilo que jaacute haviacuteamos apontado a saber a irreversibilidade Com efeito o ato fotograacutefico uma vez concluiacutedo eacute irreversiacutevel natildeo se pode mais fazer assim o que natildeo tenha sido feito o fotoacutegrafo pode sempre fotografar de novo mas natildeo repor em funcionamento o mecanismo desse processo o filme natildeo eacute mais virgem mas exposto pode-se certamente expocirc-lo de novo mas natildeo se pode reencontrar a virgindade original isso vale tambeacutem para as cinco etapas seguintes shyrevelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem secagem assim a partir de um mesmo negativo o trabalho do negativo eacute inacaboacuteve na medida em que ele pode se r sempre retomado e concluiacutedo uma vez mais e isso de maneira potencialmente diferente

A fotograficidade eacute portanto essa articulaccedilatildeo surpreendente do irreversiacutevel e do inacabaacutevel articulaccedilatildeo da irreversiacutevel obtenccedilatildeo generalizada do negativo - constituiacutedo inicialmente pelo ato fotograacutefico a saber essa confrontaccedilatildeo de um sujeito fotografando qualquer coisa graccedilas agrave mediaccedilatildeo do material fotograacutefico ou em outros termos e de maneira mais geral as condiccedilotildees de possibilidade da produccedilatildeo do filme exposto e a realizaccedilatildeo dessa exposiccedilatildeo e em seguida pela obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as cinco outras operaccedilotildees que o produzem (revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) - e do inacaboacutevel trabalho do negativo - a partir do mesmo negativo de partida podeshyse obter um nuacutemero infinito de fotos totalmente diferentes intervindo de maneira particular durante as cinco operaccedilotildees que produzem a foto (exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) Para compreender a fotograficidade eacute preciso entatildeo desde uma concepccedilatildeo humanista ateacute uma concepccedilatildeo materialista da fotografia

23 Ruptura e articulaccedilatildeo

A fotografia eacute portanto a articulaccedilatildeo da perda e do resto perda das circunstacircncias uacutenicas causas do ato fotograacutefico do momento desse ato do objeto a ser fotografado e da obtenccedilatildeo generalizada e irreversiacutevel do negativo em resumo do tempo e do ser passados resto constituiacutedo por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo A perda eacute irremediaacutevel a fotografia cria mostra e nos faz imaginar se a perda eacute absoluta e violenta natildeo eacute porque o tempo o objeto ou o ser perdidos eram antes de grande valor para nOacutes ou em si mas porque

esse tempo esse objeto ou esse ser agora estatildeo perdidos para sempre eacute porque estatildeo perdidos que frequumlentemente seu valor toma-se absoluto e que imediatamente esse absoluto alcanccedila e contamina a perda nossa perda O resto natildeo pode se r um remeacutedio milagroso exceto para aqueles que tecircm necessidade de acreditar em milagres de fato ele nos consola da perda e nos permite ficar de luto k vezes ta lvez em todo caso ele eacute a uacutenica coisa que nos resta isso faz com que ele vaacute precisar nos bater nos criticar nos combater graccedilas ao que o artista poderaacute criar sua obra a fotografia ou a arte de acomodar os restos Perdas infinitas restos infinitos

Aprofundemos a simetria e as diferenccedilas que

existem entre a etapa que pertence ao

irreversiacutevel e aquela que pertence ao inacabaacutevel

Na primeira vez o fotoacutegrafo estaacute diante do

objeto a ser fotografado natildeo dominaacutevel e natildeo

conheciacutevel na segunda vez diante do negativo

que ele domina e manipula como uma

ferramenta No primeiro caso ele parte desse

objeto para fazer um negativo e no segundo do

negativo para fazer uma foto No primeiro caso

ele pode fazer vaacuterios negativos mas natildeo seratildeo

nunca exatamente os mesmos em funccedilatildeo da

passagem do tempo portanto ele vai

frequumlentemente lutar contra o tempo e o

irreversiacutevel uma vez concluiacutedo o funcionamento

do mecanismo - da exposiccedilatildeo agrave secagem - o

processo vai irremediavelmente terminar e natildeo

poderaacute nunca voltar ao mesmo ponto de partida

eacute porque o processo tem um fim que ele

recomeccedila outro do fil me exposto agrave foto feita

essa problemaacutetica e essa praacutetica satildeo caras a Denis

Roche54 e Opalka Em compensaccedilatildeo no

segundo caso eacute o inverso que se produz ele

pode teoricamente refazer a mesma foto mas

natildeo eacute essa que interessa a ele que natildeo eacute uma

maacutequina o trabalho do negativo convoca-o a

fazer fotos diferentes mas ele natildeo acaba nunca

de fazecirc-Ias diferentes sua missatildeo eacute inacabaacuteve l

entatildeo ele vai lutar contra o inacabaacutevel e talvez

por um momento decidir que acabou que desse

negativo natildeo faraacute mais fotos que selecionou e

criou a que queria mas sabe que sua decisatildeo natildeo

eacute jamais deflnrtiva ele ou outro pode sempre

explorar o negativo fazer outras fotos em uacuteltimo

caso um artista poderia constituir toda a obra de

sua vida pela exploraccedilatildeo indefinida de um sOacute

negativo que ele mesmo natildeo teria feito

TEMAacuteTI CA middot FRANCcedil OI S SOU l AG E S 159

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 2: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

ale R E V 1ST A o o P R o G A M A o E P 6 S - G R A o U A ccedil A o E M A R TE S V I SUA I S E oA bull U F R J 2 o o 4

ultrapassada Era indialeacutetica6 Muito mais ela tornava a vida e a morte de Barthes tambeacutem indialeacuteticas Eu soacute podia esperar minha morte total indialeacutetica A situaccedilatildeo era de difiacutecil superaccedilatildeo por qualquer oufhebung A existecircncia eacute a narrativa na qual o pensamento puro naufraga escreve Kierkegaard G Barthes recorre a outra coisa diferente do pensamento puro para sair do naufraacutegio provocado pela perda de sua matildee naufraacutegio que comeccedilava a ruir verdadeiramente sua existecircncia

Como ele pocircde ultrapassar entatildeo essa situaccedilatildeo cruel e reencontrar9 pela fotografia aquela que ele amava Quais consequumlecircncias ele extrai disso para a essecircncia da fotografia e para sua relaccedilatildeo com a arteO

Apoacutes a morte de sua matildee Barthes nada esperava da fotografia que o ajudasse a dissipar seu sofrimento Eu natildeo esperava reencontraacuteshyla natildeo esperava nada dessas fotografias de um ser diante das quais nos lembramos menos bem dele do que se nos contentamos em pensar nele 1 De fato uma foto particular natildeo restitui nem a existecircncia nem o ser da pessoa fotografada mesmo se isso eacute o sonho de todo retratista e a ilusatildeo de todo sujeito fotografado justamente como somos confrontados no risco da morte estamos no domiacutenio do sonho e da ilusatildeo e natildeo naquele da realidade Aleacutem do mais uma foto particular reduz uma pessoa com aparecircncias muacuteltiplas e personalidade plural a ter apenas uma representaccedilatildeo solidificada e simplificadora tambeacutem uma foto restitui muito pouco do ser ausente desaparecido A fotografia pode mesmo funcionar como noacutes a vemos com Boltanski como tela interditando toda lembranccedila possiacutevel do ser amado ela impotildee sua visatildeo de ser e censura todo outro acesso ao passado o que Barthes enfatizou quando escreveu Natildeo soacute a foto natildeo eacute jamais em essecircncia uma lembranccedila ( ) mais ainda ela bloqueia toma-se muito raacutepido uma contralembranccedila ( ) Eu que acabava de olhar minhas fotos antigas natildeo tinha mais [lembranccedilas da infacircncia] 12 Mais fortemente ainda uma foto pode excluir o sujeito observado tornaacute-lo ainda mais afastado daquilo que ele procura Eu lia minha existecircncia nas roupas que minha matildee havia vestido antes que pudesse me lembrar dela 13 A foto eacute entatildeo marca da separaccedilatildeo irremediaacutevel e da exclusatildeo do sujeito observador em relaccedilatildeo agrave vida do sujeito fotografado a prova de que haacute um abismo entre minha existecircncia e a existecircncia do outro

154

Para Barthes esses reencontros com sua matildee pareciam impossiacuteveis pior quando ele examinava alguma de suas fotos tinha dificuldade em a reconhecer 14 Eu a reconhecia apenas por seus pedaccedilos 15 Barthes vivia entatildeo dolorosamente essa especificidade que tem a fotografia em desrealizar as aparecircncias do real de esvaziaacute-Ias de seu sentido e de colocar o sujeito observador diante de um mundo sem significaccedilatildeo em todo caso sem certeza em uma situaccedilatildeo que agraves vezes o leva a cortar toda ligaccedilatildeo com o mundo exterior e mergulhar na psicose Pela fotografia Barthes natildeo podia mais ligar-se agrave existecircncia de sua matildee natildeo podia mais integrar a seu presente significante essa dimensatildeo a um soacute tempo passada e afetiva a fotografia natildeo alcanccedilava sua matildee e sublinhava a falta no sujeito observador Eu natildeo alcanccedilava seu ser ( ) portanto toda ela me escapava 16 E ficava cruelmente apenas nas aparecircncias sem poder chegar agrave essecircncia de sua identidade 17 Enquanto as imagens parciais permitem agraves vezes a um sujeito observador reencontrar o ser visado para Barthes elas eram signos do fracasso Mesmo se nessas fotos sua matildee se assemelhava agrave imagem que ele dela guardava essas eram ilusoacuterias porque ficavam no niacutevel inessencial da semelhanccedila natildeo chegando nem agrave apreensatildeo da essecircncia nem agrave da existecircncia a semelhanccedila devolve a identidade do sujeito coisa insignificante puramente civil ateacute mesmo penal ela o entrega como ele mesmo enquanto eu veJO um sujeito tal como nele mesmo 8 Mas o que eacute exatamente a essecircncia do sujeito amado Pascal tomou-nos ceacuteticos quanto a sua existecircncia e o fortiori quanto a sua proacutepria apreensatildeo

12 A ressurreiccedilatildeo

No entanto Barthes afirma ter conseguido reencontrar sua matildee graccedilas a uma foto aquela do jardim de inverno na qual ela tem apenas cinco anos Como isso eacute possiacutevel Em uacuteltimo caso Barthes reencoacutentra sua matildee porque natildeo a reconhece de qualquer modo natildeo eacute a soma de reconhecimentos deste ou daquele elemento que toma possiacuteveis os encontros ao contraacuterio ele percebe sua matildee de uma soacute vez - um amor agrave primeira vista - porque nenhum elemento reconheciacutevel vem perturbar a apreensatildeo eideacutetico e afetiva daquela que ele ama Com a foto de sua matildee crianccedila ele pode chegar a sua essecircncia ao passo que com as fotos de sua matildee adulta estava prisioneiro das aparecircncias e portanto do punctum Natildeo eacute o realismo - o costumeiro - da

fotografia que provoca o milagre - o extraordinaacuterio uma essecircncia apenas a partir de uma fulgurante diferenccedila e natildeo a partir de um agregado de similitudes Eu observei a menina e reencontrei enfim minha matildee 19 natildeo porque a menina parecia com a matildee como duas gotas de aacutegua mas porque na menina jaacute existia a essecircncia dessa pessoa que um dia seria a matildee

De fato se Barthes reencontra sua matildee eacute porque a essecircncia de um ser natildeo eacute visual mas afetiva Uma imagem eacute mais psiacutequica do que visual os olhos satildeo apenas meios para compreender a imagem sua densidade sua vibraccedilatildeo poreacutem noacutes as vivemos em nosso psiacutequico e em nossos olhos Barthes compara esses reencontros agravequeles experimentados por Proust - quando se abaixando um dia para tirar os sapatos percebe bruscamente na memoacuteria o semblante de sua avoacute verdadeira20 Barthes poderia reencontrar em uma lembranccedila involuntaacuteria e completa a realidade viva21 de sua matildee a partir de uma coisa diferente de uma foto A foto eacute apenas um dos meios em meio a outros (Barthes evoca tambeacutem a muacutesica)22 que permitem essa experiecircncia A foto evoca a matildee mais por associaccedilatildeo do que por analogia Podeshyse mesmo surpreender-se com o fato de que isso seja possiacutevel com a fotografia a respeito de sua capacidade de engendrar contralembranccedilas23 o que eacute extraordinaacuterio natildeo eacute que Barthes possa ter reencontrado sua matildee nem que o tenha feito graccedilas a uma foto dela crianccedila mas sim o que pocircde fazer com a fotografia a analogia natildeo proiacutebe a associaccedilatildeo Com efeito o fato de que Barthes tenha reencontrado sua matildee crianccedila natildeo eacute um acaso pois sabe-se que ele cuidava de sua matildee como se cuida de uma crianccedila e que com a doenccedila ela se havia tomado [sua] menina24 dele que natildeo havia tido filhos O ciacuterculo estaacute fechado a foto de sua matildee crianccedila confirma Barthes na proximidade afetiva imaginaacuteria de sua proacutepria matildee na confusatildeo de papeacuteis filhomatildee e por que natildeo homemmulher a fotografia eacuteo mais alto ponto edipiano visto que a situaccedilatildeo entre Barthes e sua matildee eacute em si mesma edipiana e talvez uma perturbaccedilatildeo psiacutequica Nesse livro a imagem do pai eacute duas vezes obstruiacuteda na evocaccedilatildeo do passado e na busca da lembranccedila A fotografia do jardim de inverno eacute uma foto da relaccedilatildeo de Barthes com sua matildee

Nosso objetivo natildeo eacute absolutamente fazer uma psicanaacutelise selvagem dessa situaccedilatildeo mas mostrar que sem cair na alucinaccedilatildeo a fotografia pocircde

certificar e enclausurar esse real particular constituiacutedo pela relaccedilatildeo muito estreita entre o filho e a matildee a tal ponto que a morte de urna vida esvazia de sentido a vida de outra ateacute mesmo tornando-a tragicamente impossiacutevel na extremidade dessa primeira morte minha proacutepria morte estaacute escrita entre as duas mais nada a esperar Eu tenho apenas esse recurso que eacute esta ironia falar do nada a dizer2s Testemunha anaacutelise e obra perturbadoras com acentos beckettianos que mostram que a fotografia longe de nos abrir o real diferente pode mergulhar-nos em um imaginaacuterio separado cada vez mais da realidade e do presente e fixar-nos em um passado do qual natildeo se retoma em resumo mostram que a fotografia eacute existencial

1 fotografia escreve Barthes tem alguma coisa a ver com a ressurreiccedilatildeo 26 Ora eacute o Cristo que ressuscita Logo se a matildee eacute ressuscitada pode-se esperar talvez que ela ascenda agrave divindade e agrave virgindade ela eacute a menina divinizada um anjo que natildeo tem morte sexualidade nem humanidade Para a fotografia o corpo da matildee torna-se a imagem fotograacutefica que se impotildee sem corpo reproduziacutevel ao infinito ela ascende assim agrave eternidade Barthes pode falar entatildeo a respeito do corpo de sua matildee natildeo falando de seu corpo mortal nem de seu corpo sexualizado O recurso agrave fotografia permite um ganho absoluto graccedilas ao desatamento da morte e da sexualidade - duas formas de separaccedilatildeo

Pode-se dizer que em geral quando o Pai natildeo escreve a lei da separaccedilatildeo da Matildee e do Eu nem a Lei da morte resta agrave imagem (fotograacutefica) fazer crer na ressurreiccedilatildeo e na reuniatildeo da perturbaccedilatildeo psiacutequica e desatar o fato de que se pode apenas aceitar a Lei da morte se jaacute se aceitou a Lei da separaccedilatildeo da Matildee e do Eu e correlativamente a Lei da uniatildeo sem perturbaccedilatildeo psiacutequica mas sexualizada da Matildee e do Pai Nessa perspectiva a imagem (fotograacutefica) substitui o corpo a ressurreiccedilatildeo a morte a reuniatildeoconfusatildeo psiacutequica MatildeejEu a uniatildeo sexualizada MatildeePai e a separaccedilatildeo MatildeejEu Em vez de reencontrar a fotografia permite ganhar E que ganho l

Para Barthes a fotografia eacute uma prova de que isso foi Porque ele pocircde reencontrar sua matildee - sua realidade e seu passado27 - a foto eacute literalmente uma emanaccedilatildeo do referente 28 Barthes tambeacutem compara a fotografia ao sudaacuterio de Turim29 a foto de sua matildee eacute o traccedilo e a

