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1 TEOLOGIA E O CONTEXTO ATUAL (MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE INTRODUÇÃO A TEOLOGIA O objetivo desta disciplina (Introdução à Teologia) é apresentar uma visão geral da teologia, bem como fornecer as regras mínimas necessárias para que o cristão leigo possa adentrar nos vários componentes do saber teológico e ter melhores condições de “dar as razões da sua fé a todo aquele que o pedir”, (Cf. I Pd 3, 15ss) como exortava São Pedro, no início do cristianismo. Todo saber tem seus mistérios. O saber teológico, por sua natureza, está de modo particular envolto num véu de mistério, pois trata do conhecimento de Deus: o mistério dos mistérios. No passado foi bem mais fácil fazer teologia, principalmente no período medieval, onde o pensamento cristão era predominante em quase todo o Ocidente. E HOJE, SERÁ QUE VALE A PENA FAZER TEOLOGIA? A teologia, hoje vive numa situação paradoxal. Ela se mostra como uma grande árvore, agitada por uma forte tempestade, que por um lado ameaça arrancá-la pela raiz, mas por outro, abre-lhe nova possibilidade de se tornar ainda maior, produzir muitos frutos e espalhar suas sementes, se conseguir aprofundar suas raízes, missão confiada de modo particular aos teólogos. Vale lembrar que os maiores avanços da Igreja, aconteceram quando ela se sentiu desafiada ou ameaçada, como por exemplo, a evangelização dos pagãos e o combate às heresias. Esta forte tempestade é o mundo contemporâneo, que se encontra num processo de passagem da modernidade para a pós-modernidade. A modernidade é marcada basicamente por uma confiança muito grande no poder da razão, da ciência e da transformação do mundo por meio dos grandes sistemas políticos, econômicos e sociais, como o capitalismo e o socialismo. É também caracterizada, por uma mentalidade pragmática, (que considera todas as coisas do ponto de vista prático-utilitário) e secularizada, (que só aceita os fatos que se dão no mundo, desconsiderando a fé e as crenças). Tomando como base os conceitos do pragmatismo e do secularismo, chegamos à conclusão que a teologia não serve para nada. Pragmaticamente falando o engenheiro constrói casas, o médico salva vidas, o policial dá segurança... e o teólogo faz o que?

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TEOLOGIA E O CONTEXTO ATUAL (MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA

O objetivo desta disciplina (Introdução à Teologia) é apresentar uma visão geral da

teologia, bem como fornecer as regras mínimas necessárias para que o cristão leigo

possa adentrar nos vários componentes do saber teológico e ter melhores condições de

“dar as razões da sua fé a todo aquele que o pedir”, (Cf. I Pd 3, 15ss) como exortava São

Pedro, no início do cristianismo.

Todo saber tem seus mistérios. O saber teológico, por sua natureza, está de modo

particular envolto num véu de mistério, pois trata do conhecimento de Deus: o mistério

dos mistérios.

No passado foi bem mais fácil fazer teologia, principalmente no período medieval,

onde o pensamento cristão era predominante em quase todo o Ocidente.

E HOJE, SERÁ QUE VALE A PENA FAZER TEOLOGIA?

A teologia, hoje vive numa situação paradoxal. Ela se mostra como uma grande

árvore, agitada por uma forte tempestade, que por um lado ameaça arrancá-la pela raiz,

mas por outro, abre-lhe nova possibilidade de se tornar ainda maior, produzir muitos

frutos e espalhar suas sementes, se conseguir aprofundar suas raízes, missão confiada de

modo particular aos teólogos. Vale lembrar que os maiores avanços da Igreja,

aconteceram quando ela se sentiu desafiada ou ameaçada, como por exemplo, a

evangelização dos pagãos e o combate às heresias.

Esta forte tempestade é o mundo contemporâneo, que se encontra num processo de

passagem da modernidade para a pós-modernidade.

A modernidade é marcada basicamente por uma confiança muito grande no poder

da razão, da ciência e da transformação do mundo por meio dos grandes sistemas

políticos, econômicos e sociais, como o capitalismo e o socialismo. É também

caracterizada, por uma mentalidade pragmática, (que considera todas as coisas do ponto

de vista prático-utilitário) e secularizada, (que só aceita os fatos que se dão no mundo,

desconsiderando a fé e as crenças).

Tomando como base os conceitos do pragmatismo e do secularismo, chegamos à

conclusão que a teologia não serve para nada. Pragmaticamente falando o engenheiro

constrói casas, o médico salva vidas, o policial dá segurança... e o teólogo faz o que?

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Secularmente falando, as coisas fora deste mundo não importam. Se a realização está

aqui, para que serve a teologia?

Por outro lado, percebemos que o mundo moderno também está em crise,

principalmente depois da frustração com as grandes utopias socialista e capitalista, que

não conseguiram cumprir o que prometeram (dar vida digna à todos os homens); da

desconfiança nas “luzes da razão” com o desfecho das duas grandes guerras mundiais e

principalmente o holocausto; da perda da fé absoluta na ciência, depois das explosões

atômicas em Hiroshima e Nagasaki.

Estes episódios trágicos deixaram atrás de si um grande vazio existencial, dando

origem ao que chamamos de pós-modernidade, que em grande parte se mostra como

contestação e descrença na modernidade e é caracterizada pelo sentimentalismo (onde o

prazer prevalece sobre o ser e o dever), individualismo (o individual prevalece sobre o

coletivo) e consumismo (o ser medido pelo ter), o relativismo (não existem valores

absolutos e universais), subjetivismo (cada pessoa estabelece por si os valores morais).

A estes grandes acontecimentos históricos, somam-se a dura realidade do cotidiano

como: o aumento da violência, a desigualdade social, a crise econômica mundial, os

problemas ambientais, a desintegração familiar entre outros.

Por conta desta situação inquietante, percebemos que as grandes questões

existenciais do homem (Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Porque o mal? O que

existirá depois desta vida?), voltam com toda força, fato este constatado por um

crescimento jamais visto na produção literária sobre temas religiosos.

No entanto esta busca pelo sagrado acontece de uma forma plural, (em muitas

religiões) e em grande parte de maneira sincrética (utilizando ao mesmo tempo

elementos de várias religiões), como vemos de maneira mais clara no Movimento da

“Nova Era”.

Olhando sob este ponto de vista, percebemos que vale a pena e é necessário fazer

teologia hoje, pois, sem um conhecimento mais profundo da doutrina católica,

ficaremos como folhas levadas pelo vento, neste emaranhado de religiões,

denominações, filosofias e ciências que se multiplicam a cada dia.

O Papa João Paulo II, por meio da encíclica Fides et Ratio, mostrou-nos o caminho

para fazer uma verdadeira experiência religiosa, que é através da harmonização entre a

fé e a razão, que segundo afirma: “A fé e a razão constituem como que as duas asas

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pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”1. Ainda nesta

encíclica o papa nos exorta atualizar a linguagem e os métodos, para que a fé cristã se

torne comunicável a todos.

No entanto, a simples atualização da linguagem e dos métodos serão estéreis, se

faltar o testemunho de vida cristã, como afirmava o Papa Paulo VI: “O homem

contemporâneo escuta de melhor vontade as testemunhas do que os mestres. E escuta

os mestres, porque eles são testemunhas”. (E.N. 41)

Vale a pena lembrar, que o 5º Celam, este grande acontecimento teológico, ocorrido

próximo a nós, em Aparecida, que orienta toda a ação da Igreja na América Latina,

coloca a “experiência pessoal com Jesus”, como fundamento para o êxito de toda e

qualquer ação pastoral, como vemos: “Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a

novidade do Evangelho (...), a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus

Cristo, que desperte discípulos missionários.”2.

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE A TEOLOGIA E OS LEIGOS

Antes do Concílio Vaticano II (1962-1965) fazer teologia e até mesmo o simples

acesso às Sagradas Escrituras, no meio católico, era restrito ao clero e aos teólogos, de

modo que a maioria das pessoas limitava-se a um conhecimento superficial da doutrina.

A partir deste concílio, aumentou cada vez mais o espaço para o trabalho pastoral

do leigo na Igreja e consequentemente o interesse e a necessidade de aprofundar o

conhecimento, ultrapassando o ensino da catequese básica, visto que a sociedade

contemporânea se torna cada vez mais exigente e crítica em relação a fé.

Desse modo, para um católico permanecer fiel a Deus, ele precisa aprender a dar as

razões de sua fé, primeiramente a si mesmo e posteriormente aos outros.

Além disso, o cristão de hoje, não pode viver a sua fé a margem do mundo, mas no

meio dele, buscando transfigurá-lo, pois Cristo não veio destruir o mundo, mas para

salvá-lo.

É um sinal excelente de maturidade cristã quando alguém deseja verdadeiramente

fazer teologia, pois é uma grande demonstração de amor para com Deus e aos irmãos,

que serão beneficiados deste conhecimento e desta experiência sem igual.

Que este tempo que nós estaremos dedicando de maneira mais direta à teologia

possa nos ajudar a sermos mais santos e assim teremos alcançado nosso maior objetivo.

1 (esta citação encontra-se no primeiro parágrafo da Fides et Ratio). 2 DAp. p. 13.

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O QUE É TEOLOGIA?

Na aula anterior tratamos de um modo geral, a pertinência ou não de fazer teologia

nos nossos dias. Agora, dando um passo adiante, queremos adentrar no conceito de

teologia, bem como na evolução da sua compreensão ao longo da história.

Definição do termo

O termo teologia não aparece na Bíblia e tampouco tem sua origem no mundo

cristão. Era utilizado pelos filósofos gregos, para designar o discurso sobre os deuses.

Para Platão era “a maneira correta de falar sobre os deuses de forma racional”;

Aristóteles a utilizou como a “filosofia dos princípios”, mais tarde chamada metafísica

(além da física).

A filosofia e o termo teologia levaram um bom tempo para serem aceitos e

incorporados no ambiente cristão. Nos primeiros séculos, alguns padres da igreja

chegaram a fazer oposição sistemática não somente ao termo, mas à filosofia grega

como um todo.

O padre da Igreja, Filón de Alexandria foi um dos precursores da aproximação

entre a mensagem bíblica e a filosofia grega. Mais tarde (séc. IV), Orígenes também

utiliza-se de conceitos da própria filosofia platônica para responder aos ataques do

filósofo Celso contra o cristianismo.

Mas foi só a partir do século IV, com Eusébio de Cesaréia, que se firma na

patrística grega o termo ‘teologia’ para se referir ao tratado sobre o Deus verdadeiro.

Até o final da escolástica (Idade Média), no mundo latino, se utilizam os termos

‘doctrina christiana’, ‘doctrina divina’, ‘sacra doctrina’, etc.

Foi no período entre Tomás e Duns Scotto (+1308), onde o cristianismo já havia se

estabelecido por toda Europa, que se assumiu na Igreja latina o termo ‘teologia’, agora

“cristianizado”, substituição ao termo‘sacra doutrina’.

Basicamente o termo teologia é formado por dois outros termos: Theós (θεó) +

logía (λογία) = Deus + Palavra, ciência, saber, que significa basicamente, “estudo sobre

Deus”, “discurso sobre Deus” ou ciência de Deus.

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Além da teologia, existem outros termos semelhantes, mas que tratam do assunto

Deus com enfoques diferentes:

Existem também muitas definições para o termo teologia, apresentadas por diversos

teólogos e vale a pena ressaltar algumas. Para Santo Anselmo teologia “é a fé

procurando entender”3. Nesta perspectiva, vemos que a teologia é a fé de olhos abertos,

inteligente, crítica, que visa ultrapassar o simples conhecimento apresentado pela

catequese básica.

Também é importante ouvir recomendações como a do teólogo Von Baltasar, que

diz: “a teologia verdadeira é a realizada pelos santos, feita de joelhos (genuflexa)”.4

Desse modo, percebemos que fazer teologia não consiste apenas em debruçar-se sobre

livros e adquirir um grande conhecimento teórico, mas principalmente, fazer a

experiência de Deus na vida.

Embora haja muitas outras formas de compreender o termo teologia, ela pode se

sintetiza da seguinte maneira:5

THÉOS: DEUS

LOGIA: CIÊNCIA

Esta definição servirá de base para aprofundarmos cada um dos seus aspectos, nas

próximas aulas.

Do querigma à teologia

A ressurreição de Jesus constituiu a base para o nascimento da teologia cristã. Este

fato foi de tal forma extraordinário e singular para a humanidade, que até mesmo os

apóstolos que acompanharam de perto os acontecimentos, tiveram grande dificuldade

em encontrar palavras corretas para transmitir de maneira convincente a mensagem

evangélica.

3 BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. Petrópolis, Vozes, 1998. p. 25 4 MARTINS, Nuno Brás. Introdução a Teologia. Universidade Católica Editora, Lisboa, 2000. p.42. 5 LIBÂNIO, João Batista. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo, Loyola, 2007. p. 67.

TEOLOGIA É O ESTUDO DE DEUS E DOS SERES

CRIADOS EM SUA RELAÇÃO COM DEUS À LUZ

DA REVELAÇÃO SOBRENATURAL COMO NOS

É TRANSMITIDA PELA IGREJA E ACOLHIDA

PELA FÉ.

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Foi diante desse impasse gerado entre a necessidade de anunciar a fé aos de fora

(querigma) e partilhar e aprofundar a fé comum com os fiéis (catequese) e a procura das

palavras acertadas para realização esta missão que nasce a teologia cristã.6

Além disso, o cristianismo buscava ser o sentido para a existência de todo ser

humano e por isso sempre procurou entrar em diálogo com a cultura de seu tempo, ao

invés de afastar-se dela. Alimentada pela compreensão do “Ide por todo mundo e

proclamai o Evangelho (...)” e a aliada “a expulsão das sinagogas” judaicas, a

perseguição dos romanos, a experiência positiva de Paulo com a evangelização dos

pagãos, firmou ainda mais a necessidade de ir além das fronteiras de Israel e da cultura

judaica. O ponto chave para esta compreensão foi a Assembleia de Jerusalém.

Em suma a teologia nasce da síntese entre a fé, a cultura e o pensamento – a partir

desta síntese em que a fé descobre em si capacidade de dar razões da verdade do

mistério cristão, podendo agora ser compreendida pelas pessoas simples e pelos

filósofos, que passaram a ver o cristianismo, como a “verdadeira filosofia”, capaz de ir

além dos limites que pensamento racional grego não conseguir ultrapassar.

De modo geral a mensagem cristã foi bem aceita pois ela era mais inclusiva e

universal que muitas filosofias e religiões reservada a “poucos iluminados”.

Dois personagens merecem destaque na história da teologia cristã. Um deles é

Santo Agostinho (séc IV), que foi um dos grandes responsáveis pela síntese entre a fé

cristã, a filosofia grega e o pensamento latino. Ele, de modo particular, apoiou-se no

pensamento do filósofo grego, Platão e como afirma muitos estudiosos, cristianizou o

seu pensamento. No entanto, uma certa influência negativa do pensamento platônico

permanece ainda hoje no cristianismo, que é o dualismo, tão combatido pela Igreja, que

considera o mundo material, o corpo humano como indigno, opondo-se a mensagem

original de Cristo, que se encarnou assumindo a matéria, e portanto, não a despreza.

Outro personagem de suma importância para foi São Tomás de Aquino (Séc. XIII),

que também, conseguiu harmonizar a fé cristã como a filosofia grega, particularmente

do filósofo Aristóteles. É considerado pela Igreja, como o modelo de teólogo. Para São

Tomás, “a luz da razão e a luz da fé provém ambas de Deus e não podem se

contradizer” (Fr 43)

Vale lembrar, que grande parte da linguagem teológica que utilizamos hoje,

principalmente para tratar do mistério da Trindade, da Eucaristia, dos Sacramentos, vem

6 MARTINS, p. 12.

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de conceitos da filosofia grega, como: substância, acidente, hipóstase, geração, criação,

emanação, processão, consubstancialidade, livre-arbítrio, etc.

