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1 CARLOS COSSIO E A EXPERIÊNCIA JURÍDICA JUNQUEIRA, Thereza de Jesus Santos 1 RESUMO Este trabalho objetiva estudar a noção de “experiência jurídica” desenvolvida pela Teoria Egológica do Direito de Carlos Cossio, destacando-se seus elementos, o conceito de direito, a noção de norma enquanto estrutura de pensamento e conceito, e o papel do juiz, enquanto intérprete e protagonista da cena jurídica, bem como seu requerido comprometimento com a legitimação de sua atuação. PALAVRAS-CHAVE: TEORIA EGOLÓGICA DO DIREITO. EXPERIÊNCIA JURÍDICA. PROTAGONISTA. FORÇA DE CONVICÇÃO. 1. Introdução A Teoria Egológica do Direito, concebida pelo jurista argentino Carlos Cossio (1903- 1987), representa uma iniciativa de transformação da concepção normativista do direito (monismo metodológico positivista) 2 , kelseniana especificamente, em favor de uma abordagem humanista, que considere a conduta humana, em sua liberdade, como objeto de estudo. Para Kelsen, direito é norma, que consiste em um dever ser lógico. Para Cossio, que incorpora criticamente a Lógica Formal de Kelsen, o direito é conduta, e o dever ser conduz um raciocínio axiológico, consoante ensina Muricy: No plano em que particularmente se projeta o da fundamentação da ciência jurídica -, a Teoria Egológica empreende uma exaustiva busca fenomenológica das notas essenciais ao jurídico, encontrando-as finalmente no fenômeno da interferência intersubjetiva das condutas. Desvendando, com exemplaridade, o preconceito positivista do purismo metodológico de Hans Kelsen e o caráter pré-temático de sua 1 A autora é Bacharel em Direito (1997-2002) e Licenciada em Letras (2003-2008) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Belo Horizonte/ MG, e Mestre em Direito (2013) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador/ BA. E.mail: [email protected]. 2 Por sua vez, o monismo metodológico pode conceber o Direito como um fenômeno puramente normativo e identificar a norma com as condutas criadas ou comunicadas mediante palavras, com o que estaremos ante ao ‘monismo metodológico positivista’; ou se pode conceber o direito como fatos de conduta que não se diferenciam dos fatos da natureza, com o que estaremos ante ao ‘monismo metodológico pragmatista. Ambos monismos deram lugar a importantes escolas filosóficas” (tradução nossa). A su vez, el monismo metodológico puede concebir al Derecho como um fenómeno puramente normativo e identificar a la norma con las jurídicas creadas o comunicadas mediante palavras, com lo cual estaremos ante el ‘monismo metodológico positivista’; o bien puede concebir el Derecho como hechos de conducta que no se diferencian de los hechos de la naturaleza, con lo cual estaremos ante el “monismo metodológico pragmatista. Ambos monismos han dado lugar a importantes escuelas iusfilosóficas”. AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José; RAFFO, Julio. Introducción al Derecho, Quinta edición. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 274.

Teoria egológica

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Carlos Cossio e a experiência jurídica

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    CARLOS COSSIO E A EXPERINCIA JURDICA

    JUNQUEIRA, Thereza de Jesus Santos1

    RESUMO

    Este trabalho objetiva estudar a noo de experincia jurdica desenvolvida pela Teoria Egolgica do Direito de Carlos Cossio, destacando-se seus elementos, o conceito

    de direito, a noo de norma enquanto estrutura de pensamento e conceito, e o papel do

    juiz, enquanto intrprete e protagonista da cena jurdica, bem como seu requerido

    comprometimento com a legitimao de sua atuao.

    PALAVRAS-CHAVE: TEORIA EGOLGICA DO DIREITO. EXPERINCIA

    JURDICA. PROTAGONISTA. FORA DE CONVICO.

    1. Introduo

    A Teoria Egolgica do Direito, concebida pelo jurista argentino Carlos Cossio (1903-

    1987), representa uma iniciativa de transformao da concepo normativista do direito

    (monismo metodolgico positivista)2, kelseniana especificamente, em favor de uma

    abordagem humanista, que considere a conduta humana, em sua liberdade, como objeto

    de estudo. Para Kelsen, direito norma, que consiste em um dever ser lgico. Para

    Cossio, que incorpora criticamente a Lgica Formal de Kelsen, o direito conduta, e o

    dever ser conduz um raciocnio axiolgico, consoante ensina Muricy:

    No plano em que particularmente se projeta o da fundamentao da cincia jurdica -, a Teoria Egolgica empreende uma exaustiva busca

    fenomenolgica das notas essenciais ao jurdico, encontrando-as

    finalmente no fenmeno da interferncia intersubjetiva das condutas.

    Desvendando, com exemplaridade, o preconceito positivista do

    purismo metodolgico de Hans Kelsen e o carter pr-temtico de sua

    1 A autora Bacharel em Direito (1997-2002) e Licenciada em Letras (2003-2008) pela Universidade

    Federal de Minas Gerais (UFMG) Belo Horizonte/ MG, e Mestre em Direito (2013) pela Universidade

    Federal da Bahia (UFBA), Salvador/ BA. E.mail: [email protected].

    2 Por sua vez, o monismo metodolgico pode conceber o Direito como um fenmeno puramente

    normativo e identificar a norma com as condutas criadas ou comunicadas mediante palavras, com o que

    estaremos ante ao monismo metodolgico positivista; ou se pode conceber o direito como fatos de conduta que no se diferenciam dos fatos da natureza, com o que estaremos ante ao monismo metodolgico pragmatista. Ambos monismos deram lugar a importantes escolas filosficas (traduo nossa).