TEMAacuteTICAmiddot FRAN CcedilO I S SOU lA GES ISS

ae R E V 1ST A DO P R o G R A lv1 A DE POacuteS - G R A D U A ccedil A o E lv1 A R TE S V I SUA I S E B A bull U F R J bull 2 o o 4

emanaccedilatildeo deste uacuteltimo Ele insiste muito sobre esse aspecto material e quiacutemico da fotografia a ponto de apoacutes ter comparado seu proced imento com o de Proust afirmar o contraacuterio a fotografia natildeo rememora o passado (nada de proustiano em uma foto) O efeito que ela produz em mim natildeo eacute o de restituir o que estaacute abolido pelo tempo pela distacircncia mas o _ de atestar que o que vejo de fato existiu 30 Eacute preciso anotar que literalmente falando o isso foi natildeo eacute ressurreiccedilatildeo ele eacute apenas a reafirmaccedilatildeo da certeza da existecircncia passada de um ser querido Mas quem em face da morte de um ser querido poce contentar-se com a crenccedila absoluta de sua existecircncia no passado Quem pode kar satisfeito com isso Em que essa crenccedila pode suprir a perda radical presente

A O utra estaacute mOlia isto quer dizer que o nada impessoal presente substitui sua presenccedila pessoal em um sentido natildeo existe mais O isso foi parecia insignificante ao lado dessa consciecircncia do nada Exceto se o isso foi shymuito discutiacutevel por outro lad031 - eacute apenas mais um dos poacutelos da relaccedilatildeo Eu presentefisso foi da Outra entatildeo o que o Eu reencontra natildeo eacute tanto o Outro mas a re laccedilatildeo que tem com ele Esse deslocamento eacute decisivo mas eacute fundado no fato de que o Eu seria inicialmente o conjunto de suas relaccedilotildees com os outros ou com o fato de que o Eu estaria em uma relaccedilatildeo de confusatildeo psiacutequica com a Outra Este uacuteltimo caso corresponderia a nossa aceitaccedilatildeo da Lei da separaccedilatildeo entre a Matildee e o Eu Talvez por isso Barthes tenha insistido tanto sobre a doutrina do isso foi para caracterizar a fotografia e acreditado que essa poceria praticamente ressuscitar um ser querido

Mas por que falar em ressurreiccedilatildeo Para dizer que ao mesmo tempo agraves vezes excepcionalmente pode-se graccedilas a uma foto reencontrar um ser e que eacute com os olhos da feacute que se crecirc nessa ressurreiccedilatildeo isso foi para qualquer um que tenha uma foto na matildeo estaacute aiacute uma crenccedila fundamental uma Urdoxa que natildeo pode ser desfeita por nada a natildeo ser que me provem que essa imagem notildeo eacute uma fotografia ]2 O isso foi repousa sobre uma crenccedila Barthes vai assim mais longe que Schaeffer e sua teoria da orcheacute da fotografia 33

Acredita-se no isso foi porque natildeo se pode provaacute-lo34 a atmosfera de sua matildee que ele crecirc reconhecer na foto eacute evidente ( ) e improvaacutevel Ele confessa aliaacutes Agraves vezes me

156

engano ou pelo menos hesito um medalhatildeo representa o busto de uma jovem mulher e seu filho certamente somos minha matildee e eu mas natildeo satildeo sua matildee e seu filho35 O isso foi natildeo diz tanto o que foi quanto o fato de que qualquer coisa foi Ele conduz mais sua eXistecircncia do que sua essecircncia a afirmaccedilatildeo da essecircncia eacute apenas um ato de feacute que eacute um ato de amor Para Barthes o que importa antes de tudo na fotografia eacute o amor e a morte36 A fotografia natildeo eacute uma prova racional da existecircncia de seu amor por sua matildee e de sua capacidade para a reencontrar mas uma prova existencial desse amor e desses reencontros Barthes natildeo eacute o teoacutelogo racionalista da fotografia aquele que pode demonstrar a existecircncia desse Deus que eacute sua matildee de sua ressurreiccedilatildeo e do milagre fotograacutefico - ele eacute o crente inspirado nas afirmaccedilotildees paulinas como Satildeo Paulo ele fala em escacircndalo e loucura37 de sua feacute pela fotografia o que torna possiacutevel o ecircxtase 38 Credo quio obsurdum est 39

Eacuteporque a fotografia lhe permite chegar a um niacutevel tatildeo elevado - o ecircxtase fotograacutefico diante da matildee milagrosamente reencontrada - que toco outro uso da fotografia parece para Barthes irrisoacuterio e vatildeo Eacutepor isso que ele recusa consideraacute-Ia uma arte40 segundo ele eacute preciso ao contraacuterio no sentido do sem-arte aprofundar essa experiecircncia uacutenica original e tatildeo rica O que intenciono em uma foto ( ) natildeo eacute nem a Arte nem a Comunicaccedilatildeo eacute a Referecircncia41 eacute a fotografia sem-arte que revela a essecircncia da fotografia o resto eacute apenas divertimento e decoraccedilatildeo Eacute o amador ( ) que se manteacutem mais proacuteximo do noema da Fotografia 42 no amador eacute preciso entender tambeacutem amor em resumo eacute a recepccedilatildeo existencial edipiana e sem-arte de uma foto edipiana e sem-arte que atinge o que eacute mais rico na fotografia e que torna possiacutevel essa experiecircncia extaacutetica uacutenica - isso sem evocar o projeto da foto-autobiografia

Nesse livro portanto Barthes mostrou toda a forccedila da fotografia indicou seu espaccedilo privilegiado de realizaccedilatildeo a saber o espaccedilo edipiano Para ele eacute aqui que a fotografia torna possiacutevel essa recepccedilatildeo absoluta essa que permite a um filho reencontrar sua matildee morta continuar a viver esse amor esperar o ecircxtase e sua morte em resumo a fotografia perturba sua existecircncia porque eacute habitada pela paixatildeo Existir lembra Kierkegaard ( ) natildeo se pode fazer sem paixatildeo 43 Para essa busca fotograacutefica

o autor mostrou o quanto a essecircncia do sUjeito que foi fotografado eacute dificilmente apreendida e o quanto podem ser captadas apenas aparecircncias cruelmente decepcionantes mas ele afirma que essa essecircncia foi para ele o acesso agrave foto do Jardim de inverno Estamos entatildeo em face de uma experiecircncia de feacute de amor e de loucura shynenhuma dessas trecircs palavras deve ser subestimada - uma experiecircncia mostraacutevel mas natildeo demonstraacutevel que separa aquele que a praticou daqueles que natildeo a viveram Louca ou sensata) A fotografia pode ser uma ou outra () Cabe a mim escolher submeter seu espetaacuteculo ao coacutedigo civilizado das ilusotildees perfeitas ou afrontar nela o despertar da intrataacutevel realidade 44

Ao nos confrontar na intrataacutevel realidade no acontecimento e no tempo a fotografia nos obriga a nos interrogar

Apoacutes esse estudo dos tempos subjetivos da fotografia tentemos compreender os tempos objetivos da fabricaccedilatildeo de uma foto

2Tempos objetivos teoreacutetica da fotografia

A imagem fotograacutefica remete a um acontecimento mesmo se ele foi representado 45 Quem estaacute na fotografia numeacuterica Ela eacute uma fotografia sem acontecimento O caacutelculo substituiu a existecircncia Em resumo haacute ruptura ou continuidade entre

essas duas imagens Bachelard demonstrou que as mecacircnicas contemporacircneas ( ) satildeo ciecircncias sem ancestrais46 e que elas engendram uma ruptura histoacuterica na evoluccedilatildeo das ciecircncias modernas47 - ocorre o mesmo com a imagem numeacuterica por causa da evoluccedilatildeo das tecnologias modernas) Os desafios satildeo consideraacuteveis para aleacutem do campo tecnoloacutegico e consequumlentemente da representaccedilatildeo e da simulaccedilatildeo da arte e da vida da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo48 da poliacutetica e da estrateacutegia da filosofia e da ideologia 49

21 O conceito de fotograficidade

O que eacute entatildeo uma fotografia O que faz de uma coisa uma foto O que em urna foto depende da fotografla50 Em outros termos o que eacute a fotograflcidade O conceito de fotograflcidade designa o que eacute fotograacutefico na fotografia mas natildeo podemos lhe ajuntar uma segunda caracteriacutestica que torna a fotograficidade simeacutetrica da literalidade de que

fala Todorov em A Poeacutetica51 para este a ciecircncia estrutural natildeo se preocupa mais com a literatura real mas com a literatura possiacutevel em outras palavras esta propriedade abstrata que faz a singularidade do fato literaacuterio a literalidade assim a fotograficidade designa essa propriedade abstrata que faz a singularidade do fato fotograacutefico - esse fato remetendo tanto ao sem-arteS2 quanto agrave arte Mas a partir da proposiccedilatildeo de Todorov o que eacute ainda mais interessante a observar eacute a possibilidade de se preocupar graccedilas ao conceito de fotograficidade natildeo apenas com a fotografia real mas tambeacutem com a fotografia possiacutevel e ateacute mesmo com as potencialidades fotograacuteficas ora justamente uma das caracteriacutesticas da fotograficidade eacute o inacabaacutevel a saber o fato de possuir potencialidades sempre desdobradas ao infinito a fotografia eacute entatildeo a arte do possiacutevel tomado em sentido intenso

Quando estudamos a materialidade de uma foto somos inicialmente confrontados com sua impossiacutevel definiccedilatildeo a foto pode ser feita em um nuacutemero indefinido de mateacuterias melhor pode existir apenas no estado da luz como no caso do diapositivo o que haacute entatildeo em comum - materialmente falando - entre um diapositivo projetado em uma tela e uma foto impressa em um livro Aparentemente nada De outra parte o que eacute uma foto no caso de um diapositivo O diapositivo em si mesmo ou efetivamente a imagem projetada Do mesmo modo deve-se pensar que a foto eacute o negativ05) ou efetivamente a imagem material que se fabricou a partir dela) Tudo isso eacute um problema

Para resolver essa dificuldade eacute preciso operar um deslocamento e passar do resultado - a foto fabricada a imagem projetada a partir do diapositivo - agrave relaccedilatildeo que existe entre a matriz de partida - o negativo o diapositivo - e o produto que dela se obteacutem Essa relaccedilatildeo eacute uma das caracteriacutesticas da fotograflcidade notemos bem que essa caracteriacutestica natildeo remete a uma mateacuteria qualquer nem a quaisquer tipos de formas nem a um ser qualquer mas a uma relaccedilatildeo habitada por uma Infinidade de possibilidades essa re laccedilatildeo em sua realizaccedilatildeo concreta natildeo depende nunca de uma necessidade mas de uma escolha que faz passar dos possiacuteveis ao real a saber tal foto particular

22 A ruptura entre o irreversiacutevel e o inacabaacutevel

Uma foto se faz em trecircs etapas o ato fotograacutefico a obtenccedilatildeo do negativo e o trabalho do negativo

TE MA TIC A bull FR A NCcedil O I S SOULAGE S 157

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacute S-GRADUA CcedilAtildeO EM ARTES V I SUA I S EBA bull U fRJ 2004

Durante o ato fotograacutefico o fotoacutegrafo aperta o disparador e assim abre o obturador do aparelho - o obturador pode abrir-se automaticamente o problema natildeo estaacute aqui o filme eacute entatildeo exposto agrave luz o filme virgem eacute logo transformado e toma-se o filme exposto ou insolado A segunda etapa eacute aquela da obtenccedilatildeo do negativo consiste em transformar o filme exposto em negativo eacute o tempo do desenvolvimento composto de cinco momentos a revelaccedilatildeo que transforma o bromato de prata do filme em prata metal o banho de paragem a fixaccedilatildeo a lavagem e a secagem obteacutem-se assim um negativo que eacute a matriz das fotos futuras e que a menos que haja uma intervenccedilatildeo excepcional e voluntaacuteria sobre ele natildeo se transformaraacute mais apesar de todas as passagens de luz que ocorreratildeo atraveacutes dele para fazer as fotos A terceira etapa pode entatildeo acontecer eacute a tiragem da foto o que noacutes chamamos o trabalho do negativo isto eacute a passagem do negativo agrave foto o fotoacutegrafo frequumlentemente escolhe uma das vistas que compotildeem o negativo depois processa seis operaccedilotildees em geral graccedilas a um ampliador ele potildee a vista escolhida em um passa-vista e procede a uma exposiccedilatildeo pela luz em um papel sensiacutevel esse papel eacute por sua vez revelado depois mergulhado em um banho de paragem depois fixado depois lavado e enfim secado entatildeo tem-se a foto

Noacutes podemos perceber uma simetria perfeita entre as duas primeiras etapas de um lado e a terceira de outro seis operaccedilotildees que as caracterizam exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem Portanto eacute preciso distinguir duas maneiras de analisar o trabalho do fotoacutegrafo

- a primeira estabelece uma ruptura entre o ato fotograacutefico e o trabalho no laboratoacuterio

- a segunda estabelece de um lado o ato fotograacutefico e a obtenccedilatildeo do negativo e de outro o trabalho do negativo

o problema esta aiacute pode-se analisar a fotografia seja a partir do vivido pelo sujeito fotoacutegrafo seja a partir do processo fotograacutefico logo seja com uma abordagem humanista isto eacute relativa ao homem fotoacutegrafo - o tempo do homem com o aparelho depois o tempo do homem no laboratOacuterio - seja com uma abordagem materialista isto eacute relativa ao material fotograacutefico - da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto

158

o material fotograacutefico tem um estatuto ambiacuteguo parece ser ao mesmo tempo do lado das condiccedilotildees de possibilidade da foto e do lado da foto em si mesma Haacute um problema esse problema natildeo eacute resolvido pela abordagem humanista da fotografia na medida em que durante os dois tempos o homem eacute confrontado com o material fotograacutefico Entretanto essa abordagem insiste com justeza sobre a irreversibi lidade do ato fotograacutefico shycaracteriacutestica que noacutes vamos mostrar eacute muito importante A existecircncia do problema do material fotograacutefico longe de nos levar a um impasse vai nos permitir descobrir qual tipo de anaacutelise - humanista ou materialista - eacute preciso realizar para compreender a fotografia e vai nos levar agrave soluccedilatildeo do problema geral da essecircncia da fotografia Com efeito visto que a opccedilatildeo humanista se verifica inoperante pelo simples fato de ser equiacutevoco o estatuto do material fotograacutefico tentemos outra possibilidade a abordagem materialista

A ruptura natildeo eacute mais entatildeo entre o ato fotograacutefico e a accedilatildeo no laboratoacuterio mas entre a obtenccedilatildeo generalizada do negativo - entendemos pela articu laccedilatildeo do ato fotograacutefico com a obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as seis operaccedilotildees que vatildeo da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo - e o trabalho do negativo que entatildeo poderemos chamar de obtenccedilatildeo restrita da foto a saber as seis primeiras operaccedilotildees que vatildeo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto O que caracteriza essas duas operaccedilotildees Nos dois casos satildeo operaccedilotildees que resultam na obtenccedilatildeo de uma coisa que estaraacute fixa definitivamente (a menos que se intervenha nelas voluntariamente) em um caso obteacutem-se um negativo em outro uma foto Em compensaccedilatildeo a obtenccedilatildeo generalizada do negativo e o trabalho do negativo se distinguem

fundamentalmente quanto a seu modo de ser a primeira eacute marcada por aquilo que jaacute haviacuteamos apontado a saber a irreversibilidade Com efeito o ato fotograacutefico uma vez concluiacutedo eacute irreversiacutevel natildeo se pode mais fazer assim o que natildeo tenha sido feito o fotoacutegrafo pode sempre fotografar de novo mas natildeo repor em funcionamento o mecanismo desse processo o filme natildeo eacute mais virgem mas exposto pode-se certamente expocirc-lo de novo mas natildeo se pode reencontrar a virgindade original isso vale tambeacutem para as cinco etapas seguintes shyrevelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem secagem assim a partir de um mesmo negativo o trabalho do negativo eacute inacaboacuteve na medida em que ele pode se r sempre retomado e concluiacutedo uma vez mais e isso de maneira potencialmente diferente

A fotograficidade eacute portanto essa articulaccedilatildeo surpreendente do irreversiacutevel e do inacabaacutevel articulaccedilatildeo da irreversiacutevel obtenccedilatildeo generalizada do negativo - constituiacutedo inicialmente pelo ato fotograacutefico a saber essa confrontaccedilatildeo de um sujeito fotografando qualquer coisa graccedilas agrave mediaccedilatildeo do material fotograacutefico ou em outros termos e de maneira mais geral as condiccedilotildees de possibilidade da produccedilatildeo do filme exposto e a realizaccedilatildeo dessa exposiccedilatildeo e em seguida pela obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as cinco outras operaccedilotildees que o produzem (revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) - e do inacaboacutevel trabalho do negativo - a partir do mesmo negativo de partida podeshyse obter um nuacutemero infinito de fotos totalmente diferentes intervindo de maneira particular durante as cinco operaccedilotildees que produzem a foto (exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) Para compreender a fotograficidade eacute preciso entatildeo desde uma concepccedilatildeo humanista ateacute uma concepccedilatildeo materialista da fotografia