Outro avanço aconteceu diante da imensa pressão recebida por parte das dúvidas

levantadas pelas heresias, que exigia uma formulação mais precisa o mistério de Cristo,

de modo a expressar de forma mais exata a verdade da fé.

Diante destas tempestades que sopraram sobre o cristianismo primitivo, a teologia

foi se estruturando e adquire três das suas grandes vertentes.

A) – a exatidão da formulação dogmática, de modo a expressar o melhor possível a

verdade da fé e a possibilitar a unidade e a comunhão dos crentes;

B) – o diálogo com o pensamento e com a cultura;

C) – a possibilidade de encontro missionário entre cristianismo e novas culturas,

tomando como sérias as interrogações que cada tempo coloca a fé.

Percebemos que a teologia cristã, por sua natureza missionária, desde o início se

mostra sua responsabilidade pelas coisas públicas. Através desta relação o cristianismo

procura iluminar não somente a vida cristã dos seus fiéis, mas também o mundo dos

homens, com seus problemas, não se limitando apenas as reflexões teóricas no interior

da Igreja.

Por fim, além da missão de expor de maneira de maneira científica a fé cristã, a

teologia não pode deixar de responder aos novos problemas que o homem

contemporâneo vive, por meio do contato com as outras ciências, encontrar novos

caminhos para o mundo.

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TEOLOGIA E REVELAÇÃO (“...à luz da revelação sobrenatural...”)

A Revelação Divina é a fonte-base7 do cristianismo e da teologia cristã por

conseguinte. Consiste num duplo movimento. Primeiramente de um Deus que, livre e

gratuitamente vem ao encontro do homem e a ele se revela e também, do homem, que

se abre a esta revelação e a acolhe pela fé.

Desse modo, percebemos que o cristianismo não é uma religião que simplesmente

transmite verdades e normas de conduta, inventadas por uma pessoa qualquer, mas é,

antes de tudo, uma religião que vive a experiência de um Deus pessoal que se

manifesta na história concreta do homem.8

Desde o período apostólico, os cristãos já tinham claro esta compreensão, como

podemos perceber: “O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que

contemplamos, e o que nossas mãos apalparam (...), nós vo-lo anunciamos”.( I Jo

1,1.3); “Não é baseando-nos em mitos artificiosos que vos demos a conhecer o poder

e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas como quem foi testemunha ocular de

sua majestade” (2 Pd, 1, 16). É por isso que a Revelação é uma das características que

distingue a fé cristã das demais.

Como afirmava o Papa João Paulo II, a grande originalidade do cristianismo se dá

pelo fato de “Cristo ser Deus-Homem, trazendo consigo todo o íntimo mundo da

divindade”9. É Deus que vem ao encontro do homem, ao passo que nas outras religiões

são os homens que se esforçam para ir ao encontro de Deus. No entanto, não podemos

negar a presença de Deus em outras

religiões, pois o próprio Concílio

Vaticano II, na Ad Gentes 11,

afirma que existem sementes do

Verbo adormecidas em outras

tradições nacionais e religiosas.

Para melhor compreensão

desta realidade, analisaremos a

Revelação, em sua relação com a Sagrada Tradição e as Sagradas Escrituras, que são,

na verdade, dois modos distintos de transmissão da mesma Revelação.

7 MATOS, Henrique C. José Matos. Estudar teologia. Iniciação e Método. Petrópolis, Vozes, 2007, p. 27. 8 ARENAS, Octávio Ruiz. Jesus, epifania do amor do Pai. São Paulo, Loyola, 2001. p. 45 9 João Paulo II. Cruzando o limiar da esperança. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1994. p. 57

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O conceito de Revelação

Etimologicamente, a palavra revelação vem dos termos latinos “revelare”,

“revelatio”, ou do grego “apokalypsis”, que significam remoção de um véu. No

contexto religioso, indica a manifestação de Deus e de seus decretos, ocultos à razão.

A idéia que Deus revela, foi assumida pelo cristianismo, pois está presente em

toda a Bíblia, desde o Antigo Testamento.

No passado, a Revelação cristã foi simplesmente admitida como um fato, que

todos aceitavam, mas no século XVI começou a ser contestada e no século XVIII

abertamente combatida pelo racionalismo10

, que negava qualquer conhecimento que

não fosse fruto das capacidades naturais da razão.

Só a partir do Vaticano I o termo começou a ser melhor trabalhado. Neste

Concílio chegaram a conclusão que existem “duas ordens de conhecimento distintas,

mas não contraditórias, a da fé e a da razão”11

, contrariando ao racionalismo que só

aceitava o conhecimento apreendido pela razão.

Mas o grande avanço na compreensão da revelação se deu graças ao empenho do

Concílio Vaticano II, que dedicou ao tema uma constituição dogmática, a Dei Verbum,

dando uma resposta adequada às grandes indagações da época, como podemos ver no

capítulo 2.

“Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério de sua vontade, mediante o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado,

têm acesso no Espírito Santo ao Pai e se tornam participantes da natureza divina. Em virtude

desta Revelação, Deus invisível, no seu imenso amor, fala aos homens como a amigos e conversa com eles, para os convidar a admitir a participarem da sua comunhão. Este plano

de revelação executa-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de

tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestem e

corroboram a doutrina e as palavra declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. E, a verdade profunda, tanto a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens,

manifesta-se-nos por meio da Revelação no Cristo, que é simultaneamente, o mediador e a

plenitude de toda revelação”.

Deus se revela na história, na realidade quotidiana do homem

Quando falamos em Revelação, devemos entender que ela não se dá apenas em

alguns momentos determinados da história, embora haja momentos especiais. Na

verdade a revelação é uma manifestação contínua12

de Deus aos homens, que vai se

realizando em etapas, respeitando a sua evolução e capacidade de compreensão. Da

10 PIAZZA, Waldomiro O. A Revelação cristã na constituição dogmática Dei Verbum. São Paulo,

Loyola, 1986. p. 15. 11 ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos. São Paulo, Paulus, 2005. p. 379. 12 ARENAS, p. 85.

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mesma forma que um adulto para se comunicar com uma criança precisa simplificar

sua linguagem, assim também, Deus precisou “adequar-se” ao mundo dos homens

(histórico) para que sua Revelação pudesse ser compreendida e apreendida.

Este movimento de Deus que se aproxima do homem e se revela, é o que

chamamos de História da Salvação. Esse modo de Deus se revelar em etapas nós

chamamos de Pedagogia Divina.

TIPOS DE REVELAÇÃO

Antes de falar dos tipos de revelação, é importante ressaltar que Deus se revela ao

homem, pois ele é, dentre todos os seres visíveis o único “capaz de conhecer e amar

seu criador”, (CIC 356) pelo fato de ter sido criado à Sua imagem.

Desse modo, existem duas vias pela quais Deus se revela ao ser humano.

a) A Revelação Natural (Geral), (Cic 36): que é a automanifestação de Deus

através dar ordem regular da natureza, possibilitando que, mesmo uma pessoa que

não conheça as Sagradas Escrituras, possa chegar a conclusão de que existe uma

realidade que é causa e fim de todas as coisas, a que todos “chamam Deus”.

Pela via da criação, o homem pode chegar ao conhecimento de Deus a partir:

- das coisas criadas: natureza, beleza das criaturas, movimento dos animais...

- do ser humano: perfeição, liberdade, a voz da consciência, aspiração ao

infinito.

- sinais dos tempos: progresso, ciência, tecnologia.

Como afirmava Santo Agostinho, “a obra de Criação é a primeira Palavra de

Deus”.

Embora o ser humano, por ser criado “à imagem de Deus”, pela luz natural da

razão, tenha em si a capacidade conhecer a Deus e a lei natural impressa em sua

alma, a partir das suas obras e das múltiplas perfeições das criaturas, existem

muitos obstáculos que impedem o seu uso eficaz (da razão), principalmente

devido as más inclinações provenientes do pecado original. (CIC 37). Pela sua

liberdade, ele, mal influenciado pode negar a Deus.

Por isso o homem, tem necessidade (CIC 38) de ser iluminado pela Revelação

Sobrenatural de Deus.

b) A Revelação Sobrenatural (Especial) é uma outra forma de revelação, que

embora não se oponha a razão, a ultrapassa. Trata-se de um tipo de conhecimento

que homem jamais seria capaz de alcançar com suas próprias forças. Este

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conhecimento chegou à humanidade, não pela criação ou implícito na natureza

humana, mas partindo de uma decisão totalmente livre e gratuita da parte de

Deus (CIC 51). Graças a esta revelação o ser humano tem mais facilidade em

conhecer as verdades morais e religiosas, que com dificuldade faria pela razão.

Por meio deste tipo de Revelação o homem não apenas chega a conclusão da

existência de Deus, mas passa a conhecer os desígnios de Deus a seu respeito, que

fundamentalmente se resume na sua divina vontade de que todos os homens se salvem

em Cristo, o que chamamos de Plano da Salvação. Por esta via sobrenatural, Deus

também revela aspectos de seu próprio Ser, como o Mistério da Santíssima Trindade e

da Encarnação.

A Revelação sobrenatural, aconteceu de um modo singular através de um povo

escolhido por Deus, o povo de Israel, que deveria ser “luz das nações”, mas acabou se

fechando, por não compreender com clareza a vontade de Deus. Essa missão de tornar-

se bênção para toda a humanidade acontece efetivamente com Cristo.

O princípio desta Revelação teve como marco Abraão e terminou em Jesus Cristo,

onde atingiu o seu ápice e plenitude. No esquema abaixo podemos observar a linha

histórica, que nos mostra entre outras coisas, que estes eventos se estenderam por um

período de aproximadamente dois mil anos.

REVELAÇÃO SOBRENATURAL NA HISTÓRIA

Abraão Moisés Aliança Reis Exílio Restauração Gregos Romanos Jesus Cristo

1800 1250 1200 1000 597 538 333 63 0

Jesus Cristo: revelador e revelação do Pai

Dentro desse processo de automanifestação de Deus, a encarnação do Verbo

divino é o centro, o seu ponto mais alto. Percebemos por este fato histórico singular,

que Deus nunca esteve tão próximo do homem como em Cristo. Conforme está

escrito em Hb 1, 1-2 “Muitas vezes e de muitos modos diversos falou Deus, outrora,

aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio de

seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos”.

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Que nós possamos tomar consciência desta grande dádiva, que é experimentarmos

a fé em um Deus, que não levando e conta a sua condição divina, rebaixou-se

assumindo a condição humana, “armando sua tenda entre nós”, amorosa e

humildemente nos conduzindo à vida eterna.

A finalidade da Revelação

A Revelação Divina tem dois objetivos: a salvação do homem e a glória de Deus,

como vemos em (Ef 1, 5-6. 9): “Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos

por Jesus Cristo conforme o beneplácito da sua vontade, para louvor e glória da sua

graça (...) dando nos a conhecer o mistério de sua vontade.

a) a Revelação é para a salvação do homem, pois Deus não se revela apenas para

satisfazer a curiosidade humana ou ampliar o seu conhecimento. Desde o Antigo

Testamento, dá sinais evidentes de que tem uma predileção pelo homem, e que o

convida a participar de um modo de vida mais elevado. Mesmo depois do pecado,

Deus não desiste do homem e continua a se revelar pelos profetas, até que na plenitude

dos tempos, ou seja, em Cristo, dá a conhecer com toda clareza que quer a “salvação

do homem”, ou seja, que participe da sua natureza divina.

b) a Revelação é para a glória de Deus, (CIC 294) pois é por meio dela que Ele

manifesta e comunica sua bondade, como podemos ver primeiramente pela criação do

mundo, que proporcionou vida a todos os seres que vivem na terra e depois em Cristo,

que nos trouxe a salvação.

O cristão, quando adere pela fé ao Plano Divino da Salvação, glorifica a Deus a ao

mesmo tempo, encontra a sua salvação.

O fim da Revelação

Como afirma a Dei Verbum 4, “não há de se esperar nenhuma outra Revelação

pública (da parte de Deus) antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus

Cristo”. E ainda, “com o envio do Espírito de verdade, aperfeiçoa a Revelação

completando-a, e confirma-a com um testemunho divino”.

Desse modo percebemos que na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus

Cristo e por fim, com o envio do Espírito Santo, dá-se por encerrada a Revelação

Divina, e nela temos o necessário para alcançarmos a nossa salvação.

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13

A credibilidade da Revelação

A credibilidade e confirmação da Revelação está na ressurreição de Jesus, que

demonstra um testemunho evidente da intervenção divina. Como afirma o próprio

apóstolo Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vazia a nossa pregação, vazia é a vossa fé

(...) Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos primícias dos que adormeceram”. (I Cor

15, 14. 20)

Será que a Revelação acabou?

Embora a Revelação esteja terminada, ainda não está totalmente explicitada e esta

missão é confiada à fé cristã, realizar ao longo dos séculos. “Para que entendamos

cada vez mais profundamente a Revelação, o Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé

mediante os seus Dons”. Dv 5

Será que Deus parou de se comunicar com os homens?

Não. Deus continua nos falando nos sinais dos tempos, não para superar ou

completar a Revelação de Jesus Cristo, mas para nos ajudar a compreendê-la melhor.

Atualmente, a grande ameaça da catástrofe ecológica mundial é um desses sinais

dos tempos, onde Deus “grita” a humanidade, mostrando que precisa de conversão,

mudando o seu modo de vida e sua relação com a criação e com seus semelhantes.

Revelações particulares

No decurso dos séculos houve revelações denominadas particulares, e algumas

delas reconhecidas pela Igreja. No entanto elas não pertencem ao depósito da fé, (o

que está contido na Tradição e nas Escrituras) mas têm a função de ajudar a viver com

mais plenitude a fé, em determinadas épocas.

Ex: Nossa Senhora Aparecida (negra) diante da escravidão no Brasil; Nossa

Senhora de Guadalupe (índia) diante das injustiças com os índios no México; Nossa

Senhora de Fátima (Portugal) pedindo oração e conversão – no período entre as duas

Guerras Mundiais.

Essas revelações particulares, constituem um autêntico apelo de Cristo à Igreja.

No entanto, não são aceitas pelo magistério revelações que pretendam ultrapassar ou

corrigir a Revelação da qual Cristo é a perfeição, como é o caso de certas religiões

não-cristãs que se fundamentam em tais revelações (CIC 67).

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14

A SAGRADA TRADIÇÃO (“... como nos é transmitida pela Igreja...”)

Como vimos anteriormente, a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura são modos

pelos quais a Revelação Divina foi e continua sendo transmitida na história humana.

Por isso, a Igreja fundamenta a certeza do que foi revelado não somente nas Escrituras,

mas também na Tradição, como afirma a Dei Verbum (7):

A “Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura dos dois Testamentos são como um

espelho no qual a Igreja peregrina na terra contempla a Deus, de quem tudo recebe,

até ser conduzida a vê-lo face a face tal qual Ele é (cfr. 1 Jo. 3,2)”.

Feitas as considerações iniciais, para melhor compreensão deste tema, faz-se

necessário uma mínima explicitação do significado da palavra tradição fora e dentro do

ambiente católico.

Definição do termo

Em linhas gerais, tradição significa o fato de uma pessoa transmitir13

alguma coisa

a outra e tem seu fundamento na capacidade do ser humano de manter viva a

lembrança do passado. Desse modo, como ser histórico, o homem pode relacionar

passado, presente e futuro, encontrar sua identidade14

e o sentido para a sua existência.

