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Teologia de Síntese ênfase nas religiões afro-brasileiras Ano I - Nº1 Escolas e Diálogos Promovendo avanços nas Religiões Afro-Brasileiras MITO DE ORIGEM O ethos umbandista no discurso histórico ESTUDO PILOTO O Pai de Santo no estado de São Paulo MULTIPLICIDADE A questão do gênero nos cultos afro-brasileiros

TEOLOGIA DE SÍNTESE ênfase nas religiões afro-brasileiras

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A Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) inaugura mais um canal de diálogo com a sociedade civil. Trata-se da revista digital de difusão acadêmica Teologia de Síntese: Ênfase nas Religiões Afro-brasileiras. O objetivo com esta iniciativa é aproximar o saber acadêmico e o saber popular tradicional passando pelo saber religioso, tal qual o diretor geral da FTU, o prof. F. Rivas Neto (Pai Rivas) cunhou como mote para a faculdade. Desta forma, a revista busca divulgar estudos sistematizados das religiões afro-brasileiras.

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Teologia de Sínteseênfase nas religiões afro-brasileiras

Ano I - Nº1

Escolas e DiálogosPromovendo avanços nas Religiões Afro-Brasileiras

MITO DE ORIGEMO ethos umbandista no discurso histórico

ESTUDO PILOTOO Pai de Santo no estado de São Paulo

MULTIPLICIDADEA questão do gênero nos cultos afro-brasileiros

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Teologia de Síntese é uma publicação daFaculdade de Teologia Umbandista (FTU)

Diretor Geral da FTUF. Rivas Neto (Pai Rivas)

Vice-Diretora Geral da FTUMaria Elise Rivas

(Sacerdotisa Yamaracyê)

Coordenação do CursoCassiano Terra Rodrigues

Comissão EditorialJoão Luiz de A. Carneiro

Simone NakagumaSumaia Gonçalves

Yuri Tavares

Editor João Luiz de A. Carneiro

RevisãoÉrica Ferreira da Cunha Jorge

Maria Alice quaresma Silvia Garrubo

Projeto gráfico e diagramaçãoRodrigo Mariano

Webdesigner e responsável técnicoGerson Albuquerque

Alexandra Abdala

FotosAcervo fotográfico da FTU

Expediente

FACULDADE DE TEOLOGIA UMBANDISTA

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www.ftu.edu.br - [email protected]

Teologia de Sínteseênfase nas religiões afro-brasileirasAno I - Nº 1 - Novembro de 2010

Escolas das Religiões Afro-Brasileiras e Diálogos

pág. 5

EditorialO (re)início de um diálogo

pág. 3

O mito de origem pág. 11

O Pai de Santo no estado de São Paulo: Estudo Piloto

pág. 28

Rito de Exu na FTUpág. 43

A Questão do Gêneronos Cultos Afro-Brasileiros

pág. 50

Entrevista Pai Marco José dos Santos

pág. 57

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Editorial

A Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) inaugura mais um canal de diálogo com a sociedade civil. Trata-se da revista digital de

difusão acadêmica Teologia de Síntese: Ênfase nas Religiões Afro-brasileiras. O objetivo com esta iniciativa é aproximar o saber acadêmico e o saber popular tradicional passando pelo sa-ber religioso, tal qual o diretor geral da FTU, o prof. F. Rivas Neto (Pai Rivas) cunhou como mote para a faculdade. Desta forma, a revista busca divulgar estudos sistematizados das re-ligiões afro-brasileiras. Não podemos deixar de destacar o ineditismo desta proposta, pois é a primeira vez que a sociedade poderá acessar este conteúdo de forma organizada e continuada.

Somos sabedores da complexidade desta tare-fa. Como aproximar cosmovisões tão diferentes na sociedade civil por meio do diálogo? Aliás, diversidade que começa dentro das próprias Religiões Afro-brasileiras. Responder esta per-gunta não é fácil, mas é possível. Dentro da teologia de síntese foram desenvolvidos vários conceitos que caminham neste sentido. Cita-mos o conceito “Vertente Una do Sagrado”, a nova leitura de “umbandização”, “Método facilita-dor de resolução de problemas” e “Escolas”.

Este último conceito é tão importante para a pesquisa acadêmica realizada na FTU que foi prontamente escolhido como tema para a edição inaugural da revista Teologia de Sín-tese. Mas, afinal, o que são “Escolas”? Esco-las são formas específicas de compreender

e exercitar o Sagrado, a Espiritualidade. Para a FTU, influenciada pelo pensamento de F. Rivas Neto, Ela transcende não só a Umbanda e as Re-ligiões Afro-brasileiras, mas todas as religiões. A questão seria como acessá-La. As Escolas para alcançarem este importante intento lançam mão de um corpo epistemológico, metodológico e ético. Uma Escola é caracterizada por este tripé como condições necessárias e suficientes.

Contudo, nada melhor do que tomar contato com o conceito por meio de seu próprio au-tor. Sendo assim, apresentamos o primeiro artigo da revista: Escolas das Religiões Afro-brasileiras e Diálogos. Pai Rivas, como prefere ser chamado, afirma que as várias escolas se relacionam a percepções, umas voltadas mais aos aspectos míticos e outras à essência espiri-tual, abstrata. Todas importantes. Outro ponto alto do artigo é o quadro demonstrativo que apresenta do extremismo à convergência. Não percam!

Na sequência a profa. Maria Elise Rivas (sacer-dotisa Yamaracyê), calcada na fundamentação teológica do conceito de Escolas, desenvolve o texto O Mito de Origem: Uma revisão do Ethos umbandista no discurso histórico. O texto é um resumo acadêmico do seu trabalho de conclusão de curso (TCC) quando se formou teóloga um-bandista pela FTU. No trabalho são apresenta-dos três médiuns em momentos diferentes na história do país. Juca Rosa, João de Camargo e Zélio Fernandino de Moraes são estudados

O (re)início de um diálogo

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A Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) inaugura mais um canal de diálo-go com a sociedade civil. Trata-se da

revista digital de difusão acadêmica Teolo-gia de Síntese: Ênfase nas Religiões Afro-brasileiras. O objetivo com esta iniciativa é aproximar o saber acadêmico e o saber popular tradicional passando pelo saber re-ligioso, tal qual o diretor geral da FTU, o prof. F. Rivas Neto (Pai Rivas) cunhou como mote para a faculdade.

Somos sabedores da complexidade desta tarefa. Como aproximar cosmovisões tão diferentes na sociedade civil por meio do diálogo? Aliás, diversidade que começa dentro das próprias Religiões Afro-brasilei-ras. Responder esta pergunta não é fácil, mas é possível. Dentro da teologia de sín-tese foram desenvolvidos vários concei-tos que caminham neste sentido. Citamos o conceito “Vertente Una do Sagrado”, a nova leitura de “umbandização”, “Método facilitador de resolução de problemas” e “Escolas”.

Este último conceito é tão importante para a pesquisa acadêmica realizada na FTU que foi prontamente escolhido como tema para a edição inaugural da revista Teologia de Síntese. Mas, afinal, o que são “Escolas”?

Escolas são formas específicas de com-preender e exercitar o Sagrado, a Espiri-tualidade. Para a FTU, influenciada pelo pensamento de F. Rivas Neto, Ela tran-scende não só a Umbanda e as Religiões Afro-brasileiras, mas todas as religiões. A questão seria como acessá-La. As Esco-las para alcançar este importante intento lançam mão de um corpo epistemológico, metodológico e ético. Uma Escola é carac-terizada por este tripé, pois são condições necessárias e suficientes.

Contudo, nada melhor do que tomar contato com o conceito por meio de seu próprio au-tor. Sendo assim, apresentamos o primei-ro artigo da revista: Escolas das Religiões Afro-brasileiras e Diálogos. Pai Rivas, como prefere ser chamado, afirma que as várias escolas se relacionam a percepções, umas voltadas mais aos aspectos míticos e out-ras à essência espiritual, abstrata. Todas

de tal forma que não é mais possível aceitar a idéia de uma fundação, revelação ou mesmo anunciação da Umbanda.

O terceiro texto é uma pesquisa feita por oito mãos diretamente e inúmeras indiretamente, o que marca o trabalho coletivo da FTU. Pai Rivas, Sacerdotisa Yamaracyê, Elizabeth A. U. Cristofaro e Fernanda L. Ribeiro publicam o tra-balho O pai de santo no Estado de São Paulo: Estudo piloto. O estudo inicial é parte compo-nente de uma pesquisa de grande porte pre-tendida pela FTU: compreender qual é o perfil do Umbandista do Século XXI.

Na sequência relatamos algumas das notícias mais relevantes no cenário nacional e interna-cional das religiões Afro-brasileiras. Seguindo a sequência, resgatamos a palestra da profes-sora Patrícia Birman (UERJ) apresentada no I Congresso de Umbanda do Século XXI. O título da sua exposição foi A Questão do Gênero nos Cultos Afro-Brasileiros que é auto-explicativo. A profa. Birman procura compreender as ten-sões entre gêneros nos cultos Afro-brasileiros.

O último item da revista é uma entrevista com o Babalorixá Odé Olufonnim, sacerdote do Ilê Axé Ibi Olufonnim localizado em Macapá-Amapá. Nada melhor do que ouvir um sacerdote sobre a tradição das religiões afro-brasileiras. Esta entrevista com o pai de santo em questão reforça um duplo aspecto defendido pela FTU: valorizar o sacerdócio e não cometer o erro de durante a pesquisa manter distância em rela-ção ao próprio objeto dela. Não faz sentido para quem pesquisa as religiões afro-brasilei-ras observar distante do terreiro. Esta necessi-dade é atendida na revista Teologia de Síntese desde sua primeira edição

Desejamos a todos uma boa leitura e externa-mos a nossa vontade de ampliar os pontos de diálogo e inclusão com a sociedade civil a partir desta iniciativa.

João Luiz de A. CarneiroEditor

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Escolas das Religiões Afro-Brasileirase Diálogos

F. Rivas Neto

Nas religiões afro-brasileiras ou afro-americanas, pela diversidade de seus adeptos, há também uma diversidade

de ritos e formas de transmissão do conhe-cimento. A essas várias formas do entendi-mento e vivências das religiões afro-brasilei-ras denominamos Escola.

As várias escolas correspondem a visões, umas voltadas mais aos aspectos míticos e outras à essência espiritual, abstrata.

As várias formas de interpretar e manifestar a doutrina são diferentes, mas a essência de todas é a mesma, e no caso da Umban-da, todas são legitimamente denominadas umbandistas.

Por isso afirmamos que a constante da Tradição Umbandista é a contínua mu-dança, portanto, uma unidade aberta em constante reelaboração. Esse é o motivo, quando temos a oportunidade, de dizer que não temos a última resposta, pois não temos a última pergunta! Esta última as-sertiva demonstra de forma fidedigna o porquê de incentivarmos uma aproximação dialógica da doutrina das religiões afro-brasileiras com a ciência. Esperamos que ambas aprendam com o diálogo. Afinal, te-mos o diálogo como terapia.

pág.5

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1. DIÁLOGOS: INTERDISCIPLINAR, INTERELIGIOSO E INTRARELIGIOSO

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2. ESCOLAS UMBANDISTAS-CARACTERIZAM-SE PELA MAIOR OU MENOR INFLUÊNCIA DAS MATRIZES FORMADORAS : AMERICANA, AFRICANA E INDO-EUROPÉIA

3. ESCOLAS UMBANDISTAS SÃO AS DIVERSAS LINGUAGENS, DE SE PENSAR OU PRATI-CAR, CARACTERIZADAS PELA MAIOR OU MENOR INFLUÊNCIA DAS DIFERENTES MA-TRIZES. O ESCOPO DA UMBANDA É A DIVERSIDADE DE CULTOS OU RITOS

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4. A UMBANDA INSERIDA NOS 4 PILARES DO SABER HUMANO

5. ASPECTOS REGIONAIS E UNIVERSAIS

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6. NOMENCLATURA DO INDIVÍDUO CONTEXTUALIZADO DO EXTREMISMO À CONVERGÊNCIA

7. QUADRO DEMONSTRATIVO DO EXTREMISMO À CONVERGÊNCIA

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EXTREMISTA – O que toma atitudes ex-tremas, usando de violência para impactar a sociedade.

FUNDAMENTALISTA – Toma os princípios de sua religião ou escola como melhor e único. Não há o outro!

ORTODOXO – Tem consciência de outros princípios que não o seu, mas não quer discuti-los com os outros.

HETERODOXO – É mais aberto, permite e propõe diálogos intra-religiosos e inter-religiosos. Respeito à alteridade.

PACIFISTA – Permite que suas con-vicções sejam discutidas nos diálogos: intra-religioso, inter-religioso e interdis-

ciplinar. Percebe a diversidade religiosa e dos saberes.

UNIVERSALISTA – É interessado na re-ligião como um todo. Percebe outros sa-beres e coloca-os frente à religião. Busca e incentiva o diálogo entre a religião e ciência.

CONVERGENTE – Tem que os pilares do conhecimento são visões particularizadas do Sagrado. Fomenta os diálogos: intra-religioso, inter-religioso, interdisciplinar, transdisciplinar e convergente. O diálogo convergente busca a origem comum, a não fragmentação dos saberes, a sa-bedoria. Propugnar a convergência é uma apologia à convivência pacífica que tem início no indivíduo e se consolida na paz mundial.

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O mito de origemUma revisão do ethos umbandista no discurso histórico

I - INTRODUÇÃO

O surgimento de um movimento, que difundia a igualdade entre as diferen-tes etnias e a distribuição do poder

espiritual, sem um poder central, cho-cava o pensamento vigente da sociedade brasileira. Colocava a prova o misoneís-mo, defendido pelas religiões dogmáticas, nas quais o mito de origem é fato único, pontuado por um local determinado e por uma única pessoa. Nosso desafio se en-contra em demonstrar como a umbanda apresentou uma forma descentralizada de sua origem, surgindo de maneira gradual em vários locais do Brasil, o que provocou descrédito nas mentes mais ortodoxas e dogmáticas.

A umbanda tem como característica mar-cante a diversidade e pluralidade em suas manifestações, processo que não decorreu de cismas e rupturas. Essa car-acterística é fruto de sua origem descentral-izada, que possibilitou desde o início, a introdução de elementos regionais em sua rito-liturgia, mas sem perder a sua unidade, caracterizada na Vertente Una do Sagrado¹, marcando traços comuns às várias escolas em todos os tempos.

A crença em uma Divindade Suprema é denominada de diferentes maneiras, nos diversos terreiros: Tupã, Deus, Zambi, Olorum, e outros. Essas diferenças de no-menclaturas ocorrem devida a maior ou menor influência das inúmeras culturas

__________________________ ¹Rivas Neto, Francisco. Umbanda – A Proto Síntese Cósmica, pg.389; ed. Pensamento

Maria Elise Rivas

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Resumo acadêmico do TCC da autora

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formadoras da umbanda: européia, afri-cana ou ameríndia. Logo abaixo veremos a presença das potestades divinas, que são denominadas de Orixá, explicitando a influência africana. Teremos os ancestrais ilustres, marcando a influência ameríndia na figura do caboclo e africana na figura do preto-velho e outros.

A umbanda, por ser uma religião miscigena-da, apresenta uma aparente desconstrução na Vertente Una do Sagrado, recriando estes mesmos princípios em combinações dife-rentes. Demonstra uma liberdade e flexi-bilidade, que se adapta a percepção de cada indivíduo ou grupo, na dependência dos encontros culturais, aos quais foram expostos. Considerando que o Brasil, em duzentos anos, recebeu uma amostra de todas as culturas com suas respectivas teogonias e cosmogonias e, as miscigenou em tempo recorde, se torna natural a re-criação e aparente mistura das nomencla-turas, que compõem a Vertente Una do Sagrado, no amplo território brasileiro.

O Brasil, por ser um país continente, rece-beu em diferentes proporções, influên-cias culturais da Europa, África, América e Ásia, dando características específicas a cada região, que compõe nosso ter-ritório. A umbanda acompanhou essas características regionais, ela se apresentou de diversas maneiras em locais distintos, um processo tão aberto, dificultou detectar a sua origem. Sua ampla e descentralizada forma de apresentação levou a um não reconhecimento de suas diversas mani-festações.

Negligenciaram-se traços importantís-simos, que poderiam pontuá-la como, por exemplo, o mediunismo de incorpo-ração e suas respectivas entidades. Isto foi marcante em seu surgimento e dife-renciou e diferencia seu processo ritual. No mecanismo de incorporação, sempre tivemos a presença das entidades como caboclo e preto-velho, atuantes em todos

os terreiros de umbanda. O ato de nomi-nar, oficialmente ainda permeia o cenário do nascimento, porém não tira a existên-cia do que já ocorria, mas não tinha sido nomeado. Para que me faça melhor com-preendida, tomarei como exemplo, nós os seres humanos, que existíamos antes do nascimento na barriga de nossa mãe, porém só somos aceitos socialmente, no ato do nascimento e mais, só somos oficialmente reconhecidos, após sermos nominados.

Para que possamos nos aprofundar, mais especificamente, naquilo que desejamos, é necessário que atrelemos o nosso dis-curso aos valores espirituais, pois como falar de uma religião espiritualista, negli-genciando o espiritual? Não há como lidar de maneira puramente científica com este tema, considerando nosso estreito con-tato com a umbanda, que nos fez perce-ber o mundo como algo em processo e interdependente, ou seja, não há como conceber fatos isolados sem a contextu-alização de uma visão mais humana e in-tegral, que alia o homem e a realidade espiritual.

