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TENDÊNCIAS NA MÚSICA SINFÔNICA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL: EDINO KRIEGER, ALMEIDA PRADO E RONALDO MIRANDA por NIKOLAI ALMEIDA BRUCHER Dissertação submetida ao Programa de Pós - Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do título de mestre, sob a orientação da Profa. Dra. Carole Gubernikoff. RIO DE JANEIRO, 2007

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TENDÊNCIAS NA MÚSICA SINFÔNICA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL: EDINO KRIEGER, ALMEIDA PRADO E RONALDO MIRANDA

por

NIKOLAI ALMEIDA BRUCHER

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do título de mestre, sob a orientação da Profa. Dra. Carole Gubernikoff.

RIO DE JANEIRO, 2007

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Profa. Dra. Carole Gubernikoff pelo apoio, auxílio e

compreensão que me permitiram realizar a pesquisa seguindo meu próprio ritmo de trabalho;

Aos professores Carlos Alberto Figueiredo, José Wellington dos Santos e Marcos

Viera Lucas pela orientação informal e pelo estímulo para a realização da pesquisa e dos

trabalhos de composição; ao professor Rodrigo Cichelli Velloso pela participação na defesa

e pelos conselhos e idéias sugeridos nas conversas informais;

Ao colega e amigo Marcelo Greenhalgh Thys pelo fiel companheirismo e pela troca

de idéias;

À CAPES, cujo auxílio financeiro foi de grande importância para a realização deste

trabalho.

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BRUCHER, Nikolai A.: Tendências na música sinfônica contemporânea do Brasil: Edino Krieger, Almeida Prado e Ronaldo Miranda, 2007. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo investigar quais são as tendências presentes na música sinfônica contemporânea do Brasil. O estudo baseia-se na análise de três obras de diferentes autores, porém compostas para uma mesma ocasião, a comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil: Terra Brasilis de Edino Krieger, Oré-Jacytatá – Cartas Celestes No.8 de José Antônio de Almeida Prado e Sinfonia 2000 de Ronaldo Miranda. A análise focaliza três apectos principais – forma, harmonia e orquestração/textura – com o objetivo de determinar os diferentes estilos, linguagens musicais e técnicas composicionais empregados atualmente na música sinfônica brasileira. Palavras-chave: Música sinfônica brasileira – Edino Krieger – Almeida Prado – Ronaldo Miranda

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ABSTRACT

The purpose of this research is to investigate the tendencies found in contemporary brazilian symphonic music. The study is based on the analysis of three works by different composers, written for the same occasion, the celebration of the 500 years of the discovery of Brazil: Terra Brasilis by Edino Krieger, Oré-Jacytatá – Cartas Celestes No.8 by José Antonio de Almeida Prado and Sinfonia 2000 by Ronaldo Miranda. The analytical process focuses on three main aspects – form, harmony and orchestration/texture – aiming to determine the different styles, musical languages and compositional techniques employed in today’s brazilian symphonic music. Keywords: Brazilian symphonic music – Edino Krieger – Almeida Prado – Ronaldo Miranda

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SUMÁRIO Página

Lista de Exemplos musicais..............................................................................viii

1. Introdução.......................................................................................................1 1.1.Revisão da literatura existente sobre os compositores e sua obra

2. A Encomenda.................................................................................................8

3. Edino Krieger: Terra Brasilis.......................................................................10 3.1.O compositor Edino Krieger 3.2.A obra Terra Brasilis 3.2.1. “A natureza e os povos da floresta” 3.2.2. “A viagem” 3.2.3. “O encontro”

4. Almeida Prado: Oré-Jacytatá – Cartas Celestes No.8.................................43 4.1.O compositor Almeida Prado 4.2.As Cartas Celestes 4.3.A obra Oré-Jacytatá – Cartas Celestes No.8 4.3.1. “Prelúdio”: O esplendoroso céu visto de Porto Seguro – 1500 Anno Domini 4.3.2. “Toccata Estelar” – Via Láctea 4.3.3. “Interlúdio I” – As saudades na noite tropical 4.3.4. “As estrelas e constelações da bandeira brasileira” 4.3.5. “Interlúdio II” – A magia da noite tropical 4.3.6. “Scherzo Ígneo” – Constelação de Escorpião 4.3.7. “Posludio” – O Sol do Terceiro Milênio – 2000 Anno Domini

5. Ronaldo Miranda: Sinfonia 2000.................................................................86 5.1.O compositor Ronaldo Miranda 5.2.A obra Sinfonia 2000 5.2.1. “Solene e Lírico 5.2.2. “Lúdico” 5.2.3. “Tema e variações”

6. Conclusões.................................................................................................121 6.1. Forma 6.2. Harmonia

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6.3. Orquestração e Textura 6.4. Considerações finais

7. Referências bibliográficas............................................................................129

8. Anexos..........................................................................................................132 8.1. Partitura de Terra Brasilis de Edino Krieger 8.2. Partitura de Oré-Jacytatá – Cartas Celestes No.8 de Almeida Prado 8.3. Partitura da Sinfonia 2000 de Ronaldo Miranda 8.4. Portfolio de composições concluídas ao longo do curso de mestrado 8.5. Programa do Recital de Conclusão de Mestrado em Composição

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LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS

3. Edino Krieger: Terra Brasilis

Exemplo 1: Elementos da seção A1 (c.13, 22 e 23) Exemplo 2: “Motivo das águas” em Canticum Naturale (II, c.3) e Terra Brasilis (c.34) Exemplo 3: Elementos indígenas no 1º movimento (c.44-49, 53-57 e 61-67) Exemplo 4: Redução harmônica do 1º movimento Exemplo 5: Motivo conquistador (c.94-95) Exemplo 6: Tema dos viajantes (c.102-106) Exemplo 7: Movimento das ondas em Rimsky-Korsakov (I, c.18) e Krieger (c.120-121) Exemplo 8: Melodia dos sonhos (c.130-145) Exemplo 9: Ostinato da tempestade (c.161) e versão invertida nas madeiras (c.164) Exemplo 10: Acordes dos metais na seção da tempestade (c.166) Exemplo 11: superposição de tríades gerando um poliacorde (c.205) Exemplo 12: Redução harmônica do 2º movimento Exemplo 13: Canto gregoriano da seção 1 (c.216-225) Exemplo 14: Melodia ibérica da seção 2 (c.237-245) Exemplo 15: 1ª Melodia de candomblé na seção 3 (c.256-263) Exemplo 16: 2ª Melodia de candomblé na seção 3 (c.271-276) Exemplo 17: Tema das danças gaúchas na seção 4 (c.291-306) Exemplo 18: Melodia da seresta na seção 5 (c.321-340) Exemplo 19: Melodia do maracatu na subseção 6a (c.370-372) Exemplo 20: Melodia do chorinho na subseção 6b (c.376-378) Exemplo 21: Redução harmônica do 3º movimento

4. Almeida Prado: Oré-Jacytatá – Cartas Celestes No.8

Exemplo 22: A melodia recorrente da “Toccata” em suas três versões Exemplo 23: Variação das tensões sobre uma fundamental constante (c.66-73) Exemplo 24: Acorde com ressonância inferior (c.93) Exemplo 25: Redução Harmônica da Toccata Exemplo 26: Entradas sucessivas formando desenho em escada (c.53-54) Exemplo 27: Glissando duplo de vibrafone (c.79) Exemplo 28: Textura com superposição de diferentes ostinatos nas cordas (c.105-107) Exemplo 29: Textura gerada por movimentos escalares das cordas (c.130-132) Exemplo 30: Textura com diversos efeitos nas cordas (c.145-146) Exemplo 31: Melodia do Interlúdio I Exemplo 32: Redução Harmônica do Interlúdio I (c.166-190) Exemplo 33: Condução de vozes na textura das cordas no “Interlúdio I” (c.166-170) Exemplo 34: O bloco harmônico á em Procyon e Alphard (c.204-207)

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Exemplo 35: O bloco harmônico ã em Cão Maior (c.208-215) Exemplo 36: Os blocos harmônicos â, ä e å em Sirius (c.219-226) Exemplo 37: O bloco harmônico á em Canupus (c.227-228) Exemplo 38: Os blocos harmônicos á, â, ã, ä e å em Cruzeiro do Sul (c.229-268) Exemplo 39: O bloco harmônico ó em Sigma do Oitante (c.269-278) Exemplo 40: Os blocos harmônicos ã, á e â em Triângulo Austral (c.284-286) Exemplo 41: Encadeamento final em Nebulosa Planetária NGC 3242 (c.290-300) Exemplo 42: Entradas em leque nas cordas (c.229-231) Exemplo 43: Textura da percussão em Sigma do Oitante (c.269-271) Exemplo 44: redução harmônica do Interlúdio II Exemplo 45: Motivo rítmico do Scherzo (c.327-331) Exemplo 46: Contraponto dos violoncelos no Scherzo (c.334-339) Exemplo 47: Fanfarras dos metais no Scherzo (c.356-366) Exemplo 49: O bloco harmônico é no Scherzo (c.334-343) Exemplo 50: Os blocos harmônicos è, ì, ê, ë e å no Scherzo (c.344-370) Exemplo 51: Acorde final da Coda do Scherzo (c.386) Exemplo 52: Os blocos harmônicos ã e á na transição para o “Posludio” (c.389-396) Exemplo 53: Textura com superposição de ostinatos nas cordas (c.334-336) Exemplo 54: Poliacordes nas madeiras (c.405-408)

5. Ronaldo Miranda: Sinfonia 2000

Exemplo 55: O Tema I (I,c.13-25) Exemplo 56: Material temático da transição (I, c.33-40) Exemplo 57: O Tema II (I, c.49-59) Exemplo 58: Variante do Tema I no desenvolvimento (I, c.81-85) Exemplo 59: Fragmento melódico do desenvolvimento derivado do Tema II (I, c.106-108) Exemplo 60: Estruturas harmônicas da introdução Exemplo 61: Harmonização com 2as acrescentadas levando ao Tema I (I, c.80-81) Exemplo 62: Redução harmônica do 1º movimento Exemplo 63: Material temático da parte A do 2º movimento (II, c.1-4) Exemplo 64: Fugato dos metais na introdução da parte B (II, c.27-30) Exemplo 65: Rítmica de caráter afro-brasileiro na seção B1 (II, c.38-39) Exemplo 66: Motivo dos metais na subseção B2 (II, c.72) Exemplo 67: Redução harmônica do 2º movimento Exemplo 68: Textura da percussão sugerindo ritmos afro-brasileiros (II, c.38-39) Exemplo 69: Célula rítmico-melódica na introdução ao tema (III, c.1) Exemplo 70: O tema das variações (III, c.19-26) Exemplo 71: Textura polifônica das cordas na introdução (III, c.1-10) Exemplo 72: Redução harmônica da seção de apresentação do tema Exemplo 73: Variante da célula da introdução na Variação I (III, c.57-60) Exemplo 74: Redução harmônica da Variação I Exemplo 75: Material melódico da Variação II (III, c.95-98) Exemplo 76: Variante simplificada do tema original na Variação II (III, c.126-129) Exemplo 77: Acorde superpondo duas tríades aumentadas na Variação II (III< c.95-96) Exemplo 78: Redução harmônica da Variação II Exemplo 79: ostinato rítmico da Variação III (III, c.158-159)

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Exemplo 80: Variante do tema original na Variação III (III, c.175-176) Exemplo 81: Redução harmônica da Variação III Exemplo 82: Tema da Variação IV (III, c.210-214) Exemplo 83: Textura polifônica a cinco vozes na Variação IV (III, c.219-223) Exemplo 84: Redução harmônica da Variação IV Exemplo 85: O sujeito da fuga na Variação V (III, c.239-241) Exemplo 86: Variante do tema original ao final da Variação V (III, c.263-265) Exemplo 87: Citação do Hino à Bandeira na coda do 3º movimento (III, c.267-269) Exemplo 88: Redução harmônica da Variação V

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1. Introdução A música sinfônica ocupa, pelo menos desde o século XIX no qual sua produção se

intensificou, um lugar de destaque na história da música: ela é a preferida do grande público

e ainda representa a realização máxima para muitos compositores. Também ao longo do

século XX, apesar das dificuldades financeiras de manutenção de uma orquestra e do custo

de produção de uma obra sinfônica, a atividade criativa dos compositores em torno deste

gênero continuou intensa e permanece até hoje. Entendemos por música sinfônica, no âmbito

deste projeto, obras escritas para conjuntos orquestrais utilizando-se, necessariamente, de

todos os naipes de uma orquestra (madeiras, metais, percussão e cordas) ao todo ou em parte

e podendo ou não empregar instrumentos solistas.

No Brasil, a produção sinfônica começou por volta da metade do século XIX e uma

consulta ao Catálogo geral de música brasileira para orquestra (Ripper, 1988) publicado pela

FUNARTE, oferece um panorama do enorme volume desta produção durante os séculos XIX

e XX. Desde os compositores românticos como Leopoldo Miguéz, Henrique Oswald e

Alberto Nepomuceno, passando por Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone, Guerra-Peixe,

Cláudio Santoro e Camargo Guarnieri, até os dias de hoje com Edino Krieger, Almeida Prado

e Ronaldo Miranda a produção de obras para orquestra tem sido bastante grande e contínua e

merece um estudo aprofundado.

Na condição de compositor atuante no cenário musical contemporâneo do Brasil,

nosso interesse recaiu naturalmente sobre a produção sinfônica de nosso tempo. Assim, o

objetivo principal desta pesquisa é realizar um estudo que procura determinar algumas das

principais tendências da escrita sinfônica na música contemporânea brasileira e, dessa forma,

oferecer um panorama das técnicas de composição mais atuais neste gênero.

Naturalmente, o grande número de compositores brasileiros envolvidos atualmente na

criação de música sinfônica implica numa multiplicidade de estilos e linguagens que vai

muito além das possibilidades desta pesquisa. Sendo necessário limitar o número de obras e

compositores a serem levados em consideração, o projeto “Sinfonia Brasil 500 anos”

apresenta-se como um ponto de partida apropriado para iniciar um estudo sobre a música

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sinfônica brasileira atual. Através desta iniciativa do governo federal, cinco compositores

brasileiros de reconhecida projeção nacional foram convidados a escrever obras sinfônicas

para uma mesma ocasião. Devido às limitações impostas pela pesquisa, optamos por reduzir

para três o número de obras a ser abordado por nós, justificando esta escolha pelos nossos

interesses e objetivos de pesquisa.

Através das análises de Terra Brasilis de Edino Krieger, de Oré-Jacytatá de Almeida

Prado e da Sinfonia 2000 de Ronaldo Miranda, procuramos determinar algumas das

principais tendências da composição sinfônica atual e, dessa forma, gerar também uma fonte

de estudos sobre as técnicas e linguagens composicionais empregadas na musica

contemporânea brasileira.

Voltando-nos para a organização deste trabalho, observamos que o segundo capítulo

consiste numa exposição dos fatos relacionados à encomenda do Ministério da Cultura que

originou a composição das obras abordadas.

Os capítulos 3, 4 e 5 representam o centro da pesquisa e são dedicados às análises

individuais das três obras selecionadas, utilizando-nos, para tanto, também da gravação do

Maestro Silvio Barbato a frente da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília.

O trabalho analítico em torno das obras é antecedido por um breve estudo sobre os

respectivos compositores e um comentário sobre sua produção sinfônica. Utilizando-nos da

literatura já existente colhemos dados a respeito da formação e trajetória assim como sobre as

preferências e características da linguagem musical de cada um, informações que são

utilizadas nas etapas subseqüentes da pesquisa. Uma breve revisão bibliográfica do material

levantado por nós é acrescentada ao final desta introdução. Outros esclarecimentos e

informações foram, quando necessário, obtidos pessoalmente junto aos compositores.

Na análise das partituras empregamos uma metodologia que enfatiza, separadamente,

três aspectos principais: (1) aspectos formais, (2) aspectos harmônico- intervalares e (3)

aspectos texturais, timbrísticos e de orquestração.

Ao considerarmos o aspecto formal e estrutural das obras, as principais questões

serão: (1) como os compositores articulam estruturalmente o discurso sinfônico nestas obras

com durações que giram em torno de 20 minutos; (2) quais são as formas musicais

empregadas e (3) se tradicional, como é a manipulação contemporânea da forma.

Ao focalizarmos os aspectos harmônico- intervalares, seremos guiados pelas

perguntas: (1) quais são os tipos de organização harmônica utilizados; (2) a harmonia tem

função estrutural ou apenas acompanha um discurso dirigido por outros parâmetros e (3) que

tipos de escalas e/ou modalismos são empregados.

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Ao observarmos o uso dos instrumentos, do conjunto orquestral e os aspectos

texturais, as questões serão: (1) como se caracteriza a orquestração de cada compositor; (2)

quais são os recursos instrumentais empregados; (3) quais são as características principais da

textura orquestral e (4) qual é a importância dos aspectos texturais para o desenvolvimento

musical.

Nas conclusões realizamos uma análise comparativa que, através da contraposição

dos resultados obtidos nos capítulos anteriores, permite-nos determinar algumas das

principais tendências da composição sinfônica contemporânea no Brasil e oferecer uma

amostra das possibilidades de escrita orquestral que estão abertas aos compositores de hoje.

Os anexos contêm as partituras das três obras abordadas, todas reproduzidas a partir

das edições realizadas pela Academia Brasileira de Música, e um portfolio das composições

concluídas por nós ao longo do curso de mestrado.

1.1. Revisão da literatura existente sobre os compositores e sua obra

Edino Krieger pertence à geração mais antiga de compositores atuantes e já teve

alguns estudos dedicados a sua obra. O Centro Cultural São Paulo publicou recentemente um

catálogo de obras que inclui também uma primeira parte reservada aos dados biográficos do

compositor (Coelho, 2006).

Bastante importante é o trabalho que Ermelinda Paz desenvolveu entre 1999 e 2001,

junto à UFRJ, numa intensa pesquisa intitulada Edino Krieger: o compositor, o crítico e o

produtor musical. Os resultados foram apresentados no 1o (1999) e 2o (2000) Colóquios de

Pesquisa da Escola de Música da UFRJ, reproduzidos nos anais destes congressos e em artigo

publicado na Revista da Academia Nacional de Música, vol.XIII. Na Rádio MEC, a autora

também apresentou, em novembro de 2002, quatro programas dedicados à trajetória do

compositor. Além de estudar as suas contribuições como crítico e produtor musical, a

pesquisa dedica-se a investigação da importância de Edino Krieger, enquanto compositor,

para a música brasileira.

Voltando-nos para os estudos dedicados especificamente à obra do compositor,

Salomea Gandelman e Ingrid Barancoski (1999) publicaram, na revista Debates vol.3, um

artigo intitulado Edino Krieger – obras para piano, em que procuram examinar a sua

produção pianística em seus aspectos melódico, rítmico, textural, formal, estético e

pianístico, estabelecendo elos e contrastes entre os diferentes períodos estilísticos do

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compositor. O objetivo principal é estabelecer a posição e contribuição de Edino Krieger no

desenvolvimento da literatura pianística brasileira contemporânea.

O mesmo periódico contém também o estudo de Ricardo Tacuchian (1999), Uma

Triologia Sinfônica, que é de grande importância para nossa pesquisa, pois aborda, numa

análise comparativa, três obras sinfônicas de Edino Krieger escritas entre 1965 e 1975: Ludus

Symphonicus, Canticum Naturale e Estro Armonico. O objetivo é estabelecer, a partir de

uma breve análise de cada obra, a afinidade de processos composicionais tradicionais e a

música de avant-garde.

Um estudo mais aprofundado de uma obra do compositor acontece na dissertação de

José Wellington dos Santos (2001): A Sonata para piano No.1 de Edino Krieger. Aqui, com

o objetivo de encontrar uma interpretação adequada à obra, o autor realiza uma análise

detalhada de cada movimento, enfocando aspectos formais e estruturais, procurando

familiarizar-se com o idioma e a estética do compositor. Algumas sugestões interpretativas

são feitas a partir da comparação da obra original para piano com a versão posterior para

orquestra de cordas.

Entre os compositores brasileiros atuantes, Almeida Prado é possivelmente o que teve

o maior número de pesquisas dedicadas a sua obra nos últimos anos. Sobressaem neste

montante os estudos relacionados à sua extensa e contínua produção de obras para piano, mas

há também trabalhos que reservam grande parte à investigação de suas técnicas de

composição.

Em primeiro lugar devemos citar a tese de doutorado do próprio compositor (1986),

Cartas Celestes: uma uranografia sonora geradora de novos processos composicionais. O

trabalho enfoca os processos composicionais empregados na criação desta série de obras e é

de grande importância para nossa pesquisa, uma vez que a obra Oré-Jacytatá também integra

esta série. Vale lembrar, contudo, que esta obra foi composta muitos anos após a conclusão

da tese e certamente apresenta vários outros elementos originários da evolução do

compositor.

O artigo de Salomea Gandelman, A obra para piano de Almeida Prado, publicado na

Revista Brasileira de Música em 1991, aborda, embora não de maneira aprofundada, as mais

importantes obras para piano do compositor, analisando de maneira sucinta as principais

características de sua linguagem pianística.

Restringindo sua pesquisa às sonatas para piano do compositor, Ingrid Barancoski

(2000) publicou, nos anais do 1o Seminário Nacional de Pesquisa em Performance Musical,

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um trabalho investigando a existência de elementos programáticos na composição destas

obras.

A dissertação de Hideraldo Luiz Grosso (1997) sobre os Prelúdios para piano de

Almeida Prado, além de realizar uma análise dos aspectos técnico-composicionais de

construção do discurso musical nestas peças, inclui uma entrevista realizada junto ao

compositor que contém várias declarações deste em relação à sua trajetória e aos seus

processos criativos.

No Colóquio de Pós-Graduação na UNIRIO de 1999 foram apresentados trabalhos

sobre as sonatas 9 e 10, respectivamente por José Wellington dos Santos e Robervaldo

Linhares Rosa. Os estudos, posteriormente publicados nos Cadernos de Colóquio 1999,

abordam sobretudo a questão interpretativa nas duas obras – também gravadas pelos dois

pianistas no CD O Som de Almeida Prado – mas também levam em conta aspectos

estruturais e composicionais.

A dissertação de Ana Claudia Assis (1997), O timbre em “Ilhas e Savanas” de

Almeida Prado, focaliza aspectos tímbricos e texturais na obra para piano do compositor e

busca fazer uma descrição da evolução de sua escrita pianística. Já a dissertação de Sérgio

Monteiro (2000), Rios de Almeida Prado, direciona-se para uma contribuição à interpretação

desta obra.

Um intensivo trabalho de análise musical compõe a dissertação de Adriana Lopes da

Cunha Moreira (2002), A Poética nos 16 Poesilúdios para piano de Almeida Prado. Aqui, a

autora explora aspectos relacionados a tempo, dinâmica, timbre, textura e estrutura além de

complementar o estudo com uma gravação das obras. A pesquisa inclui ainda um

levantamento de dados biográficos do compositor e uma entrevista com Almeida Prado. Na

conclusão, a autora identifica elementos unificadores das peças e elabora considerações sobre

a estrutura da obra.

O artigo Estratégias de articulação formal nos “Momentos” de Almeida Prado de

Didier Guigue e Fabiola de Oliveira Pinheiro (2002), toma os Momentos para piano do

compositor como um testemunho privilegiado de sua estética e técnica composicional, uma

vez que esta série foi composta durante considerável parte de sua trajetória artística. O texto

aborda diversos dos elementos que constituem a linguagem do compositor, como o

transtonalismo, o uso das ressonâncias, o metaserialismo, o emprego de blocos sonoros e

outros, além de uma breve análise do Momento No.1. Esta série de peças é também o objeto

da dissertação de Régis Gomide Costa (1999), que procura levantar fundamentos para a sua

interpretação.

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Um artigo de Carole Gubernikoff (1999), publicado na Revista Debates vol.1, traça

um paralelo entre Almeida Prado e o compositor francês Tristan Murail, investigando até que

ponto o espectralismo, procedimento composicional empregado por este último compositor,

influenciou a linguagem do músico brasileiro. Em outro artigo, publicado na Revista Música

de São Paulo, a mesma autora (1998) realiza um estudo sobre a Missa de São Nicolau de

Almeida Prado. Além de o texto conter comentários acerca da orquestração e da linguagem

harmônica, os movimentos da obra são analisados individualmente observando aspectos

formais, rítmicos e estruturais.

A tese de Carlos Fernando Fiorini (2004) sobre a Sinfonia dos Orixás – uma obra

sinfônica de Almeida Prado – tem por objetivo realizar um estudo sobre a interpretação da

peça e uma nova edição, crítica e revisada. Inicialmente a obra é contextualizada dentro da

produção do compositor e no terceiro capítulo são abordados os processos de composição,

com ênfase na utilização da orquestra e estruturação musical, a qual engloba a linguagem e o

desenvolvimento temático.

Possivelmente por ser o mais jovem dos três compositores escolhidos, o número de

pesquisas realizado em torno da obra de Ronaldo Miranda ainda não é muito grande. Os

estudos analíticos feitos até o momento sobre suas obras direcionam-se sobretudo à música

de câmara e para piano solo.

Joel Luis Barbosa (1998) apresentou, no XI Encontro Anual da ANPPOM, um breve

estudo sobre Lúdica I, para clarineta solo. A análise focaliza os aspectos de forma e

estruturação da linha melódica.

As peças para piano do compositor formam o objeto de pesquisa da dissertação de

Consuelo Caporali Soares (2001): A obra para piano solo de Ronaldo Miranda. O estudo

focaliza quatro obras – Suíte No.3; Prólogo, Discurso e Reflexão; Tocata e Estrela Brilhante

– buscando analisar cada uma com o intuito de levantar os procedimentos composicionais do

compositor e, feito este levantamento, propor orientações para a interpretação das obras. O

trabalho também aborda aspectos biográficos e estéticos relativos ao compositor com o

objetivo de oferecer ao intérprete subsídios para a familiarização com o pensamento musical

de Ronaldo Miranda.

A obra Estrela Brilhante é também o objeto de estudo da dissertação de Harlei Elbert

Raymundo (1991), mas embora seja feita uma análise detalhada desta obra, aqui a discussão

proposta orienta-se mais para os aspectos interpretativos do que para elementos estruturais da

composição.

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Na dissertação de mestrado (1987) do próprio Ronaldo Miranda, O aproveitamento

das formas tradicionais em linguagem contemporânea na composição de um concerto para

piano e orquestra, o objetivo do autor é separar os conceitos de forma e linguagem,

procurando comprovar que, na prática da composição, a utilização de uma estrutura formal

tradicional pode conviver com a linguagem musical do compositor contemporâneo. As

informações contidas nestas conclusões são importantes para nossas análises de forma e

linguagem musical da Sinfonia 2000, pois oferecem de antemão alguns dos conceitos

musicais do compositor formulados por ele mesmo no contexto da composição de uma obra

sinfônica, o Concerto para piano e orquestra.

Na sua tese de doutorado (1997), Dom Casmurro, uma ópera: a música no processo

de teatralização do romance machadiano, Ronaldo Miranda propõe, a partir de sua ópera

Dom Casmurro, uma análise dos procedimentos musicais adotados para a dramatização do

romance. Este trabalho, além de incluir uma revisão histórica sobre a ópera no Brasil e um

estudo sobre o canto em português, focaliza mais o processo de musicalização de um texto

dramático do que os elementos de linguagem musical propriamente ditos. Contudo, tratar-se

de uma fonte relevante que fornece informações importantes a respeito do pensamento

musical do compositor.

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2. A Encomenda

Em 1999, por ocasião das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil

que aconteceriam no ano seguinte, o Ministério da Cultura teve a iniciativa de encomendar a

cinco compositores brasileiros novas obras para orquestra – sinfonias comemorativas – que

marcassem esta celebração. Segundo Francisco Weffort, então ministro da cultura, a idéia foi

a de “comissionar um grupo de compositores para que, com toda liberdade de criação,

apresentassem ao ministério da cultura cinco sinfonias alusivas aos 500 anos de nossa pátria”

(Weffort, 2001, p.4). Os compositores estavam, portanto, livres quanto a escolha de estilo e

conteúdo, mas deveriam apresentar uma obra sinfônica com duração inicialmente estipulada

em 30 a 40 minutos até o prazo final de 31 de dezembro de 1999.

A escolha dos compositores ficou a cargo de uma comissão composta por sete

maestros – Isaac Karabtchevsky, Sílvio Barbato, Norton Morozowicz, Osman Giuseppe

Gioia, Diogo Pacheco, Benito Juarez e Tiago Flores – que, originalmente, deveriam indicar

quatro nomes. A decisão final foi divulgada no dia 21 de julho após intensas negociações

para driblar um imprevisto de última hora: na votação final houve um empate. A Secretaria

de Música e Artes Cênicas do Ministério da Cultura, então chefiada por Joatan Vilela Berber,

decidiu esticar em mais R$ 30 mil o orçamento inicial de R$ 120 mil do projeto para pagar a

quinta obra. Os nomes selecionados foram os de Edino Krieger, José Antônio de Almeida

Prado, Ronaldo Miranda, Egberto Gismonti e Jorge Antunes.

Esta escolha demonstra uma intenção de buscar diversidade, uma vez que os cinco

compositores – todos com amplo reconhecimento no cenário musical brasileiro

contemporâneo – têm estilos e linguagens bastante diferentes. A respeito desta seleção,

Weffort afirmou que outros compositores brasileiros poderiam estar nesta lista, mas que a

qualidade dos cinco nomes apresentados, a diversidade de estilos e propostas musicais,

garantiam a representatividade esperada pelo ministério (Weffort, 2001, p.5). O maestro

Silvio Barbato, em entrevista ao Jornal do Brasil, declarou que “os escolhidos representam a

gama de tendências estéticas multiculturais” e que, basicamente, a escolha incluía “um

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representante de cada escola” (Vasconcellos, 1999). O selecionado Egberto Gismonti

complementou dizendo que “a seleção reúne tendências absolutamente opostas que

correspondem à variedade da música brasileira” (Vasconcellos, 1999) e na opinião de Edino

Krieger, “as cinco sinfonias dão um perfil apropriado da diversidade das linguagens e

temáticas da música brasileira contemporânea” (Henrique, 2001).

As cinco obras sinfônicas resultantes da encomenda foram Terra Brasilis de Edino

Krieger, Oré-Jacytatá – Cartas celestes No.8 de Almeida Prado, Sinfonia 2000 de Ronaldo

Miranda, Mestiço & Caboclo de Egberto Gismonti e a Sinfonia em cinco movimentos de

Jorge Antunes, esta última requerendo também tenor solista e coro.

Os grupos Pão de Açúcar e TAM apoiaram financeiramente o projeto através da lei de

incentivo à cultura e foi programada a estréia das cinco obras durante a cerimônia oficial de

comemoração dos 500 anos em Porto Seguro. No entanto, ao chegar esta data, o dia 22 de

abril de 2000, e por motivos não divulgados, apenas a peça de Edino Krieger foi apresentada

pela Orquestra Sinfônica da Bahia regida por Henrique Morelenbaum. As obras estavam

ainda programadas para concertos posteriores em Salvador, Brasília, São Paulo, Rio de

Janeiro e Porto Alegre. O patrocínio permitiu também a gravação das obras em um CD não-

comercial i ntitulado Sinfonia Brasil 500 anos. A interpretação coube à Orquestra Sinfônica

do Teatro Nacional regida por Sílvio Barbato e com a participação dos solistas Maria

Constança de Almeida Prado (violino) e Ricardo Tuttman (tenor) além do Coro Lírico. O

concerto de lançamento do CD ocorreu em Brasília no dia 10 de abril de 2001 com os

mesmos intérpretes.

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3. Edino Krieger: Terra Brasilis 3.1. O compositor Edino Krieger

Natural de Brusque em Santa Catarina, Edino Krieger1 (1928) nasceu numa família de

músicos. Os primeiros estudos musicais foram feitos ao violino com o seu pai, o violinista,

regente e compositor Aldo Krieger. Em 1943, após ganhar uma bolsa do governador do

estado por seus méritos como violinista, o jovem foi perseguir seus estudos no Rio de

Janeiro. Inicialmente ingressou no Conservatório Brasileiro de Música mas logo travou

contato com Hans Joachim Koellreutter que teve grande influência no direcionamento dos

seus interesses para a composição. Durante cinco anos estudou harmonia, contraponto e fuga

com este mestre, numa turma que incluía ainda Cláudio Santoro e César Guerra-Peixe, entre

outros.

Em 1948, por intermédio de Aaron Copland, obteve outra bolsa, desta vez levando-o

aos Estados Unidos. Passou então alguns meses estudando principalmente orquestração com

este compositor americano no Berkshire Music Center, em Massachusetts. Lá teve também a

oportunidade de freqüentar aulas de composição ministradas por Darius Milhaud e palestras

de Leonard Bernstein. Depois seguiu para Nova Iorque, onde estudou composição com Peter

Mennin e violino com William Nowinski na Julliard School. Em 1952, já de volta ao Brasil,

freqüentou o curso de férias ministrado pelo compositor Ernst Krenek em Teresópolis.

Pouco mais tarde, em 1956, com bolsa do Conselho Britânico, seguiu para Londres, onde

realizou novos estudos em composição com Lennox Berkley.

Fixando-se definitivamente no Rio de Janeiro, Edino Krieger passou a desenvolver,

paralelamente aos seus trabalhos de composição, as atividades de produtor e crítico musical.

