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Teologias Contemporâneas

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Autor: Stanley J. Grenz & Ed. L. Miller Editora: Vida Nova uma crítica bastante pertInente das principais teologias contemporâneas.

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Page 1: Teologias Contemporâneas

De volta ao essencial: Karl Barth 1

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2 TEOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

Dados internacionais de Catalogação na Publicação(CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Miller, Ed. L.Teologias contemporâneas / Ed. L. Miller e

Stanley J. Grenz ; tradução Antivan G. Mendes. — São Paulo: Vida Nova, 2011.

Título original: Fortress introduction to contemporarytheologies.ISBN 978-85-275-0464-5

1. Cristianismo 2. Teologia – História 3. Teologia– História – Século 20 I. Grenz, Stanley J., 1950-2005.II. Título

11-00790 CDD-230.0904

Índices para catálogo sistemático:

1. Teologia contemporânea : Século 20 :História 230.0904

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De volta ao essencial: Karl Barth 3

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4 TEOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

Copyright © 1998Augsburg FortressTítulo original: Fortress Introduction to Contemporary TheologiesTraduzido da edição publicada por Augsburg FortressPO Box 1209, Minneapolis, MN 554401209, EUA.

1.a edição: 2011

Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitosreservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA,Caixa Postal 21266, São Paulo, SP, 04602-970www.vidanova.com.br

Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos,xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco dedados, etc.), a não ser em citações breves com indicação de fonte.

ISBN 978-85-275-0464-5

Impresso no Brasil /Printed in Brazil

SUPERVISÃO EDITORIAL

Marisa K. A. de Siqueira Lopes

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Jonas Madureira

REVISÃO

Arkhé Editorial

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO

Sérgio Siqueira Moura

REVISÃO DE PROVAS

Mauro NogueiraUbevaldo G. Sampaio

DIAGRAMAÇÃO

Kelly Christine Maynarte

CAPA

Souto Crescimento de Marca

Page 5: Teologias Contemporâneas

sumário 5

Prefácio à edição em português ............................................................. 009Prefácio .................................................................................................. 011

1. DE VOLTA AO ESSENCIAL: KARL BARTH .......................................... 013O contexto liberal .............................................................................. 014Um livro explosivo ............................................................................. 016A influência de Kierkegaard .............................................................. 018Bíblia e jornal nas mãos ..................................................................... 022Deus, Cristo e a eleição ..................................................................... 024Neo-ortodoxia e outros rótulos ......................................................... 027Barth vs. Brunner .............................................................................. 029Desdobramentos ................................................................................ 034

2. REALISMO CRISTÃO: REINHOLD E H. RICHARD NIEBUHR ............. 037Neo-ortodoxia americana .................................................................. 037Pecado, a doutrina empírica .............................................................. 039Amor e justiça ................................................................................... 042Telos vs. Finis .................................................................................... 044A oração de Niebuhr ......................................................................... 046

3. JESUS CRISTO E A MITOLOGIA: RUDOLF BULTMANN ...................... 049Novo Testamento .............................................................................. 050Desmitologização .............................................................................. 053A influência de Heidegger ................................................................ 057Uma cristologia existencialista .......................................................... 059

Sumário

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6 TEOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

Bultmann vs. Cullmann .................................................................. 060Outras respostas .............................................................................. 065

04. DEUS ALÉM DE DEUS: PAUL TILLICH............................................ 069Método da correlação ...................................................................... 070Fundamento do ser ......................................................................... 072Cristo, o novo ser ............................................................................ 075Princípio protestante ....................................................................... 077Fé e símbolos ................................................................................... 078O problema da fé e da história ........................................................ 080

05. CRISTIANISMO ARRELIGIOSO: DIETRICH BONHOEFFER ............... 085Harvey Cox e a teologia secular ...................................................... 086“Deus das lacunas” .......................................................................... 088Cristianismo arreligioso .................................................................. 090Um homem para outros .................................................................. 092Legado teológico? ........................................................................... 094