II - OBJETIVO

O nosso trabalho tem como objetivo reavaliar o mito de fundação da umbanda e rever a for-mação e desenvolvimento do ethos umbandis-ta, caracterizado em suas diversas escolas2. Entraremos em tempo regresso à fundação oficial, datada em 1908, com o médium Zélio Fernandino de Moraes. Demonstraremos que este movimento e seus adeptos vinham se estruturando de forma gradual e progressiva, organizando de maneira pacífica seus princi-pais elementos rito-litúrgicos.

Dentre os elementos rito-litúrgicos, en-fatizaremos a presença e especificidade das entidades astralizadas, “atores espiri-tuais” (caboclo, preto-velho, criança,

_________________________________________________2Escolas de Umbanda: “Na umbanda, pela diversidade dos seus adeptos, há também uma diversidade de ritos e de formas de transmissão do conhecimento. A essas várias formas de entendimento e vivência da Umbanda, de-nominamos escolas ou segmentos. São modos de fazer, pensar e transmitir a umbanda.

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baiano, boiadeiro, marinheiro, exu e outros), em processos mediúnicos, prin-cipalmente na modalidade de incorpo-ração, que caracterizou e caracteriza a umbanda até os dias atuais.

III - METODOLOGIAA metodologia utilizada para esta pes-quisa foi a revisão bibliográfica que con-templou a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos, fotos, manuscritos, vídeos, entre outros. Todo material re-colhido foi submetido a uma seleção, a partir da qual foi possível estabelecer um plano de leitura sistematizada que se faz acompanhar de anotações e fichamentos que serviram à fundamentação teórica do estudo.

IV - JUCA ROSAJuca Rosa foi um dos maiores feiticeiros, senão o maior “feiticeiro” de sua época. É necessário recordar que o termo feiti-ceiro vinha carregado de preconceitos de raça, classe e religião. Ser denominado feiticeiro era pejorativo. O período em que Rosa apareceu na sociedade cario-ca foi de grande turbulência como cita-mos anteriormente. Ele somava todas as características indesejadas pela so-ciedade pré-abolicionista, o que o tornou um alvo do escárnio social, político, econômico e religioso.

Ser negro, feiticeiro, de vestes elegantes, com boa moradia e bem relacionado com mulheres brancas, era inaceitável, e mais, um péssimo exemplo para uma sociedade que não desejava mudanças, principal-mente das classes oprimidas. Assim, se caracterizava o nosso personagem, um homem que com sua postura inverteu a “ordem” social, ousou não ficar “em seu lugar” e subverteu a imagem de que a prática da cultura miscigenada era mor-tificante. A forma de apresentação de Juca Rosa e de seu culto fugia dos padrões de ideologia-re-ligiosa aceitável. Não interessava às classes dominantes. Envolveu em seus cultos uma amostra da sociedade da época imperial.

Centrando no mesmo espaço negros livres e escravos, prostitutas da região central do Rio, costureiras autoridades políticas, damas da alta sociedade e capoeiras58, prática proibida até o final da Guerra do Paraguai. Este movimento de união de extremos da sociedade era um perigo la-tente.

As práticas negras, tão mal vistas, sempre se encontravam atreladas à ignorância, histeria e repugnância. Ligadas a ambi-entes sujos e degradantes, misturava-se a nata da sociedade imperial por meio de um feiticeiro (médium). As mulheres, “bem vestidas, o escol feminino carioca”, buscavam ser beneficiadas pelos “santos”, que tomavam Juca Rosa periodicamente. O poder do “feiticeiro” carioca percorria a capital e além dela.

Juca Rosa, antes de se tornar um “feiti-ceiro” famoso, era alfaiate. Trabalhava na rua do Profeta, casado e com um filho, preocupava-se com o sustento da famí-lia.

Os registros do início de suas atividades, como “feiticeiro”, são desde 1960, após deixar o ofício de alfaiate. Com a enti-dade, Pai Quibombo, atendia desde 1965. Após um período, seu nome se confun-diu com o nome do “santo”, com o qual atuava. Como ocorre com muitos pais de santo da umbanda da atualidade. Estamos caracterizando ritos mediúnicos, no período pré-abolição e pré-república, que já não poderiam ser considerados cul-to de nação ou candomblé, pois apresenta-vam a manifestação de ancestrais, Eguns, em pleno diálogo com filhos e consulentes, porém com fortes traços africanos. Uma das diferenças fundamentais entre o culto de nação, candomblé e umbanda são os ritos de incorporação dos Eguns, espíritos que já en-carnaram. Nos cultos de origem africana só incorporam o Orixá e ficam em transe sem falar. Diferente da umbanda que não incor-pora o Orixá, mas sim, os ancestrais/ eguns. Faziam parte destas manifestações o diálogo entre os espíritos e os médiuns ou assistentes.

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Estamos retratando o ano de 1865, an-terior ao candomblé de caboclo, que pas-sara a aceitar os encantados, incorporan-do eguns. Os registros apontam Juca Rosa como um médium de entidades de seres, que já encarnaram. Poderão nos pergun-tar se não se tratava da cabula os ritos de Juca Rosa, que tinha forte influência africana, sobretudo dos malês e bantos.

Responderemos que não. Afinal faltari-am as influências do kardecismo, que é característica na cabula. Lembramos que o kardecismo entrou no Brasil, no ano de 1865, após quatro anos de atividade do Pai Quibombo. Não poderia se tratar de um rito de cabula.

Não podemos afirmar, serem os ritos de Juca Rosa uma escola de umbanda, mas também não podemos afirmar, que não seja.

Rosa “recebia espíritos em seu corpo... e então passava agir como Pai Quibombo, e não mais como José Sebastião da Rosa.”4

Quando não estava incorporado de Pai Quibombo, estava atuado por Pai Vence-dor ou Tio zuza. Há algo nestes nomes que nos remetem as entidades, que atu-am atualmente na umbanda. O Pai Vence-dor nos remete aos caboclos de Ogum, os vencedores de demanda, idéia tão pre-sente nos terreiros de umbanda. Tio zuza, aos pretos-velhos.

Os elementos rituais no seu terreiro, que devido às perseguições passou a ser itine-rante, ora ocorrendo em sua casa, ora ocor-rendo na casa de suas filhas espirituais.

E deve ter sido no final dos anos 1850, ou no início da década de 1860, que José Se-bastião da Rosa começou a trocar o ofício de alfaiate no Profeta pelo profeta em sua casa. Segundo João Maria da Conceição, uma outra testemunha do processo, Rosa exercia a feitiçaria pelo menos desde 1861.” 3

Na casa Henriqueta, uma de suas filhas espirituais, local onde Juca “guardava grande parte de seus objetos e material, que usava”. Estes materiais ritualísticos mantinham caracteres africanos, indíge-nas e católicos, como encontramos pre-sentes dentro dos diversos terreiros um-bandistas.

Na sua rito-liturgia havia a presença de um altar, segundo Sampaio, parecido com um oratório, revestido de uma colcha e coberto por renda. O altar continha:ima-gem de santo católico, Nossa Senhora, senhor do Bonfim, crucifixo, lamparina, velas, raízes com ponteiros fixados, líqui-dos de diferentes cores, potes com pós, folhas, figas, contas de pedras, miçangas, um grande cachimbo todo enfeitado.

Havia também música á base de macumbas, descrita nos inquéritos, como um instrumen-to de madeira. Atabaques acompanhados de cantigas em dialeto a fricano, dança, muita comida, bebida e o transe.

Observamos nesta descrição a presença de elementos africanos, como os cânticos e instrumentos. Elementos católicos como os santos e oratório. Elementos indígenas como o cachimbo todo enfeitado, ficando evidente a presença das diferentes ma-trizes, que se reconstruíram num modo peculiar de reinterpretar e reorganizar o Sagrado.

Relembrando Tio zuza, que associamos a um preto-velho e somando a presença do cachimbo em seu peji, podemos in-

_________________________________________________ 3 SAMPAIO, Gabriela dos Reis Sampaio; A história do feiticeiro Juca Rosa, pp124 4 SAMPAIO, Gabriela dos Reis Sampaio; A história do feiticeiro Juca Rosa, pp124

“(...) OS Tapuias apresentaram um grande cachimbo feito de noz, cheio de fumo. Os jovens estavam de pé e sobre eles o sac-rificador e o diabo sopravam a fumaça do fumo;essa era a sua benção (...) Um fei-ticeiro tomou o cachimbo com o fumo e, tendo espirado a fumaça, com ela perfu-mou os recém casados: era sua benção nupcial” (Moreau e Baro, 1970: 105

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ferir que já havia ocorrido ou estava prestes a acontecer, um forte processo de reunião, que marca a miscigenação até os dias atuais, entre cultura africana e ameríndia : o atual preto-velho de cachimbo.

Encontramos a presença de influência banto em seu rito, entre elas o uso da ter-minologia Nkisi (Inkisi). Tinha uma filha de santo, chamada Samba, sua principal auxiliar em seus rituais. O que nos remete a rainha Jinga, rainha angolana, que se tornou uma sacerdotisa maji-a-samba5, após casar-se com um chefe imbangalas. Este título, que sofreu uma aglutinação, sendo denominado apenas “samba”, fi-cou conhecido no Brasil pela presença de muitos súditos do reino de Jinga, rainha de Ndongo, região de Angola.

Outra característica banto era a pequena bolsa amarrada na cintura, que continha ervas e outros materiais, característico de feiticeiros da África Central; Congo e An-gola. Havia também aspectos universais, presentes em todas as culturas, como objetos com poder mágico: os patuás de origem muçulmana, “bentinho” ou es-capulário de origem cristã, que se tor-naram apenas mandingas ou “bolsas de mandinga”.

Juca Rosa também tinha os ritos de amar-ração, presentes em algumas escolas um-bandistas. Os banhos de ervas, que se dife-renciavam de acordo com a necessidade individual, podiam ser para descarga ou purificação. Basicamente, consistiam-se no ato de misturar em água fria e despejar a combinação de ervas feitas por Juca Rosa, sobre o corpo, iniciando-se pelo ombro. O banho deveria secar-se naturalmente.

A presença de Exu, “com suas cores, pre-to e vermelho. O galo, a presença de obi, orobô, atarê, dendê, as velas, as pembas, que despejava na aguardente, fazendo com que as filhas bebessem. Tudo isso em homenagem a Exu”.

Não contamos com uma “pureza” ritual nem branca, nem vermelha e nem neg-ra, nos ritos de Juca Rosa. Aspecto que o aproxima ainda mais da umbanda. Como afirma Leonardo Boff, não há uma única re-ligião pura, todas elas são reconstruções sin-créticas. Assim, este movimento, que ainda não podemos afirmar, categoricamente, ser umbanda, mas colocá-lo como um momento de construção.

Esta nova maneira de pensar a religião se deu de forma gradual e descentralizada, podendo já estar em outros locais, com características um pouco diferentes, mas sem registro. Basta observarmos que o caso Juca Rosa foi registrado pelo “aves-so”, para desacreditar e não para legiti-mar. Como havia o mundo espiritual por trás, todo o processo continuou, pois não se tratava da seita do Juca Rosa, mas sim, de um movimento espiritual mais amplo, que mesmo com a condenação, se recri-aria na leitura de cada um de seus filhos.

Até os dias atuais falar dos movimentos mediúnicos é algo que incomoda a socie-dade, nós umbandistas somos vistos por boa parte da sociedade, como matado-res de galo e adoradores do mal. Num período, em que a globalização é bandei-ra mundial e a democracia parte viva de nosso país. O que não acontecia no final do século XIX?

Só podemos afirmar que eram inúmeros os focos de ataque sobre os “feiticeiros”, que segundo Dr. Nicoláo Moreira, “os charla-tães alastravam-se por todos os campos do país, e as pessoas que alimentavam seus “gabinetes”, vinham de todas as cama-das”6. Eram denominados charlatães todos que não separavam, nos aspectos religio-sos, corpo e alma. O corpo tinha dono: a medicina. A alma: o catolicismo.

Falar de escola umbandista, hoje, se trata de visões complementares, é uma questão de “ângulos de interpretação da

_________________________________________________5 SOUZA, Mariana de Mello; http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=34&id=401;10-04-20086 GIUMBELLI, Emerson; Heresia, doença, crime ou religião.

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realidade”, mas naquele período era im-provável, irreal. A realidade se resumia em “coisa de branco” e “coisa de negro”, mas não em interpretações, no nosso caso, do Sagrado.

Juca Rosa foi preso para poder criar não só a repressão, mas uma legislação que permitisse perseguir e prender os di-tos “feiticeiros’, bem como fechar ter-reiros. Caracterizando o perigo dos cultos mediúnicos para a sociedade, que ficava à mercê da superstição, primitivismo, irracio-nalidade, imoralidade e “esquecimento da doutrina cristã e da virtude”. Para preservar a sociedade houve uma pressão social, para a mudança da legislação e a introdução no Código Penal do espiritismo, charlatanismo (“curandeiros”) e magias (“feiticeiros”).

Com a introdução do Código Penal ocor-reu uma transformação significativa nos padrões sociais, aquilo que era apenas uma infração mudou para crime comum. O Código Penal republicano de 1890, in-cluiu o espiritismo entre os crimes contra saúde pública:

O período abordado era marcado pelo preconceito e intolerância no campo ma-terial, aceitar a construção de um mundo sobrenatural, com os mesmos compo-nentes da sociedade vigente, seria dupla-mente intolerável. Não havia espaço para outras formas de ser e pensar a não ser a “branca”. Isto fica claro nas palavras de Louis Coulty:

A perseguição aos cultos afro-amerindio-brasileiros foi instituída legalmente, o que levou ao fim muitos cultos urbanos.

Os espíritos de “caboclos” já marcavam sua presença mesmo que com pouca divulgação!!! Associaram-se a eles os pretos-velhos, exus e tantos outros. So-breviveram as inúmeras perseguições e descriminações...

Encerramos Juca Rosa com um texto de Augras de 1995:

Artigo 156 – pune a prática de medici-na por indivíduos desprovidos de título acadêmico. Artigo 157- condena práticas de “magia e seus sortilégios” e o uso de “talismãs e cartomancias para desper-tar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim para fascinar e subjugar a creduli-dade pública”. Artigo 158- punia o exer-cício de curandeirismo.

“Tomemos a questão do alto, estudemos o conjunto da população. O estado funcio-nal das gentes brasileiras pode se resum-ir numa palavra: o Brasil não tem povo! Dos seus doze milhões de habitantes, um milhão é de índios inúteis ou quase, um milhão é de escravos (hoje os ex-es-cravos e seus descendente andam quase inúteis, esparsos nos povoados e raros nas antigas fazendas e engenhos). Ficam nove milhões mais ou menos. Destes, quinhentos mil pertencem a famílias pro-prietárias de escravos, são fazendeiros, advogados, médicos, engenheiros, em-

“A macumba7 se extingue e caracteriza pelo uso de batuques, a tambores e alguns instrumentos originários da África. Essa musica, bizarra em sua irregularidade soturna, não representa um acessório de barulho inútil, pois exerce positiva in-fluencia nos trabalhos, acelerando, com as suas vibrações, os lances fluídicos. As reuniões não comportam limitações de hora, prolongando-se, na maioria das situações, até o alvorecer. São dirigidas sempre por um espírito, invariavelmente obedecido sem tergiversações, porque está habituado a punir os recalcitrantes com implacável rigor. É, de ordinário, o espírito de um africano, porem também os há de caboclos. Os methodos, seja qual for a entidade dirigente, são os mes-mos, porque o caboclo aprendeu com o africano”8

_________________________________________________7 Eram consideradas macumbas todos os ritos que faziam uso de atabaques, levando a um processo de generalização dos cultos urbanos do século XIX. Esta generalização acabou por não fornecer elementos importantíssimos para o reconhecimento dos diversos ritos da época.8 SOUZA, Leal de; O espiritismo, a magia e as Sete Linhas de Umbanda, pp41/ Rio de Janeiro-1939

“O Rio de Janeiro, desde o momento em que se tornou capital do país, passou a representar grande pólo de atração. No século XIX, o centro da cidade e, par-ticularmente, toda a zona portuária, con-gregava importante contingente de

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população negra a que, no final do sécu-lo, se viram acrescentar os egressos do decadente Vale do Paraíba e os migrantes nordestinos. Há indícios de que genuínas casas-de-santo já estivessem funcionando naquela época.”