É por meio da tradição que se formam as culturas, a história e se dá a evolução do

pensamento e do conhecimento humano. “O ser humano só pode caminhar, progredir,

se sobe nos ombros dos que o antecederam, aproveitando tudo o que já descobriram,

criaram, produziram (...) a tradição economiza ao homem do tempo presente caminhos

já andados e permite caminhar com maior segurança”15

.

A compreensão da Tradição no ambiente católico

O cristianismo, como religião revelada, tem seu fundamento em um fato histórico:

a vida, o ensinamento e a morte de Jesus de Nazaré e na fé dos apóstolos no Cristo

ressuscitado. Desse modo, é por meio dessa realidade humana, a tradição, que eles

cumprem o mandato de Cristo: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda

criatura”. (Mc 16, 15)

13 RUIZ, p. 165. 14 BOFF, p. 239. 15 LIBANIO, João Batista. Teologia da Revelação a partir da modernidade. (Fé e realidade 31) Loyola,

São Paulo, 1992, Loyola, p.391.

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15

Para adentrarmos um pouco mais neste assunto, é de suma importância distinguir

entre Tradição Apostólica, Sagrada Tradição (Tradição) e Sagradas Escrituras.

a) Tradição Apostólica16

é a transmissão da mensagem de Cristo, realizada

desde as origens do cristianismo, mediante a pregação, o testemunho, as

instituições, o culto e os escritos inspirados. É a experiência originária e

originante, que posteriormente os apóstolos transmitiram a seus sucessores, os

bispos, e, por meio deles, a todas as gerações até o final dos tempos o que

receberam de Cristo e aprenderam do Espírito Santo.

No entanto, esta transmissão apostólica se realizou de duas maneiras:

b) Pela Sagrada Tradição (Tradição), que é a transmissão viva da Palavra de

Deus confiada aos sucessores dos apóstolos. Esta Tradição se expressa por meio

de tradições concretas,17

como: a liturgia, os escritos dos padres da Igreja, os

testemunhos teológicos e eclesiásticos, os Concílios, os Papas, etc.

c) Pelas Sagradas Escrituras, que é o mesmo “anúncio da salvação” feito por

escrito.

A Tradição distingue-se das Sagradas Escrituras, pois ela não foi sedimentada

(fixada por escrito), mas é dinâmica. É fruto da própria ação do Espírito Santo

prometido por Jesus, que faria com que os cristãos fossem capazes de “recordar tudo

aquilo que fora ensinado”, (Cf. João 14, 16-17. 26) de modo que tivessem uma

compreensão mais perfeita da sua mensagem, que deveria atingir os confins do

mundo.

A verdadeira Tradição é dinâmica

Embora sua base seja a lembrança do passado, a tradição não é um processo

mecânico, estático e decadente. A verdadeira tradição é dinâmica e não consiste em

apenas repetir do passado, mas reviver18

o passado no presente.

Um bom exemplo da dinamicidade da Tradição são os padres da Igreja, que diante

da necessidade de evangelizar os pagãos, tiveram que atualizar a linguagem da fé para

que todos pudessem compreender.

16 Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. São Paulo. Loyola, 2005, p. 24. 17 RUIZ, p. 181. 18 BOFF, p. 238.

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16

A Tradição e o Cânon das Sagradas Escrituras

Podemos dizer que a Tradição existiu antes, durante e depois da composição e

definição dos Escritos do Novo Testamento. Olhando na perspectiva da fé cristão ela

cumpre três funções: constitutivas, conservativas e inovativas.

a) Função constitutiva: pois foi a partir da Tradição Apostólica (original), ou

seja, da pregação, do testemunho e das instituições, do modo de celebrar e viver

dos Apóstolos que surgiram os escritos do Novo Testamento, que não existiam no

início da pregação Evangélica.

b) Função conservativa: pois a Tradição exerce na Igreja esta função de

conservar a substância do que foi revelado (depósito da fé) e passá-la adiante,

enquanto esta “é e vive” na história. Vale lembrar que foi por meio da Tradição

que o Magistério definiu, quais, entre os diversos livros escritos sobre a

experiência de Cristo, seriam considerados inspirados (canônicos) e quais não

seriam (apócrifos).

c) Função inovativa: pois a Tradição exerce o trabalho de apropriação,

interpretação, renovação, atualização e enriquecimento do “depósito” revelado. A

Tradição continua existindo depois da produção dos Escritos Sagrados, pois ele é

uma presença viva, que acompanha a Igreja, não somente preservando as verdades

transmitidas, mas também atualizando e criando linguagem nova para interpretar

estas verdades, ao longo dos séculos, de acordo com a evolução cultural da

humanidade.

A importância da tradição para as religiões

A tradição é de suma importância para as religiões, visto que sua perpetuação se

dá pela transmissão de geração em geração, através dos ritos, dos mitos e doutrinas.

Enfim, não há tradição religiosa sem fórmulas fixas19

, sem fórmulas sagradas que

passam de uns para os outros e que permitem a transmissão invariável de uma geração

para outra.

O senso sobrenatural da fé

Entendemos por senso sobrenatural da fé, a impossibilidade do conjunto dos fiéis,

(desde o bispo até o último fiéis leigos), enganar-se no ato de fé, quando apresentam

19 RUIZ, p. 168.

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um consenso (comum acordo) universal sobre questões de fé e costumes. (CIC 91).

Isto é possível graças a unção do Espírito Santo que os instrui e conduz à verdade em

sua totalidade.

Os dogmas da fé

Na missão do Magistério de interpretar e preservar o “depósito da fé”, contido na

Tradição e na Escritura, principalmente diante das heresias, foram obrigados, a definir

“fórmulas de fé”, mostrando a posição oficial da Igreja, buscando com isso ajudar na

compreensão do “dado revelado”, excluindo os erros, para que os fiéis tivessem mais

segurança e clareza para o exercício da sua fé.

Desse modo, como afirma o CIC 88, “O Magistério da Igreja (...) define dogmas

(...) quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável

de fé, propõe verdades contidas na Revelação Divina ou verdades que com estas estão

em conexão necessária”.

Eles não são barreiras no caminho, mas corrimãos ao lado dele. Existem para

proteger o caminhante e apoiá-lo em sua ascensão. Eles não são verdades mortas, mas

fontes vivas de vida e reflexão20

.

Relação Tradição-Escritura-Igreja-Magistério

A Escritura e a Tradição formam juntas o único depósito da fé, que é confiado a

toda Igreja, mas fica a encargo do Magistério21

a tarefa de interpretá-lo

autenticamente. No entanto, vale lembrar, que o Magistério é parte integrante da

Tradição e não está cima das Escrituras, mas ao seu serviço.

Desse modo, são inseparáveis, Escrituras, Tradição, Igreja e Magistério.

Sem o Magistério, a Igreja se dissolveria numa infinidade de doutrinas diferentes,

perdendo sua unidade, como acontece com grande parte das religiões protestantes, que

se baseiam na “livre interpretação das Sagradas Escrituras”.

Alguns critérios para se distinguir a verdadeira Tradição

A) Cristocentrismo: se Jesus ocupa o centro.

B) Apostolicidade: se estão em harmonia com a fé da Igreja.

C) Pastoralidade: se servem à edificação do povo.

20 BOFF, p. 250. 21 RUIZ, p. 176.

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A SAGRADA ESCRITURA (“...como nos é transmitida pela Igreja...”)

Dando continuidade ao nosso estudo, chegamos agora a Sagrada Escritura, que

constitui, juntamente com a Sagrada Tradição, como já vimos, um dos canais pelos

quais a Revelação Divina é transmitida e chega até nós.

Por Sagrada Escritura, entendemos a fixação por escrito dos conteúdos da

Revelação, onde o autor sagrado (hagiógrafo) age sob a inspiração do Espírito Santo.

A Igreja considera como Escritura, os 73 livros canônicos (inspirados por Deus), que

foram escritos entre 950 a.C e 100 d.C., aproximadamente, nas línguas Hebraica,

Aramaica e Grega. Compreendemos não somente os 27 livros do Novo Testamento,

mas também os 46 livros do Antigo Testamento, visto que ambos se completam, pois a

História da Salvação é única.

Vale lembrar, que o Cânon Protestante é formado por apenas 66 livros, pois eles

não consideram como inspirados os livros de Tobias, Judite, I e II Macabeus,

Sabedoria, Sirácida e Baruc. Isto se deve ao fato de Lutero ter adotado a tradução do

Antigo Testamento a partir da Bíblia Hebraica, que não continha os referidos livros. O

cânon católico, por sua vez, foi constituído a partir da Septuaginta, que é a tradução da

Bíblia Hebraica para o Grego, acrescida destes 7 livros.

No princípio a Bíblia não era dividida em capítulos ou versículos numerados.

Somente em 1214 d.C, um arcebispo da França dividiu a Bíblia em capítulos. Em

1551, Robert Etiene, também na França, dividiu o Novo Testamento em versículos.

Teodoro de Beza, em 1565, divide toda a bíblia em versículos.

A Bíblia continua sendo o livro mais lido no mundo, embora ainda não tenha

chegado à todas as línguas. Ela foi o primeiro livro a ser impresso na imprensa

inventada por Gutenberg e levou 5 anos para ficar pronta (1450-1455).

A importância da Sagrada Escritura na teologia

A teologia e a Sagrada Escritura sempre tiveram uma relação muito estreita. No

entanto, no Concílio Vaticano II, viu-se a necessidade de repensar o lugar da Sagrada

Escritura no trabalho teológico, como vemos na Dei Verbum 24.

“A sagrada Teologia apóia-se na Palavra de Deus escrita e juntamente na

Sagrada Tradição, e nela se consolida firmemente e sem cessar se rejuvenesce,

investigando, à luz da fé, toda a verdade encerrada no mistério de Cristo. As

Sagradas Escrituras contêm a Palavra de Deus, e, pelo fato de serem inspiradas, são

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verdadeiramente a Palavra de Deus; e por isso, o estudo destes sagrados livros deve

ser como que a alma da sagrada teologia”.

Por conta disso, uma teologia que não busque uma fundamentação suficiente na

Escritura, torna-se estéril.

A Palavra de Deus é maior que a Escritura

Vale ressaltar, que embora a Sagrada Escritura contenha a Palavra de Deus e,

portanto, seja Palavra de Deus, ela não representa a totalidade22

dessa Palavra. A

“Palavra de Deus” não é um simples texto escrito, é o próprio amor de Deus feito

homem em Cristo.

E ainda, como afirma o CIC 102, “por meio de todas as palavras da Sagrada

Escritura, Deus pronuncia uma só Palavra, o seu Verbo único, no qual se expressa

por inteiro. Desse modo podemos compreender que, os escritos dos autores sagrados

tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, têm a mesma fonte que é o Verbo

divino. A diferença é que em Jesus de Nazaré, este Verbo, ou seja, a Palavra de Deus,

ao invés de ser transmitida pelos profetas, se fez carne e habitou entre nós. Deus

escolheu um caminho “direto”, sem intermediários (escritores sagrados) para realizar a

plenitude da Revelação.

O estudo da Sagrada Escritura é a alma da Teologia

Também é importante compreender que quando se diz que o estudo da Sagrada

Escritura é a alma da teologia, não se quer afirmar com isto que é “só a Escritura” que

contem a verdade, como pensava Lutero, pois o próprio Concílio nos convida a fazer

uma leitura à luz da fé e da Tradição, com as devidas interpretações23

.

O que é importante ressaltar é que na Escritura nós encontramos a Palavra que se

faz carne e a carne que se faz Palavra, não se tratando apenas de uma Palavra

pronunciada há 2000 anos, mas a Palavra que o Pai continua a pronunciar nos

nossos tempos24

.

22 www.zenit.org 23 MARTINS, p. 92. 24 MARTINS, p. 90.

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A centralidade da Pessoa de Jesus Cristo nas Escrituras

Olhando para o conjunto das Escrituras, o Novo Testamento tem primazia sobre o

Velho. Dentro do Novo Testamento, os Evangelhos têm o primeiro lugar, pois são o

principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado. Cristo é o centro, o

objetivo e a plenitude da Revelação e das Escrituras, pois é Ele o mediador entre o Pai

e a humanidade. Por conta disso, toda a Bíblia deve ser lida à luz25

de Cristo e do

Novo Testamento, mas sem desprezar o Antigo, visto que estão entrelaçados, como

afirma o CIC 129: “O Novo Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o

Antigo está desvelado no Novo”.

Dentro da mensagem que Jesus trouxe à humanidade, o ponto alto é o amor.

Quando perguntado por um Mestre, na Lei, qual seria o grande mandamento, Jesus

responde: "Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e

com toda a tua mente. É este o maior e o primeiro mandamento" (Mt 22, 37-38). Na

sua resposta, Jesus cita o Shemá, a oração que o israelita piedoso recita várias vezes ao

dia, sobretudo de manhã e à tarde (cf. Dt 6, 4-9; 11, 13-21; Nm 15, 37-41).

Por fim Ele acrescenta ainda: "O segundo é semelhante ao primeiro: amarás o teu

próximo como a ti mesmo".

Quem é o autor da Sagrada Escritura?

A compreensão a respeito da autoria das Sagradas Escrituras evoluiu ao longo da

história. No princípio, os padres da Igreja entendiam que os escritores sagrados eram

como que instrumentos musicais, passivos diante do autor, Deus, como afirma

Atenágoras: “Nossas testemunhas são os profetas que falaram por força do Espírito

Santo... o Espírito Santo movia a boca dos profetas que falaram por força do Espírito

Santo como um instrumento... O espírito Santo os utilizava como um flautista que toca

flauta.”26

Em outros casos, pensava-se que o Espírito Santo ditava27

as Escrituras para os

profetas.

Com o passar do tempo, cada vez mais, foi se percebendo o papel e a importância

do autor sagrado na composição dos escritos sagrados. Entendeu-se que ao ser

inspirado por Deus, o homem não é anulado, mas permanece livre, deixando

25 MATOS, p. 29. 26 RUIZ, p. 240. 27 RUIZ, p. 240

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transparecer no que escreve traços de sua personalidade, como vemos na Dei Verbum

11: “Na composição dos livros, Deus se serviu de homens escolhidos que usavam

todas as faculdades e talentos; desse modo, agindo Deus neles e por eles, puseram por

escrito, como verdadeiros autores, tudo – e somente – o que Deus queria”.

Por conta disso, vemos que Deus continua sendo o autor28

da Sagrada Escritura

com a participação e colaboração dos escritores sagrados, também verdadeiros

escritores.

Inspiração e verdade da Sagrada Escritura

Na compreensão da Igreja, a Sagrada Escritura ensina a verdade, pois Deus é o

seu autor; por isso se diz que ela é inspirada e ensina sem erro as verdades que são

necessárias à nossa salvação. O Espírito Santo inspirou os autores humanos, que

escreveram o que ele quis nos ensinar. A fé cristã, todavia, não é “uma religião do

Livro”, mas da Palavra de Deus, que não é “uma palavra escrita e muda, mas o Verbo

encarnado e vivo. 29

A interpretação da Bíblia na Igreja

Para que se tenha uma melhor compreensão dos textos sagrados é preciso um

estudo um pouco mais aprofundado e abrangente. Um dos grandes instrumentos

utilizados para esse fim é a exegese30

bíblica, que tem como objetivo, com o auxílio de

várias disciplinas (crítica textual, arqueologia, filologia, etc), tornar claro o texto

bíblico, desde suas particularidades linguísticas e conceituais, motivações teológicas,

bem como as circunstâncias histórico-literária.

Juntamente com a exegese, tem também a hermenêutica31

, que consiste em

encontrar o sentido por trás das palavras, traduzindo e aplicando à nossa realidade

atual.