06. A MORTE DE DEUS: WILLIAM HAMILTON ETHOMAS J. J. ALTIZER .................................................................... 097Variações sobre um tema ................................................................. 098A influência de Nietzsche ............................................................... 099A perspectiva de Hamilton ............................................................. 100A perspectiva de Altizer .................................................................. 102“Deus está morto” morreu ............................................................... 104

07. TEOLOGIA DO PROCESSO: JOHN B. COBB JR. ............................... 105Um teólogo “em processo” .............................................................. 106A realidade vista como um processo ............................................... 110A teologia do processo de Cobb ..................................................... 114O Cristo do processo e o nosso futuro ............................................ 117Uma visão problemática? ................................................................ 120

08. ESPERANÇA EM MEIO AO SOFRIMENTO: JÜRGEN MOLTMANN ..... 123Da esperança à teologia ................................................................... 124Uma teologia cheia de esperança .................................................... 128Pressuposto filosófico ...................................................................... 130

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sumário 7

Esperança e promessa ..................................................................... 131O Deus sofredor da esperança ........................................................ 135Esperança ou processo? ................................................................... 137História trinitariana do mundo ....................................................... 139Esperança em meio ao sofrimento .................................................. 141Um Deus dependente? .................................................................... 143

09. RAZÃO E ESPERANÇA: WOLFHART PANNENBERG ........................ 145Como se faz um teólogo ................................................................. 145A busca de uma fé racional ............................................................. 148Esperança racional e racionalismo esperançoso .............................. 152Teologia como estudo de Deus ....................................................... 153Deus triúno ..................................................................................... 154Ênfase cristológica .......................................................................... 156Centralidade do Espírito ................................................................. 158Uma teologia para a igreja ............................................................... 161Uma teologia pertinente? ................................................................ 161

10. PRÁXIS LIBERTADORA: GUSTAVO GUTIÉRREZ ................................ 163Embates de um teólogo ativista ...................................................... 163Precursores da teologia da libertação .............................................. 166Teologia contextual ......................................................................... 168Uma teologia do pobre .................................................................... 170A influência marxista ...................................................................... 171Teologia como reflexão crítica da práxis ......................................... 174Salvação como libertação ................................................................ 175Uma teologia para qualquer contexto? ............................................ 177

11. TEOLOGIA DA EXPERIÊNCIA FEMININA: ROSEMARY

RADFORD RUETHER ....................................................................... 181Trajetória da teologia feminista ....................................................... 182Uma teologia de mulheres e para mulheres .................................... 184Passado patriarcal ............................................................................ 187Recuperando a memória perdida das mulheres .............................. 189Reconstruindo a visão ..................................................................... 191Mas, isso é cristão? .......................................................................... 197

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8 TEOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

12. TEOLOGIA GLOBAL: JOHN HICK .................................................... 201Qual é o problema? ......................................................................... 202A hipótese pluralista de Hick ......................................................... 205Um Deus, muitas faces .................................................................... 209Hick vs. Bíblia ................................................................................. 211Perguntas, dúvidas e resistência ...................................................... 213Católico-romanos: o Vaticano II ..................................................... 216 “Cristãos anônimos”? ..................................................................... 219Intolerância ou arrogância? ............................................................. 222

13. TEOLOGIA EM UMA ERA PÓS-LIBERAL: GEORGE LINDBECK ........ 225Do “liberalismo” ao “pós-liberalismo” ............................................. 226De medievalista a “pós-liberal” ....................................................... 229A opção da narrativa ....................................................................... 231Como o estudioso da ética vê a teologia narrativa .......................... 233Doutrina, as regras da comunidade ................................................. 236Mas, será suficiente? ........................................................................ 241

APÊNDICE – EVANGELICALISMO ENGAJADO: CARL F. H. HENRY

ESCRITO POR JONAS MADUREIRA .................................................. 245O principal teólogo do evangelismo ............................................... 246Fundamentalismo vs. liberalismo .................................................... 250A teologia do evangelho social ........................................................ 254A nova agenda do evangelicalismo ................................................. 260A autoridade da revelação ............................................................... 261A natureza proposicional da autorrevelação de Deus ..................... 263A tarefa racional da teologia cristã .................................................. 266Uma teologia racionalista? .............................................................. 268