V - JOÃO DE CAMARGO

Iremos para o Estado de São Paulo, ci-dade de Sorocaba, final do século XIX, com João de Camargo, nascido em julho de 1858, em Sapucaí, bairro de Cocaes, filho de uma curandeira negra, escrava, chamada Francisca, mais conhecida como “Nhá” ou “Tia” Chica, segundo relatos de Florestan Fernandes. Ainda recorrendo ao estudo de Florestan Fernandes, podemos destacar um pouco mais da biografia de João de Camargo. Recorramos ao texto do sociólogo:

“João de Camargo nasceu em Sarapuí, bairro de Cocais, onde foi cativo dos Ca-margo de Barros. Em julho de 1858 foi batizado, tendo como madrinha Nossa Se nhora das Dores. Sua mãe era uma negra cativa, um pouco desvariada, chamada Francisca, mais conhecida como “Nhá Chica” e “Tia Chica”, que também fazia algumas práticas de curandeirismo (infor-mações obtidas de Dona Eugênia Marília de Barros, descendente dos Camargo de Barros, que vive em uma casa perto da Igreja, mandada construir por seu primo João de Camargo). Por intermédio de sua “sinhá”, dona Ana Tereza de Camargo, católica praticante e muito devota, foi João iniciado no catolicismo. Trabalhou nos serviços da casa e depois na lavoura, como cativo, tendo com certeza recebido influências de sua mãe e doutros escra-vos, nesta época. Depois da libertação, até 1893, quando fez parte do batalhão de voluntários paulistas, que formou ao lado do governo, em Itararé, trabalhou como doméstico em várias famílias. Ca-sou-se, nesta época, com uma mulher branca, do Pilar, e continuou na mesma vida até 1905. Nesta data passou a trab-alhar numa olaria, de onde passou, 1906 a trabalhar como camarada num sítio no bairro do cerrado. Em 1906, já “pro-fetizado”, como diz o povo, construiu a pequena capela em frente à estrada da ‘Água Vermelha. Dai em diante diante,

dedicou-se exclusivamente à sua “missão”. Todavia, em contraste com a versão, que circula entre os crentes, soube o seguinte por seu primo, o “nhô” Dito: “João de Camargo curava antes de ser “profetizado”, desde muito, mais só aqui e ali”. Isto confirma a hipótese da influência de sua mãe e de algum com-panheiro negro, cativo como ele.” 9

O relato de Florestan Fernandes deixa evidente a formação multicultural de João de Camargo, reafirmado por Frioli, quando coloca que o sorocabano tinha

No ano de 1661, Sorocaba, foi elevada a categoria de Vila ao receber seu-pelourinho, por autorização do governa-dor do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma cidade fundada por mamelucos, ou seja, de miscigenados com profundas influen-cias indígenas.

A cidade de Yby soroc, terra rasgada, como era conhecida pelos indígenas, tinha sido um pólo de pesca e caça de seus an-tepassados avoengos. Era considerada pe-los mesmos um território sagrado, devido ao famoso Caminho de Zumé, um ícone da cultura indígena. Foi nesta região, inicia-da com os mamelucos e seus “pretos da terra” (índios), que nasceu e cresceu João de Camargo, filho de negros da África. Sorocaba fundada pela lenda da Estrada do Sol ou Caminho de Zumé, ligava as di-versas regiões do país, o que facilitou se transformar na rota dos tropeiros, perdu-rando por cento e cinqüenta anos.

“sua identidade africana, em um jogo de combinações com restos mitológicos indí-genas, dispersos em um antigo universo interiorano paulista. Um jogo de con-fronto histórico, com forças sociais locais, políticas e religiosas, de identidade euro-péia, branca, católica e espírita. Ambos os jogos, de combinação e de confronto, influenciaram marcadamente sua vida e seu ministério”.10

_________________________________________________9 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. 249; editora Globo;5ª ed.2006. p.195,20810 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. 249; editora Globo;5ª ed.2006. p.195,208

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Nesta região ocorriam as maiores fei-ras de muares. Nela se reuniam, desde grandes comerciantes até mestiços e es-cravos, envolvidos com a formação das tropas, que podiam ser libertos ou fugiti-vos. Encontravam refúgio na condição de errantes. Havia cidadãos comuns, pequenos co-merciantes e escravos da região, como João de Camargo, que circundavam este comércio, marcando determinado perío-do do ano. Nestas feiras, ocorriam ven-das de muares, gado, “secos e molha-dos” e grande troca de bens simbólicos. Troca esta presente entre as influencias de João Camargo, bem como na vida dos brasileiros.

Situamos como foi à formação do lo-cal, onde nasceu João de Camargo, para caracterizarmos as inúmeras influências recebidas em seu meio, promovendo uma miscigenação cultural, que veio es-tar presente em sua rito-liturgia. Além das questões nacionais exaustivamente citadas anteriormente. Nesta mesma província houve outro fato, que marcou a região. A luta dos escravos negros para construir uma igreja, que foi vetada por três vezes, antes de João de Camargo. O que demonstrava a tentativa clara de le-gitimação dos negros como cidadãos.

O primeiro empreendimento ocorrido em torno de 1760, pela “Confraria do Rosário dos Homens Pretos, dedicado a Nossa Senhora do Rosário”, foi quase até o final,

“(...)as tropas pertenciam ao tropeiro, homem livre e independente que nego-ciava não só o meio de transporte, como as mercadorias. Além de agente por ex-celência do comércio, o tropeiro tornou-se indispensável em outras atividades. Era o emissário oficial, o correio, o transmissor de notícias, o intermediário de negócios, o portador de bilhetes, recados, enco-mendas e receitas.” 11

quando foi comprado por um rico fazen-deiro, transformando-o em um teatro e depois em convento. A segunda tentativa foi em 1797, que durou até 1812, quando quase pronta teve que ser compulsoria-mente vendida a uma rica família e trans-formada em igreja católica. Depois em um Colégio, Santa Escoslástica.

A terceira e última tentativa aconteceu em 1856, quando a comunidade escrava, Ir-mandade da Boa Morte, resolveu constru-ir uma igreja não chegou a ser concluída. Como pudemos perceber, esta comuni-dade sempre demonstrou a supremacia e poderio da Igreja católica, confirmando seus alicerces cristãos, algo que veremos na figura de João de Camargo.

Dando continuidade às influencias rece-bidas, destacamos o monsenhor João Soares do Amaral, por quem guardava profundo respeito. Devido sua dedica-ção total ao povo de Sorocaba, antes e durante a epidemia de febre amarela. O respeito que consagrava ao monsenhor, começara desde 1873, no primeiro con-tato com o então padre Amaral. Tomando proporções maiores com a convivência, até sua morte em 1900.

Uma figura marcante para João de Ca-margo foi Alfredinho. Este menino mor-reu em um acidente com um cavalo e como dissemos, a cidade era conhecida pelo envolvimento com a montaria, o que causou grande impacto em todos os habitantes e se transformou em um mito local. Alfredinho teve uma cruz colocada, próxima a Estrada da Água Vermelha, para rememorar aos tran-seuntes sua morte. Neste local, João de Camargo tinha o hábito de ascender ve-las para o menino morto. Aí, ocorreram os primeiros fenômenos mediúnicos, os quais considerava ininteligível. Por volta de 1905, passou a sentir a presença de

_________________________________________________11 APUD- JOB, Vera Ravagnani; Algumas considerações sobre o ciclo do ouro e o tropeirismo, em João de Camargo de Sorocaba,pp93,94

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seres espirituais, que se manifestavam por meio de luzes, clarões, ruídos sinais, os quais ele não conseguia entender.12

Outro fator marcante foi uma “visão”, que teve durante o sono. Neste dia, viu a ima-gem de uma linda mulher aureolada de luz, que lhe pedia para que parasse de beber. João de Camargo tinha o hábito de beber, alguns relatos dizem que ele bebia como muitos outros ex-escravos, após as atividades diárias. Outros relatos o descre-viam como um alcoólatra inveterado. Havia as duas possibilidades, tanto de beber pouco ou muito diariamente. O fundamental para nós é que a mulher da visão pedia-lhe que parasse de beber, porque ele tinha uma missão a cumprir.

Assustado, correu em direção ao cór-rego das Águas Vermelhas, pensando em lá se jogar, mas foi impedido por forças que desconhecias. Dirigiu-se para a serra de São Francisco, buscando o topo. No caminho encontrou um pé de cambará, no qual tentou descansar, mas em meio ao silêncio do local a árvore foi circun-dada por uma luz forte. No centro desta luz viu um grupo formado por um menino loiro, de olhos azuis, uma mulher parda e baixinha e um homem negro, que sumiu subitamente, dando lugar a um sacerdote católico.13

Nos ateremos as figuras humanas descri-tas por João de Camargo. Um homem negro, que desapareceu, para surgir um sacerdote branco. Os dois, uma figura masculina. Uma mulher parda, mestiça e uma criança, nos remetendo à triplicidade, presente não apenas no catolicismo, mas também, entre os indígenas e africanos.

Cristianismo: Homem: Pai – Deus;Mulher: Mãe – Maria; Menino- Filho - Espírito San-to. Índios: Homem: Pai – Guaraci; Mulher : Mãe –Yaci; Menino: Filho- Rudá ou Perudá. Africano: Homem: Pai- Olodumare; Mulher: Mãe –Oduá; Filho: Filho- Orunmilá- Ifá.

_________________________________________________12 FRIOLI, Adolfo; João de Camargo de Sorocaba;pp164; ed. Senac/1999 13 FRIOLI, Adolfo; João de Camargo de Sorocaba; pp166,167; ed. Senac/1999

Além deste conceito, que nos remete a universalidade da teogonia, nas três matrizes, temos a caracterização míti-ca dos mesmos, na roupagem fluídicas de grande parte das entidades de um-banda. Sem querermos passar a idéia de indução, pois o fato da “visão” ocor-rer de maneira trina (homem, mulher e criança), é muito significativo no meio umbandista.

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Há um sentido específico nesta simbolo-gia presente nos terreiros, ou seja, uma representação mítica que pode ser in-terpretada como sendo as três matrizes formadoras da umbanda: branca, negra e indígena. O que representa apenas pes-soas, tem um sentido especial para o um-bandista.

Se Juca Rosa tinha uma forte influencia africana, João de Camargo deixa claro uma forte influência do catolicismo, inici-ando sua vida mediúnica quase como um convertido das Escrituras Sagradas, um profetizado. Dando forma às características do período e local em que viveu. Concreti-zando-as na construção de um templo, aos moldes cristãos. Realizando o intento de seus antepassados negros, de legiti-mar sua convicção religiosa, construindo uma igreja, que veio a ser denominada Capela do Bom Jesus da Água Vermelha, iniciada em 1906.

Pessoas próximas a João de Camargo diziam que ele já exercia suas atividades antes da abertura de sua igreja. Isto nos remete novamente a questão do mito de origem, que fica muito claro, quando rela-cionamos a ele o fato de ser “profetizado”. Muito próximo das religiões abrâamicas, salvacionistas, caracterizando ainda mais o predomínio cristão.

Relembramos o conceito de escola um-bandista, com seus inúmeros “matizes” e matrizes culturais, que possibilitam o surgimento de diversas interpretações, segundo a experiência e vivência de cada individuo ou grupo. Poderão de novo questionar, o que há de umbanda neste relato?

Estamos, aqui, no cenário de João de Ca-margo, diferente do panorama carioca de Juca Rosa, que era acentuadamente africano com pinceladas cristãs. Demonstrando no-vos enfoques, nas questões regionais, como no caso dos tropeiros, facilmente relacionado aos atuais boiadeiros da umbanda. Enquanto no Rio de Janeiro, à beira mar, teve o en-volvimento do porto e dos marinheiros.

Encontramos similaridades entre os dois Quarenta anos depois conseguimos ver de forma clara o culto aos antepassados, Egunguns, e sua relação com as questões sociais, que vão se moldando ao contexto espiritual. Tudo isto dentro de um pro-cesso de flexibilidade, inclusão, respeito às diferenças, sem dogmas, que vão dos aspectos teogônicos e cosmogônicos às questões regionais, com muita naturali-dade.

Isto não é umbanda? Se apresentássemos estes ritos sem dizer a época e o nome dos envolvidos, você, leitor titubearia em dizer se tratar de ritos de umbanda?Retomando nosso “personagem”, não podemos deixar de enfatizar que existem novos elementos na interpretação pesso-al de João de Camargo, como por exemplo, a política de embranquecimento do país, que se encontrava em seu ápice neste período.

Vemos surgir na visão de João uma cri-ança, loira, de olhos claros. O que nos remete aos austríacos, que imigraram para a região de Sorocaba, anos antes. Deixam evidente a influência ariana. Além de uma interpretação social, há uma reli-giosa destes novos elementos.

Nos aspectos religiosos vemos a in-trodução de Cosme e Damião, santos católicos, na figura de criança. Como ob-servamos na cultura africana dos maba-ças, Ibêji (gêmeos), oriundos dos Con-go-Angola e ameríndia com Yurupari (a criança loira).

Houve um novo encontro e associação de culturas e a miscigenação de bens sim-bólicos, tanto no campo religioso (Cosme e Damião/ Mabaça e Ibêji/Yurupari) como no campo social (negros, índios e bran-cos). A introdução da figura da criança e do ariano, presentes nos ritos de um-banda.

A partir deste momento adentraremos na constituição física e rito-litúrgica de sua Igreja. Fisicamente sua igreja pos-

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suía uma nave, o trado e o altar mor, com uma complexa composição do espaço. A construção da igreja foi feita progressi-vamente, de acordo com a necessidade. Nós, de forma sucinta, daremos as princi-pais características deste espaço sagrado, que tinha uma apresentação complexa.

O altar mor continha imagens católicas, como Senhor Bom Jesus do Bonfim, Me-nino Jesus de Praga e Nossa Senhora da Ponte. Antes de chegarmos a este altar temos uma proliferação de fotografias, entre elas do monsenhor Amaral e o ha-giológico católico praticamente todo. Mas também, outras imagens cultuadas no panteão africano e brasileiro como “índios e caboclos”. Estas últimas demonstram nitidamente a influência da umbanda.

João de Camargo costumava chamar pelo nome os santos católicos, quando na frente de seus fiéis, mas quando se encontrava à sós, com seus filhos, utilizava outras nomen-claturas, que seus discípulos não revelavam. Isto nos facilita compreender um outro lo-cal, que ficava atrás da nave, onde havia um altar com as imagens dos Orixás. Um peji estampando as imagens de Omulu, Oxalá, Iemanjá, Ogum, Iansã, Ossaim etc. ,o que justificaria a presença em frente à igreja de uma grande árvore de Iroco, comum na na-ção keto (Yorubá).

Outra característica rito-liturgica de João de Camargo era utilizar números, como o três e cinco. O número cinco demonstrava a influência islâmica, fazendo menção aos seus processos rituais. Os números três e cinco eram utilizados na construção de guias, na formulação de banhos, na con-tagem das ervas para chás. Bem como, no Ritual dos Três Mistérios da Igreja, que dividia em três momentos o processo cerimonial de permissão para entrar no templo. Este procedimento ritual aconte-cia da seguinte forma: primeiro na entra-da da capela, o segundo ao centro sobre a primeira mandala e o terceiro e último momento, quando se persignava diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus e do Sagrado Coração de Maria, no altar principal.

Os três mistérios também se encontram no ato de fundação, hierofania, no qual empregara o número três, criando três princípios: “água, pedra e verdade”. A uti-lização da água e da pedra podem estar diretamente relacionados aos cultos afri-canos, que faziam uso das mesmas para a fundação e sacralização do local, pre-sentes tanto entre os nagôs como ban-tos. Usados também para rituais de ori e bara.

Somada a estas práticas não tão explícitas também tinham alguns ritos praticados por João de Camargo com certa freqüên-cia no cemitério sob os pés de uma cruz e as oferendas consecutivas à base de pipoca em seu tumulo após a sua morte que levaram autores como Campos e Frioli a concluir sua devoção ao Orixá Omulu.

O piso do átrio central de sua igreja era de cor preta e branca, quadriculada. Lo-cal este, onde era necessário fazer o Rito dos Três Mistérios da Igreja. Este mesmo átrio foi construído sob muito mistério. No processo de construção levou alguns elementos sob o mosaico preto e branco, cujo segredo morreu com João de Camar-go e seus filhos pedreiros, João Claro de Souza e Jacobe Lopes de Oliveira. O que tem forte conexão com os assentamentos africanos.

Há também um quartinho denominado, Jesus na Prisão, cujo acesso era restrito a seus adeptos e proibido a estranhos. Era um cômodo, de proteção da Igreja. Dentro deste quarto, entre outras ima-gens constava a de São Jorge e a de um “assustador” santo de preto e vermelho, denominado “mafingui vimbundo”.

Apresentava-se com uma capa, semelhante a um uniforme militar. Sabemos que Exu e Ogum nos terreiros de umbanda, com in-fluencia africana, tem ligações no trabalho. Na umbanda, temos Ogum no sincretismo associado a São Jorge e a entidade de pre-to e vermelho, associada a Exu.

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João de Camargo foi preso inúmeras vezes por suas práticas religiosas. Afinal, no seu tempo, o Código Penal já permitia esta punição para as práticas de “curandeirismo”, feitiçaria “e outras, por isso omitia muito de suas práticas, na tentativa de não chamar a atenção nem do clero, nem da polícia”.

O “profetizado” foi citado algumas vezes como débil mental. Remontamos à asso-ciação dos cultos de possessão, aos des-vios mentais, como fez Nina Rodrigues, em seus trabalhos, no final do século XIX. João de Camargo oscila para os “ob-servadores” entre o alcoolismo e doença mental. Isto chegou a ser registrado no livro Misticismo e loucura, de autoria do médico, psiquiatra Thaumaturgo Osório César.

Vemos explicita a caracterização da dis-criminação contra o líder carismático de Sorocaba. Ao encerrar seu processo, João de Camargo modificou acentuada-mente seu rito para que pudesse dar con-tinuidade às suas atividades mediúnicas. Passou a ocultar ou mesmo confundir a sociedade, modificando algumas carac-terísticas rituais, que remetessem aos traços indígenas e africanos.

Acrescentando uma arianização dos ritos mediúnicos, introduzindo elementos kar-decistas. Registrou-se como Associação Espírita e Beneficente Capela do Senhor do Bonfim, anos mais tarde. Sendo re-conhecida como pessoa jurídica, apenas em 1921, João de Camargo, como Juca Rosa tinham acentuados traços das es-colas umbandistas atuais, porém não a nominaram.14

Infelizmente, sem nome a “coisa” não existe, e sem registro muito menos. Você só tem le-gitimidade, após o registro legal, até mesmo quando nasce. O nosso nascimento marca algo sensível, a existência de um ser com cor-po e mesmo assim, só terá existência civil depois de registrado.