Nesta última posição atuou na Tribuna da Imprensa e no Jornal do Brasil, incentivando os

1 As informações sobre o compositor foram retiradas das seguintes fontes:

1. MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 2. PAZ, Ermelinda Azevedo. Edino Krieger: o compositor, o crítico musical e o produtor musical. Revista

da Academia Nacional de Música, Rio de Janeiro, Vol.XIII, p.181-190, 2002. 3. COELHO, Francisco Carlos (coord.). Música Contemporânea Brasileira: Edino Krieger. Centro

Cultural São Paulo. Discoteca Oneyda Alvarenga, 2006.

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novos talentos, apontando o conservadorismo do ensino de música nas universidades e

conservatórios e destacando a falta de um plano governamental para estímulo e divulgação da

criação musical erudita brasileira.

Como produtor musical, Edino Krieger vem atuando como grande incentivador da

produção musical nacional. Começando com os Concursos Corais do Jornal do Brasil, para

os quais eram encomendadas peças de confronto, este incentivo ampliou-se, em 69 e 70 com

a realização dos Festivais da Guanabara, que projetaram novos talentos como Almeida Prado,

Marlos Nobre e outros. Em 1975 participou da criação da 1ª Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, evento que até hoje, em sua 16ª edição, continua projetando novos

compositores e abrindo espaço para a criação musical contemporânea. Nas Rádios MEC e

Jornal do Brasil, Krieger atuou como organizador de diversos programas educativos e de

música contemporânea. Na direção de instituições como a FUNTERJ e a FUNARTE,

dedicou-se à conservação do patrimônio musical brasileiro e à ampliação de espaços para os

jovens talentos, sejam eles intérpretes, regentes, educadores ou compositores.

Aos 78 anos, o compositor continua ativo nesta área. Mais recentemente esteve a

frente do Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro e presidiu a Academia Brasileira de

Música, onde incentivou o desenvolvimento do Banco de Partituras e, juntamente com a

Orquestra Petrobrás Sinfônica, criou o Concurso de Composição Cláudio Santoro, cuja

primeira edição realizou-se em 2005. Em julho de 2006, na qualidade de compositor

residente, ministrou o curso de composição no 37º Festival Internacional de Inverno de

Campos do Jordão, para o qual compôs também a obra Ritmetrias – Variações rítmicas sobre

um metro contínuo estreada em 28 de Julho pela Orquestra Acadêmica do Festival sob a

regência de Roberto Minczuk.

A musicóloga Ermelinda Paz, que desenvolve extenso trabalho de pesquisa sobre

Edino Krieger, classifica a produção do compositor em três fases importantes (Paz, 2002,

p.183). A primeira, de 1945 a 1952, caracteriza-se pelo experimentalismo e universalismo, o

contato com Koellreutter e a técnica serial. Contudo, com a exceção dos primeiros trabalhos,

esta técnica não era empregada de maneira dogmática. Outra influência, já constatada por

José Maria Neves (Neves, 1981, p.105), foi a do impressionismo. Entre as obras mais

importantes desta fase citamos o Trio 1945 para sopros – condecorado com o Prêmio Música

Viva – e o Improviso para flauta.

A segunda fase, de 1953 a 1965, começa após a conclusão dos estudos com Copland,

Milhaud, Mennin e Krenek, compositores de tendências neoclássicas. O serialismo é então

abandonado em favor deste estilo, com a predominância de formas tradicionais e linguagem

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nacionalista, combinando livremente tonalismo e modalismo. Obras que se destacam aqui

são a Sonata No.1 para piano, retrabalhada como Divertimento para Cordas que recebeu o 1º

Prêmio do Concurso Nacional de Composição do MEC; Concertante para piano e orquestra;

Quarteto de cordas No.1 e Suíte para Cordas.

A terceira fase, de 1965 até hoje, caracteriza-se inicialmente por um retorno a alguns

princípios do serialismo, agora com o objetivo de combiná- los livremente com as conquistas

do neoclassicismo nacionalista, como se fosse uma síntese das duas fases anteriores. O

compositor “retoma o caminho abandonado do dodecafonismo e do serialismo, sempre

dentro do mesmo critério de independência com relação à ortodoxia e à literalidade dos

princípios técnicos” (Neves, 1981, p.178) . Isto ocorre em obras como as Variações

Elementares para orquestra de câmara e Ludus Symphonicus para orquestra. A partir de

então, o compositor não se preocupa mais em privilegiar uma determinada técnica de

composição, elementos de vanguarda e da tradição são usados lado a lado de acordo com as

intenções do compositor, freqüentemente dentro de uma mesma obra. Peças importantes

desta fase são Canticum Naturale, Estro Armônico, Três Imagens de Nova Friburgo para

cravo e cordas e o Concerto para dois violões. Na produção mais recente, dos últimos dez

anos, reconhecemos, em obras como Te Deum Puerorum Brasiliae, Terra Brasilis e

Ritmetrias, uma presença forte de elementos nacionalistas, sugerindo possivelmente a

existência de uma 4ª fase estilística, onde tais elementos voltam a ter um peso maior.

A produção sinfônica de Krieger é considerável, sendo a grande maioria das obras

compostas para atender a encomendas de diversas instituições, orquestras e festivais. Na

primeira fase há as obras de juventude: Movimento Misto (1947) e Contrastes (1949). A

Abertura Brasileira (1955), composta em Londres e recentemente gravada por Norton

Morozowicz, e Concertante para piano e orquestra (1955) pertencem à fase nacionalista.

Já na terceira fase, Ludus Symphonicus (1965) foi encomendada pelo Instituto

Nacional de Cultura e Belas Artes da Venezuela e estreada no III Festival de Música de

Caracas. Canticum Naturale (1972), com participação opcional de soprano solista, evoca

cantos de pássaros e ruídos ambientais da Amazônia e foi composta a pedido da Orquestra

Filarmônica de São Paulo. À década de 70 pertencem ainda a Toccata para piano e

orquestra (1973) e o Estro Armônico (1975) para orquestra reduzida, encomenda do VIII

Festival de Música do Paraná. A Passacaglia para o novo Milênio (1999) foi composta a

pedido da Orquestra Sinfônica de São Paulo e em seguida editada pela mesma instituição. As

obras sinfônicas mais recentes são Fanfarras Modulares (2005), encomendada por João

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Guilherme Ripper para a comemoração dos 40 anos da Sala Cecília Meirelles no Rio de

Janeiro, e Ritmetrias (2006), composta para o 37º Festival de Inverno de Campos de Jordão.

Nestas últimas obras, assim como em Terra Brasilis, encontramos a presença de

elementos nacionalistas misturados às técnicas de vanguarda, demonstrando que para Edino

Krieger,

“cada elemento técnico novo é um acréscimo e um enriquecimento dos recursos tradicionais, e o compromisso exclusivo com a técnica representa uma limitação. [...] Tudo isto estará refletido em suas obras, nas quais o experimentalismo se equilibra com a clareza formal quase neoclássica e com a espontaneidade direta do compositor” (Neves, 1981, p.179).

3.2. A Obra Terra Brasilis

Atendendo à encomenda do Ministério da Cultura, Edino Krieger compôs, entre

agosto e novembro de 1999, a obra Terra Brasilis. O próprio autor descreve que nesta

composição imaginou

“sintetizar, num grande painel orquestral em três movimentos, os sons que povoam o território geográfico e cultural do Brasil desde antes do Descobrimento até o presente, com seu amálgama de culturas musicais aqui aportadas ao longo desses 500 anos, e que aqui gerariam uma nova e marcante identidade sonora” (Krieger, 2001, p.15).

Assim, as três partes da obra – 1. A natureza e os povos da floresta, 2. A viagem, 3. O

encontro – adquirem um caráter nitidamente programático, descrevendo, respectivamente, os

sons da floresta e a cultura indígena, a viagem dos conquistadores portugueses e a

miscigenação de culturas distintas que originou a cultura brasileira com suas diversas

manifestações musicais.

Com este conteúdo programático, a concepção de Terra Brasilis aproxima-se das

suítes do Descobrimento do Brasil, de Villa-Lobos. Segundo o musicólogo Pierre Vidal,

nesta obra composta originalmente em 1937 como trilha sonora para a produção homônima

de Humberto Mauro e posteriormente adaptada como quatro suítes orquestrais (a última com

coro), Villa-Lobos também procurou evocar as raízes distantes da música brasileira, a viagem

dos navegadores e a chegada ao novo continente (Vidal, 1994). Nos dez movimentos que

compõem estas suítes encontramos diversos elementos que são retomados por Krieger: a

imitação de cantos indígenas e de melodias populares portuguesas, ritmos espanhóis,

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fanfarras simbolizando o heroísmo dos conquistadores e referências à primeira missa no

Brasil entre outros.

As forças orquestrais empregadas por Krieger são vastas, equivalentes às de uma

orquestra do romantismo tardio: 1 flautim (dobrando com flauta em sol e 3ª flauta), 2 flautas,

2 oboés, 1 corne-inglês, 2 clarinetas, 1 clarone, 2 fagotes, 1 contra-fagote, 4 trompas, 3

trompetes, 3 trombones, 1 tuba, percussão, harpa e cordas. O naipe da percussão engloba

uma enorme gama de instrumentos: tímpanos, bombo, caixa, triângulo, pratos, tam-tam,

glockenspiel (ou bells), s inos tubulares, pandeiro, carrilhão, chicote, matraca, wood-blocks e

xilofone. A estes soma-se ainda uma série de instrumentos evocando um colorido

nacionalista: coquinhos, chocalhos, tumbadoras, atabaques, bongôs, agogô, reco-reco,

berimbau e apito. Na partitura, editada pela Academia Brasileira de Música, a duração da

obra proposta pelo autor é de 21 minutos.

3.2.1. 1º Movimento: “A natureza e os povos da floresta”

Segundo o compositor, a idéia principal do 1º movimento é reportar-se “aos sons que

já existiam aqui há milênios, antes da chegada do homem branco: cantos de pássaros, ruídos

do vento e das águas, cantos e ritmos das muitas tribos que povoam este vasto território”

(Krieger, 2001, p.15). Conseqüentemente, percebe-se a sua intenção de criar um ambiente

desorganizado, com uma parcela de aleatoriedade. Enquanto as alturas são determinadas, os

ritmos são bastante livres, com as entradas sendo indicadas pelo regente. É freqüente o

emprego de estruturas modulares, que se repetem irregularmente sobre um bloco d e

sustentação prolongada que é gerado por aglomerados de notas (clusters) nas cordas. Tais

procedimentos foram extensamente explorados por Krieger nas obras orquestrais da década

de 70, sobretudo no Canticum Naturale de 1972. Estes recursos – clusters, estruturas

modulares, exploração do aspecto textural – foram intensamente desenvolvidos pelas

vanguardas dos anos 60 e 70 e muito exploradas por compositores como Krzysztof

Penderecki em obras como De Natura Sonoris I (1966) e a 1ª Sinfonia (1973). Nesse

contexto, ressaltamos que Edino Krieger travou contato pessoal com este compositor polonês

ao convidá- lo para integrar o júri do 1º Festival da Guanabara em 1969.

Nas duas partes do Canticum Naturale – “Diálogo dos pássaros” e “Monólogo das

águas” – há a intenção explícita de reproduzir os sons da natureza, uma vez que a obra foi

composta “sobre cantos de pássaros e ruídos ambientais da Amazônia”. Nada mais natural,

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então, que retomar as técnicas empregadas nesta obra para descrever “a natureza e os povos

da floresta” em Terra Brasilis.

3.2.1.1. Forma

O movimento divide-se em três seções principais: a primeira (A) retratando a

natureza, a segunda (B), os povos da floresta e a terceira (A’), mais curta que as anteriores,

retomando elementos da primeira seção e levando à conclusão.

Dentro da seção A (c.1-41) podemos delimitar três subseções: Introdução (c.1-10), A1

(c.11-31) e A2 (c.35-41). A introdução é composta por dois gestos contrastantes: (1) um

vigoroso glissando ff descendente realizado por toda a orquestra e (2) um pedal em fá nas

cordas graves sobre o qual a percussão apresenta desenhos rítmicos rápidos. O tempo

desenrola-se num “ritmo psicológico” (Tacuchian, 1999, p.13), não é especificada a unidade

de compasso, as barras são empregadas como subdivisões auxiliares com uma sugestão de

duração de aproximadamente quatro segundos por compasso

A subseção A1 articula-se através da apresentação gradual de elementos distintos que

então passam a se alternar e combinar. O primeiro elemento importante surge no c.11, onde

as entradas sucessivas dos metais geram um acorde pedal. Este acorde, que pode ocorrer de

forma articulada ou sustentada, é fixo, aparecendo sempre na mesma altura e com a mesma

instrumentação durante todo este movimento (Exemplo 1a). A entrada das cordas no c.21

introduz outro acorde pedal sobre o qual é apresentado o segundo elemento importante, um

desenho em 4as paralelas nas madeiras (Exemplo 1b). Conectando estes dois elementos que

passam a se alternar de maneira regular até o c.31, há ainda um elemento contrastante: uma

seqüência de tríades por movimento direto no glockenspiel (Exemplo 1c).

Exemplo 1: Elementos da seção A1

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A partir do c.32, o pedal em si e a introdução de ostinatos nas violas, violinos e

violoncelos leva ao início da subseção A2 no c.35, caracterizada pela imposição do tempo

medido: 4/4 com semínima = 60. O ostinato dos cellos no c.34 – uma cadeia de 3as menores

separadas por segundas maiores e menores – é uma reprodução transposta de um dos

principais elementos motívicos do Canticum Naturale, ao qual Ricardo Tacuchian deu o

nome de “motivo das águas” (Tacuchian, 1999, p.15) ( Exemplo 2). Em nossa pesquisa,

estendendo o conceito de Tacuchian que se refere apenas à utilização deste motivo no

registro grave dos violoncelos, empregaremos o termo “motivo das águas” sempre que

reconhecermos derivações deste motivo primário em outros registros e combinações

tímbricas. No trecho em questão aqui (c.34-40) podemos observar que o motivo passa a ser

desenvolvido em diversas inversões e superposições nas cordas e madeiras. O retorno do

acorde fixo dos metais leva a um tutti climático no c.41 que fecha a seção A.

Exemplo 2: “Motivo das águas” em Canticum Naturale e Terra Brasilis

A seção B (c.42-77) diferencia-se sobretudo pelo aspecto textural, aqui predomina o

canto monódico com acompanhamentos rímicos. Os elementos principais são o ritmo regular

de colcheias na percussão e a linha rítmica de clarone e contra-fagote sobre a nota sol,

ocasionalmente interrompida pelo comentário dos dois fagotes (Exemplo 3a). No c.53 é

apresentada uma melodia cuja simplicidade estrutural lembra um tema indígena (Exemplo

3b). Numa subseção de B (c.60-67), as flautas criam outro canto de aspecto primitivo

utilizando-se exclusivamente do intervalo de 3ª menor mi-sol (Exemplo 3c) e acompanhadas

por um pedal rítmico da flauta em sol sobre a nota lá. Segundo Krieger, estes três elementos

musicais empregados para retratar os povos primitivos do Brasil remontam a uma fonte

original, um disco contendo gravações de algumas manifestações musicais de tribos

indígenas brasileiras (Krieger, 2006). Contudo, por ocasião da realização desta pesquisa, o

compositor não soube identificar a fonte.

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Exemplo 3: Elementos indígenas no 1º movimento

O tema indígena retorna no c.70, agora com um contraponto imitativo nas clarinetas.

Novamente através da acumulação de elementos, sobretudo um glissando em 4as paralelas

nas cordas e metais, é atingido o clímax nos c.75-77 encerrando a seção B.

A seção A’, em duas partes, suspende a métrica dos compassos e começa por um

pedal dos contrabaixos em mi sobre o qual os coquinhos intervêm com figuras rápidas,

remetendo portanto à textura inicial da obra. Gradativamente as madeiras vão entrando com

imitações de cantos de pássaros e o compositor sugere ainda a participação facultativa de pios

de pássaros trazidos pelo público. Diferentemente do Canticum Naturale, onde os cantos de

pássaros remontam a fontes originais e são identificados na partitura, aqui os cantos são

criações livres da imaginação do compositor. Na segunda parte desta seção (c.88), enquanto

seguem os cantos de pássaros, há uma superposição gradual de diversos elementos

apresentados anteriormente: dois acordes por tons inteiros nas cordas, o acorde fixo dos

metais, um acorde quartal nos fagotes, pequenos fragmentos na percussão. Este denso tutti

encerra-se subitamente com o mesmo glissando que fora usado na introdução do movimento.

Os fortes contrastes existentes entre as seções A e B deste movimento estão ligados

também aos dois elementos que estão sendo retratados: a natureza e os povos do Brasil. Na

caracterização da natureza são empregados elementos que sugerem um certo caos: ausência

de um pulso regular, aleatoriedade controlada e simultaneidade de elementos distintos. Já

para descrever os povos, comunidades organizadas, há ritmos regulares, estruturas escalares

organizadas e elementos melódicos recorrentes.

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3.2.1.2. Harmonia

A harmonia da subseção A1 caracteriza-se sobretudo pelo uso de acordes pedais com

diferentes tipos de estrutura e sem nenhuma relação funcional aparente. O acorde fixo dos

metais é estruturado por três seções, cada uma composta por uma 3ª menor seguida por 2ª

maior. Este conjunto ocorre em diferentes transposições nos 3 trombones (lá-dó-ré), nos 3

trompetes (si-ré-mi) e nas trompas 1-3 (mib-solb- láb), a 4ª trompa dobra o ré do 1º trombone

(ver Exemplo 1a).

Outra estrutura harmônica é utilizada no acorde das madeiras no c.22. Trata-se de um

poliacorde2 formado por quatro tríades maiores distribuídas entre fagotes (Láb Maior),

clarinetas (Fá Maior), oboés/corne-inglês (Ré Maior) e flautas (Sib Maior), estas mesmas

tríades também são encontradas nos primeiros quatro acordes do glockenspiel.

A partir do c.24 as cordas formam um novo acorde pedal utilizando todos os graus de

uma escala hexatônica com fundamental em láb. Este acorde por tons inteiros ocorre também

em diversos outros momentos da obra. No c.27, através da superposição de dois destes

acordes com fundamentais diferentes, forma-se um acorde de 12 sons.

Os intervalos de 4ª e 5ª justas também são importantes na geração de harmonias. As

5as superpostas são empregadas na formação do acorde das cordas no c.21. O motivo das

madeiras dos c.23 e 28 emprega a 4ª justa harmônica e melodicamente (ver Exemplo 1b).

Em relação à importância estrutural destes intervalos o compositor cita a forte influência da

linguagem de Paul Hindemith sobre a sua própria, especialmente através da sinfonia Mathis,

der Maler (Krieger, 2006).

Na subseção A2 o pedal em si nos contrabaixos e tímpanos e os ostinatos de cellos e

violas provocam uma forte polarização em torno desta nota. O aparecimento do motivo das

águas a partir do c.36 nos violinos e posteriormente nas madeiras resulta numa tétrade

diminuta que é conduzida paralelamente, porém sempre sobre o pedal em si. A tensão

aumenta ainda mais com a volta do acorde fixo dos metais mas acaba por resolver de maneira

funcional, quase como uma cadência autêntica, no acorde do c.41, fundamentado em mi.

De forma geral pode-se afirmar que, excetuando-se os compassos finais, a seção B

com o predomínio de linhas monódicas, abdica quase totalmente da harmonia, possivelmente

também com o intuito de retratar culturas primitivas. No trecho inicial a presença do pedal

em mi e a linha rítmica de clarone e contra-fagote sobre a nota sol sugerem uma região de mi

2 Segundo Vincent Persichetti (1961, p.135-137), um poliacorde é uma combinação simultânea de dois ou mais acordes pertencentes a diferentes regiões harmônicas, sendo requisito um agrupamento claro das unidades acordais uma vez que uma redistribuição das notas destas unidades pode destruir a organização poliacordal.

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dórico (devido a presença de fá# e dó# no fagote 1). O acompanhamento do tema indígena

com pólo em dó é exclusivamente rítmico, sem qualquer harmonia e a 8va diminuta que o

caracteriza também pode ser entendida como uma sugestão de um instrumento primitivo,

não-temperado (ver Exemplo 3b). O acorde por tons inteiros é empregado como pedal no

c.60 com a fundamental láb e no c.70 com a fundamental si. Os glissandos de 4as paralelas,

nas violas e nos violoncelos, a partir do c.73 assinalam o retorno deste intervalo como

elemento estrutural da harmonia que gera o acorde climático do c.76.

A seção A’ ocorre inteiramente sobre um pedal em mi dos contrabaixos, mas os

ritmos dos cantos de pássaros são tão diferentes e irregulares que não chegam a gerar uma

harmonia. A partir do c.88, a superposição dos diversos elementos utilizados no decorrer do

movimento resulta num grande cluster que termina resolvendo através do glissando inicial

num uníssono em fá.

O Exemplo 4 representa uma redução harmônica deste movimento, exemplificando as

principais estruturas harmônicas empregadas. As ligaduras em um acorde significam que

esta estrutura é sustentada enquanto o acorde seguinte lhe é superposto.

Exemplo 4: Redução harmônica do 1º movimento

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3.2.1.3. Orquestração e Textura

A importância do timbre é muito grande no 1º movimento, a maior parte dos

elementos estruturais caracteriza-se também pelo timbre, ou seja, é confiada sempre ao

mesmo grupo de instrumentos. Texturalmente, são importantes os processos de justaposição

e sobreposição de elementos contrastantes sobre uma base que permanece estática.

O gesto inicial é bastante marcante, empregando toda a orquestra com glissandos de

7ª maior (ou 7ª maior composta) – mi a fá – nos metais e cordas e rápidos desenhos

descendentes nas madeiras, que não tem possibilidade de executar este tipo de glissandos.

Edino Krieger comenta que ao escrever este glissando introdutório, imaginou-o como tendo o

efeito de uma cortina abrindo-se diante da platéia para o início do espetáculo (Krieger, 2006).

Assim, em relação ao espectador, este gesto inicial pode funcionar como uma maneira de

capturar a atenção do ouvinte. Um forte golpe de tam-tam, com sonoridade prolongada,

silencia toda a orquestra restando apenas o pedal grave de violoncelos e contrabaixos. Este

efeito é empregado novamente no final da seção B (c.77). A princípio o pedal é reforçado

por clarone e fagotes, mas estes instrumentos são excluídos após três compassos, aumentando

a sensação do diminuendo. Sobre o pedal grave das cordas, elemento recorrente em todo o

movimento, wood-blocks e coquinhos iniciam sua movimentação, começando aos poucos e

intensificando-se. O emprego destes específicos instrumentos de percussão – c o m

sonoridade de madeira – pode sugerir os ruídos de uma floresta.

O acorde fixo dos metais (ver Exemplo 1a) é um exemplo da importância do timbre.

Uma vez que ele ocorre apenas nos metais e sempre na mesma altura fica evidente que o

contexto harmônico não é tão relevante, mas sim a sonoridade do grupo instrumental

específico. Também são características o fato de as três seções do acorde – nos trombones,

trompas e trompetes – serem sempre atacadas separadamente nesta ordem (a exceção do

c.31) e o emprego constante das surdinas (ou bouché, nas trompas).

Da mesma forma o desenho em 4as paralelas das madeiras (ver Exemplo 1b) é

confiado unicamente a este naipe da orquestra, dividido em suas quatro famílias distintas:

começando nas flautas com o flautim, a imitação segue para oboés com corne- inglês, depois

clarinetas com clarone e finalmente fagotes com contra-fagote, sempre nesta ordem (c.23-25

e 28-30). O poliacorde do c.22 também tem as quatro tríades que o compõem (Láb – Fá – Ré

– Sib) separadas por esta mesma distribuição em famílias. Uma conseqüência deste recurso é

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o emprego freqüente de clarone e contra-fagote em seus registros agudos (como nos c.25 e

37), o que chama atenção por serem instrumentos que se caracterizam pelos registros médio e

grave, tradicionalmente usados dobrando a linha do baixo. A exemplo dos metais, as

madeiras também empregam o recurso de atacar separadamente as diversas seções de um

acorde (c.31 e 37), provocando um efeito acumulativo. O uso de trinados, sempre

cromáticos, é bastante freqüente nas madeiras e está normalmente associado a uma intenção

de crescendo.

O elemento recorrente do glockenspiel, a cadeia de tríades, não parece ter nenhuma

implicação harmônica de importância mas sim utilizar os dobramentos de 3ª e 5ª como

reforço acústico, funcionando como elemento de contraste às quartas das madeiras. Os

outros instrumentos de percussão – tímpanos, pratos e carrilhão – são empregados com o

objetivo de enriquecer o colorido orquestral e enfatizar os crescendos.

A função principal das cordas neste movimento é textural, sustentar acordes pedais

prolongados que funcionam como um pano de fundo harmônico sobre o qual intervêm os

eventos dos outros naipes da orquestra. O primeiro deste acordes aparece no c.21 cobrindo

um registro bem amplo. Gradativamente esta estrutura vai sendo modificada até formar um

acorde mais denso, combinando duas escalas de tons inteiros (c.27). A construção destes

acordes implica necessariamente no uso constante de divisi a 3 e a 4 nos violinos, violas e

violoncelos. Na subseção A2 a textura passa a ser gerada por outro processo, a superposição

acumulativa de ostinatos diferentes, na maior parte derivados do motivo das águas.

A função da harpa restringe-se quase totalmente a produção dos glissandi – tão

característicos deste instrumento – que enriquecem o colorido da orquestração (c.24-26 e 37-

40).

A textura da seção B é mais transparente, permanecendo quase sempre

monódica sobre uma linha de acompanhamento rítmico. Este ritmo regular é confiado aos

chocalhos e reforçado pelas tumbadoras sempre que o tema indígena aparece (c.53). O tema

em si também tem um timbre fixo, é sempre exposto por flautas e clarinetas com reforços de

oitava. A flauta em sol, instrumento de uso bastante raro na orquestra sinfônica, é empregada

nos c.60-67 pela única vez em toda a partitura. Seu uso, possivelmente evocando uma

sonoridade primitiva, remete-n o s à Sagração da Primavera de Stravinsky, onde o

instrumento é empregado com o mesmo objetivo. O acorde em tons inteiros nas cordas volta

a enriquecer a textura a partir do c.60. Tanto a simplicidade textural quanto a orquestração

da seção B, parecem ser escolhas que denotam objetivo de retratar a cultura dos povos

primitivos do Brasil. O crescendo que conclui esta seção é gerado pela acumulação de

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elementos e silencia-se subitamente com o ataque do tam-tam, o mesmo efeito empregado

nos primeiros compassos da peça.

A textura da seção A’ também consiste em adensamento por acumulação de

elementos. As madeiras, individualmente, entram apresentando diferentes fragmentos

motívicos representando cantos de pássaros, recurso já explorado por Krieger no Canticum

Naturale. A possibilidade, sugerida pelo compositor, de incorporar outros cantos de pássaros

reproduzidos pelo público demonstra o seu objetivo de criar aqui uma textura final densa e

acumulativa, com diversas camadas e um certo grau de aleatoriedade. A superposição

gradual de outros elementos harmônicos e rítmicos utilizados no decorrer deste movimento

resulta no momento de maior densidade antes do glissando final.

3.2.2. 2º Movimento: “A viagem”

Para o segundo movimento, Edino Krieger imaginou uma “narrativa sonora que

remetesse aos sons que acompanharam os navegadores pelo mar – seus cantos, embalados

muitas vezes por seus sonhos e pelo ritmo das ondas e o furor das tempestades” (Krieger,

2001, p.15). A escrita e a linguagem musicais empregadas aqui são mais tradicionais, com a

presença de elementos motívicos e temáticos recorrentes e a predominância de harmonias

triádicas. O objetivo aparente é o de criar um contraste entre a cultura primitiva, retratada no

1º movimento, e a cultura ocidental-européia, usando elementos distintos para caracterizar

cada uma: estruturas quartais e em tons inteiros para aquela e material predominantemente

triádico para esta.

3.2.2.1. Forma

A estrutura geral é igual àquela empregada no 1º movimento, duas seções maiores, A

(c.91-119) e B (c.120-197), e uma terceira mais curta, A’ (c.198-212), retornando aos

elementos da primeira.

A seção A, com duas subseções A1 (c.91-101) e A2 (c.102-119), começa por um

grande acorde de Lá Maior sobre o qual surge um motivo tratado imitativamente nos metais.

Este motivo, que domina a subseção A1, é composto por dois intervalos de 5ª justa

ascendentes separados por uma 4ª justa e seu desenho sugere o caráter conquistador e

desbravador da viagem (Exemplo 5).

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Exemplo 5: Motivo conquistador (c.94-95)

No c.96 as madeiras, em tríades maiores paralelas, introduzem um elemento que com

a sua cadeia cromática de 3as menores remete ao motivo das águas do 1º movimento, aqui

possivelmente simbolizando o mar. Um sib de passagem no baixo transporta a música à

região de Dó Maior para uma segunda exposição dos mesmos elementos. Uma seqüência de

tríades paralelas nos glockenspiel, elemento já empregado no 1º movimento, conclui esta

subseção.

No c.102 inicia-se a subseção A2, caracterizada por um tema apresentado pelo 1º

trompete acompanhado por um contraponto imitativo do 1º fagote (c.103-106). Este tema,

com a ritmização de seu acompanhamento harmônico a maneira de uma dança tradicional,

remete à origem portuguesa dos viajantes (Exemplo 6). O compositor afirma que a melodia

corresponde a uma tradicional canção folclórica portuguesa (Krieger, 2006).

Exemplo 6: Tema dos viajantes (c.102-106)

As duas frases do tema são repetidas nos c.107-110 com reforço de outros

instrumentos na melodia e no acompanhamento, no c.107 os trombones citam o motivo

conquistador. A orquestração é ainda mais enriquecida para uma terceira apresentação da

mesma idéia, agora transposta para Mi Maior (c.111-114), com o contraponto imitativo no

flautim e um movimento em 4as justas no baixo. No c.115 os trompetes, seguidos pelas

trompas, introduzem mais um curto motivo, como uma fanfarra.

A seção B (c.120-197), com a divisão interna ternária B1 (c.120-160), B2 (c.161-176)

e B1’ (177-197), começa em Mi Maior, com um acompanhamento marcante em arpejos nos

violoncelos (c.120). Este ritmo regular de tercinas, sugerindo o movimento das ondas e do

mar, tem um antecedente claro no primeiro movimento da Suíte Sheherazade de Rimsky-

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Korsakov – “O mar e o navio de Sinbad” – onde um desenho similar é usado nos violoncelos

para descrever a mesma situação (Exemplo 7).

Exemplo 7: Movimento das ondas em Rimsky-Korsakov e Krieger

Sobre este ostinato, que permanece durante toda a subseção B1, Krieger introduz um

tema no 1º oboé (c.122). Em segundo plano, o 1º trompete e o 1º trombone com surdina

citam o motivo conquistador. Em seguida, num solo da 1ª flauta, este tema é retomado e

desenvolvido formando uma melodia de 16 compassos (c.130-145) sobre o acompanhamento

harmônico de cordas e harpa (Exemplo 8). Esta melodia poderia representar os sonhos dos

viajantes aos quais o compositor se refere na descrição do movimento.

Exemplo 8: Melodia dos sonhos (c.130-145)

Uma justaposição harmônica leva a região de Fá Maior para uma repetição integral

desta melodia (c.146-161), agora com a orquestração muito ampliada e a citação de outros

elementos motívicos em vozes intermediárias. Na 1ª clarineta podemos verificar a presença

do motivo das águas do 1º movimento (c.147 e 153) e o desenho descendente que ocorre

repetidamente em cânone nas flautas e oboés (c.148, 150, 154, 156) parece ser derivado dele,

pois também é composto por uma cadeia de 3as menores separadas por semitons. O motivo

conquistador é ouvido mais uma vez no 3º trombone (c.148).

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A subseção central B 2 (c.161-176) descreve as tempestades enfrentadas pelos

viajantes. Nos violoncelos e violas surge um novo ostinato (Exemplo 9a), porém também

empregando a 3ª menor como principal intervalo estrutural e guardando, portanto, uma

relação com o motivo das águas. Mais adiante, num processo de dissolução e condensação

motívica, as primeiras quatro notas deste ostinato são empregadas na formação de desenhos

ascendentes (c.167) e descendentes (170). Nas madeiras, um desenho em 4as paralelas – uma

4ª aumentada seguida por outra justa – parece ser derivado do mesmo ostinato, porém

invertido e modificado por cromatismos (Exemplo 9b).

Exemplo 9: Ostinato da tempestade (a) e versão invertida nas madeiras (b)

Simultaneamente, durante toda esta subseção, ocorre nos três grupos de metais um

diálogo utilizando um curto motivo dissonante, em estilo de fanfarra (c.161-167). O

reaparecimento do motivo conquistador nos metais (c.175 e 176) e a escala ascendente das

cordas anunciam o fim da tempestade e conduzem à próxima subseção.

B1’ (c.177-197), a última subseção de B, consiste numa nova repetição integral da

melodia dos sonhos ( c.177-192), ainda na região de Fá Maior, porém com pequenas

mudanças na orquestração. Levando à última seção deste movimento, há uma pequena

transição (c.192-197) com fanfarras nos sopros sobre o movimento das cordas graves, sempre

construído por 3as menores separadas por semitons.