Outro aspecto muito importante para a interpretação dos textos sagrados é levar

em conta os diferentes gêneros literários, (poesia, narrativas, profecias, hinos,

oráculos, etc.) visto que a Bíblia é um livro muito extenso, produzido num longo

28 RUIZ, p. 247. 29 Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. p. 25. 30 (do grego exegésis, puxar para fora) VADEMECUM para o estudo da Bíblia, Paulinas, São Paulo,

2005. p. 39. 31 (estudo do sentido dos textos) VADEMECUM, p. 203.

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período, por diversas pessoas. É preciso evitar fazer uma leitura fundamentalista (ao

pé da letra) para não incorrer em erros graves.

Por outro lado, deve-se tomar o cuidado, de não utilizar a tal ponto métodos de

análise, que esvaziem o sentido espiritual das Escrituras, analisando-a como um livro

qualquer.

Para uma boa interpretação da Sagrada Escritura

Muitas pessoas têm dificuldades em compreender a Sagrada Escritura. Um dos

motivos principais é que os textos bíblicos foram escritos entre 2000 e 3000 anos

atrás, por muitas pessoas, de cultura, linguagem muito diferente da nossa, em

momentos históricos distintos, por isso é preciso prestar atenção em alguns

elementos32

para se fazer uma boa leitura.

1) Disposição sincera e orante para a escuta da Palavra.

2) Situar o texto no contexto histórico.

3) Estabelecer o “sentido textual” (captar a intenção do autor).

4) Buscar o sentido atual do texto (confrontar com nossa realidade).

5) Ler a Escritura em comunhão com o conjunto da Igreja.

6) Pôr-se na linha da grande Tradição da Igreja.

7) Considerar o texto dentro do conjunto das Escrituras.

8) Interpretar a Bíblia a partir de Cristo.

9) Seguir as indicações do Magistério da Igreja.

10) Finalizar no amor toda leitura da Bíblia.

A Sagrada Escritura na vida da Igreja33

A Igreja venera as divinas Escrituras, como também o corpo do Senhor,

principalmente na Liturgia, onde oferece ao povo a mesa da palavra e a mesa do corpo

de Cristo. Juntamente com a Tradição constituem a regra suprema da fé.

A Sagrada Escritura é inspirada por Deus e dela ouvimos a voz do Espírito Santo

através das palavras dos profetas e dos apóstolos. Por isso a Igreja incentiva que a

pregação eclesiástica seja alimentada e dirigida pela Escritura, visto que ela constitui-

se como fonte pura e perene da vida espiritual.

32 BOFF, p. 209. 33Dei Verbum 24.

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Além do Concílio Vaticano II, que dedicou uma constituição dogmática só para

tratar do tema da Palavra de Deus, outros fatos recentes, vêm mostrar ainda mais a

importância que a Igreja tem dedicado e este tema, como o “Sínodo sobre a Palavra de

Deus, realizado de 5 a 26 de outubro de 2008 no Vaticano.

Alguns aspectos fundamentais levantados neste sínodo foram34

:

1) A compreensão de que a Palavra de Deus é maior que as Escrituras.

2) A Igreja quer que toda a pastoral e todos os estudos, em particular os

teológicos tenham uma base bíblica.

3) A importância da Lectio Divina.

4) A formação dos ministros ordenados e não ordenados deve ter um substrato

bíblico.

5) Favorecer um conhecimento mais amplo da Sagrada Escritura na Igreja.

A Sagrada Escritura e a catequese no Brasil

No Brasil, atualmente, tem se realizado um esforço muito grande por parte dos

bispos, para que se introduza o uso da Sagrada Escritura na catequese, de modo que “a

Bíblia se torne o livro principal”35

. Vale lembrar que o Diretório Nacional da

Catequese e o Ano Catequético (2009) estão dando grande impulso para que isso se

torne realidade.

A importância da leitura da Sagrada Escritura

A Igreja exorta todos os cristãos, que leia com freqüência as Sagrada Escritura,

pois ignorar a Escritura é ignorar a Cristo.

34 www. Zenit.org 35 Revista Vida Pastoral. Jan/Fev 2009 – ano 50. Nº 264.

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TEOLOGIA E FÉ (“...acolhida pela fé”.)

Avançando um pouco mais na compreensão da teologia, agora trataremos da

questão da fé, sem a qual não é possível realizar tal estudo.

Como vemos, pela Revelação, Deus vem ao encontro do homem. Porém, a

Revelação só se completa quando o que foi dito é aceito ou acolhido por aquele que

escuta, ou seja, quando se estabelece um “verdadeiro diálogo” entre as partes.

Isto só é possível, pois o homem, por ser criado à imagem de Deus, embora com

dificuldades consegue adentrar no seu mistério, como afirma o apóstolo Paulo. “Agora

vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois veremos face a face”. (I Cor 13,

12)

Por meio da fé, o homem pode perceber36

determinados eventos da história como

ações salvíficas de Deus.

O Concílio Vaticano II apresenta a fé como resposta do homem à comunicação

divina e entende por fé o ato pelo qual “o homem se entrega total e livremente a Deus,

oferece-lhe ‘o obséquio (favor, gentileza) total de seu entendimento e vontade’

consentindo livremente naquilo que Deus revela”.37

Vale lembrar, que quando se diz que a revelação é acolhida pela fé, devemos

compreender que a adesão à Revelação não é algo imposto por Deus, mas sim um ato

livre, onde cada pessoa decide se aceita ou ignora o chamado de Deus.

O que significa e qual o sentido da palavra crer?

Faz-se necessário, antes de aprofundar o tema, compreender que crer não é algo

exclusivamente religioso, mas é uma realidade do cotidiano de toda pessoa. Por isso,

antes de falar sobre a fé cristã, precisamos falar da fé humana.

a) A fé humana

Existem fundamentalmente duas formas de conhecimento: o “ver” e o “crer”.

- O “ver” se dá quando somos capazes de enxergar uma determinada coisa e pela

demonstração, pela intuição ou experimentação alcançamos a verdade a seu respeito.

Um exemplo disso é quando fazemos cálculos, como: 2 + 2 = 4

- O “crer” se dá quando não podemos adquirir um conhecimento imediato de uma

realidade por nós mesmos e dependemos do testemunho de outras pessoas. Desse modo,

36 RUIZ, p. 129. 37 RUIZ, p. 132.

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tomamos por conhecimento verdadeiro o que alguém de confiança transmite ou me

submete. Um exemplo disso é quando nos submetemos a um tratamento médico e

precisamos acreditar que aquele profissional é competente e tem a intenção de nos

curar, prescrevendo um medicamento certo, na dose certa, caso contrário nos matará.

Sem a mínima fé humana, a vida se tornaria praticamente impossível. Nos

ambientes onde quase todos desconfiam de todos, já podemos ver as conseqüências

funestas, desde o ambiente familiar até o profissional.

Os limites da fé humana

É importante lembrar, que a fé humana não é absoluta. Desse modo não podemos

crer de maneira absoluta em nenhum ser criado, pois nenhum homem está acima do

outro a ponto de se constituir como autoridade de valor absoluto. Quando se deposita

esta fé absoluta num ser limitado acontece algo desumano, ou seja, contrário à

dignidade e a liberdade do ser humano. Um exemplo bastante triste foi a fé em Adolf

Hitler.

b) A fé cristã

A fé cristã é modelada sobre a estrutura da fé humana, pois também no âmbito

metafísico existe “um ver” e “um crer”.

- O “ver” só será possível depois desta vida, ou seja, no céu, onde contemplaremos

Deus face a face.

- O “crer” nós experimentamos aqui na terra, enquanto estamos privados da

capacidade de ver a Deus face a face, de modo que conhecemos a realidade divina pelo

testemunho de outras pessoas.

Pela fé cristã, o ser humano pode conhecer uma realidade nova, constituída pelos

mistérios divinos, que foram comunicados através da Revelação, onde a palavra de

Deus tornou-se acessível ao se humano, principalmente em Jesus Cristo, que entrou de

maneira decisiva e clara no nosso universo de compreensão, por meio da linguagem,

imagens, conceitos familiares, de modo que não contradizem os conhecimentos que

adquirimos com as nossas forças naturais.

A diferença entre fé humana e fé cristã

Embora utilize a mesma estrutura antropológica, a fé cristã distingue-se da fé

humana, pois sua fonte está acima do homem, no nível transcendente, divino. Embora o

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objeto da Revelação não seja contraditório a razão, dificilmente a aceitaríamos com

facilidade, como por exemplo, um Deus assumir a condição humana. Por isso, a fé é um

ato que exige de nós um consentimento absoluto e incondicional, uma rendição da

razão. Em suma, exige todas as nossas forças.

A grande credibilidade da fé cristã está principalmente no extraordinário

acontecimento da ressurreição de Jesus, pois foi único na história da humanidade, onde

o ser humano vê de maneira palpável a possibilidade de ultrapassar os limites impostos

pela morte e viver eternamente, seu grande desejo. O próprio apóstolo Paulo afirma: “Se

Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”. (I Cor 15, 14)

Dimensões da fé Cristã38

A grande novidade do cristianismo é a vinculação da salvação a fé em Cristo, que

se tornou o elemento determinante do Novo Testamento, e fundamento da nossa fé. Se

no Antigo Testamento, ter fé era apoiar-se em Deus, no Novo Testamento ter fé é

acreditar em Cristo.

Aderir a Cristo não é algo superficial, que pode se restringir a pronunciar e

confessar algumas verdades de fé, adquirir alguns conhecimentos e obedecer alguns

preceitos, mas sim uma opção fundamental que comprometa toda a vida, implicando na

aceitação de valores novos e a renúncia de muitos valores velhos. Vejamos as etapas

deste processo.

1) A fé como confissão verbal de algumas verdades

Uma primeira dimensão da fé é seu aspecto confessional, ou seja, aceitar como

verdade uma série de conteúdos e professá-los publicamente.

As confissões verbais já existiam no Antigo Testamento, mas elas eram inacabadas,

pois consistiam numa história. Quando alguém perguntava pela fé dos judeus eles

contavam a história da ação de Deus no seu povo desde Abraão, Isaac, Jacó, Moisés,

Davi, etc, e assim, quando iam surgindo novos personagens esta história precisava ser

atualizada.

A grande diferença é que no Novo Testamento as confissões de fé têm caráter

cristológico. Ao invés de ser uma fórmula abstrata, as confissões de fé falam agora de

Jesus Cristo, a experiência concreta e palpável de Deus que veio pessoalmente, agiu e

falou na história, nos mostrando quem ele é, o que ele quer e o que espera de nós.

38 RUIZ, pp. 134-140.

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Se antes a fé era resposta a uma palavra dirigida por um profeta, hoje, a nossa fé é

uma resposta a uma pessoa concreta, Jesus Cristo.

2) A fé como conhecimento

Para uma autêntica vivência da fé cristã e até mesmo para professar a fé, faz-se

necessário um mínimo conhecimento prévio das verdades salvíficas.

No entanto, o conhecimento que a fé exige não é a simples percepção intelectual

de algumas verdades, mas uma atitude permanente de abertura ao mistério de Deus, de

modo que o homem se torne sensível, e possa captar e compreender os sinais divinos

em sua vida.

O objeto central desse conhecimento se resume no mistério de Cristo, sua morte e

ressurreição, para o qual se requer a graça do Espírito Santo. Desse modo, a fé no Novo

Testamento, consiste na aceitação do querigma, unida a obediência e à fidelidade.

Para o Apóstolo Paulo, a fé brota da palavra, realiza-se mediante a aceitação dela e

é sustentada pelo Espírito Santo, que ajuda a compreender com profundidade o que

Cristo revelou.

O conhecimento é um momento essencial da fé, porque esta inclui a aceitação pelo

intelecto do conteúdo revelado como verdadeiro.

3) A fé como obediência

O conhecimento ainda não é a plenitude da fé, mas uma das suas etapas.

A fé exige conversão interior e radical, uma a mudança de mentalidade (metanóia).

Converter-se a Jesus, significa também obedecer o seu Evangelho. Obedecer o seu

Evangelho, em muitos casos significa renunciar a nossa própria vontade e sabedoria, e

livremente abandonar-se confiante nas mãos de Deus, como fez Jesus.

Para que esta fé seja possível e autêntica ela deve se realizar no amor a Deus e na

esperança na realização de sua promessa de salvação.

4) A fé, opção fundamental do homem

Crer é ir até Cristo, segui-lo, aceitar seu testemunho, o que supõe uma opção radical

e total diante da pessoa e da missão de Cristo como Filho de Deus. Se aceitamos que

Cristo é o Filho de Deus, a Verdade em pessoa, sua palavra se transforma em referência

e critério fundamental para a nossa vida.

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Dizer sim a Deus é um ato livre, que brota do mais profundo do ser humano,

abrange a sua inteligência, vontade e ação, dando uma nova orientação a sua vida.

Implica também, numa tendência a amizade com Deus (caridade) e nasce do desejo da

vida eterna (esperança).

O homem tem duas opções: ou aceita Deus livremente, ou o rejeita. Aceitar, no

entanto, exige coerência de vida.

Os auxílios e obstáculos à fé

A fé é um dom de Deus, mas é também uma realidade histórica, transmitida de

geração em geração. Por isso, o testemunho dos homens e mulheres santos, dentro e

fora da Sagrada Escritura têm grande importância para todos nós.

Dois grandes exemplos de fé na Bíblia são Abraão (CIC 145) e Maria (CIC 148),

que souberam responder a Deus de uma forma extraordinária. As pessoas santas longe e

próximas de nós também nos auxiliam. Por meio delas, parecemos ver a face de Deus.

Por outro lado, os contra-testemunhos dentro da Igreja, causam um estrago muito

grande e dificultam a fé das pessoas. Fatos ocorridos á mais de mil anos ainda hoje

produzem efeitos negativos na Igreja.

Por isso, a nossa responsabilidade é muito grande, pois a nossa maneira de viver a

nossa fé, influenciará positiva ou negativamente as futuras gerações.

A fé é um ato pessoal, mas não isolado

É importante compreender que a resposta que cada pessoa dá a Deus é pessoal, mas

não isolada, pois geralmente não recebemos a fé diretamente de Deus, mas através das

outras pessoas, da família, da Igreja, por isso a dimensão comunitária é de suma

importância para se cultivar uma religiosidade saudável.

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TEOLOGIA E CIÊNCIA (“...é o estudo...”)

Fechamos agora o ciclo de temas que trata da definição da teologia. Quando

dizemos, “que a teologia é o estudo”, a grande questão que levantamos é a seguinte: a

teologia ainda pode ser considerada uma ciência ou não?

No final da Idade Média, com o surgimento das universidades, a Teologia tornou-se

a ciência mais sublime39

, por seu conhecimento ter origem na Revelação divina, e tratar

de algo que ultrapassa razão humana e orientar-se para o fim mais alto, a felicidade

eterna. Desse modo, todos os demais saberes deveriam a ela subordinar-se.

No entanto, com a chegada da modernidade e a ascensão do racionalismo e do

empirismo, principalmente a partir dos filósofos Descartes e Bacon, a teologia foi

duramente questionada, acreditavam que só poderia ser considerada ciência o que fosse

possível ser abarcado pela razão e comprovado pela experiência.

Como a teologia tem como objeto de estudo Deus, realidade esta que ultrapassa a

razão e não pode ser posto em um laboratório para análise, este modo de conhecimento

foi considerado inadequado, mera opinião.

Em suma, o que provinha da razão era considerado “luz”, e o que tinha origem na

fé, era tido por “trevas”, obscuridade.

Um alargamento na compreensão da ciência

No entanto, a crise do racionalismo e do empirismo, se estabeleceu, principalmente,

com a descoberta da impossibilidade de um conhecimento científico seguro e definitivo,

quebrando o dogmatismo da razão.