Imagine o que ocorre no campo das ide-ias? No “mundo” abstrato há de se provar com mais veemência. Afinal ainda deve contar com a aprovação ou não da so-ciedade “pensante”. Vocês sabiam, que a famosa imagem de preto-velho usada nos pejis, altares e congás dos templos de umbanda foi baseada em João de Ca-margo? O que deixa explícito seu envolvi-mento com a umbanda, não apenas no campo das idéias, mas também nas influ-encias visíveis.

VI - ZÉLIO FERNANDINO DE MORAESPara que possamos falar com mais clareza quanto ao mito de origem, é necessário adentrarmos em alguns aspectos sociais, políticos que se encontram inteiramente atrelados às questões religiosas. O Brasil passava por grandes conflitos, no final do século XIX. Um deles se deu no processo de legitimação da medicina, que teve ini-cio com a fundação das primeiras Facul-dades. Nascia o embate entre medicina acadêmica e popular.

Os médicos começaram a lutar por seu espaço na sociedade colonial e a com-bater os ditos curandeiros e feiticeiros. A tentativa de embranquecimento não fica apenas atrelada às questões físicas, como a tez, ela penetrava questões culturais e espirituais. Abre neste momento, espaço para outro pensamento e prática do es-piritual, mais civilizado, da ótica da elite.

A política de embranquecimento invade o campo espiritual, fazendo surgir um movi-mento de purificação dos cultos de pos-sessão, afro-amerindio-brasileiro, o kar-decismo. Neste instante vemos surgir a questão da divisão dos cultos mediúnicos em alto espiritismo e baixo espiritismo. A mídia, com o apoio dos médicos, passa a divulgar estes trabalhos, bem como, estudos de casos que “comprovavam” a ligação com vários desvios de conduta. Surge um novo momento para os cultos de possessão, somando-se aos anteriores,

_________________________________________________14 ANAES DO PRIMEIRO CONGRESSO ESPÍRITA DO ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo

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porém com um acréscimo, a possível re-clusão dos médiuns em manicômios. O mediunismo atravessa quatro etapas, desde seu início no Brasil: a primeira as-sociada às coisas demoníacas, sujeita a retaliação da Inquisição e ser queimado nas fogueiras do Santo Ofício. A segun-da ao racismo classista, coisa de “ne-gro”, “pobre”, “bêbado” e “ignorante”. A terceira etapa associada a malandragem com os ataques aos “curandeiros”, “fei-ticeiros”, que eram tidos como engana-dores e estelionatários, sujeitos prisão . A quarta e última etapa, associada à pato-logia, doenças mentais, sujeitas a inter-nação em manicômios. Francisco Farjado, em sua obra intitu-lada Tratado de Hipnotismo (1896),de-screve o mediunismo “como um estado de consciência secundária ou inferior”, produto de automatismo cerebral e de sugestões com conotação fisiológica, sem qualquer traço patológico. Por outro lado tínhamos os trabalhos de Nina Rodrigues, que se dedi-cava à Medicina Legal, com ênfase em psiquiatria e antropologia. Usava em seus estudos a base da psiquiatria européia, com o conceito de degeneração, voltado para a noção de doença mental. O culto de possessão era considerado patologia.

Baseada na teoria de Foucault de “fazer-se verdadeiro”, passa-se a usar o discurso tera-tológico do saber sobre os cultos de pos-sessão, recorrendo à tória científica, que o classifica como histeria ou doença mental, para depreciá-lo. A base deste discurso en-contrava em Raimundo Nina Rodrigues, um expoente da medicina legal, defendendo os cultos de possessão como indício patológi-co, o que impossibilitava a integração do negro com a “civilidade” branca.

Então, além das patologias, o transe se contrapunha ao progresso, sendo assim, ia contra o caráter civiliza-dor europeu e se ligava à marginalidade.

Neste momento, vemos desdobrar o poder do culto mediúnico europeu, kardecismo, com base no cientificismo de August Con-te, como aspirava a sociedade moderna.

Após este evento, observamos uma substi-tuição da nomenclatura de possessão para medi-unismo. Uma nova “roupa” para a mesma idéia. O discurso de apropriação se torna fato. A nova face do mediunismo era marcada pela civilidade.

A elite, atrelada ao mediunismo cientifi-cista, institui a incapacidade de geração de projetos autônomos, das classes me-nos favorecidas, até mesmo no campo do espírito. É estabelecida uma autoridade hierárquica, o Kardecismo, nos cultos de possessão. Esta autoridade “do saber espiritual”, se tornara capaz de devolver o caráter “redentor”, introduzindo o sal-vacionismo cristão nos cultos de transe. Atrelado a esse compromisso, a promes-sa de purificação das manifestações cul-turais dos negros, índios e mestiços e a possibilidade de inclusão na civilidade.

O kardecismo se torna uma forma de res-gate parcial do imaginário europeu. Trazia o culto de possessão com ares salvacionista e de civilidade, resgatando a idéia de missão e conversão. Não estamos dizendo que o kardecismo não tenha sofrido com as teses desenvolvidas, no campo da medicina, prin-cipalmente psiquiátrica, mas sim, afirman-do que isto se deu com eles, de maneira mais amena do que ocorreu com as culturas miscigenadas brasileiras.

O ethos dos negros, índios e miscigena-dos fica ligado a aspectos degradantes do ser humano, no campo: físico, mental, econômico, político, social, cultural e espiri-tual76. A tez e a cultura passam a ter um papel fundamental nos estudos científicos.

“O movimento das classes mais desfavo-recidas da sociedade, a atividade do pro-letariado enfim, um dos bons sinais do tempo, os humildes de condição já não se preocupam egoísticamente com as neces-sidades da família. Bem haja, pois o tra-balho fraternal de levar à noite daquelas inteligências um raio de instrução, que esclareça-lhes a senda do dever!” (O RE-FORMADOR – 1890 – p.1).

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Poderão nos perguntar mais uma vez: E a umbanda? Responderemos que a umbanda, como um culto oriundo de processo de misci-genação, estava profundamente conecta-da a todo este contexto. Mediante os parâmetros estipulados pelos eurocen-tristas, a umbanda, também passa a ser considera impura e “baixo espiritismo”. Desta forma, se torna sujeita a purifica-ção e a salvação. Havia de se converter ao “verdadeiro” espiritismo. Lembra-se de Foucault?

Todas estas tentativas, tanto da medicina, como do alto espiritismo, não foram ca-pazes de afastar os fiéis dos cultos afro-ameríndio-brasileiros, porém trouxeram muito mais preconceito e possibilitaram per-seguições no campo penal e psiquiátrico. Muitos, além de perseguidos em seus ri-tos, passaram a engrossar a população carcerária, como Juca Rosa e João de Ca-margo. Outros foram levados à interna-ção em manicômios.

É neste momento que entramos com o Zélio Fernandino de Moraes, filho de kar-decista, com forte influência cristã e o Mito de Origem.

A questão principal sobre o mito de ori-gem é o aspecto da legitimação de uma religião, que já se encontrava distribuída pelo território brasileiro, principalmente na região sul e sudeste.

Para que possamos discutir o mito de origem, falaremos sucintamente sobre a figura de Zélio Fernandino de Moraes, a personagem principal deste evento. De-scendência européia, nascido em 1891, de uma família tradicional de Neves, perto de Niterói, filho de um farmacêu-tico, praticante do kardecismo. Este é Zélio Fernandino de Moraes, o rapaz que inicia sua vida mediúnica, aos 17 anos. Mediunismo nascido sob os cuidados de Tio Antonio, preto-velho, que incorporava em D. Cândida, uma rezadeira negra, que trabalhava em sua própria casa.

O único registro, sobre D. Cândida, foi encontrado na entrevista de Zélia e Zil-méia, filhas de Zélio, concedida a Pai Ri-vas, no ano de 1990. Esta entrevista faz parte do acervo da Faculdade de Teologia Umbandista. O trecho que nos interessa é este.

“A Umbanda foi trazida da África, mas iria deixar as coisas “exóticas e horripilantes”e a religião em contato com a civilização deixaria as “práticas bárbaras.” 15

“A umbanda trazida pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, por outro lado, inser-indo-se totalmente no curso evolutivo da humanidade e no “progresso” revelado pelo país, deveria revelar uma mensa-gem totalmente compatível com o modo de vida de pessoas educadas, letradas e urbanas”.16

Pai Rivas: _ “Como dissemos, estamos aqui através da OICD, um órgão Doutrinário liga-do a umbanda.” Dissemos as pessoas liga-das a este movimento, que nós iríamos onde foi o marco oficial da umbanda no Brasil (...) Zélio deixou como continuadora de sua tarefa as suas filhas através da Sra. Zélia de Moraes Lacerda e Zilméia de Moraes Cunha. Gostaria de perguntar sem me delongar muito: O pai de vocês, soubemos ser pessoa simples, dedicada as coisas espirituais e dis-tanciada das coisas materiais(...) Como foi que Zélio de Moraes chegou aqui, até esta casa? Zélia:_”O meu avô era espírita, mas espírita kardecista, então o meu pai ficava com ele naquela mesa. O senhor sabe o que é uma mesa kardecista? s, tanto é que eles recebiam os caboclos na mesa, não queria que os caboclos levantassem. Até que viu a caridade que os caboclos faziam.” Pai Ri-vas:_”Me desculpe, mas como assim recor-reu á umbanda?” Zélia:_ “A uma rezadeira. Ele recorreu a uma rezadeira. Cândida! Uma preta. Ela não tinha centro, não tinha nada, trabalhava num quarto. Trabalhava com uma entidade chamada tio Antonio”. Nós achamos que aquilo era uma manifestação da umbanda. Aquele bem, aquela caridade que ele prestava. O chefe (caboclo das Sete Encruzilhadas) baixou no meu pai quando ele já estava bom e, marcou a data da fundação da Tenda Nossa Senhora da Piedade”. 17

_________________________________________________15 JUSTINA, Martha ; Tese sobre o :Primeiro Congresso do Espiritismo de Umbanda- Rio de Janeiro. 194116 ISAÍA, Arthur César/ UFSC17 Acervo FTUpág.24

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Coincidência ou não, Zélio de Moraes passou a trabalhar com o preto-velho Pai Antonio, cujo nome era o mesmo da en-tidade, que incorporava em D. Candida que cuidara dele quando doente, segundo relato de suas filhas. Portanto, as enti-dades de caboclo e preto-velho (Tio), já se manifestavam em seus médiuns, em transes de possessão, como encontramos relatado na própria biografia do médium Zélio Fernandino de Moraes.

A história de Zélio de Moraes, contada por suas filhas Zélia e Zilméia, faz menção ao seu pai, como um freqüentador da mesa kardecista, onde seu avô trabalhava. Foi neste lugar, que teve contato com os es-píritos de caboclo, que segundo suas fil-has, já eram freqüentes nas sessões, mas não eram aceitos na mesa.

Zélia relata que seu pai tinha 17 anos, quando apresentou uma doença, que foi considerada mais espiritual, por isso recorreu a umbanda para curá-la. Falou imediatamente, que procurou uma reza-deira, cuja entidade chamava-se Tio An-tonio, como Tio Zuza, que incorporava em Juca Rosa.

Neste momento, fica explicito que já havia a cultura de buscar pessoas ligadas à umban-da para a cura de doenças. Isto nos remete aos curandeiros e feiticeiros, como João de Camargo e Juca Rosa, ambos qualificados como tal, famosos por seus feitos.

Há a preocupação eminente com o momen-to em que surgiu o nome umbanda, o ato de nominar. É neste impasse que muitos histo-riadores se prenderam e se prendem até os dias atuais. Porém os registros referentes a isso são escassos e merecem um trabalho tanto da ótica da ciência acadêmica como da ciência hermética. Não é nosso objetivo entrar neste tema específico, mas espera-mos que alguém o faça, com tanta ou mais propriedade como fez Matta e Silva.

Abordaremos ainda, outros dois registros, que se encontram em obras de umbandis-tas. Entre eles Matta e Silva18, em Umbanda e o Poder da Mediunidade, onde ele relata a anterioridade do caboclo Curuguçu. Citação feita em entrevista cedida por Leal de Sou-za, a um jornal do Paraná, antes de 1925, sem precisar o período exato.

“Segundo o relato de Leal de Souza, o cabo-clo Curuguçu trabalhou, preparando o ad-vento do Caboclo das Sete Encruzilhadas”, não o associou ao ato de fundação.

Emerson Giumbelli, em Caminhos da Alma, baseado em obra de Alves de Oliveira, regis-tra ser o Mito de Origem, como fruto de um projeto federativo, específico, para o reconhe-cimento da figura de Zélio. E da data de 15 de no-vembro de 1908, como origem da umbanda. Mesmo este projeto estando longe de um consenso, levou a uma generalização, do que era uma consagração restrita, de um “certo segmento do universo umbandista”.

Esta idéia foi elaborada e efetuada pelo CONDU (Conselho Deliberativo Nacional de Umbanda), na década de 70, buscando le-gitimar a fundação, o fundador e a mani-festação dos caboclos, representados pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. Patrícia Birman (1983) diz que Zélio “pertencia a memória de um único segmento, denomi-nado de “umbanda cristã”, o que nos remete a escola umbandista.

Se fôssemos falar de origem, teríamos que tratá-la como a criação de uma escola ou seg-mento. A problemática do ato de fundação, firmado como vimos por determinação políti-ca dentro da umbanda, nos conduz, mais uma vez a fixar o valor ocidental do nascimento, de um movimento espiritual: a revelação.

O evento do caboclo das Sete Encruzilha-das se aproxima do ato de revelação, uma teofania cristã, inclusive com dia, hora e lo-cal determinado,

_________________________________________________18 MATTA E SILVA,W.W. da; Umbanda e o Poder da Mediunidade, pp 36; ed. Ícone, 1997

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tendo uma única pessoa como receptor, ou profetizado. Vemos na história de Zé-lio um princípio de generalização, surgin-do como mecanismo de implantação de uma idéia: “umbanda cristã”, “umbanda branca”.

Esta ideologia buscava influenciar, não apenas os aspectos religiosos, mas tam-bém social, embora preservando a estru-tura simbólica das entidades de umbanda. Não podemos deixar de citar que o con-flito entre umbanda branca e umbanda africanista, veio a se refletir anos depois, no primeiro Congresso de Umbanda. Com a presença de Tancredo Pinto, demonstra-va um dilema, que vinha percorrendo as diversas escolas de umbanda, há muito: “enegrecer” ou “embranquecer” a umban-da.

Gostaríamos de chamar a atenção do leitor para o binômio umbanda branca e africana. Temos neste binômio valores subliminares, que vinham sendo imple-mentados na sociedade brasileira, como o evolucionismo social, baseado na teoria de Darwin. Está visão corroborava com as teorias evolucionista, defendida pelos eu-ropeus. Firmando-se com a introdução de alto e baixo espiritismo. O evolucionismo foi combatido no meio umbandista de maneira pacífica e silen-ciosa, com a inclusão de todas as culturas, representadas nas roupagens fluídicas das entidades, como caboclo e preto-velho e outros. Há um processo de inclusão de ra-ças, etnias, culturas, linguagem, etc.

O que foi pouco explorado e pouco registrado, foram outros médiuns em outras situações e lugares, como observamos tanto em Juca Rosa, como em João de Camargo, onde essas entidades já estavam presentes, com outra lin-guagem. Outro fato de relevância é a presença de um médium, branco, assumindo o papel de pai de santo, penetrando uma religião considerada de índio, negro e mestiço, jamais de indo-europeu.

Zélio nunca foi preso por suas atividades de pai de santo, ao contrário de Juca Rosa e João de Camargo, que eram ex-escravos e negros... Nunca apareceu em inquéritos policiais... Por quê? Ainda que as entidades atuantes em Zélio, fossem: caboclo Sete Encruzilhadas, caboclo de Ogum, Orixá Malê e Tio Antonio...

A sua linguagem representada em um me-diunismo cristão, o retirou da condição de estrangeiro nas relações espiríticas? Fare-mos uma reflexão junto com o leitor... Em uma sociedade classista, racista e oficial-mente cristã, havia alguma possibilidade da umbanda ser legitimada por um ne-gro, índio ou mestiço, com viés em cultura pagã?

Os detalhes da Escola de Zélio de Moraes são acentuadamente voltados para o modo ocidental de ver o Sagrado. Isto trouxe maior identificação com a socie-dade da época, do mesmo modo que foi determinante para sua como Mito de Ori-gem. A legitimação da cultura branca.

Levando a cabo a idéia de escola, e a de-scrição de sua filha. Concluímos que nasceu especificamente, com o médium de Neves, uma nova linguagem para a umbanda, uma escola cristã. Houve um processo de absorção do pensamento cristão. Zélio de Moraes marcou com seu mediunismo uma época, ajudou a trazer reconhecimento ao movi-mento espiritual, que percorria inúmeros terreiros do Brasil.

VII - CONCLUSÃO

A umbanda é representada pela unidade na diversidade. As suas inúmeras formas de manifestação atendem aos aspectos, culturais, heterogêneos na formação de nosso país continente, bem como a per-cepção de seus componentes.

“A parte não pode representar o todo, ou ser maior que o todo, a soma das partes não representam, ou não é o todo.”19

_________________________________________________19 RIVAS NETO, Francisco; Sacerdote, Mago e Médico; ed. Ícone

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As escolas umbandistas refletem as inter-pretações particulares, na forma de ver e fazer o Sagrado. Respeitando as ex-periências e vivências de cada pessoa ou grupo.