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sumário 9

Prefácio à ediçãoem português

HÁ QUEM DIGA QUE “TEOLOGIA SE FAZ A LÁPIS”. NESSEsentido, ao contrário da palavra de Deus, a teologia pode mudar, setransformar, adequar-se a uma época, ou até mesmo corrigir suas hi-póteses, tanto pela descoberta de novas fontes de pesquisa, como pormeio de estudos mais aprofundados.

E nesse esforço humano para compreender a palavra de Deus, ateologia acabou se desdobrando em muitas. Isso quer dizer que todasas teologias são igualmente válidas? É claro que não. Significa apenasque todas procuraram compreender a Palavra, embora algumas tenhamse aproximado mais das Escrituras, outras da cultura, outras da ciên-cia, outras das questões sociais de sua época, sendo que algumas delasacabaram até mesmo se embrenhando por caminhos tortuosos nesseesforço de compreensão.

Portanto, ao longo de sua história, a teologia tem se mostradocada vez mais diversificada, o que nos força a concluir que realmentenão dá mais para continuar falando em “teologia”, mas sim em “teolo-gias”. E quando se trata do contexto atual dos estudos teológicos, issofica ainda mais evidente. É por esse motivo que os autores resolveramchamar este livro de “Teologias contemporâneas”, uma vez que, de-pois do fim da teologia moderna ou do liberalismo teológico, a diver-sidade na história da teologia, especialmente no contexto protestante,aumentou consideravelmente.

Neste livro, o leitor encontrará uma visão panorâmica das princi-pais teologias desenvolvidas no século XX, bem como uma análise crí-tica de cada uma delas. A novidade desta edição em português é o

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acréscimo de um apêndice escrito pelo teólogo e filósofo JonasMadureira. Nesse apêndice, o leitor encontrará uma apresentação dateologia de Carl F. H. Henry, considerado por Billy Graham como omais importante teólogo do evangelicalismo da segunda metade doséculo XX.

É nosso desejo que esta obra contribua para enriquecer nossoconhecimento das várias teologias que ajudaram a construir a históriada teologia contemporânea. Que esse conhecimento possa nos trazera consciência da limitação humana de compreender a palavra de Deusem toda a sua plenitude, uma palavra que não muda, que é semprerelevante, mas cujo poder transformador atravessa tempos e épocas.

Os Editores

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sumário 11

PREFÁCIO

NAS ARTES ASSIM COMO NA LITERATURA, O SIGNIFI-cado técnico de “contemporâneo” se situa entre o atual e o recente,de um lado, e o moderno, de outro. Contudo, contemporâneo temtambém um significado mais geral ou frequente e designa tudo oque ocorreu nos últimos cem anos aproximadamente. Ao adotarmoseste último sentido, temos um lugar definido por onde começar.Quem quer que saiba alguma coisa sobre teologia contemporânea,sabe que uma ruptura decisiva com o antigo foi o ponto de partidapara um novo cenário que começou a tomar forma em 1920. Esserompimento, que ainda hoje apresenta desdobramentos, provoca rea-ções, desvios e becos sem saída, é o que entendemos por “teologiacontemporânea”.

Todavia, seria uma ingenuidade imaginar que todos esses desdo-bramentos, desvios e etc. foram plenamente considerados no curtoespaço de um pequeno livro. A tarefa de sintetizar e de filtrar os pen-sadores e as ideias mais importantes deixou frustrados os autores des-te livro. Com isso, passamos a entender um pouco melhor as palavrasde 2Macabeus 2.26: “Para nós, que tomamos sobre nós o penoso tra-balho deste resumo, trata-se não de uma tarefa fácil, mas de uma ques-tão de suores e vigílias” [TEB]. Será igualmente frustrante para algunsleitores, cujo teólogo favorito não recebeu a atenção esperada, ou cujaideia favorita simplesmente não foi considerada. Mas o espaço quetemos é este, e não outro. As escolhas que fizemos foram as que nospareceram melhores.