A seção A’ (c.198-212) do segundo movimento, começando em Si Maior, é

caracterizada pelo retorno dos dois principais elementos da seção A: o motivo conquistador

nos metais e o tema dos viajantes (de forma fragmentária). O movimento do baixo em 3as

menores, importante na seção B, é transformado num desenho composto por 4as justas –

como já empregado nos c.111-114 – que direciona a harmonia até o final num inesperado

uníssono em sib. Este ostinato em 4as justas no baixo, já empregado também nos c.111-115

da seção A deste movimento, já foi explorado extensamente por Krieger no Te Deum

Puerorum Brasiliae de 1997, conforme verificamos em trabalho anterior (Brucher, 2004,

p.4).

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3.2.2.2. Harmonia

As estruturas de origem triádica são o principal elemento da harmonia do segundo

movimento da obra, freqüentemente gerando regiões estáveis com pólos harmônicos

definidos. Isto não implica, entretanto, no emprego das relações funcionais do sistema tonal.

Os encadeamentos harmônicos privilegiam outros tipos de organização: justaposição de

acordes pertencentes a tons distantes, relações de 3ª (mediante) ou semitom e modalismos.

A seção A1 começa por um prolongado acorde de Lá Maior e em seguida, sem

modulação alguma (há apenas o sib de passagem no baixo), segue para Dó Maior por

justaposição, evidenciando uma relação de 3ª menor.

A harmonização do tema dos viajantes (ver Exemplo 6) é claramente tonal, dois

compassos na tônica (Sol) e dois na dominante (Ré). Na primeira repetição a melodia é

reforçada com dobramentos no 2º e 3º trompetes (respectivamente uma 3ª e uma 5ª abaixo da

melodia), em estilo de harmonia seccional. Uma justaposição harmônica transporta o tema

para Mi Maior para a segunda repetição, gerando outra relação de 3ª menor: Sol Maior – Mi

Maior. A melodia agora aparece em 6as paralelas e a harmonia, ainda com o mesmo

encadeamento, é enriquecida pelo acréscimo de 6as e 7as nas cordas e nos metais.

No c.115 outra justaposição conduz a Fá Maior, estabelecendo agora uma relação de

semitom entre as regiões: Mi maior – Fá Maior. A fanfarra nos trompetes surge em Lá

Maior, sugerindo uma politonalidade, mas é respondida nas trompas retomando o Fá Maior.

O Mi Maior é retomado ao início da seção B1 (c.120) para a apresentação do tema

dos sonhos. O ostinato dos violoncelos que o acompanha é formado pela alternância de dois

acordes, Mi Maior e mi menor com 6ª maior acrescentada, sendo que o segundo tem caráter

de appoggiatura, retornando sempre ao primeiro. A partir do c.130, nas vozes superiores dos

violinos e violas, são acrescentadas tensões a estes acordes: 6as, 7as e 9as. Toda a

harmonização do tema ocorre a partir deste ostinato com os acréscimos, sendo que o

encadeamento emprega exclusivamente a relação de 3ª entre acordes maiores: Mi – Dó – Mi

– Sol – S i – Mib – Sol – Mi. O resultado harmônico do trecho sugere a presença de

politonalidade: sobre o ostinato inicial em Mi o tema aparece na região de Láb (ver Exemplo

8). No entanto, devido à utilização de uma harmonia estruturada por 3as, com uma tríade

fundamental e tensões nos registros superiores, as notas da melodia – quando enarmonizadas

– também podem soar como tensões ou appogiaturas em relação à fundamental, restringindo

assim a sensação de politonalidade. Novamente através da justaposição de acordes afastados

por um semitom, a exposição da melodia pelo tutti orquestral começa em Fá Maior (c.146)

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empregando o mesmo encadeamento harmônico. Os desenhos de flautas e oboés produzem

uma cadeia descendente de acordes aumentados, mas estes funcionam apenas como um

colorido sobre a base harmônica sólida de cordas graves, fagotes e harpa.

A harmonia empregada na descrição da tempestade (c.161-176) parece utilizar-se

sobretudo da estruturação por tons inteiros. Sobre o pedal em fá dos contrabaixos, que

permanece durante a maior parte desta seção, os violinos sustentam um acorde aumentado

(fá- lá-réb). Os acordes nos metais também utilizam exclusivamente a estruturação por 2as

maiores (Exemplo 10).

Exemplo 10: Acordes dos metais na seção da tempestade (c.166)

Já o ostinato dos violoncelos e violas é composto por todos os graus cromáticos entre

fá e sib. O desenho das madeiras, também com encadeamentos cromáticos, emprega a

superposição de uma 4ª aumentada e uma 4ª justa. É possível estabelecer uma relação deste

desenho com o elemento das madeiras no primeiro movimento (ver Exemplo 1b), uma vez

que ambos são estruturados por 4as e empregados para descrever elementos da natureza.

Na seção B1’, a harmonização do tema dos sonhos é idêntica àquela da seção B1. A

harmonia da pequena transição dos c.192-197 é predominantemente quartal, sobretudo

devido às fanfarras nos sopros e a condução em 4as paralelas dos violinos I e II. A tensão

gerada pela movimentação cromática do baixo, sobre qual esta estrutura quartal se apóia,

resolve ao iniciar-se a seção A’ com um acorde de Si Maior (c.198).

O movimento em quartas do baixo, que permanece durante toda a seção A’, e a

harmonização dos trombones e fagotes deixa evidente a estrutura fundamental triádica que

caracteriza esta seção. Mais uma vez, nos c.198-208, trata-se de um encadeamento não-

funcional que privilegia as relações de 3ª entre tríades maiores: Si – Sol – Sib – Réb – Mi –

Sol – fá#m – Si. Esta harmonização é enriquecida nos registros superiores pelas madeiras e

pelos arpejos dos violinos que superpõe outras tríades à base harmônica, gerando poliacordes

(Exemplo 11).

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Exemplo 11: superposição de tríades gerando um poliacorde (c.205)

Da mesma forma, as fanfarras dos trompetes – acordes maiores de Mib, Dó, Lá e Fá –

sobre o acorde de Si maior no c.208, também geram poliacordes que dão mais brilho à

harmonia. O fato de a seção A’ ficar polarizada pelo Si Maior nos c.198-202 e 208-210,

torna inesperada a cadência final do movimento. Se tomarmos o fá do baixo como

appoggiatura e considerarmos o solb como a nota real, forma-se uma estrutura quartal,

solb(fá#) – si – mi – lá – ré – sol, na qual os trompetes inserem uma tríade de Sib Maior. A

resolução deste acorde acontece com um uníssono em sib. Se por um lado esta conclusão é

inesperada, por outro Krieger está mantendo uma certa coerência ao concluir empregando um

tipo de encadeamento que foi recorrente na condução harmônica deste movimento: a relação

de 3ª (solb – sib).

O Exemplo 12 a seguir, representando a redução harmônica do 2º movimento,

evidencia a predominância das relações de 3ª nos encadeamentos e demonstra as principais

estruturas harmônicas utilizadas.

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Exemplo 12: Redução harmônica do 2º movimento

3.2.2.3. Orquestração e textura

O segundo movimento de Terra Brasilis, em contraste com o primeiro, utiliza

predominantemente a textura de melodia acompanhada e emprega a palheta orquestral como

elemento fundamental para o desenvolvimento musical. Dessa forma, é freqüente a repetição

das mesmas idéias realizando acréscimos na orquestração e enriquecendo a textura dos

acompanhamentos. A escrita dos metais caracteriza-se pelo emprego de desenhos em estilo

de fanfarra, sobretudo o motivo conquistador que é confiado exclusivamente aos trombones,

trompas e trompetes.

O rápido desenho ascendente nos violinos e nas madeiras é aparentemente empregado

em oposição ao glissando descendente que conclui o 1º movimento. A utilização de trinados

nestes mesmos instrumentos e o emprego do triângulo conferem brilho aos acordes iniciais.

O desenho das madeiras em semicolcheias nos c.96-97 e 99-100 preenche o espaço entre as

entradas dos metais e dá movimento à música. O emprego deste tipo de floreios nas

madeiras é recorrente neste movimento e resulta num enriquecimento da textura.

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Na primeira apresentação, o tema dos viajantes e dado por um solo de trompete com

acompanhamento simples no pizzicato das cordas e um contraponto imitativo no 1º fagote.

Na primeira repetição (c.106-110) a melodia é reforçada com dobramentos no 2º e 3º

trompetes, no acompanhamento são acrescentados os trêmolos nas flautas e clarinetas

enquanto nos fagotes surgem pequenos fragmentos imitativos. A terceira apresentação da

melodia é ainda mais enriquecida com a harmonização nos metais. A melodia passa para o 1º

trombone, dobrado por oboés, clarinetas (em 6as paralelas) e glockenspiel enquanto apenas o

flautim assume o contraponto imitativo no registro superagudo.

O mesmo processo de graduais acréscimos na orquestração é também empregado no

desenvolvimento do tema dos sonhos. A princípio (c.122) ele aparece como um solo de oboé

sobre o ostinato dos violoncelos e a harmonização da harpa. Ao ser exposta integralmente

pelo solo de flauta (c.130), a melodia recebe o acréscimo de violinos e violas no

acompanhamento. Estes mesmos instrumentos assumem a melodia em três oitavas na sua

terceira apresentação, enquanto a harmonia soa no revezamento de metais e madeiras que

geram uma poliritmia ao empregar o ritmo de tercinas. Em contrapartida, a partir do c.154,

quando é a melodia que passa a apresentar tercinas, o acompanhamento dos trompetes e

trombones torna-se mais estático. Ao mesmo tempo nota-se que violas e violoncelos

invertem os papéis, estes dobrando a melodia e aquelas assumindo o ostinato. Nas notas

longas da melodia, podemos verificar a entrada de flautas e oboés com seus floreios

descendentes. A percussão é empregada apenas para sublinhar algumas passagens:

acompanhando o motivo conquistador (c.132) e antecipando o início do tutti (c.145-146). Na

seção B1’, ao retornar o tema dos sonhos, os únicos acréscimos são os dobramentos da

melodia no 1º trombone e da linha do baixo na tuba.

Na subseção B2 (c.161-176), descrevendo a tempestade, a textura é composta pela

superposição de quatro elementos confiados aos diferentes naipes da orquestra: (1) o ostinato

de violas e violoncelos, (2) o acorde aumentado de fá no trêmolo dos violinos, (3) os

desenhos em fanfarra dos metais com surdina (bouché nas trompas) e (4) os floreios

cromáticos das madeiras, começando nas flautas e descendo até os fagotes. É importante

também a participação da percussão com crescendos e diminuendos curtos e constantes nos

tímpanos, prato suspenso e bombo, sugerindo a sonoridade das trovoadas e do mar revolto.

No tutti final que compõe a seção A’ sobressaem os metais, aos quais e confiada

praticamente toda a movimentação melódica deste trecho. As madeiras são empregadas na

sustentação da harmonia e a movimentação de violinos e violas enriquece a textura trazendo

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os mesmos acordes em arpejos. A linha das cordas graves recebe os reforços do contra-

fagote e da tuba.

No 2º movimento permanece, embora de maneira um pouco reduzida, a preocupação

com o timbre. Esta é evidenciada pela manutenção do tratamento separado dado às famílias

de instrumentos de sopros em grupos de três. Observe-se os floreios das madeiras nos c.164-

171: começando nas flautas, segue para oboés com corne- inglês, clarinetas e termina nos

fagotes. Da mesma forma, na transição dos c.192-197, as fanfarras são distribuídas entre as

famílias: trombones, trompas, trompetes, oboés com corne-inglês e clarinetas. O mesmo

tratamento é dado também aos metais na apresentação do motivo conquistador (c.92 e 198) e

nas fanfarras durante a tempestade (c.161-171).

3.2.3. 3º Movimento: “O Encontro”

Edino Krieger descreve os seus objetivos ao compor o terceiro movimento d a

seguinte forma:

“[...] no terceiro movimento – O encontro – procuro resumir as muitas vertentes musicais que desaguaram no Brasil ao longo dos séculos, e que aqui formariam a grande caudal que é a música brasileira. Tento imaginar esse processo de integração musical desde o encontro do canto gregoriano com o canto primitivo dos indígenas, na Primeira Missa, seguindo-se rápidas referências às danças gaúchas de fronteira com seu sotaque ibérico, ao sentimentalismo do canto seresteiro, à nobreza cerimonial do maracatu nordestino, ao buliçoso ritmo do chorinho carioca, ao toque inconfundível do berimbau na capoeira baiana e à simplicidade centenária dos cantos indígenas, que permanecem vivos até hoje como uma memória sonora viva, um traço de união por sobre os séculos. E como grande síntese final, introduzo uma batucadência, como que uma festa livre de ritmos, uma saudação estilizada a todos os carnavais e à pujança do espírito criador brasileiro, que a força irresistível do nosso ritmo tão bem representa” (Krieger, 2001, p.16).

Conseqüentemente, este movimento é dividido em várias seções que procuram

representar estas “vertentes musicais” do Brasil. A linguagem musical empregada é

decorrente do uso de estruturas, ritmos, modos e instrumentos característicos destas vertentes.

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3.2.3.1. Forma

Observando a forma geral deste movimento e levando em conta o comentário do

compositor, constatamos que ele adota uma estrutura rapsódica, uma seqüência de seções

contrastantes - sem vínculos temáticos aparentes – justapostas umas às outras sem passagens

transitórias entre elas. De maneira geral, cada seção começa por alguns compassos

introdutórios que preparam a entrada do elemento principal, na maioria das vezes uma

melodia simbolizando alguma das tradições musicais do Brasil. Logo, o contraste entre as

seções é gerado pela diferença de caráter destas tradições, sendo este evidenciado pelos

andamentos, ritmos, melodias e modos típicos empregados. No total há seis seções principais

seguidas por uma coda, sendo que a seção 6 apresenta subdivisões internas claras uma vez

que justapõe referências a três manifestações folclóricas distintas.

A seção 1 (c.213-234) começa com o ritmo livre, sem unidade de compasso, como o

1º movimento. Sobre o ostinato dos sinos tubulares com a nota mi, o 1º trombone entoa uma

melodia modal, sugerindo os cantos gregorianos dos missionários. A partir do c.216, este

canto é harmonizado e passa a obedecer à métrica quaternária (Exemplo 13). Numa terceira

apresentação (c.226), o compositor sobrepõe a esta melodia o tema indígena do 1º

movimento com o seu acompanhamento de chocalhos, evocando assim o encontro de índios e

missionários.

Exemplo 13: Canto gregoriano da seção 1 (c.216-225)

A seção 2 (c.235-249) é introduzida pelo ritmo regular do pandeiro que é seguido por

uma melodia em Fá Maior, com fraseologia regular, exposta num diálogo entre clarineta e

oboé (Exemplo 14). As semelhanças de ritmo, harmonia e textura do acompanhamento entre

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esta seção e o tema dos viajantes do 2º movimento, permitem concluir que aqui o compositor

procurou retratar a influência portuguesa na cultura brasileira. Internamente esta seção

divide-se em introdução (2 c.), apresentação da melodia em Fá Maior (9 c.), retomada da

melodia em Láb Maior (4 c.) com o segundo membro de frase alterado, direcionando para a

próxima seção.

Exemplo 14: Melodia ibérica da seção 2 (c.237-245)

A seção 3 (c.250-281) começa apenas pelo ritmo dos atabaques e a textura do

acompanhamento é enriquecida gradualmente pela entrada dos outros naipes da orquestra.

Os trombones introduzem uma melodia em Dó Maior, de fraseologia regular, que remete à

manifestação religiosa do candomblé (Exemplo 15).

Exemplo 15: 1ª Melodia de candomblé na seção 3 (c.256-263)

Os trompetes entram com uma nova idéia pentatônica, também originária de um

ponto de candomblé (c.271), mantendo o mesmo caráter e com a mesma textura e rítmica no

acompanhamento (Exemplo 16). Com o reforço de trombones e cordas (c.276) esta mesma

idéia é repetida em sol maior.

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Exemplo 16: 2ª Melodia de candomblé na seção 3 (c.271-276)

A respeito destas melodias de candomblé o compositor conta uma curiosidade sobre

como as aprendeu. Em 1955, tendo ganhado a bolsa para os estudos em Londres com

Lennox Berkley, faltavam-lhe fundos para a passagem até a Europa. Assim, seguindo a

sugestão de amigos, inscreveu-se no Encontro Internacional da Juventude que aconteceria em

Varsóvia naquele ano, pois para os participantes havia passagens a preços baixos em um

navio até Paris. A bordo estava também a companhia Teatro Popular Brasileiro, e foi como

assistente musical durante os ensaios desta que Edino entrou em contato com as melodias de

candomblé reaproveitadas em Terra Brasilis (Krieger, 2006).

A introdução da seção 4 (c.282-318), em Mib Maior, é feita pela harpa com um

acompanhamento que sobrepõe os compassos 6/8 e 3/4. O tema apresentado pelo 1º

trompete (Exemplo 17) apresenta, através da articulação proposta, a mesma alternância

rítmica e possivelmente representa as danças gaúchas às quais o compositor se refere na

descrição do movimento.

Exemplo 17: Tema das danças gaúchas na seção 4 (c.291-306)

Passando para Ré Maior o tema é repetido de maneira abreviada, sem as repetições de

frase da primeira apresentação, e com orquestração mais expandida. Concluindo, uma

condução descendente e paralela da harmonia conduz à seção seguinte.

A seção 5 (c.319-360) começa por um solo de harpa que, após dois compassos de

introdução, inicia a exposição de uma melodia em mi menor. Passando primeiro para a

flauta, depois para o oboé e finalmente para as cordas, o compositor desenvolve esta idéia até

obter uma melodia com cinco frases de quatro compassos (Exemplo 18). Devido ao caráter

da melodia, à condução da harmonia e ao movimento típico do baixo em pizzicato, podemos

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concluir que esta seção representa o “sentimentalismo do canto seresteiro” mencionado pelo

compositor. A partir do c.341 os 20 compassos da melodia, agora em fá menor, são repetidos

integralmente com uma orquestração mais densa e novos contracantos. A respeito desta

seresta, o compositor comenta ter reaproveitado uma melodia pertencente originalmente a

uma trilha sonora composta nos anos 60 para o filme “O sol dos amantes” (Krieger, 2006).

Exemplo 18: Melodia da seresta na seção 5 (c.321-340)

A seção 6 (c.361-392) apresenta referências a três manifestações folclóricas

brasileiras diferentes, mas como se trata de trechos relativamente curtos e interligados,

optamos por agrupá- las dentro da mesma seção e propor uma subdivisão interna criando as

subseções 6a, 6b e 6c.

Baseados nas palavras do compositor, podemos concluir que a subseção 6a (c.361-

376), começando com um pólo em si menor, é uma retratação dos maracatus nordestinos.

Indicativo disto é o ritmo típico desta manifestação folclórica confiado inicialmente ao agogô

e gradualmente adotado por outros instrumentos. Passando para o pólo de Dó Maior, uma

curta melodia é introduzida nas clarinetas e no 1º trompete (Exemplo 19) sendo repetida

ainda duas vezes.

Exemplo 19: Melodia do maracatu na subseção 6a (c.370-372)

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A subseção 6b (c.377-383) dispensa qualquer introdução e começa diretamente por

uma breve idéia melódica (Exemplo 20) cujo ritmo pontuado leva-nos a crer que ela

representa o “chorinho carioca” mencionado pelo compositor. Novamente esta idéia é

repetida duas vezes, a primeira vez nos oboés e a segunda, nas flautas e clarinetas,

transformando a nota pontuada em articulações repetidas.

Exemplo 20: Melodia do chorinho na subseção 6b (c.376-378)

A entrada do berimbau identifica claramente o início da subseção 6c (c.383-392) e

remete o ouvinte a outra manifestação folclórica brasileira, a capoeira. Mais importante nesta

seção é, porém, a retomada gradual e acumulativa de grande parte dos elementos estruturais

do 1º movimento da obra, a saber: (1) o pedal grave em fá (c.383); (2) a linha rítmica do

contra- fagote intercalada com os comentários dos fagotes (c.387); (3) a melodia indígena no

flautim (c.389) com seu acompanhamento de chocalhos (c.387); (4) o acorde por tons inteiros

nas cordas (c.389) e (5) o acorde fixo dos metais (c.391).

A intervenção violenta dos tímpanos introduz a Coda (c.393-396), a última seção do

movimento, intitulada “batucadência” pelo próprio compositor. Este trecho consiste na

improvisação livre, porém intensa e forte, de todo o naipe de percussão podendo ainda incluir

a participação facultativa de grupos de percussão locais, gerando a “festa livre de ritmos”

intencionada pelo compositor. Na gravação de Sílvio Barbato, a batucadência foi mixada

com uma bateria de escola de samba, mas o compositor declara não ser esta a sua intenção

(Krieger, 2006). No c.395 volta a utilização de quatro módulos, a ser alternados ad libitum,

que se sobrepoem à movimentação da percussão: (1) um acorde nas cordas; (2) o acorde fixo

do 1º movimento nos metais; (3) outro acorde nas madeiras, idêntico ao do c.32 do 1º

movimento e (4) um motivo incisivo no 1º trompete e 1º trombone, composto por uma 4ª

justa e outra aumentada. Este final com uma cadência livre de percussão e módulos nos

outros naipes estabelece outro paralelo entre Terra Brasilis e Canticum Naturale, cujo último

trecho emprega os mesmos recursos. Após a conclusão com o mesmo glissando do início

levando ao uníssono em fá, Edino Krieger inclui ainda a palavra “Brasil”, opcionalmente

falada por todos os membros da orquestra.

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3.2.3.2. Harmonia

Como o compositor procurou aqui retratar as diversas vertentes da música brasileira,

a linguagem harmônica empregada é normalmente derivada das estruturas típicas destas

vertentes. Em geral, isto implica numa harmonia fundamentalmente triádica e

freqüentemente funcional, ocorrendo também modalismos. Entretanto, é comum o

enriquecimento desta harmonia através de processos como superposição de 3as, poliacordes,

2as acrescentadas e estruturas quartais. Também é recorrente, sobretudo entre uma seção e

outra, a justaposição de regiões tonais distantes, normalmente relacionadas por intervalos de

3ª ou 2ª menor e fugindo, assim, da funcionalidade do sistema tonal.

Na seção 1, o recitativo inicial do trombone utiliza o modo de lá dórico. Ao

harmonizá-lo, o compositor emprega uma condução paralela reforçando esta linha em quatro

alturas: lá, si, ré e mi , sempre no modo dórico e com um pedal em lá. Invertendo a ordem,

podemos chegar a uma organização por 5as justas superpostas, ré – l á – m i – si, numa

possível referência aos primórdios da polifonia no canto gregoriano. Por outro lado, estes

dobramentos da linha melódica implicam também na presença de um polimodalismo, ou seja

a superposição simultânea dos modos de ré, lá, mi e si dóricos.

Através de um sol de passagem no baixo, a seção 2 começa em Fá Maior, com um

encadeamento funcional de tônica e dominante enriquecidas por 6as, 7as e 9as (ver Exemplo

14). É novamente o movimento do baixo que conduz a região de Láb Maior, evidenciando

uma justaposição com relação de 3ª menor: Fá – Láb. A melodia agora é reforçada por

superposição de 4as justas e a harmonização é realizada pela condução de tríades paralelas no

registro grave (c.247). A movimentação contrária destas duas seções leva a Dó maior para o

início da seção 3, cria-se assim outra relação de 3ª: Láb – Dó.

A harmonização do tema de candomblé, em Dó maior, na seção 3 é resultante da

superposição de ostinatos em todos os naipes da orquestra. As cordas e a percussão

sustentam um acorde de Dó maior com 6ª, 7ª e 9ª maiores que permanece durante os c.252-

270. Por outro lado, a alternância de dó e sib nas madeiras graves e na tuba sugere a

presença do modo mixolídio. A coexistência do si natural na melodia e nas cordas e do sib

no baixo torna plausível a possibilidade de um polimodalismo superpondo os modos maior e

mixolídio. Nas madeiras agudas, o compositor acrescenta ainda um ostinato com uma

seqüência de acordes de estrutura quartal, enquanto nas madeiras graves a superposição

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ocorre por 5as justas. No c.271, em outra justaposição com relação de 3ª, esta mesma

estrutura é transportada para a região de Mi Maior, com as madeiras agora empregando a

superposição por 3as no lugar das 4as. Seguindo ainda este processo de justaposição, a

estrutura segue para Sol Maior no c.276.

Na seção 4 a harmonização da melodia das danças gaúchas, em Mib Maior, retorna a

funcionalidade com a alternância de acordes de tônica e dominante. Ao ser retomada pelas

cordas no c.307 em Ré Maior, isto acontece por justaposição com relação de semitom. Como

já acontecera ao final da seção 2, uma seqüência de acordes paralelos descendentes, tríades

com 7ªm, 9ªM e 11ª aumentada, conduz a um acorde por 5as justas sobre si, que é o 5º grau

do tom da seresta que segue. Este é o único momento em que a ligação entre duas seções

ocorre com uma sugestão de modulação.

A seção 5, o canto seresteiro em mi menor, é o momento mais explicitamente tonal de

toda a obra. Predominam as funções dos graus principais (I, IV e V) com a presença

ocasional de dominantes secundárias (ver exemplo 18). Na melodia, assim como na

condução das outras vozes, é freqüente a presença de notas melódicas: appoggiaturas,

retardos, bordaduras e notas de passagem cromáticas. Ao ser repetida, a melodia passa para a

região de fá menor, novamente abdicando de uma modulação em favor da justaposição de

tons distantes, com relação de semitom.

A próxima justaposição, marcando a passagem para a seção 6, é a única que não

emprega relações de 2ª ou 3ª mas sim a de trítono. O maracatu começa com um pólo em si

menor com um acorde por 5as superpostas e segue para Dó Maior na entrada da melodia.

Na harmonização do chorinho da subseção 6b, o movimento em 4as justas do baixo

sugere uma marcha harmônica descendente: dó – f á – s i b – m i b – l á b – réb. Este

encadeamento é turvado pelo desenho cromático descendente de violinos e violas: uma

seqüência de poliacordes com um acorde maior na base e outro menor por cima à distância de

uma 3ª menor (ex.: mib menor/ dó maior). Nas repetições subseqüentes, a melodia recebe

ainda um dobramento de 4ª aumentada nas madeiras.

A subseção 6c retoma o princípio de acumulação empregado no primeiro movimento:

sobre o pedal em fá, os diversos elementos são gradualmente superpostos gerando uma

harmonia densa, a maneira de um cluster. Na Coda, o módulo das madeiras retoma o acorde

do c.32 do 1º movimento, cujas quatro seções são estruturadas por superposição de 4as e 5as

justas e o módulo dos metais também retoma o acorde fixo do 1º movimento.Tendo em vista

a conclusão final no uníssono em fá, o módulo das cordas – um acorde de Dó Maior com

6ªM, 7ªm e M, 9ªM e 11ª aumentada - sugere a existência de uma cadência final perfeita.

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Contudo, ao nosso ver, a alternância com os módulos dos sopros e o glissando final tornam

esta cadência praticamente imperceptível à audição.

O Exemplo 21 a seguir traz a redução harmônica deste movimento, evidenciando

mais uma vez a predominância das relações harmônicas de 3ª e 2ª menor entre as diversas

seções e mesmo entre as subdivisões internas de cada uma. Na seção 5 o encadeamento em

mi menor dos c.321-340 é repetido integralmente em fá menor nos c.341-360. Na Coda os

três acordes exemplificados representam respectivamente os módulos de cordas, metais e

madeiras que se alternam sobre o fundo gerado pela “batucadência” da percussão.

Exemplo 21: Redução harmônica do 3º movimento

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3.2.3.3. Orquestração e textura

A maioria das seções do 3º movimento organiza-se internamente pela seguinte

subdivisão formal: (1) introdução; (2) apresentação do elemento principal e (3) uma ou várias

repetições deste elemento com mudanças de orquestração e textura. Logo, os aspectos de

orquestração e textura tornam-se essenciais para o desenvolvimento das idéias musicais,

como também o são no 2º movimento. É sobretudo pela variação de timbres e o

adensamento de texturas que se dá a variedade dentro de cada seção. A mudança súbita

destes parâmetros é também importante na delimitação entre o final de uma seção e o início

da próxima. Freqüentemente as seções começam com texturas e orquestrações simples que

vão gradualmente sendo adensadas até terminar num tutti que cessa subitamente para o início

da próxima seção. As retomadas de elementos anteriores da obra também são caracterizadas

pelo timbre, ocorrendo sempre nos instrumentos que as expuseram originalmente. A escrita

para percussão tem uma sonoridade fortemente nacionalista, com ritmos e instrumentos

oriundos do folclore musical brasileiro.

A introdução da seção 1 é dada pelo ostinato dos sinos tubulares, já remetendo o

ouvinte a uma sonoridade eclesiástica. O elemento principal é exposto por um recitativo

monódico do 1º trombone, tipo de textura que foi extensamente empregado por Krieger no Te

Deum Puerorum Brasiliae de 1997 (Brucher, 2004, p.4). Na primeira repetição, são

acrescentados o pedal dos contrabaixos e a harmonização dos violoncelos enquanto a melodia

passa para o corne- inglês. Na segunda, a harmonização recebe reforço de oitavas em todo o

naipe de cordas e simultaneamente o tema indígena retorna, sempre com o timbre do flautim

e o acompanhamento rítmico dos chocalhos.

Na seção 2 o ritmo do pandeiro antecede a textura de melodia acompanhada do tema

ibérico. A melodia tem o timbre enriquecido pela alternância de clarineta solo e oboé com

glockenspiel, a intervenção dos metais no c.245 funciona como ligação entre as duas

exposições. Na segunda apresentação, os dobramentos de madeiras e cordas valem tanto

para a melodia quanto para o acompanhamento antes que a nova entrada dos metais leve ao

tutti final.

A introdução da seção 3 começa por dois compassos de solo de atabaques, sugerindo

os ritmos de candomblé, ao qual se segue a entrada das cordas graves. A entrada simultânea

de quase toda orquestra torna subitamente mais densa a textura, a qual é composta pela

superposição de cinco seções de acordo com os naipes: (1) as cordas; (2) a percussão; (3) as

madeiras graves com tuba; (4) as madeiras agudas e (5) a melodia nos trombones intercalada

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entre as outras seções. A alternância do solo de 1º trombone com o dobramento a três em

cada segunda frase da melodia cria um efeito responsorial, como se fosse um revezamento de

solista e coro no candomblé. Ao ser repetida, a melodia passa para o registro superior –

violinos com dobramento no xilofone – enquanto o motivo pertencente às madeiras graves

ascende ao registro intermediário, nos metais. A mudança de textura consiste, portanto num

remanejamento das mesmas idéias dentro dos registros e timbres da orquestra e na

eliminação de uma seção, a das madeiras agudas. No c.271 volta a formação original das

cinco seções, com a nova idéia melódica ocorrendo agora no diálogo de trompetes e trompas,

posteriormente ainda com o reforço de trombones, violinos e violas.

Mais uma vez, o tutti encerra-se subitamente para o início da seção 4, cuja introdução

é dada por um solo de harpa ao qual se juntam flautas e clarinetas gerando uma poliritmia

decorrente da simultaneidade dos compassos binário simples (2/4), binário composto (6/8) e

ternário simples (3/4). Ao surgir a melodia no trompete (c.291), as cordas entram

sustentando a harmonia em acordes prolongados e as madeiras recebem o reforço de oboés e

clarinetas. As 3as paralelas a cada segunda frase da melodia e o emprego dos wood-blocks

produzem um colorido típico de danças gaúchas. Na segunda apresentação do tema, os

papéis são redistribuídos: a melodia passa para as cordas e madeiras agudas e os acordes da

harmonia, para os metais e fagotes.

A seresta da seção 5 também começa por um solo de harpa antes que a melodia migre

para a flauta, depois para o oboé e termine com violinos II e violas. As linhas individuais do

acompanhamento das cordas, sobretudo as dos violinos I e dos contrabaixos, além de

funcionar como suporte harmônico da melodia, são conduzidas a maneira de contracantos –

as vezes imitativos – resultando numa textura que se aproxima do tipo polifônico. Ao ser

retomada em fá menor, a melodia aparece inicialmente com dobramento em três oitavas –

violinos I e II e violas – enquanto o baixo recebe o reforço do clarone. A harmonização com

metais – tercinas em bouché nas trompas revezando com trompetes e trombones – confere

agora um caráter nobre e solene à seresta. As madeiras são basicamente empregadas em

dobramentos, ressaltando os contracantos mais importantes e ocasionalmente também a

melodia.

Na seção 6, a introdução à primeira subseção é marcada pelo ritmo de maracatu

apresentado pelo agogô. A movimentação crescente das cordas e a entrada de outras

percussões adensam a textura antes da entrada dos sopros com a melodia (c.370), que passa

para as cordas em seguida.

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No chorinho da subseção 6b parece haver a intenção de imitar também os timbres e

texturas característicos deste estilo. A clarineta – instrumento de sopro típico do choro – é

encarregada da melodia e as cordas, em pizzicato, lembram o acompanhamento de um violão,

com o baixo sendo atacado no tempo e o acorde no contra-tempo. Numa variação de timbres,

a melodia segue para as outras madeiras enquanto o pandeiro entra com um ritmo típico de

chorinho.