Determinar um ato de fundação, mito de origem, é lhe atribuir uma característica pontual. Negando-se a universalidade de suas manifestações rituais, que nunca em tempo algum, apontou uma única ma-neira de expressá-la. Negligenciando sua característica de inclusão. Impor um ato de fundação é promover um processo de generalização para a umbanda, sob a óti-ca de uma única escola.

A umbanda é uma unidade aberta. Vem se reconstruindo desde suas primeiras manifestações. O que nos impossibilita afirmar um modo fechado de seu surgi-mento.

VIII - BIBLIOGRAFIA20

Anaes do Primeiro Jornal Espírita do Estado de São Paulo. São Paulo: s.ed; 1947; p.6

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Globo; 5ª ed; 2008 . p.195

FRIOLI, Adolfo. João de Camargo de Soroca-ba. São Paulo: ed. Senac; 1999. p.88, 133, 166

GIUMBELLI, Emerson. Heresia, doença, crime ou religião: o Espiritismo no discurso de médicos e cientistas sociais. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ra/v40n2/3231.pdf> Acesso em: 26 de jul de 2010

GIUMBELLI, Emerson. Caminhos da Alma; Zé-lio de Moraes e as origens da Umbanda. São Paulo: Selo Negro edições; p.188;189;190;191;192;194;195 e 196; 2002 ISAÍA, Arthur César/ UFSC. A Umbanda: as imagens do inimigo no discurso católico no século XX. Disponível em: < http://bmgil.tri-pod.com/iac29.html> Acesso em: 26 de jul de 2010

JUSTINA, Martha; Tese sobre o: Primeiro Congresso do Espiritismo de Umbanda - Rio de Janeiro. 1941

MATTA e SILVA,W.W. da; Umbanda e o Poder da Mediunidade. São Paulo: ed. Ícone, 1997. p.36

RIVAS NETO, Francisco. Exu o Grande Arcano. São Paulo: ed, Ícone, 3º edição; 2000

RIVAS NETO, Francisco. Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino. São Paulo: s/editora; 1998; p.19, 20

RIVAS NETO, Francisco. Faculdade de Teolo-gia Umbandista

RIVAS NETO, Francisco. Sacerdote, Mago e Médico. São Paulo: ed. Ícone; 2003; p.46, 459

RIVAS Neto, Francisco. Umbanda – A Proto Síntese Cósmica; São Paulo: ed. Pensamento; 2002; p.389

SAMPAIO, Gabriela do Reis. A história do fei-ticeiro Juca Rosa/ culturas e relações soci-ais no Rio de Janeiro Imperial, pp 213- tese de Doutorado apresentada ao departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciência Huma-nas da Universidade Estadual de Campinas sob orientação da Prof. Dr. Sidney Chalhoub; 2000

SAMPAIO, Gabriela dos Reis Sampaio. Artes e ofícios de curar no Brasil. A história do fei-ticeiro Juca Rosa. Campinas: Editora Unicamp; 2003; p.124

SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Artes e Ofício de Curar no Brasil - A história do feiticeiro Juca Rosa - culturas e relações sociais no Rio de Janeiro Imperial. Campinas: ed. Unicamp; 2003; p.192, 405

SOUZA, Leal de. O Espiritismo, a Magia e as sete Linhas de Umbanda, Rio de Janeiro, 1933; p.79, 41

SOUZA, Mariana de Mello; A rainha Jinga – África central, século XVII, Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=34&id=401;10-04- 2008> Acesso em: 26 de jul de 2010

_________________________________________________20 Inserimos apenas a bibliografia utilizada exclusivamente neste resumo

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O PAI DE SANTO NO ESTADO DE SÃO PAULO: ESTUDO PILOTO PROJETO “O PERFIL DO UMBANDISTA DO SÉCULO XXI”

F. Rivas Neto Maria Elise Rivas

Elizabeth A. U. CristofaroFernanda L. Ribeiro

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Colaboradores:Eduardo C. Ferraz, Hélvio Gonsalez, Japy A. de Oliveira Filho, José Roberto da Silva, Marta M. da Purificação, Raimundo Medeiros, Vera Lucia B. de Jesus

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INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste em um estudo pi-loto realizado com pais e mães-de-san-to do estado de São Paulo e integra a

pesquisa “O Perfil do Umbandista do Século XXI” desenvolvida pela FTU - Faculdade de Teologia Umbandista, ligada à OICD (Or-dem Iniciática do Cruzeiro Divino) e local-izada no município de São Paulo. A FTU é dirigida por Francisco Rivas Neto (Pai Ri-vas), que é também o dirigente da OICD.

A Umbanda é uma religião brasileira for-mada a partir do encontro das três etnias que constituíram o povo brasileiro: o indí-gena autóctone, o negro que veio durante o processo escravagista e o branco euro-peu. Apesar de muitos defenderem que seu surgimento aconteceu em 1920 no Rio de Janeiro, o intercâmbio entre as crenças e as práticas religiosas destas três matriz-es já acontecia no Brasil desde o início do Período Colonial e mesmo na África, entre brancos e negros.

A intensidade de influência de cada uma destas matrizes pode variar de um ter-reiro para outro, podendo-se encontrar mais elementos da raiz africana, da raiz cristã, ou da indígena. Estas influências estão presentes nos rituais, nas lingua-gens e nas concepções de mundo.

O fato de se constituir a partir de três matrizes diferentes possibilitou que nes-ta religião houvesse diversidade. Esta é uma característica essencial da Umbanda e a maioria dos autores afirma que está diretamente relacionada com a ausência de centralização do poder, unificação e codificação de sua doutrina e ritual.

No entanto, em meio à diversidade, al-guns aspectos são comuns a todos os terreiros em sua ritualística: a presença de entidades por meio da incorporação, o uso de ervas e velas, os pontos riscados, as oferendas, a música ritualística, a dan-ça e a relação estreita com a natureza. E nos aspectos doutrinários, a devoção e o respeito pelos Orixás e entidades.

Outro aspecto importante desta religião é a hierarquia que acontece em dois níveis: primeiro entre os Orixás, as entidades e os homens, segundo, dentro do próprio terreiro, entre o pai ou mãe-de-santo e os filhos-de-santo.

São estes aspectos relativos à constituição dos terreiros que esta pesquisa pretende delinear: hierarquia, relação entre pais ou mães-de-santo e seus filhos-de-santo, tempo de casa, sucessão do sacerdócio, bem como se existe relação com as federações.

Será apresentado um estudo piloto realizado com 61 pais e mães-de-santo do estado de São Paulo por meio de entrevistas fecha-das, que serviu para testar a aplicação do questionário, bem como disparar re-flexões. A partir disso, foi elaborado um novo questionário que será aplicado a uma quantidade maior de pais e mães-de-santo a fim de obter uma amostra mais expressiva e fidedigna. No entanto, a pesquisa quantitativa que será realizada estará circunscrita ao município de São Paulo dadas as variáveis sócio-histórico-econômicas e urbanas existentes entre as diferentes regiões.

Acredita-se que a realização de pesqui-sas quantitativas e qualitativas - especial-mente por pessoas que façam parte do movimento umbandista ou que se iden-tifiquem com sua proposta - pode contri-buir para a desconstrução do preconcei-to que existe na sociedade em relação à Umbanda. Pois, desde sua formação, esta religião é alvo de interpretações apres-sadas, motivadas por lutas de poder, que não consideram sua verdadeira essência.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho foi delinear em estudo piloto, o perfil de pais / mães-de- santo com relação a dados pessoais, formação espiritual, origem do terreiro, sucessão do mesmo e filiação a federa-ções.

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MÉTODOS

Este foi um estudo prospectivo e transver-sal, no qual pais e mães-de-santo respon-deram a um questionário padronizado, aplicado no período de junho a setembro de 2009.

Participaram desta pesquisa 61 pais / mães-de-santo, sendo que 7 deles são freqüentadores da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino (São Paulo, SP), 1 já freqüentou e não freqüenta mais e o res-tante não possui vínculo com a Instituição. Os entrevistados eram provenientes de vários municípios do estado de São Paulo, sendo que 19 dos entrevistados possuem terreiro no município de São Paulo, 8 em outros municípios da Grande São Paulo e os demais (34) em outras localidades.

Parte das entrevistas com dirigentes de terreiros de São Paulo e grande São Paulo foram realizadas por telefone. Os conta-tos foram obtidos no site www.telelistas.net a partir de uma consulta realizada dia 04. 06. 2009 com as palavras-chave: “terreiros umbanda”. Encontraram-se 4 opções: Artigos Religiosos; Candomblé; Cursos de Esoterismo; Igrejas, Templos e Instituições Religiosas; Produtos Esotéri-cos e Místicos. Entramos na opção “Igre-jas, Templos e Instituições Religiosas” e encontramos nomes de terreiros nas le-tras C (página 1), letra T (todas as pági-nas) e letra U (página 5).

Importante ressaltar que a maio-ria dos nomes de terreiros possui termos ou palavras referentes ao kardecismo ou ao candomblé. Nestes casos escolhemos apenas aqueles que fazem referência di-reta a Umbanda por meio de termos como “umbandista” e “Umbanda”.

As demais entrevistas foram realizadas por alunos da FTU e filhos-de-santo da casa durante visitas a alguns terreiros do município de São Paulo, da grande São Paulo e principalmente de municípios do interior do estado.

Todas as pessoas convidadas concordaram em participar voluntariamente do estudo após receberem esclarecimentos de que os dados serão utilizados para fins de pesquisa, sendo mantidos em sigilo pela Instituição.

O questionário denominado “Linha de Trans-missão” é parte integrante da pesquisa vin-culada ao Projeto “O Perfil Umbandista do Século XXI”, executado pela Faculdade de Teologia Umbandista - FTU e foi adaptado para os seguintes tópicos:1) Nome do Templo / Terreiro

2) Nome e RG do dirigente espiritual

3) Nome sacerdotal (djina)

4) Faixa etária:

[ ] menos de 20 anos; [ ] 20 a 25 anos; [ ] 25 a 30 anos; [ ] 30 a 35 anos; [ ] 35 a 40 anos; [ ] 45 a 50 anos; [ ] 50 a 55 anos; [ ] 55 a 60 anos; [ ] acima de 60 anos.

5) Tempo de direção do Templo / Terreiro

[ ] até 5 anos; [ ] 5 a 10 anos; [ ] 10 a 15 anos; [ ] 15 a 20 anos; [ ] 20 a 25 anos; [ ] 25 a 30 anos; [ ] mais de 30 anos. 6) Data de fundação do Templo / Terreiro

7) Zona em que se localiza o Templo / Terreiro

[ ] Norte; [ ] Sul; [ ] Centro; [ ] Leste; [ ] Oeste.

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8) Como foi fundado o Templo / Terreiro?

[ ] Ordem espiritual de sua própria entidade; [ ] Sucessão de pai espiritual para filho espiritual; [ ] Ordem espiritual e sucessão de pai para filho espiritual; [ ] Outros. Quais?_________.

9) Qual (is) destes aspectos mais contri-buiu (contribuíram) para sua formação espiritual?

[ ] Aprendizado com meu (s) pai(s) ou mãe (s)-de-santo; [ ] Aprendizado com as entidades; [ ] Cursos; [ ] Outros. Quais?___________. 10) Quantos pais / mães-de-santo teve? [ ] 1; [ ] 2; [ ] 3; [ ] 4.

11) Há pai / mãe pequeno (a) no Templo / Terreiro? [ ] Sim; [ ] Não.

12) Já há consenso sobre a sucessão espiritual do Templo / Terreiro?

[ ] Sim; [ ] Não.

13) Se sim, qual o critério utilizado para a escolha?

[ ] Decisão do pai (mãe) espiritual; [ ] Decisão da entidade espiritual; [ ] Outros. Quais?__________.

14) O Templo / Terreiro é filiado a algu-ma Federação? [ ] Sim; [ ] Não.

15) Alguma vez já foi filiado? [ ] Sim; [ ] Não.

16) O Templo / Terreiro já teve seu nome alterado? [ ] Sim; [ ] Não.

17) O Templo / Terreiro tem registro civil (estatuto)? [ ] Sim; [ ] Não. 18) O Templo / Terreiro é no mesmo lo-cal da residência do dirigente espiritual? [ ] Sim; [ ] Não.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No questionário foram utilizados os ter-mos Templo-Terreiro. Nesta discussão utilizaremos apenas o termo terreiro. Tem-se que 44,54% dos pais e mães-de-santo entrevistados possuem entre 45 e 55 anos de idade, conforme mostra o gráfico a seguir:

Gráfico 1:

Obteve-se que 45,90 % dirigem o ter-reiro de 5 e 15 anos.

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A prevalência do tempo de fundação do terreiro é de 5 a 15 anos em 54,10%. Portanto, na maioria dos entrevistados o tempo de fundação do terreiro coincide com o tempo de dirigência, o que indi-ca que a grande maioria destas pessoas abriram seus próprios terreiros.

Gráfico 2:

A maioria dos entrevistados (77%), respon-deu que o terreiro foi fundado por ordem espiritual. Apenas 8% responderam que foi por sucessão e 8% por ordem espiritual e sucessão. A porcentagem da resposta “outros” foi de 7%, que se referem a motivações pes-soais.

O fato de a maioria responder que a fundação foi por ordem espiritual parece indicar que as decisões do Astral preval-ecem. Por outro lado, se esta decisão não é compartilhada pelo pai (mãe)-de-santo pode indicar que é uma ordem espiritual apenas das próprias entidades, não com-partilhada pelas entidades do pai (mãe) espiritual.

Apesar de não haver uma sucessão direta entre pai e filho, 75% dos entrevistados afirmaram que sua formação espiritual adveio de seu pai ou mãe-de-santo. For-mações via cursos, pelo astral e outros tiveram porcentagens menores:

Gráfico 3:

Deste modo, pode-se pensar que em algum momento da vivência espiritual junto com o pai (mãe) espiritual ocorreu algo que desencadeou uma ruptura que levou a pessoa a abrir seu próprio ter-reiro. Neste questionário não foi possível compreender o que desencadeou esta ruptura. Isso motivou que o tema fosse abordado no próximo questionário.

Obteve-se que a maioria teve um ou dois pais ou mães-de-santo.

Gráfico 4:

A maioria dos entrevistados (72%) respon-deu que tem pai ou mãe pequena em seu terreiro.

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Gráfico 5:

59,02% dos entrevistados responderam ter um consenso sobre a sucessão espiri-tual. Deste modo, pode-se observar que o número de terreiros que possuem pai (mãe) pequenos é maior que o número de terreiros que sabem sobre a sucessão, indicando que o fato de formar um filho pai (mãe) pequeno (a) não implica que ele vai ser o sucessor do terreiro. Mas deixou como questão para o próximo questionário investigar se o pai (mãe) pequeno (a) é candidato (a) sucessor (a) ou não.

Quando interrogados se já têm defini-dos os critério de sucessão, 34% dos entrevistados afirmaram que se trata de uma decisão da entidade espiritual, 13% afirmaram que é uma decisão do pai ou mãe espiritual e 11,48% responderam outros.

A quantidade de questionários sem res-posta nesta questão foi grande (42%) e coincide com o número de pessoas que responderam não haver consenso sobre a sucessão na questão anterior. Não haver consenso não significa que não se tenha os critérios de escolha já definidos. Essa questão parece indicar erro na aplicação do questionário e sugere que isto pos-sa aparecer de maneira mais clara nos próximos resultados.

Gráfico 6:

Sobre filiação em federações umbandis-tas, a maioria dos entrevistados respon-deu que seu terreiro é filiado.

Tabela 1:

Na questão seguinte, se o terreiro já foi filiado, 36,07% responderam que sim, 31,15% responderam não. A quantidade de questionários sem informação é grande e dificultou a compreensão dos dados. Se não fosse a alta freqüência da categoria sem informação, poder-se-ia entender se houve um aumento ou uma diminuição das filiações. Devido a isso, fez-se ne-cessária uma nova formulação no ques-tionário.

Tabela 2:

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A maior parte dos terreiros nunca teve seu nome alterado (85,25%) e a maioria tem registro civil (86,89%).

Na pergunta “O Templo / Terreiro é no mesmo local da residência do dirigente espiritual não houve unanimidade, sendo 45,90% dos terreiros na residência do di-rigente e 54,10% não.

O fato do terreiro se localizar na própria residência do dirigente é bem conhecido e pode estar relacionado ao fato de que a Umbanda é uma religião descentralizada. No período da ditadura militar no país, os umbandistas eram perseguidos e os ter-reiros fechados pela polícia. Suas práti-cas religiosas eram consideradas crimes, previstos por leis que legitimavam esta perseguição. Nesta época ter o terreiro em casa era ante de mais nada uma es-tratégia de sobrevivência de suas práti-cas religiosas, configurava-se como uma maneira possível de continuar exercendo suas atividades.

Tabela 3:

1. Processo Espiritual e Hierarquia

Este tema está sendo apresentado primeiro, pois é de grande importân-cia para todas as discussões realizadas neste trabalho, permeando todas elas. A importância atribuída a ele se justifica pelo posicionamento ético e vivencial, ou seja, “desde dentro” assumido pela Es-cola de Síntese ¹.

Propõe-se que o sagrado é a espiri-tualidade inerente a todo ser huma-no e vivente em seu interior (Rivas, 2002, 2003).

Deste modo, a vivência nos rituais bem como a convivência com o pai-de-santo despertam gradualmente nas pessoas a percepção espiritual por meio do auto conhecimento.

Nesta escola este processo é denominado iniciação. Esta denominação é encontra-da também em outros setores filosófico-religiosos como o candomblé – religião aparentada da Umbanda – e em algumas religiões orientais.