O próprio cientista racionalista Karl Popper admite: “Não sabemos: só podemos

adivinhar. E as nossas previsões são guiadas pela fé em leis, em regularidades que

podemos descobrir”.40

Outro aspecto que colaborou para o fim do dogmatismo racionalista, foi o

surgimento das ciências humanas, como: a Sociologia, Ciência Política, Economia,

Antropologia, História, dando margem a outro tipo de saber, que ultrapassa a exatidão

exigida pelo método cartesiano.

39 MARTINS, p. 150. 40 MARTINS, p. 154.

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Por conta destes acontecimentos e dessas novas descobertas e perspectivas do saber

humano, ampliou-se o conceito de razão e de ciência, dando uma maior margem para a

teologia.

Quais os tipos de ciência existem?

Com a abertura da compreensão de ciência, atualmente elas podem ser divididas em

três grupos41

.

1) Dedutivas: as principais são matemática e lógica formal. Método: Parte de

princípios, procedendo por deduções. Ex: Se um caminhão leva 5 toneladas,

logo 2 caminhões levam 10 toneladas;

2) Empírico-formais: São as ciências da natureza, especialmente a física. Método:

Lança uma hipótese e busca comprová-la fazendo experimentos. Ex: se um

avião voar a 1.216 km/h próximo do nível do mar, ele será mais rápido que o

som. Fez-se o teste e comprovou-se.

3) Hermenêuticas: São as chamadas ciências humanas. Procura encontrar razões e

sentido nas coisas. Dentre elas podemos destacar: a História, a Sociologia,

Ciência Política, Economia, Antropologia. Ex: As diferentes formas de

comportamento humano nas culturas.

Desse modo, vemos que os eventos da natureza devem ser explicados, mas a

história, os eventos históricos, os valores e a cultura devem ser compreendidos42

,

principalmente, a partir da linguagem, que é o modo do pensamento se manifestar.

Afinal, a teologia pode se considerada ciência?

A partir desta nova compreensão pós-cartesiana, a teologia pode sim, ser

considerada uma ciência hermenêutica (humanas). Ele obedece aos três critérios

fundamentais necessários para que um saber seja científico:

Criticidade: é uma saber auto-controlado, mediante método;

Sistematicidade: é um saber unificado e coerente;

Auto-amplificação (dinâmica): é um saber que tende a crescer em extensão e

compreensão.

41 BOFF, p. 91. 42Acesso em 01/04/09 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Hermen%C3%AAutica

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Este saber também deve por em ação três elementos.

O sujeito capaz de conhecer: no caso, o teólogo.

O objeto a ser conhecido: no caso, Deus e a sua criação.

O método a ser utilizado, ou seja, o caminho utilizado para que o sujeito chegue ao

objeto: no caso, o hermenêutico (busca de sentido).

Objeto material e objeto formal

Para uma melhor compreensão de uma ciência, faz-se necessário também,

distinguir dois elementos fundamentais, presentes na sua estrutura metológica:

a) O objeto material, que define a coisa que a ciência estuda (matéria-prima,

temática, assunto). Para se descobrir o objeto material, a pergunta é “o quê

estuda”.

b) O objeto formal, que define o aspecto que a ciência trata (dimensão, faceta,

lado). Para se descobrir o objeto formal, a pergunta é “como estuda”.

Pela ilustração abaixo, torna-se mais fácil a compreensão desta realidade. Por meio

dela, vemos que um mesmo objeto material, a terra, pode ser estudada ou

compreendida sob vários aspectos (objeto formal), de acordo com o interesse de

cada personagem.

TERRA fonte de vida planeta

negócio

cuidado

Fazendeiro

Geógrafo Indígena

Ecologista

- Objeto material:

Terra

- Objeto formal:

Negócio, Planeta, Fonte de vida e

Cuidado.

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Agora, por meio deste gráfico, vejamos como se configura a teologia.

TEOLOGIA A LUZ DA FÉ Deus

Objeto Material (quê)

Mundo

Objeto formal

(como)

Retomando a nossa definição inicial de teologia, podemos afirmar que:

Objeto Material da teologia: “O estudo de Deus e dos seres criados em relação

com Deus...

Objeto Formal: ...à luz da revelação sobrenatural, como nos é transmitida pela

Igreja e acolhida pela fé”.

A importância do reconhecimento da teologia como ciência

No passado, as pessoas, com mais facilidade aceitavam sem grandes

questionamentos as palavras de uma autoridade ou os preceitos de uma instituição.

Hoje, vivemos num mundo marcado pelo conhecimento científico e pelo subjetivismo,

onde grande parte da população mundial é alfabetizada e têm acesso aos mais variados

tipos de informações e, portanto, são mais críticas e capazes de questionamento, diante

de uma proposta que se apresenta como verdadeira.

Se a teologia ficasse fora do ambiente científico, a fé cristã poderia perder a sua

capacidade de diálogo com as demais áreas do saber e da vida da sociedade e desse

modo tornaria se isolada, pobre e incapaz de responder aos problemas do seu tempo.

O próprio Cristo não fugiu da sociedade, isolando-se, mas anunciou seu Evangelho

no templo, nas sinagogas, no meio do povo, em todos os lugares e à todas as pessoas.

Do mesmo modo, os teólogos de hoje, não poderiam trair ao seu mestre, afastando-se

deste ambiente tão rico e capaz de produzir tantos frutos.

A relação da teologia com a filosofia e ciências humanas

No princípio, a teologia cristã teve uma relação mais íntima com a filosofia, de tal

modo que o diálogo entre ambas não é apenas possível, mas necessário43

. A filosofia era

43 MARTINS, p. 178.

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considerada escrava da teologia, que deveria purificar-se para servi-la. Atualmente,

porém, como vemos na Fides et Ratio, há uma maior autonomia entre ambas, sem

significar contudo, oposição.

Depois do Concílio Vaticano II, houve um alargamento44

da relação da teologia

com as demais ciências modernas, e de modo particular as humanas. Dentre elas,

merece destaque a psicologia, sociologia e a história.

A teologia como ciência da fé

A teologia é a fé que se procura compreender e se expressar cientificamente

enquanto fé. Embora seja uma tarefa humana, ela é provocada, permitida e estimulada

por Deus, que ao se mostrar-se como palavra e como pessoa, convida a razão a adentrar-

se45

no seu mistério.

Embora se utilize do conhecimento de muitas outras ciências, ela nunca deve se

esquecer da sua origem46

no conhecimento Revelado por Deus e da ação do Espírito

Santo que conduz a Igreja, pois do contrário, poderia tornar-se semelhante a uma

ciência puramente racional. Em suma, a teologia deve ser sempre orante e peregrina.

44 MARTINS, p. 176. 45 MARTINS, p. 161. 46 MARTINS, p. 161.

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TEOLOGIA E HISTÓRIA

A teologia, embora sendo a ciência que estuda Deus, acontece no mundo dos

homens e por isso está diretamente relacionada e influenciada pela história de cada

período em que ela foi se constituindo, de tal forma que não é possível separar estas

duas realidades.

Para melhor compreensão da teologia e da sua evolução, faz-se necessário ter a

mínima compreensão do contexto histórico e das grandes questões levantadas em cada

época, dentro e fora da Igreja, desde as heresias até as influências políticas econômicas,

sociais e culturais, que levaram a dar diferentes respostas e optar por diferentes

enfoques.

Sem ter a pretensão de esgotar o assunto, abordaremos as quatro principais47

etapas

da reflexão teológica: a teologia patrística, a teologia escolástica, a teologia moderna e a

teologia contemporânea.

1) A Teologia Patrística48

Entendemos por teologia patrística a teologia realizada pelos Padres da Igreja49

que

compreende o período que vai do início da Igreja até o século VIII. A patrística

apresenta as primeiras tentativas de expressar a fé através da linguagem humana, ora por

motivos apologético-missionários, ora para definir os limites da ortodoxia50

.

Este período é de grande importância para Igreja, pois aí foram lançadas as bases do

“edifício teológico” do cristianismo, que hoje conhecemos.

São sete51

as características principais da teologia patrística.

1) - é um discurso crítico, mas ao mesmo tempo imbuído por uma dimensão

profundamente espiritual;

2) - é assumida como sabedoria e dirigida aos diversos aspectos da vida humana;

3) - é marcada por um caráter testemunhal;

4) - é alimentada constantemente por uma leitura unitária e teológica da Escritura;

5) - é marcada por uma unidade intrínseca, não considerando ainda as diferentes

disciplinas teológicas;

47 MARTINS, p. 56. 48 MARTINS, p. 57. 49

Padres da Igreja: autores cristãos dos oito primeiros séculos, que comportam as seguintes

características: ortodoxia de ensino, santidade de vida, reconhecimento por parte da Igreja e antiguidade. 50 Ortodoxo: aquele que segue fielmente uma doutrina. 51 MARTINS, pp. 57-58.

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6) - é realizada a partir da consciência eclesial, mesmo quando tem por objetivo o

combate às heresias ou às posições dos pagãos;

7) - usa a filosofia de uma forma eclética (diversificada).

Dos Padres Apostólicos aos primeiros apologistas

Neste primeiro momento a reflexão teológica não se encontra ainda sistematizada,

visto que as obras vão surgindo de acordo com a necessidade de responder aos

problemas surgidos na atividade pastoral, com preocupações principalmente éticas.

Nos séculos I e II, destacamos a presença singular dos Padres Apostólicos52

, que

foram os Padres da Igreja que tiveram contato direto com os apóstolos ou com

discípulos dos apóstolos. Estes personagens são testemunhas de grande credibilidade,

pois viveram muito próximo dos fatos originais, que sustentam nossa fé.

Principais autores: Clemente Romano, Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna;

as obras Didaqué e o Pastor de Hermas.

Nos Séculos II e III, surgem os Apologistas, que foram os Padres da Igreja que se

dedicaram de maneira mais intensa na apologia (defesa) da fé, ora rebatendo os ataques

dos adversários, ora reelaborando o discurso teológico de maneira a persuadir os pagãos

a aderir ao cristianismo, mostrando a razoabilidade e a originalidade do Evangelho,

estabelecendo um vibrante diálogo entre fé e razão, trazendo como temas principais a

trindade e a ressurreição.

Principais autores: Aristides de Atenas, Justino, Taciano e Teófilo de Alexandria.

Da sistematização do pensamento teológico ao esplendor da Patrística

Nos Séculos III e IV, começam a surgir as reflexões sistemáticas da teologia, onde

se destacarão de modo especial duas escolas:

a) Escola de Alexandria: estabeleceu diálogos com a cultura helênica (grega).

Principais nomes: Clemente de Alexandria e Orígenes;

b) Escola de Antioquia: Buscou recuperar o sentido literal da Escritura,

sublinhando a humanidade de Jesus.

Principais autores: Luciano de Antioquia, Diodoro de Tarso, S. João Crisóstomo,

Teodoro de Mopsuéstica e Teodoreto de Ciro.

52 MARTINS, p. 58.

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Os séculos IV e V, constituem a Idade de Ouro da Patrística, com as grandes

exposições da fé católica no Oriente e no Ocidente, onde se destacam dois grandes

gênios: Santo Agostinho (que fez a grande síntese entre a fé Cristã e a filosofia grega

(platônica) e São Jerônimo (que traduziu a Bíblia para do hebraico e do grego para o

latim - a Vulgata).

Com a paz de Constantino (permissão do culto cristão no Império Romano a partir

do ano 313) a Igreja abandona o mundo judaico onde nascera e se projeta para o mundo

Greco-latino, constituindo um grande impulso para o desenvolvimento teológico. Ainda

neste período aconteceram os primeiros concílios ecumênicos para tratar de questões

trinitárias e cristológicas.

Compreende-se que tanto o Antigo Testamento quanto a filosofia grega são

propedêuticas (preparação) do Cristianismo.

Outros autores de destaque: Atanásio, Basílio de Magno, Gregório de Nazianzo,

Gregório de Nissa, Ambrósio, Leão Magno.

O final da patrística

A partir do século V começa a se delinear o fim da Patrística que terá seu desfecho

no século VIII.

Uma das grandes causas do fim da patrística no Ocidente foram as invasões bárbaras,

que tiveram como marco a saque de Roma em 410 a queda do Império Romano

Ocidental em 476. Estas ameaças levaram o povo a migrar para o campo alterando a

ação pastoral da Igreja.

No Oriente a patrística se estendeu um pouco mais, pois lá o Império só veio a cair

em 1453, com a invasão dos turcos Otomanos.

No Ocidente a patrística foi até o ano 636 e no Oriente até 750.

Os principais autores: Boécio, Gregório Magno, Isidoro de Sevilha (+636),

Columbano, Bonifácio, Beda e João Damasceno (+750)

O Monaquismo e a passagem da Patrística para a Escolástica

Entre esses dois grandes períodos, Patrística e Escolástica, temos o período

Monástico, que não nos deteremos, muito, mas se faz necessário citá-lo para melhor

compreensão do contexto.

Com as invasões bárbaras o povo migra para o campo. Os mosteiros surgem no

campo e desenvolveram uma teologia distante do povo. No isolamento, se dedicavam

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ao trabalho, ao estudo e a oração a partir das Escrituras (Lectio Divina). Também

tiveram grande importância para a cultura ocidental, pois copiaram e traduziram muitas

obras clássicas.

Neste período de transição do monaquismo para a escolástica, merece destaque Santo

Anselmo de Cantuária (1033-1109), que cria um novo modo de fazer teologia, dando

uma grande ênfase no papel da razão, que procura compreender a fé a partir da dialética

(busca da verdade a partir do diálogo – tese-antítese-síntese) animada pela

contemplação. Santo Anselmo é considerado o pai da escolástica.

2) Teologia Escolástica

Entendemos por teologia escolástica o período que vai do século XI ao XV,

abarcando grande parte da Idade Média (período que vai do ano 476 ao 1453).

Enquanto a teologia patrística se estabeleceu no âmbito pastoral-missionário, a

monástica se dava num ambiente místico-contemplativo dos mosteiros que ficavam no

campo, a teologia escolástica se realizava no espaço escolar, nas universidades, ao lado

de outras disciplinas como: direito e medicina, passando pelo crivo da lógica e da

análise crítica.

O grande problema da escolástica é que embora houvesse uma boa sistematização

(visão de conjunto) ela se tornou muito teórica e não favoreceu a atividade pastoral.

Além disso, seus destinatários eram principalmente a elite da sociedade e não o povo

simples. Neste período, houve grande influência da filosofia e da lógica Aristotélica,

Os grandes representantes da Escolástica eram os doutores, dentre os quais se

destaca São Tomás de Aquino (+1274).

As fases da escolástica

Para melhor compreensão deste período da teologia, podemos distinguir três fases:

a primeira escolástica, a alta escolástica e a escolástica tardia.

a) A primeira escolástica (do século XI ao XII)

A escolástica nasce num ambiente marcado pelo renascimento cultural, que se

inicia no século XI e se expande até o século XII. Os principais fatos foram: as

cruzadas, o surgimento das cidades, da burguesia e das universidades. Neste período se

dá a passagem do neoplatonismo agostiniano para o aristotelismo, com sua lógica e sua

metafísica, graças a Boécio que traduziu suas obras para o latim.

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É importante notar que, anteriormente a teologia era vista como um encontro com a

sabedoria. A grande peculiaridade do método escolástico é que a teologia se desenvolve

a partir da dialética, dando um grande enfoque na questão da racionalidade e na lógica

dos argumentos, bem como na análise crítica.

Este método se dava em várias formas de ensino53

, como:

- lectio: o professor comenta os textos dos grandes mestres e com eles dialoga.

- quaestio: buscar a verdade a partir de diferentes interpretações do mesmo texto.

- quaestiones disputatae: o mestre colocava uma série de questões e mediava a

discussão.