O toque de berimbau (c.383), empregado aqui pela única vez, sobre o pedal das

cordas simboliza a capoeira na subseção 6c. Partindo deste único elemento, a textura vai

novamente tornando-se mais densa através da superposição gradual dos diferentes elementos

retomados do 1º movimento.

Por ser uma seção de livre improvisação, a partitura não deixa clara a textura

resultante da “batucadência” na Coda. Mas a escrita dos módulos e as indicações do

compositor, além da sugestão de participação ad libitum de outros grupos de percussão,

indicam que o objetivo é uma sonoridade densa, com multiplicidade de ritmos e instrumentos

em dinâmica forte. A entrada dos módulos de madeiras, metais e cordas sobre a base da

percussão levam a textura a uma densidade máxima antes da resolução final em uníssono.

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4. J.A. de Almeida Prado: Oré-Jacytatá – Cartas Celestes no.8 4.1.O compositor Almeida Prado

Natural de Santos – SP, José Antônio Rezende de Almeida Prado3 (1943) iniciou seus

estudos ao piano com a professora Lourdes Joppert. Já nesta época, aos sete anos de idade,

compunha pequenas peças de maneira intuitiva. Pouco depois seguiu para São Paulo onde se

tornou aluno da pianista e compositora Dinorah de Carvalho. Assim, enquanto fazia seus

primeiros ensaios na composição, adquiriu sólidos conhecimentos pianísticos sendo até hoje

reconhecido como grande intérprete, sobretudo de suas próprias obras, e por sua capacidade

de improvisação ao instrumento.

Aos 14 anos passou a estudar composição com Camargo Guarnieri – o grande

compositor brasileiro da época – e harmonia e contraponto com Osvaldo Lacerda. O

nacionalismo de Guarnieri, fiel seguidor das idéias de Mário de Andrade, foi a maior

influência sobre o jovem compositor durante estes anos.

Aos 20 anos, reconhecendo que a linguagem nacionalista tornava-se ultrapassada,

chegou o momento de interessar-se pelo serialismo. Sendo esta técnica estranha aos seus

professores, Almeida Prado passou por fase autodidata em que deveu muito de seu

aprendizado à orientação informal com o amigo Gilberto Mendes que lhe mostrou as obras de

Schoenberg, Messiaen, Boulez e Stockhausen. Nesta época, em 1964, estreou sua primeira

obra sinfônica, Variações sobre um tema do Rio Grande do Norte para piano e orquestra,

composta ainda sob a tutela de Guarnieri mas já incorporando algumas influências do

dodecafonismo.

3 As informações sobre o compositor foram retiradas das seguintes fontes:

1. MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 2. COELHO, Francisco Carlos (coord.). Música Brasileira Contemporânea: Almeida Prado. Centro

Cultural São Paulo. Discoteca Oneyda Alvarenga, 2006. 3. BITONDI, Matheus G.: Um mestre da música contemporânea no Brasil, entrevista com o compositor

Almeida Prado. Publicada na revista virtual Trópico, disponível em http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2492,1.shl. Acesso em 5 set. 2006.

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Tendo se diplomado pelo conservatório de Santos em 1963, Almeida Prado

permaneceu alguns anos lecionando na mesma instituição. Em 1969 participou do 1º Festival

da Guanabara e sua obra Pequenos Funerais Cantantes – para solistas, coro e orquestra,

sobre textos de Hilda Hilst – recebeu o primeiro prêmio que possibilitou- lhe partir para a

importante temporada de estudos na Europa.

Após participar das aulas de György Ligeti nos cursos de verão de Darmstadt, na

Alemanha, o compositor seguiu para Paris onde iniciou o aprendizado com Olivier Messiaen

e Nadia Boulanger. As maiores influências de Messiaen ocorreram através dos ensinamentos

sobre rítmica, harmonia e timbre, além do misticismo marcante deste compositor. Com

Boulanger foram importantes as lições sobre forma, contraponto, harmonia e Almeida Prado

credita a ela o desejo nele infundido de “compatibilizar com originalidade a modernidade que

buscava com os frutos de experiências vividas e futuras” (Lacerda, 2006, p.18). Datam desta

fase a sua Sinfonia no.1(1970), o oratório Trajetória da independência (1972) e o importante

ciclo para piano denominado Ilhas (1973) no qual o compositor começa a explorar as

técnicas de ressonância.

Retornando ao Brasil em 1973, o compositor foi logo convidado a dirigir o

Conservatório Municipal de Cubatão onde expandiu as instalações e renovou os métodos de

ensino. Pouco tempo depois foi chamado pelo reitor Zeferino Vaz da UNICAMP para

integrar o corpo docente do instituto de artes da universidade. Nesta instituição concluiu sua

tese de doutorado – Cartas Celestes: uma uranografia sonora geradora de novas técnicas

composicionais – e permaneceu como professor de composição até sua aposentadoria em

2000.

Em entrevista a Hideraldo Grosso, realizada em 1995, o próprio Almeida Prado

sugere uma divisão de sua carreira de compositor em sete fases distintas (Grosso, 1997,

p.194). A 1ª fase, de 1952 a 1959, é denominada infantil, onde a produção desenvolveu-se a

partir da imitação do repertório com o qual começava a entrar em contato ao estudar piano,

como as Cirandinhas de Villa-Lobos.

A 2ª fase, de 1960 a 1965, compreende o período de estudos com Guarnieri e Osvaldo

Lacerda e é marcada pela influência nacionalista das idéias de Mário de Andrade transmitidas

por estes professores.

A 3ª fase, de 1965-1969, refere-se à época de aprendizado autodidata com a

orientação informal de Gilberto Mendes e caracteriza-se pela experimentação com o

atonalismo livre.

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O período de estudos na Europa com Messiaen e Boulanger, de 1969 a 1973, constitui

a 4ª fase. Aqui são marcantes os aprendizados rítmicos, harmônicos e timbrísticos resultando

num estilo de universalismo europeu.

A 5ª fase, de 1973 a 1983, é o período de desenvolvimento das técnicas de

ressonância e estabelecimento da linguagem transtonal. Importantes influências são a fauna e

flora brasileiras e a astronomia em obras como as Cartas Celestes.

A 6ª fase, de 1983-1993, é a fase pós-moderna, onde o compositor se permite misturar

diversas técnicas num ecletismo total, retomando elementos do passado e adaptando à sua

linguagem.

A última fase, a 7ª, à qual também pertence a obra enfocada em nossa pesquisa, tem

início em 1994 e caracteriza-se pelo emprego livre de elementos tonais em busca de

simplicidade.

A obra sinfônica de Almeida Prado é vasta e permeia todos os períodos de sua

carreira a exceção da fase infantil. O recente catálogo de obras organizado pelo Centro de

Documentação de Música Contemporânea da UNICAMP lista 20 obras sinfônicas, incluindo

as obras concertantes para instrumento solista e orquestra sinfônica (Mannis, 2006). Nas

primeiras fases sobressaem as obras para piano e orquestra: Variações sobre um tema do Rio

Grande do Norte (1963), dedicadas a Guarnieri, e as Variações Concertantes (1969).

A primeira obra orquestral da fase européia é a Sinfonia No.1 (1970), dedicada a

Nadia Boulanger e condecorada com o prêmio Lili Boulanger. Pertencem a esta época

também Cerimonial para fagote e orquestra (1971), encomenda da Orquestra Sinfônica

Brasileira, as Variações alegóricas para a independência em memória de D. Pedro I (1972) e

a obra Estações (1972).

A fase “ecológica” começa com mais duas obras para piano e orquestra: Exoflora

(1974), estreada em Graz, na Áustria, com o compositor ao piano e regência de John

Neschling, e Aurora (1975), dedicada a Sonia Muniz. Seguem-se duas obras compostas logo

após o início das atividades na UNICAMP: a Abertura Cidade de Campinas (1976) e a

Sinfonia UNICAMP (1976), dedicada ao então reitor Zeferino Vaz que tanto incentivou o

compositor. A obra Sabiá: monumento a Carlos Gomes (1977) foi composta em memória

deste compositor e recebeu o primeiro prêmio no Concurso de composição Carlos Gomes em

Campinas. O épico sinfônico Jucapirama (1980) é um balé baseado no poema homônimo de

Gonçalves Dias e dedicado a Guilherme Figueiredo. Estreada por Eleazar de Carvalho e a

Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a obra Cidade de São Paulo (1981) foi

encomendada pela Secretaria de Cultura deste estado. O extenso Concerto No.1 para piano e

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orquestra (1983), em nove movimentos, foi composto a pedido de Antônio Guedes Barbosa

e a ele dedicado.

A grandiosa Sinfonia dos Orixás (1985), já pertencente à fase pós-moderna, recebeu

recentemente uma nova edição elaborada por Carlos Fernando Fiorini como parte de seu

trabalho de doutorado em torno desta obra (Fiorini, 2003). Quinze Flashes de Jerusalém

(1991), originalmente composta para piano em 1989 e posteriormente orquestrada, baseia-se

na visita de Almeida Prado ao estado de Israel. Segundo Vasco Mariz, neste trabalho de

orquestração o compositor realizou novas experiências tímbricas na intenção de criar um

ambiente místico e oriental (Mariz, 2000, p.400).

Como primeira obra sinfônica da 7ª fase, a meditação sinfônica Arcos sonoros da

Catedral Anton Bruckner (1996) utiliza uma linguagem tonal livre e revisita alguns gestos

sonoros do grande compositor austríaco no ano em que foi celebrado o centenário de sua

morte (Mariz, 2000, p.401). A Fantasia para violino e orquestra (1997) foi encomendada

pela Prefeitura do Rio de Janeiro para celebrar a visita do Papa João Paulo II a esta cidade e é

dedicada à filha do compositor, a violinista Maria Constança de Almeida Prado. A obra

seguinte, também com violino solista, é o foco de nosso trabalho aqui: Oré-Jacytatá – Cartas

Celestes No.8 (1999), composta para a celebração dos 500 anos de descobrimento do Brasil e

dedicada às duas filhas do compositor. A última peça sinfônica constando no catálogo atual é

Variações Sinfônicas sobre um tema original (2005), encomendada pelo 36º Festival

Internacional de Inverno de Campos de Jordão, onde Almeida Prado atuou como compositor

residente, e lá estreada sob a regência de Roberto Minczuk, dedicatário da obra.

Em uma linguagem musical estabelecida ao longo de mais de quatro décadas de

atividade composicional, percebemos que o compositor “usa com inteira liberdade

modalismos, atonalismo serial, efeitos tímbricos estranhos, estruturas rítmicas altamente

elaboradas, conseguindo perfeita integração de todos estes elementos” (Neves, 1981, p.187).

Esta multiplicidade de técnicas, a liberdade de estilos e o ecletismo encontrados na enorme

produção de Almeida Prado – seu catálogo de obras conta com aproximadamente 400 títulos

– também estão presentes nas suas obras sinfônicas, como demonstraremos a partir de Oré-

Jacytatá.

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4.2. As Cartas Celestes

Em 1974, atendendo a uma encomenda da Prefeitura de São Paulo para compor uma

obra que servisse como fundo sonoro para os espetáculos no planetário municipal do

Ibirapuera, Almeida Prado escreveu o 1º volume das Cartas Celestes. Como base para este

trabalho resolveu utilizar o Atlas Celeste do Brasil de Ronaldo Freitas Mourão, que ilustra o

céu do Brasil e suas constelações em todos os meses do ano.

Aproveitando-se da utilização do alfabeto grego na classificação das estrelas pelo seu

brilho, Almeida Prado criou uma série de 24 acordes, cada um correspondendo a uma letra

deste alfabeto. Estes acordes pré-estabelecidos são então empregados – seguindo critérios

como clareza, luminosidade, transparência e densidade (Gubernikoff, 1999, p.188) – numa

descrição musical das constelações, estrelas e planetas presentes nas cartas celestes do céu do

Brasil de acordo com os meses do ano. Assim, como afirma Didier Guigue, o elemento base

das Cartas Celestes é o procedimento de serialização de blocos sonoros fixos, onde cada letra

do alfabeto grego – representando as estrelas de cada constelação – corresponde a um bloco

sonoro de intensa ressonância (Guigue, 2003, p.72).

Os acordes são estruturados de acordo com os princípios do transtonalismo, uma

linguagem harmônica que Almeida Prado estava desenvolvendo no início da década de 70 e

que ele define como “um sistema baseado na organização das ressonâncias” (Almeida Prado,

1985, p.4). As harmonias são geradas a partir de um uso consciente dos harmônicos

superiores e inferiores de uma fundamental, criando zonas de ressonância. Assim, o

transtonalismo torna-se “um sistema harmônico não rigoroso, tolerante, apto a suportar

dinâmicas tonais, atonais ou seriais” (Guigue, 2003, p.62). O piano evidenciou-se como o

instrumento ideal para a aplicação desta linguagem devido as grandes possibilidades de

ressonância que oferece. Como observa Marcos Branda Lacerda, que compara a escrita

pianística das Cartas Celestes a certas obras para piano de Boulez e Stockhausen, “essas

obras constituem painéis sonoros audaciosos e expressivos, construídos à luz do

experimentalismo e com o rigor de técnicas e intenções definidas” (Lacerda, 2006, p.23).

Tendo tomado como inspiração o céu do Brasil nos meses de agosto e setembro para

o 1º volume, o compositor voltou à composição das Cartas Celestes em 1981/82 e escreveu

os volumes Nos.2-6, completando um ciclo anual.

Em 1985, ao concluir o doutorado na UNICAMP, demonstrou em sua tese a criação,

o desenvolvimento e a aplicação dos processos composicionais das Cartas Celestes nos.1-6.

Na introdução deste trabalho encontramos uma colocação que mostra a visão do próprio

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compositor sobre a sua obra e suas intenções: “as Cartas Celestes, para a música

contemporânea, se propõe como uma tentativa de organizar a matéria sonora através de um

novo posicionamento: nem tonal, nem atonal” (Almeida Prado, 1985, p.4).

Mais de uma década depois, em 1997, a série foi retomada com as Cartas Celestes

No.7 – Constelações Zodiacais, para dois pianos e banda, encomenda da Banda sinfônica do

Estado de São paulo. Atualmente o catálogo de obras do compositor já lista 15 Cartas

Celestes, as últimas novamente compostas para piano solo.

4.3. A obra Oré-Jacytatá – Cartas Celestes no.8

Oré-Jacytatá foi composta no período relativamente curto de 40 dias entre 20 de

julho e 30 de agosto de 1999, segundo os dados que constam na partitura editada pela

Academia Brasileira de Música. A respeito do título e das suas intenções, o compositor

explica:

“Tomo como inspiração um gesto simbólico que representa o sentimento brasileiro do autor, orgulhoso de pertencer a gigante pátria, a Nação Maior do Terceiro Milênio – Brasil Esperança! A obra foi imaginada como uma sinfonia e um concerto, unidos em uma só obra, um grande mural sonoro. O céu da Bandeira Brasileira, as estrelas e as constelações colocadas na bandeira têm o título de Cartas Celestes no.8 – Oré-Jacytatá. Oré-Jacytatá, que significa ‘nossas estrelas’ em tupi-guarani, é uma sinfonia concertante para violino e orquestra; e também as Cartas Celestes no.8, ‘O Céu da Bandeira Brasileira’” (Almeida Prado, 2001, p.11).

Seguindo portanto a idéia fundamental da série das Cartas Celestes – a representação

sonora de corpos estelares – o autor toma como ponto de partida nesta obra as estrelas e

constelações que na bandeira brasileira representam os estados do Brasil. Contudo, aqui este

conceito já não domina a obra completamente, pois alguns dos movimentos, como os

interlúdios, não se restringem a determinados corpos celestes mas tomam como fonte de

inspiração uma idéia mais ampla como, por exemplo, “a magia da noite tropical”. Apenas o

4º e o 6º movimentos são estruturados a partir do conceito de blocos harmônicos pré-

estabelecidos que caracterizou os seis primeiros volumes das Cartas Celestes.

A obra está estruturada em sete movimentos que, interligados ora por notas comuns

sustentadas, ora pela indicação attacca, devem ser executados sem interrupção:

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1. “Prelúdio: O esplendoroso céu visto de Porto Seguro – 1500 Anno Domini” 2. “Toccata Estelar – Via Láctea” 3. “Interlúdio I – As saudades na noite tropical” 4. “As Estrelas e Constelações da Bandeira Brasileira” 5. “Interlúdio II – A magia da noite tropical” 6. “Scherzo Ígneo – Constelação de Escorpião” 7. “Posludio: O Sol do Terceiro Milênio – 2000 Anno Domini”

Nesta disposição reconhecemos uma certa simetria em torno do movimento central,

que além de ser o mais longo, é também o que dá o título à obra pois é seccionado de acordo

com algumas das estrelas e constelações da bandeira brasileira. O “Prelúdio” forma um par

com o “Poslúdio”, a “Toccata” corresponde ao “Scherzo”, ambos com escrita virtuosística, e

os dois “Interlúdios”, predominantemente líricos e melódicos, formam o terceiro par.

Esta simetria já foi posta em evidência na tese de doutorado ‘Sinfonia dos Orixás’ de

Almeida Prado: um estudo sobre sua execução através de uma nova edição, crítica e

revisada de Carlos Fernando Fiorini, onde o autor faz uma comparação da estrutura formal

geral empregada por Almeida Prado nas obras que receberam o título de “sinfonia”: Sinfonia

no.1 (1970), Sinfonia UNICAMP (1976), Sinfonia dos Orixás (1985), Sinfonia Apocalipse

(1990), e Oré-Jacytatá (1999), que o próprio compositor considera uma “sinfonia

concertante”. Fiorini coloca que com a exceção da Sinfonia no.1, cada uma destas obras

possui um movimento central de peso maior que identifica como núcleo da obra: “Embora

com características próprias, esses núcleos estão divididos em unidades menores, quase

sempre unidas diretamente entre si. Isto cria um certo padrão de identidade de escrita na

estrutura das sinfonias de Almeida Prado” (Fiorini, 2004, p.29). A respeito da organização

formal específica em Oré-Jacytatá, o mesmo autor faz ainda outro comentário:

“De estrutura geral concêntrica, em forma de arco, novamente apresenta introdução e conclusão curtas. O segundo e penúltimo movimentos apresentam escrita concertante e virtuosística para o violino. 2 interlúdios enquadram o movimento central, o qual apresenta-se seccionado, tal como encontramos na Sinfonia dos Orixás e na Sinfonia Apocalipse” (Fiorini, 2004, p.26).

A orquestra em Oré-Jacytatá é composta pelo seguinte instrumental: 1 violino solista,

1 flautim, 2 flautas, 2 oboés (1 dobrando com corne- inglês), 2 clarinetas, 2 fagotes, 5

trompas, 3 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, tímpanos, percussão, harpa e cordas. Na

percussão, além dos tímpanos, encontramos marimba, vibrafone, sinos tubulares, bombo,

pratos, tam-tam e celesta. Sobressaem neste naipe os instrumentos de sonoridade metálica, o

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que remete novamente a Olivier Messiaen que também nutria uma forte preferência por estes

timbres e os empregou extensamente em obras como Couleurs de la cite celeste (1963) e Et

exspecto resurrectionem mortuorum (1964). Por outro lado, a temática dos corpos celestes

permite-nos estabelecer também um paralelo com a suite The Planets (1914) do compositor

inglês Gustav Holst. A utilização dos instrumentos de percussão metálicos nesta obra,

sobretudo a celesta no último movimento, é bastante semelhante àquela em Oré-Jacytatá.

A obra, cuja duração proposta na partitura é de 25 minutos, foi estreada na Sala

Cecília Meirelles, no Rio de Janeiro, em 14 de setembro de 2000 pela Orquestra Sinfônica

Brasileira sob a regência da maestrina Lígia Amadio. Na ocasião, a parte solista foi

interpretada pela violinista Maria Constança Audi de Almeida Prado.

A partitura, dedicada a Ana Luiza e Maria Constança, as duas filhas do compositor, é

precedida pelo Soneto XIII da coleção Via-Láctea do poeta Olavo Bilac:

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,

Que para ouvi- las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto A via- láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê- las!

Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender as estrelas.”

4.3.1. “Prelúdio: O esplendoroso céu visto de Porto Seguro – 1500 Anno Domini”

4.3.1.1. Forma

Nas palavras do compositor, “a obra inicia-se com o céu esplendoroso de

Porto Seguro, em 1500, pelos olhos encantados de Pedro Álvares Cabral” (Almeida Prado,

2001, p.11). Extremamente curto, o “Prelúdio” assume a função de introdução da obra e

parece buscar descrever musicalmente a sensação de observar um céu límpido e estrelado.

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Com apenas 26 compassos e pouco mais de um minuto de duração, o “Prelúdio”, de

caráter tranqüilo, funciona como preparação para a vigorosa “Toccata” que se segue. Sem

apresentar fragmentos melódicos recorrentes, ele é composto por uma única seção, que só

pode ser subdividida internamente pelas mudanças de timbre e textura. Inicialmente há um

gradual adensamento textural até a entrada do solista (c.9) cujos arpejos, em seguida,

ocorrem sobre um prolongado acorde pedal. O c.19 causa um contraste súbito, talvez

descrevendo a visão repentina de uma estrela cadente. A última parte segue gerando

expectativa com um diálogo de trêmolos entre violino solo e celesta.

4.3.1.2. Harmonia

Após começar por uma única nota, o lá super-agudo dos primeiros violinos, a entrada

das percussões metálicas sugere inicialmente a região de ré maior, através de arpejos

pertencentes a esta tonalidade. Aos poucos a harmonia vai tornando-se mais dissonante,

primeiramente com o emprego de 2as na percussão e em seguida com a entrada de todas as

cordas, provocando vários intervalos de 2ª menor. A entrada do solista permanece dentro da

escala de Ré Maior, apesar do emprego de trinados cromáticos. No c.12 o acorde prolongado

das cordas é uma superposição das quatro notas do arpejo do solista: sol – lá – fá# – sol# . A

movimentação do c.19 é formada por uma cadeia descendente de tríades cromáticas sobre

outra ascendente. Nos últimos compassos predominam os intervalos de 3ª e relações de 7ª

maior na celesta.

4.3.1.3. Orquestração e textura

O timbre é um dos parâmetros mais marcantes do Prelúdio. Devido ao uso contínuo

de harmônicos nas cordas e das percussões metálicas, a música permanece o tempo todo na

região aguda e super-aguda (as cordas soltas do solista são as notas mais graves de toda a

seção). Todos os instrumentos de corda atuam permanentemente no extremo de sua tessitura.

O emprego destes recursos, além da presença constante de rápidos arpejos, trinados e

trêmolos condiz com o objetivo do compositor de retratar o céu estrelado a noite.

Texturalmente pode-se distinguir três momentos. Inicialmente há um adensamento

gradual: começando apenas com os violinos I, as percussões metálicas e as cordas têm

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entradas sucessivas concluindo com a entrada do solista. Este então inicia sua movimentação

em grandes arpejos sobre um prolongado pedal das cordas. O último trecho caracteriza-se

pelo diálogo entre violino solo e celesta.

4.3.2.“Toccata Estelar – Via Láctea”

4.3.2.1.Forma

Almeida Prado descreve o segundo movimento como “uma tocata estelar, mostrando

a Via Láctea num turbilhão de texturas orquestrais em contínua mutação, onde o alto

virtuosismo do violino solo tece guirlandas de luzes siderais” (Almeida Prado, 2001, p.11).

Assim, como este comentário revela, a “Toccata” está formalmente organizada em uma

seqüência de seções que contrastam através de seus aspectos harmônicos e texturais. O

desenvolvimento acontece através das constantes variações de textura e timbre enquanto a

unidade é assegurada pelo caráter permanente de toccata onde o solista permanece num

movimento quase contínuo de alta virtuosidade.

Ao observar a partitura, percebemos que a colocação das letras de ensaio corresponde

às mudanças de pólos harmônicos. Portanto, estes pólos funcionam como elemento

diferenciador das seções e as suas mudanças, de forma geral, coincidem com as variações

mais marcantes de timbre e textura. A “Toccata” apresenta então 14 seções identificadas

pelas letras de A a N. Algumas seções, como E ou K, que têm apenas alguns compassos e

são dominadas por um único acorde, funcionam mais como transição entre duas seções

maiores do que como trechos autônomos. Já as seções mais longas, como J, podem

apresentar variações internas de textura e diferentes resultados harmônicos ainda que

construídos sobre o mesmo pólo harmônico.

O violino solista inicia a “Toccata” com a apresentação de uma idéia melódica, na

região de Ré Maior, que adquire alguma importância no contexto deste movimento (Exemplo

22a). Embora não possamos afirmar que esta melodia seja submetida a um desenvolvimento

temático, ela retorna ainda duas vezes com pequenas variações: num solo de trompa, na

região de Réb mixolídio, na seção I (Exemplo 22b) e novamente no violino solista, na região

de Lá Maior, na seção M (Exemplo 22c). O desenho rítmico em 5as paralelas apresentado

pelo solista no c.46 será reaproveitado mais adiante, no “Scherzo”.

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Exemplo 22: A melodia recorrente da “Toccata” em suas três versões

Como, com a exceção desta melodia, as seções da “Toccata” se caracterizam

sobretudo pelas suas qualidades texturais e harmônicas, uma descrição mais detalhada de

cada seção será dada a seguir, na abordagem destes aspectos.

4.3.2.2.Harmonia

A principal característica da linguagem harmônica na Toccata Estelar é o emprego de

acordes baseados nos princípios de ressonância. A harmonia é gerada a partir de uma nota

fundamental – um pedal – ao qual podem se superpor todos os seus possíveis harmônicos, de

acordo com a escolha do compositor. Como coloca Carole Gubernikoff em sua análise da

Missa de São Nicolau (1986), que também utiliza os mesmos princípios harmônicos, trata-se

de uma harmonia com “caráter timbrístico de bases ‘naturais’, com a nota do baixo

determinando a série dos parciais harmônicos” (Gubernikoff, 1999, p.187). Tendo em vista

estes conceitos, a autora faz uma descrição de sua aplicação na orquestração da Missa:

“[...] encontramos três níveis de dificuldade, três planos sonoros que vão distribuir, de maneira diferenciada e complementar, a textura musical. O nível das notas graves, que apóiam a harmonia, muitas vezes em notas longas sustentadas, principalmente por conta do trombone, violoncelos e contrabaixos. O nível médio, ocupado por tríades e densidades transparentes, onde se encontram principalmente o coral, as cordas e os sopros, e o nível agudo, onde a densidade se estreita e adensa e os acordes tornam-se mais complexos e cromáticos. Este princípio de distribuição dos registros e das densidades baseia-se no princípio de que a música deve respeitar a natureza do som [...]” (Gubernikoff, 1999, p.192).

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Os mesmos conceitos são utilizados no 2º movimento de Oré-Jacytatá: na maior parte

das seções há uma tríade fundamental maior, que permanece nos registros grave e médio,

com diversas tensões superpostas que podem ser fixas ou variar. A quantidade e a disposição

dos harmônicos em cada acorde, assim como a orquestração, determinam os níveis de tensão

e relaxamento. A nota/tríade fundamental pode, assim, estar em maior ou menor evidência.

A alternância de diferentes harmônicos sobre a mesma fundamental gera movimento e evita

que a harmonia torne-se excessivamente estática. O contraste harmônico entre as seções é

provocado ainda pelo fato de cada uma utilizar uma fundamental diferente. Assim,

estabelecendo mais uma vez a influência dos ensinamentos de Messiaen sobre a linguagem

de Almeida Prado, torna-se importante “o conceito de harmonia timbrística ou, ainda, de

harmonia associada a cores mais do que a intervalos, [...] crucial para o entendimento da

posição adotada por esta geração de discípulos de Messiaen” (Gubernikoff, 1999, p.186).

A linguagem harmônica da “Toccata” é, portanto, governada por um princípio

fundamental constante, comum a todas as seções. Exemplificaremos o emprego deste

princípio em algumas seções específicas antes de concluir propondo uma redução harmônica

para todo o movimento.

Na seção B os fagotes, trompas e clarinetas permanecem continuamente numa tríade

de Láb maior, apresentando apenas mudanças de posição da mesma. È no flautim, nas

flautas nos oboés que as tensões são superpostas a esta tríade, com trítonos, 6as e 7as em

relação à fundamental. Observe-se também que nos movimentos escalares das cordas, de

acordo com o emprego da técnica de ressonância, na região grave dos violoncelos e

contrabaixos a escala empregada é a de Láb Maior, já nas oitavas superiores – a partir do dó3

– temos a presença do 7º grau abaixado (solb nos violinos e violas), correspondendo ao que

seria o 7º harmônico da fundamental láb.

O Exemplo 23, representando os primeiros compassos da seção C, ilustra, a partir do

naipe das cordas, a variação das tensões nos registros superiores sobre uma fundamental

constante. O pedal de dó permanece continuamente na base do acorde, passando apenas

pelos saltos de 8va que geram movimento.

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Exemplo 23: Variação das tensões sobre uma fundamental constante (c.66-73)

A seção D é uma exceção dentro deste movimento, pois trata-se do único momento

em que o compositor está aparentemente aplicando o conceito de ressonância inferior.

Enquanto nos registro superiores há uma tríade clara de mib menor, a medida que

caminhamos para o grave as tensões se acumulam, formando um cluster (Exemplo 24).

Exemplo 24: Acorde com ressonância inferior (c.93)

Nas três partes da seção J, apesar de utilizarem a mesma fundamental fá, o resultado

harmônico é diferente. O acorde nos dois compassos introdutórios segue a estrutura dos

acordes de ressonância. Já com a entrada dos metais (c.125/126) temos, sobre a tríade de Fá

Maior dos trombones, uma superposição de todos os graus da escala de fá lídio, um cluster só

com as notas naturais. Ao mesmo tempo o solista atua na região de fá menor. Os

movimentos escalares de todo o naipe de cordas, apesar de permanecerem dentro da diatônica

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do mesmo fá lídio, acabam resultando numa “mancha” sonora que turva fortemente a tríade

fundamental.

Na seção M os diversos arpejos nas cordas, assim como os acordes dos sopros,

revelam o pólo harmônico de Lá Maior, tonalidade na qual o solista retoma a melodia inicial.

A conclusão em Ré Maior sugere pela primeira vez uma relação funcional de dominante e

tônica entre as seções M e N e contribui para o estabelecimento desta tonalidade como pólo

principal da obra.

As 14 seções da “Toccata”, separadas de acordo com seus pólos harmônicos, resultam

no seguinte encadeamento: Ré – Láb – Dó – mib – Solb – Sib – Mi – Sol – Réb – Fá – Si –

Mib – Lá – Ré (Exemplo 26). Percebemos que cada uma das doze alturas ocorre uma vez e

duas delas se repetem: o Ré serve como ponto de partida e conclusão e assume, assim, uma

função de pólo principal (tônica). O Mib aparece uma vez com tríade menor (D) – e

ressaltamos que esta única tríade menor ocorre justamente no momento em que o compositor

aplica o conceito de ressonância inferior – e outra com tríade maior (L). Constatamos, além

disso, que esta seqüência privilegia as relações intervalares de 3ª e de trítono, embora não de

maneira sistemática. Depois do trítono inicial seguem-se quatro relações de 3ª após as quais

trítono e 3ª passam a alternar-se regularmente antes que a última relação, de 4ª justa, feche a

seqüência. Portanto, o emprego das relações de 3ª e trítono funciona como uma maneira de

evitar as relações funcionais de 4ª e 5ª, guardando este recurso apenas para uma cadência

final autêntica.

O Exemplo 25 representa uma redução harmônica da “Toccata”, separando os três

níveis em que a textura harmônica é distribuída. Enquanto nos níveis grave e médio a

harmonia se prolonga, movimentada apenas por mudanças de posição e saltos de oitava, no

nível agudo as alturas podem variar e acumular-se provocando diferentes níveis de tensão e

relaxamento. As notas brancas representam as alturas que permanecem constantes,

sustentadas durante quase toda a seção. As notas pretas são as tensões que se alternam e/ou se

acumulam nos registros superiores.

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Exemplo 25: Redução harmônica da “Toccata”

4.3.2.3. Orquestração e textura

A textura e o timbre revelam-se como os aspectos estruturais mais importantes da

“Toccata Estelar”. Na ausência de elementos motívicos recorrentes, o desenvolvimento

musical acontece através da variação permanente destes aspectos, “num turbilhão de texturas

orquestrais em contínua mutação” (Almeida Prado, 2001, p.11). De maneira geral, as

variações de timbre e textura coincidem com as mudanças dos pólos harmônicos assinaladas

pelas letras de ensaio, no entanto também pode haver variações dentro de uma mesma seção.

Conseqüentemente, há texturas que permanecem durante trechos maiores e outras que duram

apenas alguns compassos. Em função das estruturas harmônicas utilizadas, é freqüente o uso

de pedais e acordes em posição aberta no registro grave tanto nas cordas (violoncelos e

contrabaixos) como nas madeiras (fagotes) e metais (trompas, trombones e tuba).

Durante todo o movimento percebe-se a preocupação em deixar o violino solista em

evidência. Isto é verificado pelo emprego de dinâmicas diferenciadas: na orquestra

predominam p e pp – sobretudo nos momentos de maior densidade textural – e há muito

poucos momentos em f ou ff. Já para o solista as dinâmicas fortes são mais freqüentes e os

pianos são reservados para os momentos de caráter mais lírico e expressivo.