23 Ruptura e articulaccedilatildeo

A fotografia eacute portanto a articulaccedilatildeo da perda e do resto perda das circunstacircncias uacutenicas causas do ato fotograacutefico do momento desse ato do objeto a ser fotografado e da obtenccedilatildeo generalizada e irreversiacutevel do negativo em resumo do tempo e do ser passados resto constituiacutedo por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo A perda eacute irremediaacutevel a fotografia cria mostra e nos faz imaginar se a perda eacute absoluta e violenta natildeo eacute porque o tempo o objeto ou o ser perdidos eram antes de grande valor para nOacutes ou em si mas porque

esse tempo esse objeto ou esse ser agora estatildeo perdidos para sempre eacute porque estatildeo perdidos que frequumlentemente seu valor toma-se absoluto e que imediatamente esse absoluto alcanccedila e contamina a perda nossa perda O resto natildeo pode se r um remeacutedio milagroso exceto para aqueles que tecircm necessidade de acreditar em milagres de fato ele nos consola da perda e nos permite ficar de luto k vezes ta lvez em todo caso ele eacute a uacutenica coisa que nos resta isso faz com que ele vaacute precisar nos bater nos criticar nos combater graccedilas ao que o artista poderaacute criar sua obra a fotografia ou a arte de acomodar os restos Perdas infinitas restos infinitos

Aprofundemos a simetria e as diferenccedilas que

existem entre a etapa que pertence ao

irreversiacutevel e aquela que pertence ao inacabaacutevel

Na primeira vez o fotoacutegrafo estaacute diante do

objeto a ser fotografado natildeo dominaacutevel e natildeo

conheciacutevel na segunda vez diante do negativo

que ele domina e manipula como uma

ferramenta No primeiro caso ele parte desse

objeto para fazer um negativo e no segundo do

negativo para fazer uma foto No primeiro caso

ele pode fazer vaacuterios negativos mas natildeo seratildeo

nunca exatamente os mesmos em funccedilatildeo da

passagem do tempo portanto ele vai

frequumlentemente lutar contra o tempo e o

irreversiacutevel uma vez concluiacutedo o funcionamento

do mecanismo - da exposiccedilatildeo agrave secagem - o

processo vai irremediavelmente terminar e natildeo

poderaacute nunca voltar ao mesmo ponto de partida

eacute porque o processo tem um fim que ele

recomeccedila outro do fil me exposto agrave foto feita

essa problemaacutetica e essa praacutetica satildeo caras a Denis

Roche54 e Opalka Em compensaccedilatildeo no

segundo caso eacute o inverso que se produz ele

pode teoricamente refazer a mesma foto mas

natildeo eacute essa que interessa a ele que natildeo eacute uma

maacutequina o trabalho do negativo convoca-o a

fazer fotos diferentes mas ele natildeo acaba nunca

de fazecirc-Ias diferentes sua missatildeo eacute inacabaacuteve l

entatildeo ele vai lutar contra o inacabaacutevel e talvez

por um momento decidir que acabou que desse

negativo natildeo faraacute mais fotos que selecionou e

criou a que queria mas sabe que sua decisatildeo natildeo

eacute jamais deflnrtiva ele ou outro pode sempre

explorar o negativo fazer outras fotos em uacuteltimo

caso um artista poderia constituir toda a obra de

sua vida pela exploraccedilatildeo indefinida de um sOacute

negativo que ele mesmo natildeo teria feito

TEMAacuteTI CA middot FRANCcedil OI S SOU l AG E S 159

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 3: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

fotografia que provoca o milagre - o extraordinaacuterio uma essecircncia apenas a partir de uma fulgurante diferenccedila e natildeo a partir de um agregado de similitudes Eu observei a menina e reencontrei enfim minha matildee 19 natildeo porque a menina parecia com a matildee como duas gotas de aacutegua mas porque na menina jaacute existia a essecircncia dessa pessoa que um dia seria a matildee

De fato se Barthes reencontra sua matildee eacute porque a essecircncia de um ser natildeo eacute visual mas afetiva Uma imagem eacute mais psiacutequica do que visual os olhos satildeo apenas meios para compreender a imagem sua densidade sua vibraccedilatildeo poreacutem noacutes as vivemos em nosso psiacutequico e em nossos olhos Barthes compara esses reencontros agravequeles experimentados por Proust - quando se abaixando um dia para tirar os sapatos percebe bruscamente na memoacuteria o semblante de sua avoacute verdadeira20 Barthes poderia reencontrar em uma lembranccedila involuntaacuteria e completa a realidade viva21 de sua matildee a partir de uma coisa diferente de uma foto A foto eacute apenas um dos meios em meio a outros (Barthes evoca tambeacutem a muacutesica)22 que permitem essa experiecircncia A foto evoca a matildee mais por associaccedilatildeo do que por analogia Podeshyse mesmo surpreender-se com o fato de que isso seja possiacutevel com a fotografia a respeito de sua capacidade de engendrar contralembranccedilas23 o que eacute extraordinaacuterio natildeo eacute que Barthes possa ter reencontrado sua matildee nem que o tenha feito graccedilas a uma foto dela crianccedila mas sim o que pocircde fazer com a fotografia a analogia natildeo proiacutebe a associaccedilatildeo Com efeito o fato de que Barthes tenha reencontrado sua matildee crianccedila natildeo eacute um acaso pois sabe-se que ele cuidava de sua matildee como se cuida de uma crianccedila e que com a doenccedila ela se havia tomado [sua] menina24 dele que natildeo havia tido filhos O ciacuterculo estaacute fechado a foto de sua matildee crianccedila confirma Barthes na proximidade afetiva imaginaacuteria de sua proacutepria matildee na confusatildeo de papeacuteis filhomatildee e por que natildeo homemmulher a fotografia eacuteo mais alto ponto edipiano visto que a situaccedilatildeo entre Barthes e sua matildee eacute em si mesma edipiana e talvez uma perturbaccedilatildeo psiacutequica Nesse livro a imagem do pai eacute duas vezes obstruiacuteda na evocaccedilatildeo do passado e na busca da lembranccedila A fotografia do jardim de inverno eacute uma foto da relaccedilatildeo de Barthes com sua matildee

Nosso objetivo natildeo eacute absolutamente fazer uma psicanaacutelise selvagem dessa situaccedilatildeo mas mostrar que sem cair na alucinaccedilatildeo a fotografia pocircde

certificar e enclausurar esse real particular constituiacutedo pela relaccedilatildeo muito estreita entre o filho e a matildee a tal ponto que a morte de urna vida esvazia de sentido a vida de outra ateacute mesmo tornando-a tragicamente impossiacutevel na extremidade dessa primeira morte minha proacutepria morte estaacute escrita entre as duas mais nada a esperar Eu tenho apenas esse recurso que eacute esta ironia falar do nada a dizer2s Testemunha anaacutelise e obra perturbadoras com acentos beckettianos que mostram que a fotografia longe de nos abrir o real diferente pode mergulhar-nos em um imaginaacuterio separado cada vez mais da realidade e do presente e fixar-nos em um passado do qual natildeo se retoma em resumo mostram que a fotografia eacute existencial

1 fotografia escreve Barthes tem alguma coisa a ver com a ressurreiccedilatildeo 26 Ora eacute o Cristo que ressuscita Logo se a matildee eacute ressuscitada pode-se esperar talvez que ela ascenda agrave divindade e agrave virgindade ela eacute a menina divinizada um anjo que natildeo tem morte sexualidade nem humanidade Para a fotografia o corpo da matildee torna-se a imagem fotograacutefica que se impotildee sem corpo reproduziacutevel ao infinito ela ascende assim agrave eternidade Barthes pode falar entatildeo a respeito do corpo de sua matildee natildeo falando de seu corpo mortal nem de seu corpo sexualizado O recurso agrave fotografia permite um ganho absoluto graccedilas ao desatamento da morte e da sexualidade - duas formas de separaccedilatildeo

Pode-se dizer que em geral quando o Pai natildeo escreve a lei da separaccedilatildeo da Matildee e do Eu nem a Lei da morte resta agrave imagem (fotograacutefica) fazer crer na ressurreiccedilatildeo e na reuniatildeo da perturbaccedilatildeo psiacutequica e desatar o fato de que se pode apenas aceitar a Lei da morte se jaacute se aceitou a Lei da separaccedilatildeo da Matildee e do Eu e correlativamente a Lei da uniatildeo sem perturbaccedilatildeo psiacutequica mas sexualizada da Matildee e do Pai Nessa perspectiva a imagem (fotograacutefica) substitui o corpo a ressurreiccedilatildeo a morte a reuniatildeoconfusatildeo psiacutequica MatildeejEu a uniatildeo sexualizada MatildeePai e a separaccedilatildeo MatildeejEu Em vez de reencontrar a fotografia permite ganhar E que ganho l

Para Barthes a fotografia eacute uma prova de que isso foi Porque ele pocircde reencontrar sua matildee - sua realidade e seu passado27 - a foto eacute literalmente uma emanaccedilatildeo do referente 28 Barthes tambeacutem compara a fotografia ao sudaacuterio de Turim29 a foto de sua matildee eacute o traccedilo e a

TEMAacuteTICAmiddot FRAN CcedilO I S SOU lA GES ISS

ae R E V 1ST A DO P R o G R A lv1 A DE POacuteS - G R A D U A ccedil A o E lv1 A R TE S V I SUA I S E B A bull U F R J bull 2 o o 4

emanaccedilatildeo deste uacuteltimo Ele insiste muito sobre esse aspecto material e quiacutemico da fotografia a ponto de apoacutes ter comparado seu proced imento com o de Proust afirmar o contraacuterio a fotografia natildeo rememora o passado (nada de proustiano em uma foto) O efeito que ela produz em mim natildeo eacute o de restituir o que estaacute abolido pelo tempo pela distacircncia mas o _ de atestar que o que vejo de fato existiu 30 Eacute preciso anotar que literalmente falando o isso foi natildeo eacute ressurreiccedilatildeo ele eacute apenas a reafirmaccedilatildeo da certeza da existecircncia passada de um ser querido Mas quem em face da morte de um ser querido poce contentar-se com a crenccedila absoluta de sua existecircncia no passado Quem pode kar satisfeito com isso Em que essa crenccedila pode suprir a perda radical presente

A O utra estaacute mOlia isto quer dizer que o nada impessoal presente substitui sua presenccedila pessoal em um sentido natildeo existe mais O isso foi parecia insignificante ao lado dessa consciecircncia do nada Exceto se o isso foi shymuito discutiacutevel por outro lad031 - eacute apenas mais um dos poacutelos da relaccedilatildeo Eu presentefisso foi da Outra entatildeo o que o Eu reencontra natildeo eacute tanto o Outro mas a re laccedilatildeo que tem com ele Esse deslocamento eacute decisivo mas eacute fundado no fato de que o Eu seria inicialmente o conjunto de suas relaccedilotildees com os outros ou com o fato de que o Eu estaria em uma relaccedilatildeo de confusatildeo psiacutequica com a Outra Este uacuteltimo caso corresponderia a nossa aceitaccedilatildeo da Lei da separaccedilatildeo entre a Matildee e o Eu Talvez por isso Barthes tenha insistido tanto sobre a doutrina do isso foi para caracterizar a fotografia e acreditado que essa poceria praticamente ressuscitar um ser querido

Mas por que falar em ressurreiccedilatildeo Para dizer que ao mesmo tempo agraves vezes excepcionalmente pode-se graccedilas a uma foto reencontrar um ser e que eacute com os olhos da feacute que se crecirc nessa ressurreiccedilatildeo isso foi para qualquer um que tenha uma foto na matildeo estaacute aiacute uma crenccedila fundamental uma Urdoxa que natildeo pode ser desfeita por nada a natildeo ser que me provem que essa imagem notildeo eacute uma fotografia ]2 O isso foi repousa sobre uma crenccedila Barthes vai assim mais longe que Schaeffer e sua teoria da orcheacute da fotografia 33

Acredita-se no isso foi porque natildeo se pode provaacute-lo34 a atmosfera de sua matildee que ele crecirc reconhecer na foto eacute evidente ( ) e improvaacutevel Ele confessa aliaacutes Agraves vezes me

156

engano ou pelo menos hesito um medalhatildeo representa o busto de uma jovem mulher e seu filho certamente somos minha matildee e eu mas natildeo satildeo sua matildee e seu filho35 O isso foi natildeo diz tanto o que foi quanto o fato de que qualquer coisa foi Ele conduz mais sua eXistecircncia do que sua essecircncia a afirmaccedilatildeo da essecircncia eacute apenas um ato de feacute que eacute um ato de amor Para Barthes o que importa antes de tudo na fotografia eacute o amor e a morte36 A fotografia natildeo eacute uma prova racional da existecircncia de seu amor por sua matildee e de sua capacidade para a reencontrar mas uma prova existencial desse amor e desses reencontros Barthes natildeo eacute o teoacutelogo racionalista da fotografia aquele que pode demonstrar a existecircncia desse Deus que eacute sua matildee de sua ressurreiccedilatildeo e do milagre fotograacutefico - ele eacute o crente inspirado nas afirmaccedilotildees paulinas como Satildeo Paulo ele fala em escacircndalo e loucura37 de sua feacute pela fotografia o que torna possiacutevel o ecircxtase 38 Credo quio obsurdum est 39

Eacuteporque a fotografia lhe permite chegar a um niacutevel tatildeo elevado - o ecircxtase fotograacutefico diante da matildee milagrosamente reencontrada - que toco outro uso da fotografia parece para Barthes irrisoacuterio e vatildeo Eacutepor isso que ele recusa consideraacute-Ia uma arte40 segundo ele eacute preciso ao contraacuterio no sentido do sem-arte aprofundar essa experiecircncia uacutenica original e tatildeo rica O que intenciono em uma foto ( ) natildeo eacute nem a Arte nem a Comunicaccedilatildeo eacute a Referecircncia41 eacute a fotografia sem-arte que revela a essecircncia da fotografia o resto eacute apenas divertimento e decoraccedilatildeo Eacute o amador ( ) que se manteacutem mais proacuteximo do noema da Fotografia 42 no amador eacute preciso entender tambeacutem amor em resumo eacute a recepccedilatildeo existencial edipiana e sem-arte de uma foto edipiana e sem-arte que atinge o que eacute mais rico na fotografia e que torna possiacutevel essa experiecircncia extaacutetica uacutenica - isso sem evocar o projeto da foto-autobiografia

Nesse livro portanto Barthes mostrou toda a forccedila da fotografia indicou seu espaccedilo privilegiado de realizaccedilatildeo a saber o espaccedilo edipiano Para ele eacute aqui que a fotografia torna possiacutevel essa recepccedilatildeo absoluta essa que permite a um filho reencontrar sua matildee morta continuar a viver esse amor esperar o ecircxtase e sua morte em resumo a fotografia perturba sua existecircncia porque eacute habitada pela paixatildeo Existir lembra Kierkegaard ( ) natildeo se pode fazer sem paixatildeo 43 Para essa busca fotograacutefica

o autor mostrou o quanto a essecircncia do sUjeito que foi fotografado eacute dificilmente apreendida e o quanto podem ser captadas apenas aparecircncias cruelmente decepcionantes mas ele afirma que essa essecircncia foi para ele o acesso agrave foto do Jardim de inverno Estamos entatildeo em face de uma experiecircncia de feacute de amor e de loucura shynenhuma dessas trecircs palavras deve ser subestimada - uma experiecircncia mostraacutevel mas natildeo demonstraacutevel que separa aquele que a praticou daqueles que natildeo a viveram Louca ou sensata) A fotografia pode ser uma ou outra () Cabe a mim escolher submeter seu espetaacuteculo ao coacutedigo civilizado das ilusotildees perfeitas ou afrontar nela o despertar da intrataacutevel realidade 44

Ao nos confrontar na intrataacutevel realidade no acontecimento e no tempo a fotografia nos obriga a nos interrogar

Apoacutes esse estudo dos tempos subjetivos da fotografia tentemos compreender os tempos objetivos da fabricaccedilatildeo de uma foto

2Tempos objetivos teoreacutetica da fotografia

A imagem fotograacutefica remete a um acontecimento mesmo se ele foi representado 45 Quem estaacute na fotografia numeacuterica Ela eacute uma fotografia sem acontecimento O caacutelculo substituiu a existecircncia Em resumo haacute ruptura ou continuidade entre

essas duas imagens Bachelard demonstrou que as mecacircnicas contemporacircneas ( ) satildeo ciecircncias sem ancestrais46 e que elas engendram uma ruptura histoacuterica na evoluccedilatildeo das ciecircncias modernas47 - ocorre o mesmo com a imagem numeacuterica por causa da evoluccedilatildeo das tecnologias modernas) Os desafios satildeo consideraacuteveis para aleacutem do campo tecnoloacutegico e consequumlentemente da representaccedilatildeo e da simulaccedilatildeo da arte e da vida da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo48 da poliacutetica e da estrateacutegia da filosofia e da ideologia 49