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12 TEOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

A maior parte dos grandes movimentos teológicos dos últimoscem anos pode ser basicamente associada a um pensador. Isso se refle-te nos subtítulos dos capítulos, que chamam a atenção do leitor para opensador (ou pensadores) que deve ser considerado como persona-gem principal do movimento ou da ideia ou como aquele que, por ummotivo qualquer, teve seu nome associado de forma mais evidente àideia ou ao movimento. Por outro lado, um volume expressivo dasperspectivas aqui apresentadas contou, sem dúvida alguma, com a cola-boração de muitos outros indivíduos, que desenvolveram ainda maisos temas tratados ou a eles se opuseram. Portanto, grande parte doscapítulos permite que a discussão se estenda para além da contribuiçãodo teólogo cujo nome aparece no título do capítulo.

Com referência ao título do livro, optamos por “teologias con-temporâneas”, em vez de “teologia contemporânea”, conforme nor-malmente se faz nesses casos. Com o plural, pretendemos enfatizarque o ambiente teológico contemporâneo tem ramificações bastantediversificadas e que se desdobram por todos os lados.

Nossos agradecimentos aos editores da Fortress Press (princi-palmente a Hank French, Michael West e Debbie Finch Brandt) pelointeresse que demonstraram por este livro e pelo apoio que deram àsua publicação. Queremos também deixar aqui expressa nossa grati-dão a James Watters e Michael McClosky pela assistência que nosderam na elaboração desta obra.

Todas as citações da Bíblia foram retiradas da versão AlmeidaSéculo 21.

Ed. L. MillerStanley J. Grenz

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De volta ao essencial 13

CAPÍTULO 1

De volta ao essencial:Karl Barth

PRATTELN É UMA ALDEIA SUÍÇA ÀS MARGENS DOReno, a poucos quilômetros da Basileia, por onde passa a ferrovia comdestino a Zurique. Um dia, um menino foi visitar seu avô, pastor deuma pequena paróquia de Pratteln. Em meio às suas brincadeiras,decidiu explorar as escadas do interior da igreja. Muitos anos depois,ele mesmo descreveria o que se passou na ocasião: “Quando subia,tateando a escadaria da torre da igreja mergulhada na escuridão, ele,sem querer, buscou apoio na corda do sino, em vez do corrimão. Apa-vorado, ouviu o repicar do grande sino acima dele, numa altura quetodos, e não apenas ele, podiam ouvir”.1 O menino se transformou nohomem tido como o maior teólogo do século XX. Até mesmo os nãobarthianos admitem que seu impacto sobre toda a teologia subsequentejamais foi igualado em seus dias.

Karl Barth nasceu na Basileia, no dia 10 de maio de 1886, no seiode uma grande família profundamente dedicada à teologia e à pre-gação. Passou a juventude em Bern, onde seu pai lecionava teologia.Seus estudos o levaram da universidade, em Bern, às universidadesalemãs de Tübingen, Marburg e Berlim. Depois de uma experiênciacrucial como pastor na aldeia de Safenwil, na Suíça, Barth lecionou

1 Karl Barth, citado por Eberhard Busch em Karl Barth: his life from letters andautobiographical texts, trad. John Bowden. Philadelphia, Fortress Press, 1976, p. 20.