Na Umbanda, em geral, esta nomencla-tura não é utilizada, mas o processo de desenvolvimento espiritual apresenta o mesmo sentido: conhecer-se e realizar-se tanto nos aspectos espirituais como materiais, uma vez que ambos estão di-retamente relacionados.

Entende-se que as decisões tomadas no terreiro vêm “de cima para baixo”, ou seja, as entidades é que orientam e ensi-nam os homens e não o contrário. Mesmo porque, se fosse o contrário, não teria sentido elas incorporarem nos médiuns. Este é o primeiro aspecto da hierarquia existente na Umbanda, proposto por Matta e Silva e Rivas e expresso em todas as suas obras. As entidades que se manifestam nos ter-reiros são consideradas seres espirituais que possuem estado consciencial mais amplo - o que alguns denominariam como “mais evoluídos”. Estes seres não encar-nam mais e atuam nos terreiros auxili-ando as pessoas no desenvolvimento de sua espiritualidade. Entende-se que elas atuam na sociedade toda e não apenas nos terreiros, pois auxiliam todas as pes-soas indistintamente, não havendo privi-legiados.

Outros autores como Brown (1985); Bir-man (1985); Prandi (2001) e Fry (1982) apud Birman (1985) também afirmam isso. Por meio de pesquisas sociológicas,

_________________________________________________¹A Escola de Síntese está ligada ao Templo OICD e dirigido por Francisco Rivas Neto (Pai Rivas), também diretor da FTU.

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apontam que as entidades representam sabedoria e força para os médiuns e consulentes que buscam ajuda nos ter-reiros.

Outros autores como Brown (1985); Bir-man (1985); Prandi (2001) e Fry (1982) apud Birman (1985) também afirmam isso. Por meio de pesquisas sociológicas, apontam que as entidades representam sabedoria e força para os médiuns e consulentes que buscam ajuda nos ter-reiros.

Por outro lado, alguns autores como Maggie (1991), Seiblitz (in Brown, 1985) e Negrão (1996) ao mesmo tempo que afirmam a existência de uma hierarquia vertical nesta religião, apontam para a possibilidade de inversão desta hierarquia. As primeiras autoras admitem nas enti-dades atributos humanos como ódio e inveja, bem como alegando que muitas vezes as entidades “compram” as bri-gas, as demandas de algumas pessoas guerreando entre si e contra os inimigos destas pessoas. E o terceiro autor afirma que esta relação oscila entre domínio e submissão, marcada muitas vezes por desconfiança e desrespeito dos médiuns em relação às entidades.

Esta possibilidade de inversão na hierar-quia espiritual ou mesmo de atribuições de características humanas negativas às entidades que atuam nos terreiros é uma questão muito séria. Tais afirmativas po-dem refletir leituras generalizantes de alguns autores, que a partir do estudo pontual de um terreiro ou alguns ter-reiros, sugerem que todos os demais tenham as mesmas características.

Diante de tal problemática, cabe relem-brar que uma pesquisa deste tipo é sem-pre um recorte, ou seja, ela pode expli-car apenas alguns dados referentes a um determinado grupo em um determinado momento.

Mas pode ser que esta seja a realidade de muitos terreiros, o que resultaria na necessidade de maior seriedade dos

dos umbandistas, pois a Umbanda é uma religião que preza pela liberdade, mas esta liberdade deve estar acompanhada de seriedade e compromisso por parte dos umbandistas.

Esta discussão indica a necessidade de aprofundar as questões sobre este tema no questionário a fim de melhor delinear a posição dos umbandistas sobre o as-sunto. Mas tendo-se em vista que este estudo também é apenas um recorte, pois se circunscreve ao município de São Paulo.

2. Pai-de-Santo e Linha de Transmissão

O outro aspecto da hierarquia ocorre nas relações entre as pessoas que pertencem a um terreiro. A maior autoridade espiri-tual é atribuída ao pai ou mãe-de-santo.

Somente alguém realmente preparado é ca-paz de contribuir para o desenvolvimento espiritual de outras pessoas. Além disso, tra-ta-se de uma tarefa que exige muita respon-sabilidade:

Uma pergunta importante a se fazer é: Quando e por quê um médium sai de uma casa para abrir a sua própria casa?

“(...) o modelo de liderança da umbanda tem muito do candomblé, em que todo o poder - verdade e preceito - está nas mãos do pai ou mãe-de-santo e emana do deus ou espírito que o cavalga, cada um em seu terreiro (...). A liderança, o governo espiritual, é aceita como desejo e determinação da divindade e do encan-tado” (Prandi, 2001, p. 59).

“Outrossim, o aparelho-chefe de uma Casa umbandista é sempre considerado o principal responsável pelos resultados negativos de qualquer ação que ele seja intermediário, bem como quaisquer dis-túrbios que um médium sofra em seu desenvolvimento, não sendo levado em conta que este seja relapso, não cum-pridor de seus deveres e preceitos que lhe-são determinados (...) (Matta e Silva, 1996, p.218)”.

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As razões parecem ser as seguintes: o pai-de-santo faleceu e o terreiro não teve continuidade; o pai-de-santo faleceu e o médium não aceitou ser filho espiritual do novo dirigente; foi uma decisão do próprio pai-de-santo - juntamente ou não com as entidades - que este filho estava prepara-do para abrir seu próprio terreiro; foi uma decisão das entidades juntamente ou não com o pai-de-santo que ele deveria assim prosseguir; foi uma decisão do filho-de-santo sem o consentimento de seu pai ou mãe espiritual.

A situação que mais parece adequada é aquela na qual há um consentimento en-tre pai ou mãe espiritual e seu filho de que ele deve abrir seu próprio terreiro uma vez que ambos consideram que es-teja preparado para isso. E certamente, as entidades de ambos também devem estar em pleno acordo. Inclusive, os dois podem continuar mantendo uma amizade. “Uma vez Mestre será sempre Mestre”.

A relevância deste tema se deve ao fato de que muitos tentam perpetuar no imaginário da sociedade a visão de que os umbandis-tas são pessoas imorais e fetichistas, contri-buindo para a manutenção do preconceito.

Isto tem uma explicação. A Umbanda pa-rece se configurar como uma ameaça ao status quo da sociedade, uma ameaça para aqueles que detêm o poder político e o poder religioso. Dada sua estrutura descentralizada e a ausência de padroni-zação dos rituais e da liturgia ela possi-bilita relações de igualdade e respeito, que se levadas a cabo podem alterar a estrutura da própria sociedade, baseada nas desigualdades sociais.

Esta descentralização não descaracteriza a religião, pois em meio à diversidade, alguns aspectos são comuns a todos os terreiros. Em todos se pode encontrar as entidades trabalhando - seres espirituais sem corpos físicos - que se manifestam nos médiuns por meio da incorporação ou mediunidade. São os caboclos, pretos-velhos, crianças,

crianças, exus, pomba-giras, baianos, boiadeiros, marinheiros e outras. Ainda em relação aos elementos rituais, tem-se o uso de ervas e velas, os pontos risca-dos, as oferendas, a música ritualística, a dança e a relação estreita com a natureza. E nos aspectos doutrinários, a devoção e o respeito pelos Orixás e entidades.

A descentralização ocorre à medida que cada terreiro se organiza de uma deter-minada maneira em torno destes elemen-tos mencionados acima, resultando na existência de diferentes escolas.

A idéia de escola foi proposta por Rivas Neto. Este conceito se refere aos diferen-tes modos de fazer Umbanda, são as di-versas releituras possíveis que os terreiros fazem. As três matrizes formadoras da Umbanda podem ser consideradas como três grandes escolas. Além disso, para se constituir como uma escola deve haver uma transmissão por meio de linhagem, ou seja, um pai ou mãe de santo passa sua doutrina, método e ética para um de seus filhos que continua o trabalho iniciado. É claro que por ser uma unidade aberta, sempre vai haver mudanças, mas o mais importante é a estrutura transmitida pelo pai ou mãe-de-santo. Esta Escola ou esta Raiz, como também pode ser denominada foi transmiti-da por WW da Matta e Silva, mestre espiritual ou pai-de-santo de Rivas Neto (video-aulas e textos no site da FTU e vídeos e textos no link blog Espiritualidade e Ciência).

A diversidade nos terreiros de Umbanda sem-pre existiu e é a maior riqueza desta religião. O conceito de escola proposto por Rivas Neto tem como objetivo justamente evidenciar e legitimar esta diversidade e com isso possi-bilitar a convivência pacífica. Há alguns anos atrás, a relação entre os terreiros era de con-vivência pacífica e amizade. Foi com o ad-vento das federações e a tentativa de codi-ficação que isso se perdeu. Mas como será mostrado adiante, os umbandistas resistiram a esta tentativa de codificação. Neste sen-tido, pode-se falar em retomar a convivência pacífica que já existia.

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Em relação ao questionário aplicado, foi feita uma remodelação das questões so-bre o tema a fim de aprofundar e melhor delinear os motivos que levam um médi-um a abrir seu próprio terreiro e o que acontece na relação entre ele seu pai ou mãe-de-santo.

3. Estrutura do terreiro

Poucos são os estudos de campo em terreiros de Umbanda. Dentre eles destacam-se dois: uma pesquisa realizada por Lísias Negrão em 1996 e outra realiza-da por Ivone Maggie em 2001. O primeiro consiste em uma pesquisa qualitativa em 61 terreiros do município de São Paulo por meio de entrevistas abertas. O segundo é um estudo de caso de um único ter-reiro que utilizou como método o drama social.

Apesar de ser um trabalho relativamente antigo, serão utilizados nesta discussão os dados apresentados por Negrão. Os dados obtidos na pesquisa que ele realizou revelam que a maioria dos terreiros se lo-caliza dentro das dependências da casa: na sala, em um quarto, na cozinha, no quin-tal. Em outros, o terreiro possui um es-paço reservado, que só é utilizado para as giras. Normalmente, depois de um perío-do funcionando dentro da casa constrói-se um barracão no quintal ou em pavi-mento acima da casa (p. 194). São raros os terreiros que têm endereços próprios, diferentes do endereço residencial do pai-de-santo. Dentre os terreiros de periferia não foi encontrado nenhum. Entre os de classes inferiores, 10% e entre os ter-reiros de classe média, 41,8%.

Além disso, quando o dirigente muda de residência, seja dentro do próprio município, seja para outra região o terreiro também muda. Isto ocorre especialmente nos terreiros mais pobres, cujas condições sócio-econômicas de seus dirigentes são mais instáveis e precárias.

Porém, aqueles que conseguiram formar um grupo maior de sustentação, seja de amigos, apresentam maior estabilidade.

Estas questões são importantes e sugerem a introdução de uma questão relativa à condição sócio-econômica e outra que especifique o tipo de instalação do terreiro quando o mes-mo funciona dentro da casa do dirigente.

4. Federações

Pode-se afirmar que muitas são as religiões que recebem várias influências em sua for-mação. Mas ocorre que, a maioria delas, em um determinado momento passa por um pro-cesso de unificação com a padronização da doutrina e dos rituais. Nas religiões abrâmi-cas: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo este processo de unificação aconteceu a partir de uma estruturação em torno de um messias e de um livro sagrado.

Assim, a Umbanda é uma religião que preser-vou esta diversidade de sua origem até a atu-alidade. E hoje, na sociedade moderna, mais do que nunca, esta característica é muito im-portante.

A diversidade é apontada como uma caracter-ística fundamental da Umbanda por diversos autores e isso se deve ao fato de não existir um processo de centralização de poder e que mesmo com as tentativas de codificação feitas pelas federações, os umbandistas resistiram. (Matta e Silva, 1996; Rivas, 2002; Brown, Concone e Seiblitz in Brown, 1985; Birman, 1985, Negrão (1996), Maggie (1991).

Brown (1985) afirma que

“(...) a Umbanda resistiu à unificação, à codificação, à institucionalização, e neste sentido continua sendo uma re-ligião “popular”. Embora retirando muito da sua coloração política da ditadura de Vargas e, mais tarde, da ditadura militar, a Umbanda resistiu às fortes tendências centralizadoras desses dois regimes (...) A Umbanda deixou muito espaço à ativi-dade autônoma e à inovação entre seus participantes , o que produziu um espírito extremamente inovador, que tornou-se a marca característica desta religião (...) (p.41-42).

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A cultura negra e a cultura indígena são combatidas desde o início da colonização como forma de manter estes povos subal-ternos à cultura branca. Diversas estraté-gias foram utilizadas para isso, desde as mais sutis por meio de ideologias até as mais explícitas como uso da força física e confiscação de objetos. E assim aconte-ceu também nas práticas religiosas. O Código Penal do período republicano, de 11 de outubro de 1890, pode ser con-siderado o marco da repressão institu-cionalizada. Os artigos 156, 157 e 158 proibiam, respectivamente, o exercício ilegal da medicina; a prática da magia, espiritismo e seus sortilégios; e o curan-deirismo. Estes instrumentos legais pos-sibilitavam a acusação, o enquadramento legal e as penas, a medicina tornava-se hegemônica nas práticas de cura e isto justificava a perseguição aos terreiros.

No período pós-abolicionismo, as autori-dades policiais, mas também as sanitárias se ocuparam de coibir as práticas religio-sas do curandeirismo.

Com o advento da República após 1900, não podendo mais ser combatidas pelo próprio governo, as religiões afro-brasilei-ras passam a ser perseguidas pela igreja católica.

Em 1908 surgem as noções de alto es-piritismo e baixo espiritismo. Constrói-se uma relação entre o que é branco e mor-alizador com o alto espiritismo e o que é negro e imoral com o baixo espiritismo. Ao primeiro se relaciona a noção de re-ligião-ciência e ao segundo a noção de magia-superstição. O primeiro protegido pelo Estado o segundo não. Um legítimo, outro não (Giumbelli, 2003).

Desde então, terreiros eram visitados pela polícia, que interrompia os ritos, confis-cava objetos ritualísticos e fechava estes terreiros. Muitas vezes, chegava a prender participantes. Por isso, era muito comum que os terreiros funcionassem dentro das casas das pessoas, às escondidas.

Durante o período do Estado Novo, entre 1937 e 1945, sob a ditadura de Getúlio Vargas, grupos religiosos e sociais sofre-ram repressão juntamente com as orga-nizações políticas de esquerda, mesmo que não desempenhassem atividades de cunho político. Segundo uma lei de 1934, os praticantes das religiões afro-brasileiras, os maçons, os kardecistas foram obrigados a ter registro nos departamentos de polícia locais para que pudessem funcionar. Estas práticas religiosas estavam enquadradas juntamente com problemas como álcool, drogas, jogo ilegal e prostituição. Este tipo de regulamentação continuou obrigatório até 1964. Assim, ao mesmo tempo que a lei regulamentava ainda continuavam as repressões.

Em meio a tudo isso, em 1939 foi criada aprimeira federação umbandista por Zelio de Moraes e outros umbandistas denomi-nada União Espírita da Umbanda do Brasil com o objetivo de proteger os terreiros a ela filiados contra as investidas policiais. Nesta mesma época, tem início a criação de várias federações por todo o país com o objetivo de fortalecer e legitimar esta religião. A principal tarefa das federações era auxiliar os dirigentes de terreiros a obter o registro no cartório, mas a maio-ria deles não sabia que não precisavam da intermediação das federações para se registrar, eles mesmos poderiam fazê-lo. Ofereciam acessória jurídica aos terreiros filiados e, além disso, organizavam festas e encontros. Para tanto, cobravam men-salidades e ofereciam diplomas todos os anos. E a não renovação implicava ces-sação dos registros.

As federações possuíam caráter competi-tivo e disputavam entre si qual tinha o maior número de filiados. Muitos de seus líderes estavam envolvidos na política e usavam as federações como forma de as-censão política.

As atividades das federações não muda-ram muito desde seu início até os dias atuais.

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Deste modo, pode-se afirmar que mes-mo diante da investida das federações na tentativa de codificar a Umbanda, isso nunca aconteceu e parece que as chances de acontecer são cada vez menores da-das às condições sócio-políticas no Bra-sil nos últimos anos. O Brasil é um país laico. Não há mais perseguição policial há muitos anos. Portanto não há um perigo eminente que justifique seu crescimento e a adesão dos umbandistas. A deslegitimidade ainda existe como resquí-cio de sua história e devido ao fato de que a Umbanda ainda ameaça os interesses políticos daqueles interessados em manter o status quo, dada sua estrutura descen-tralizada e seus valores de liberdade e res-peito pelas diferenças.

Neste sentido, o conceito de escolas pro-posto por Rivas tornou-se um instrumen-to valioso para a reflexão dos umbandis-tas sobre a estrutura desta religião e um instrumento capaz de combater no nível discursivo as tentativas de desmoraliza-ção da Umbanda bem como as tentativas de codificação.

Esta união dos terreiros acontece ainda por meio do contato constante entre os dirigentes, as visitas regulares aos outros terreiros e uma amizade profunda que vai se construindo nestas relações.

5. Novo modelo de questionário

Conforme se afirmou anteriormente, o questionário “Linha de Transmissão” foi alterado em alguns aspectos a fim de ga-rantir maior compreensão e análise dos dados. Ele será aplicado aos dirigentes de terreiros do município de São Paulo por telefone. No entanto, levantar-se-á o número de terreiros do município de São Paulo a fim de convidar para participar desta pesquisa uma quantidade estatis-ticamente significativa de dirigentes. A escolha de terreiros se dará por sorteio visando garantir imparcialidade, ou seja, não serão escolhidos os terreiros que par-ticiparão.

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Tem-se a seguir o novo modelo.

