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TEOLOGIA SISTEMÁTICA

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TEOLOGIA SISTEMÁTICA

de

Charles Hodges

Primeira Edição 2001

TraduçãoValter Martins

Título OriginalSystematic Theology

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TEOLOGIA SISTEMÁTICAINTRODUÇÃOCAPÍTULO I

SOBRE O MÉTODO

§ 1. Teologia, uma Ciência

Em toda ciência há dois fatores: fatos e idéias; ou, os fatos e a mente. Ciência é mais que conhecimento.Conhecimento é a persuasão do que é verdadeiro sobre evidência adequada. Os fatos da astronomia, da químicaou da história, porém, não constituem a ciência dessas áreas do conhecimento. Tampouco o mero arranjoordenado dos fatos equivale à ciência. Os fatos históricos postos em ordem cronológica são meros anais. A filosofiada história pressupõe que esses fatos estão compreendidos em suas relações causais. Em cada área, o homem deciência presume entender as leis pelas quais os fatos da experiência são determinados; de modo que ele via' sóconhece o passado, mas pode predizer o futuro. O astrônomo pode predizer a posição relativa dos corpos celestespor muitos séculos vindouros. O químico pode dizer com certeza qual será o efeito de determinadascomposições químicas. Se, pois, a teologia é uma ciência, então ela deve incluir algo mais do que o meroconhecimento de fatos. Deve abranger uma exibição da relação interna desses fatos, um com o outro, e cadaum com o todo. Deve ser capaz de demonstrar que, se um for admitido, os outros não podem ser negados.

A Bíblia é um sistema teológico não mais que a natureza é um sistema químico ou mecânico. Encontramos nanatureza os fatos que o químico ou o filósofo mecânico tem a examinar, à luz deles poder verificar as leis pelasquais são determinados. E assim a Bíblia contém as verdades que o teólogo precisa coligir, autenticar, organizar edemonstrar em sua relação natural umas com as outras. Isso constitui a diferença entre a teologia bíblica e ateologia sistemática. A função da primeira é asseverar e declarar os fatos da Escritura. A função da segunda étornar esses fatos, determinar sua relação entre si e com as outras verdades cognatas, bem como vindicá-las emostrar sua harmonia e consistência. Essa não é uma tarefa fácil, nem de somenos importância.

Necessidade de Sistema na Teologia

Naturalmente pode-se perguntar por que não tomar as verdades como Deus considerou próprio revelá-las, eentão poupar-nos do trabalho de demonstrar sua relação e harmonia?

A resposta a essa pergunta é, em primeiro lugar, que isso não pode ser feito. Tal é a constituição da mentehumana que ela não consegue empreender a sistematização e conciliação dos fatos que ela própria admite serverdadeiros. Em nenhuma esfera do conhecimento os homens têm ficado satisfeitos com a posse de uma massa defatos indigestos. E dos estudiosos da Bíblia tampouco se pode esperar que fiquem satisfeitos. Portanto, existe umanecessidade para construir sistemas teológicos. Disso a história da Igreja oferece abundante prova. Em todas asépocas, e entre todas as denominações, têm-se produzido tais sistemas. (pg. 1)

Em segundo lugar, tem sido obtido, portanto, conhecimento de um tipo muito mais elevado do que por meroacúmulo de fatos isolados. Por exemplo, uma coisa é saber que os oceanos, os continentes, as ilhas, as montanhas eos rios existem na face da terra; outra muito mais elevada é conhecer as causas que têm determinado adistribuição de terra e água na superfície de nosso globo; a configuração da terra; os efeitos dessa configuraçãosobre o clima, sobre as espécies de plantas e animais, sobre o comércio, a civilização e o destino das nações. Eidentificando essas causas que a geografia emergiu de uma coleção de fatos para uma ciência altamenteimportante e elevada. De igual modo, sem o conhecimento das leis de atração e movimento, a astronomia seria umaconfusa e ininteligível coleção de fatos. O que é verdadeiro em relação a outras ciências é verdadeiro em relaçãoà teologia. Não podemos saber o que Deus revelou em sua Palavra a menos que entendamos, pelo menos numamedida plausível, a relação em que as verdades dispersas nela compreendidas mantém umas com as outras.Solucionar o problema concernente à pessoa de Cristo, isto é, ajustar e produzir um arranjo harmonioso detodos os fatos que a Bíblia ensina sobre esse tema, custou A Igreja séculos de estudo e controvérsia.

Em terceiro lugar, não temos escolha nessa matéria. Se desempenharmos nosso dever como mestres edefensores da verdade, devemos envidar esforços em trazer todos os fatos da revelação a uma ordem

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sistemática e a uma relação mútua. Somente assim podemos satisfatoriamente exibir suas verdades, defendê-lasdas objeções ou apresentá-las para que se disseminem, na plenitude de sua força, na mente dos homens.

Em quarto lugar, essa evidentemente é a vontade de Deus. Ele não ensina astronomia nem química aos homens,mas lhes fornece os fatos dos quais essas ciências são construídas. Tampouco ele nos ensina teologia sistemática,mas nos exibe na Bíblia as verdades que, apropriadamente entendidas e organizadas, constituem a ciência dateologia. Como os fatos da natureza se acham todos relacionados e determinados pelas leis físicas, da mesma formaos fatos da Bíblia se acham todos relacionados e determinados pela natureza de Deus e de suas criaturas. E comoele quer que os homens estudem suas obras e descubram sua portentosa relação orgânica e harmoniosa combinação,assim sua vontade é que estudemos sua Palavra, e aprendamos que, como os astros, suas verdades não são pontosisolados, mas sistemas, ciclos e epiciclos, numa infindável harmonia e grandeza. Além de tudo isso, embora asEscrituras não contenham um sistema de teologia como um todo, temos nas Epístolas do Novo Testamentoporções desse sistema a ser elaborado por nossas mãos. Elas são nossa autoridade e guia.