21 O conceito de fotograficidade

O que eacute entatildeo uma fotografia O que faz de uma coisa uma foto O que em urna foto depende da fotografla50 Em outros termos o que eacute a fotograflcidade O conceito de fotograflcidade designa o que eacute fotograacutefico na fotografia mas natildeo podemos lhe ajuntar uma segunda caracteriacutestica que torna a fotograficidade simeacutetrica da literalidade de que

fala Todorov em A Poeacutetica51 para este a ciecircncia estrutural natildeo se preocupa mais com a literatura real mas com a literatura possiacutevel em outras palavras esta propriedade abstrata que faz a singularidade do fato literaacuterio a literalidade assim a fotograficidade designa essa propriedade abstrata que faz a singularidade do fato fotograacutefico - esse fato remetendo tanto ao sem-arteS2 quanto agrave arte Mas a partir da proposiccedilatildeo de Todorov o que eacute ainda mais interessante a observar eacute a possibilidade de se preocupar graccedilas ao conceito de fotograficidade natildeo apenas com a fotografia real mas tambeacutem com a fotografia possiacutevel e ateacute mesmo com as potencialidades fotograacuteficas ora justamente uma das caracteriacutesticas da fotograficidade eacute o inacabaacutevel a saber o fato de possuir potencialidades sempre desdobradas ao infinito a fotografia eacute entatildeo a arte do possiacutevel tomado em sentido intenso

Quando estudamos a materialidade de uma foto somos inicialmente confrontados com sua impossiacutevel definiccedilatildeo a foto pode ser feita em um nuacutemero indefinido de mateacuterias melhor pode existir apenas no estado da luz como no caso do diapositivo o que haacute entatildeo em comum - materialmente falando - entre um diapositivo projetado em uma tela e uma foto impressa em um livro Aparentemente nada De outra parte o que eacute uma foto no caso de um diapositivo O diapositivo em si mesmo ou efetivamente a imagem projetada Do mesmo modo deve-se pensar que a foto eacute o negativ05) ou efetivamente a imagem material que se fabricou a partir dela) Tudo isso eacute um problema

Para resolver essa dificuldade eacute preciso operar um deslocamento e passar do resultado - a foto fabricada a imagem projetada a partir do diapositivo - agrave relaccedilatildeo que existe entre a matriz de partida - o negativo o diapositivo - e o produto que dela se obteacutem Essa relaccedilatildeo eacute uma das caracteriacutesticas da fotograflcidade notemos bem que essa caracteriacutestica natildeo remete a uma mateacuteria qualquer nem a quaisquer tipos de formas nem a um ser qualquer mas a uma relaccedilatildeo habitada por uma Infinidade de possibilidades essa re laccedilatildeo em sua realizaccedilatildeo concreta natildeo depende nunca de uma necessidade mas de uma escolha que faz passar dos possiacuteveis ao real a saber tal foto particular

22 A ruptura entre o irreversiacutevel e o inacabaacutevel

Uma foto se faz em trecircs etapas o ato fotograacutefico a obtenccedilatildeo do negativo e o trabalho do negativo

TE MA TIC A bull FR A NCcedil O I S SOULAGE S 157

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacute S-GRADUA CcedilAtildeO EM ARTES V I SUA I S EBA bull U fRJ 2004

Durante o ato fotograacutefico o fotoacutegrafo aperta o disparador e assim abre o obturador do aparelho - o obturador pode abrir-se automaticamente o problema natildeo estaacute aqui o filme eacute entatildeo exposto agrave luz o filme virgem eacute logo transformado e toma-se o filme exposto ou insolado A segunda etapa eacute aquela da obtenccedilatildeo do negativo consiste em transformar o filme exposto em negativo eacute o tempo do desenvolvimento composto de cinco momentos a revelaccedilatildeo que transforma o bromato de prata do filme em prata metal o banho de paragem a fixaccedilatildeo a lavagem e a secagem obteacutem-se assim um negativo que eacute a matriz das fotos futuras e que a menos que haja uma intervenccedilatildeo excepcional e voluntaacuteria sobre ele natildeo se transformaraacute mais apesar de todas as passagens de luz que ocorreratildeo atraveacutes dele para fazer as fotos A terceira etapa pode entatildeo acontecer eacute a tiragem da foto o que noacutes chamamos o trabalho do negativo isto eacute a passagem do negativo agrave foto o fotoacutegrafo frequumlentemente escolhe uma das vistas que compotildeem o negativo depois processa seis operaccedilotildees em geral graccedilas a um ampliador ele potildee a vista escolhida em um passa-vista e procede a uma exposiccedilatildeo pela luz em um papel sensiacutevel esse papel eacute por sua vez revelado depois mergulhado em um banho de paragem depois fixado depois lavado e enfim secado entatildeo tem-se a foto

Noacutes podemos perceber uma simetria perfeita entre as duas primeiras etapas de um lado e a terceira de outro seis operaccedilotildees que as caracterizam exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem Portanto eacute preciso distinguir duas maneiras de analisar o trabalho do fotoacutegrafo

- a primeira estabelece uma ruptura entre o ato fotograacutefico e o trabalho no laboratoacuterio

- a segunda estabelece de um lado o ato fotograacutefico e a obtenccedilatildeo do negativo e de outro o trabalho do negativo

o problema esta aiacute pode-se analisar a fotografia seja a partir do vivido pelo sujeito fotoacutegrafo seja a partir do processo fotograacutefico logo seja com uma abordagem humanista isto eacute relativa ao homem fotoacutegrafo - o tempo do homem com o aparelho depois o tempo do homem no laboratOacuterio - seja com uma abordagem materialista isto eacute relativa ao material fotograacutefico - da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto

158

o material fotograacutefico tem um estatuto ambiacuteguo parece ser ao mesmo tempo do lado das condiccedilotildees de possibilidade da foto e do lado da foto em si mesma Haacute um problema esse problema natildeo eacute resolvido pela abordagem humanista da fotografia na medida em que durante os dois tempos o homem eacute confrontado com o material fotograacutefico Entretanto essa abordagem insiste com justeza sobre a irreversibi lidade do ato fotograacutefico shycaracteriacutestica que noacutes vamos mostrar eacute muito importante A existecircncia do problema do material fotograacutefico longe de nos levar a um impasse vai nos permitir descobrir qual tipo de anaacutelise - humanista ou materialista - eacute preciso realizar para compreender a fotografia e vai nos levar agrave soluccedilatildeo do problema geral da essecircncia da fotografia Com efeito visto que a opccedilatildeo humanista se verifica inoperante pelo simples fato de ser equiacutevoco o estatuto do material fotograacutefico tentemos outra possibilidade a abordagem materialista

A ruptura natildeo eacute mais entatildeo entre o ato fotograacutefico e a accedilatildeo no laboratoacuterio mas entre a obtenccedilatildeo generalizada do negativo - entendemos pela articu laccedilatildeo do ato fotograacutefico com a obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as seis operaccedilotildees que vatildeo da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo - e o trabalho do negativo que entatildeo poderemos chamar de obtenccedilatildeo restrita da foto a saber as seis primeiras operaccedilotildees que vatildeo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto O que caracteriza essas duas operaccedilotildees Nos dois casos satildeo operaccedilotildees que resultam na obtenccedilatildeo de uma coisa que estaraacute fixa definitivamente (a menos que se intervenha nelas voluntariamente) em um caso obteacutem-se um negativo em outro uma foto Em compensaccedilatildeo a obtenccedilatildeo generalizada do negativo e o trabalho do negativo se distinguem

fundamentalmente quanto a seu modo de ser a primeira eacute marcada por aquilo que jaacute haviacuteamos apontado a saber a irreversibilidade Com efeito o ato fotograacutefico uma vez concluiacutedo eacute irreversiacutevel natildeo se pode mais fazer assim o que natildeo tenha sido feito o fotoacutegrafo pode sempre fotografar de novo mas natildeo repor em funcionamento o mecanismo desse processo o filme natildeo eacute mais virgem mas exposto pode-se certamente expocirc-lo de novo mas natildeo se pode reencontrar a virgindade original isso vale tambeacutem para as cinco etapas seguintes shyrevelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem secagem assim a partir de um mesmo negativo o trabalho do negativo eacute inacaboacuteve na medida em que ele pode se r sempre retomado e concluiacutedo uma vez mais e isso de maneira potencialmente diferente

A fotograficidade eacute portanto essa articulaccedilatildeo surpreendente do irreversiacutevel e do inacabaacutevel articulaccedilatildeo da irreversiacutevel obtenccedilatildeo generalizada do negativo - constituiacutedo inicialmente pelo ato fotograacutefico a saber essa confrontaccedilatildeo de um sujeito fotografando qualquer coisa graccedilas agrave mediaccedilatildeo do material fotograacutefico ou em outros termos e de maneira mais geral as condiccedilotildees de possibilidade da produccedilatildeo do filme exposto e a realizaccedilatildeo dessa exposiccedilatildeo e em seguida pela obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as cinco outras operaccedilotildees que o produzem (revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) - e do inacaboacutevel trabalho do negativo - a partir do mesmo negativo de partida podeshyse obter um nuacutemero infinito de fotos totalmente diferentes intervindo de maneira particular durante as cinco operaccedilotildees que produzem a foto (exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) Para compreender a fotograficidade eacute preciso entatildeo desde uma concepccedilatildeo humanista ateacute uma concepccedilatildeo materialista da fotografia

23 Ruptura e articulaccedilatildeo

A fotografia eacute portanto a articulaccedilatildeo da perda e do resto perda das circunstacircncias uacutenicas causas do ato fotograacutefico do momento desse ato do objeto a ser fotografado e da obtenccedilatildeo generalizada e irreversiacutevel do negativo em resumo do tempo e do ser passados resto constituiacutedo por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo A perda eacute irremediaacutevel a fotografia cria mostra e nos faz imaginar se a perda eacute absoluta e violenta natildeo eacute porque o tempo o objeto ou o ser perdidos eram antes de grande valor para nOacutes ou em si mas porque

esse tempo esse objeto ou esse ser agora estatildeo perdidos para sempre eacute porque estatildeo perdidos que frequumlentemente seu valor toma-se absoluto e que imediatamente esse absoluto alcanccedila e contamina a perda nossa perda O resto natildeo pode se r um remeacutedio milagroso exceto para aqueles que tecircm necessidade de acreditar em milagres de fato ele nos consola da perda e nos permite ficar de luto k vezes ta lvez em todo caso ele eacute a uacutenica coisa que nos resta isso faz com que ele vaacute precisar nos bater nos criticar nos combater graccedilas ao que o artista poderaacute criar sua obra a fotografia ou a arte de acomodar os restos Perdas infinitas restos infinitos

Aprofundemos a simetria e as diferenccedilas que

existem entre a etapa que pertence ao

irreversiacutevel e aquela que pertence ao inacabaacutevel

Na primeira vez o fotoacutegrafo estaacute diante do

objeto a ser fotografado natildeo dominaacutevel e natildeo

conheciacutevel na segunda vez diante do negativo

que ele domina e manipula como uma

ferramenta No primeiro caso ele parte desse

objeto para fazer um negativo e no segundo do

negativo para fazer uma foto No primeiro caso

ele pode fazer vaacuterios negativos mas natildeo seratildeo

nunca exatamente os mesmos em funccedilatildeo da

passagem do tempo portanto ele vai

frequumlentemente lutar contra o tempo e o

irreversiacutevel uma vez concluiacutedo o funcionamento

do mecanismo - da exposiccedilatildeo agrave secagem - o

processo vai irremediavelmente terminar e natildeo

poderaacute nunca voltar ao mesmo ponto de partida

eacute porque o processo tem um fim que ele

recomeccedila outro do fil me exposto agrave foto feita

essa problemaacutetica e essa praacutetica satildeo caras a Denis

Roche54 e Opalka Em compensaccedilatildeo no

segundo caso eacute o inverso que se produz ele

pode teoricamente refazer a mesma foto mas

natildeo eacute essa que interessa a ele que natildeo eacute uma

maacutequina o trabalho do negativo convoca-o a

fazer fotos diferentes mas ele natildeo acaba nunca

de fazecirc-Ias diferentes sua missatildeo eacute inacabaacuteve l

entatildeo ele vai lutar contra o inacabaacutevel e talvez

por um momento decidir que acabou que desse

negativo natildeo faraacute mais fotos que selecionou e

criou a que queria mas sabe que sua decisatildeo natildeo

eacute jamais deflnrtiva ele ou outro pode sempre

explorar o negativo fazer outras fotos em uacuteltimo

caso um artista poderia constituir toda a obra de

sua vida pela exploraccedilatildeo indefinida de um sOacute

negativo que ele mesmo natildeo teria feito

TEMAacuteTI CA middot FRANCcedil OI S SOU l AG E S 159

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 4: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

ae R E V 1ST A DO P R o G R A lv1 A DE POacuteS - G R A D U A ccedil A o E lv1 A R TE S V I SUA I S E B A bull U F R J bull 2 o o 4

emanaccedilatildeo deste uacuteltimo Ele insiste muito sobre esse aspecto material e quiacutemico da fotografia a ponto de apoacutes ter comparado seu proced imento com o de Proust afirmar o contraacuterio a fotografia natildeo rememora o passado (nada de proustiano em uma foto) O efeito que ela produz em mim natildeo eacute o de restituir o que estaacute abolido pelo tempo pela distacircncia mas o _ de atestar que o que vejo de fato existiu 30 Eacute preciso anotar que literalmente falando o isso foi natildeo eacute ressurreiccedilatildeo ele eacute apenas a reafirmaccedilatildeo da certeza da existecircncia passada de um ser querido Mas quem em face da morte de um ser querido poce contentar-se com a crenccedila absoluta de sua existecircncia no passado Quem pode kar satisfeito com isso Em que essa crenccedila pode suprir a perda radical presente

A O utra estaacute mOlia isto quer dizer que o nada impessoal presente substitui sua presenccedila pessoal em um sentido natildeo existe mais O isso foi parecia insignificante ao lado dessa consciecircncia do nada Exceto se o isso foi shymuito discutiacutevel por outro lad031 - eacute apenas mais um dos poacutelos da relaccedilatildeo Eu presentefisso foi da Outra entatildeo o que o Eu reencontra natildeo eacute tanto o Outro mas a re laccedilatildeo que tem com ele Esse deslocamento eacute decisivo mas eacute fundado no fato de que o Eu seria inicialmente o conjunto de suas relaccedilotildees com os outros ou com o fato de que o Eu estaria em uma relaccedilatildeo de confusatildeo psiacutequica com a Outra Este uacuteltimo caso corresponderia a nossa aceitaccedilatildeo da Lei da separaccedilatildeo entre a Matildee e o Eu Talvez por isso Barthes tenha insistido tanto sobre a doutrina do isso foi para caracterizar a fotografia e acreditado que essa poceria praticamente ressuscitar um ser querido

Mas por que falar em ressurreiccedilatildeo Para dizer que ao mesmo tempo agraves vezes excepcionalmente pode-se graccedilas a uma foto reencontrar um ser e que eacute com os olhos da feacute que se crecirc nessa ressurreiccedilatildeo isso foi para qualquer um que tenha uma foto na matildeo estaacute aiacute uma crenccedila fundamental uma Urdoxa que natildeo pode ser desfeita por nada a natildeo ser que me provem que essa imagem notildeo eacute uma fotografia ]2 O isso foi repousa sobre uma crenccedila Barthes vai assim mais longe que Schaeffer e sua teoria da orcheacute da fotografia 33

Acredita-se no isso foi porque natildeo se pode provaacute-lo34 a atmosfera de sua matildee que ele crecirc reconhecer na foto eacute evidente ( ) e improvaacutevel Ele confessa aliaacutes Agraves vezes me

156

engano ou pelo menos hesito um medalhatildeo representa o busto de uma jovem mulher e seu filho certamente somos minha matildee e eu mas natildeo satildeo sua matildee e seu filho35 O isso foi natildeo diz tanto o que foi quanto o fato de que qualquer coisa foi Ele conduz mais sua eXistecircncia do que sua essecircncia a afirmaccedilatildeo da essecircncia eacute apenas um ato de feacute que eacute um ato de amor Para Barthes o que importa antes de tudo na fotografia eacute o amor e a morte36 A fotografia natildeo eacute uma prova racional da existecircncia de seu amor por sua matildee e de sua capacidade para a reencontrar mas uma prova existencial desse amor e desses reencontros Barthes natildeo eacute o teoacutelogo racionalista da fotografia aquele que pode demonstrar a existecircncia desse Deus que eacute sua matildee de sua ressurreiccedilatildeo e do milagre fotograacutefico - ele eacute o crente inspirado nas afirmaccedilotildees paulinas como Satildeo Paulo ele fala em escacircndalo e loucura37 de sua feacute pela fotografia o que torna possiacutevel o ecircxtase 38 Credo quio obsurdum est 39