1) Nome do Templo / Terreiro

2) Nome e RG do dirigente espiritual

3) Nome sacerdotal (djina)

4) Faixa etária:

[ ] menos de 20 anos [ ] 20 a 25 anos [ ] 25 a 30 anos [ ] 30 a 35 anos [ ] 35 a 40 anos [ ] 40 a 45 anos [ ] 45 a 50 anos [ ] 50 a 55 anos [ ] 55 a 60 anos [ ] acima de 60 anos.

5) Qual sua cor / etnia?

[ ] branco [ ] negro [ ] amarelo [ ] pardo 6) Qual seu grau de escolaridade?

[ ] Ensino fundamental incompleto [ ] Ensino fundamental completo [ ] Ensino médio incompleto [ ] Ensino médio completo [ ] Ensino superior incompleto [ ] Ensino superior completo [ ] Outros

7) De acordo com seu padrão de vida, considera-se pertencente a qual classe social?

[ ] Classe baixa [ ] Classe média [ ] Classe alta

8) De acordo com o padrão de vida de seus filhos, considera que a maioria deles pertence a qual classe social?

[ ] Classe baixa [ ] Classe média [ ] Classe alta [ ] Outros ___________________.

9) Há quanto tempo dirige o Templo / Terreiro?

[ ] até 5 anos [ ] 5 a 10 anos [ ] 10 a 15 anos [ ] 15 a 20 anos [ ] 20 a 25 anos [ ] 25 a 30 anos [ ] mais de 30 anos

10) Em qual região de São Paulo se lo-caliza o Templo / Terreiro?

[ ] Norte [ ] Sul [ ] Centro [ ] Leste [ ] Oeste 11) Quantos filhos espirituais possui atu-almente?

[ ] até 5 [ ] 5 a 10 [ ] 10 a 20 [ ] 20 a 30 [ ] 30 a 40 [ ] 40 a 50 [ ] 50 a 60 [ ] 60 a 70 [ ] 70 a 100 [ ] 100 a 200 [ ] Mais de 200

12) Qual (is) destes aspectos mais con-tribuiu (contribuíram) para sua formação espiritual?

[ ] Aprendizado com meu (s) pai(s) ou mãe (s)-de-santo [ ] Aprendizado com as entidades [ ] Cursos [ ] Outros. Quais?___________.

13) Quantos pais / mães-de-santo teve? [ ] 1 [ ] 2 [ ] 3 [ ] 4 ou mais

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14) Como foi fundado o seu Templo / Ter-reiro? [ ] Meu pai espiritual faleceu e o terreiro fechou, então abri meu próprio terreiro [ ] Meu pai espiritual faleceu e eu não gostava da pessoa que assumiu, então abri meu próprio terreiro [ ] Foi uma decisão do próprio pai-de-santo juntamente com suas entidades, por considerarem que eu estava prepara-do; [ ] Foi uma iniciativa minha com o consentimento do meu pai (mãe)-de-santo e nossas entidades; [ ] Foi uma iniciativa minha sem o consentimento do meu pai (mãe)-de-santo e nossas entidades. [ ] Outros. Quais?____________. 15) Assinale qual (is) influência (s) seu terreiro possui:

[ ] Africana [ ] Indígena [ ] Católica [ ] Kardecista [ ] Oriental [ ] Outras. Quais?___________.

16) Há pai / mãe pequeno (a) no Templo / Terreiro? [ ] Sim [ ] Não

17) Já há consenso sobre a sucessão espiritual do Templo / Terreiro?

[ ] Sim [ ] Não [ ] Não quero que haja sucessão A questão 18 será respondida somente por quem afirmou sim ou não na questão 17.

18) Qual ou quais o (s) seu (s) critério (s) para a escolha? [ ] É uma decisão minha [ ] É uma decisão da entidade es-piritual [ ] É uma decisão de ambos [ ] Provavelmente será o pai (mãe) pequeno (a) [ ] Não sei ainda [ ] Outros. Quais?____________.

19) O Templo / Terreiro já foi filiado a al-guma Federação?

[ ] Sim [ ] Não

20) Atualmente é filiado? [ ] Sim [ ] Não 21) O Templo / Terreiro é no mesmo local da residência do dirigente espiritual? [ ] Sim [ ] Não

22) O Templo / Terreiro já teve seu nome alterado?

[ ] Sim [ ] Não 23) O templo / Terreiro possui registro civil? [ ] Sim [ ] Não

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AFTU (Faculdade de Teologia Um-bandista) – primeira faculdade de teologia das religiões afro-brasileiras

do mundo – autorizada e credenciada pelo MEC (Ministério da Educação) realizou, no dia 23 de outubro o seu tradicional Rito de Exu - O Guardião da Era Dourada das Encruzilhadas da Vida e do Destino. O rito, sempre significativo, ficou marcado pela grande presença popular e sacerdotal.

Mais de duas mil pessoas estiveram pre-sentes para confraternização e louvação de Exu. Também estiveram presentes

sacerdotes e sacerdotisas de todas as regiões do país e sacerdotes do MERCO-SUL (Uruguai) que muito nos honraram.

Todos os Estados do Sul (Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina); do Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais); do Centro-Oeste (Mato Grosso, Goiás); do Norte (Amapá); Nor-deste (Ceará, Piauí, Alagoas, Pernam-buco) estavam lá na FTU e participaram ativamente do Rito. Cada um com as suas diferenças, cada um carregando a sua Tradição; porém todos dialogando pe-

O Rito de Exu na FTU: Um rito para marcar a História

Exó do Exu Sr...O enredo do ritual-Exu se apresenta como transportador e distribuidor do Axé, por intermédio das folhas mágicas (17) que Ossaim lhe outorgou, se-gundo os desígnios de Orumilá Ifá – O Orixá da Sabedoria e do destino.

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O Oparerê (osun), o bastão magístico do Babalawô, estava encimado por uma cabaça semi-aberta, de onde emergiam 16 coquinhos de dendê – os ikinifá (de 3 ou 4 olhos) guardados pelas folhas de peregun – folhas do Orixá Ogum, que assim como Exu vai à frente, é asiwaju.

Sacerdotes aguardando o início do rito em uma das salas de aula da FTU que foi transformada em sala de recepção

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los seus pontos de semelhança os quais Pai Rivas, com sua sabedoria e vivência sacerdotal, conseguiu concretizar no ritual. Afirmamos com alegria e plena convicção que não só ouvimos naquele dia sobre con-vivência pacífica, nós a vivenciamos.

Alguns irmãos poderiam nos perguntar como a FTU conseguiu reunir tantas pes-soas em número, pois foi o rito com o maior número de presentes; e represen-tação, várias Escolas de vários locais do Brasil e fora dele. A resposta é simples. Es-tes nobres pais e mães de santo já conheciam o trabalho sério que é desenvolvido pela FTU. Muitos participaram das vídeo-conferências com Pai Rivas pela FTU, alguns também são coordenadores de pólos telepresenciais dos cursos de extensão. Estes dirigentes se

O Oparerê (osun), o bastão magístico do Babalawô, estava encimado por uma cabaça semi-aberta, de onde emergiam 16 coquinhos de dendê – os ikinifá (de 3 ou 4 olhos) guardados pelas folhas de peregun – folhas do Orixá Ogum, que assim como Exu vai à frente, é asiwaju.

deslocaram quilômetros, pois acreditam na proposta da FTU. Confiam e trabalham firme pela causa em uma parceria que respeita as diferenças e valoriza as semelhanças.

A ação promovida pela FTU com a pre-feitura de SP foi um dos destaques. A faculdade formalizou e foi atendida pela CET-SP (Companhia de Engenharia de Tráfego) para o fechar a Avenida Santa Catarina no trecho onde ela está localiza-da. Isto mostra um diálogo pacífico com o poder público. Esta ação muito bem or-ganizada rendeu frutos para o rito. Tão logo o Exu ... incorporado no Pai Rivas chegou no reio, levou toda a comunidade para a rua. E uma vez lá, em perfeita se-gurança garantida pelas firmezas da casa e o apoio da prefeitura de São Paulo, to-

Sacerdotes e Sacerdotisas adentrando o templo para início do Ritual

Pai Rivas momentos antes do transe mediúnico

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Pai Rivas fala ao público presente e aos internautas, pois o evento foi transmitido ao vivo pelo sítio eletrônico da FTU. O salão ritualístico da faculdade estava lotado.

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dos os presentes dos dois lados da vida vivenciaram um rito de Axé.

O Exu... provou mais uma vez que os An-cestrais da Kimbanda são o povo da rua. Mas a rua em um sentido mais profun-do do que se possa inicialmente imagi-nar. A rua é o lugar onde todos transitam independente das condições sociais ou econômicas. Quem está “preso” não pode caminhar na rua. Logo, Exu trabalhou pela liberdade e inclusão total. No ato rito-litúrgico de trabalhar na rua, Exu também nos ensina que o templo para as entidades não está limitado por quatro paredes. O terreiro da Umban-da e da Kimbanda é o próprio mundo.

Pomba-gira no reino. Pomba-gira vem para dançar, vem para girar e vem para guerrear

A segunda parte do rito foi realizada no templo da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino localizado na rua localizado na Rua Chebl Massud, 157 - São Paulo-SP. O terreiro também ficou lotado

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Exu Sr... na rua juntamente com os demais Exus e Pomba-gira. Todo o público presente foi para a rua celebrar com Exu a liberdade.

Exu Sr... volta ao reino para dar continui-dade aos trabalhos espirituais.

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Exu Sr... volta ao reino para dar continui-dade aos trabalhos espirituais.

Próximo das seis horas da manhã, Exu evoca a união e a paz dentro das re-ligiões Afro-brasileiras para que elas possam colaborar com a paz mundial.

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A Questão do Gênero nos Cultos Afro-Brasileiros

Patricia Birman

Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de JaneiroProfessora Titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Eu gostaria de primeiramente agra-decer muito ao convite, pedir descul-pas porque a minha voz está falhando

um pouco e agradecer também o fato de eu ter tido a oportunidade de escutar os meus colegas antes de minha fala. É sempre um prazer para mim participar de debates acadêmicos como este. Para mim este tem um caráter especial porque é a primeira vez que eu falo numa Faculdade de Teologia Umbandista. É uma honra e é também um desafio porque isso quer dizer que a partir de agora vou ter a viva voz interlocutores que até o momento não pude contar assim. Então, agradeço a todos vocês e à organização deste con-gresso.

Vou falar a partir da única condição que tenho para falar, que é a condição de an-

tropóloga. Gostaria de dizer que neste momento reparando na minha vinda aqui fui pegar os meus primeiros trabalhos. O meu primeiro trabalho na vida acadêmi-ca foi sobre a Umbanda. Eu cometi um pequeno livro O que é Umbanda. É um nome muito pretensioso, que não foi dado por mim, porque participou daquela co-letânea “Primeiros Passos” da Brasiliense. E eu pude ver também com agrado e um certo desagrado também que ele está fa-zendo vinte e cinco anos esse ano e aí os anos passam e as ideias precisam ser revistas.

De qualquer forma, esse pequeno livro me serviu um pouco como roteiro para falar aqui para vocês. Na antropologia, nós temos um conceito que a mim par-ticularmente tem sido fundamental para

Texto transcrito a partir de conferência proferida pela autora no I Congresso de Umbanda do Século XXI no ano de 2008 sem revisão da mesma

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compreender a vida religiosa na socie-dade brasileira, que é um conceito que não tem um conteúdo próprio, mas ele permite trabalharmos que é a noção de pessoa não é uma noção universal, mas ela é trabalhada, ela é inventada, construí-da pela sociedade pelas diferentes formas cul-turais de pensar a presença do homem no mundo. O autor que primeiro trabalhou essa noção de pessoa, o Marcel Mauss, é um autor francês, foi muito rico porque ele mostrou pela primeira vez o quanto a sociedade ocidental cultivava um enorme preconceito pelo fato de não entender que diferentes culturas não partilhavam a mesma noção de pessoa que o Ocidente cristão. Isso abriu uma porta gigantesca para a antropologia. A antropologia começa a pensar de uma forma menos etnocêntri-ca sobre as culturas existentes no mundo, pois, afinal, é esse o seu objetivo. Eu acho que a noção de pessoa é essencial para pensar não só o próprio cristianismo, ou seja, as diferentes noções de pessoa que o cristianismo abriga que não podem ser reduzidas a uma, embora em geral se declinam sobre o mesmo princípio e um número fantástico de noções de pessoa provenientes de outras tradições não oci-dentais ou de tradições que se alimentam ou dialogam com o ocidente, como é o caso da umbanda e de outras religiões mediúnicas e de possessão no Brasil.

A ideia básica do cristianismo é a ideia da tradição da pessoa ser percebida como construída de uma forma una, quer dizer, ela tem uma unidade substancial que é feita à imagem e semelhança de Deus. Essa pessoa, embora ela possa ter em seu interior estâncias reconhecidas como diferenciadas, o princípio da unidade prevalece sobre a multiplicidade que ela pode encontrar nela mesma.

O esforço do cristianismo é sempre ten-tar manter a unidade da pessoa e, de al-guma maneira, classificar como desvios pecados, diferenças a serem trabalhadas o que de alguma maneira pertuba essa unidade.

Essa pessoa única, ou melhor, una do cris-tianismo não foi pensada de uma única maneira. Embora mantendo esse princípio da unidade, a relação dessa pessoa com o divino e com o saber natural no cris-tianismo também se diferenciou muito, vide o que a Reforma nos colocou. A Re-forma disse que a pessoa só teria acesso ao divino sem ter qualquer instrumento de mediação sem ser ela mesmo para en-contrá-Lo. Ela estaria sozinha diante de Deus e o seu destino caberia a ela reger. O mundo protestante esvaziou da pessoa acessos que o mundo medieval sempre cultivou. Esse mundo protestante não é o mesmo que o mundo católico que dia-loga fortemente com a tradição mediúni-ca, umbandista, candomblecista e outras. Nessas outras tradições, a católica com o primado da unidade mais com o primado da multiplicidade na relação com a pessoa é o campo onde as religiosidades brasilei-ras se desenvolveram. Ou seja, particular-mente no campo da religiosidade que nos interessa aqui que nós temos algo não só presente no catolicismo, que é uma mul-tiplicidade de mediações em relação ao divino – santos, entidades, espíritos de mortos – e graduações diferentes, hierar-quias um mundo sobrenatural rico e com-plexo no catolicismo, como temos no cam-po propriamente mediúnico uma relação íntima e complexa na construção da própria pessoa. Ou seja, se o catolicismo vê a pes-soa separada desse universo, embora em relação com ele, nas religiões mediúnicas e de possessão esse universo mantem na esfera do interior do sujeito. Ele é relacio-nado por dentro e ele também constitui a pessoa. Isso faz uma diferença enorme. A meu ver, é uma diferença extremamente bem vinda porque dá lugar, eu acho, à uma complexidade do ser humano que de alguma maneira a tradição cristã limita no seu acesso.

Essa multiplicidade da pessoa que temos no Espiritismo, na Umbanda, no Candom-blé, na Jurema, em todas outras declina-ções desse campo da mediunidade e da possessão, ela se resolve de diferentes maneiras. Não há uma única concepção de pessoa nesse universo.

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São pessoas muito diversificadas. Nós te-mos correntes de pensamento no interior da Umbanda, como correntes de pensa-mento em outras correntes desse mundo mediúnico em que a natureza das enti-dades, a modalidade das relações com a pessoa que essas entidades possibilitam não são as mesmas. Pode-se ver que isso abriu para a antropologia um cam-po de estudos muito rico e que me deu uma enorme satisfação poder estudar um pouco.

O nosso campo aqui é discutir o que é essa pessoa múltipla em relação ao domínio da sexualidade e do gênero. A primeira questão que vou abordar é o ponto-de-vista da subjetividade das pessoas o que significa essa experiência, ou seja, o que pode significar essa experiência. Eu gos-taria de avisar vocês que eu não estudei essa experiência em todas as modalidades religiosas que esse campo mediúnico e da possessão oferece. Eu tive contato com um certo número delas e eu diria do inte-rior do grupo através do qual eu tive con-tato isso se deu com algumas pessoas. Portanto, é difícil para mim generalizar, mas é possível partilhar como experiên-cias do humano que estão entre nós e, por isso, elas têm validade.

Essa experiência subjetiva da ideia de uma pessoa múltipla é a ideia que você se constitui como pessoa de alguma manei-ra aceitando que dentro de você é capaz de ouvir, de dialogar, de exteriorizar, de interiorizar, de ver como complementar, às vezes, ver como contraditório várias vozes, vários entes que estão nessa rela-ção íntima, exterior, interior com você. Ou seja, uma percepção de si que de alguma maneira nos remete à uma complexidade muito grande do que é esse humano. Uma coisa é dizer que eu sou só a imagem de Deus, outra coisa é dizer que eu mantenho uma relação interior, exterior, múltipla, complexa, contraditória, ambivalente de aceitação, de negação e de negociação com vários entes que são de certa manei-ra meus, mas não somente meus, que são meus mas que eu estou em relação com.

Ou seja, também não são meus, existem a partir de mim, mas não só devido a mim. Esse campo é um campo subjetivamente que oferece de um lado muitas possibili-dades de vida para as pessoas que vivem no campo dessa experiência subjetiva e também muitas dificuldades, muitas dificuldades exploratórias, às vezes mui-tas alegrias e às vezes também muitos sofrimentos. Não é um campo fácil de se lidar. É um campo que, eu acho, que você já pode ter tido em contato com médi-uns o quanto ele é sofrido, o trabalho da mediunidade. O quanto às vezes é duro tra-balhar a mediunidade para que ela se faça de acordo com a noção de sua moral que você quer conservar. O quanto é difícil você de alguma maneira negociar esse campo para apresentar uma imagem de si, conforme você gostaria de apresentar. Ou de você duvidar da própria imagem que você apresenta quando ela não está inteiramente sob o seu controle. Enfim, é um campo complicado.