§ 2. O Método Teológico

Toda ciência tem seu próprio método, determinado por sua natureza peculiar. Essa é uma questão de tantaimportância que foi alçada a uma seção distinta. A literatura moderna é rica de obras sobre Metodologia, istoé, sobre a ciência do método. Elas são designadas para determinar os princípios que devem controlar asinvestigações científicas. Se uma pessoa adota um falso método, ela é semelhante a alguém que toma umaestrada errada que jamais a levará a seu destino. Os dois grandes métodos abrangentes são o a priori e o aposteriori. Um argumenta da causa para o efeito; o outro, do efeito para a causa. O primeiro foi por séculosaplicado até mesmo a investigação da natureza. Homens buscaram determinar quais fatos da natureza devemprovir das leis da mente ou de pretensas leis necessárias. Mesmo em nossos próprios dias temos tidoCosmogonias Racionais, as quais empreenderam construir (pg. 2) uma teoria do universo desde a natureza doser absoluto e seus modos necessários de desenvolvimento. Cada um sabe quanto custa estabelecer o métodode indução sobre uma base firme e garantir o reconhecimento geral de sua autoridade. Segundo esse método,começamos por coletar fatos bem estabelecidos, e a partir deles inferir as leis gerais que determinam suaocorrência. A luz do fato de que os corpos caem para o centro da terra, tem-se inferido a lei geral degravitação, a qual somos autorizados a aplicar muito além dos limites da experiência real. Esse métodoindutivo se fundamenta em dois princípios: Primeiro, que há leis da natureza (forças) que são as causaspróximas do fenômeno natural. Segundo, que essas leis são uniformes; de modo que temos certeza de que asmesmas causas, sob as mesmas circunstâncias, produzirão os mesmos efeitos. Pode haver diversidade deopinião quanto à natureza dessas leis. Pode-se pressupor serem elas forças inerentes a matéria; ou podem serconsideradas modos invariáveis da operação divina; mas em qualquer evento deve haver alguma causa para ofenômeno que percebemos a nossa volta, e essa causa deve ser invariável e permanente. Todas as ciênciasindutivas se acham fundamentadas nesses princípios; e por meio deles as investigações dos filósofosnaturalistas são guiadas.

O mesmo princípio se aplica à metafísica e à física; à psicologia e à ciência natural. A mente tem suas leisbem como sua matéria, e essas leis, embora de uma espécie diferente, são tão permanentes como aquelas domundo externo.

Os métodos que se têm aplicado ao estudo da teologia são demasiadamente numerosos para seremconsiderados separadamente. Podem, talvez, ser reduzidos a três classes gerais: primeira, a Especulativa;segunda, a Mística; terceira, a Indutiva. Esses termos estão, contudo, longe de ser precisos. São usados pelanecessidade de melhor designar os três métodos gerais da investigação teológica que têm prevalecido naIgreja.

§ 3. O Método Especulativo

A especulação pressupõe, de uma maneira a priori, determinados princípios, e a luz desses princípiosprocura determinar o que é e o que deve ser. A especulação decide sobre toda a verdade, ou determina o que éverdadeiro a partir das leis da mente, ou dos axiomas envolvidos na constituição do principio imaginativodentro de nós. A este tópico devem referir-se todos os sistemas que se fundamentam em quaisquer

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pressupostos filosóficos a priori. Há três formas gerais nas quais este método especulativo tem sido aplicadoa teologia.

Forma Deísta e Racionalista

1. A primeira é aquela que rejeita qualquer outra fonte de conhecimento das coisas divinas que se encontrana natureza e na constituição da mente humana. Ela pressupõe determinados axiomas metafísicos e morais, edeles desenvolvem-se todas as verdades que se propõem admitir. A essa classe pertencem os escritores deístase estritamente racionalistas das gerações passadas e presentes.

Forma Dogmática

2. A segunda é o método adotado por aqueles que admitem uma revelação divina supernatural (pg. 3) e admitemque tal revelação está contida nas Escrituras-cristãs, mas reduzem todas as doutrinas assim reveladas àsformas de algum sistema filosófico. Isso foi feito por muitos dos pais que se empenharam em exaltar pistiem gnosis, isto é, a fé do povo comum em filosofia para o erudito. Esse foi também, em maior ou menor grau, ométodo do catedrático, e encontra uma ilustração mesmo no “Cur Deus Homo” de Anselmo, pai da teologiaescolástica. Ultimamente Wolf aplicou a filosofia de Leibnitz à explicação e à demonstração das doutrinas darevelação. Diz ele: “A Escritura serve como auxílio à teologia natural. Ela mune a teologia natural comproposições que devem ser demonstradas; por conseqüência, o filósofo é obrigado não a inventar, mas ademonstrar”.1 Este método ainda está em voga. Os homens lançam certos princípios, chamados axiomas, ouprimeiras verdades da razão, e deles deduzem as doutrinas da religião por meio de um método de argumento tãorígido e inclemente como aquele de Euclides. Isso é feito às vezes inteiramente para a ruína das doutrinas bíblicas edas mais intimas convicções morais não só dos cristãos, mas de toda a massa do gênero humano. Não se permite àconsciência murmurar na presença do soberbo entendimento. É no espírito do mesmo método que a antigadoutrina escolástica do realismo se arvorou fundamento das doutrinas bíblicas do pecado original e da redenção.É a esse método, que o um tanto ambíguo termo Dogmatismo tem sido aplicado, visto que tenta conciliar asdoutrinas da Escritura com a razão e repousar sua autoridade na evidência racional. O resultado desse método temsido perenemente transformar, até onde é possível, a fé em conhecimento e, para alcançar tal propósito, as doutrinas daBíblia têm sido indefinidamente modificadas. Espera-se que os homens creiam não na autoridade de Deus, mas naautoridade da razão.