Eacuteporque a fotografia lhe permite chegar a um niacutevel tatildeo elevado - o ecircxtase fotograacutefico diante da matildee milagrosamente reencontrada - que toco outro uso da fotografia parece para Barthes irrisoacuterio e vatildeo Eacutepor isso que ele recusa consideraacute-Ia uma arte40 segundo ele eacute preciso ao contraacuterio no sentido do sem-arte aprofundar essa experiecircncia uacutenica original e tatildeo rica O que intenciono em uma foto ( ) natildeo eacute nem a Arte nem a Comunicaccedilatildeo eacute a Referecircncia41 eacute a fotografia sem-arte que revela a essecircncia da fotografia o resto eacute apenas divertimento e decoraccedilatildeo Eacute o amador ( ) que se manteacutem mais proacuteximo do noema da Fotografia 42 no amador eacute preciso entender tambeacutem amor em resumo eacute a recepccedilatildeo existencial edipiana e sem-arte de uma foto edipiana e sem-arte que atinge o que eacute mais rico na fotografia e que torna possiacutevel essa experiecircncia extaacutetica uacutenica - isso sem evocar o projeto da foto-autobiografia

Nesse livro portanto Barthes mostrou toda a forccedila da fotografia indicou seu espaccedilo privilegiado de realizaccedilatildeo a saber o espaccedilo edipiano Para ele eacute aqui que a fotografia torna possiacutevel essa recepccedilatildeo absoluta essa que permite a um filho reencontrar sua matildee morta continuar a viver esse amor esperar o ecircxtase e sua morte em resumo a fotografia perturba sua existecircncia porque eacute habitada pela paixatildeo Existir lembra Kierkegaard ( ) natildeo se pode fazer sem paixatildeo 43 Para essa busca fotograacutefica

o autor mostrou o quanto a essecircncia do sUjeito que foi fotografado eacute dificilmente apreendida e o quanto podem ser captadas apenas aparecircncias cruelmente decepcionantes mas ele afirma que essa essecircncia foi para ele o acesso agrave foto do Jardim de inverno Estamos entatildeo em face de uma experiecircncia de feacute de amor e de loucura shynenhuma dessas trecircs palavras deve ser subestimada - uma experiecircncia mostraacutevel mas natildeo demonstraacutevel que separa aquele que a praticou daqueles que natildeo a viveram Louca ou sensata) A fotografia pode ser uma ou outra () Cabe a mim escolher submeter seu espetaacuteculo ao coacutedigo civilizado das ilusotildees perfeitas ou afrontar nela o despertar da intrataacutevel realidade 44

Ao nos confrontar na intrataacutevel realidade no acontecimento e no tempo a fotografia nos obriga a nos interrogar

Apoacutes esse estudo dos tempos subjetivos da fotografia tentemos compreender os tempos objetivos da fabricaccedilatildeo de uma foto

2Tempos objetivos teoreacutetica da fotografia

A imagem fotograacutefica remete a um acontecimento mesmo se ele foi representado 45 Quem estaacute na fotografia numeacuterica Ela eacute uma fotografia sem acontecimento O caacutelculo substituiu a existecircncia Em resumo haacute ruptura ou continuidade entre

essas duas imagens Bachelard demonstrou que as mecacircnicas contemporacircneas ( ) satildeo ciecircncias sem ancestrais46 e que elas engendram uma ruptura histoacuterica na evoluccedilatildeo das ciecircncias modernas47 - ocorre o mesmo com a imagem numeacuterica por causa da evoluccedilatildeo das tecnologias modernas) Os desafios satildeo consideraacuteveis para aleacutem do campo tecnoloacutegico e consequumlentemente da representaccedilatildeo e da simulaccedilatildeo da arte e da vida da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo48 da poliacutetica e da estrateacutegia da filosofia e da ideologia 49

21 O conceito de fotograficidade

O que eacute entatildeo uma fotografia O que faz de uma coisa uma foto O que em urna foto depende da fotografla50 Em outros termos o que eacute a fotograflcidade O conceito de fotograflcidade designa o que eacute fotograacutefico na fotografia mas natildeo podemos lhe ajuntar uma segunda caracteriacutestica que torna a fotograficidade simeacutetrica da literalidade de que

fala Todorov em A Poeacutetica51 para este a ciecircncia estrutural natildeo se preocupa mais com a literatura real mas com a literatura possiacutevel em outras palavras esta propriedade abstrata que faz a singularidade do fato literaacuterio a literalidade assim a fotograficidade designa essa propriedade abstrata que faz a singularidade do fato fotograacutefico - esse fato remetendo tanto ao sem-arteS2 quanto agrave arte Mas a partir da proposiccedilatildeo de Todorov o que eacute ainda mais interessante a observar eacute a possibilidade de se preocupar graccedilas ao conceito de fotograficidade natildeo apenas com a fotografia real mas tambeacutem com a fotografia possiacutevel e ateacute mesmo com as potencialidades fotograacuteficas ora justamente uma das caracteriacutesticas da fotograficidade eacute o inacabaacutevel a saber o fato de possuir potencialidades sempre desdobradas ao infinito a fotografia eacute entatildeo a arte do possiacutevel tomado em sentido intenso

Quando estudamos a materialidade de uma foto somos inicialmente confrontados com sua impossiacutevel definiccedilatildeo a foto pode ser feita em um nuacutemero indefinido de mateacuterias melhor pode existir apenas no estado da luz como no caso do diapositivo o que haacute entatildeo em comum - materialmente falando - entre um diapositivo projetado em uma tela e uma foto impressa em um livro Aparentemente nada De outra parte o que eacute uma foto no caso de um diapositivo O diapositivo em si mesmo ou efetivamente a imagem projetada Do mesmo modo deve-se pensar que a foto eacute o negativ05) ou efetivamente a imagem material que se fabricou a partir dela) Tudo isso eacute um problema

Para resolver essa dificuldade eacute preciso operar um deslocamento e passar do resultado - a foto fabricada a imagem projetada a partir do diapositivo - agrave relaccedilatildeo que existe entre a matriz de partida - o negativo o diapositivo - e o produto que dela se obteacutem Essa relaccedilatildeo eacute uma das caracteriacutesticas da fotograflcidade notemos bem que essa caracteriacutestica natildeo remete a uma mateacuteria qualquer nem a quaisquer tipos de formas nem a um ser qualquer mas a uma relaccedilatildeo habitada por uma Infinidade de possibilidades essa re laccedilatildeo em sua realizaccedilatildeo concreta natildeo depende nunca de uma necessidade mas de uma escolha que faz passar dos possiacuteveis ao real a saber tal foto particular

22 A ruptura entre o irreversiacutevel e o inacabaacutevel

Uma foto se faz em trecircs etapas o ato fotograacutefico a obtenccedilatildeo do negativo e o trabalho do negativo

TE MA TIC A bull FR A NCcedil O I S SOULAGE S 157

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacute S-GRADUA CcedilAtildeO EM ARTES V I SUA I S EBA bull U fRJ 2004

Durante o ato fotograacutefico o fotoacutegrafo aperta o disparador e assim abre o obturador do aparelho - o obturador pode abrir-se automaticamente o problema natildeo estaacute aqui o filme eacute entatildeo exposto agrave luz o filme virgem eacute logo transformado e toma-se o filme exposto ou insolado A segunda etapa eacute aquela da obtenccedilatildeo do negativo consiste em transformar o filme exposto em negativo eacute o tempo do desenvolvimento composto de cinco momentos a revelaccedilatildeo que transforma o bromato de prata do filme em prata metal o banho de paragem a fixaccedilatildeo a lavagem e a secagem obteacutem-se assim um negativo que eacute a matriz das fotos futuras e que a menos que haja uma intervenccedilatildeo excepcional e voluntaacuteria sobre ele natildeo se transformaraacute mais apesar de todas as passagens de luz que ocorreratildeo atraveacutes dele para fazer as fotos A terceira etapa pode entatildeo acontecer eacute a tiragem da foto o que noacutes chamamos o trabalho do negativo isto eacute a passagem do negativo agrave foto o fotoacutegrafo frequumlentemente escolhe uma das vistas que compotildeem o negativo depois processa seis operaccedilotildees em geral graccedilas a um ampliador ele potildee a vista escolhida em um passa-vista e procede a uma exposiccedilatildeo pela luz em um papel sensiacutevel esse papel eacute por sua vez revelado depois mergulhado em um banho de paragem depois fixado depois lavado e enfim secado entatildeo tem-se a foto

Noacutes podemos perceber uma simetria perfeita entre as duas primeiras etapas de um lado e a terceira de outro seis operaccedilotildees que as caracterizam exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem Portanto eacute preciso distinguir duas maneiras de analisar o trabalho do fotoacutegrafo

- a primeira estabelece uma ruptura entre o ato fotograacutefico e o trabalho no laboratoacuterio

- a segunda estabelece de um lado o ato fotograacutefico e a obtenccedilatildeo do negativo e de outro o trabalho do negativo

o problema esta aiacute pode-se analisar a fotografia seja a partir do vivido pelo sujeito fotoacutegrafo seja a partir do processo fotograacutefico logo seja com uma abordagem humanista isto eacute relativa ao homem fotoacutegrafo - o tempo do homem com o aparelho depois o tempo do homem no laboratOacuterio - seja com uma abordagem materialista isto eacute relativa ao material fotograacutefico - da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto

158

o material fotograacutefico tem um estatuto ambiacuteguo parece ser ao mesmo tempo do lado das condiccedilotildees de possibilidade da foto e do lado da foto em si mesma Haacute um problema esse problema natildeo eacute resolvido pela abordagem humanista da fotografia na medida em que durante os dois tempos o homem eacute confrontado com o material fotograacutefico Entretanto essa abordagem insiste com justeza sobre a irreversibi lidade do ato fotograacutefico shycaracteriacutestica que noacutes vamos mostrar eacute muito importante A existecircncia do problema do material fotograacutefico longe de nos levar a um impasse vai nos permitir descobrir qual tipo de anaacutelise - humanista ou materialista - eacute preciso realizar para compreender a fotografia e vai nos levar agrave soluccedilatildeo do problema geral da essecircncia da fotografia Com efeito visto que a opccedilatildeo humanista se verifica inoperante pelo simples fato de ser equiacutevoco o estatuto do material fotograacutefico tentemos outra possibilidade a abordagem materialista

A ruptura natildeo eacute mais entatildeo entre o ato fotograacutefico e a accedilatildeo no laboratoacuterio mas entre a obtenccedilatildeo generalizada do negativo - entendemos pela articu laccedilatildeo do ato fotograacutefico com a obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as seis operaccedilotildees que vatildeo da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo - e o trabalho do negativo que entatildeo poderemos chamar de obtenccedilatildeo restrita da foto a saber as seis primeiras operaccedilotildees que vatildeo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto O que caracteriza essas duas operaccedilotildees Nos dois casos satildeo operaccedilotildees que resultam na obtenccedilatildeo de uma coisa que estaraacute fixa definitivamente (a menos que se intervenha nelas voluntariamente) em um caso obteacutem-se um negativo em outro uma foto Em compensaccedilatildeo a obtenccedilatildeo generalizada do negativo e o trabalho do negativo se distinguem

fundamentalmente quanto a seu modo de ser a primeira eacute marcada por aquilo que jaacute haviacuteamos apontado a saber a irreversibilidade Com efeito o ato fotograacutefico uma vez concluiacutedo eacute irreversiacutevel natildeo se pode mais fazer assim o que natildeo tenha sido feito o fotoacutegrafo pode sempre fotografar de novo mas natildeo repor em funcionamento o mecanismo desse processo o filme natildeo eacute mais virgem mas exposto pode-se certamente expocirc-lo de novo mas natildeo se pode reencontrar a virgindade original isso vale tambeacutem para as cinco etapas seguintes shyrevelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem secagem assim a partir de um mesmo negativo o trabalho do negativo eacute inacaboacuteve na medida em que ele pode se r sempre retomado e concluiacutedo uma vez mais e isso de maneira potencialmente diferente

A fotograficidade eacute portanto essa articulaccedilatildeo surpreendente do irreversiacutevel e do inacabaacutevel articulaccedilatildeo da irreversiacutevel obtenccedilatildeo generalizada do negativo - constituiacutedo inicialmente pelo ato fotograacutefico a saber essa confrontaccedilatildeo de um sujeito fotografando qualquer coisa graccedilas agrave mediaccedilatildeo do material fotograacutefico ou em outros termos e de maneira mais geral as condiccedilotildees de possibilidade da produccedilatildeo do filme exposto e a realizaccedilatildeo dessa exposiccedilatildeo e em seguida pela obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as cinco outras operaccedilotildees que o produzem (revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) - e do inacaboacutevel trabalho do negativo - a partir do mesmo negativo de partida podeshyse obter um nuacutemero infinito de fotos totalmente diferentes intervindo de maneira particular durante as cinco operaccedilotildees que produzem a foto (exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) Para compreender a fotograficidade eacute preciso entatildeo desde uma concepccedilatildeo humanista ateacute uma concepccedilatildeo materialista da fotografia

23 Ruptura e articulaccedilatildeo

A fotografia eacute portanto a articulaccedilatildeo da perda e do resto perda das circunstacircncias uacutenicas causas do ato fotograacutefico do momento desse ato do objeto a ser fotografado e da obtenccedilatildeo generalizada e irreversiacutevel do negativo em resumo do tempo e do ser passados resto constituiacutedo por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo A perda eacute irremediaacutevel a fotografia cria mostra e nos faz imaginar se a perda eacute absoluta e violenta natildeo eacute porque o tempo o objeto ou o ser perdidos eram antes de grande valor para nOacutes ou em si mas porque

esse tempo esse objeto ou esse ser agora estatildeo perdidos para sempre eacute porque estatildeo perdidos que frequumlentemente seu valor toma-se absoluto e que imediatamente esse absoluto alcanccedila e contamina a perda nossa perda O resto natildeo pode se r um remeacutedio milagroso exceto para aqueles que tecircm necessidade de acreditar em milagres de fato ele nos consola da perda e nos permite ficar de luto k vezes ta lvez em todo caso ele eacute a uacutenica coisa que nos resta isso faz com que ele vaacute precisar nos bater nos criticar nos combater graccedilas ao que o artista poderaacute criar sua obra a fotografia ou a arte de acomodar os restos Perdas infinitas restos infinitos

Aprofundemos a simetria e as diferenccedilas que

existem entre a etapa que pertence ao

irreversiacutevel e aquela que pertence ao inacabaacutevel

Na primeira vez o fotoacutegrafo estaacute diante do

objeto a ser fotografado natildeo dominaacutevel e natildeo

conheciacutevel na segunda vez diante do negativo

que ele domina e manipula como uma

ferramenta No primeiro caso ele parte desse

objeto para fazer um negativo e no segundo do

negativo para fazer uma foto No primeiro caso

ele pode fazer vaacuterios negativos mas natildeo seratildeo

nunca exatamente os mesmos em funccedilatildeo da

passagem do tempo portanto ele vai

frequumlentemente lutar contra o tempo e o

irreversiacutevel uma vez concluiacutedo o funcionamento

do mecanismo - da exposiccedilatildeo agrave secagem - o

processo vai irremediavelmente terminar e natildeo

poderaacute nunca voltar ao mesmo ponto de partida

eacute porque o processo tem um fim que ele

recomeccedila outro do fil me exposto agrave foto feita

essa problemaacutetica e essa praacutetica satildeo caras a Denis

Roche54 e Opalka Em compensaccedilatildeo no

segundo caso eacute o inverso que se produz ele

pode teoricamente refazer a mesma foto mas

natildeo eacute essa que interessa a ele que natildeo eacute uma

maacutequina o trabalho do negativo convoca-o a

fazer fotos diferentes mas ele natildeo acaba nunca

de fazecirc-Ias diferentes sua missatildeo eacute inacabaacuteve l

entatildeo ele vai lutar contra o inacabaacutevel e talvez

por um momento decidir que acabou que desse

negativo natildeo faraacute mais fotos que selecionou e

criou a que queria mas sabe que sua decisatildeo natildeo

eacute jamais deflnrtiva ele ou outro pode sempre

explorar o negativo fazer outras fotos em uacuteltimo

caso um artista poderia constituir toda a obra de

sua vida pela exploraccedilatildeo indefinida de um sOacute

negativo que ele mesmo natildeo teria feito

TEMAacuteTI CA middot FRANCcedil OI S SOU l AG E S 159

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 5: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

o autor mostrou o quanto a essecircncia do sUjeito que foi fotografado eacute dificilmente apreendida e o quanto podem ser captadas apenas aparecircncias cruelmente decepcionantes mas ele afirma que essa essecircncia foi para ele o acesso agrave foto do Jardim de inverno Estamos entatildeo em face de uma experiecircncia de feacute de amor e de loucura shynenhuma dessas trecircs palavras deve ser subestimada - uma experiecircncia mostraacutevel mas natildeo demonstraacutevel que separa aquele que a praticou daqueles que natildeo a viveram Louca ou sensata) A fotografia pode ser uma ou outra () Cabe a mim escolher submeter seu espetaacuteculo ao coacutedigo civilizado das ilusotildees perfeitas ou afrontar nela o despertar da intrataacutevel realidade 44