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teologia nas universidades alemãs de Göttingen, Münster e Bonn.Expulso desta última por se recusar a jurar lealdade a Hitler, voltou àBasileia onde ensinou teologia na universidade de 1935 até se apo-sentar, em 1962. Jamais concluiu um doutorado, embora fosse pos-teriormente agraciado com numerosos títulos honorários. Barth eraum homem robusto e bem-humorado, mas tinha em geral um ar muitosério.2 Foi também um dos grandes aficionados do cachimbo no séculoXX. Morreu em 1968, aos 82 anos.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O contexto liberal

O jovem teólogo Barth foi criado no liberalismo, que era a pers-pectiva teológica reinante em fins do século XIX e princípios do séculoXX. Era uma teologia otimista com raízes no trabalho de FriedrichSchleiermacher (1768-1864) e que foi levada a efeito pelos contem-porâneos mais velhos de Barth, Albrecht Ritschl, Wilhelm Hermann(seu professor em Marburg) e Adolf von Harnack (seu professor emBerlim). Este último popularizou a teologia da época em um livro queé considerado a expressão mais acabada e influente da teologia liberalprotestante e ponto alto do movimento. Tratava-se de uma versãoimpressa de seis aulas ministradas na Universidade de Berlim noinverno de 1899-1900. Na tradução para o inglês, o livro recebeu otítulo de What is Christianity [O que é cristianismo?]. A resposta, deacordo com o autor: a paternidade de Deus, a irmandade da huma-nidade e o valor infinito da alma humana.3

Harnack era um intelectual sagaz e crítico, um especialista nosprimeiros anos do cristianismo e no Jesus histórico. Ele acreditava

2 O humor de Barth transparece na história do homem que, ao ser apresentado aele, quis saber de Barth se ele conhecia Barth, outro famoso teólogo que curiosa-mente tinha o mesmo nome. Barth respondeu: “Claro que sim! Faço a barba deletodos os dias!”.

3 A publicação do livro se deu de forma praticamente acidental. As aulas foramdadas informalmente perante um auditório de cerca de seiscentas pessoas. Alguémtaquigrafou toda a exposição e a apresentou no final ao professor, que ficou surpreso.O fato de as aulas terem sido publicadas imediatamente em tradução para o inglêsdá um pouco a dimensão do impacto que tiveram.

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De volta ao essencial 15

que embora fosse inevitável que a mensagem de Jesus encontrasseexpressão nos motivos predominantes da época — que não se mostra-riam eficazes posteriormente — é possível mesmo assim identificarum significado e uma aplicação vitais neles de validade perene. Deacordo com Harnack, se tirarmos, por exemplo, a escatologia aciden-tal (ou as imagens sobre o fim do mundo) que encobrem a mensagemde Jesus sobre o futuro reino de Deus que, a rigor, é algo que está“dentro em vós”(Lc 17.21), e se atentarmos para o que ele diz sobre ovalor do ser humano, superior ao dos pardais que merecem o cuidadode Deus (Lc 12.6), e também sobre o valor da alma, mais preciosa doque tudo no mundo (Mt 16.26), e se atentarmos por fim para seuensinamento sobre o caráter universal do amor a Deus e ao próximo(Mt 22.37-40), começaremos então a nos dar conta da verdadeira subs-tância da proclamação de Jesus.

Foi uma proclamação pouco afeita a especulações teológicas efilosóficas e muito mais interessada em uma relação correta comDeus, em sentido vertical, e com o próximo, em sentido horizontal.Basicamente, portanto, não se tratava de uma proclamação de cunhoindividualista, e sim “socialista”. O evangelho, segundo Harnack, “éprofundamente socialista, assim como é também profundamenteindividualista, porque estabelece o valor infinito e autônomo da almahumana [...] Seu objetivo consiste na transformação de um socia-lismo que repousa sobre uma base de interesses conflitantes em umsocialismo cujo esteio é a consciência de uma unidade espiritual”.4

Não é de espantar, portanto, que esse movimento tenha ficadoconhecido como “evangelho social”. Com relação a Jesus especifica-mente, Harnack diz que o correto seria considerá-lo como a expressãosuprema daquilo de que trata o evangelho:

A consciência que ele tinha de ser o Filho de Deus nada mais é,portanto, do que a consequência prática de conhecer a Deus como oPai e como seu Pai. Bem entendido, o nome do Filho nada significa

4 Adolph von Harnack, What is Christianity?, 3a. ed., trad. Thomas Bailey Saunders.London, Williams & Norgate, 1904, p. 13-14.