Transcendentalistas

3. Em terceiro lugar, e preeminentemente, os modernos transcendentalistas se dedicam ao métodoespeculativo. No sentido amplo da palavra, são racionalistas, visto que não admitem uma fonte mais elevadada verdade além da razão. Mas, por terem a razão como algo muito diferente daquilo que é considerado pelosracionalistas ordinários, as duas classes estão na prática muito separadas. Os transcendentalistas também diferemessencialmente dos dogmatistas. Os últimos admitem uma revelação externa, supernatural e autoritativa.Reconhecem que as verdades que não podem ser descobertas pela razão humana se tornam por esse meioconhecidas. Sustentam, porém, que essas doutrinas, quando conhecidas, podem ser demonstradas como verdadeirasmediante os princípios da razão. Esforçam-se por fazer uma demonstração independente das doutrinas bíblicas daTrindade, da Encarnação, da Redenção, tanto quanto da imortalidade da alma e de um estado futuro de retribuição.Os transcendentalistas não admitem nenhuma outra revelação autoritativa além daquela encontrada no homem eno desenvolvimento histórico da raça. Toda a verdade precisa descoberta e estabelecida por um processo dopensamento. Caso se admita que a Bíblia contém verdade, que seja só até o ponto em que ela coincide com osensinos da filosofia. A mesma concessão é feita livremente no tocante aos escritos dos sábios pagãos. A teologiade Daub, por exemplo, nada mais é do que a filosofia de Schelling, isto é, ela ensina simplesmente o que aquela

1 TheoL Nat., Prolegg. § 22; Frankfurt and Leipzig 1736, vol. 1. p. 22.

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filosofia ensina concernente a Deus, ao homem, ao pecado, A redenção e ao estado futuro. Marheinecke e Straussencontram hegelianismo na Bíblia, e, portanto, admitem que até ai a Bíblia ensina a verdade. Rosenkranz,filósofo da (pg. 4) mesma escola, diz que o cristianismo é a religião absoluta, porque seu princípiofundamental, ou seja, a identidade entre Deus e o homem, é o princípio fundamental de sua filosofia. Em seu“Encyklopddie” (p. 3), ele diz: “A única religião que se conforma a razão é o cristianismo, porque elaconsidera o homem como a forma na qual Deus se tem revelado. Sua teologia é, portanto, antropológica, e suaantropologia é teológica. A idéia da divindade do homem (Gottmenschheit) é a chave do cristianismo, naqual, como diz Lessing, jaz sua racionalidade”.

§ 4. O Método Místico

Poucas palavras têm sido usadas com maior amplitude de significado do que o misticismo. Aqui, ele deveser tomado num sentido antitético para especulação. Especulação é um processo do pensamento; misticismo éuma questão do sentimento. A primeira presume que a faculdade racional é aquilo pelo qual alcançamos oconhecimento da verdade. A outra, suspeitando da razão, ensina que se pode confiar exclusivamente nasemoções, pelo menos na esfera da religião. Embora este método tenha sido devidamente expresso, e os sistemasde teologia tenham sido construídos sob sua diretriz, os quais são ou inteiramente independentes das Escriturasou neles as doutrinas da Bíblia têm sido modificadas e pervertidas, não se deve negar que a grande autoridadese deve A nossa natureza moral em questões de religião. Sempre há um grande mal na Igreja em que oshomens permitem o discernimento lógico, ou o que eles chamam de sua razão, fazendo-os chegar a conclusõesnão apenas contrárias A Escritura, mas que violentam nossa natureza moral. Admite-se que nada contrário àrazão pode ser verdadeiro. Mas não é menos importante lembrar que nada contrário A nossa natureza moralpode ser verdadeiro. Deve-se admitir também que a consciência é muito menos passível de erro do que arazão; e, quando enfrentamos conflito, real ou aparente, nossa natureza moral é a mais forte e manterá suaautoridade a despeito de tudo o que somos capazes de fazer. Ela é legitimamente suprema na alma, embora, coma razão e a vontade, esteja em absoluta sujeição a Deus, que é a razão infinita e a moral infinita porexcelência.