Ao nos confrontar na intrataacutevel realidade no acontecimento e no tempo a fotografia nos obriga a nos interrogar

Apoacutes esse estudo dos tempos subjetivos da fotografia tentemos compreender os tempos objetivos da fabricaccedilatildeo de uma foto

2Tempos objetivos teoreacutetica da fotografia

A imagem fotograacutefica remete a um acontecimento mesmo se ele foi representado 45 Quem estaacute na fotografia numeacuterica Ela eacute uma fotografia sem acontecimento O caacutelculo substituiu a existecircncia Em resumo haacute ruptura ou continuidade entre

essas duas imagens Bachelard demonstrou que as mecacircnicas contemporacircneas ( ) satildeo ciecircncias sem ancestrais46 e que elas engendram uma ruptura histoacuterica na evoluccedilatildeo das ciecircncias modernas47 - ocorre o mesmo com a imagem numeacuterica por causa da evoluccedilatildeo das tecnologias modernas) Os desafios satildeo consideraacuteveis para aleacutem do campo tecnoloacutegico e consequumlentemente da representaccedilatildeo e da simulaccedilatildeo da arte e da vida da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo48 da poliacutetica e da estrateacutegia da filosofia e da ideologia 49

21 O conceito de fotograficidade

O que eacute entatildeo uma fotografia O que faz de uma coisa uma foto O que em urna foto depende da fotografla50 Em outros termos o que eacute a fotograflcidade O conceito de fotograflcidade designa o que eacute fotograacutefico na fotografia mas natildeo podemos lhe ajuntar uma segunda caracteriacutestica que torna a fotograficidade simeacutetrica da literalidade de que

fala Todorov em A Poeacutetica51 para este a ciecircncia estrutural natildeo se preocupa mais com a literatura real mas com a literatura possiacutevel em outras palavras esta propriedade abstrata que faz a singularidade do fato literaacuterio a literalidade assim a fotograficidade designa essa propriedade abstrata que faz a singularidade do fato fotograacutefico - esse fato remetendo tanto ao sem-arteS2 quanto agrave arte Mas a partir da proposiccedilatildeo de Todorov o que eacute ainda mais interessante a observar eacute a possibilidade de se preocupar graccedilas ao conceito de fotograficidade natildeo apenas com a fotografia real mas tambeacutem com a fotografia possiacutevel e ateacute mesmo com as potencialidades fotograacuteficas ora justamente uma das caracteriacutesticas da fotograficidade eacute o inacabaacutevel a saber o fato de possuir potencialidades sempre desdobradas ao infinito a fotografia eacute entatildeo a arte do possiacutevel tomado em sentido intenso

Quando estudamos a materialidade de uma foto somos inicialmente confrontados com sua impossiacutevel definiccedilatildeo a foto pode ser feita em um nuacutemero indefinido de mateacuterias melhor pode existir apenas no estado da luz como no caso do diapositivo o que haacute entatildeo em comum - materialmente falando - entre um diapositivo projetado em uma tela e uma foto impressa em um livro Aparentemente nada De outra parte o que eacute uma foto no caso de um diapositivo O diapositivo em si mesmo ou efetivamente a imagem projetada Do mesmo modo deve-se pensar que a foto eacute o negativ05) ou efetivamente a imagem material que se fabricou a partir dela) Tudo isso eacute um problema

Para resolver essa dificuldade eacute preciso operar um deslocamento e passar do resultado - a foto fabricada a imagem projetada a partir do diapositivo - agrave relaccedilatildeo que existe entre a matriz de partida - o negativo o diapositivo - e o produto que dela se obteacutem Essa relaccedilatildeo eacute uma das caracteriacutesticas da fotograflcidade notemos bem que essa caracteriacutestica natildeo remete a uma mateacuteria qualquer nem a quaisquer tipos de formas nem a um ser qualquer mas a uma relaccedilatildeo habitada por uma Infinidade de possibilidades essa re laccedilatildeo em sua realizaccedilatildeo concreta natildeo depende nunca de uma necessidade mas de uma escolha que faz passar dos possiacuteveis ao real a saber tal foto particular

22 A ruptura entre o irreversiacutevel e o inacabaacutevel

Uma foto se faz em trecircs etapas o ato fotograacutefico a obtenccedilatildeo do negativo e o trabalho do negativo

TE MA TIC A bull FR A NCcedil O I S SOULAGE S 157

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacute S-GRADUA CcedilAtildeO EM ARTES V I SUA I S EBA bull U fRJ 2004

Durante o ato fotograacutefico o fotoacutegrafo aperta o disparador e assim abre o obturador do aparelho - o obturador pode abrir-se automaticamente o problema natildeo estaacute aqui o filme eacute entatildeo exposto agrave luz o filme virgem eacute logo transformado e toma-se o filme exposto ou insolado A segunda etapa eacute aquela da obtenccedilatildeo do negativo consiste em transformar o filme exposto em negativo eacute o tempo do desenvolvimento composto de cinco momentos a revelaccedilatildeo que transforma o bromato de prata do filme em prata metal o banho de paragem a fixaccedilatildeo a lavagem e a secagem obteacutem-se assim um negativo que eacute a matriz das fotos futuras e que a menos que haja uma intervenccedilatildeo excepcional e voluntaacuteria sobre ele natildeo se transformaraacute mais apesar de todas as passagens de luz que ocorreratildeo atraveacutes dele para fazer as fotos A terceira etapa pode entatildeo acontecer eacute a tiragem da foto o que noacutes chamamos o trabalho do negativo isto eacute a passagem do negativo agrave foto o fotoacutegrafo frequumlentemente escolhe uma das vistas que compotildeem o negativo depois processa seis operaccedilotildees em geral graccedilas a um ampliador ele potildee a vista escolhida em um passa-vista e procede a uma exposiccedilatildeo pela luz em um papel sensiacutevel esse papel eacute por sua vez revelado depois mergulhado em um banho de paragem depois fixado depois lavado e enfim secado entatildeo tem-se a foto

Noacutes podemos perceber uma simetria perfeita entre as duas primeiras etapas de um lado e a terceira de outro seis operaccedilotildees que as caracterizam exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem Portanto eacute preciso distinguir duas maneiras de analisar o trabalho do fotoacutegrafo

- a primeira estabelece uma ruptura entre o ato fotograacutefico e o trabalho no laboratoacuterio

- a segunda estabelece de um lado o ato fotograacutefico e a obtenccedilatildeo do negativo e de outro o trabalho do negativo

o problema esta aiacute pode-se analisar a fotografia seja a partir do vivido pelo sujeito fotoacutegrafo seja a partir do processo fotograacutefico logo seja com uma abordagem humanista isto eacute relativa ao homem fotoacutegrafo - o tempo do homem com o aparelho depois o tempo do homem no laboratOacuterio - seja com uma abordagem materialista isto eacute relativa ao material fotograacutefico - da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto

158

o material fotograacutefico tem um estatuto ambiacuteguo parece ser ao mesmo tempo do lado das condiccedilotildees de possibilidade da foto e do lado da foto em si mesma Haacute um problema esse problema natildeo eacute resolvido pela abordagem humanista da fotografia na medida em que durante os dois tempos o homem eacute confrontado com o material fotograacutefico Entretanto essa abordagem insiste com justeza sobre a irreversibi lidade do ato fotograacutefico shycaracteriacutestica que noacutes vamos mostrar eacute muito importante A existecircncia do problema do material fotograacutefico longe de nos levar a um impasse vai nos permitir descobrir qual tipo de anaacutelise - humanista ou materialista - eacute preciso realizar para compreender a fotografia e vai nos levar agrave soluccedilatildeo do problema geral da essecircncia da fotografia Com efeito visto que a opccedilatildeo humanista se verifica inoperante pelo simples fato de ser equiacutevoco o estatuto do material fotograacutefico tentemos outra possibilidade a abordagem materialista

A ruptura natildeo eacute mais entatildeo entre o ato fotograacutefico e a accedilatildeo no laboratoacuterio mas entre a obtenccedilatildeo generalizada do negativo - entendemos pela articu laccedilatildeo do ato fotograacutefico com a obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as seis operaccedilotildees que vatildeo da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo - e o trabalho do negativo que entatildeo poderemos chamar de obtenccedilatildeo restrita da foto a saber as seis primeiras operaccedilotildees que vatildeo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto O que caracteriza essas duas operaccedilotildees Nos dois casos satildeo operaccedilotildees que resultam na obtenccedilatildeo de uma coisa que estaraacute fixa definitivamente (a menos que se intervenha nelas voluntariamente) em um caso obteacutem-se um negativo em outro uma foto Em compensaccedilatildeo a obtenccedilatildeo generalizada do negativo e o trabalho do negativo se distinguem

fundamentalmente quanto a seu modo de ser a primeira eacute marcada por aquilo que jaacute haviacuteamos apontado a saber a irreversibilidade Com efeito o ato fotograacutefico uma vez concluiacutedo eacute irreversiacutevel natildeo se pode mais fazer assim o que natildeo tenha sido feito o fotoacutegrafo pode sempre fotografar de novo mas natildeo repor em funcionamento o mecanismo desse processo o filme natildeo eacute mais virgem mas exposto pode-se certamente expocirc-lo de novo mas natildeo se pode reencontrar a virgindade original isso vale tambeacutem para as cinco etapas seguintes shyrevelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem secagem assim a partir de um mesmo negativo o trabalho do negativo eacute inacaboacuteve na medida em que ele pode se r sempre retomado e concluiacutedo uma vez mais e isso de maneira potencialmente diferente

A fotograficidade eacute portanto essa articulaccedilatildeo surpreendente do irreversiacutevel e do inacabaacutevel articulaccedilatildeo da irreversiacutevel obtenccedilatildeo generalizada do negativo - constituiacutedo inicialmente pelo ato fotograacutefico a saber essa confrontaccedilatildeo de um sujeito fotografando qualquer coisa graccedilas agrave mediaccedilatildeo do material fotograacutefico ou em outros termos e de maneira mais geral as condiccedilotildees de possibilidade da produccedilatildeo do filme exposto e a realizaccedilatildeo dessa exposiccedilatildeo e em seguida pela obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as cinco outras operaccedilotildees que o produzem (revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) - e do inacaboacutevel trabalho do negativo - a partir do mesmo negativo de partida podeshyse obter um nuacutemero infinito de fotos totalmente diferentes intervindo de maneira particular durante as cinco operaccedilotildees que produzem a foto (exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) Para compreender a fotograficidade eacute preciso entatildeo desde uma concepccedilatildeo humanista ateacute uma concepccedilatildeo materialista da fotografia

23 Ruptura e articulaccedilatildeo

A fotografia eacute portanto a articulaccedilatildeo da perda e do resto perda das circunstacircncias uacutenicas causas do ato fotograacutefico do momento desse ato do objeto a ser fotografado e da obtenccedilatildeo generalizada e irreversiacutevel do negativo em resumo do tempo e do ser passados resto constituiacutedo por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo A perda eacute irremediaacutevel a fotografia cria mostra e nos faz imaginar se a perda eacute absoluta e violenta natildeo eacute porque o tempo o objeto ou o ser perdidos eram antes de grande valor para nOacutes ou em si mas porque

esse tempo esse objeto ou esse ser agora estatildeo perdidos para sempre eacute porque estatildeo perdidos que frequumlentemente seu valor toma-se absoluto e que imediatamente esse absoluto alcanccedila e contamina a perda nossa perda O resto natildeo pode se r um remeacutedio milagroso exceto para aqueles que tecircm necessidade de acreditar em milagres de fato ele nos consola da perda e nos permite ficar de luto k vezes ta lvez em todo caso ele eacute a uacutenica coisa que nos resta isso faz com que ele vaacute precisar nos bater nos criticar nos combater graccedilas ao que o artista poderaacute criar sua obra a fotografia ou a arte de acomodar os restos Perdas infinitas restos infinitos

Aprofundemos a simetria e as diferenccedilas que

existem entre a etapa que pertence ao

irreversiacutevel e aquela que pertence ao inacabaacutevel

Na primeira vez o fotoacutegrafo estaacute diante do

objeto a ser fotografado natildeo dominaacutevel e natildeo

conheciacutevel na segunda vez diante do negativo

que ele domina e manipula como uma

ferramenta No primeiro caso ele parte desse

objeto para fazer um negativo e no segundo do

negativo para fazer uma foto No primeiro caso

ele pode fazer vaacuterios negativos mas natildeo seratildeo

nunca exatamente os mesmos em funccedilatildeo da

passagem do tempo portanto ele vai

frequumlentemente lutar contra o tempo e o

irreversiacutevel uma vez concluiacutedo o funcionamento

do mecanismo - da exposiccedilatildeo agrave secagem - o

processo vai irremediavelmente terminar e natildeo

poderaacute nunca voltar ao mesmo ponto de partida

eacute porque o processo tem um fim que ele

recomeccedila outro do fil me exposto agrave foto feita

essa problemaacutetica e essa praacutetica satildeo caras a Denis

Roche54 e Opalka Em compensaccedilatildeo no

segundo caso eacute o inverso que se produz ele

pode teoricamente refazer a mesma foto mas

natildeo eacute essa que interessa a ele que natildeo eacute uma

maacutequina o trabalho do negativo convoca-o a

fazer fotos diferentes mas ele natildeo acaba nunca

de fazecirc-Ias diferentes sua missatildeo eacute inacabaacuteve l

entatildeo ele vai lutar contra o inacabaacutevel e talvez

por um momento decidir que acabou que desse

negativo natildeo faraacute mais fotos que selecionou e

criou a que queria mas sabe que sua decisatildeo natildeo

eacute jamais deflnrtiva ele ou outro pode sempre

explorar o negativo fazer outras fotos em uacuteltimo

caso um artista poderia constituir toda a obra de

sua vida pela exploraccedilatildeo indefinida de um sOacute

negativo que ele mesmo natildeo teria feito

TEMAacuteTI CA middot FRANCcedil OI S SOU l AG E S 159

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 6: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacute S-GRADUA CcedilAtildeO EM ARTES V I SUA I S EBA bull U fRJ 2004

Durante o ato fotograacutefico o fotoacutegrafo aperta o disparador e assim abre o obturador do aparelho - o obturador pode abrir-se automaticamente o problema natildeo estaacute aqui o filme eacute entatildeo exposto agrave luz o filme virgem eacute logo transformado e toma-se o filme exposto ou insolado A segunda etapa eacute aquela da obtenccedilatildeo do negativo consiste em transformar o filme exposto em negativo eacute o tempo do desenvolvimento composto de cinco momentos a revelaccedilatildeo que transforma o bromato de prata do filme em prata metal o banho de paragem a fixaccedilatildeo a lavagem e a secagem obteacutem-se assim um negativo que eacute a matriz das fotos futuras e que a menos que haja uma intervenccedilatildeo excepcional e voluntaacuteria sobre ele natildeo se transformaraacute mais apesar de todas as passagens de luz que ocorreratildeo atraveacutes dele para fazer as fotos A terceira etapa pode entatildeo acontecer eacute a tiragem da foto o que noacutes chamamos o trabalho do negativo isto eacute a passagem do negativo agrave foto o fotoacutegrafo frequumlentemente escolhe uma das vistas que compotildeem o negativo depois processa seis operaccedilotildees em geral graccedilas a um ampliador ele potildee a vista escolhida em um passa-vista e procede a uma exposiccedilatildeo pela luz em um papel sensiacutevel esse papel eacute por sua vez revelado depois mergulhado em um banho de paragem depois fixado depois lavado e enfim secado entatildeo tem-se a foto

Noacutes podemos perceber uma simetria perfeita entre as duas primeiras etapas de um lado e a terceira de outro seis operaccedilotildees que as caracterizam exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem Portanto eacute preciso distinguir duas maneiras de analisar o trabalho do fotoacutegrafo

- a primeira estabelece uma ruptura entre o ato fotograacutefico e o trabalho no laboratoacuterio

- a segunda estabelece de um lado o ato fotograacutefico e a obtenccedilatildeo do negativo e de outro o trabalho do negativo

o problema esta aiacute pode-se analisar a fotografia seja a partir do vivido pelo sujeito fotoacutegrafo seja a partir do processo fotograacutefico logo seja com uma abordagem humanista isto eacute relativa ao homem fotoacutegrafo - o tempo do homem com o aparelho depois o tempo do homem no laboratOacuterio - seja com uma abordagem materialista isto eacute relativa ao material fotograacutefico - da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto

158

o material fotograacutefico tem um estatuto ambiacuteguo parece ser ao mesmo tempo do lado das condiccedilotildees de possibilidade da foto e do lado da foto em si mesma Haacute um problema esse problema natildeo eacute resolvido pela abordagem humanista da fotografia na medida em que durante os dois tempos o homem eacute confrontado com o material fotograacutefico Entretanto essa abordagem insiste com justeza sobre a irreversibi lidade do ato fotograacutefico shycaracteriacutestica que noacutes vamos mostrar eacute muito importante A existecircncia do problema do material fotograacutefico longe de nos levar a um impasse vai nos permitir descobrir qual tipo de anaacutelise - humanista ou materialista - eacute preciso realizar para compreender a fotografia e vai nos levar agrave soluccedilatildeo do problema geral da essecircncia da fotografia Com efeito visto que a opccedilatildeo humanista se verifica inoperante pelo simples fato de ser equiacutevoco o estatuto do material fotograacutefico tentemos outra possibilidade a abordagem materialista

A ruptura natildeo eacute mais entatildeo entre o ato fotograacutefico e a accedilatildeo no laboratoacuterio mas entre a obtenccedilatildeo generalizada do negativo - entendemos pela articu laccedilatildeo do ato fotograacutefico com a obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as seis operaccedilotildees que vatildeo da primeira exposiccedilatildeo agrave secagem do negativo - e o trabalho do negativo que entatildeo poderemos chamar de obtenccedilatildeo restrita da foto a saber as seis primeiras operaccedilotildees que vatildeo da segunda exposiccedilatildeo agrave secagem da foto O que caracteriza essas duas operaccedilotildees Nos dois casos satildeo operaccedilotildees que resultam na obtenccedilatildeo de uma coisa que estaraacute fixa definitivamente (a menos que se intervenha nelas voluntariamente) em um caso obteacutem-se um negativo em outro uma foto Em compensaccedilatildeo a obtenccedilatildeo generalizada do negativo e o trabalho do negativo se distinguem

fundamentalmente quanto a seu modo de ser a primeira eacute marcada por aquilo que jaacute haviacuteamos apontado a saber a irreversibilidade Com efeito o ato fotograacutefico uma vez concluiacutedo eacute irreversiacutevel natildeo se pode mais fazer assim o que natildeo tenha sido feito o fotoacutegrafo pode sempre fotografar de novo mas natildeo repor em funcionamento o mecanismo desse processo o filme natildeo eacute mais virgem mas exposto pode-se certamente expocirc-lo de novo mas natildeo se pode reencontrar a virgindade original isso vale tambeacutem para as cinco etapas seguintes shyrevelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem secagem assim a partir de um mesmo negativo o trabalho do negativo eacute inacaboacuteve na medida em que ele pode se r sempre retomado e concluiacutedo uma vez mais e isso de maneira potencialmente diferente

A fotograficidade eacute portanto essa articulaccedilatildeo surpreendente do irreversiacutevel e do inacabaacutevel articulaccedilatildeo da irreversiacutevel obtenccedilatildeo generalizada do negativo - constituiacutedo inicialmente pelo ato fotograacutefico a saber essa confrontaccedilatildeo de um sujeito fotografando qualquer coisa graccedilas agrave mediaccedilatildeo do material fotograacutefico ou em outros termos e de maneira mais geral as condiccedilotildees de possibilidade da produccedilatildeo do filme exposto e a realizaccedilatildeo dessa exposiccedilatildeo e em seguida pela obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as cinco outras operaccedilotildees que o produzem (revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) - e do inacaboacutevel trabalho do negativo - a partir do mesmo negativo de partida podeshyse obter um nuacutemero infinito de fotos totalmente diferentes intervindo de maneira particular durante as cinco operaccedilotildees que produzem a foto (exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) Para compreender a fotograficidade eacute preciso entatildeo desde uma concepccedilatildeo humanista ateacute uma concepccedilatildeo materialista da fotografia

23 Ruptura e articulaccedilatildeo

A fotografia eacute portanto a articulaccedilatildeo da perda e do resto perda das circunstacircncias uacutenicas causas do ato fotograacutefico do momento desse ato do objeto a ser fotografado e da obtenccedilatildeo generalizada e irreversiacutevel do negativo em resumo do tempo e do ser passados resto constituiacutedo por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo A perda eacute irremediaacutevel a fotografia cria mostra e nos faz imaginar se a perda eacute absoluta e violenta natildeo eacute porque o tempo o objeto ou o ser perdidos eram antes de grande valor para nOacutes ou em si mas porque

esse tempo esse objeto ou esse ser agora estatildeo perdidos para sempre eacute porque estatildeo perdidos que frequumlentemente seu valor toma-se absoluto e que imediatamente esse absoluto alcanccedila e contamina a perda nossa perda O resto natildeo pode se r um remeacutedio milagroso exceto para aqueles que tecircm necessidade de acreditar em milagres de fato ele nos consola da perda e nos permite ficar de luto k vezes ta lvez em todo caso ele eacute a uacutenica coisa que nos resta isso faz com que ele vaacute precisar nos bater nos criticar nos combater graccedilas ao que o artista poderaacute criar sua obra a fotografia ou a arte de acomodar os restos Perdas infinitas restos infinitos

Aprofundemos a simetria e as diferenccedilas que

existem entre a etapa que pertence ao

irreversiacutevel e aquela que pertence ao inacabaacutevel

Na primeira vez o fotoacutegrafo estaacute diante do

objeto a ser fotografado natildeo dominaacutevel e natildeo

conheciacutevel na segunda vez diante do negativo

que ele domina e manipula como uma

ferramenta No primeiro caso ele parte desse

objeto para fazer um negativo e no segundo do

negativo para fazer uma foto No primeiro caso

ele pode fazer vaacuterios negativos mas natildeo seratildeo

nunca exatamente os mesmos em funccedilatildeo da

passagem do tempo portanto ele vai

frequumlentemente lutar contra o tempo e o

irreversiacutevel uma vez concluiacutedo o funcionamento

do mecanismo - da exposiccedilatildeo agrave secagem - o

processo vai irremediavelmente terminar e natildeo

poderaacute nunca voltar ao mesmo ponto de partida

eacute porque o processo tem um fim que ele

recomeccedila outro do fil me exposto agrave foto feita

essa problemaacutetica e essa praacutetica satildeo caras a Denis

Roche54 e Opalka Em compensaccedilatildeo no

segundo caso eacute o inverso que se produz ele

pode teoricamente refazer a mesma foto mas

natildeo eacute essa que interessa a ele que natildeo eacute uma

maacutequina o trabalho do negativo convoca-o a

fazer fotos diferentes mas ele natildeo acaba nunca

de fazecirc-Ias diferentes sua missatildeo eacute inacabaacuteve l

entatildeo ele vai lutar contra o inacabaacutevel e talvez

por um momento decidir que acabou que desse

negativo natildeo faraacute mais fotos que selecionou e

criou a que queria mas sabe que sua decisatildeo natildeo

eacute jamais deflnrtiva ele ou outro pode sempre

explorar o negativo fazer outras fotos em uacuteltimo

caso um artista poderia constituir toda a obra de

sua vida pela exploraccedilatildeo indefinida de um sOacute

negativo que ele mesmo natildeo teria feito

TEMAacuteTI CA middot FRANCcedil OI S SOU l AG E S 159

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 7: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

fundamentalmente quanto a seu modo de ser a primeira eacute marcada por aquilo que jaacute haviacuteamos apontado a saber a irreversibilidade Com efeito o ato fotograacutefico uma vez concluiacutedo eacute irreversiacutevel natildeo se pode mais fazer assim o que natildeo tenha sido feito o fotoacutegrafo pode sempre fotografar de novo mas natildeo repor em funcionamento o mecanismo desse processo o filme natildeo eacute mais virgem mas exposto pode-se certamente expocirc-lo de novo mas natildeo se pode reencontrar a virgindade original isso vale tambeacutem para as cinco etapas seguintes shyrevelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem secagem assim a partir de um mesmo negativo o trabalho do negativo eacute inacaboacuteve na medida em que ele pode se r sempre retomado e concluiacutedo uma vez mais e isso de maneira potencialmente diferente

A fotograficidade eacute portanto essa articulaccedilatildeo surpreendente do irreversiacutevel e do inacabaacutevel articulaccedilatildeo da irreversiacutevel obtenccedilatildeo generalizada do negativo - constituiacutedo inicialmente pelo ato fotograacutefico a saber essa confrontaccedilatildeo de um sujeito fotografando qualquer coisa graccedilas agrave mediaccedilatildeo do material fotograacutefico ou em outros termos e de maneira mais geral as condiccedilotildees de possibilidade da produccedilatildeo do filme exposto e a realizaccedilatildeo dessa exposiccedilatildeo e em seguida pela obtenccedilatildeo restrita do negativo a saber as cinco outras operaccedilotildees que o produzem (revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) - e do inacaboacutevel trabalho do negativo - a partir do mesmo negativo de partida podeshyse obter um nuacutemero infinito de fotos totalmente diferentes intervindo de maneira particular durante as cinco operaccedilotildees que produzem a foto (exposiccedilatildeo revelaccedilatildeo paragem fixaccedilatildeo lavagem e secagem) Para compreender a fotograficidade eacute preciso entatildeo desde uma concepccedilatildeo humanista ateacute uma concepccedilatildeo materialista da fotografia

23 Ruptura e articulaccedilatildeo

A fotografia eacute portanto a articulaccedilatildeo da perda e do resto perda das circunstacircncias uacutenicas causas do ato fotograacutefico do momento desse ato do objeto a ser fotografado e da obtenccedilatildeo generalizada e irreversiacutevel do negativo em resumo do tempo e do ser passados resto constituiacutedo por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo A perda eacute irremediaacutevel a fotografia cria mostra e nos faz imaginar se a perda eacute absoluta e violenta natildeo eacute porque o tempo o objeto ou o ser perdidos eram antes de grande valor para nOacutes ou em si mas porque

esse tempo esse objeto ou esse ser agora estatildeo perdidos para sempre eacute porque estatildeo perdidos que frequumlentemente seu valor toma-se absoluto e que imediatamente esse absoluto alcanccedila e contamina a perda nossa perda O resto natildeo pode se r um remeacutedio milagroso exceto para aqueles que tecircm necessidade de acreditar em milagres de fato ele nos consola da perda e nos permite ficar de luto k vezes ta lvez em todo caso ele eacute a uacutenica coisa que nos resta isso faz com que ele vaacute precisar nos bater nos criticar nos combater graccedilas ao que o artista poderaacute criar sua obra a fotografia ou a arte de acomodar os restos Perdas infinitas restos infinitos

Aprofundemos a simetria e as diferenccedilas que

existem entre a etapa que pertence ao

irreversiacutevel e aquela que pertence ao inacabaacutevel

Na primeira vez o fotoacutegrafo estaacute diante do

objeto a ser fotografado natildeo dominaacutevel e natildeo

conheciacutevel na segunda vez diante do negativo

que ele domina e manipula como uma

ferramenta No primeiro caso ele parte desse

objeto para fazer um negativo e no segundo do

negativo para fazer uma foto No primeiro caso

ele pode fazer vaacuterios negativos mas natildeo seratildeo

nunca exatamente os mesmos em funccedilatildeo da

passagem do tempo portanto ele vai

frequumlentemente lutar contra o tempo e o

irreversiacutevel uma vez concluiacutedo o funcionamento

do mecanismo - da exposiccedilatildeo agrave secagem - o

processo vai irremediavelmente terminar e natildeo

poderaacute nunca voltar ao mesmo ponto de partida

eacute porque o processo tem um fim que ele

recomeccedila outro do fil me exposto agrave foto feita

essa problemaacutetica e essa praacutetica satildeo caras a Denis

Roche54 e Opalka Em compensaccedilatildeo no

segundo caso eacute o inverso que se produz ele

pode teoricamente refazer a mesma foto mas

natildeo eacute essa que interessa a ele que natildeo eacute uma

maacutequina o trabalho do negativo convoca-o a

fazer fotos diferentes mas ele natildeo acaba nunca

de fazecirc-Ias diferentes sua missatildeo eacute inacabaacuteve l

entatildeo ele vai lutar contra o inacabaacutevel e talvez

por um momento decidir que acabou que desse

negativo natildeo faraacute mais fotos que selecionou e

criou a que queria mas sabe que sua decisatildeo natildeo

eacute jamais deflnrtiva ele ou outro pode sempre

explorar o negativo fazer outras fotos em uacuteltimo

caso um artista poderia constituir toda a obra de

sua vida pela exploraccedilatildeo indefinida de um sOacute

negativo que ele mesmo natildeo teria feito

TEMAacuteTI CA middot FRANCcedil OI S SOU l AG E S 159

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 8: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

Assim as duas praacuteticas satildeo habitadas por compromissos opostos uma luta contra a passagem do tempo outra contra o eterno retorno uma natildeo pode nunca realizar a mesma coisa apesar de todos os desejos e de toda a vontade outra pode sempre fazer a mesma coisa mas eacute convidada pela especificidade do trabalho do negativo a fazecirc -lo de maneira diferente

24 Do negativo ao numeacuterico

Pode-se integrar nessa anaacutelise as imagens fotograacuteficas que como no iniacutecio da fotografia e agraves vezes hoje natildeo satildeo feitas com um nega~ -0

ou como agora que podem ser feitas a pact r

de uma siacutentese numeacuterica A primeira vista parece que em um caso como em outro temos de falar em uma soacute dimensatildeo da fotograflcidade - essa natildeo seria entatildeo questionada ao contraacuterio seu conceito permitiria integrar todas as dimensotildees tOMadas separadamente ou articuladas entre elas Co efeito para as primeiras fotos como aqlelas de Niepce ou para os radiogramas o trabai do negativo natildeo existe pela simples razatildeo de que natildeo haacute negativo entatildeo somos confrontados com o irreversiacutevel e a esteacutetico do troccedilo Simetricamente para as imagens n meacutercas o equivalente do negativo eacute a numeraccedilatildeo da imagem a exploraccedilatildeo dessa numeraccedilatildeo eacute shycomo a exploraccedilatildeo do negativo - da o delT co inacabaacutevel e da esteacutetica do troccedilado POrl2 10 em um caso esteacutetico do impressatildeo err ovro esteacutetica do desenho as duas etapas da fotograficidade Aqui noacutes utilizamos as lOCcedilotildees de traccedilado e de desenho para ~em 12ccr como a praacutetica do inacabaacutevel assinala u a esteacutetica fundamentalmente dife reme daq ea do traccedilo da impressatildeo e do irreversiacutevel de fato ecirc

imagem numeacuterica permite uma explo~ccedilatilde shypraacutetica e esteacutetica - infinitamente mais co )exa e mais rica a esteacutetica numeacuterica eacute umecirc eSeacutetltecirc da hibridizaccedilatildeo com potencialidades ir f -25 e a se abre sobre uma cultura da hibridizaccedilatildeo sooe uma nova ordem visual e uma nova ma eu ce produzir de comunicar e de receber image15

Na realidade a utilizaccedilatildeo da numerizaccedil20 corresponde a dois tipos de praacuteticas 110 diferentes No caso tradicional a fotogrc i a J ecirc um scanner para numerizar os papeacuteiSde Cllcnecirc jaacute realizados em seguida seu compu1ac r I ~ e

permite fazer retoques ou transformaccedilotildees importantes e obter em disquete uma nol imagem que pode ser reproduzida posteriormente no papel - essa utilizaccedilatildeo do

bull U FRJ 2004

computador eacute apenas uma das modalidades possiacuteveis - por certo infinitamente mais complexa tecnologicamente - do trabalho do negativo O segundo caso eacute aparentemente mais revolucionaacuterio na medida em que todo o processo assinala a numerizaccedilatildeo a imagem numeacuterica explica Edmond Couchot eacute a traduccedilatildeo visual de uma matriz de nuacutemeros que simula o real - o objeto - de que ela pode restituir uma quase-infinidade de pontos de vista Eacuteuma imagem-matriz capaz de criar a si mesma - porque estaacute intimamente sol idaacuteria com os circuitos do computador e com o programa que a gera - uma multiplicidade de outras imagens 5S Como o negativo essa imagem mecircriz pode ser gerada por sua relaccedilatildeo com o real aprisiona-se opticamente uma imagem que eacute examinada numericamente pelo caacutelculo por certo passamos da loacutegica da impressatildeo para aquela da simulaccedilatildeo mas o que nos importa aqui natildeo satildeo as modalidades dessa relaccedilatildeo no real mas sua existecircncia esta uacuteltima autoriza a falar entatildeo do irreversiacutevel pela simples razatildeo de que essa relaccedilatildeo eacute temporal para um real temporal e portanto irreversiacutevel Ainda como negativo essa imagem pode ser utilizada e examinada infinitamente ela ateacute reforccedila a di ensatildeo do inacabaacutevel porque o objeto isualizado pode ser representado sob todos os

atildeGgulos e de todas as maneiras possiacuteveis Em compensaccedilatildeo a ruptura com essa relaccedilatildeo no real eacute infinitamente mais faacutecil com a imagem l u-neacuterica que pode modificando-se a matriz de uacutemeros ser autonomizada totalmente em -elacatildeo ao real de origem e passar da esfera que em algum lugar realccedilava uma loacutegica otograacutefica para aquela puramente numeacuterica co a qual se encontram tambeacutem as imagens caculadas feitas sem nenhuma relaccedilatildeo com o real jaacute existente com um real em que se teria como apreender rapidamente uma imagem pelo vieacutes de um caacutelculo - como se teria condiccedilotildees de fazer mutatis mutandis pelo vieacutes de uma Impressatildeo nisso a imagem numeacuterica eacute otalmente diferente do negativo que estaacute

sempre mesmo perfurado cortado ou ateacute queimado - como nas criaccedilotildees de Tom Drahoss6 - em relaccedilatildeo com esse real mesmo se o real a ser fotografado eacute desconhecido e infotografaacutevel em resumo = x natildeo se perfura nem se corta nem se queima um algoritmo Portanto essa ruptura entre o numeacuterico e o fotograacutefiCO resulta a propoacutesito de que no primeiro caso se deve explica Couchot passar pela linguagem (de programaccedilatildeo) para criar uma Imagem [que] eacute uma imagem em potencial