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A seção A parte de uma textura semelhante à do “Prelúdio” para incorporar outros

elementos aos poucos. Predominam os sons cristalinos das percussões metálicas de sinos

tubulares, vibrafone e celesta. O recurso inicial usado no vibrafone e nos sinos tubulares é

bastante empregado no decorrer da peça: trata-se de um glissando duplo, executado

simultaneamente sobre as notas naturais e as notas alteradas. O resultado é um glissando

pentatônico (com as notas alteradas) sobre outro diatônico (com as notas naturais), ambos

unidos através do acionamento do pedal. Outro efeito tímbrico marcante é o dobramento da

linha do solista na celesta, colorido inicialmente com trinados. As cordas têm aqui a função

de sustentar o acorde pedal, no entanto este acorde é enriquecido com movimentos internos

através de mudanças de oitava da fundamental e da variação das tensões nos harmônicos dos

violinos. No violino solista sobressai o emprego de trinados e das cordas soltas, gerando um

efeito de virtuosidade como pode ser observado nos arpejos em sextinas (c.36-38).

A primeira entrada dos sopros e a saída momentânea das cordas caracterizam o início

da seção B. A textura, porém, permanece similar à anterior com os sopros agora sustentando

o acorde pedal. Bastante freqüente na orquestração de Almeida Prado é o uso de entradas

ritmicamente deslocadas na formação de um acorde, que podem acontecer de maneira

ascendente ou descendente gerando um desenho em escada (Exemplo 26). Pode-se também

perceber a estruturação típica do acorde, com a tríade fundamental nos registros grave e

médio e tensões no agudo.

Exemplo 26: Entradas sucessivas formando desenho em escada (c.53-54)

No início da seção C pode-se observar novamente a montagem em escada dos

acordes, a partir da fundamental nas cordas (c.65) e nos sopros (c.68). Após as seções A,

com cordas sustentando o acorde pedal, e B, com madeiras nesta função, aqui os dois naipes

se juntam gerando outro colorido. As entradas sucessivas dos sopros, começando com tuba e

terminando com flautim, provocam um crescendo que culmina no momento climático do

c.79. Aqui temos novamente os glissandos duplos – agora por movimento contrário – de

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sinos tubulares e vibrafone (Exemplo 27), enquanto nos violinos e violas há um glissando

descendente em trêmolo.

Exemplo 27: Glissando duplo de vibrafone (c.79)

Apesar de permanecer dentro da mesma seção, com o mesmo pólo harmônico, há

uma mudança de textura após este clímax. Os metais assumem a sustentação da harmonia e

as cordas retornam com entradas imitativas (c.82) que levam a outro acorde pedal sobre o

qual voltam a intervir as percussões metálicas.

O uso de um novo conceito estrutural na harmonia da seção D provoca uma

orquestração diferente. Enquanto nos registros superiores das madeiras e primeiros violinos,

o acorde de mib menor ressoa claramente, o pedal grave é turvado pelos trombones e cordas

graves que geram pequenos clusters. A saída em glissandos das cordas coincide com a

primeira entrada da harpa, também executando glissandos livres.

As seções E, F e G caracterizam-se pela formação de acordes por entradas sucessivas

em escada, com o colorido orquestral alternando entre madeiras, cordas e metais. A seção G

apresenta uma mudança interna de textura com a entrada das cordas. Superpondo ostinatos

diferentes em cada naipe, o compositor cria uma poliritmia com subdivisões simultâneas em

três, quatro e cinco (Exemplo 28).

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Exemplo 28: Textura com superposição de diferentes ostinatos nas cordas (c.105-107)

As madeiras adotam esta mesma textura nos compassos iniciais da seção H. Em

seguida, enquanto os sopros permanecem sustentando o acorde pedal, as percussões

metálicas criam outro tipo de textura que remete ao início da “Toccata”: intervalos de 2ª nos

sinos tubulares, acordes paralelos no vibrafone, a celesta dobrando o violino solo e

glissandos de harpa.

A seção I tem uma textura bastante singular dentro da tocata, pois é a única que

apresenta um solo para um instrumento da orquestra. A 1ª trompa retoma a melodia inicial

sobre um acorde pedal estático das cordas enquanto o violino solo permanece em rápidos

desenhos escalares.

A seção J é introduzida por entradas sucessivas em trinados das madeiras, provocando

um crescendo que leva à entrada dos metais. Este naipe, que durante a “Toccata” tinha

ficado um pouco a sombra dos outros, passa a dominar a textura com articulações rápidas, a

maneira de fanfarra, nos trompetes e trompas e o acorde pedal nos trombones e tuba.

Mudando a dinâmica para pp, são intercalados acordes em harmônicos nas cordas. Numa

mudança súbita de textura, os cinco grupos do naipe de cordas, em divisi a três, passam a

executar rápidos desenhos escalares em tríades paralelas (Exemplo 29) . No resultado

produzido é difícil discernir os movimentos individualmente, percebe-se antes uma massa

sonora densa e movida. Processos texturais como este sugerem a influência de György Ligeti

– de cujas aulas Almeida Prado participou em Darmstadt – que explorou intensamente estes

recursos nas obras orquestrais da década de 60 como Atmosphères (1961) e Lontano (1967).

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Exemplo 29: Textura gerada por movimentos escalares das cordas (c.130-132)

Nas madeiras ouve-se um grande arpejo ascendente que começando nos fagotes,

segue por clarinetas, oboés e flautas terminando no flautim, sempre com dobramento de

vibrafone. Trompas, trombones e tuba retomam o mesmo acorde inicial dos metais, porém

agora como acorde sustentado e não articulado. Observa-se mais uma vez nos últimos

compassos desta seção o dobramento entre vibrafone e violino solo.

Na seção K, ao mesmo tempo em que a densa textura da seção anterior é levada ao

seu clímax em ff, um acorde é introduzido nas madeiras em pp. Assim o compositor cria um

novo efeito, suspendendo subitamente o denso tutti de cordas e metais o acorde das madeiras

surge de repente, como se estivesse sendo tocado a distância. Da mesma forma, na seção L,

enquanto ressoa o acorde das madeiras, outro é introduzido em ppp nos metais para depois

crescer ao fff. Dessa maneira, as elisões existentes nas passagens das seções J para K e K

para L e o jogo de dinâmicas empregado resultam num efeito interessante, pois o timbre

parece ser submetido a um processo de transformação gradual em vez de sofrer mudanças

repentinas. Este tipo de procedimento que explora os recursos de timbre e dinâmica no

conjunto sinfônico sugere novamente a influência da escrita orquestral de Ligeti.

A seção M começa com uma nova textura das cordas em que diversos recursos

tímbricos são sobrepostos resultando numa textura densa e variada: arpejos com cordas

soltas, trêmolos, trinados, rápidos ostinatos, arcadas sul ponticello e harmônicos (Exemplo

30). Observe-se também a diferenciação de dinâmicas: quando há muita movimentação a

dinâmica é ppp, quando não, é apenas pp. O contexto harmônico é assegurado por acordes

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nas madeiras e trompas. O retorno da sonoridade das percussões metálicas a partir do c.150

lembra a textura do “Prelúdio” e do início da “Toccata”. O acorde de final de Ré Maior é

dado pelas cordas em harmônicos e soa particularmente transparente devido ao contraste com

a textura anterior.

Exemplo 30: Textura com diversos efeitos nas cordas (c.145-146) 4.3.3. “Interlúdio I – As saudades na noite tropical”

4.3.3.1. Forma

Seguindo a descrição do compositor, o terceiro movimento da obra é “um interlúdio

de um clima luso brasileiro [que] canta este sentimento tão nosso, numa única e longa

melodia lírica, dada pelo violino solo em intensa paixão” (Almeida Prado, 2001, p.12).

Contrastando, portanto, com a variedade e virtuosidade da “Toccata”, o “Interlúdio I” é

dominado por uma atmosfera única, predominantemente lírica.

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Formalmente o “Interlúdio I” pode ser dividido em quatro partes que estão novamente

de acordo com a disposição das letras de ensaio: (1) introdução, (2) 1ª seção, (3) 2ª seção e

(4) coda.

Ainda enquanto soa o acorde final de Ré maior da “Toccata”, o corne- inglês introduz

uma 7ª menor no c.157. Assim, este acorde funciona como elisão entre os dois movimentos,

é ao mesmo tempo acorde final da “Toccata” e transição para o “Interlúdio I”. A introdução

deste (c.158-165) caracteriza-se então por um longo solo de corne- inglês, sem qualquer

acompanhamento, com a indicação “noturnal”.

A 1ª seção (c.166-174), correspondente à letra de ensaio P, começa com a exposição

de uma melodia no violino solo (Exemplo 31) com a indicação “cansado muito expressivo e

lírico, saudoso”. Esta idéia é desenvolvida livremente sobre o acompanhamento suave de

cordas e trompas.

Exemplo 31: Melodia do Interlúdio I

A letra Q marca o início da 2ª seção (c.175-190), começando por uma reexposição

transposta da melodia inicial. Enveredando agora por outros caminhos harmônicos, ela é

então submetida a um novo desenvolvimento.

Aumentando um pouco o andamento, a coda (c.191-203) do “Interlúdio I” é composta

por uma curta seção intitulada “Luz Zodiacal” que funciona como preparação para o

movimento central. A ausência do violino solo e o emprego das percussões metálicas

remetem novamente ao início da obra, sugerindo a textura “estelar”.

4.3.3.2. Harmonia

Excluindo a introdução monódica e a coda, a linguagem harmônica do “Interlúdio I” é

fundamentalmente triádica com emprego constante de 7as e 9as assim como notas melódicas

decorrentes da condução de vozes nas cordas. Numa linguagem tonal expandida, é possível

identificar pólos tonais e relações funcionais enriquecidas por justaposições harmônicas não-

funcionais e inclinações para tons distantes.

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Na 1ª seção, a exposição da melodia acontece inicialmente na região de ré menor. O

encadeamento do c.170, envolvendo a relação de 2ª aumentada, repete-se também nos dois

compassos seguintes, gerando uma marcha harmônica descendente por tons inteiros. A 2ª

seção retoma a melodia na região de dó menor e reproduz a princípio o encadeamento plagal

inicial. Seguem inclinações para outras regiões, como fá# menor, antes que uma cadência

autêntica conduza de volta à tonalidade inicial de ré menor (c.183-184), fortalecendo a

importância deste pólo dentro de toda a obra. Um encadeamento por relações de 3ª

descendentes passa por si menor e sol maior antes que esta seção conclua com um acorde de

Mi Maior com 7ª menor e 9ª maior. O Exemplo 32 representa a condução harmônica destas

duas seções do “Interlúdio I”.

Exemplo 32: Redução Harmônica do Interlúdio I (c.166-190)

A coda emprega uma harmonia bastante contrastante. Similarmente ao efeito descrito

anteriormente como glisssando duplo, os sinos tubulares trabalham com duas escalas

superpostas, uma com as notas naturais e outra com as notas alteradas, utilizando portanto as

doze notas da escala cromática. No vibrafone e na celesta a predominam os intervalos de 2a.

Contudo, parece-nos que aqui o efeito tímbrico é mais importante do que o resultado

harmônico.

4.3.3.3. Orquestração e Textura

Após a multiplicidade de texturas densas na “Toccata”, o “Interlúdio I” começa por

um trecho monódico conferido ao corne- inglês, cujo som lamentoso combina com a

atmosfera “saudosa” intencionada pelo compositor.

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Nas duas seções de exposição da melodia a textura é de melodia acompanhada, o

violino solo domina plenamente sobre a base harmônica das cordas. Na textura do

acompanhamento é evidente a preocupação com a condução de vozes e em alguns momentos

ocorrem sugestões de imitação da melodia nos contrapontos das vozes intermediárias

(Exemplo 33). Os contrabaixos são divididos para possibilitar a sonoridade simultânea de

arco e pizzicato. As trompas são empregadas em dois momentos apenas como reforço na

harmonia e não participam da condução de vozes.

Exemplo 33: Condução de vozes na textura das cordas no “Interlúdio I” (c.166-170)

A coda é reservada à sonoridade das percussões metálicas. Os trêmolos de vibrafone

e celesta e as escalas dos sinos tubulares são acompanhadas pelo rufar suave de um prato

suspenso. A escolha destes timbres específicos procura sugerir a visão da “Luz Zodiacal”,

uma luminosidade tênue provocada ao nascer do sol pela reflexão da luz solar em partículas

meteoríticas.

4.3.4. “As Estrelas e Constelações da Bandeira Brasileira”

4.3.4.1.Forma

O 4º movimento de Oré-jacytatá, o mais longo em termos de duração, ocupa a

posição central na obra, funcionando como eixo de simetria para os outros seis movimentos.

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Formalmente, está organizado em uma seqüência de seções justapostas – de tamanho variável

– retratando algumas das estrelas e constelações da bandeira brasileira. Tal como acontece

na “Toccata”, estas seções diferenciam-se pelas características texturais e harmônicas e pelos

andamentos, não havendo elementos melódicos recorrentes.

No total há oito seções que dividem os 97 compassos do 4º movimento de acordo com

as seguintes estrelas e constelações: (1) Procyon (Cão Menor) e Alphard (Hydra Fêmea); (2)

Cão Maior;(3) Sirius; (4) Canupus; (5) Cruzeiro do Sul; (6) Sigma do Oitante; (7) Triângulo

Austral e (8) Nebulosa Planetária NGC 3242.

As seções menores duram apenas alguns compassos, já as maiores, como Cruzeiro do

Sul, podem apresentar subseções internas com texturas, harmonias e andamentos

contrastantes. A maioria das estrelas e constelações que dão forma a este movimento já

foram retratadas nos primeiros seis volumes das Cartas Celestes e, portanto, o compositor

realiza aqui uma segunda caracterização das mesmas.

Como as seções não são caracterizadas por elementos motívicos ou melódicos e sim

pelos seus aspectos harmônicos, texturais e timbrísticos, a descrição de cada uma será

elaborada na abordagem destes aspectos.

4.3.4.2.Harmonia

No 4º movimento Almeida Prado retoma, com algumas inovações, o procedimento

harmônico original desenvolvido nos seis primeiros volumes das Cartas Celestes: a

utilização de blocos harmônicos pré-estabelecidos. A principal diferença é que o compositor

cria novos acordes e não reutiliza aqueles empregados nas primeiras obras da série e

catalogados na sua tese de doutorado. A evidência mais clara disto é que os acordes originais

eram identificados por letras do alfabeto grego enquanto em Ore-Jacytatá, são utilizadas as

vogais do alfabeto latino diferenciadas por diversos tipos de acentos: agudo, grave,

circunflexo, til, trema, etc. De maneira geral, a movimentação melódica do violino solista

em cada seção é construída a partir das notas dos blocos harmônicos empregados.

A segunda grande diferença diz respeito à flexibilidade da estrutura dos acordes. De

maneira geral, nas Cartas Celestes vols.1-6, os acordes aparecem apenas em seu estado

fundamental. E m alguns volumes os acordes ocorrem em determinadas transposições, mas

sempre utilizando a mesma organização intervalar interna. Em Oré-Jacytatá, embora haja

elementos constantes que tornem possível a identificação dos acordes, a organização

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intervalar não é fixa, podendo ocorrer mudanças na sua estrutura e dobramentos internos em

várias oitavas. Além disso, também pode haver acréscimos e exclusões de notas em cada

acorde. Assim, nas diferentes estrelas e constelações, o mesmo bloco sonoro pode aparecer

em diversas versões que apresentam pequenas diferenças entre si. Também ocorre que entre

dois acordes distintos haja um breve momento de superposição, onde ambos soam

simultaneamente.

A estrutura dos acordes utilizados nas seis primeiras Cartas Celestes obedece

principalmente aos conceitos de ressonância do compositor. São freqüentes os clusters e os

acordes em duas seções com grande espaçamento entre elas, raramente é possível identificar

um conceito principal de estruturação intervalar em cada acorde. Já em Oré-Jacytatá, como

nossa análise demonstrará, os acordes podem ter uma organização intervalar principal. Nos

acordes identificados pela letra a, que são os mais recorrentes neste movimento, os intervalos

de 3ª têm uma importância estrutural evidente assim como a nota dó# e a tríade maior ou

menor sobre ela.

Finalmente, além do desenvolvimento e das transformações da linguagem de Almeida

Prado ao longo dos mais de 20 anos que separam as primeiras seis Cartas Celestes de Oré-

Jacytatá, é preciso levar em conta que os acordes do catálogo original foram pensados para

utilização no piano, instrumento de grandes capacidades de ressonância. Ao elaborar os

acordes para a distribuição num conjunto orquestral, o compositor certamente p artiu de

outros conceitos fundamentais, levando em conta questões como timbre, dobramentos,

equilíbrio de dinâmicas e outras.

O primeiro bloco apresentado, o bloco á, tem uma sonoridade bastante densa

resultante de um acorde composto por 11 notas distintas (falta- lhe apenas o mib). Na

organização das alturas, reconhecemos na base uma tríade de Dó# Maior, sustentada pelos

metais graves. Oitavando apenas algumas notas do acorde podemos chegar a uma

organização das 11 classes de altura do acorde através de intervalos de 3ª. O exemplo 34

demonstra a montagem original do acorde, tal como se apresenta ainda em outras seções do

movimento, e a sua versão por superposição de 3as.

Exemplo 34: O bloco harmônico á em Procyon e Alphard (c.204-207)

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Em Cão Maior é utilizado o bloco ã (Exemplo 35), que apresenta duas seções

distintas, uma de origem triádica (uma tríade menor: dó# – mi – sol#) e outra com estrutura

quartal (ré – sol – dó – fá). A linha melódica do violino solo utiliza-se apenas destas sete

notas, porém sem restringi- las a uma oitava específica. O dobramento das duas seções em

registros diferentes demonstra a flexibilidade de organização das alturas do acorde.

Exemplo 35: O bloco harmônico ã em Cão Maior (c.208-215)

Sirius é retratada por uma seqüência de quatro blocos harmônicos distintos.

Inicialmente há um retorno a á com uma montagem igual à anterior. Segue-se o bloco â que

apresenta uma estrutura inicial bastante simples: dois pares de 3as menores com relação de

semitom entre si (dó#/mi – dó/mib). Esta estrutura revela uma certa semelhança com o

acorde alfa do catálogo original que é formado por dois pares de 5as justas com relação de

semitom (si/fá# – dó/sol). Porém aqui, cada nova nota atacada pelo solista é também

sustentada por outro instrumento da orquestra provocando diversos acréscimos à estrutura

fundamental (Exemplo 36a).

O bloco ä é composto por seis notas, mas sem nenhum princípio estrutural aparente

(Exemplo 36b). A distribuição espaçada destas alturas em diversos registros também lembra

a estrutura dos acordes do catálogo de acordes original, em busca de maior ressonância.

Levando e conta o pedal em sol do solista, o bloco å (Exemplo 36c) é construído

novamente por 11 classes de altura (falta apenas o sol#). Embora sua organização também

não demonstre nenhum princípio estrutural aparente, é marcante a 5ª justa na base do acorde.

Exemplo 36: Os blocos harmônicos â, ä e å em Sirius (c.219-226)

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O bloco á é retomado em Canupus, porém com uma estrutura diferente. Ainda é

possível identificar o dó# na base e a estrutura em 3as ocorre nos sinos tubulares, mas nas

madeiras e cordas as notas ocorrem concentradas em âmbitos pequenos, gerando clusters nos

registros médio e agudo (Exemplo 37).

Exemplo 37: O bloco harmônico á em Canupus (c.227-228)

Sendo a seção mais longa do movimento, Cruzeiro do Sul apresenta cinco blocos

harmônicos, possivelmente simbolizando as cinco estrelas que compõem esta constelação.

Permanecendo inicialmente com o bloco á, a estrutura por 3as é agora evidenciada pela linha

do violino solo. Na orquestra, contudo, o acorde é construído partindo do meio para as

extremidades, completando as 11 notas na cabeça do c.231. Assim, o bloco á apresenta aqui

uma organização intervalar diferente da inicial, com a tríade de Dó# Maior ocorrendo no

centro do bloco e não na base (Exemplo 38a). Nos compassos subseqüentes o bloco passa

por processos de filtração e acréscimos que o descaracterizam bastante.

A seguir, o bloco â é, como da primeira vez, estruturado a partir de pares de 3as

menores que se alternam e superpõem (Exemplo 38b). A exceção é o acorde das trompas

(c.248), que incorpora outras notas além daquelas que compõem as 3as menores.

O bloco ã aparece novamente com suas duas seções, uma triádica e outra quartal.

Porém, as sete notas que o compõem são intercaladas e transpostas livremente, quase gerando

um cluster (Exemplo 38c). Nos compassos 262/263 o bloco ä, nas madeiras, é sobreposto a

ã, talvez simbolizando a 5ª estrela do Cruzeiro do Sul, vulgarmente conhecida como a

“intrometida” (Exemplo 38d).

O último bloco harmônico em Cruzeiro do Sul é å, que tem uma estrutura bastante

diferente aqui. A 5ª justa não está mais presente na base, e nas madeiras as notas do acorde

são empregadas na formação de clusters cromáticos (Exemplo 38e).

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Exemplo 38: Os blocos harmônicos á, â, ã, ä e å em Cruzeiro do Sul (c.229-268)

Em Sigma do Oitante é utilizado pela primeira vez o bloco ó. A forte presença de 3as

nos ostinatos de sinos tubulares, vibrafone e celesta sugere novamente a importância

estrutural deste intervalo. De fato, oitavando apenas uma nota do bloco – o fá natural –

podemos novamente chegar a uma superposição de 3as (Exemplo 39a). Contudo, ao ser

introduzido nas cordas (c.275), o acorde aparece em uma montagem completamente

diferente, faltando- lhe inclusive o ré natural (Exemplo 39b).

Exemplo 39: O bloco harmônico ó em Sigma do Oitante (c.269-278)

A harmonia em Triângulo Austral não é identificada por uma letra tal como nas

outras seções. A utilização dos glissandos de harmônicos nas cordas gera uma harmonia

conseqüente da superposição de séries harmônicas. Assim, trata-se de uma simultaneidade

das séries harmônicas de dó, sol, ré, lá e mi, as cordas soltas de violinos, violas e violoncelos.

A partir do c.282, nos harmônicos dos contrabaixos encontramos um acorde de estrutura

quartal: sol# – dó# – f á# – si. Contudo, concluímos que neste trecho são muito mais

importantes os efeitos tímbrico e textural, o resultado harmônico torna-se secundário.

A seção conclui com a apresentação consecutiva dos três blocos harmônicos ã, á e â

(Exemplo 40). O bloco ã perde agora a divisão em duas seções e tem suas sete notas

distribuídas livremente por todo o âmbito do acorde. Enquanto a estrutura do bloco á está

bem próxima da montagem original, o bloco â apresenta-se bastante descaracterizado.

Apesar de ocorrerem os dois pares de 3as menores (dó#/mi – dó/mib) em flautas, oboés,

trompas e trombones, o acorde aqui é apresentado com nove alturas simultâneas, provocando

uma sonoridade bem diferente da original em Cão Maior.

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Exemplo 40: Os blocos harmônicos ã, á e â em Triângulo Austral (c.284-286)

Concluindo o movimento, a Nebulosa Planetária NGC 3242 torna a dispensar a

utilização dos blocos sonoros dando preferência às estruturas por 3as. Inicialmente é

utilizado um encadeamento de acordes em que as tensões são acrescentadas aos poucos,

começando por uma tríade de dó maior. Observamos que a nota sol, que soa continuamente

no violino solo, está presente em todos os acordes, ligando-os uns aos outros. No registro

grave, violoncelos e contrabaixos realizam um movimento descendente caracterizado por

retardos a maneira de um contraponto de 4ª espécie. O último acorde é construído a partir da

escala acústica4: um acorde maior com 7ª menor, 9ª maior, 11ª aumentada e 13ª (Exemplo

41).

Exemplo 41: Encadeamento final em Nebulosa Planetária NGC 3242 (c.290-300)

4 Escala produzida a partir da série harmônica, compreendendo os harmônicos entre 8 e 14: dó, ré, mi, fá#, sol, lá, sib (Gubernikoff, 1999, p.187).

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4.3.4.3. Orquestração e Textura

O movimento começa por um forte tutti orquestral simbolizando Procyon e Alphard.

A preocupação com o efeito de ressonância está aparente no fato de a seção mais aguda do

acorde, nas madeiras, ser atacada com um tempo de diferença em relação aos metais. O jogo

de dinâmicas nos metais, começando em ff mas seguindo com p súbito e crescendo, é

bastante eficaz pois coloca em evidência a entrada das cordas no último tempo do 1º

compasso. A utilização de rápidas escalas ascendentes e trinados nas madeiras e cordas

confere mais movimento à textura. Os ataques dos metais são reforçados por golpes de tam-

tam e bombo.

A dinâmica em pp e a orquestração delicada provocam um contraste súbito na

constelação de Cão Maior. As duas seções do bloco harmônico ã recebem tratamento de

timbres diferenciado e com dobramentos. A tríade de dó# menor permanece nas trompas e

em harmônicos de violinos e violas enquanto o acorde quartal soa na harpa e nos violoncelos

e contrabaixos. Os saltos regulares de oitava nas cordas conferem movimento à textura.

O tutti inicial é retomado em Sirius com a mesma orquestração, mas logo substituído

por uma textura bem mais transparente, onde as madeiras e cordas sustentam a harmonia em

pp. Mais uma vez, nos c.219-220, registramos o dobramento do solista com o vibrafone. O

bloco harmônico ä, nos metais com o ataque reforçado pela sonoridade do tam-tam, provoca

dois compassos de contraste tímbrico antes do retorno de madeiras e cordas.

A seção seguinte, Canupus, é dominada por um solo dos sinos tubulares com um

acorde sustentado nas madeiras. As cordas, com trinados cromáticos, têm a indicação de

fazer “cresc. e dim. irregulares sempre de piano a pianíssimo” gerando um efeito similar à

sonoridade de uma nuvem de insetos.

Cruzeiro do Sul é a constelação que ocupa o trecho mais longo do movimento e pode

ser subdividida em duas subseções principais. A primeira começa com o andamento

“majestoso” (c.229) que é gradualmente acelerado até chegar a “rápido” (c.240) antes do

início da segunda subseção. As cordas têm suas entradas organizadas em forma de leque,

partindo do dó# central cada nova nota atacada pelo solista passa a ser sustentada em outros

instrumentos do naipe de cordas (Exemplo 42).

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Exemplo 42: Entradas em leque nas cordas (c.229-231)

A segunda seção desta constelação contrasta fortemente com a primeira devido ao

andamento “calmo, misterioso” e à orquestração extremamente delicada. Pares de 3as em pp

são atacados isoladamente em todos os possíveis registros da orquestra, dos contrabaixos às

flautas, gerando uma textura do tipo pontilhista. A sucessão dos blocos harmônicos ã, ä e å

provoca adensamento devido aos acordes mais carregados e prolongados. O timbre é

novamente empregado aqui para caracterizar os blocos: ã permanece nas cordas e metais

enquanto ä é reservado às madeiras com trompetes. Os saltos de oitava nas duas seções do

bloco ã funcionam novamente como um recurso de dar movimento à textura, em oposição a

um acorde estático prolongado.

Como diversos outros trechos em Oré-Jacytatá, a seção Sigma do Oitante caracteriza-

se pela predominância dos timbres das percussões metálicas com esparsas interferências de

metais e cordas. A textura é formada pela atividade de sinos tubulares, vibrafone e celesta

que empregando ostinatos de tamanho desigual, formam um desenho que se repete a cada

três compassos (Exemplo 43). A técnica de sobreposição de ostinatos de tamanhos diferentes

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sugere novamente a influência de Messiaen que empregou este procedimento em obras

importantes como o Quatour pour la fin du temps.

Exemplo 43: Textura da percussão em Sigma do Oitante (c.269-271)

No último compasso desta seção o violino solo começa a executar glissandos de

harmônicos que, passando para as cordas da orquestra, tornam-se o único elemento tímbrico

da seção Triângulo Austral. Excluindo os contrabaixos, o compositor emprega apenas quatro

instrumentos solistas de cada naipe e organiza as entradas de maneira sucessiva e individual,

gerando um adensamento gradual. Dentro de cada naipe, cada instrumento executa o

glissando sobre uma corda diferente, possibilitando o máximo de variedade em relação às

alturas. O tempo livre, a disposição das entradas e a indicação do compositor para realizar os

glissandos irregularmente – calmo, rápido, rall., acell., etc. – revela a intenção de atingir o

máximo de densidade na textura criada aqui. A entrada dos contrabaixos (c.282), também

com sons harmônicos, coincide com a retomada de um andamento medido. A seção termina

com três fortes acordes dos sopros (blocos ã, á e â) que são sobrepostos à textura das cordas.

A Nebulosa Planetária NGC 3242 é descrita em uma textura exclusivamente

harmônica, uma seqüência de acordes de tensão crescente, todos com a mesma duração. Não

há qualquer movimentação melódica, o violino solo toca apenas a nota sol – presente em

todos os acordes – em todos os registros possíveis. O colorido orquestral aqui torna-se tão

importante quanto a harmonia, pois cada acorde diferencia-se do próximo também pela

combinação de timbres. Assim, por exemplo, nos quatro primeiros acordes (c.290-293) o

timbre percorre as seguintes combinações: flautas/oboés; cordas; clarinetas/fagotes; trompas.

À medida que os acordes tornam-se mais densos, com maior número de notas, mais

instrumentos são acrescentados, culminando com um tutti final em pp.

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4.3.5. “Interlúdio II – A magia da noite tropical”

4.3.5.1. Forma

Diferentemente do “Interlúdio I”, mais homogêneo quanto à linguagem musical e ao

caráter, o “Interlúdio II” apresenta três seções fortemente contrastantes e bem definidas,

separadas por barras duplas na partitura.

A primeira seção (c.301-310) retoma a atmosfera de “noite tropical” do “Interlúdio I”

acompanhada da mesma indicação “noturnal”. Novamente temos uma textura de melodia

acompanhada, com a linha melódica do violino solo – estruturada por superposição de 3as –

sendo acompanhada pelo fundo harmônico das trompas.

A segunda seção (c.311-325) retorna à temática do 4º movimento com uma

representação dos corpos estelares Aglomerados Messier 7 & Messier 6 (Eta e Lambda da

Constelação de Escorpião). Excluindo o solista e dando ênfase novamente aos elementos

texturais, o compositor busca aqui uma sonoridade “como um Fundo Galático cintilante, no

alinhamento das estrelas”. Os últimos três compassos funcionam como uma transição para a

terceira seção deste movimento, a cadência para o solista.

Almeida Prado descreve esta seção como “uma cadência galáctica do violino solo

[que] recapitula todos os temas da sinfonia” (Almeida Prado, 2001, p.12). A métrica é livre,

há apenas algumas indicações de caráter e uma subdivisão métrica irregular sugerida pelas

barras de compasso pontilhadas. Estas funcionam como separação dos diversos fragmentos

contrastantes e sugerem acentuações. Internamente, podemos subdividir a cadência de acordo

com as mudanças de caráter e com os elementos retomados de momentos anteriores da obra.

Após uma introdução lenta com a indicação “calmo, lírico” o ritmo é gradualmente

acelerado, a partir de “luminoso!”, com o emprego de trêmolos e trinados que caracterizaram

o “Prelúdio” da obra. O trecho de maior virtuosidade é atingido com a indicação “rítmico e

luminoso!”. Com o p súbito inicia-se uma superposição acumulativa de intervalos de 3ª que

remete aos c.60-63 da “Toccata”, onde o mesmo procedimento é aplicado na linha do solista.

À indicação “cantante, saudoso” o caráter torna-se subitamente mais lírico e a melodia do

“Interlúdio I” é retomada. Na última subseção, começando com o dó# grave, o aparecimento

de um novo motivo (dó# - ré# - ré) e o aceleramento gradual funcionam como transição para

o “Scherzo”.

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4.3.5.2. Harmonia Na primeira seção do “Interlúdio II” a linha melódica do solista, estruturada quase

exclusivamente por superposição de intervalos de 3ª, sugere a existência de uma harmonia

triádica, no entanto podemos identificar também o uso de acordes quartais.

Inicialmente, a progressão de 5as paralelas ascendentes no baixo gera o encadeamento

Sol maior – Lá maior – Sib Maior – dó menor, com a presença de 7as e 9as. A partir do

c.304, agora sobre uma linha de baixo descendente, a estruturação dos acordes remete mais a

uma harmonia quartal do que triádica. O encadeamento final (c.307) retoma acordes

estruturados por 3as.

A harmonia da segunda seção caracteriza-se pela alternância de blocos sonoros

densos e dissonantes no registro grave e tríades transparentes no registro agudo.

Observando-se a linha descendente da tuba nos acordes dos metais e os acordes das cordas

pode-se constatar a seguinte relação entre os dois tipos de estruturas harmônicas: as

fundamentais dos três blocos sonoros nos metais são sol, mi e ré e as tríades que seguem a

cada um deles são, respectivamente, sol menor, Mi maior e Ré maior sendo que entre estes

seis acordes está intercalada ainda uma tríade de sib menor. O acorde de Ré Maior é

prolongado possibilitando que diversas tensões aconteçam através de bordaduras nos

registros superiores enquanto a tríade permanece na base do acorde. Nos três compassos de

transição para a cadência, um bloco sonoro com fundamental em si permanece prolongado

nas trompas. O Exemplo 44 a seguir representa a redução harmônica das duas primeiras

seções do “Interlúdio II”.