O Misticismo como Aplicado à Teologia

O misticismo, em sua aplicação A teologia, tem assumido duas formas principais, a supernatural e anatural. De conformidade com a primeira, Deus, ou o Espírito de Deus, mantém comunhão direta com aalma; e, pela excitação de seus sentimentos religiosos, comunica-lhe intuições da verdade e capacita-a aatingir um tipo, um grau e uma extensão de conhecimento inatingíveis de qualquer outra maneira. Essa temsido a teoria comum dos místicos cristãos em tempos antigos e modernos. Se por isso se quisesse significarapenas que o Espírito de Deus, por sua iluminação e influência, comunica aos crentes certo conhecimentodas verdades objetivamente reveladas nas Escrituras, o qual é peculiar, infalível e salvífico, isso seriaadmitido por todos os cristãos evangélicos. E por tais cristãos defenderem esse interior do Espírito, é que sãoàs vezes chamados de místicos por seus oponentes. Isso, contudo, não é o que se pretende aqui. O métodomístico, em sua forma supernatural, presume que Deus, por sua comunicação imediata com a alma, se revelaatravés das emoções e por meio ou na forma de intuições da divina verdade, independentemente do ensinoexterno de sua Palavra; e é essa luz interior, e não as Escrituras, que devemos seguir. (pg. 5)

De conformidade com a outra, ou a forma natural do método místico, não é Deus, e, sim, a consciênciareligiosa natural dos homens, como excitada e influenciada pelas circunstâncias individuais, que se torna afonte do conhecimento religioso. Quanto mais profundos e mais puros são os sentimentos religiosos, maisclara é a percepção da verdade. Essa iluminação ou intuição religiosa é uma questão de grau. Mas, comotodos os homens possuem uma natureza religiosa, todos têm em maior ou menor intensidade a apreensão daverdade religiosa. A consciência religiosa dos homens, em diferentes épocas e nações, tem-sedesenvolvido historicamente sob diversas influências, dai existirem diversas formas de religião — a pagã,a maometana e a cristã. Essas não se relacionam como verdadeiras e falsas, mas como mais ou menospuras. A aparência de Cristo, sua vida, sua obra, suas palavras, sua morte causaram maravilhoso efeitona mente humana. Seus sentimentos religiosos foram muitos mais profundamente estimulados, purificadose elevados do que antes. Dai os homens de sua geração, que se entregaram à sua influência, possuírem

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intuições da verdade religiosa da ordem mais elevada que a humanidade já pôde atingir. Essa influênciacontinua presente hoje. Todos os cristãos são seus objetos. Todos, portanto, em proporção à pureza eelevação de seus sentimentos religiosos, possuem intuições das coisas divinas, tais como as que osApóstolos e outros cristãos desfrutaram. A santidade perfeita deve assegurar o conhecimento perfeito.

Conseqüências do Método Místico

Segue desta teoria: (1) Que não existem coisas tais como revelação e inspiração, no significado teológicoestabelecido desses termos. A revelação é a apresentação ou comunicação objetiva supernatural da verdade A.mente, pelo Espírito de Deus. Mas, segundo essa teoria, não há nem pode haver tal comunicação da verdade.Os sentimentos religiosos são excitados providencialmente, e por razão desse excitamento a mente percebe averdade mais ou menos claramente, ou mais ou menos imperfeitamente. Inspiração, no sentido bíblico, é adiretriz supernatural do Espírito, que torna seus objetos infalíveis na comunicação da verdade a outros. Mas,segundo essa teoria, nenhuma pessoa é infalível como mestra. A revelação e a inspiração são, em diferentesgraus, comuns a todos os homens. E não há por que não devam ser perfeitas em alguns crentes agora comonos dias dos Apóstolos. (2) A Bíblia não tem autoridade infalível em questões de doutrina. As proposiçõesdoutrinais nela contidas não são revelações dadas pelo Espírito. São apenas as formas sob as quais oshomens de cultura judaica deram expressão a seus sentimentos e intuições. Os homens de cultura diferente, esob outras circunstâncias, teriam usado outras formas ou adotado outras afirmações doutrinais. (3) Ocristianismo, pois, não consiste num sistema de doutrinas nem contém nenhum outro sistema. É uma vida,uma influência, um estado subjetivo; ou, por qualquer outro termo que venha ele a ser expresso ou explicado,não passa de uma força no interior de cada cristão individualmente, a qual determina seus sentimentos e seusconceitos das coisas divinas. (4) Conseqüentemente, o dever de um teólogo não é interpretar a Escritura, masinterpretar sua própria consciência cristã; averiguar e exibir quais verdades concernentes a Deus se aplicama seus sentimentos para com Deus; quais verdades concernentes a Cristo são envolvidas em seussentimentos para com Cristo; quais sentimentos ela ensina concernentes ao pecado, à redenção, à vidaeterna etc. etc. (pg. 6)

O MÉTODO INDUTIVO

Esse método encontrou em Schleiermacher seu mais distinto e influente defensor, cujo “Glaubenslehre” seacha construído nesse principio. Por Twesten — seu sucessor na cadeira de teologia na universidade de Berlim —ele é mantido em maior sujeição A autoridade normal da Escritura. Por outros, também da mesma escola, ele temsido levado a seu último extremo. No presente, contudo, nos preocupamos somente com seu principio, e não comos detalhes de sua aplicação, nem com sua refutação.

§ 5. O Método Indutivo

Ele é assim chamado porque concorda em tudo o que é essencial com o método indutivo como aplicado àsciências naturais.