- quaestiones quodlibet: discussão livre sobre qualquer assunto.

- summae: ensaios sistemáticos de teologia, confrontado com as refutações.

É importante ressaltar, que foi neste período, no ano 1050, que se deu a divisão

entre a Igreja Romana e a Bizantina, passando a ser chamadas respectivamente de Igreja

Católica Apostólica Romana (ocidental) e Igreja Ortodoxa (oriental).

Os grandes expoentes deste período foram: Anselmo de Cantuária, Hugo, Ricardo

de São Vitor, Pedro Abelardo e Pedro Lombardo.

b) A alta escolástica (século XIII)

Este foi o período do esplendor da escolástica, onde surge o grande teólogo São

Tomás de Aquino, que deixou uma das obras mais importantes para a teologia: a suma

teológica, embora tenha sido concluída por seus discípulos.

São Tomás de Aquino também é considerado o modelo de teólogo54

pela Igreja,

pois foi capaz de fazer uma das melhores sínteses entre a fé e a razão. Sua base

filosófica era Aristóteles.

Outros nomes merecem destaque: Alberto Magno, Eckart e Boaventura.

c) Escolástica Tardia (do século XIV ao XV)

Este período é marcado pelo agravamento da relação entre o poder eclesiástico e o

poder civil, principalmente com o Cisma do Ocidente55

.

53 MARTINS, p. 65. 54 Optatam Totius16. 55 Período onde a Igreja teve seu poder dividido por três papas (ou pretensos papas).

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Também neste período começa a haver um distanciamento entre a fé e a razão,

principalmente com Guilherme d’Occam, que negava a possibilidade de um

conhecimento científico sobre Deus, ou seja, a teologia.

Os grandes autores: Duns Scoto, Guilherme d’Occam.

3) A Teologia Moderna (do século XVI ao XIX)56

Uma das grandes marcas deste período foi o Renascimento, que levou o homem

medieval, a partir do contato e com o interesse pela cultura clássica Antiga estabelecer

novos horizontes, recusando a autoridade e a tradição. Surge um “homem novo”,

querendo autonomia, principalmente instigado pelas novas possibilidades apresentadas

pelos avanços da ciência, as descobertas de novas terras, o desenvolvimento comercial.

Além disso, as pessoas buscavam um contato mais direto e simples com a religião e não

as elevadas abstrações escolásticas.

A Reforma-Protestante e a Contra-Reforma Católica

Estamos aqui diante de um dos problemas mais delicados que a Igreja enfrentou ao

longo dos séculos, onde o padre agostiniano, Lutero, questiona duramente a dogmática

tradicional, principalmente a influência da filosofia na teologia, buscando dar maior

ênfase nas Escrituras e a sua livre interpretação, desencadeando em 1517 à Reforma-

Protestante.

Somente com o Concílio de Trento (1545-1563) a Igreja enfim consegue fazer uma

reforma interna, procurando corrigir erros e principalmente responder as grandes

questões levantadas por Lutero.

Estas situações, fizeram com que, cada vez mais o cristianismo perdesse força e

desse espaço para a secularização, ou seja, uma sociedade que funciona independente da

Igreja, que passa a ser considerada mais como uma rival que como uma aliada.

Os inícios do racionalismo

O racionalismo, que se desenvolve a partir de Descartes, afirma que o

conhecimento para ser verdadeiro precisa passar pelo crivo da razão, colocando em

descrédito a Revelação, por se uma realidade não abarcada e considerada pela razão.

Esta foi uma das grandes interpelações à teologia católica, que reage criando a

56 MARTINS, p. 73.

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disciplina da Apologética, que procura explicar pela razão natural os dogmas, que são

expressões do conhecimento sobrenatural.

O racionalismo e as questões teológicas que levantam

A partir da influência racionalista, a teologia, apesar de todos os esforços, acaba se

reduzindo aquilo que a razão pode abarcar57

, gerando uma crise no cristianismo do

século XVIII.

O filósofo Kant, por exemplo, afirma que não encontramos Deus no mundo, mas na

consciência de cada pessoa. Desse modo, ter fé significaria obedecer os valores morais

já presentes em nossa própria consciência e não fora dela.

O século da História

No século XIX, a palavra de ordem foi a história, que influenciou todas as áreas do

conhecimento, inclusive filosofia e a teologia. Esta concepção, tem como base a busca

de responder aos questionamentos da realidade, sempre a partir da razão. De modo

particular o cristianismo é constante alvo de críticas e não consegue responder a altura

os grandes questionamentos levantados por pensadores como: Feurbach, Nietzsche,

Marx, (que vêem a religião como alienação).

4) A Teologia Contemporânea (Século XX)

Antes da Segunda Guerra Mundial

Neste período, a reflexão teológica sofreu forte influência das novas correntes

filosófico-científicas, que procuram compreender as religiões, e também o cristianismo,

como um a etapa do desenvolvimento histórico, relativizando o seu valor e procurando

reforçar a autonomia do homem diante da idéia de Deus, que para muitos era o

usurpador da melhores qualidades humanas. Por outro lado com a evolução do

conhecimento científico, entendido como a forma mais excelente de conhecer,

desconsiderou o saber da fé.

O protestantismo com a teologia liberal apresenta o cristianismo como a mais alta

expressão da religiosidade, mas acabou reduzindo a uma procura do homem, relegando

Jesus a um mero mestre exemplar.

57 MARTINS, p. 79.

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No catolicismo, os teólogos modernistas, romperam com a neo-escolástica, e

procuraram estabelecer um diálogo com o mundo moderno, utilizando o pensamento

filosófico da época, mas acabaram relativizando a transcendência da Revelação e o

conteúdo dos dogmas.

A neo-escolástica renova, com o neotomismo, buscando a autenticidade do

pensamento de São Tomás de Aquino.

Culturalmente, na Europa, cresce o marxismo e o nacional-socialismo.

Filosoficamente ganha corpo a fenomenologia, o existencialismo, o personalismo, o

positivismo lógico e o marxismo.

Na linha protestante surge, de um lado Karl Barth, defendendo a transcendência e

de outro, surgem teólogos que enfatizam a tal ponto a humanidade de Jesus (aspecto

histórico), que acabam descaracterizando a transcendência.

Bultman, reagindo ao demasiado historicismo, enfatiza demasiadamente o aspecto

pessoal e individual da decisão da fé, caindo no subjetivismo.

O catolicismo buscou incrementar seus estudos Bíblicos e à Patrística. Pela

renovação litúrgica, a teologia da história, levando a um encontro entre cristianismo e

cultura. Repensou a eclesiologia a partir da teologia do laicado, onde pode estabelecer

uma melhor relação da Igreja com o mundo.

Depois da Segunda guerra

Diante da grande catástrofe da guerra, os europeus enfrentam uma crise de sentido

para a existência. A sociedade civil se afasta ainda mais do cristianismo, a filosofia

caminha para o ateísmo e a teologia enfrenta problemas para definir o papel político da

Igreja, que sente necessidade de se apresentar como um humanismo.

Neste período, em contraposição aos manuais de inspiração escolástica, surge a

“Nova Teologia”, que procura assumir o ser humano como existência histórica, sem

perder a fidelidade às Escrituras e a Tradição eclesial, apoiando-se nos modernos

estudos bíblicos e nas fontes patrísticas.

Ficam por algum tempo sob suspeita de excessiva influência modernista, mas no

Vaticano II foram redimidos e aceitos como grande fonte de renovação da Igreja.

Destacaram-se os teólogos, Chenu, Congar, Lubac e Daniélou.

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Desse modo, cinco grandes questões, emergem na teologia católica e irão para o

Concílio Vaticano II.

1) A natureza e a da teologia, com a introdução do conceito de história e

consequentemente o caráter realístico da revelação e da fé.

2) Relação entre natural e sobrenatural: uma separação entre as duas ordens garantia o

caráter sobrenatural da graça, mas fazia com que a teologia se desinteressasse das

realidades terrenas;

3) Relação matéria-espírito: o pensamento marxista, fixando-se apenas na matéria

lançou o desafio de construção de uma teologia das realidades terrenas e de uma

antropologia teológica integral (registre-se a tentativa de Teilhard de Chardin de

harmonizar a revelação cristã com o progresso cientifico).

4) O problema da revelação: de uma teologia centrada sobre a fé entendida como um

acreditar em verdades, passou-se para uma teologia centrada na Revelação Divina

como acontecimento histórico-salvífico, que dá forma a própria fé.

5) Eclesiologia: passou da Igreja instituição para a Igreja comunidade de salvação.

Depois do Vaticano II houve uma grande renovação, não apenas no currículo dos

estudos eclesiásticos, mas principalmente no método teológico. Além dos teólogos já

mencionados, destacaram-se R. Guardini, Karl Rahner, Von Balthasar, Schillebeeckx,

Ratzinguer e W. Kasper.

No período pós-conciliar, desenvolveram as teologias práticas, que encararam a

dimensão histórica do cristianismo, não apenas como passado, mas como abertura para

o futuro. Destacam-se teologia da esperança, com J. Moltmann; teologia política de J.

B. Metz e a teologia da libertação de Gutierrez.

No entanto, muitas vezes encararam o cristianismo, como uma libertação meramente

terrena, perdendo um pouco a dimensão transcendental. Atualmente a teologia busca

realizar de uma maneira mais equilibrada esta síntese entre o transcendente e o

histórico, evitando os extremos.

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A TEOLOGIA LATINO-AMERICANA DA LIBERTAÇÃO

Toda teologia nasce em determinado contexto social e histórico, marcado de modo

particular pela situação política e econômica58

, envolvida por um movimento de idéias e

elementos culturais.

Situação sociopolítica e econômica de dominação e opressão

Para melhor compreensão da origem desta teologia, faz-se necessário observar a

situação econômica da época. Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o

capitalismo se expande com grande velocidade pelo mundo.

Na Europa, sob a orientação de líderes cristãos, pela situação cultural e influência das

lutas operárias o capitalismo se desenvolve de uma maneira mais humana, garantindo

vida digna para a maioria da população.

Diferente da Europa e EUA, nos países, periféricos o capitalismo mostra a sua face

mais selvagem, onde a maioria da população fica marginalizada no processo de

desenvolvimento, com uma grande concentração de renda nas mãos de uma elite

comprometida com interesses internacionais.

Os países ricos criaram a teoria do desenvolvimento, afirmando que os países

pobres estariam em processo de desenvolvimento e que um dia se tornariam tão

prósperos e igualitários quanto a Europa e EUA.

No entanto, observando a realidade de exploração a que estavam submetidos os

países do terceiro mundo, os sociólogos Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto

(Chileno) elaboraram a Teoria da Dependência e da libertação, onde afirmavam que

os países pobres jamais se desenvolveriam seguindo este modelo de desenvolvimento,

visto que a riqueza das grandes potências se dava por meio da exploração dos países

periféricos, gerando um círculo vicioso e opressor. Somente um rompimento com o

sistema, uma libertação do imperialismo dos países ricos poderia ser a saída para o

problema.

Desse modo, o termo libertação59

surge dentro da teoria da dependência e

libertação, elaborada por FHC e Enzo Faletto, nos anos 60.

58 LIBÂNIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. Loyola, São

Paulo, 1996. P. 161. 59 LIBÂNIO, p. 163.

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Movimentos de libertação

Diante da situação de dependência e opressão, surge no continente Latino-

Americano uma vontade de libertação, alimentada por duas correntes, sendo uma

popular, baseada na luta por direitos, organização no campo e nas cidades, que

pressionavam a sociedade.

Também surgem movimentos revolucionários, que embora pequenos, faziam

muito barulho.

Por conta destas circunstâncias instaurou-se no continente um amplo debate sobre a

necessidade de transformação desta realidade. Assolada pelos efeitos nefastos do

capitalismo, esta duas vertentes tendem para uma vertente socialista, que ganhou força

graças ao método pedagógico elaborado e experimentado por Paulo Freire.

Presença da Igreja

A Teologia da Libertação, surge quando setores da Igreja, a partir da experiência de

opressão e busca de libertação, busca na fé uma resposta para esta situação.

Outro fator importante para o surgimento da TdL, foi abertura da Igreja para o

Social60

, com as encíclicas Mater et Magistra, Pacem in terris do Papa João XXIII e a

preocupação pelas realidades terrestres, humanas e históricas demonstradas na Gaudium

et spes.

Parte do episcopado brasileiro se sensibilizou com a questão social, captando as

tensões fundamentais, permitindo o surgimento de uma teologia.

A juventude, teve forte influência da Ação Católica, de modo especial, a JEC, JOC,

JUC, comprometidas, não somente com transformação da política estudantil, mas

também social.

Nos meios rurais e nas periferias começaram a surgir as CEBs (Comunidades

Eclesiais de Base), que levantaram grandes questionamentos, que a TdL procurou

responder.

A partir do encontro entre os bispos sensibilizados com o social, a ação católica e as

CEBs, interpelados pela dura realidade social em confronto com o Evangelho, surge a

TdL.

60 LIBÂNIO, pp. 166-167

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Situação Cultural e Teológica

Toda nova teologia, sofre influência das anteriores e da realidade que a envolve,

com suas idéias e valores. A teologia latino-americana nasce no horizonte cultural da

modernidade em atitude crítica à cultura medieval.

Enquanto a teologia medieval (escolástica) procura responder a realidade a partir de

princípios de fé já pré-estabelecidos, a teologia moderna, pelo contrário, vai ao encontro

da realidade do homem moderno e a partir do confronto com a mensagem Evangélica,

elabora uma teologia, que seja capaz de responder aos seus grandes questionamento.

A teologia moderna e a TdL, partem do sujeito que crê e não da doutrina em que se

crê, como era a teologia medieval.

A Teologia da América Latina é alinhada com a teologia moderna e crítica a

teologia medieval. No entanto, enquanto a teologia moderna européia, busca resgatar o

sentido da Revelação para o homem moderno ameaçado pela perda de sentido da

existência, a teologia moderna da América-Latina, por sua vez, busca o sentido da

Revelação interpelada pela situação de opressão dos pobres.

Estrutura da Teologia da Libertação

A TdL diferencia-se das outras teologias, não porque não se refira à Revelação, mas

sim, porque nasce de uma situação dramática, onde existe uma tensão entre dominação

e libertação, em um continente cristão.

Pontos de partida

Toda nova teologia nasce a partir de novas perguntas. A TdL, nasce de experiência

de Igreja, que se vê interpelada pela contradição entre a opressão e o Evangelho. Pela

compreensão de um Deus que não se cala diante da face machucada do pobre, mas que

se manifesta na obra de libertação.

Articulação com a prática

A TdL é a face teórica-crítica da prática libertadora. Sem a teoria a prática perde a

lucidez. Sem a prática da caridade, a teoria se esvazia.

Por isso é importante que a TdL não se esvazie da experiência de Deus no pobre,

pois do contrário se torna uma simples ideologia.

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Os três momentos da TdL

A TdL constitui-se de três momentos: pré-teológico, teológico e a dimensão

pastoral.

a) Momento pré-teológico (ver): se dá a partir da experiência do teólogo que “vê” a

realidade do empobrecido e da sua necessidade de analisá-la cientificamente.

Na experiência do “ver”, é preciso muito cuidado para não cair nas visões

preconceituosas formadas por aqueles que são contrários a TdL, ou, no outro

extremo, por aqueles que a defendem, sem a mínima criticidade.

Na análise científica, é preciso muito cuidado, para não apropriar-se de maneira

equivocada das ferramentas das ciências sociais ou de métodos de análise, sem

livrar-se da ideologia que está por trás de cada um deles. É necessário selecionar

elementos destas ciências e colocá-los à luz da fé.

b) Momento teológico (julgar): consiste em trabalhar a questão levantada pela

situação, analisada com mediações sociais, à luz da Revelação divina.