Exemplo 44: redução harmônica do Interlúdio II

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Na cadência, o emprego constante das cordas soltas polariza freqüentemente a nota

sol, a corda mais grave do violino que é também a fundamental para a superposição de 3as

mencionada anteriormente. A melodia do “Interlúdio I” é retomada na região de fá menor

antes que os arpejos na indicação “Alpha” revelem a presença do bloco harmônico á.

4.3.5.3. Orquestração e Textura

Estabelecendo um paralelo com o primeiro “Interlúdio”, o segundo retoma

inicialmente a textura de melodia acompanhada, porém aqui de maneira ainda mais simples.

O timbre do acompanhamento é reservado apenas às trompas e não parece haver preocupação

com a condução de vozes nem sugestão de linhas contrapontadas nesta harmonização.

Composta por uma seqüência de acordes com quase nenhuma atividade melódica – há

apenas duas intervenções de clarineta e oboé – a oposição de timbres e densidades é o

principal elemento musical da segunda seção. Os blocos sonoros densos dos metais

contrastam com os transparentes acordes em harmônicos nas cordas. O jogo de dinâmicas

também é importante, os metais atacam em pp, crescem ao f e cessam subitamente, sobrando

apenas os harmônicos em pp. O efeito gerado assemelha-se a uma escuridão que é quebrada

com fracas luminosidades ocasionais. Na transição para a cadência (c.323-325), sobre o

acorde estático das trompas, há alguma movimentação gerada pelos movimentos escalares

das madeiras mas estes também cessam rapidamente com a fermata do c.325.

Na cadência para violino solo sobressaem os elementos típicos de uma escrita

virtuosística: trêmolos, trinados, rápidas escalas, arpejos e o emprego intenso de cordas

duplas. Além disso, a utilização constante de cordas soltas possibilita a execução de figuras

ainda mais rápidas, pois economiza movimentos da mão esquerda do instrumentista. Assim,

a primeira parte da cadência produz um resultado mais textural enquanto a segunda, a partir

da indicação “cantante, saudoso”, é essencialmente melódica e lírica.

4.3.6. “Scherzo Ígneo – Constelação de Escorpião”

4.3.6.1. Forma

Segundo o compositor, o sexto movimento, representando a Constelação de

Escorpião, é um “scherzo ígneo, a maneira de Beethoven, intenso, rápido e rítmico”

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(Almeida Prado, 2001, p.12). A forma segue a de um scherzo tradicional, ou seja A – B – A

– Coda, onde B é o trio seguido de um da capo literal. Após a coda há ainda uma transição

que leva ao “Posludio”.

A seção A, com a indicação de andamento “fulgurante”, recai em duas subseções –

A1 (c.326-343) e A 2 (c.344-370) – ambas limitadas por ritornellos. Em A1 o solista

apresenta o principal motivo rítmico do “Scherzo” (Exemplo 45), que já fora sugerido nos

c.46-50 da “Toccata”.

Exemplo 45: Motivo rítmico do Scherzo (c.327-331)

Enquanto este motivo é insistentemente explorado e transformado, a textura é

gradualmente adensada através da entrada sucessiva de todos os naipes da orquestra até

atingir um momento climático ao final da subseção. Em meio à nuvem de semi-colcheias de

violinos e violas surge uma linha melódica como contraponto nos violoncelos (Exemplo 46).

Exemplo 46: Contraponto dos violoncelos no Scherzo (c.334-339)

Voltando ao motivo rítmico original, a seção A2 (c.344-370) inicia um segundo

desenvolvimento recomeçando apenas com o violino solo. Em contraste com A1, aqui a

linha do solista desenvolve-se sobre um fundo de acordes estáticos dos sopros. No c.356

podemos identificar o início de uma segunda subseção de A2, caracterizada por um motivo

dos metais estruturado por intervalos de 5ª justa, a maneira de fanfarra (Exemplo 47). A

seção conclui novamente com um momento climático gerado pelas entradas sucessivas deste

motivo.

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Exemplo 47: Fanfarras dos metais no Scherzo (c.356-366)

A seção B (c.371-379), o trio, é bastante curta e adota um andamento mais lento com

a indicação “calmo”. Um único acorde pedal, passando das madeiras para as cordas,

permanece durante toda a seção. Sobre este se desenvolve um solo de violino “lírico,

poético”.

Seguindo o costume tradicional, o “Scherzo” deve ser retomado da capo sem fazer as

repetições e seguir diretamente para a coda. Esta, intitulada Antares, permanece com o

caráter ígneo assegurado pelos ostinatos de marimba e violino solo. Após um crescendo dos

sopros a conclusão é repentina, com uma fermata na qual o regente deve permanecer

“bastante tempo”, segundo indicação do compositor.

A breve transição para o “Posludio” caracteriza-se pelo timbre exclusivo do naipe de

percussões. Há duas seções separadas por uma fermata que retratam, respectivamente,

Gamma de Hydra Fêmea e Spica de Virgem.

4.3.6.2. Harmonia

A harmonia do “Scherzo” torna a empregar os blocos harmônicos identificados por

letras do alfabeto latino, sendo a maioria deles diferentes daqueles empregados no quarto

movimento da obra. Como neste movimento cada bloco novo aparece apenas uma única vez,

sua caracterização torna-se um pouco mais limitada.

Ocupando toda a subseção A1, o bloco é não tem uma estrutura clara, uma vez que

não permanece uniforme durante os 18 compassos em que é empregado. As entradas iniciais

das cordas sugerem uma estrutura de tons inteiros que é logo abandonada em favor dos

rápidos ostinatos sobre tetracordes pertencentes a escalas diferentes. Acreditamos,

entretanto, que a função destes ostinatos é antes textural do que harmônica. Mais importante

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do que eles torna-se a movimentação do baixo e os acordes triádicos que são introduzidos nos

sopros. Estes sugerem inicialmente um encadeamento por graus conjuntos até que, de

maneira acumulativa, as tríades são superpostas culminando num poliacorde com cinco

seções ao final do trecho (Exemplo 49). Ressaltamos que a movimentação do violino solo

também é guiada por estes encadeamentos. A superposição de tríades, assim como a

simultaneidade de tetracordes diferentes nos violinos e violas, sugerem o conceito de

poliacorde como princípio estrutural do bloco é.

Exemplo 49: O bloco harmônico é no Scherzo (c.334-343)

A subseção A2 começa com o bloco harmônico è, que é gerado pelas entradas

sucessivas das madeiras (Exemplo 50a). O bloco ì, composto inicialmente por seis classes de

altura, sofre um processo de filtragem do qual sobra apenas uma 5ª justa (Exemplo 50b).

Este intervalo é então aproveitado como elemento estrutural do bloco ê, formado pela

superposição de 5as justas. Levando-se em conta o desenho descendente das madeiras no

c.367, este bloco acaba por empilhar uma coleção de 12 notas, mas apenas as primeiras oito

são sustentadas nas cordas (Exemplo 50c). Concluindo a subseção encontramos o único

momento da obra em que o compositor identifica a superposição de dois blocos simultâneos,

ë e å (Exemplo 50d). Propondo uma diferenciação pelo timbre, o primeiro é sustentado pelas

cordas enquanto o segundo é introduzido nos metais.

Exemplo 50: Os blocos harmônicos è, ì, ê, ë e å no Scherzo (c.344-370)

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O trio do “Scherzo” é dominado por um único acorde pedal que, embora não seja

identificado pela letra na partitura, corresponde ao bloco á em sua montagem original (ver

Exemplo 34). Já na Coda, onde encontramos de fato a letra á, torna-se difícil identificar o

bloco apenas a partir do ostinato da marimba (fá# – sol#) e dos trêmolos do solista, onde

sobressaem as 2as menores. Contudo, logo após a entrada do bloco â nas madeiras,

verificamos nas cordas a presença de um acorde de Dó# Maior, que integra o bloco á. A

entrada dos metais leva à conclusão desta seção com um denso acorde de 12 notas (Exemplo

51).

Exemplo 51: Acorde final da Coda do Scherzo (c.386)

Em Gamma de Hydra Fêmea e Spica de Virgem são retomados respectivamente os

blocos ã e á. O primeiro tem as suas duas seções originais claramente identificáveis no

ostinato da celesta (Exemplo 52a) e o segundo pode ser reconhecido somando-se os acordes

de sinos tubulares e vibrafone aos desenhos da celesta (Exemplo 52b).

Exemplo 52: Os blocos harmônicos ã e á na transição para o “Posludio” (c.389-396)

4.3.6.3. Orquestração e Textura O “Scherzo” é um movimento de caráter vigoroso onde a atividade rítmica intensa é o

principal aspecto do desenvolvimento musical, o timbre e a textura são elementos que

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fornecem contraste e variedade. Na seção A1 a textura é marcada por um processo de

adensamento gradual. Começando apenas com o violino solo e a percussão, este efeito é

provocado pelas entradas sucessivas de cordas, metais e madeiras. Os rápidos ostinatos de

violinos e violas sobre tetracordes diferentes – em poliritmia com o solista – geram uma

densa massa sonora que permanece no registro médio (Exemplo 53) enquanto os violoncelos,

contrabaixos e sopros interferem com acordes triádicos. Entre as combinações de timbres

podemos perceber novamente o dobramento de violino solo com vibrafone e também com a

marimba.

Exemplo 53: Textura com superposição de ostinatos escalares nas cordas (c.334-336) O cessar súbito de um acorde forte e a retomada de atividade com poucos

instrumentos é um elemento de contraste importante no “Scherzo” e separa as suas diversas

seções. Assim, a seção A2 começa apenas com solista e vibrafone antes das entradas

sucessivas das madeiras. Explorando a palheta orquestral, os acordes pedais aqui alternam

entre madeiras e metais. Na segunda parte de A2, sobre um rufo de tímpanos, bombo e tam-

tam, os metais têm entradas imitativas (ver Exemplo 47), sempre dobrados pelas cordas ou

madeiras.

O Trio contrasta com o “Scherzo” por ser mais estático com dinâmica sempre em pp.

O acorde pedal é proposto pelas madeiras e prolongado pelas cordas cobrindo um âmbito

maior. Num diálogo inusitado de timbres, o solo lírico do violino é contraposto a outro dos

tímpanos afinados em 4as justas. Na coda sobressai o ostinato rítmico da marimba,

instrumento que é empregado apenas neste movimento da obra. Fechando o “Scherzo” há

um interessante jogo de dinâmicas já identificado na “Toccata”: madeiras e metais crescem

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ao f enquanto cordas permanecem em p, assim quando o acorde dos sopros é cortado, as

cordas soam como se estivessem a distância.

O uso exclusivo da percussão na transição para o “Posludio” remete à seção Luz

Zodiacal que serve como ligação entre o “Interlúdio I” e o movimento central. Nas duas

seções desta transição os instrumentos de ressonância prolongada – sinos tubulares, vibrafone

e tam-tam – executam um único ataque forte, apoiado pelos tímpanos. Enquanto ressoam

estes instrumentos, a celesta introduz ostinatos em poliritmia (ver Exemplo 52). O violino

solista entra apenas no último compasso e prolonga uma nota que liga o “Scherzo” ao

movimento final da obra.

4.3.7. “Posludio: O Sol do Terceiro Milênio – 2000 Anno Domini”

4.3.7.1. Forma

Como contraparte ao “Prelúdio” que retrata o céu brasileiro em 1500, o “Posludio”

representa, na descrição do compositor, “o sol da esperança do novo milênio” (Almeida

Prado, 2001, p.12). Sendo muito curto devido ao andamento rápido proposto (semínima =

152), o movimento, tal como o “Prelúdio”, é composto por uma seção única que se

caracteriza sobretudo pela a intensa atividade das cordas. Há apenas um curto trecho de

quatro compassos (c.411-414) que apresenta contraste devido às mudanças de textura. Sem

apresentar elementos melódicos recorrentes, o desenvolvimento mais uma vez ocorre através

de processos texturais e contrastes harmônicos. No c.427 o violino solo retoma uma figura

familiar, já presente na “Toccata” e na cadência, a superposição de 3as. Uma indicação

colocada inicialmente na parte do solista deixa clara a intenção do compositor neste

movimento: “como um amanhecer de esperança!”.

4.3.7.3. Harmonia

Ao início do “Posludio” a acumulação de trinados nas cordas resulta num acorde

denso, porém sem nenhuma organização interna aparente. A utilização de tetracordes

pertencentes a escalas diferentes nos ostinatos das cordas poderia sugerir politonalidade. No

entanto, como os desenhos se encontram todos dentro de um âmbito pouco maior que uma

oitava, torna-se difícil ouvir os movimentos individuais de cada naipe e o resultado –

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predominantemente textural – é o de um bloco harmônico denso que permanece neste

registro. O mesmo efeito é também gerado em seguida através da superposição de escalas

cromáticas

A estruturas harmônicas nas madeiras remetem mais claramente ao uso de

poliacordes que resolvem ao final numa tríade única. Fagotes e clarinetas apresentam uma

seqüência descendente de tríades maiores (Si – Sib – Láb - Lá) enquanto flautas e oboés, em

movimento contrário, apresentam outro encadeamento (Dó – Lá – Láb - Lá) (Exemplo 54).

O acorde sustentado da seção contrastante (c.411) retoma mais uma vez o conceito de acorde

de ressonância, com uma tríade fundamental de fá# menor e dissonâncias superpostas.

Exemplo 54: Poliacordes nas madeiras (c.405-408)

Após a retomada dos ostinatos nas cordas, os acordes dos sopros e o arpejo em 3as

dos contrabaixos sugere inicialmente a presença do bloco harmônico á. Com a entrada das

trompas os acordes tornam-se gradualmente mais densos e dissonantes. Ao mesmo tempo,

porém, os ostinatos das cordas caminham em direção a uma unificação, todos passam a

operar dentro da diatônica de Ré Maior.

No compasso 427 o Ré Maior é anunciado explicitamente através da introdução da

armadura desta tonalidade. A partir deste ponto a harmonia gerada pelos acordes dos sopros

e pelos ostinatos nas cordas consiste basicamente em acordes compostos por todos os graus

da escala de Ré Maior. A sensação de progresso harmônico aqui é gerada apenas pelas

mudanças de posição e pelo direcionamento ascendente que encontramos em madeiras e

metais, além da dinâmica crescente. Assim, a harmonia na letra NN assume uma função de

dominante não pelas notas do acorde mas devido ao encaminhamento do baixo para nota lá e

da resolução final na tríade pura de Ré Maior.

Portanto, a tonalidade de Ré Maior, já sugerida no início da obra e na “Toccata”,

adquire alguma importância no contexto desta obra. Isto é significativo quando levamos em

conta os comentários sobre o significado desta tonalidade para o compositor tal como este o

colocou em sua tese de doutorado. Nas Cartas Celestes no.4 há uma passagem intitulada

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“Além do universo visível” em que Almeida Prado deixa momentaneamente de lado as

constelações e parte para uma visão mais expandida do universo, representando uma visão do

Éden. Comentando sobre a importância do Ré maior neste trecho, ele declara ter escolhido

esta tonalidade “por ser aquela que deu aos grandes gênios momentos de suprema

inspiração”. A seguir, cita cinco obras para exemplificar esta colocação: (1) o “Dona Nobis

Pacem” da Missa em si menor de Bach; (2) a Sinfonia no.35 de Mozart; (3) o final da 9ª

Sinfonia de Beethoven; (4) o “Adágio”, “de transcendente beleza”, da 3ª Sonata para violino

e piano de Brahms e (5) a 1ª Sinfonia de Mahler. Concluindo, Almeida Prado afirma que,

para ele, o Ré Maior se torna então “a tonalidade do transcedental, do utópico, do ideal de

eterna alegria” (Almeida Prado, 1985, p.402).

4.3.7.3. Orquestração e Textura

O “Posludio” começa ppp por uma escala cromática descendente em trinados no

violino solo. Violinos, violas e violoncelos entram sucessivamente formando uma densa

nuvem de trinados cromáticos. Aos poucos, enquanto as madeiras entram com acordes

triádicos, os trinados são substituídos por ostinatos sobre tetracordes diferentes, gerando uma

textura nebulosa semelhante àquela empregada nos c.333-339 do “Scherzo”. A partir c.408

as cordas adotam articulações em trêmolo sul ponticello, num movimento ascendente que

conduz ao único momento de contraste do “Posludio”. Enquanto as cordas suspendem

momentâneamente a movimentação e repousam sobre um acorde sustentado, como se

estivessem recuperando suas energias, as madeiras executam trinados crescentes de p a f.

Em seguida violinos, violas e violoncelos retomam gradualmente os ostinatos de

maneira cada vez mais intensa. Os acordes de metais e madeiras que surgem sobre este

fundo provocam um adensamento textural através da acumulação de naipes, da diminuição

das durações e da dinâmica crescente. O crescendo sobre o acorde final de Ré maior é

intensificado pelas entradas sucessivas de trompetes, trombones e trompas além do salto para

o agudo nas madeiras, enquanto o corte súbito fica a cargo das cordas e do tímpano.

Assim, podemos afirmar que o “Poslúdio” se caracteriza por dois momentos de

adensamento textural – separados por três compassos de contraste – em que as entradas

sucessivas de todos os naipes da orquestra levam à conclusão da obra.

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5.Ronaldo Miranda: Sinfonia 2000 5.1. O compositor Ronaldo Miranda

Natural do Rio de Janeiro, Ronaldo Coutinho de Miranda5 (1948) iniciou seus estudos

em música aos seis anos de idade, começando com acordeão e teoria antes de passar para o

piano. Mais tarde ingressou na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), onde obteve as graduações em piano, em 1970 na classe de Dulce de Saules, e

composição, em 1976. Na sua formação de compositor, Ronaldo Miranda considera

fundamentais os estudos realizados com Hélcio Benedito Soares, em análise musical, e com

Henrique Morelenbaum, em harmonia, contraponto, orquestração e composição (Soares,

2001, p.4).

Suas atividades profissionais começaram em 1966, no departamento de promoção

cultural do Jornal do Brasil. Após graduar-se, ainda na UFRJ, também em jornalismo,

assumiu o cargo de crítico musical deste periódico, função que ocupou entre 1974 e 1982, ao

lado de Edino Krieger e Luiz Paulo Horta.

As primeiras composições de Ronaldo Miranda datam de 1969, época em que

começou o curso de composição, mas a atividade criadora se intensificou a partir de 1977

quando sua obra Trajetória foi premiada na 2ª Bienal de Música Brasileira Contemporânea,

na categoria música de câmara. No ano seguinte, a mesma obra foi selecionada para

representar o Brasil na Tribuna Internacional de Compositores da UNESCO, em Paris. Os

anos seguintes trouxeram outras premiações, inclusive o troféu Golfinho de Ouro na área de

música erudita outorgado pelo Governo do Estado do Rio de janeiro em 1981 pelo seu

trabalho como compositor.

5 As informações sobre o compositor foram retiradas das seguintes fontes:

1. MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 2. SOARES, Consuelo Caporali: A obra para piano solo de Ronaldo Miranda. 2001. Dissertação de

Mestrado – Universidade federal do Estado do Rio de Janeiro. 3. O site oficial do compositor, disponível em http://www.ronaldomiranda.com. Acesso em 18 dez. 2006.

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Em 1984 Ronaldo Miranda passou a integrar o corpo docente da UFRJ, lá

permanecendo como professor de composição e orquestração até sua aposentadoria em 1998.

Em 1987 concluiu na mesma instituição o seu mestrado em música, orientado pelo maestro

Morelenbaum, com o trabalho intitulado O aproveitamento das formas tradicionais em

linguagem musical contemporânea na composição de um concerto para piano e orquestra.

No ano seguinte recebeu a Bolsa Vitae de Artes para compor a ópera Dom Casmurro, sobre o

romance homônimo de Machado de Assis. A ópera, estreada em 1992 no Teatro Municipal

de São Paulo, tornou-se também objeto de sua tese de doutorado – Dom Casmurro, uma

Ópera. A Música no Processo de Teatralização do Romance Machadiano - concluída em

1997, na USP, sob a orientação de Eudinyr Fraga.

Como compositor, Ronaldo Miranda representou o Brasil em diversos festivais

internacionais: no World Music Days na Dinamarca (1983) e na Hungria (1986); na X Bienal

de Música de Berlim (1985); no Aspekte Festival de Salzburgo na Áustria (1992) e na série

Musiques Del nostre Temps na Espanha (1992). Recentemente, em 2003, a convite da

Brahmsgesellschaft, Ronaldo Miranda foi artista residente no Brahmshaus Studio, em Baden-

Baden na Alemanha, onde compôs a obra Festspielmusik, para dois pianos e percussão.

O compositor exerceu também diversas funções administrativas na área de cultura:

entre 1985 e 1989 trabalhou na Coordenadoria de Música Brasileira da FUNARTE e de 1995

a 2004 assumiu o cargo de diretor da Sala Cecília Meirelles no Rio de Janeiro. Em 2003

atuou brevemente como professor do Curso de Especialização em Música da UERJ. Pouco

depois se transferiu para São Paulo onde desde 2004 permanece como professor de

composição da USP.

A pianista Harlei Elbert Raymundo, que concluiu pesquisa de mestrado sobre a obra

Estrela Brilhante de Ronaldo Miranda, identifica duas tendências principais na sua

linguagem musical, o livre atonalismo e o neotonalismo (Raymundo, 1991, p.29). Este

último é um termo empregado pelo próprio compositor e que Consuelo Caporali Soares, em

sua dissertação sobre a obra para piano solo de Ronaldo Miranda, designa como

“[...] uma linguagem harmônica tonal livre, que preserva a existência de um centro tonal, sentido com clareza em alguns trechos da peça musical, sendo entretanto imperceptível em outros por causa do uso intenso de dissonâncias e de encadeamentos harmônicos que escapam ao âmbito das leis da harmonia funcional tonal. Este neotonalismo do compositor inclui também o uso de encadeamentos modais, sem excluir, no entanto as harmonias e encadeamentos tonais, podendo ambas linguagens conviverem numa mesma peça” (Soares, 2001, p.8)

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Esta última autora, partindo da afirmação de Harlei Raymundo, propõe uma descrição

da evolução estética e estilística do compositor delimitando três fases na sua carreira de

acordo com a predominância das tendências atonal e neotonal em sua linguagem.

A 1ª fase, de 1969 a 1977, corresponde ao período de estudos de composição na

UFRJ, onde a produção se caracteriza pela existência de um pensamento ainda formado a

partir das heranças tradicionais da música ocidental, com presença de elementos harmônicos

tonais e modais. Diversas obras desta fase, como as duas primeiras Suítes para piano, foram

retiradas de catálogo pelo próprio autor, que não lhes atribui mais importância estética

suficiente.

A 2ª fase compreende os anos de 1977 a 1983 e é marcada pela predominância do

livre atonalismo. A este período pertencem as obras que destacaram o compositor nos

cenários nacional e internacional, como Trajetória (1977), para soprano e conjunto de

câmera, e Oriens III (1978), para trio de flautas.

A 3ª fase tem início em 1984 e caracteriza-se pelo uso da linguagem neotonal. A

maior parte da produção do compositor pertence a este período, incluindo Appassionata para

violão (1984), o Concertino para piano e cordas (1986), a cantata Coração Concreto (1987),

as Variações Sérias para quinteto de sopros (1991) e a ópera Dom Casmurro (1992).

Segundo uma declaração do compositor em entrevista a Tom Moore (Moore, 2002), as obras

mais recentes apresentam uma fusão das duas linguagens anteriores. Um exemplo disto seria

a obra Alternâncias (1997) para violino, violoncelo e piano, em que há seções neotonais

justapostas a outras com escrita mais inovadora.

A primeira obra sinfônica do catálogo de Ronaldo Miranda é Variações Sinfônicas,

comissionada pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo em 1981 e, portanto,

pertencendo já à 2ª fase estilística. A obra, dedicada a Dulce de Saules e estreada por Eleazar

de Carvalho à frente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) em 1982,

recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) como melhor

composição orquestral do ano. O Concerto para Piano e Orquestra de 1983 é dedicado a

Henrique Morelenbaum e foi também o objeto da dissertação de mestrado de Ronaldo

Miranda. O próprio compositor interpretou a parte solista na estréia com a OSESP regida por

Eleazar de Carvalho

A maior parte da música sinfônica do compositor foi composta ao longo dos últimos

15 anos e pertence a sua 3ª fase estilística. A obra programática Horizontes, concluída em

1992 e posteriormente revista, recebeu o 1º prêmio no concurso “América 500 Anos”

promovido pela UFRJ em comemoração aos 500 anos da descoberta deste continente. A

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estréia ocorreu com a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) no concerto de abertura da X

Bienal de Música Contemporânea Brasileira.

A Suíte Festiva (1997) foi o resultado de mais uma encomenda, desta vez da

Prefeitura do Rio de Janeiro em comemoração à visita do Papa João Paulo II a esta cidade. A

primeira apresentação coube à OSB regida pelo Maestro Roberto Tibiriçá, que também

gravou a obra no CD intitulado Concerto de Louvação.

A obra sinfônica seguinte, encomendada pelo Ministério da Cultura para a

comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, é a Sinfonia 2000 (1999), objeto de

nossa pesquisa aqui. O maestro Roberto Duarte regeu a estréia da obra com a OSB no Teatro

Municipal do Rio de Janeiro em abril de 2000.

Em 2001 o compositor escreveu a obra O Universo da Orquestra, por encomenda da

Fundação Padre Anchieta (Rádio e TV Cultura de São Paulo). A proposta da peça é realizar

uma introdução didática aos instrumentos individuais, aos naipes e ao conjunto orquestral, à

maneira do Young Person’s Guide to the Orchestra de Benjamin Britten.

Seguem-se duas obras concertantes, Abá-Ubú (2002) para oboé e orquestra e o

Concerto para 4 Violões e Orquestra, encomenda da Towson University para o 1º World

Guitar Congress. A estréia desta última obra ocorreu em junho de 2004, no Meyerhoff Hall

de Baltimore, com a Baltimore Symphony Orchestra e o Brazilian Guitar Quartet, sob a

regência de Andrew Constantine.

Presentemente, a última peça sinfônica do catálogo de Ronaldo Miranda é Celebrare -

Uma abertura Festiva (2005). A obra foi comissionada por João Guilherme Ripper em

homenagem ao 40º aniversário da Sala Cecília Meirelles e lá estreada em dezembro de 2005,

com Henrique Morelenbaum à frente da OSB.

5.2. A obra Sinfonia 2000

Ronaldo Miranda declarou em entrevista ao Jornal do Brasil, logo após a divulgação

oficial dos cinco compositores selecionados para atenderem à encomenda do Ministério da

Cultura, que imaginava compor “uma obra tradicional [...] uma sinfonia comemorativa,

solene e festiva” (Vasconcellos, 1999). Permanecendo fiel a esta idéia inicial, o compositor

escreveu, entre agosto e dezembro de 1999, a obra intitulada Sinfonia 2000. No comentário

contido no encarte do CD Sinfonias Brasil 500 anos, o autor afirma:

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“a Sinfonia 2000 é uma obra que procura enfatizar o caráter festivo da celebração dos 500 anos do Brasil, fundindo elementos identificadores da música nacional com uma linguagem universal. Ritmos, melodias e timbres comuns à nossa produção musical aparecem ao lado dos procedimentos técnicos que pontuaram a estética sonora do século 20, propondo uma nova simplicidade para este início do século 21” (Miranda, 2000, p.31).

A declaração evidencia a preocupação do compositor em trabalhar dentro de uma

linguagem universal, porém fazendo uso também de elementos originários da cultura e do

folclore brasileiros que servem para estabelecer o vínculo com a ocasião comemorativa para

qual a obra foi escrita.

A escolha do título Sinfonia remete a uma forma tradicional, estabelecida sobretudo

durante os períodos clássico e romântico e a análise da obra de Ronaldo Miranda demonstrará

que o compositor aproveita-se, com alguma liberdade, dos mesmos princípios formais

fundamentais, reafirmando assim sua posição de que “pode-se utilizar formas tradicionais em

obras de linguagem contemporânea, sem prejuízo para a contemporaneidade desta obras”

(Miranda, 1987, p.viii).

A Sinfonia 2000 é dividida em três movimentos: 1.“Solene e Lírico”, 2.“Lúdico” e

3.“Tema com Variações”. Tendo em vista a utilização de formas tradicionais em cada um

destes movimentos, parece-nos apropriado citar, aqui, as conclusões elaboradas pelo

compositor na sua dissertação de mestrado sobre o aproveitamento de formas tradicionais na

música contemporânea (Miranda, 1987, p.85) e que serão úteis para nossa análise:

1. “Pode-se utilizar formas tradicionais em obras de linguagem

contemporânea, sem prejuízo para a contemporaneidade dessas obras”. 2. “As estruturas formais são passíveis de transformações a adaptáveis a

diversas alterações: acréscimo ou supressão de seções; ampliação ou subdivisão de elementos temáticos; inversão das partes, etc. Tais mudanças, porém, não costumam interferir na essência do padrão formal adotado”.

3. “Na medida em que as formas têm-se mostrado adaptáveis a transformações, embora em menor escala do que os demais elementos musicais, elas podem acolher com grande flexibilidade novos tipos de linguagem”.

4. “As formas tradicionais são úteis aos compositores contemporâneos, na medida em que oferecem comprovado equilíbrio em relação ao binômio unidade/variedade, bem como na medida em que fornecem ao ouvinte um referencial de memória. Embora a variedade seja a tônica da linguagem contemporânea, constata-se que a repetição continua sendo necessária, mesmo em doses menores, para que se efetue o processo de percepção e fixação das mensagens emitidas pelo compositor em seu discurso sonoro”.

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Como já afirmou Consuelo Caporali Soares em seu estudo sobre as obras para piano

solo de Ronaldo Miranda, o compositor “faz opção, predominantemente, pelo uso de formas

e gêneros tradicionais, embora sem rigidez, adaptando estas formas às exigências da

expressão de suas idéias musicais” (Soares, 2001, p.115). Comentando sobre o

seccionamento interno destas formas, a autora prossegue:

“as articulações formais internas são em geral bastante claras, desde os níveis articulatórios mais amplos (seções, períodos, frases) até os menores (motivos e células). Colabora para isso a atuação de vários elementos musicais: indicações de mudança de andamento, caráter, textura, aspectos melódico-rítmicos ou melódico-harmônicos do material temático [...]” (idem, ibidem).

A análise formal da Sinfonia 2000 demonstrará que estas características também

permanecem na produção sinfônica do compositor.

A linguagem harmônica empregada nesta obra é predominantemente fundamentada

em estruturas triádicas, mesmo que com freqüentes alterações, e cada movimento apresenta

um pólo tonal/modal principal: I – Sib, II – Lá, III – Sib. Assim, pelo predomínio nos

movimentos externos, o Sib Maior estabelece-se como tonalidade principal da obra. Nos

encadeamentos, ao lado das relações funcionais tradicionais, as relações harmônicas de 3ª

também assumem uma importância bastante grande. Partindo, então, do princípio que a

produção de Ronaldo Miranda apresenta dois tipos básicos de linguagem harmônica, uma

“em que predomina um livre atonalismo” e outra que “situa-se num neotonalismo”

(Raymundo, 1991, p.29), podemos afirmar que a Sinfonia 2000 pertence decididamente à

segunda categoria.

A orquestração da obra requer o seguinte instrumental: 1 flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2

clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 2 trombones tenores, 1 trombone baixo, 1 tuba,

percussão e cordas. O naipe de percussão é composto por tímpanos, xilofone, vibrafone,

glockenspiel, sinos tubulares, pratos, bombo, tam-tam, wood-blocks, temple-blocks, agogô e

frusta e requer cinco executantes além do timpanista. A obra tem sua partitura editada pela

Academia Brasileira de Música e a duração indicada é de 25 minutos.

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5.2.1. “Solene e Lírico”

5.2.1.1. Forma

Como o próprio título já sugere em seu binômio, o 1º movimento é construído a partir

dos preceitos estruturais da forma sonata, com dois temas principais. O compositor fornece

uma breve descrição geral: “após uma introdução intensamente dramática, o primeiro

movimento – Solene e Lírico – se desenvolve a partir de dois temas de atmosferas

absolutamente contrastantes, como o título especifica. O tom do discurso sonoro é, nesse

momento, muito mais universal do que nacional” (Miranda, 2000, p.31). Além da utilização

de idéias temáticas contrastantes, a análise formal revela também a organização das seções de

acordo com os princípios da forma tradicional: introdução, exposição, desenvolvimento,

reexposição e coda. Contudo, a forma é tratada com uma certa liberdade, sobretudo do o

ponto de vista das relações harmônicas que não obedecem às suas convenções originais.