Em primeiro lugar, o cientista se aproxima do estudo da natureza com determinados pressupostos. (1) Elepressupõe a fidedignidade de seu senso perceptivo. A não ser que confie no testemunho bem autenticado de seussentidos, ele se vê privado de todos os meios de prosseguir suas investigações. Os fatos da natureza se revelamAs faculdades de nosso sentido e não podem ser conhecidos de nenhuma outra maneira. (2) Ele deve tambémpressupor a fidedignidade de suas operações mentais. Deve tomar por certo que pode perceber, comparar, combinar,lembrar e inferir; e que pode tranqüilamente confiar nessas faculdades mentais em seu exercício legitimo. (3)Ele deve também confiar na infalibilidade daquelas verdades que não são aprendidas da experiência, mascomunicadas A constituição de nossa natureza. Que o próprio efeito deve ter uma causa; que a mesma causa,sob iguais circunstâncias, produzirá efeitos semelhantes; que uma causa não é mero antecedente invariável, mascontém em seu âmago a razão por que o efeito ocorre.

Em segundo lugar, o estudante da natureza, tendo essa base sobre a qual apoiar e essas ferramentas com

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que trabalhar, passa a perceber, a reunir e a combinar seus fatos. Estes ele não pretende manufaturar, nempresume modificar. Deve torná-los como são. Só procura precaver-se para garantir que sejam reais, e que tenhatodos eles, ou, pelo menos, todos os necessários para justificar qualquer inferência que porventura deles extraia,ou alguma teoria que porventura sobre eles elabore.

Em terceiro lugar, a partir dos fatos assim averiguados e classificados, ele deduz as leis pelas quais estessão determinados. Que um corpo pesado cai ao solo é um fato familiar. A observação mostra que esse não é umfato isolado; senão que toda matéria se inclina para outra matéria; que essa tendência ou atração ocorre emproporção a quantidade de matéria; e sua intensidade decresce em proporção ao ângulo da distância dos corposatraídos. Quando se descobre tudo isso ser universal e constantemente o caso dentro do campo de observação,a mente se vê forçada a concluir que há alguma razão para isso; noutros termos, que é uma lei da natureza na qual sepode confiar além dos limites da observação real. Como essa lei sempre operou no passado, o cientista seassegura de que ela operará no futuro. E dessa forma que a vasta corporação da ciência moderna tem sidoelaborada, e as leis que determinam os movimentos dos corpos celestes; as mudanças químicas se movemconstantemente em nosso redor; a estrutura, o crescimento e a propagação das plantas e animais têm sido, emmaior ou menor extensão, averiguados e estabelecidos. Deve-se observar que essas leis ou princípios geraisnão derivam da mente e são atribuídas aos objetos externos, mas derivam e deduzem-se dos objetos e sãoimpressas na mente. (pg. 7)

A. OMétodo Indutivo como Aplicado à Teologia

A Bíblia é para o teólogo o que a natureza é para o cientista. Ela é seu depósito de fatos; e o seu método deaveriguar o que a Bíblia ensina é o mesmo que o filósofo natural adota para averiguar o que a natureza ensina.Em primeiro lugar, ele se aproxima de sua tarefa com todos os pressupostos acima mencionados. Ele tem depresumir a validade dessas leis de crença que Deus imprimiu em nossa natureza. Nessas leis incluem-se algumasque não se aplicam diretamente As ciências naturais. Tais como, por exemplo, a distinção essencial entre ocerto e o errado; que nada contrário A virtude pode ser ordenado por Deus; que não pode ser correto fazer omal para que advenha o bem; que o pecado merece punição, bem como outras verdades essenciais semelhantes, asquais Deus implantou na constituição de todos os seres morais e que nenhuma revelação objetiva podecontradizer. Esses princípios essenciais, contudo, não devem ser arbitrariamente pressupostos. Nenhum homemtem o direito de impor suas opiniões pessoais, por mais firmes sejam elas, chamá-las de “verdades essenciaisda razão” e fazer delas fonte ou teste das doutrinas cristãs. Nada pode legitimamente ser incluído sob acategoria de verdades primeiras, nem as leis da crença, as quais não podem ser equivalentes aos testes dauniversalidade e necessidade, As quais muitos acrescentam a auto-evidência. A auto-evidência, porém,inclui-se na universalidade e necessidade, na medida em que nada que não seja auto-evidente pode seruniversalmente crido, e o que é auto-evidente se impõe na mente de toda criatura inteligente.

Fatos a Serem Coletados

Em segundo lugar, o dever do teólogo cristão é averiguar, coletar e combinar todos os fatos que Deus temrevelado concernentes a ele e A nossa relação com ele. Todos esses fatos estão na Bíblia. Isso procede, porque tudoo que é revelado na natureza, bem como na constituição do homem concernente a Deus e A nossa relação comele, está contido e autorizado na Escritura. E nesse sentido que “a Bíblia, e somente a Bíblia, é a religião dosprotestantes”. Pode-se admitir que as verdades que o teólogo tem para reduzir a uma ciência ou, para expressarmais humildemente, que ele tem para organizar e harmonizar, estão parcialmente reveladas nas obras externasde Deus, parcialmente na constituição de nossa natureza e parcialmente na experiência religiosa dos crentes;todavia, para que não erremos em nossas inferências das obras de Deus, temos uma revelação mais clara detudo o que a natureza revela, em sua palavra; e para que não interpretemos erroneamente nossa própriaconsciência e as leis de nossa natureza, tudo isso pode ser legitimamente aprendido dessa fonte que seráencontrada, reconhecida e autenticada nas Escrituras; e para que não atribuamos ao ensino do Espírito asoperações de nossas próprias afeições naturais, encontramos na Bíblia a norma e o padrão de toda genuínaexperiência religiosa. As Escrituras ensinam não só a verdade, mas quais são os efeitos da verdade no coração e naconsciência, quando aplicada com poder salvífico pelo Espírito Santo.