160

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 9: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

I r

~---

[que] se permite ser vista de modo ( ) interativo 57

25 A fotografia aberta ao numeacuterico

Em sua proacutepria essecircncia a fotografia eacute mista porque articula o irreversiacutevel e o inacabaacutevel Em consequumlecircncia ela eacute duplamente aberta primeiro o momento do irreversiacutevel se abre irreversivelmente para aquele do inacabaacutevel e potencialmente do numeacuterico em seguida este uacuteltimo colocando-se especificamente ao lado do matricial e natildeo do lado do reprodutiacutevel se abre agrave diferenccedila e agrave alteridade

Portanto eacute por razotildees materiais especiacuteficas que a fotografia estaacute aberto o outros artes e em particular agrave arte do numeacuterico em sua proacutepria natureza ela estaacute aberta agrave hibridizaccedilatildeo e agrave impureza eacute uma consequumlecircncia do inacabaacutevel pode-se fazer uma foto sobre qualquer superfiacutecie sensibilizada graccedilas a uma emulsatildeo liacutequida que se aplica sobre esse suporte podeshyse projetar um diapositivo sobre qualquer coisa e pode-se numerizar qualquer foto Portanto a abertura da fotografia para outras artes natildeo eacute um acidente mas uma de suas potencialidades uma das maneiras de explorar o trabalho do negativo Isso natildeo significa que a fotografia explore uma outra arte mas explora todas as Suas possibilidades na utilizaccedilatildeo de uma escultura como suporte estamos plenamente no fotograacutefico e natildeo primeiro no escultural na medida em que essa realizaccedilatildeo eacute um efeito do inacabaacutevel o que tambeacutem ocorre na utilizaccedilatildeo do numeacuterico

Por conseguinte podem ser tomadas algumas distacircncias em relaccedilatildeo aos pseudopuristas que procuram na fotografia o que lhes aparecia como puramente fotograacutefico por certo eles tecircm razatildeo em insistir no fato de que uma foto natildeo deve ser pensada unicamente em relaccedilatildeo a seu referente em compensaccedilatildeo eles fantasiam mais do que pensam essa fotograflcidade esquecendo que elaarticula do is elementos - o irreversiacutevel e o inacabaacutevel - e que ela natildeo designa nem seres nem mateacuterias nem formas mas relaccedilotildees Impossibilidades e possibilidades A fotograficidade natildeo eacute um ser mas um dupla relaccedilatildeo

26 Uma tripla esteacutetica da fotografia

Eacutejogando com essa fotograflcidade isto eacute com o irreversiacutevel com o inacabaacutevel com sua articulaccedilatildeo que os artistas criam a obra assim

trecircs grandes correntes se desenham portanto a essecircncia exata da fotografia eacute o fundamento de uma corrente esteacutetica da fotograficidade a esteacutetica do irreversiacutevel do inacabaacutevel e de sua articulaccedilatildeo

A esteacutetica do irreversiacutevel tem por fundamento a obtenccedilatildeo generalizada do negativo que eacute a imagem do tempo essa obtenccedilatildeo eacute irreversiacutevel visto que cada uma das operaccedilotildees que satildeo necessaacuterias para produzir o negativo eacute irreversiacuteve l natildeo se pode rever a operaccedilatildeo precedente Essa obtenccedilatildeo generalizada natildeo eacute apenas a imagem do tempo ela eacute a imagem do tempo e o tempo da imagem sua irreversibilidade tem por causa a articulaccedilatildeo da irreversibilidade do tempo da natureza do negativo e das condiccedilotildees de sua obtenccedilatildeo Essa irreversibilidade eacute comunicada agrave fotografia em geral Assim a esteacutetica da irreversibi lidade govema em geral a reportagem - por exemplo as fotos de Gilles Caron58 - a fotobiografla shypor exemplo a empresa de Gilles Mora - e a fotografia que natildeo utiliza o negativo - por exemplo a corrente N ouvelle photographle ancienne 59 Eacuteporque eacute irreversiacutevel que a fotografia pode ter ao mesmo tempo uma tal forccedila emocional e atingir o traacutegico a arte em geral e o poeacutetico em particular De fato ela joga com esse irreversiacutevel que se torna irremediaacutevel seja o traccedilo do passado perdido seja a pista do passado a ser procurado ela se confronta entatildeo com a lembranccedila com a memoacuteria e o esquecido com o preacute-consciente e o Inconsciente com o passado de que guarda traccedilos e com aquele que natildeo eacute exatamente mais indicado em alguma parte com o presente tornado passado com o futuro tornado passado com o passado apreendido somente como passado breve no tempo no eu e no mundo que passam irreversivelmente A fotografia eacute mais do que uma experiecircncia do traacutegico eacute a experiecircncia traacutegica do irreversiacutevel Essa irreversibilidade pode ter consequumlecircncias dramaacuteticas de fato o sujeito fotografado arriscashyse a ser irreversivelmente metamorfoseado em imagem em objeto e em coisa - tanto na abordagem domeacutestica como na criaccedilatildeo esteacutetica em casos extremos para o sujeito que fotografa ou o sujeito que olha as fotos essa irreversibilidade toma a figura da psicose60 entatildeo a fotografia pode alimentar o corte irreversiacutevel de um sujeito em relaccedilatildeo ao mundo antes de ser a condiccedilatildeo de sua abordagem De fato a fotografia torna irreversivelmente impossiacutevel a captura do sujeito tanto pelo auto-

TEM Aacute TICA FRANCcedilOIS SOU LA GE S 161

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 10: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

a e nV i S T A DO P R OG RA MA D E POacuteS - G RAD U A Ccedil AtildeO EM A R TE S V i S U AiS EB A bull UrRJ 2004

retrato ou pela fotografia quanto pela fotografia edipiana ou pela fotografia do passado a cada vez o sUjeito - seja o sUjeito que fotografa o sUjeito fotografado ou o sUjeito que olha as fotos - permanece um enigma pal-a si mesmo ele eacute desconhecido (S = x) sobretudo porque eacute temporal portanto temporaacuterio e irreversiacutevel

A esteacutet ica do Inacabaacutevel tem tambeacutem por fundamento a fotograficidade o inacabaacutevel corresponde ao trabalho sempre necessaacuterio e nunca definitivamente acabaacutevel que de uma parte consiste em obter a partir de um negativo uma vaacuterias ou um nuacutemero infinito de foto(s) podendo ser todas diferentes graccedilas a intervenccedilotildees diferentes nas se is operaccedilotildees que produzem as fotos de outra parte apresentar contextualizar e atual izar essa ou essas fotos em um conjunto fotograacutefico particular e em um espaccedilo escolhido as imagens numeacutericas atuam sobre esse inacabaacutevel As empresas propriamente fotograacuteficas por exemplo as de Jean-Marc Lalier61 ou de Tom Drahos62 shyacentuam a esteacutetica do inacabaacutevel mas acentuam tambeacutem os trabalhos fotograacuteficos de artistas vindos de outra arte - por exemplo Vincent Verdegue r63 ou Man Ray - e toda a utilizaccedilatildeo artiacutestica da fotografia por outras artes Nesse trabalho do inacabaacuteve l da fotografia podem intervir natildeo soacute o fotoacutegrafo criador do negativo como natildeo importa quem mais quer seja outro fotoacutegrafo um curador de exposiccedilatildeo o editor de um livro um diretor em suma qualquer mediador ou melhor qualquer receptor que por sua vez eacute inteacuterprete e recriador da foto

Enfim a esteacutetica da articulaccedilatildeo do irreversiacutevel e do inacabaacutevel govema esses fotoacutegrafos que centralizam suas pesquisas nessa articu laccedilatildeo eles estatildeo exatamente no acircmago da fotografia pOIS a abraccedilam em sua especificidade e sua totalidade podemos citar alguns deles Christian Gattitoni64 Bemard PIOSSU65 Jorge Molder66 ou Denis Roche do qual o livro Photoloies67 eacute uma magniacutefica interrogaccedilatildeo do irreversiacuteve l do inacabaacutevel e das problemaacuteticas de suas uniotildees

Assim em um primeiro niacutevel haacute para a imagem e a obra fotograacuteficas continuidade entre o negativo e a numeacuterica nosso conceito de fotograficidade permanece pertinente Mas em um segundo niacutevel essa continuidade eacute minada pela especificidade do numeacuterico e assim arri scashyse a se metamorfosear em ruptura teacutecnicos e artistas exploram e percorrem esse risco essa oportunidade Portanto a imagem e a obra

162

------shy

fotograacutefica numeacutericas oscilam entre a continuidade filosoacutefica habitada pe lo suje ito que o lha o mundo e a ruptura eplstemo-tecnoloacutegica operada pelo sujeito que calcula a imagem entre o irreversiacuteve l e o inacabaacutevel - ruptura e articulaccedilatildeo constitutivas da fotografia

Portanto a fotografia tem relaccedilotildees objetivas no tempo A partir daqui as relaccedilotildees subjetivas podem ser colocadas por sUjeitos tanto na ordem do sem-arte da intimidade e do cotidiano quanto na ordem da arte

Em todo caso esse duplo reconhecimento eacute uma condiccedilatildeo preliminar obrigatoacuteria para a construccedilatildeo de uma esteacutetica da fotografia que permite natildeo soacute fundaacute-Ia mas tambeacutem compreender por que e como os artistas se confrontam com o problema existencial e metafiacutesico do tempo

Franccedilo SOLllages eacute profe ltseur des Uwverl tt-1 diretor da poacutes shygradlJtccedilio Artes d dS Imagens amp Arte Conte l11por~nea e da Opccedilatildeo Es eacutetica Ar tes Plaacutesticas e Fotografia na Unive dade de Par is VIII

Traduccedilatildeo Rogeacuterio Medeiros

Notas

lankeacuteleacutevitch v e Berlowitz B Queque port dons r inocheveacute Paris Galllmard Folio essalS 1990 34

2 Soulages Franccedilois Estheacutetique de lo photogrophie Paris Nathan 3 ediccedilatildeo 200 I

J Barthes R Lo chombre cloir Note sur lo photogrophle Paris Cahie du Cineacutema Gallimard Seui 1980

Cf Estheacutetique de lo photogrophle capiacutetulo 2

S Gesommete Werke Londres Imago 1940-1 952 t X 442-3

6 Barthes 1980 op cit I 13 14 1

7 Barthes 1980 op Ct 113

8 KJerkegaard Fbst-scoptum oux miettes philosophiques Paris Galllmard 194 I 209

9 Barthes 1980 op Cit 107

10 Ver tambeacutem outro livro de Barthes R LObvie et I Obtuso Paris Seuil 1982 Coleccedilatildeo POlnts trecircs livros sobre Barthes e a fotograNa Delord I Rolond Borthes et lo Photogrophie Paris CreacuteatlS 198 1 Delors I Le temps de photogrophler Paris Osi ris 1987 e o artigo RoIand

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163

Page 11: Tempos subjetivos - PPGAV–EBA–UFRJ · índice antes de ser icônica. Depois circulamos pelo prático objetivo do imagem numérico, onde posso o ser questionado o idéio de acontecimento

Barthes et la ohoto le pire des Signcs Cohiers de la phoshy17 Idem ibidem 24 rogrophie n 25 Paris Contrejour 1990

lt8 San~on P Les donneacutees iconiques reCatives agrave Iespace habiteacute Banhes 1980 op Clt 99 In Soloris (http Awvw infounicaen frbnumfteiecsolaris)

12 BaI1hes 1980 op cit 142 - 143 49 Deveacutese Jean Les vertus du virtuel cn Actes du Coiloque du SeacutemmuumlJ(c Eco[ Imoge Oral et Nouvelfes Techoologies Pares

13 BaI1ccs 1980 op Clt 100- 101 Denis Dlderot I 994

Barthes 1980 op cit 103 50 Pode-se referir a Abbadie H er oif irons-positif-negollf Paris Paris Audlovcsuel 1986 - esse hvro constJ ui uma das15 Barthes 1980 op cit I07 abordagens mais pencnentes sobre a fotografia - e aos

I Barthes 1980 op Cl t 103 Cohiers de lo Photogrophie n 6 1982 Les espaces photographiques le livre n 7 1982 Les espaces

17 Idem photographiques la galeie n 10 1983 Les contacts e n 19 1986 Cadres ormats

18 Barthes 1980 op cit 160 v tambeacutem 166

SI In Todorov T Quest-ce que le Structurolsme Paris Seuil19 Barthes 1980 op cit 107 1969

10 Barthes 1980 op cit 109 52 Soulages F Photographie art et sans art) in Photogrophes

Idem et photogrophieacutes qui ont modc(ieacute notre regord depuis 20 ons Paris Kodak 1995

12 Barthes 1980 op cit 11 0 53 Maillard C Ccedilo imoge Paris Argraphle 199 1

2l Barthes 1980 op (I( 142 54 Cf PholOlolies Paris Argraphie 1988

2lt Barthes 1980 op Clt 112 5S ldem 103 Ler sobre esse assunto o nOLaacutevel lcvro de Edmond

2 Barthes 1980 op cit 145 CouchoL Imoges De optcque ou numeacuterique Paris Hermes 1988

2 Barthes 1980 op cit 129 5 Soulages F Creacuteotion (photogrophlque) en Fronce Toulon

27 Barthes 1980 op ciacutet 120 Musee de Toulon 1988

28 Barthes 1980 op cit 126 57 Couchot E Meacutedias et immeacutedias in Allezaud R (org) Art

et commUncotion Paris OSlres 1986 102 29 Barthes 1980 op cit 129

58 Soulages F Les eacuteveacutenements de Gdles Caron in Les Cohiers de lo pholOgraphie n 10 Paris 1983

31 Soulages FranccedilolS op cit capiacutetulos 2 e 3

30 Barthes 1980 op Cl t 109

59 Nouvelle Photogrofie oncienne Paris Argraphle 1989 II Barthes 1980 op cil 165

60 Soulages F Phowgrophie et inconscienl Pa ns Osiris 1986 lJ Llmoge Preacutecaire Paris Seull 1987 primeira parte

Soulages F Mise en oeuvre et mise en art in Les Cohiers de Jlt Barthes 1980 op cit 166 lo photogrophie n I Pans 2deg Limestre 1985

lS Barthes 1980 op cit I 61 62 Soulages F Creacuteo(ion (photogrophique) en Fronce Toulon Museacutee de Toulon 1988

36 Barthes 1980 op cit I I 5 63 Idem

17 Barthes 1980 op Clt I8 I M Idem

l8 Barthes 1980 op cit 183 6S Idem

39 Eu creio porque eacute absurdo (Tertuliano)

Soulages F Loubh de Jorge Moldermiddot in Molder Jorge lt) Barthes 1980 op cit 180 Loubli Lausanne Museacutee de IElyseacutee 1986

11 Barthes 1980 op cit 120 6) Photololies Paris Argraphie 1988

2 Barthes 1980 op cit 154

43 Kierkegaard op Cic 2 parte 3 seccedilatildeo capitulo 11 1 paraacutegrafo I

44 Uacuteltimas frases de Lo chambre cloJ( op cit 183-4

15 Soulages F Ccedila eacuteteacute loueacute ou la photographie theacuteacirctralshyisante In Pour la photogrophie Sammeron Germs 1983

16 Bachelard G LoclIacuteviteacute rOlIacuteonoliste de la physique contemporoine Paris PUF 195 I 23

T E M Aacute TICA F RA NCcedil O I S SOU L A GES 163