Os diferentes andamentos adotados ao longo do movimento são importantes na

delimitação das seções internas do mesmo. Assim, o Tema I é caracterizado pelo andamento

“Allegro Solene” e o Tema II, pelo andamento “Lírico”. Nossa análise demonstrará que há

ainda um terceiro elemento temático (“Incisivo”), ligando o primeiro ao segundo, que adquire

bastante importância no desenvolvimento. O material melódico apresenta-se bem definido,

sempre em primeiro plano, comprovando a colocação de Consuelo Soares de que nas obras

de Ronaldo Miranda observa-se “a tendência a introduzir elementos melódicos de intenso

lirismo” (Soares, 2001, p.106). É ainda a mesma autora que constata a importância do “uso

sistemático de progressões melódico-harmônicas, associadas comumente a aumentos na

dinâmica e na tensão e constituindo muitas vezes um procedimento de elaboração temática”

(idem, p.112).

A introdução (c.1-12), com a indicação de andamento “Dramático”, é bastante curta e

sua função é gerar tensão e expectativa que antecipam a apresentação do Tema I. Não

havendo apresentação de material temático de importância para o resto do movimento, a

dramaticidade é gerada por elementos harmônicos (sobretudo trítonos e 2as menores),

texturais (adensamento através de entradas sucessivas), e, num segundo momento, pela

intensificação da atividade rítmica.

A exposição (c.13-63) começa diretamente pela apresentação do Tema I (c.13-32),

inicialmente em Sib Maior, marcado por um caráter efetivamente solene, pela harmonização

com condução paralela e por um sabor frígio decorrente da utilização constante do 2º grau

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abaixado, que aparece enarmonizado como Si Maior (Exemplo 55). Este material é logo

submetido a processos de seqüenciamento harmônico e de dissolução e condensação

motívica, antes que três compassos de intensa atividade rítmica, lembrando a introdução,

conduzam à próxima subseção.

Exemplo 55: O Tema I (I, c.13-25)

A transição (c.33-48) entre os dois temas principais apresenta material temático

independente caracterizado pelo andamento “Incisivo”, pela rítmica em quiálteras e pelo

emprego da escala de tons inteiros (Exemplo 56). Um crescendo orquestral conduz a uma

drástica mudança de andamento (“Vigoroso”) que novamente cria expectativa para a

apresentação do Tema II.

Exemplo 56: Material temático da transição (I, c.33-40) O Tema II (c.49-63), “Lírico”, começando em ré menor, é caracterizado por um

desenho descendente cobrindo o âmbito de uma oitava, combinando uma 3ª e uma 6ª, e pelas

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relações harmônicas de 3ª Maior. É marcante também o desenho proposto na voz

intermediária das violas que parece funcionar como uma resposta ao motivo da voz principal

(Exemplo 57). Acelerando levemente o andamento, o tema é enriquecido com o acréscimo

de ornamentos – bordaduras e appoggiaturas – como se fosse um desenvolvimento da célula

original. Esta retorna com o andamento “Lírico”, gerando uma microforma – a-b-a’ – em

que podemos encontrar uma exposição (a: c.49-52), um desenvolvimento (b: c.53-59) e uma

reexposição (a’: c.60-63) do motivo principal. O ralentando final e a presença de uma

fermata no c.63 marcam claramente este ponto como o final da exposição.

Exemplo 57: O Tema II (I, c.49-59) O desenvolvimento pode ser dividido em duas subseções principais e uma terceira –

mais curta – levando a reexposição do Tema I. A primeira (c.64-85) começa trabalhando o

material temático da transição, “Incisivo”, novamente empregando processos de dissolução e

condensação motívica sobre uma marcha harmônica. O crescendo orquestral conduz a um

breve clímax (c.76-80), com a indicação “Eloqüente”, que, por sua vez, leva a uma

reapresentação do Tema I (c.81-85), “Solene”, agora em Fá Maior e com pequenas

modificações (Exemplo 58).

Exemplo 58: Variante do Tema I no desenvolvimento (I, c.81-85)

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A segunda subseção do desenvolvimento (c.86-119) também trabalha inicialmente o

material temático da transição, sugerido pelo ritmo de quiálteras. Em “Fluente” (c.92) o

andamento é reduzido um pouco e inicia-se um diálogo entre 1ª clarineta e 1º trompete.

Nestas linhas melódicas, os grandes saltos, a gradual diminuição dos valores rítmicos e a

sextina ascendente sugerem uma derivação a partir do Tema II. Esta origem fica ainda mais

evidente quando o desenvolvimento desta idéia gera outro fragmento melódico nas madeiras

(c.106) cujas primeiras três notas, incluindo a appoggiatura, representam uma variante

rítmica do motivo principal do Tema II (Exemplo 59).

Exemplo 59: Fragmento melódico do desenvolvimento derivado do Tema II (I, c.106-108) Outro crescendo orquestral conduz ao trecho seguinte, cuja indicação de andamento

“Dramático”, assim como as entradas sucessivas em fp, remetem à introdução do movimento.

Esta semelhança, a tensão gerada no c.117 e a presença de uma fermata – como ao final da

exposição - sugerem este ponto como um possível início da reexposição, que neste caso

começaria pelo material da transição. Contudo consideramos o retorno à tonalidade de Sib

Maior como um elemento mais decisivo e optamos por marcar o início da reexposição no

c.133.

Após a dramaticidade criada no c.117 a tensão torna a diminuir até o repouso sobre a

fermata. Segue-se a terceira subseção do desenvolvimento (c.120-133), mais uma vez

utilizando o material temático da transição e retomando, na clarineta, idéias melódicas da

segunda subseção. O crescendo final, com a indicação “Enérgico”, conduz decisivamente à

volta do Tema I.

A reexposição (c.134-171) retoma o Tema I na tonalidade inicial de Sib Maior,

apresentando-o de forma idêntica à da exposição. Nos dois últimos compassos (c.149-150)

são introduzidas mudanças harmônicas que levam à transição (c.151-154), “Dramático”, para

o Tema II. Esta transição é bem mais curta do que na exposição e apresenta caráter e

material temático completamente diferentes.

A apresentação do Tema II (c.155), agora começando em fá menor, diverge um pouco

do trecho correspondente na exposição, pois não segue a subdivisão ternária original. As

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mudanças começam no c.163, levando ao último momento da reexposição. O Tema I é

reafirmado enfaticamente por toda a orquestra, novamente em Sib Maior, numa variante

idêntica àquela apresentada nos c.81-84 do desenvolvimento.

A curta coda (c.172-177), “Brilhante”, retorna ao caráter do segundo trecho da

introdução, com intensas articulações rítmicas antes da conclusão decisiva em Sib Maior.

5.2.1.2. Harmonia

A maior parte do material harmônico do 1º movimento é originário de estruturas

triádicas, com freqüentes alterações e acréscimos de tensões. As harmonias mais dissonantes

são reservadas a poucos momentos em que o autor busca maior tensão para criar

dramaticidade e expectativa. Embora relações funcionais tanto autênticas como plagais

sejam empregadas com uma certa regularidade, também constatamos uma forte presença de

relações de 3ª na harmonização do material temático e nos processos de marcha harmônica,

procedimento empregado em grande quantidade. A utilização da escala em tons inteiros é

responsável pelo uso freqüente de acordes com 5ª alterada, diminuta ou aumentada. Também

pode-se verificar em vários pontos a presença de notas melódicas, sobretudo appoggiaturas e

bordaduras.

A introdução é o trecho que apresenta as harmonias mais densas de todo o

movimento. Após o uníssono inicial a tensão é gerada sobre o pedal em si, com entradas

sucessivas que vão formando pares de trítonos. A última nota acrescentada, o fá, forma um

trítono com o pedal e assim se completa um acorde de 12 notas (Exemplo 60a). No acorde

seguinte, embora a base ainda seja composta por dois trítonos, predomina o intervalo de 2ª

menor nos registros superiores (Exemplo 60b). Esta estrutura permanece inalterada enquanto

o baixo inicia sua movimentação também sobre intervalos de trítono. No último compasso

da introdução a nota fá, embora turvada pelo solb (fagote 1, trombones, violoncelos), firma-

se como fundamental do acorde, sugerindo a presença de uma dominante fortemente alterada

(Exemplo 60c) para conduzir a Sib Maior, tonalidade em que se inicia a exposição.

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Exemplo 60: Estruturas harmônicas da introdução

Podemos concluir, portanto, que Ronaldo Miranda utiliza-se sobretudo dos intervalos

de trítono e 2ª menor nos momentos em que procura maior tensão e densidade harmônica.

Tal característica já foi apontada na dissertação de Consuelo Caporali Soares que afirma

serem muito comuns “os acordes de quartas aumentadas superpostas” e “acordes contendo

intervalos de 2ª menor [...] com intenção de dar um efeito dissonante” (Soares, 2001, p.111 e

113).

A harmonização do Tema I consiste quase exclusivamente em tríades maiores

conduzidas paralelamente, onde o Sib Maior sobressai inicialmente como tônica. As relações

harmônicas evitam as funções mais tradicionais de dominante e tônica e dão preferência ao

uso de empréstimos e alterações. Uma relação plagal recorrente estabelece-se entre tônica e

supertônica alterada, o segundo grau abaixado – Dób Maior – que aparece enarmonizado

como Si Maior (ver Exemplo 55). A passagem para Mi maior, tonalidade em que o tema é

repetido, ocorre através de uma seqüência de tríades aumentadas (c.18). Instala-se então uma

marcha harmônica em que fragmentos do tema progridem em transposições de 3ª menor: Lá

Maior – Dó Maior – Mib Maior – Fá# Maior. Ao final firma-se um acorde alterado de Mi

Maior com 7ª menor, cuja 5ª abaixada, quando colocada no baixo, torna-se a sensível que

conduz à seção seguinte.

O material da transição é quase inteiramente construído a partir da escala de tons

inteiros. Conseqüentemente, a harmonia permanece continuamente num ambiente de tríades

maiores com 5ª alterada (diminuta e/ou aumentada) e com freqüentes acréscimos de 6as, 7as

e 9as (ver Exemplo 56). A marcha harmônica é novamente empregada no desenvolvimento

do material, embora sem seguir um intervalo fixo: começando em si, as transposições

ocorrem a cada três compassos, levando a ré, sol e sol#. Os quatro compassos da seção

intitulada “Vigoroso” são dominados pela mesma harmonia: um acorde de fá# menor com 7ª

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maior. A 2ª inversão deste acorde, com o dó# no baixo, conduz à exposição do Tema II, que

começa em ré menor.

Na harmonização do Tema II, em contraste com o primeiro, predominam as tríades

menores. O encadeamento inicial, ré menor – sib menor – fá# menor, é um exemplo da

preferência do compositor pelas relações harmônicas geradas por intervalos de 3ª, neste caso

uma seqüência descendente de 3as maiores (ver Exemplo 57). Ao final da exposição a

suspensão ocorre com um acorde aumentado sobre dó que leva ao início do desenvolvimento,

começando com pólo em fá.

A harmonia da primeira seção do desenvolvimento emprega exclusivamente acordes

aumentados com 7ª maior. Novamente o material é desenvolvido em marcha harmônica,

primeiramente em passos de 4ª justa (fá – sib – mib) e depois em 2as menores (mi – fá – solb

– sol – láb – lá – sib), até cadenciar em mib. No trecho “Eloqüente”, um acorde aumentado

sobre dó# leva a outra cadência autêntica, enriquecida com 2as acrescentadas, que prepara o

retorno ao material do Tema I (Exemplo 61). Este tema preserva aqui a mesma

harmonização característica com condução de tríades maiores paralelas, agora na região de

Fá Maior.

Exemplo 61: Harmonização com 2as acrescentadas levando ao Tema I (I, c.80-81) A segunda seção do desenvolvimento utiliza sobretudo tríades com 5ª alterada,

primeiramente (c.86-91) com 5ª diminuta e em seguida com 5ª aumentada, sendo que este

segundo acorde aparece sempre com uma 7ª maior acrescentada. Esta estrutura intervalar,

sempre acompanhada por processos de marcha harmônica, permanece durante todo o resto

desta seção e também domina a última seção do desenvolvimento (c.120). Ao final

estabelece-se uma tríade aumentada sobre fá, gerando uma nova cadência autêntica que

introduz a reexposição em Sib Maior.

Depois da reapresentação do Tema I, cuja harmonização aqui é igual à da exposição,

a curta transição para o Tema II agora ocorre sobre um acorde aumentado com fundamental

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em mi. Este funciona como 7º grau alterado de fá menor, tonalidade em que retorna o Tema

II, também com harmonização igual à da exposição. É novamente a dominante com 5ª

aumentada que conduz de volta a Sib Maior para a última apresentação do Tema I, firmando

esta tonalidade como a principal do movimento.

Na coda, enquanto o Sib Maior permanece nos registros superiores, a alternância

entre fá e fá# provoca um revezamento de tríades maiores e aumentadas, os acordes que

definiram a harmonia durante a maior parte do movimento. A cadência conclusiva ocorre

com um acorde-appoggiatura sobre sib, cuja quarta aumentada resolve ao final.

Verificamos, assim, que no 1º movimento os trechos harmonicamente estáveis, como

os dois temas principais, empregam principalmente acordes maiores e menores em sua

harmonização, enquanto as seções mais instáveis, como as transições e a maior parte do

desenvolvimento, se caracterizam pela presença de tríades com 5ª alterada e acréscimos de

tensões, sobretudo a 7ª maior. O Exemplo 62 abaixo demonstra essa relação através da

redução harmônica de todo o movimento.

Exemplo 62: Redução harmônica do 1º movimento

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Um aspecto constante na harmonia de Ronaldo Miranda é que nos acordes com 7ª

maior, verificados em diversos pontos deste movimento, este intervalo nunca aparece escrito

como tal, mas sempre como 8va diminuta (ou 1ª aumentada). Consuelo Soares já verificou

esta característica na obra para piano do compositor e cita como sendo recorrentes em sua

linguagem harmônica, “acordes contendo intervalos de 2ª menor [...] enfatizados pela escrita

com notas homônimas mas com acidentes diferentes, com a intenção de dar um efeito

dissonante de cluster” (Soares, 2001, p.113). O mesmo tipo de escrita marca também as

notas melódicas como bordaduras e appoggiaturas.

5.2.1.3. Orquestração e Textura

Dada a importância dos elementos temáticos no 1º movimento da Sinfonia 2000, a

textura prioriza a homofonia, que põe em evidência a linha melódica. Da mesma forma, a

orquestração também trabalha com conceitos mais tradicionais de dobramentos e técnica

instrumental. Nas seções de tutti, por exemplo, as linhas melódicas e do acompanhamento

são distribuídas igualmente entre os naipes, com dobramentos em madeiras, metais e cordas.

Na escrita para este último naipe os divisi são freqüentes, mas não são indicados pelo

compositor, ficando a critério dos intérpretes. Por outro lado há uma preocupação com a

sonoridade evidenciada pelas indicações constantes de direção de arco. A percussão, com

exceção dos tímpanos, tem pouca atividade neste movimento, é empregada apenas

reforçando alguns trechos de tutti e os instrumentos de teclado dobram sobretudo desenhos

das madeiras.

Na introdução a tensão é gerada pelas entradas sucessivas de todos os instrumentos da

orquestra, com dobramentos regulares entre cordas e sopros. A articulação rítmica insistente

do acorde formado, coincidindo sempre com as pausas da linha do baixo, também contribui

para o aumento da dramaticidade deste trecho.

A textura do Tema I é homofônica/acordal, apenas nas notas longas da melodia a

movimentação é gerada pelas linhas graves dos violoncelos e contrabaixos, com saltos de

8va, mudanças de posição e appoggiaturas (ver Exemplo 55). Na orquestração podemos

identificar dobramentos tradicionais entre os naipes de madeiras, metais e cordas: violinos

I/II e violas são dobrados por 2º oboé + clarinetas e pelas trompas 1-3, violoncelos e

contrabaixos são dobrados por fagotes e trombones. A 8va ascendente do tema é ressaltada

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através de dobramentos suplementares nas flautas e no 1º oboé. O crescendo que leva à

seção seguinte é produzido por entradas sucessivas dos sopros.

A transição se caracteriza pela textura de melodia acompanhada em que violinos e

madeiras desenvolvem o material melódico sobre um ostinato das cordas graves (ver

Exemplo 56). O pizzicato Bartók que ocorre ao início da transição é um recurso empregado

com freqüência nesta obra, sempre nos contrabaixos onde este tipo de articulação atinge

maior sonoridade.

A orquestração do Tema II também apresenta o dobramento em três naipes, a melodia

ocorrendo nos violinos com flautas, oboés e 1º trompete. A textura inicial é mais

homofônica, porém enriquecida pelo contraponto das violas (ver Exemplo 57). Em seguida,

no curto trecho que desenvolve o motivo principal deste tema (c.53-59), a condução

individual de vozes resulta numa textura mais polifônica.

As três seções do desenvolvimento apresentam texturas parecidas, sempre com

ostinatos nas cordas. A primeira seção retoma a textura e orquestração da transição. Uma

característica marcante é o dobramento da figura das flautas nas percussões de teclado

metálicas, o glockenspiel e o vibrafone (c.64 em diante). A variante do Tema I (c.81),

sempre em textura coral, adquire a sonoridade solene pela orquestração com metais, cordas e

tímpanos. A segunda seção do desenvolvimento também se caracteriza pelo

acompanhamento com ostinato das cordas e atividade melódica dos sopros, inicialmente com

solos e depois se intensificando. As entradas sucessivas com fp na seção “Dramático”

(c.116) estabelecem um paralelo textural com a introdução.

Na reexposição a textura e a orquestração dos dois temas praticamente não

apresentam novidades em relação à exposição. A apresentação final do Tema I adquire

sonoridade brilhante pela orquestração com madeiras e metais, a maneira de uma marcha

festiva, enquanto as cordas apenas enfatizam os tempos fortes. A coda retoma a textura do

segundo trecho da introdução.

5.2.2. “Lúdico”

5.2.2.1. Forma

O compositor descreve o segundo movimento – “Lúdico” – da Sinfonia 2000 como

tendo “o caráter de um scherzo, revelando na textura das partes inicial e final um tema de

sabor latino-americano e, na parte central, elementos de caráter afro-brasileiro, tratados em

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102

processo minimalista” (Miranda 2000, p.31). Assim, a estrutura do movimento segue uma

forma ternária (A – B – A), onde a parte B é consideravelmente mais longa que A e apresenta

subdivisões internas.

O ritmo surge como elemento essencial na definição do material temático,

conferindo- lhe o caráter de scherzo intencionado pelo compositor, e torna-se o principal

parâmetro para a variação e o desenvolvimento deste material. Dada esta importância,

citamos aqui algumas das características mais marcantes da linguagem rítmica de Ronaldo

Miranda, tal como colocadas por Consuelo Soares, e que encontramos também na Sinfonia

2000 (Soares, 2001, p.100-101):

1. “Pode-se notar [...] a tendência a uma quebra da subdivisão regular dos

pulsos métricos, a qual pode ou não vir indicada por ligaduras [de expressão]. Trata-se de articulações no ritmo não coincidentes com os acentos métricos sugeridos pela fórmula de compasso, criando subdivisões internas assimétricas no compasso. Subdivisões diferentes podem inclusive gerar diferentes organizações métricas de uma mesma fórmula de compasso”.

2. “Bastante freqüentes também são os acentos rítmico-dinâmicos não coincidentes com os acentos métricos, fato que cria acentuações deslocadas no ritmo, podendo gerar também subdivisões internas nos compassos, inclusive alterações do tipo hemiólias”.

3. “Alternâncias e mudanças de fórmulas de compasso são muito comuns [...] podendo estar associadas à mudança da subdivisão da unidade de tempo (ternária para binária ou vice-versa) ou às dimensões irregulares de frases ou motivos”.

Na parte B (c.27-90) ressaltamos o emprego constante de ostinatos ritmo-melódicos

que são parte essencial do desenvolvimento musical e geralmente incluem elementos

revelando semelhanças com o folclore musical brasileiro.

O material temático da parte A, apresentado inicialmente em Lá Maior, é definido

sobretudo por suas características rítmicas. Um elemento marcante é o desenho das

madeiras, um arpejo descendente em semicolcheias. As relações harmônicas, como

comprovaremos mais adiante, também são importantes. Ritmicamente, os dois tempos do

compasso composto 6/8 apresentam alternadamente subdivisão ternária e binária,

ocasionalmente dentro de um mesmo compasso (Exemplo 63). É aparentemente este aspecto

que confere a esta seção o “sabor latino-americano” ao qual o compositor se refere, pois a

alternância de divisões ternárias e binárias é uma característica rítmica de diversas danças

populares em toda América Latina, como a catira no Brasil. Melodicamente sobressai a voz

intermediária, mais cantante, de violas e 1º fagote.

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Exemplo 63: Material temático da parte A do 2º movimento (II, c.1-4) Formalmente a parte A (c.1-26) apresenta duas subseções, A1 (c.1-9) e A2 (c.10-26),

ambas desenvolvendo o mesmo material fundamental. A separação das duas partes é

evidenciada através de uma curta quebra no padrão rítmico (c.8-9), quando dentro de um

compasso quaternário os acentos provocam a distribuição assimétrica de colcheias 3 + 3 + 2,

também freqüente no folclore musical brasileiro. A regularidade da fraseologia, com frases

de dois compassos, é quebrada ocasionalmente por acréscimo de um compasso (c.5-7 e 18-

20).

A parte B (c.27-90) também apresenta duas subseções – B1 e B2 – além de começar

por uma introdução (c.27-31), “Malemolente”, em que uma nova idéia melódica é

apresentada nos metais na forma de um fugato (Exemplo 64).

Exemplo 64: Fugato dos metais na introdução da parte B (II, c.27-30) Em B1 (c.32-66) parte deste material é empregado na formação de uma textura de

acompanhamento, marcada pela acentuação sincopada do baixo, a maneira de um baião. A

mudança súbita do andamento para “Mais Gingado”, introduz um trecho onde a rítmica e a

participação das percussões sugere os “elementos de caráter afro-brasileiro” mencionados

pelo compositor (Exemplo 65). O material é trabalhado até um momento climático (c.48)

após o qual a síncope retorna como principal elemento para o desenvolvimento musical,

sobretudo na linha do baixo.

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Exemplo 65: Rítmica de caráter afro-brasileiro na seção B1 (II, c.38-39) A partir do c.61, a volta de elementos de A, como a alternância de subdivisões

ternárias e binárias, sugere um retorno à parte A. Entretanto não é isto que acontece, pois o

desenho rítmico dos contrabaixos estabelece-se como um novo ostinato sob o qual se

desenvolve então a segunda subseção de B. Os c.61-66 assumem, portanto, o papel de

transição entre as duas subseções de B.

Como B1, B2 (c.67-90) também apresenta aspectos rítmicos e uma participação

intensa das percussões que sugerem uma sonoridade afro-brasileira. Um novo motivo é

introduzido nos metais, lembrando o som de uma cuíca (Exemplo 66). A volta da fórmula de

compasso 6/8 e de elementos da parte A assinala o início da transição (c.82-90) que leva à

reapresentação desta.

Exemplo 66: Motivo dos metais na subseção B2 (II, c.72) Fechando a forma ternária deste movimento, a segunda apresentação da parte A (c.91-

114) é formalmente idêntica à primeira. A única diferença encontra-se nos dois compassos

finais, modificados a fim de levar à conclusão do movimento.

5.2.2.2. Harmonia

A linguagem harmônica do 2º movimento é integralmente triádica, com a tonalidade

de Lá Maior se estabelecendo como tônica pela presença no início, no fim e também na

subseção B1. As relações harmônicas privilegiam os intervalos de 3ª, provocando

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justaposições de tríades pertencentes a tonalidades distantes. As relações mais funcionais de

2ª, 4ª e 5ª são reservadas às cadências conclusivas de cada trecho. Como no 1º movimento,

os acordes com alterações na 5ª e o acréscimo de tensões são recorrentes. Na parte B o

emprego constante de ostinatos gera regiões harmônicas estáveis que permanecem durante

longos trechos.

Na parte A, a harmonização do material temático demonstra a importância das

relações harmônicas de 3ª (ver Exemplo 63). Já a ligação entre A1 e A2 acontece com uma

cadência funcional envolvendo uma dominante com 5ª diminuta. Encadeamentos

harmônicos construídos seguindo a estrutura de um tetracorde diminuto, ou seja, enfatizando

a relação de 3ª menor, também são recorrentes: Dó – Mib – Fá# – Lá (c.5-7); Sib – Réb – Mi

– Sol – Sib (c.18-20). A cadência final da parte A retoma o uso do acorde-appoggiatura,

sobre um pedal de tônica a tríade com 4ª aumentada resolve na tríade maior.

A introdução da parte B, inclusive o fugato, utiliza inicialmente o modo lídio, com o

pólo permanecendo ainda em lá (ver Exemplo 64). Na seqüência, sobre o acorde de Lá

Maior que permanece nas cordas, as entradas imitativas dos metais acontecem em intervalos

de 5ª ascendente, formando uma superposição de 5as justas que acrescenta tensões a esta

tríade fundamental.

A subseção B1 dá continuidade a esta superposição de 5as e assim, devido à

supressão da 3ª do acorde, a harmonia adquire inicialmente uma sonoridade mais quartal. As

entradas sucessivas acabam gerando um contexto harmônico estável: um acorde de Lá Maior

com 6ª e 9ª maiores que permanece durante todo este trecho. Esta estrutura indica também a

utilização de uma escala pentatônica nesta subseção (lá – si – dó# – mi – fá#), que também

pode ser lida como uma seqüência de 5as justas superpostas (lá – mi – si – fá# – dó#). A

partir do c.53, o emprego da escala de tons inteiros com fundamental em Mi, resulta

novamente numa harmonia em que predominam tríades maiores com 5ª diminuta e ao final,

após um processo de filtração, sobra apenas o intervalo de trítono mi – sib.

A superposição de ostinatos na subseção B2 gera outra região harmônica prolongada,

ainda com pólo em mi e empregando a escala de tons inteiros. Assim, o trecho todo se

desenvolve num contexto de Mi Maior com 5ª diminuta e tensões ocasionais, 6ª menor e 9ª

maior. Este acorde assume, ao final de B2, a função de uma dominante alterada que conduz

ao retorno da parte A, a qual não apresenta mudanças na estrutura harmônica.

O Exemplo 67 a seguir representa uma redução harmônica deste movimento,

demonstrando a predominância das relações de 3ª na parte A e as regiões estáveis

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prolongadas na parte B. O retorno à parte A é suprimido por ser igual à seção inicial,

portanto reproduzimos apenas a cadência final.

Exemplo 67: Redução harmônica do 2º movimento

5.2.2.3. Orquestração e Textura No 2º movimento os aspectos de orquestração e textura são importantes na definição

da idéia de scherzo intencionada pelo compositor. É o timbre ainda que sugere, ao lado do

ritmo, o “sabor latino” da parte A e os “elementos de caráter afro-brasileiro” na parte B. Esta

se caracteriza por constantes processos de adensamento textural resultante da superposição de

ostinatos.

Na parte A o compositor privilegia a combinação dos timbres de madeiras e cordas,

excluindo quase totalmente os metais e a percussão, à exceção dos compassos finais. Nas

madeiras predomina a articulação em staccato enquanto, paralelamente, as cordas atuam

sempre em pizzicato, retomando o arco apenas para a cadência conclusiva desta parte.

Texturalmente, a parte A permanece bastante uniforme, apresentando regularmente

três camadas distintas (ver Exemplo 63). A linha do baixo fornece as acentuações e dita as

subdivisões ternárias ou binárias dos compassos. No registro médio uma linha melódica mais

cantante permanece no 1º fagote, muitas vezes caminhando junto com a linha do baixo em

3as ou 6as. Na voz superior predomina o colorido de arpejos e escalas em semicolcheias,

também freqüentemente empregando 3as e 6as paralelas.

Estas três camadas são caracterizadas também pelo timbre, onde cordas e madeiras

trabalham com dobramentos regulares em combinações mais tradicionais. Embora haja

algumas variações, podemos generalizar afirmando que: (1) a linha do baixo é dobrada pelo

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fagote 2; (2) a linha intermediária das violas no fagote 1 e (3) os violinos I/II são dobrados

por flautim, flautas, oboés e clarinetas. Apenas o arpejo descendente em semicolcheias,

elemento marcante na parte A, é praticamente exclusivo das madeiras. Nestes trechos, as

cordas apenas acentuam os tempos fortes, evidenciando o revezamento de subdivisões

ternárias e binárias dos compassos.

A introdução da parte B apresenta uma textura polifônica, um breve fugato com

quatro entradas que, em oposição à parte A, é dominado pelo timbre dos metais. Em B1

forma-se um textura de acompanhamento, resultante da superposição de diferentes ostinatos

nas cordas, sobre a qual ainda seguem quatro entradas imitativas dos metais. A partir de

“Mais Gingado”, a entrada repentina de todo o naipe de percussão sugere a presença dos

elementos de caráter afro-brasileiro (Exemplo 68).

Exemplo 68: Textura da percussão sugerindo ritmos afro-brasileiros (II, c.38-39)

Segue-se um processo de adensamento da textura que, partindo do ostinato na região

grave, expande-se para o agudo através das entradas sucessivas de todos os instrumentos da

orquestra. A saída momentânea dos metais no c.46 é um recurso interessante que provoca

uma mudança súbita no timbre da orquestra e enfatiza o retorno deste naipe, direcionando

para o clímax. A subseção B1 conclui com um processo de rarefação da textura, onde os

diferentes ostinatos são eliminados aos poucos até sobrarem apenas os contrabaixos.

A textura de B2 também se define pelo adensamento gradual resultante da

superposição acumulatival de ostinatos em toda a orquestra, onde os desenhos da percussão

voltam a sugerir ritmos afro-brasileiros. Um efeito particularmente marcante é produzido

pelo o acorde em harmônicos dos violinos (c.69). No momento em que a textura atinge a

densidade máxima (c.76), a exclusão súbita dos naipes de cordas e metais causa uma

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transformação instantânea de timbre e textura que resulta num solo de madeiras e percussão.

Após este momento climático, a predominância gradual das madeiras e cordas direciona para

a reexposição da parte A. Esta, além da participação da percussão no final, não apresenta

mudanças de textura e orquestração em relação ao início.

5.2.3. “Tema e Variações” O último movimento da Sinfonia 2000 adota a forma de um tema com variações que

Ronaldo Miranda descreve da seguinte forma:

“O último tempo – Tema e variações – desenvolve-se a partir de um motivo do folclore nacional, Na mão direita, ciranda que Heitor Villa-Lobos também utilizou no seu conhecido Guia Prático. Após a exposição desse conhecido tema, cinco variações bem contrastantes entre si são apresentadas seguidamente, culminando a última delas numa coda bastante eloqüente, onde há uma pequena citação do Hino à Bandeira, homenagem do autor ao grande compositor brasileiro Francisco Braga” (Miranda, 2000, p.32).

Nos processos de variação observamos que os elementos criados inicialmente como

acompanhamento para o tema folclórico tornam-se tão importantes quanto o próprio tema. O

contraste entre as cinco variações se dá pela alternância de andamentos, pelas diferenças de

caráter e por mudanças de textura e timbre. As variações são interligadas por pequenos

trechos transitórios que normalmente antecipam de alguma forma elementos da variação que

segue.

Quanto à linguagem harmônica, partindo da opção por um tema tonal, segue a

predominância das estruturas de origem triádica, com freqüentes alterações na 5ª dos acordes.

O Sib Maior estabelece-se como pólo principal pela presença no início e no fim e, assim,

assume também a posição de tonalidade principal de toda a obra.

Como o movimento apresenta uma forma bastante seccionada, optamos por não

separar sua análise de acordo com os aspectos de forma, harmonia e orquestração/textura.

Pareceu-nos mais apropriado, nesta situação, analisar cada seção – o tema e as cinco

variações – separadamente, mas focalizando sempre aqueles mesmos três aspectos. As

reduções harmônicas também são apresentadas separadamente ao final da análise de cada

variação.

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109

5.2.3.1. Tema

A seção de apresentação do tema (c.1-56), “Dolente”, começa por uma introdução

(c.1-18) onde o tema já é sugerido por uma célula rítmico-melódica (Exemplo 69), que é

desenvolvida em imitações e ostinatos e terá importância também nos processos de variação.

Exemplo 69: Célula rítmico-melódica na introdução ao tema (III, c.1)

O tema em si tem uma estrutura bastante simples, uma linha melódica baseada nos

arpejos dos graus principais com poucas notas melódicas, um padrão rítmico constante (a

célula da introdução) e fraseologia regular. Ele é exposto duas vezes (c.18-34), primeiro

como solo de oboé (Exemplo 70) e depois numa orquestração mais densa. No último trecho

(c.35-56) o compositor realiza uma breve elaboração em torno do material de

acompanhamento do tema, sempre empregando a célula rítmica característica.

Exemplo 70: O tema das variações (III, c.19-26) As cordas apresentam a introdução em uma textura bastante polifônica, a quatro

vozes e com entradas sucessivas (Exemplo 71). O tema é exposto inicialmente num solo de

oboé, sobre uma linha de baixo bastante estática e uma voz intermediária nas violas

produzindo o recheio harmônico. A segunda exposição ocorre no tutti de madeiras e cordas,

onde o tema recebe o reforços de 4ª, 6ª e 8va, enquanto as outras vozes são conservadas. A

predominância de cordas e madeiras continua no último trecho, onde nota-se que a linha dos

violoncelos acompanha os contrabaixos porém ornamentando com bordaduras e saltos de

8va. Ao final, o momento de tensão do c.53 é acentuado pela entrada das percussões:

tímpanos, glockenspiel, vibrafone e chicote.