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O Teólogo Deve Guiar-se pelas Mesmas Regras que o Cientista

Em terceiro lugar, o teólogo deve guiar-se na coleta dos fatos pelas mesmas regras que governam ocientista. (pg. 8)

1. Essa coleta deve ser feita com diligência e prudência. Não é um trabalho fácil. Em cada área deinvestigação existe grande probabilidade de erro. Quase todas as falsas teorias no campo da ciência e as falsasdoutrinas no campo da teologia se devem em grande medida a equívocos quanto a matérias de fato. Um naturistadistinto disse que repetia um experimento mil vezes antes de sentir-se autorizado a anunciar o resultado ao mundocientifico como um fato estabelecido.

2. Essa coleta de fatos deve não apenas ser cuidadosamente conduzida, mas também abrangente e, sepossível, exaustiva. Uma indução imperfeita de fatos levou homens a crer por séculos que o sol se movia em tornoda terra, e que a terra era uma extensa planície. Em teologia, uma indução parcial de pormenores tem levado a errossemelhantes e sérios. E fato que as Escrituras atribuem onisciência à Cristo. A luz desse fato infere-se que ele nãopoderia possuir uma inteligência finita, mas que o Logos se revestiu de um corpo humano com sua vida animal.Mas é também fato bíblico que a ignorância e o progresso intelectual, tanto quanto a onisciência, são atribuídos anosso Senhor. Ambos os fatos, pois, devem incluir-se em nossa doutrina de sua pessoa. Devemos admitir que elepossuía inteligência humana, tanto quanto inteligência divina. E fato que tudo o que é predicado de homem sempecado é na Bíblia predicado de Cristo; e também é fato que tudo o que é predicado de Deus é predicado de nossoSenhor; dai se tem inferido que houve dois Cristos — duas pessoas —, um humano e outro divino, habitandojuntos precisamente como o Espírito habita no crente; ou como os espíritos malignos habitam emendemoninhados. Essa teoria, porém, ignora os numerosos fatos que provam a personalidade individual deCristo. A mesma pessoa que disse “Tenho sede” declarou “Antes que Abraão existisse, eu sou” As Escriturasensinam que a morte de Cristo se destinava a revelar o amor de Deus e assegurar a transformação dos homens. Porisso Socinio negava que sua morte fosse expiação pelo pecado, ou satisfação da justiça. O último fato, contudo, étão claramente revelado quanto o primeiro; e por isso ambos devem ser levados em conta em nossa afirmação dadoutrina concernente ao desígnio da morte de Cristo.

Necessidade de uma Indução Completa

Ilustrações intermináveis podem ser apresentadas sobre a necessidade de uma indução compreensiva dos fatos parajustificar nossas conclusões doutrinais. Esses fatos não devem ser voluntariamente negados nemdisplicentemente ignorados, tampouco apreciados de forma injusta. Devemos ser honestos aqui, como overdadeiro estudioso da natureza é honesto em sua indução. Mesmo os cientistas As vezes são levados a suprimirou perverter fatos que militam contra suas teorias favoritas; mas a tentação a essa forma de desonestidade émuito menor em seu caso do que no caso do teólogo. As verdades da religião são muito mais importantes do queas da ciência natural. Elas são percebidas pelo coração e pela consciência. Podem alarmar os temores ouameaçar as esperanças dos homens, de modo que existe forte tentação em ignorá-las ou pervertê-las.Entretanto, se realmente desejamos saber o que Deus tem revelado, devemos ser conscientemente diligentes efiéis em coletar os fatos que ele tem tornado conhecidos e dar-lhes a devida importância. Se um geólogoencontrar num depósito de data primitiva implementos de fabricação humana, não lhe é permitido dizer que sãoprodutos naturais. Ele deve ou revisar sua conclusão quanto à idade do depósito, ou retroceder a um períodoanterior A existência do homem. Não existe auxilio para ele. A ciência não pode criar fatos; deve recebê-loscomo são. De forma semelhante, se a Bíblia assevera que a morte de Cristo foi para (pg. 9) satisfazer a justiça,ao teólogo não é permitido incorporar a justiça na benevolência a fim de adequar sua teoria da expiação. Se asEscrituras ensinam que os homens nascem em pecado, não podemos mudar a natureza do pecado e torná-la umatendência para o mal, e não realmente pecado, a fim de desvencilhar-nos da dificuldade. Se é fato bíblico queentre a morte e a ressurreição a alma subsiste num estado de atividade consciente, não devemos negar esse fatoou reduzir a zero tal atividade consciente, só porque nossa antropologia ensina que a alma não possuiindividualidade nem atividade sem um corpo. Devemos tomar os fatos da Bíblia como são, e construir nossosistema de modo que os abarquemos todos em sua integridade.