É preciso evitar o determinismo sociológico, que afirma que a compreensão da

Revelação depende do ponto de vista do leitor.

Por outro lado, o dogmatismo transcendentalista, que considera a Palavra de

Deus, como uma realidade fixa, que não possibilita novas interpretações, diante de

novas realidades.

Somente uma articulação dialética entre situação e a palavra, o histórico e o

transcendente, leva a uma atualização e compreensão da mensagem da Revelação

Divina.

Desse modo, o momento teológico responde ao triângulo hermenêutico61

: texto,

contexto e pré-texto. Dentro de um pré-texto social, vivendo-se no contexto eclesial,

procura-se penetrar o sentido do texto da Revelação, que em suma deve responder a

pergunta básica e fundamental: o que diz Deus sobre tal realidade?

c) Momento prático (agir): a prática é uma das características básicas da TdL, embora

não possa esquecer-se da sabedoria e da racionalidade.

Na TdL, existem três níveis de práxis62

: prática intrateológica, intraeclesial e

sociopolítica.

61 Hermenêutica: interpretação do sentido das palavras. (Larousse) 62 Conjunto de atividades humanas que promovem a transformação da organização social. (Larousse)

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1) Prática intrateológica: consiste em dilatar a compreensão de termos e realidades

teológicas cristalizadas, para uma dimensão mais humana, e comprometidas com

a realidade histórica.

2) Prática intraeclesial: tem como objetivo construir uma igreja militante e

ministerial.

3) Sociopolítica: mostra em que aspectos as estruturas políticas, sociais, econômicas

estão coerentes ou não com o projeto de Deus.

Teologia da Libertação e práxis

Resumidamente podemos dizer que, a Teologia da Libertação é uma:

Teologia da práxis: pois a prática oferecer a matéria-prima da TdL.

Teologia para a práxis: pois o fruto da elaboração teológica é orientado para

iluminar a prática teológica.

Teologia na práxis: pois o teólogo deve estar comprometido e inserido na prática

libertadora.

Teologia pela práxis: pois é de modo particular na prática pastoral que se julga o

valor de uma teologia.

Balanço crítico da TdL

Embora jovem, é possível fazer um balanço da TdL, tanto pelos seus limites,

quanto pelos seu avanços.

Uma das principais críticas recebidas pela TdL é o fato de ele utilizar

instrumentos para analisar a realidade, oriundas do sistema marxista, que entrou em

colapso no leste europeu. Este fato obrigou os teólogos a rever e aprofundar o seu

discurso, principalmente diante da complexidade do capitalismo. Hoje a questão

central discutida pela TdL é, como conciliar justiça social com mercado. Apesar de

tudo, os ideais da TdL continuam válidos: justiça social, liberdade, fraternidade, etc.

Outro problema é o estranhamento entre a TdL e a Doutrina Social da Igreja.

Também aconteceu, que ao enfocar a questão do pobre, a TdL descuidou da

questão racial e da relação homem-mulher.

Ao buscar responder as questões urgentes das necessidades básicas humanas –

alimentação, saúde, habitação – descuidou-se do universo dos desejos. Por conta

divulgou-se uma imagem do militante e agente de pastoral rígido e insuportável, a

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beira do fanatismo, ao passo que o capitalismo divulgava a proposta de um mundo

maravilhoso de sonhos e ilusão, que seduziu a muitos.

Por conta disso, atualmente a TdL tem valorizado os momentos lúdicos e as

festas populares.

A respeito da interpretação da Palavra de Deus e da fé da Igreja, há uma crítica,

afirmando que muitas vezes a Revelação divina ficou subordinada a práxis.

Há também uma crítica no que diz respeito ao ecumenismo, que foi

negligenciado. Isto levou a uma mudança de atitude, de modo que atualmente se

realizam ações conjuntas entre católicos e evangélicos nas lutas populares, embora a

reflexão teológica propriamente dita ainda não tenha avançado.

Falta também uma reflexão mais profunda relacionando teologia e economia.

Por fim, ainda caem sobre a TdL, outras críticas como: incentivo à violência,

acirramento do conflito, politização da fé dos agentes de pastora, desrespeito à

religiosidade piedosa do povo simples, atitude extremamente crítica à instituição

eclesiástica, etc.

Perspectivas

Em 1992, no encontro Internacional de El Escorial, tentou-se a partir do balanço

das últimas décadas, traçar uma perspectiva de futuro.

Chegou-se a conclusão que a TdL só tem futuro, se continuar a existir esta

imensa e escandalosa massa de excluídos no mundo, que contradiz abertamente o

Evangelho. Se um dia esta realidade for mudada, com certeza não terá sentido uma

Teologia da Libertação. Mas enquanto isto não acontece, a TdL, continua sendo uma

voz teológica, quase única, a gritar. Aliás, a sua credibilidade está na imensa

quantidade de excluídos.

Se antes a TdL trabalhou a relação opressão-libertação, agora ela procura

trabalhar o problema da exclusão-solidariedade, envolvendo também os países ricos.

Somente uma cadeia mundial de solidariedade63

tem a possibilidade de impor

modificações radicais aos rumos do sistema capitalista neoliberal.

Entre os principais desafios e tarefas da TdL, podemos destacar:

1) Passar da cristologia do Cristo histórico para a valorização do Cristo-

pneuma, abrindo-se para uma eclesiologia mais criativa e crítica.

63 LIBÂNIO, p. 191.

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2) Uma Igreja feita de rede de comunidades de partilha de fé, respondendo aos

anseios espirituais do povo.

3) Compreender salvação e libertação como um processo mais amplo que o

puramente terreno.

4) Uma ação transformadora do homem que envolva a questão social e

ecológica.

5) Uma teologia aberta à inculturação.

6) Busca de espiritualidade mais profunda que fundamente a prática.

7) Abertura à presença da mulher em todos os campos da teologia.

8) Aprofundar os estudos, em forma de teses e dissertações, garantindo a

credibilidade do discurso, frente ao mundo moderno.

9) Realizar uma liturgia que afete toda a vida da Igreja, em resposta à teologia

conservadora.

10) Uma visão de catequese mais abrangente, unindo teologia e prática.

A Libertação é algo mais abrangente que a TdL. Ela abrange o campo político,

econômico. A libertação, é, em última instância o plano salvífico de Deus.

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O MÉTODO TEOLÓGICO

Aprender a fazer teologia

O objetivo da metodologia teológica é ensinar a praticar teologia. O estudante,

dispondo do instrumental básico, aprende as regras fundamentais da teologia para

exercitá-las em suas reflexões e trabalhos pastorais.

É importante ressaltar, que não basta entender para crer. É preciso fazer a

experiência do mistério de Deus na nossa vida, ultrapassando o simples domínio

racional.

O teólogo presta um serviço à comunidade, quando, por meio do conhecimento

científico e sua disponibilidade, se torna capaz de articular os vários elementos da nossa

fé com a realidade, ajudando seus irmãos a viver com profundidade experiência de

Deus.

Caminhos do conhecimento de Deus

A teologia é o estudo sobre Deus, onde, o ser humano, partindo de uma realidade

concreta, faz perguntas sobre o ser.

A humanidade, para conhecer a Deus, ao longo de sua história, buscou diversos

caminhos, que embora diferentes são complementares:

a) O caminho da razão, é o modo de buscar a Deus pela via natural, onde o

homem, diante da criação, procura, com esforço racional, responder às questões

relacionadas a origem, ao fim e o sentido das coisas, de modo particular a

finalidade da existência humana. Este caminho é de modo particular trilhado

pela filosofia.

b) O caminho das grandes religiões, torna possível um vislumbre do Mistério,

onde podemos perceber lampejos da Verdade. Segundo a Nostra Aetatte 2:

“A Igreja católica... olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos

pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia, refletem não

raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens”.

Como vemos, a ação do espírito de Deus, está presente em todas as culturas,

para atraí-los para Ele.

c) O caminho da Revelação: trata-se da automanifestação de Deus que tem seu

ápice em Jesus Cristo. É uma revelação plena de Deus, que se torna acessível a

todos, de maneira fácil e segura, embora não dispense a racionalidade.

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Proporciona um encontro pessoal com o Deus vivo que efetivamente entra na

vida da pessoa e da comunidade daqueles que crêem.

Etapas do trabalho teológico64

A teologia cristã busca uma visão orgânica e sistemática da fé. Para isso, o trabalho

teológico se dá em três passos consecutivos:

- a escuta da fé; (passo hermenêutico)

- a experiência da fé; (passo especulativo)

- a aplicação da fé; (passo prático)

A escuta (auditus fidei) é o passo básico, que consiste em coletar o dado da

Revelação, tal qual está exposto e elaborado nas Escrituras, nos Padres da Igreja, nos

grandes teólogos e na reflexão teológica mais recente. O simples fato de coletar os

dados já vai ampliando também a intellectus fidei.

A explicação (intellectus fidei) é o momento onde se elabora propriamente a

teologia, a partir do aprofundamento intelectual do dado coletado. Ao realizar a

intelecção do dado, o próprio dado vai se ampliando.

Se dá no confronto entre fé e razão, e se compõe em três operações:

- Análise do conteúdo interno da fé, colocando o “porquê” dos mistérios em que se crê.

- Sistematização desse conteúdo mediante uma síntese articulada.

- Criação de novas perspectivas teológicas para avançar na compreensão da fé.

É importante ressaltar, que esta terceira etapa, a aplicatio fidei, é uma contribuição

de modo particular da teologia Latino-Americana. Na Fides et Ratio, são apresentadas,

apenas a auditus fidei e a itelectus fidei, como etapas do método teológico, como

vemos:

A teologia está organizada, enquanto ciência da fé, à luz do duplo

princípio metodológico: auditus fidei e intellectus fidei. Com o

primeiro, recolhe os conteúdos da Revelação tal como se foram

explicitando progressivamente na Sagrada Tradição, na Sagrada Escritura e no Magistério vivo da Igreja. Pelo segundo, a teologia quer

responder às exigências do pensamento, por meio da reflexão

especulativa. (FR 65)

A atualização (aplicatio fidei) é o momento em que a teologia é aplicada na pastoral,

contribuindo com a comunidade eclesial e os seus pastores.

64 MATOS, p. 37.

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É o momento da prática teórica, que consiste em reinterpretar dados anteriores,

transformando-os em teologia.

Para melhor compreensão, da distinção entre os discursos, vejamos os níveis de

evolução do dado revelado até a sistematização teológica.

- O nível da ordem concreta da revelação de Deus: o real salvífico;

- O nível da captação consciente da salvação de Deus na e por uma religião: a fé;

- Um discurso espontâneo sobre tal realidade: discurso religioso;

- E um discurso técnico e auto-regrado sobre a mesma realidade: discurso teológico

O discurso teológico distingue-se do religioso, pois é uma operação disciplinada,

auto-regulado. O religioso, por sua vez é espontâneo e não sitematizado.

Teologia dedutiva e indutiva65

Para melhor compreensão da estrutura interna da teologia, é importante perceber

que existem dois movimentos possíveis na hora de realizar o trabalho teológico, como

veremos:

a) A teologia dedutiva: trata-se da maneira de fazer teologia, adotada principalmente

pela escolástica. É uma teologia “a partir de cima”, ou seja, parte do dogma, da própria

fórmula da Revelação buscando maior compreensão pela via da analogia com realidades

humanas.

Por isso ela se colocou a serviço da hierarquia da Igreja, com o intuito de defender

a fé católica, tornando-se de certo modo a doutrina oficial. Constituiu-se como um

verdadeiro corpo doutrinal, complexo e bem estruturado das verdades dogmáticas. No

entanto, preocupado em defender-se, descuidou-se da pesquisa, tornando-se enrijecida,

assumindo um caráter abstrato, autoritativo e incapaz de responder aos novos problemas

e temas que surgiam. Tornou-se uma teologia perene, não se abrindo aos grandes

questionamentos do mundo moderno.

Em suma, a teologia dedutiva teve sucesso numa sociedade de cristandade, onde

todos conheciam os princípios cristãos, mas não teve êxito diante dos grandes

questionamentos da ciência, da história, da razão crítica, da subjetividade, própria do

mundo moderno.

Por conta disso há uma ruptura, surgindo um outro tipo de teologia.

65 LIBÂNIO, p. 101.

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b) Teologia indutiva

Chamada também de teologia “a partir de baixo”, é o modo de fazer teologia que se

tornou hegemônico principalmente após o Vaticano II. A sua característica básica é

começar a reflexão teológica a partir dos questionamentos que nascem da realidade

humana. Surge da vida cotidiana, de baixo e pela via da indução. Em suma, vai da

experiência ao dogma, fazendo um caminho contrário ao da dedutiva, que vai do dogma

à experiência.

No entanto, esta teologia indutiva é bem diversificada e ramificada, pois são muitas

as experiências e realidades humanas, gerando uma pluralidade de teologias, diferente

da dedutiva, que partia de um ponto único, a doutrina oficial.

Linguagem e atitudes básicas

Embora a linguagem humana não seja capaz de abarcar a grandeza do mistério de

Deus, ela é um instrumento fundamental na comunicação da experiência da fé e a sua

compreensão racional, como afirmava o apóstolo Paulo: “Nosso conhecimento é

limitado... agora vemos por um espelho e de maneira confusa...” (I Cor 13, 9.12).

Quanto a linguagem, os conceitos científicos, embora indispensáveis, são

insuficientes para falar de Deus. Desse modo, a linguagem poética da analogia, parecer

ser a que melhor se adapte ao mistério, permitindo vislumbrar a realidade divina.

A linguagem simbólica, embora fale à inteligência, tem como grande objetivo

aquecer o coração, levando a conversão e a ação, à luz da fé e do amor, por meio de um

diálogo vital entre Deus e o teólogo.

Quem se dedica ao estudo da teologia deve ter as seguintes atitudes.

- Amor e entusiasmo para com as coisas de Deus que deseja conhecer a fundo;

- Ter humildade e reverência diante da grandeza do Mistério de Deus.

- Disposição para “colocar em comum” os conhecimentos adquiridos, em vista do

bem da comunidade eclesial.

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OS NÍVEIS DE TEOLOGIA

Geralmente considera-se teologia o que fazem os chamados teólogos profissionais.

No entanto, numa análise mais profunda, percebemos que também os pastores e os fiéis,

de um modo geral fazem teologia, a medida que pensam a sua fé.

A partir desta compreensão, identificamos três formas ou níveis66

fundamentais de

teologia: a teologia popular, a teologia profissional e a teologia pastoral, que interagem

entre si de maneira dinâmica, com suas contribuições e tensões mútuas.

Distinção entre os níveis

É importante ressaltar, que na América Latina, de modo particular, é mais clara

distinção entre estes três níveis. A teologia popular se dá numa linguagem corrente

enquanto a teologia profissional é marcada por uma linguagem técnica. A teologia

pastoral se dá numa posição intermediária entre estas duas instâncias, ora decodificando

a profissional para a popular, ora levantando questionamentos da popular para

profissional, de maneira interativa.

Teologia popular

É a teologia realizada, como reflexão de fé, por cristãs (ãos), no âmbito pessoal ou

comunitário, de maneira espontânea, orientada pela questão básica: “o que Deus está

dizendo para mim ou para minha comunidade neste acontecimento ou momento da

existência?”

Ela acontece nos espaços eclesiais: no círculo bíblico, no grupo de jovens, no

grupo de crisma, na reunião de catequistas, no núcleo de militantes cristãos, no grupo de

espiritualidade e partilha ou mesmo na reflexão pessoal da Palavra de Deus. O método

utilizado é o confronto entre a experiência vital e a Palavra de Deus. É alimentada e

enriquecida por cursos de treinamento, encontros mensais de catequistas, reuniões de

preparação para animadores. Esta transmissão ou troca de conhecimento e experiência é

realizada por pessoas da própria comunidade, de acordo com suas aptidões, sem

conhecimentos mais profundos.