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110

Exemplo 71: Textura polifônica das cordas na introdução (III, c.1-10)

Toda esta seção permanece centrada na tonalidade de Sib Maior e a harmonização do

tema é extremamente simples, seguindo o padrão típico para uma canção folclórica, I – IV –

V – I (ver Exemplo 70). Nos trechos de introdução e conclusão predominam as funções de

tônica, dominante e supertônica, está última freqüentemente apresentando a 3ª maior e

assumindo o papel de dominante da dominante. Nos momentos cadenciais é recorrente o

encadeamento plagal II – I sobre um pedal de tônica (2º grau com 7ª no baixo). Ao final um

momento de tensão é gerado quando 5ª e 4ª aumentadas (c.53 e 54) são acrescentadas,

separadamente, ao acorde de tônica.

Exemplo 72: Redução harmônica da seção de apresentação do tema 5.2.3.2. Variação I

A Variação I (c.57-94), “Brilhante”, é predominantemente rítmica, sendo

característico o deslocamento de acentos dentro do compasso e a preferência pelo

agrupamento de semicolcheias seguindo o padrão 3 + 3 + 2. A atividade melódica concentra-

se na linha do baixo, onde encontramos uma variante da célula da introdução (Exemplo 73).

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111

Não há nenhuma referência direta ao tema propriamente dito, a variação desenvolve-se como

um divertimento rítmico a partir do deslocamento de acentos.

Exemplo 73: Variante da célula da introdução na Variação I (III, c.57-60) Internamente, a Variação I apresenta uma estrutura ternária: A (c.57-67), B (c.68-76),

A’ (c.77-90). Ao final há uma curta transição (c.90-94), com a indicação “Com expectativa”

e incorporando material da parte B do 2º movimento, que conduz à segunda variação.

A e B também contrastam pela orquestração e pela textura, as seções extremas se

caracterizam pelo emprego quase contínuo do tutti orquestral (menos percussão) e a seção

central apresenta orquestração mais reduzida, com alternância de cordas e madeiras nos

ostinatos rítmicos. A textura inicial demonstra uma semelhança com a introdução do 1º

movimento devido à articulação dos acordes no registro médio sempre durante as pausas da

linha do baixo. As combinações de timbres seguem os dobramentos convencionais, com

cellos, contrabaixos, fagotes, trombones e tuba na linha melódica do baixo. Após a

densidade máxima no tutti conclusivo, a transição final tem a orquestração bem reduzida,

com fragmentos melódicos sobre um baixo ostinato.

Harmonicamente predominam as tríades maiores com dissonâncias acrescentadas.

Em A e A’, partindo do acorde final da seção anterior, são empregados sobretudo acordes

maiores com 4ª aumentada e acordes maiores com 9ª menor, com esta freqüentemente

turvando a fundamental pelo posicionamento junto ao baixo. Já na seção intermediária há

apenas tríades aumentadas. Os encadeamentos nas três subseções mais uma vez privilegiam

as relações de 3ª. A ligação com a variação seguinte acontece inteiramente a partir do trítono

sib – mi.

Exemplo 74: Redução harmônica da Variação I

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112

5.2.3.3. Variação II

Inicialmente, a Variação II (c.95-158) afasta-se mais ainda do tema, o vínculo

permanece apenas devido à manutenção da célula rítmica principal na linha melódica. Esta

se caracteriza pela predominância do intervalo de 7ª Maior – freqüentemente enarmonizado

como 8va diminuta – e é apresentada numa forma onde seus diversos fragmentos motívicos

são separados pela orquestração (Exemplo 75).

Exemplo 75: Material melódico da Variação II (III, c.95-98)

A indicação de andamento “Malemolente” remete à parte B do 2º movimento, já

indicando que o compositor retoma aqui algumas idéias desta seção. Os elementos de caráter

afro-brasileiro são introduzidos após o momento climático do c.112 e o motivo que lembra o

som da cuíca (ver Exemplo 66) também é retomado nos metais a partir do c.115. Assim,

como também no 2º movimento, boa parte desta variação desenvolve-se através do emprego

de ostinatos. O tema das variações é finalmente relembrado a partir do c.126, onde ele ocorre

em uma variante simplificada, empregando apenas duas alturas mas mantendo o ritmo

idêntico ao da melodia original (Exemplo 76).

Exemplo 76: Variante simplificada do tema original na Variação II (III, c.126-129)

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113

Os elementos afro-brasileiros retornam mais uma vez antes que a variação conclua

com a retomada dos desenhos melódicos com saltos de 7ª maior. Novamente segue um

trecho transitório (c.149-158), com a indicação “Incisivo”, que funciona como preparação

para a variação seguinte.

Quanto à textura, observamos que inicialmente a fragmentação da linha melódica e

sua distribuição em vários instrumentos e registros conferem um aspecto pontilhista à

Variação II, ainda que sem apresentar silêncios (ver Exemplo 75). A orquestração destaca os

sopros, encarregando-os de praticamente toda atividade melódica. As cordas apresentam

predominantemente texturas de acompanhamento, freqüentemente geradas a partir de

ostinatos. O emprego das madeiras e percussões nas citações do material afro-brasileiro

reforça o paralelo com o 2º movimento pelo timbre. Da mesma forma, a introdução da

variante do tema no oboé sobre o acompanhamento das cordas remete imediatamente à

primeira exposição do tema original.

Na harmonia, o principal elemento da segunda variação, com pólo harmônico em mi,

é a tríade aumentada, com freqüentes acréscimos de tensões. A superposição de duas destas

tríades, numa estrutura poliacordal com relação de 2ª menor, gera um acorde em que cada

altura da tríade inferior é acompanhada por uma 7ª maior (Exemplo 77), justificando a

predominância deste intervalo na linha melódica.

Exemplo 77: Acorde superpondo duas tríades aumentadas na Variação II (III, c.95-96)

Esta estrutura é evidenciada na escala ascendente do c.110, em que se alternam os de

intervalos de 2ª e 3ª menores. Ela explica também a harmonização do material afro-

brasileiro, temperada com 2as menores (c.113 e 136). A transição para a terceira variação é

mais uma vez construída sobre um intervalo de trítono (si – fá), além de empregar a escala

octatônica.

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114

Exemplo 78: Redução harmônica da Variação II

5.2.3.4. Variação III

A Variação III (c.158-209) privilegia mais uma vez o aspecto rítmico. O elemento

principal é um ostinato gerado a partir da distribuição assimétrica dos acentos dentro de um

compasso quaternário, sendo marcante o desenho das violas com a distribuição de

semicolcheias 3 + 3 + 3 + 3 + 2 + 2 (Exemplo 79). Este padrão é quebrado ocasionalmente

por compassos com acentuação regular dos tempos fortes.

Exemplo 79: ostinato rítmico da Variação III (III, c.158-159) Formalmente, verificamos a presença de uma estrutura ternária, A (c.158 – 174) – B

(c.175-188) – A’ (c.189-209), onde A se desenvolve a partir deste ostinato rítmico e não

apresenta nenhum vínculo aparente com o tema original. A seção B se caracteriza pela

apresentação de mais material melódico, onde o tema é sugerido em uma variante introduzida

pelos sopros (Exemplo 80). A rítmica continua como elemento essencial, agora com o

predomínio da acentuação 3 + 3 + 2. A seção A’ retoma o padrão inicial e passa a

desenvolver o desenho marcante de semicolcheias também na linha melódica, além de

retomar o material da transição que antecedeu o início da variação. Os quatro últimos

compassos representam outra transição, levando à Variação IV.

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Exemplo 80: Variante do tema original na Variação III (III, c.175-176) Enfatizando o aspecto rítmico, esta variação apresenta uma textura bastante

homogênea, havendo apenas alguma diferença de densidade entre as seções A e B. A

orquestração das seções extremas combina cordas – onde o pizzicato dos violinos reforça o

caráter rítmico da variação – e madeiras, sendo estas ocasionalmente substituídas pelas

trompas. Na seção central as cordas, agora com arco, formam a base rítmico-harmônica

sobre a qual sopros solistas entram com a linha melódica, a qual se apresenta novamente

fragmentada pela distribuição na orquestração.

Tendo Fá Maior como pólo, o principal material harmônico da Variação III são

tríades maiores onde o ostinato em semicolcheias provoca constantemente o acréscimo da 4ª

aumentada como appoggiatura. Nos encadeamentos harmônicos predominam as relações de

graus conjuntos e de 3ª. A seção B segue trabalhando com tríades maiores, agora com

acréscimos de 7ª e 9ª maiores além da 5ª diminuta.

Exemplo 81: Redução harmônica da Variação III

5.2.3.5. Variação IV Como a indicação de andamento “Lírico” indica, a Variação IV é essencialmente

melódica. O tema apresentado inicialmente pelas cordas revela elementos rítmicos, como a

manutenção da célula rítmica principal, e melódicos, como o arpejo inicial, decalcados do

tema original e conserva através destes aspectos uma sonoridade que remete ao folclore

musical brasileiro (Exemplo 82).

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Exemplo 82: Tema da Variação IV (III, c.210-214) Este tema é repetido diversas vezes com pequenas variações na linha melódica e no

ritmo, como a quebra da métrica regular causada pela presença ocasional de um compasso

ternário.

Embora esta variação privilegie o aspecto melódico, a preocupação com a condução

de vozes nas linhas intermediárias e do baixo revela, como o tema original, uma textura

bastante polifônica, a cinco vozes (Exemplo 83).

Exemplo 83: Textura polifônica a cinco vozes na Variação IV (III, c.219-223)

As cordas iniciam o trecho sozinhas e formam toda a base da orquestração. A

participação dos sopros – apenas madeiras e trompas – restringe-se a dobramentos da linha

melódica e de seus contrapontos. O movimento do baixo com articulação em pizzicato é um

elemento importante que contribui para o estabelecimento do caráter nacionalista da melodia.

Do ponto de vista da harmonia, esta variação permanece, como também o tema

original, num ambiente estritamente tonal, aqui em Fá Maior. A harmonização, onde

predominam os encadeamentos envolvendo o 1º, 2º e 5º graus da tonalidade, é enriquecida

pela presença de dominantes secundárias e notas melódicas – sobretudo notas de passagem

cromáticas – nas vozes intermediárias. A conclusão sobre um acorde de tônica com

acréscimo de 4ª aumentada também remete à apresentação do tema original.

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117

Exemplo 84: Redução harmônica da Variação IV

5.2.3.6. Variação V e Coda

A última variação (c.230-266) segue diretamente após o final da quarta – sem

qualquer transição – e adota inicialmente a forma de uma fuga sobre o seguinte tema:

Exemplo 85: O sujeito da fuga na Variação V (III, c.239-241) Este sujeito parece a princípio bastante distante do tema das variações, mas é possível

estabelecer uma relação quando levamos em conta que a principal característica da linha

melódica do tema original é o arpejo sobre o acorde de tônica (Sib maior). Da mesma forma,

se considerarmos a presença de diversas appoggiaturas cromáticas, o sujeito da fuga baseia-

se num arpejo de Láb Maior, primeiramente com 5ª justa e depois com 5ª aumentada e 7ª

maior, acorde que foi recorrente em toda a obra. Para demonstrar esta característica,

identificamos as appoggiaturas com a letra “a” no Exemplo 81 acima.

A exposição da fuga (c.239-246) é composta por quatro entradas que acontecem

regularmente a cada dois compassos. Há a sugestão de um contra-sujeito, mas ele não chega

a se fixar igualmente durante a 2ª, 3ª e 4ª entradas. Segue-se uma seção de desenvolvimento

da fuga (c.247-262) onde, seguindo o modelo da fuga escolar, há uma alternância entre

divertimentos e episódios na seguinte seqüência: Divertimento I (c.247-250); Episódio I com

sujeito na voz superior (c.251-252); Divertimento II (c.253-255); Episódio II com sujeito no

baixo (c.256-257); Divertimento III (c.258-262).

O último divertimento segue num crescendo contínuo que culmina no trecho com a

indicação “Glorioso” (c.263-266), onde o tema original retorna em uma variante

simplificada, mas com caráter bastante grandioso (Exemplo 86).

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Exemplo 86: Variante do tema original ao final da Variação V (III, c.263-265)

A coda (c.267-275) compreende duas seções. A primeira representa a breve citação

do Hino à Bandeira indicada pelo compositor (Exemplo 87). A segunda, com a indicação

“Apoteótico”, conclui a obra com um caráter exaltado e festivo.

Exemplo 87: Citação do Hino à Bandeira na coda do 3º movimento (III, c.267-269) A escolha da forma fuga resulta numa textura predominantemente polifônica na

Variação V. Na exposição, confiada às madeiras, cada uma das quatro vozes é caracterizada

por um novo timbre: fagote, clarineta, oboé e flauta. O tema em si adquire um certo caráter

cômico devido às articulações em staccato e síncopes acentuadas. As madeiras são

acompanhadas pelo pizzicato das cordas que reforçam alguns fragmentos do tema, provocam

articulações nas síncopes do sujeito e preenchem a harmonia.

Enquanto o 1º divertimento permanece com a combinação de madeiras e cordas, o 1º

episódio é marcado pela entrada do trompete e dos tímpanos. O sujeito aqui recebe

dobramentos de 8va e 3ª e alguns motivos são reforçados inclusive por 8vas paralelas entre a

voz superior e o baixo. No 2º divertimento – com cordas, madeiras e metais – o s

dobramentos irregulares entre os três naipes provocam um novo efeito tímbrico e textural.

Após o 2º episodio, com o sujeito no baixo, o 3º divertimento tem o crescendo intensificado

pelos graduais reforços na orquestra.

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119

Em “Glorioso” há uma súbita mudança para a textura homofônica, que contribui para

o aspecto festivo deste retorno ao tema. A melodia aqui é dobrada em quatro 8vas, do baixo

à voz superior. A citação do Hino à Bandeira adquire uma sonoridade nobre devido à

orquestração em que a melodia é dobrada por violinos, violoncelos, trombone, trompete e

fagotes. Ao final, as fanfarras de trompetes com madeiras estabelecem o caráter “apoteótico”

intencionado pelo compositor e o desenho conclusivo, de duas semicolcheias com o salto

para o grave, cria um paralelo com o final do 1º movimento.

Embora a fuga não preserve as relações tonais de sujeito na tônica e resposta na

dominante, as entradas preservam entre si uma relação fixa seguindo uma seqüência baseada

no intervalo de 6ª maior ascendente (ou 3ª menor descendente): láb – f á – ré – si. Na

harmonia gerada pela condução de vozes – e freqüentemente evidenciada no

acompanhamento das cordas – predominam as mesmas estruturas triádicas encontradas nas

outras variações: acordes com 5ª alterada (aumentada ou diminuta) e tríades com acréscimos

de 2ª menor, 4ª aumentada e 7ª maior. O acorde com 5ª aumentada e 7ª maior marca cada

nova entrada na exposição.

Os divertimentos são construídos a partir de processos de marcha harmônica,

normalmente empregando uma única estrutura harmônica – tríades maiores com ou sem

dissonâncias acrescentadas – seqüenciada por graus conjuntos, como no divertimento II, ou

por intervalos de 3ª, como no início do divertimento III.

A variante “gloriosa” do tema original retoma a tonalidade principal de Sib Maior que

permanece até o final da obra. A citação do Hino à Bandeira ocorre com sua harmonização

tonal original. Na segunda seção da coda alternam-se os acordes de Sib Maior e o mesmo

com a 5ª diminuta. Um uníssono repentino em Fá#, remetendo ao final da apresentação do

tema onde esta mesma nota foi acrescentada à tríade da tônica, resolve na dominante e uma

escala descendente, envolvendo alternadamente intervalos de 2ª e 3ª menores, leva a

conclusão definitiva em Sib Maior.

Na coda final, a citação do Hino à Bandeira, além de representar uma homenagem ao

compositor Francisco Braga, estabelece também um vínculo da Sinfonia 2000 com a ocasião

festiva para a qual foi encomendada. Ronaldo Miranda presta outra homenagem à pátria

escolhendo justamente o trecho do refrão do hino, onde o texto diz: “recebe o afeto que se

encerra / em nosso peito juvenil / querido símbolo da terra / da amada terra do Brasil”.

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Exemplo 88: Redução harmônica da Variação V

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121

6. Conclusões Recolhendo e contrapondo os resultados obtidos nas análises dos três capítulos

anteriores, realizamos aqui uma análise comparativa a fim de evidenciar as diferentes

linguagens, técnicas composicionais e recursos orquestrais empregados na escrita sinfônica

atual dos três compositores em questão e, assim, expor algumas das tendências da música

sinfônica brasileira contemporânea. Seguindo a mesma proposta com que conduzimos as

análises individuais, aqui compararemos separadamente os aspectos de forma, harmonia e

orquestração/textura das três obras.

Tendo em vista a ocasião para qual as obras foram encomendadas, a comemoração

dos 500 anos do descobrimento do Brasil, é interessante observar primeiramente quais foram

as diferentes aproximações realizadas pelos três compositores.

Edino Krieger optou por uma obra programática em três quadros que retratam,

respectivamente, a natureza e os povos nativos do Brasil, a viagem do descobrimento e o

encontro das diversas vertentes culturais que formam a cultura brasileira. A obra de Almeida

Prado, integrando a sua série de Cartas Celestes, parte de um símbolo da pátria, a bandeira

brasileira e as estrelas sobre ela, que é tomado como fonte de inspiração para uma construção

musical bastante livre. Na Sinfonia 2000, Ronaldo Miranda busca comemorar a ocasião

através do caráter festivo e estabelece o vínculo nacionalista ao empregar um tema folclórico

para as variações do último movimento.

6.1. Forma

O aspecto formal em Terra Brasilis é fortemente definido pelo conteúdo

programático estabelecido pelo autor. Assim, os três movimentos refletem tanto na sua

estrutura como na utilização de elementos temáticos uma escolha que está vinculada às

intenções programáticas expressas pelo título de cada um.

No primeiro movimento a forma ternária tem suas duas seções contrastantes

empregadas para representar respectivamente a natureza e os povos da floresta. Ambas as

seções desenvolvem-se através da alternância e combinação de determinadas idéias

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motívicas, onde o trecho central é marcado por elementos retirados do folclore indígena. As

seções extremas empregam freqüentemente uma escrita parcialmente aleatória, com

estruturas modulares que se repetem irregularmente sobre acordes-pedal prolongados. O

segundo movimento, também em forma ternária, ilustra diferentes episódios da viagem dos

conquistadores através de elementos melódicos e rítmicos bastante descritivos. No terceiro

movimento, o objetivo de representar musicalmente a fusão das diversas culturas que

originaram a cultura brasileira resulta na utilização de uma estrutura rapsódica onde cada

seção simboliza uma destas vertentes, sempre através do emprego de linhas melódicas e

ritmos típicos.

A obra de Edino Krieger evidencia a manutenção do nacionalismo musical em sua

linguagem – em parte certamente devido ao caráter programático da obra – utilizando

elementos do folclore e da música popular urbana. Os contrastes existentes entre as técnicas

empregadas no primeiro movimento e no restante da obra evidenciam a tentativa de combinar

elementos da tradição com procedimentos mais inovadores. Embora a presença de material

temático recorrentes seja essencial para a estrutura da obra, não se pode afirmar que há um

desenvolvimento motívico constante deste, mas antes uma alternância e repetição das

mesmas idéias com mudanças de timbre e textura.

A Sinfonia 2000 de Ronaldo Miranda também emprega uma estrutura em três

movimentos, porém sem apresentar intenções programáticas e mantendo-se bem mais

próxima dos conceitos tradicionais das formas sinfônicas. Como o título indica, cada um dos

movimentos faz uso de uma forma tradicional e o conjunto dos três remete ao arquétipo da

forma “sinfonia”. O primeiro movimento segue a estrutura de forma sonata, o segundo é um

Scherzo em forma ternária e o terceiro, um tema com variações a partir de uma melodia

folclórica.

Além destes princípios formais, a articulação interna de cada movimento se dá através

da apresentação e do desenvolvimento de idéias temáticas bem claras que são definidas tanto

pelo seu contorno melódico como pelas suas características harmônicas. Os movimentos

apresentam um seccionamento interno bastante claro, freqüentemente indicado pelo próprio

autor através de sinais gráficos como fermatas, barras duplas e indicações de andamento e/ou

caráter.

Considerando o aspecto da forma, a Sinfonia 2000 caracteriza-se então pelo emprego

de formas convencionais com elementos temáticos recorrentes, propondo, assim, o que o

compositor chama de “uma nova simplicidade para este início do século 21” (Miranda, 2000,

p.31). Além disso, determinados padrões rítmicos – sobretudo no 2º movimento – e a

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123

utilização de um tema folclórico evidenciam a presença de um nacionalismo musical, ainda

que em grau bem menos marcante daquele encontrado em Krieger.

A obra Oré-Jacytatá – Cartas Celestes No.8 de Almeida Prado difere formalmente

das duas outras peças, a começar pela estrutura em sete movimentos interligados,

organizados simetricamente em torno do movimento central que é mais extenso e assume o

papel de núcleo da obra.

Embora a obra integre a série das Cartas Celestes, cujo conceito fundamental é a

representação sonora de corpos celestes, não se pode afirmar que se trata de música

programática como acontece em Terra Brasilis. Aqui o pensamento extra-musical é apenas

um ponto inicial a partir do qual o compositor pode agir com total liberdade estrutural e

estilística.

Mais significativo ainda é o fato de o discurso sinfônico de Almeida Prado não ser

articulado, como acontece em Miranda e Krieger, através da utilização e do desenvolvimento

de elementos temáticos recorrentes. Embora este processo seja aplicado em determinados

trechos, a maior parte da obra desenvolve-se a partir de outros princípios, privilegiando

processos harmônicos, texturais e/ou tímbricos.

O “Prelúdio” e o “Pósludio” são movimentos bastante curtos – consistindo cada

praticamente num único gesto contínuo – e assumem respectivamente as funções de

introdução e conclusão da obra.

A “Toccata”, apesar de apresentar uma idéia melódica recorrente, não a utiliza como

elemento estrutural mas desenvolve-se através dos contrastes harmônicos e texturais,

unificados pela atividade rítmica do solista. Da mesma forma, é também o ritmo que sustenta

o discurso musical do “Scherzo” em forma ternária. O movimento central está organizado

em uma série de seções representando estrelas e constelações da bandeira brasileira e o

desenvolvimento se dá novamente a partir da exploração dos aspectos de harmonia, timbre e

textura.

Os dois “Interlúdios” são os únicos trechos que empregam o desenvolvimento a partir

de idéias melódicas e funcionam como trechos contrastantes entre o 2º e o 4º movimentos

assim como entre o 4º e o 6º.

A obra de Almeida Prado não contém nenhuma referência direta a qualquer tipo de

tradição folclórica brasileira. O único elemento nacionalista da peça é a utilização da

bandeira brasileira, símbolo da pátria, como fonte de inspiração.

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6.2. Harmonia

Edino Krieger emprega estruturas harmônicas bem variadas, de simples tríades até

densos clusters, sempre de acordo com o conteúdo programático da obra. No primeiro

movimento, representando a natureza, predominam as estruturas mais complexas,

freqüentemente resultantes da superposição aleatória de diversos elementos diferentes. É

constante o emprego de notas ou acordes-pedais prolongados, sobre os quais outras estruturas

se alternam ou superpõem. Encontramos ainda as estruturações harmônicas por 2as

maiores (ou tons inteiros), 4as ou 5as.

O conteúdo programático dos outros dois movimentos da obra implica na mudança da

linguagem harmônica empregada. A maioria das harmonias é derivada de estruturas

fundamentalmente triádicas, freqüentemente enriquecidas por tensões acrescentadas, uso de

poliacordes e estruturas quartais. Nos encadeamentos harmônicos há uma nítida preferência

por relações não-funcionais: justaposição de acordes pertencentes a regiões harmônicas

distantes e relações de 3ª ou de semitom. O último movimento incorpora diversos elementos

harmônicos do folclore brasileiro, sobretudo o modalismo. Ao final, a superposição de

diversos elementos anteriores e a alternância dos três módulos provoca um momento mais

dissonante. A conclusão em uníssono é um elemento recorrente que unifica os três

movimentos da obra (Fá – Sib – Fá).

A linguagem harmônica da Sinfonia 2000 preserva algumas semelhanças com o 2º e

3º movimentos de Terra Brasilis, sobretudo na manutenção de uma harmonia

predominantemente triádica e na preferência evidente por encadeamentos harmônicos com

relações de 3ª. Contudo, Ronaldo Miranda revela uma preocupação maior em preservar

determinados princípios do sistema tonal – como o emprego de encadeamentos funcionais em

momentos mais importantes da obra – numa linguagem que o próprio compositor define

como “neotonal”. Ainda como em Krieger, as harmonias triádicas são freqüentemente

enriquecidas pelo acréscimo de tensões, sobretudo 7as maiores, e alterações, principalmente

na 5ª dos acordes. Nos momentos de maior tensão a harmonia é estruturada a partir dos

intervalos de trítono e de 2ª menor.

A harmonia é empregada como elemento de contraste entre os elementos temáticos do

primeiro movimento e entre as variações do último. A marcha harmônica, freqüentemente

construída a partir do intervalo de 3ª e aliada a processos de dissolução e condensação

motívica, é um dos principais procedimentos do desenvolvimento musical em toda a obra. A

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tonalidade de Sib Maior surge como elemento unificador da obra por ser o principal pólo

harmônico do primeiro e do último movimentos.

A linguagem harmônica de Almeida Prado difere bastante daquelas de Krieger e

Miranda. As estruturas triádicas, tão importantes nas obras destes dois compositores,

representam apenas uma parte do material harmônico em Oré-Jacytatá e, assim, outros

conceitos adquirem importância maior. Relações que remetem à funcionalidade do sistema

tonal ocorrem apenas em momentos específicos, como nas cadências finais do 2º e do último

movimentos. A harmonia tem grande importância estrutural, uma vez que os diversos

movimentos contrastam, entre outros aspectos, pelos diferentes procedimentos harmônicos

empregados.

As harmonias triádicas predominam nos dois “Interlúdios”, onde, como em Krieger e

Miranda, são enriquecidas por acréscimos de tensões. Numa linguagem tonal expandida,

podemos identificar pólos tonais e relações harmônicas onde a funcionalidade alterna com

justaposições de acordes pertencentes a regiões harmônicas distantes.

Um conceito bastante importante em Almeida Prado é o da harmonia gerada a partir

de princípios de ressonância. Os acordes são gerados a partir de uma nota fundamental – um

pedal – ao qual pode se superpor todos os seus possíveis harmônicos, de acordo com a

escolha do compositor. A quantidade e a disposição destes harmônicos determina os níveis

de tensão da harmonia. Na “Toccata”, onde este procedimento é mais evidente, cada seção é

construída sobre uma fundamental diferente.

O movimento central e o “Scherzo” da obra empregam o conceito original das

primeiras Cartas Celestes, a utilização de blocos harmônicos fixos pré-estabelecidos que são

identificados na partitura por vogais do alfabeto latino com diferentes acentos. Aqui,

contudo, estes blocos são dotados de certa flexibilidade, podendo ocorrer variações na

organização interna das alturas. Em alguns dos blocos podemos identificar princípios

fundamentais de estruturação, como nos blocos identificados pela letra a, onde o intervalo de

3ª tem importância evidente. Nestes dois movimentos os blocos harmônicos adquirem

importância na estrutura formal, pois são empregados na caracterização das diversas estrelas

e constelações que definem as suas seções internas.

A tonalidade de Ré Maior, à qual o compositor atribui importante significado extra-

musical, torna-se importante dentro desta obra devido à presença no início, na “Toccata” e

sobretudo no final do “Posludio”.

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6.3. Orquestração e Textura

A obra de Edino Krieger é a que emprega o conjunto orquestral mais numeroso e

diversificado. Isto se deve em parte ao enorme naipe de percussão que inclui diversos

instrumentos originários do folclore musical brasileiro e contribui para o caráter nacionalista

da peça. Tal escolha está mais uma vez ligada ao conteúdo programático da obra, mas na

prática muitos destes instrumentos, como os atabaques ou o berimbau, são utilizados em

apenas um ou outro trecho da partitura.

No primeiro movimento o timbre tem uma importância bastante grande, pois cada

elemento motívico está também associado a um timbre específico. Texturalmente são

importantes os processos de justaposição e sobreposição de elementos contrastantes. As

cordas têm função predominantemente textural, gerando fundos harmônicos estáticos ou

movimentados. A seção B contrasta pela textura monódica com acompanhamentos rítmicos.

O segundo e terceiro movimentos apresentam orquestrações e texturas mais

convencionais, sobretudo a de melodia acompanhada. Sendo as idéias temáticas o principal

elemento do discurso musical – e na ausência de um desenvolvimento temático – o timbre e a

textura tornam-se essenciais para o desenvolvimento musical. É freqüente a repetição das

mesmas idéias com variações na orquestração e enriquecimentos na textura do

acompanhamento. Em algumas passagens há texturas mais densas resultantes da

superposição de diferentes ostinatos.

O momento texturalmente mais denso da obra ocorre ao final, quando diversos

elementos são sobrepostos livremente sobre uma cadência improvisada pela percussão –

podendo haver ainda a participação facultativa de grupos de percussão locais.

A orquestração da Sinfonia 2000 segue uma linha mais convencional, onde as

combinações de timbre, dobramentos e a escrita instrumental permanecem dentro de padrões

tradicionais. As cordas funcionam como base da orquestração, seja apresentando o material

temático – normalmente com dobramentos nos sopros – ou gerando acompanhamentos

rítmico-harmônicos para atividades solistas dos sopros. Como em Krieger, a percussão

contribui para um colorido nacionalista, sobretudo no segundo movimento.

Como o material temático é o principal elemento estrutural da obra, predominam os

tipos de textura que deixam em evidência a linha melódica, sobretudo homofonia com

destaque para a melodia acompanhada. Os diferentes tipos de textura são empregados na

caracterização dos elementos temáticos e contribuem para o contraste entre as variações no

movimento final. As texturas geradas a partir de ostinatos rítmicos e melódicos são

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recorrentes em toda a obra. Em alguns trechos, como nas variações I e III, a textura e a

rítmica tornam-se mais importantes que a atividade melódica.

A orquestração de Almeida Prado distingue-se de saída devido à incorporação de um

violino solista, cuja presença faz de Oré-Jacytatá uma obra concertante. Outro fator

diferencial é a predominância dos instrumentos metálicos no naipe de percussão,

característica que está aparentemente vinculada à temática da representação sonora de corpos

celestes. O timbre destes instrumentos é marcante em diversos momentos da partitura e há

seções, como “Luz Zodiacal” e “Sigma do Oitante”, que são exclusivas deste grupo

instrumental.

De forma geral, podemos afirmar que na escrita sinfônica de Almeida Prado há um

interesse maior em explorar efeitos instrumentais não-convencionais, freqüentemente

associados também a recursos de dinâmica. Nas cordas, que empregam constantes divisi, os

efeitos como harmônicos, trinados, diversos tipos de arcadas (como sul ponticello) e outros

são recorrentes. Há uma busca constante por novos efeitos texturais, seja por superposição

de idéias distintas ou por concentração de diversos elementos dentro de um mesmo registro.

Verificamos também a existência de relações entre a orquestração e a harmonia. A

aplicação de princípios harmônicos baseados na ressonância implica em determinados

dobramentos, distribuição de registros e texturas baseadas na estrutura dos acordes. Ainda

em função da ressonância, são freqüentes – sobretudo na “Toccata” – as texturas onde o

solista se movimenta sobre um acorde estático prolongado.

A textura funciona também como elemento de contraste entre os diversos

movimentos da peça. Assim, os dois “Interlúdios” têm o seu lirismo reforçado pela

predominância de texturas mais simples, como a melodia acompanhada que permite colocar

em evidência a linha cantante do solista. Os outros movimentos evitam as texturas

tradicionais e apresentam uma busca constante por diferentes efeitos texturais. Na ausência

de elementos melódicos e motívicos recorrentes, o timbre e a textura tornam-se elementos

essenciais, pois o discurso musical articula-se em grande parte através da variação destes

parâmetros.

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6.4. Considerações finais

Na condição de compositor atuante no cenário musical contemporâneo do Brasil,

concluímos que um dos principais aspectos postos em evidência pela nossa pesquisa é o da

coexistência de tendências completamente divergentes na música sinfônica de nosso tempo.

As análises das obras de Edino Krieger, Almeida Prado e Ronaldo Miranda revelam

que estes compositores escreveram – no mesmo período e para o mesmo propósito – obras

orquestrais que utilizam linguagens e técnicas composicionais bastante diferentes.

Verificamos, além disso, que esta diversidade de estilos pode, como ocorre de maneira

evidente em Krieger, ocorrer dentro de uma mesma obra.

Este resultado demonstra que hoje elementos da tradição permanecem vivos juntos à

busca por renovação: formas tradicionais ocorrem ao lado de princípios estruturais

inovadores; conceitos remanescentes da harmonia tonal/triádica convivem com modalismo,

estruturas atonais e blocos harmônicos a maneira de clusters; a escrita instrumental e as

texturas convencionas coexistem com a exploração de novos recursos tímbricos e a procura

por novos efeitos texturais.

A música sinfônica contemporânea brasileira caracteriza-se, portanto, pela

coexistência de diversas tendências divergentes que resultam numa multiplicidade de

linguagens, técnicas e estilos.

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