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Princípios a Serem Deduzidos dos Fatos

Em quarto lugar, tanto na teologia como na ciência natural, os princípios se derivam de fatos, e não sãoimpressos sobre eles. As propriedades da matéria, as leis do movimento, do magnetismo, da luz etc. não sãoordenadas pela mente. Não são leis da imaginação. São deduções de fatos. O investigador vê, ou averigua pelaobservação, quais são as leis que determinam o fenômeno material; ele não inventa essas leis. Suasespeculações sobre questões de ciência não têm valor, a menos que sejam sustentadas pelos fatos. Não émenos anticientífico para o teólogo pressupor uma teoria quanto à natureza da virtude, do pecado, daliberdade, da obrigação moral e então explicar os fatos da Escritura em concordância com suas teorias. Seuúnico curso certo é derivar dos fatos da Bíblia sua teoria da virtude, do pecado, da liberdade, da obrigação.Ele deve lembrar que sua obrigação não é apresentar seu sistema da verdade (que não tem a menorimportância), mas averiguar e exibir qual é o sistema de Deus, este sim uma questão da maior importância. Seele não pode crer nos fatos que a Bíblia pressupõem ser verdadeiros, que o confesse. Deixe os escritores sacroscom sua doutrina, enquanto ele fica com a sua. Sobre essa base, uma grande classe de exegetas e teólogos modernos,depois de muita luta, realmente surgiu. Apresentam o que consideram como doutrinas do Antigo Testamento;então as dos evangelistas; então as dos Apóstolos; e então a sua própria. Isso é justo. Entretanto, uma vez que sereconhece a autoridade obrigatória da Escritura, é muito forte a tentação para forçar os fatos da Bíblia emconsonância com nossas teorias preconcebidas. Se o homem é persuadido de que a coisa certa a fazer éinconsistente com a liberdade de ação; que a livre agência sempre pode agir contrariamente a qualquer grau deinfluência (não destrutivo de sua liberdade) trazido sobre si, ele inevitavelmente negará que as Escrituras ensinamo contrário, e portanto se força a modificar todos os fatos que provam o absoluto controle de Deus sobre avontade e volição dos homens. Se ele mantiver que a pecaminosidade só pode ser predicado da ação inteligente evoluntária em violação da lei, então deveria negar que os homens nascem em pecado, impedindo a Bíblia deensinar o que ela ensina. Se ele crê que a capacidade limita a obrigação, então deve crer independentemente dasEscrituras, ou em oposição a elas, não importam quais, de que os homens são capazes de arrepender-se, decrer, de amar a Deus perfeitamente, de viver sem pecado, em todo e qualquer tempo, sem a mínima assistência doEspirito de Deus. Se ele nega que o inocente pode enfrentar justamente o mal punível pelo culpado, então devenegar que Cristo carregou nossos pecados. Se negar que o mérito de uma pessoa pode ser a base judicial doperdão e da salvação de outras pessoas, então deve rejeitar a doutrina bíblica da justificação. E evidente que secausaria completa ruína a todo o sistema da verdade revelada, a menos que consentíssemos em derivar nossafilosofia da Bíblia, em vez de explicar a Bíblia pela instrumentalidade de nossa (pg. 10) filosofia. Se asEscrituras ensinam que o pecado é hereditário, devemos adotar a teoria do pecado que se ajusta a esse fato. Se elasensinam que os homens não podem arrepender-se, nem crer nem fazer algo espiritualmente bom sem o auxiliosupernatural do Espírito Santo, devemos conformar a esse fato nossa teoria da obrigação moral. Se a Bíblia ensina quelevamos a culpa do primeiro pecado de Adão, que Cristo levou nossa culpa e suportou a penalidade da lei em nossolugar, esses são fatos com os quais devemos fazer concordar nossos princípios. Seria fácil demonstrar que, em cadaárea da teologia — com respeito A natureza de Deus, sua relação com o mundo, o piano da salvação, a pessoa e obra deCristo, a natureza do pecado, as operações da graça divina —, os homens, em vez de tomarem os fatos da Bíblia everificarem quais princípios se lhes aplicam, qual filosofia lhes serve de fundamento, têm adotado sua filosofiaindependentemente da Mika, diante da qual os fatos da Bíblia devem curvar-se. Isso é totalmente antifilosófico. Que ateoria deve ser determinada pelos fatos, e não os fatos pela teoria, é o principio fundamental de todas as ciências e dateologia. Como a ciência natural foi um caos até que o principio de indução fume admitido e fielmente concretizado,assim a teologia é uma mistura de especulações humanas, de menos valor que uma palha, quando os homens se recusam aaplicar o mesmo principio aoestudo da Palavra de Deus.

§ 6. As Escrituras Contêm Todos os Fatos da Teologia

Por um lado, isso é perfeitamente consistente com a admissão de verdades intuitivas, tanto intelectuais quanto morais,devido A nossa constituição como seres morais e racionais; e, por outro lado, com o poder controlador sobre nossascrenças exercido pelos ensinos interiores do Espírito, ou, em outros termos, por nossa experiência religiosa. E isso porduas razões: Primeira, toda verdade deve ser consistente. Deus não pode contradizer a si mesmo. Ele não podeforçar-nos, pela constituição da natureza que ele próprio nos concedeu, a crer em uma coisa, e na sua Palavra nos