Esse campo, no entanto, existe uma noção de pessoa que permite existir no mundo pessoas que se pensam segundo princípios culturais que não são os mes-mos de outros indivíduos que obedecem outros princípios. Seria relativamente fácil dizer: são culturas diferentes. Então, a primeira complicação que eu apresen-tei aqui para vocês é que esse mundo do ponto-de-vista subjetivo implica um tra-balho da subjetividade que é diferente do mundo subjetivo daquele que se pen-sa uno, como no caso o cristianismo. Ele tem também uma psicologia que se pen-sa própria. Ele tem desdobramentos do ponto-de-vista psíquico que são próprias a ele. Ele tem experiências sociais que também são diferenciadas.

Eu apresentei rapidamente o que seria isso do ponto-de-vista subjetivo e agora gostaria de passar pelo que seria a ex-periência do ponto-de-vista da ação no mundo. Isso que apresentei como ex-periência subjetiva seria de um outro ponto-de-vista, da ação no mundo, ele oferece outras problemáticas também muito interessantes.

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Como antropóloga, eu tive acesso no meu período de estudos a várias pessoas e várias ritos de umbanda e candomblé em que eu via e percebia, assim como foi chamada para ter consultas com cabo-clos, pomba-giras, com várias entidades em que se colocava para mim e para os outros que observavam questões que diziam respeito não só à vida interior de cada um, mas a forma como as pessoas podiam utili-zar dessas entidades como melhor viverem numa outra esfera de ação. É uma esfera de ação no mundo, ou seja, como você pode usar esse modo de ser a favor de si mesmo e a favor dos outros, que é a questão que o médium se coloca e a questão que o cliente, o consultante, que pediu uma consulta, se coloca também. É nessa esfera de ação que se pode ver um campo de uma enorme complexidade. Primeiro, porque o campo da mediunidade é um campo também atravessado por muitas classificações. As entidades são classificadas de formas variadas. Não cor-respondem exatamente no mundo múlti-plo a uma única imagem. Você tem des-dobramentos, você tem tipos. Você tem um sistema em que cada entidade possui uma natureza própria, que cada pessoa tem uma entidade que a singulariza no interior do tipo a que ela pertence. Então, uma pomba-gira não é só uma pomba-gira que é um tipo. É uma pomba-gira como a Maria Padilha, é uma pomba-gira que é minha e com a qual eu convivo há quase vinte anos. Não é a mesma coisa. Idem por um caboclo e assim vai.

Então, o que essa Maria Padilha pode me dizer sobre a minha ação no mundo? Ela pode me dizer várias coisas. Depende do que ela é, depende da minha relação com ela, depende dos clientes com os quais ela se relaciona. Ou seja, é um mundo que oferece um campo de mutação e de negociação muito pronunciado. Não é um mundo de verdades únicas. É um mundo em que a negociação com as entidades está o tempo todo se fazendo presente. E nessa negociação uns e outros estão se modificando; uns e outros estão mudan-do os seus valores.

Uns e outros estão ganhando formas dife-rentes de agir que não estariam ganhando não fosse esse diálogo com as entidades.

Também fica diferente eu fazer uma con-sulta, não preciso consultar uma única en-tidade, posso consultar vários e o tipo de conselho que vou receber é muito diferente de uma para outra. O tipo de moralidade de uma não é o mesmo de outra. O tipo de conhecimento que eu tenho de uma também difere. Então, eu tenho as minhas preferidas. Eu vou construir o meu perfil pessoal em função desses meus aces-sos. A minha constituição como pessoa no mundo com a minha forma de agir está profundamente embricada nas relações que eu mantenho com essas entidades seja como cliente, seja como médium. E essas duas relações a gente sabe que são momentos, alguém que a gente pode consultar num dia e pode dar consulta no outro. São lugares que se alternam.

Pode-se ver esse mundo da ação a partir de uma característica que é muito interes-sante que diz respeito a essa relação que as entidades possuem com o mundo dos vivos. Por muito tempo, a psicologia oci-dental tentou reduzir esse mundo a uma espécie de caminho ilusório que a pessoa do tipo cristão ocidental seria. A mediuni-dade seria uma ilusão, um caminho falso para a verdadeira pessoa que seria uma. Isso é uma psicologia de antigamente, mas digamos que ela tem os seus seguidores.

Se se pensar de um outro ponto-de-vista, que é o meu, o antropológico, eu diria que essa relação com as entidades coloca em cena uma agência que não se confunde com a agência da pessoa médium. A enti-dade tem uma agência, ou seja, uma ca-pacidade de agir que não é exatamente a mesma daquele que a recebe. E essa agência nem sempre coincide. Ou seja, nem sempre o médium consegue fazer com que ouvir da entidade aquilo que ele gostaria que ela dissesse. Porque ela diz outra coisa, e nem sempre o que ela diz, ele estaria inteiramente de acordo.

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E mais, nem sempre o que ela faz é algo que possa satisfazê-lo. Portanto, a me-diunidade ocorre em espaços sociais, de forma pública, embora, numa certa me-dida, em espaços de privacidade. Mas, sabemos, por exemplo, que numa famí-lia, a mãe, no interior da família biológi-ca, essa mãe médium recebe usualmente uma pomba-gira, uma cabocla que dá consultas para os seus filhos. E a pomba-gira, uma pessoa descarada dá um con-selho que a mãe jamais daria para a sua filha ou diz coisas num tom que a mãe biológica não diria, da mesma forma que o caboclo pode dizer ou formular conselhos que a mãe biológica também não assinaria embaixo – alguns sim, alguns não. Porque esse controle da mediunidade sobre a en-tidade também pode ser relativo. Sabe-se que quanto mais antigo o médium, mais controle ele terá sobre as suas entidades. Sabe-se que esse caminho é duro e cheio de percalços.

Então, o que significa no mundo da ação você poder ser uma pessoa múltipla e con-viver com entidades que eventualmente agem contra a imagem pública que você quer ter de você mesmo, ou que agem de uma maneira que é contraditória com os conselhos que você dá aos seus filhos, ou que agem de uma forma maliciosa con-trária à seriedade do momento que você

quer imprimir. Ou que eventualmente são uma força absolutamente fundamental na constituição da tua própria autoridade pa-rental, ou que além disso, ajudam a tecer os laços familiares podem estar se dis-persando ou fragmentando. Enfim, as en-tidades têm um papel na vida real e têm uma agência. Os médiuns seriam assim aqueles que são capazes de colocar na vida, no mundo da ação mediadores que participam da vida social. Essa posição que eu estou defendendo aqui é uma posição que nem todos os antropólogos defen-dem. Existem alguns que sim, existem alguns que não, mas é a minha posição teórica.

Teve um trabalho muito interessante de uma antropóloga francesa que, estudando a me-diunidade na Amazônia, dialogando com os médiuns com quem ela tinha proximidade ela percebeu que havia uma predominân-cia de mulheres. Isso nas classes populares. E ela percebeu que essas mulheres tinham uma verdadeira paixão pelos caboclos. Essa relação que essas mulheres desenvolviam com os caboclos tinham como razão o fato que esses caboclos serem figuras masculi-nas que de alguma maneira ampliavam e substituíam o papel de seus maridos reais, ou seja, não do ponto-de-vista sexual, mas do ponto-de-vista da complementaridade das relações entre os gêneros , porque às

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às vezes os maridos eram preguiçosos, fi-cavam bebendo, não ajudavam em casa, não botavam dinheiro em casa e era o caboclo que ia lá e dava uma dura, que fazia o papel do marido invisível. Essa mediunidade através dos caboclos fa-zia parte da constituição da vida familiar dessas mulheres das classes populares. A possibilidade delas terem uma ação dessa natureza dava a elas uma força para enfrentar as vicissitudes da vida real muito maior do que elas não tivessem a possibilidade de desenvolver esse tipo de mediação. Obviamente que não era só o caboclo, quero dizer que o caboclo era o preferido. Essa antropóloga chamou es-ses caboclos de maridos invisíveis. Em geral, eram mães solteiras ou mães que tinham relações complicadas com os seus maridos em que os caboclos de alguma maneira ajudavam a desenvolver esse campo da vida familiar. Eu me pergunto se esse campo não era mais amplo, se não atravessava a condição feminina de-las num mundo masculino que nem sem-pre é muito gentil com as mulheres.

Esse é um caso que eu acho exemplar de dois pontos-de-vista. Primeiro, do ponto-de-vista da pessoa múltipla; segundo, do ponto-de-vista da ação da pessoa múlti-pla no mundo, portanto, da agência dessa entidade no mundo e terceiro, já agora, do ponto-de-vista da relação de gênero que justifica a minha presença aqui para vocês.

Um dos campos privilegiados de ação das religiões mediúnicas sem dúvida reside na vida familiar e doméstica. A gente sabe a força de atração desse universo e como as consultas em grande número buscam resolver os problemas no interior relativo ao campo conflituoso das relações famili-ares, das relações intergeracionais, pais e filhos, das relações entre irmãos e das relações de aliança, ou seja, das relações de casamento, de namoro, de adultério, de paixão da vida amorosa entre as pes-soas. Esse é um campo que se pode dizer um campo sexuado, marcado pelos con-flitos das relações entre os gêneros mas-

culino e feminino, tanto na hierarquia das famílias como nas formas em que mulheres e homens vivem no interior dessa hierar-quia.

Gostaria de entrar num outro campo, mais especificamente, o campo da sexualidade e do gênero. Até o momento falei da multipli-cidade das pessoas criando uma figura que é a agência das entidades que fazem parte da pessoa nessa relação que eu tentei ex-plicitar. Mas, eu não coloquei um aspecto que trabalhei também não especifica-mente em relação à Umbanda, mas espe-cificamente a certas tradições no interior do candomblé, que aí não é mais a rela-ção de complementaridade ou da relação contraditória, conflituosa do médium com as suas entidades, mas a relação do can-domblé das pessoas que são iniciadas no candomblé que raspam cabeças, e como que esse ato de raspar a cabeça pode dar a ela um acesso à possibilidade de gêne-ro que não estariam dadas numa inicia-ção do tipo umbandista clássico. Eu acho esse campo extremamente interessante e, embora eu saiba que ele provoca mui-tas polêmicas, o quanto já foi polemizado por participantes do candomblé e partici-pantes das religiões mediúnicas, eu in-sisto com ele, porque acho interessante pensar essa possibilidade.

Em primeiro lugar, gostaria de remeter àquilo que disse até aqui porque eu acho que essa possibilidade que nós estamos explorando de uma pessoa múltipla é um campo de moralidade não rígido. É um campo de moralidade norteador etica-mente das pessoas, ele não oferece uma perspectiva dualista e absoluta na relação entre o bem e o mal. Isso permite trazer a vida para dentro da discussão religiosa porque as pessoas não são só bem ou só mal. Só a santidade pretende somente isso. Então, uma religião que adote um ponto-de-vista relativista é uma religião ainda que seja para alguns mais estritos do ponto de vista de sua moral pessoal é um problema, ainda assim é uma religião que admite na existência dos homens e na vida deles uma negociação possível

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entre desejos e valores, entre éticas e circunstâncias entre escolhas que se fa-zem no mundo real e que por isso são problemáticas. Nunca é a ética pura. É a ética do possível. Nunca é o valor encarnado como se fossem santos, pois ninguém é santo, embora ninguém seja imoral pelo fato de não ser santo. Essa distinção abre um campo de tolerância extremamente posi-tivo, no meu modo de entender, no cam-po das religiões mediúnicas. Acho que é algo que deveria ser mais valorizado, so-bretudo nesses tempos em que cada vez cresce mais um campo de intolerância em função de uma lógica mais dualista e ab-soluta entre o bem e o mal.

A minha hipótese é que o candomblé ao iniciar as pessoas, sobretudo dos ho-mens, e quando não inicia as mulheres, ele produz na pessoa um tipo de rela-ção com o sagrado que é uma abertura que introduz na pessoa uma dimensão que antes nela não existia. Não é como na Umbanda uma relação com a pessoa. Ele modifica interiormente a pessoa, dá acesso a um plano do divino, o plano dos orixás. Esse acesso implica numa certa compreensão cosmológica que no mundo do candomblé se faz na ideia entre uma terra ser cosmologicamente mais marca-da através de um princípio masculino em oposição ao mundo do divino ser marca-do pelo princípio feminino. A iniciação do homem no candomblé pode implicar no desenvolvimento nesse homem de uma sacralidade que é vivida como feminina. Ele não deixa de ser homem, mas ele tem acesso a uma feminilidade que é dada pelo acesso a essa instância do sagrado. Isso permitiu ao candomblé ter uma afin-idade ou gerar para muitas pessoas que fazem uma opção homossexual, gerar um campo religioso de aceitação, ou de um preconceito mitigado, menor, diminuído do que essas pessoas teriam num campo pentecostal. Ainda que muitas vezes não sejam bem aceitos, podem ser aceitáveis, podem praticar a possessão, podem rece-ber a pomba-gira deles, podem se expres-sar livremente numa roda. É claro que os dirigentes tentam controlar, cercear, mas

reconhecem a existência deles. Esse re-conhecimento para essas pessoas é muito importante. Significa uma aceitação e não a ideia de uma exclusão absoluta quando se entra numa ética que é gerida por uma oposição absoluta entre o bem e o mal.

Essa possibilidade de um homem mar-cado por feminilidade que é dada pelo candomblé, eu busquei valorizar no meu trabalho. Eu não acho que é a única pos-sibilidade existente nesse vasto campo da possessão, mas eu prezo o fato de ela existir, porque eu acho que o mundo é mais complexo que a nossa vã filosofia.

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Babalorixá Odé Olufonnim

Pai Marco José Ribeiro dos Santos, co-manda seu templo Ilê axé Ibi Olufon-nin na tradição de Ketu desde 1993,

quando recebeu seu deká. Em Congós, Macapá, Amapá, ele é o responsável pelos cursos da FTU. Foi sobre isso e outros as-suntos, tais como o preconceito e o con-ceito de escolas nas religiões afro-brasilei-ras que ele falou à Teologia de Síntese.

Quais atividades são desenvolvidas no templo?Desenvolvemos atividades como Iniciações, atualizações de obrigações, ordenações sacerdotais, sacramentos: Igbé Iyawô (casa-mento) Icomojadê (batizados), consultas es-pirituais, consultorias acadêmicas etc.

Como estão configuradas as religiões Afro-brasilei-ras no Amapá? E na Região Norte como um todo?A religião autóctone aqui de Macapá é a Pajelança, que hoje sofreu influência do catolicismo. Na única casa de pajelança aqui na capital podemos encontrar um altar católico. Os próprios guias incor-porados louvam a Jesus Cristo e Nossa Senhora da Conceição. Mesmo assim, ainda é preservado o espaço para a cura de con-sulentes, a utilização dos tauarís, das penas e maracás, e a utilização de pouca lumi-nosidade nos rituais. A Umbanda aqui é muito forte, com influência do tambor de Mina do Maranhão e da mina Parauara, o tambor de babaçuera no Pará.

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As religiões afro-brasileiras sofrem intolerância re-ligiosa? Se sim, oriunda de que setores?Eu mesmo fui acusado de sacrificar ani-mais com maus tratos e também de per-turbação do sossego público pelo uso dos tambores. Fui julgado no júri comum, mas fui absolvido. Temos enfrentado outros fatos, mas agora estamos fortalecidos com a assessoria jurídica das federações e da LIRA. Na semana da consciência negra fazemos, em parceria com outros setores do movimento negro, a passeata Zumbi dos Palmares, onde o pelotão dos afro- religiosos carre-gam faixas, cartazes, usamos um trio elé-trico e fazemos um grande barulho com palavras de ordem contra a intolerância.

O senhor faz alguma atividade social? Se sim, qual?A LIRA, em parceria com a CONAB e o Governo do Estado, distribui cestas bási-cas às comunidades carentes inscritas no programa PAA. Temos atividades educa-cionais como cursos livres de Massotera-pia, Geoterapia, trufoterapia, oficinas de cânticos e percussão, indumentárias e al-faias afro, capoeira etc.

Qual é a reposta das comunidades de terreiro que, como a sua, têm levado a educação pelo templo? A parceria com a FTU é uma benção. Os sacerdotes que cursaram o introdutório melhoraram seus discursos, seus enten-dimentos e suas visões. Meus filhos to-maram gosto pelos estudos e passaram a se interessar mais pelas questões da re-ligião. O curso Imaginário está bastante comentado e os alunos estão gostando muito. O mais interessante é entender como se construiu a imagem negativa das religiões afro. Isso é importantíssimo no processo para desconstruir essa imagem.

Como o senhor tem encarado o conceito de Escolas propugnado pelas linhas de pesquisa da FTU?A FTU conseguiu classificar diversas tradições religiosas por seus aspectos ritualísticos peculiares e suas tendências e chamou de escolas umbandistas. Isto facilita o entendimento e didaticamente é ótimo mas, como dentro de cada es-cola está uma diversidade de tradições, ou seja, as escolas não são puras, como as religiões também não o são, acho que falta identificar princípios e valores comuns a todas as escolas e a todas as religiões afro. Falta identificar o que nos une em uma visão de mundo peculiar, particular das nossas tradições religiosas afro-ameríndias descendentes. Isto cer-tamente irá contribuir e explicar melhor ao mundo o conceito de umbanda.