66LIBÂNIO, p. 199.

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O produto desta reflexão é predominantemente oral, expressos em comentários,

exposições, partilhas, celebrações e dramatizações, mas também são produzidos

materiais escritos como: roteiros, folhetos, boletins, cartilhas, etc.

Por meio destes recursos simples, o povo simples se torna capaz de desenvolver um

senso crítico mais aguçado, tornando-se agentes da reflexão teológica e não meros

repetidores dos pensamentos dos outros.

Teologia profissional

Trata-se da teologia elaborada seguindo as exigências do rigor científico. É lógica,

metódica e sistemática sem deixar de se dinâmica, permitindo deste modo, que se

realize os dois principais movimentos internos da teologia, ou seja, de coletar os dados

(auditus fidei) e de refletir sobre eles (intelectus fidei).

Neste nível de teologia, faz-se necessário um bom conhecimento e a correta

utilização dos dados da Escritura, da Tradição, dos dogmas, das definições do

Magistério e capacidade de relacioná-los com as manifestações da comunidade eclesial.

Esse modo de faze teologia se dá num ambiente formal de ensino, ou seja, nos

institutos teológicos, seminários e faculdades de teologia.

Terminando o bacharelado o teólogo deve estar apto a fazer uma síntese entre os

elementos centrais da teologia e ser capaz de ouvir uma reflexão teológica e situá-la

dentro de um quadro geral da teologia. Deve ser capaz de fazer, minimamente teologia

pastoral.

O mestrado e o doutorado, por sua vez, se destinam a ampliar o conhecimento,

levando o aluno a adentrar no interior das regras do discurso teológico, ou seja, a

“máquina” onde se produz a teologia. Deste nível de estudo, surgem os pesquisadores,

professores e assessores especialistas para a pastoral. Uma pessoa que conclui o

mestrado ou doutorado, deve estar pronta para fazer e ensinar teologia em nível

acadêmico.

Teologia Pastoral

A teologia pastoral situa-se entre a teologia popular e a teologia acadêmica. É

entendida como um pensar sobre a fé de forma relativamente orgânica e elaborada, sem

perder contato com a reflexão concreta e as questões levantadas pela teologia popular.

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Esse modo de fazer teologia ganhou sistematicidade e lógica, quando adotou os

passos metodológicos da ação católica, ou seja, Ver, Julgar e Agir, aos quais foram

acrescentados, Celebrar e Avaliar.

A teologia pastoral é produzida em Institutos de Pastoral, centros de formação,

grupos de aprofundamento bíblico, teologia para leigos, entre outros.

É produzida também no âmbito institucional propriamente dito, ou seja, pelos

órgãos oficiais da Igreja, como a CNBB, através do Instituto Nacional de Pastora (INP)

e o texto-base da Campanha da Fraternidade. Além disso, em momentos privilegiados

como as assembléias diocesanas ou reuniões plenárias de alguma pastoral específica, a

teologia pastoral tem papel essencial, onde de destaca a figura do teólogo assessor,

ajudando o grupo a interpretar os desafios apresentados à evangelização.

Este tipo de teologia é elaborada pelos pastores e agentes de pastoral leigos e

religiosos, desde que saibam fazer uso correto da teologia profissional. Também

participam desta teologia, todas as pessoas que estão envolvidas nas reflexões, ouvindo,

escrevendo, pesquisando, perguntando, reelaborando os dados.

O produto final desta teologia é, em sua maioria oral, mas também podem ser em

forma de textos simples e breves, como documentos pastorais e alguns livrinhos de

formação.

Um exemplo próximo a nós, deste tipo de teologia, é a que está sendo produzida no

nosso sínodo diocesano. Além do nosso bispo, dos padres, estão presentes muitos leigos

e religiosos, que são assessorados por teólogos profissionais, bem como especialistas de

outras áreas, como: filosofia, antropologia, história, estatística, etc.

O fruto deste sínodo será um documento, que norteará todas as ações pastorais da

diocese, durante as próximas décadas.

O grande desafio para a ação evangelizadora da Igreja é constituir e manter centros

de difusão de teologia pastoral, onde agentes de pastorais com boa base teológica, sejam

capazes de adaptar e reelaborar o saber teológico, utilizando-o de forma criativa na ação

pastoral.

Articulação entre os níveis

Não é uma tarefa fácil a articulação entre esses níveis, principalmente quando não

se reconhece aquilo que é específico de cada um.

Um exemplo que ilustra bem esta situação, é quando uma pessoa procura aplicar

um conhecimento profundo, com linguagem própria do ambiente acadêmico numa

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atividade pastoral, onde as pessoas não têm base teológica suficiente para assimilar,

causando incompreensão ou mal estar nos ouvintes.

Para que haja uma frutuosa interação entre estes modos de teologia, é necessária

sensibilidade pastoral e humana, bem como a mínima capacitação intelectual e

teológica.

Relação entre teologia e pastoral

Aprofundando um pouco mais este assunto, é importante perceber que teologia e

pastoral são duas realidades distantes, embora estejam a serviço da mesma causa: a

evangelização. No entanto, elas se dão num movimento, ora de colaboração, ora de

tensão.

Colaboração recíproca

A teologia ilumina a pastoral, fornecendo conceitos e categorias que ajudam a fé a

purificar-se de idéias ultrapassadas, insuficientes ou muito influenciadas por ideologias.

Fornece instrumental teórico para auxiliar na compreensão e reinterpretação atualizada

dos dados da fé. Oferece também chaves de compreensão para que a pastoral tenha

condições de ler, a luz da fé, as mais diversas realidades humanas, desde o trabalho, a

convivência, o lazer, a ecologia, etc.

A pastoral, por sua vez, ilumina a teologia, levantando perguntas suscitadas pela

realidade concreta, possibilitando um maior aprofundamento e compreensão da

revelação. Um exemplo para nós da América Latina, é a pergunta: “em que medida a

realidade desta multidão de pessoas oprimidas interpela a nós que somos discípulos e

missionários desse Deus que ama a justiça?

Também é um grande questionamento à teologia, o surgimento de novos

movimentos e pastorais no interior da Igreja, que levam os teólogos a reelaborar os seus

estudos, para compreender e responder a estas manifestações do Espírito Santo.

Por fim, a prática pastoral é a forma mais eficaz de se verificar a pertinência de uma

reflexão teológica profissional.

Tensão

A principal causa da tensão entre teologia e pastoral, se dá pelo fato de ambas se

pautarem por exigências e leis próprias.

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Num certo sentido a pastoral supera a teologia, pois ele exige do agente não

somente a reflexão da fé, mas também outras qualidades práticas como: paixão pelo

Reino, presença junto às pessoas, sensibilidade para com seus problemas, metodologia

eficaz, etc.

Por outro lado, a teologia ultrapassa a pastoral, pois vai além das respostas

imediatas, analisando a situação de maneira mais ampla, relacionado com outros fatos

históricos, aproveitando as reflexões feitas por outros teólogos sobre o mesmo tema.

Para que haja uma relação produtiva entre teologia e pastoral, vale a mesma

recomendação dada para os níveis da teologia, ou seja, muita sensibilidade humana e

pastoral, respeitando os limites e o alcance de cada instância.

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AS ÁREAS DO ESTUDO E AS DISCIPLINAS TEOLÓGICAS

Concluindo estes temas relacionados à Introdução à Teologia, faz-se necessário,

apresentar as áreas do estudo e as disciplinas que compõe a teologia acadêmica, até

mesmo como forma de incentivar e facilitar estudos posteriores.

Olhando numa perspectiva histórica, vale lembrar, que no princípio, a teologia tinha

uma unidade simples67

, onde os vários temas eram estudados todos juntos. Ao longo do

tempo, principalmente no período moderno, se dá de maneira decisiva a fragmentação

(subdivisão) do conhecimento em todas as ciências, inclusive na teologia.

Inspirado no Vaticano II, Clodovis Boff afirma, que apesar de atualmente a teologia

estar fragmentada em várias disciplinas, ela encontra seu ponto de unidade a partir de

dois princípios básicos. De um lado a Sagrada Escritura, como alma de toda a teologia

e de outro a vida cristã, como finalidade de todo saber teológico. Dentro desses dois

pólos se encaixam as várias disciplinas teológicas, como vemos neste esquema:

SAGRADA ESCRITURA

AS VÁRIAS DISCIPLINAS TEOLÓGICAS

VIDA CRISTÃ

As três68

grandes áreas de estudo da teologia

Além destes dois princípios de unidade, podemos perceber que a teologia está

disposta em três grandes áreas, como vemos no decreto Optatam Totius 16, documento

do Concílio Vaticano II que trata da formação sacerdotal:

A Escritura, a alma da Teologia, sua raiz e seu tronco;

A Teologia Dogmática, seu ramo “teórico”;

E outras disciplinas, como extensões “práticas” da teologia.

A disposição da grade curricular69

e o peso dado a cada disciplina varia de um

instituto/faculdade para outra, mas de um modo geral, estas três áreas, podem sem

subdivididas em blocos menores, e estes em disciplinas específicas, cujos

conteúdos se interpenetram:

67 BOFF, p. 610. 68 MATTOS, p. 47. 69 LIBÂNIO, pp. 213-237.

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1. Teologia Fundamental

Lança as bases do conhecimento teológico e trata do fato constituinte da realidade

cristã, ou seja, a automanifestação de Deus e a plenitude de seu projeto salvífico que se

cumpriu em Cristo. Ela substituiu a antiga apologética, que visava defender a fé e

justificá-la, para assumir uma postura de diálogo com as ciências e a cultura

contemporânea.

A teologia fundamental está dividida em dois grandes blocos:

- Introdução à teologia: tem como objetivo mostrar em que consiste o

conhecimento teológico e o seu método de estudo.

- O círculo hermenêutico da existência cristã: parte da Revelação, que encontra

na carne e na linguagem de Jesus sua plenitude.

2. Teologia Bíblica

A partir do Vaticano II, deu-se uma ênfase muito grande no estudo das Escrituras,

(“alma da teologia”), e hoje constitui a base da evangelização em muitos ambientes

eclesiais.

No curso acadêmico, a teologia bíblica está disposta em três blocos:

- Introdução Geral - esta disciplina visa compreender de maneira sintética, a

história do povo de Deus no Antigo Testamento, bem como o processo de

passagem das tradições orais para a escrita e os distintos gêneros literários;

- Antigo Testamento - este bloco divide-se em diversas disciplinas como:

Pentateuco, Livros históricos, Profetas, Salmos e Sapienciais;

- Novo Testamento - neste bloco estuda-se os Evangelhos, os escritos paulinos, os

Atos dos Apóstolos, as cartas católicas e o Apocalipse.

É de suma importância para esse estudo o conhecimento das línguas em que foram

escritos os livros da bíblia, ou seja, o hebraico, o aramaico e o grego.

3. Teologia Moral

Tem como objetivo refletir sobre a resposta concreta que o cristão dá a Deus nos

diversos âmbitos de sua existência: pessoal, interpessoal, comunitário, social e político.

Ela ajuda o aluno a aproximar reflexão acadêmica e vida pessoal, teologia e pastoral.

Ela se divide em dos grandes blocos, compreendendo várias disciplinas:

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- Moral fundamental - oferece reflexão global sobre as bases e os critérios do agir

cristão. Como ciência prática, necessita muito do apoio de outras ciências como

filosofia, medicina, psicologia, antropologia cultural, etc.

- Moral específica - trata das questões peculiares da existência humana. Divide-se

em: moral da pessoa, moral social e política. Tanta aborda as novas questões que vão

surgindo, ao longo da história, como: bioética, ecologia, etc.

4. Teologia Sistemática ou Dogmática

É o resultado da elaboração teórica da Igreja durante quase dois mil anos de sua

existência e compreende uma série de disciplinas. A base da dogmática é o dado

revelado, aprofundado, reinterpretado e enriquecido pela tradição viva e regulada pelo

magistério ao longo da história. As principais disciplinas da dogmática são:

- Cristologia;

- Pneumatologia (trata do Espírito Santo);

- Trindade;

- Graça;

- Eclesiologia (reflexão da Igreja sobre si mesma);

- Sacramentos;

- Protologia (criação);

- Antropologia teológica (criação, pecado, graça e salvação);

- Escatologia (trata do fim último do ser humano após a morte);

- Mariologia; etc.

5. Direito Canônico

A Igreja, enquanto estrutura organizada, elabora uma série de leis e regulamentações.

O conjunto das principais normas e prescrições jurídicas estão condensados no Código

de Direito Canônico, que é estudado dentro da teologia, com a dupla finalidade:

compreender-lhe o valor e conhecer o seu conteúdo, em vista da aplicação prática. Para

sua compreensão necessita da linguagem e da lógica jurídica.

O estudo do direito canônico está disposto em dois blocos:

- Direito Canônico Fundamental: fornece ao aluno informações sobre a história do

documento, justificando sua existência e finalidade, ensinando-o a sua utilização.

- Específico: trata dos temas específicos, correspondentes as partes do documento:

direito canônico sacramental, matrimonial, da vida religiosa, etc.

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6. História da Igreja

O estudo da História da Igreja dá uma visão panorâmica das grandes fases da história

universal, mostrando também as diversas formas de comunidade eclesial que foi se

constituindo de acordo com a situação social e cultural de cada época, bem como as

formulações dogmáticas por elas elaboradas. A matéria-prima deste estudo são os

eventos e idéias do passado que repercutem na Igreja de hoje. O vasto conteúdo da

história da Igreja pode ser dividido nas seguintes disciplinas:

- História da Igreja Antiga;

- História da Igreja Medieval;

- História da Igreja Moderna;

- História da Igreja Contemporânea;

- História da Igreja na América Latina (para os teólogos Latino-Americanos)

7. Liturgia e Espiritualidade

Assim como a pastoral, Espiritualidade e Liturgia, não consistem apenas áreas de

estudo ou disciplina da teologia, mas dimensões da vida cristã, da qual todo cristão faz

parte.

- A espiritualidade como vivência se caracteriza pelo seguimento de Jesus e

contribui com as demais áreas e disciplinas com seu caráter motivacional, concreto e

dinâmico e define-se como ciência teológica que estuda o desenvolvimento progressivo

da vida cristã, até atingir a santidade, pela ação do Espírito Santo. Pela via histórica,

considera as principais espiritualidades: franciscana, carmelita, inaciana, etc., até chegar

a grupos contemporâneos.

- A liturgia, enquanto área de estudo da teologia oferece conteúdo mais palpável,

embora muito ampla: a prática litúrgica da Igreja. As abordagens podem ser:

- Histórica: mostra como o povo de Deus organizava e compreendia a liturgia ao

longo da história;

- Prática: analisa as liturgias atuais;

- Teológico-especulativa: reflete sobre o sentido da liturgia para a vida da Igreja;

- Disciplinar: explicita os elementos constitutivos da liturgia, submetida a leis

eclesiásticas;

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8. Outras disciplinas

Embora nem sempre as grades curriculares dos cursos seminarísticos ou de bacharel

em teologia contemplem existem outras disciplinas muito importantes para a

compreensão da fé e para a vida atual da Igreja. Dentre elas destacamos: patrologia,

teologia pastoral, teologia das religiões, ecumenismo, homilética, religiosidade popular,

prática paroquial, aconselhamento pessoal e missiologia.

9. Disciplinas não teológicas

Além dessas disciplinas mais diretamente teológicas, existem outras auxiliares, não

teológicas, que são utilizadas como mediações: a filosofia, as ciências humanas e as

sociais principalmente.