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ordenar a crer em outra. E, segunda, todas as verdades ensinadas pela constituição de nossa natureza, ou pelaexperiência religiosa, são reconhecidas e autenticadas is Escrituras. Isso é um salvo-conduto e um limite. Nãopodemos presumir que esse ou aquele princípio seja intuitivamente verdadeiro, ou que essa ou aquela conclusão possaser demonstrada correta, e transformá-los num padrão ao qual a Bíblia se conforme. Qual seja a verdadeira auto-evidência, ela tem de ser provada como tal e ser sempre reconhecida na Bíblia como verdadeira. Todos os sistemasteológicos são fundados nas intuições, assim chamadas, e se cada pessoa se sente livre para exaltar suas própriasintuições, como os homens costumam denominar suas convicções fortes, devemos ter tantos teólogos no mundoquantos pensadores existem. A mesma observação se aplica A experiência religiosa. Não existe forma de convicçãomais intima e irresistível do que aquela que emana do ensino interior do Espírito. Toda a fé salvífica repousa em seutestemunho ou demonstração (1Co 2.4). Os crentes possuem uma unção do Santo e conhecem a verdade, e aquiloque não mente (ou a falsa doutrina) é da verdade. Esse ensino interior produz uma convicção que nenhum sofismapode obscurecer, nenhum argumento pode abalar. Ele se funda na consciência, e você pode igualmente argüir umhomem A luz da convicção de sua existência, bem como da sua confiança, de que o que lhe Eensinado sobre Deus éverdadeiro. E preciso ter em mente, contudo, dois pontos. Primeiro, que esse ensino ou demonstração interior doEspirito se confina As verdades objetivamente reveladas nas Escrituras. Ele é concedido, diz o Apóstolo, a fim depodermos conhecer as (pg. 11) coisas gratuitamente concedidas, ou seja, a nós reveladas por Deus em suaPalavra (1Co 2.10-16). Portanto, não significa a revelação de novas verdades, mas uma iluminação damente, para que ela apreenda a verdade, a excelência e a glória das coisas já reveladas. E, segundo, essaexperiência é descrita na Palavra de Deus. A Bíblia nos fornece não apenas os fatos concernentes a Deus, aCristo e a nós mesmos em nossa relação com nosso Criador e Redentor, mas também registra os efeitosíntimos dessas verdades na mente dos crentes. De modo que não podemos apelar para nossos própriossentimentos ou nossas experiências interiores como fundamento ou guia, a menos que possamos mostrarque eles concordam com a experiência de homens santos conforme registrada nas Escrituras.

Ensino do Espírito

Embora o ensino interior do Espírito, ou a experiência religiosa, não substitua uma revelação externa, e nãoseja parte da regra de fé, ele é, não obstante, um valioso guia em determinar o que a regra de fé ensina. Ofator distintivo do agostinianismo, como ensinado pelo próprio Agostinho e pelos mais renomados teólogos daIgreja Latina ao longo da Idade Média, o qual foi formulado pelos reformadores, especialmente por Calvino epelos doutores de Genebra, é que ao ensino interior do Espírito é dado seu lugar próprio na determinação denossa teologia. A pergunta não é primeira e principalmente: “O que é verdadeiro para o entendimento?”,mas “O que é verdadeiro para o coração renovado?”. O esforço não é em fazer asseverações paraharmonizar a Bíblia com a razão especulativa, mas em sujeitar nossa frágil razão A mente de Deus comorevelada em sua Palavra, e por seu Espírito em nossa vida intima. Poderia ser fácil levar os homens àconclusão de que eles são responsáveis apenas por seus atos voluntários, se o apelo é feito exclusivamenteao entendimento. Mas, se o apelo for feito à experiência interior do homem, especialmente de cada cristão,então chega-se à conclusão oposta. Somos convencidos da pecaminosidade das condições da mente tanto quantodos atos voluntários, mesmo quando essas condições não têm o efeito de nossa própria agência, nem estãosujeitas ao poder da vontade. Temos consciência de estar vendidos ao pecado; de ser seus escravos, de serpossuídos por ele como um poder ou lei, imanente, inato e além de nosso controle. Tal é a doutrina da Bíblia, e talé o ensino de nossa consciência religiosa quando sob a influência do Espírito de Deus. O verdadeiro método emteologia requer que os fatos da experiência religiosa sejam aceitos como fatos; e, quando devidamenteautenticados pela Escritura, são permitidos para interpretar as afirmações doutrinais da Palavra de Deus.Tão legítimo e poderoso é esse ensino interior do Espírito, que não é fora do comum encontrar homens deposse de duas teologias — uma do intelecto e outra do coração. Uma pode encontrar expressão nos credos esistemas doutrinais; a outra, em suas orações e hinos. Seria seguro para alguém resolver não admitir emsua teologia nada que não seja sustentado pelos escritos devocionais dos verdadeiros cristãos de cadadenominação. Seria fácil elaborar à luz de tais escritos, recebidos e sancionados pelos romanistas,luteranos, reformados e remonstrantes, um sistema de teologia paulina ou agostiniana, como algo quesatisfizesse a qualquer calvinista inteligente e devoto no mundo o verdadeiro método de teologia é, pois, oindutivo, o qual presume que a Bíblia contém todos os fatos ou verdades que formam o conteúdo da teologia,

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justamente como os fatos da natureza formam o conteúdo das ciências naturais. Presume-se também que a relaçãodos fatos bíblicos uns (pg. 12) com outros,os princípios envolvidos neles, as leis que os determinam, está nos própriosfatos e deles é deduzida, da mesma forma que as leis da natureza se deduzem dos fatos da natureza. Em ambos os casosestão os princípios derivados da mente e impostos aos fatos, mas, igualmente em ambas as áreas, os princípiosou leis são deduzidos dos fatos e reconhecidos pela mente. (pg. 13)

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