    A su vez, el monismo metodolgico puede concebir al Derecho como um fenmeno puramente normativo e identificar a la norma con las jurdicas creadas o comunicadas mediante palavras, com lo cual

    estaremos ante el monismo metodolgico positivista; o bien puede concebir el Derecho como hechos de conducta que no se diferencian de los hechos de la naturaleza, con lo cual estaremos ante el monismo metodolgico pragmatista. Ambos monismos han dado lugar a importantes escuelas iusfilosficas. AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 274.

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    ontologia jurdica, demonstra a possibilidade de encontrar o direito,

    em toda sua inteireza, ainda que com abstrao de qualquer referncia

    normativa3.

    O embasamento filosfico do autor incorpora, conforme ensina Machado Neto4, aportes

    da fenomenologia de Husserl, do existencialismo de Heidegger, da teoria dos valores, da

    Teoria Pura do Direito, de Kelsen, bem como uma certa disposio espiritual de fundo

    criticista, que denuncia a influncia do filsofo de Koenigsberg.5

    A escolha pelo termo egolgico explicada pela necessria referncia ao sujeito do

    conhecimento jurdico, ao eu. O autor afasta o adjetivo subjetivo para evitar

    associaes que no condizem com sua proposta.6

    3 MURICY M. PINTO, Marlia. O espao terico da conduta nas cincias humanas: notas paralelas sobre

    o interacionismo simblico e a teoria egolgica. In: Machado Neto. Faculdade de Filosofia e Cincias

    Humanas: Centro Editorial e Didtico da Universidade Federal da Bahia, 1979, p. 73. 4MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So Paulo: Saraiva,

    1988, p. 51. 5 Sobre os recortes realizados por Cossio das diferentes influncias filosficas esclarecedora a anlise de

    Aftalion e outros: De Kant da Crtica da Razo Pura, Cossio toma basicamente em primeiro lugar sua concepo mesma de filosofia (do direito) como filosofia da cincia (do direito), a ideia de realizar uma

    anlise da experincia (jurdica) concebida dita experincia como conhecimento e a ideia da lgica

    transcendental. De Husserl principalmente de Husserl das Investigaes lgicas, do primeiro tomo de Ideias e das Meditaes Cartesianas toma Cossio o mtodo fenomenolgico, a ideia de realizar uma anlise das cincias eidticas que se encontram na base das cincias empricas (e, correlativamente, a

    noo de ontologia regional), a descrio de conhecimento como agregado de significao mais intuio

    impletiva e a ideia de objetividade como intersubjetividade transcendental. Finalmente, de Heidegger de

    Ser e Tempo, toma basicamente nosso autor as noes mesmas de existncia (Dasein) e liberdade e a

    distino entre ntico e ontolgico, planos imbrincados na plenria existncia (humana), j que segundo a

    tese heideggeriana o carter ntico do Dasein ontolgico (traduo nossa) De Kant de la Critica de la Razn Pura, Cossio toma bsicamente en primer lugar su concepcin misma de la filosofia (del Derecho) como filosofia de la cincia (del Derecho), la idea de realizar um anlisis de

    la experiencia (jurdica) concebida dicha experiencia como conocimento y la idea de la lgica

    transcendental. De Husserl- principalmente de Husserl de las Investigaciones Lgicas, del primer tomo de

    Ideas y de las Meditaciones Cartesianas toma Cossio el mtodo fenomenolgico, la idea de realizar un anlisis de las cincias eidditas que se encuentram en la base de las ciencias empricas (y,

    correlativamente, la nocin de ontologia regional), la descripcin del conocimiento como agregado de

    significacin ms intuicin impletiva y la idea de objetividad como intersubjetividad transcendental.

    Finalmente, del Heidegger de Ser y Tiempo, toma basicamente nuestro autor las nociones mismas de

    existencia (Dasein) y libertad y la distincin entre ntico e ontolgico, planos en el dato de la plenria

    existencia (humana) se dan imbricados, discernibles slo por anlisis, ya que segn tesis heideggeriana el

    carcter ntico del Dasein es ser ontolgico. AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 308. 6 O problema terminolgico consistia em que me era indispensvel um adjetivo que correspondesse ao

    substantivo sujeito. Se para a teoria egolgica o direito conduta e o objeto do conhecimento dogmtico a conduta em interferncia subjetiva; se o dado a conhecer, portanto, o homem plenrio enquanto

    sujeito atuante pois a pessoa humana, sua liberdade metafsica fenomenalizada e suas aes cumpridas so inseparavelmente uma e a mesma coisa, segundo se explica largamente em meu livro de marras -,

    claro que me encontrando sempre com o sujeito atuante como objeto de conhecimento, necessitaria a cada

    momento o adjetivo correspondente a sujeito. Etimologicamente este adjetivo est dado pela palavra

    subjetivo, que hoje em dia tem mltiplas acepes, todas elas j independentes de seu correspondente

    substantivo. Imagine-se a confuso que teria acarretado dizer Teoria subjetiva do direito. Quase o mesmo teria ocorrido se, derivando do substantivo pessoa, teria dito Teoria personalista do direito. a que a necessidade de permanecer margem de todas as ressonncias filosficas sedimentadas hoje no

    adjetivo subjetivo, de modo que a necessidade de recorrer qualificao originria que corresponde a este vocbulo, levou-me ao vocbulo egolgico, derivado de ego, eu. (traduo nossa)

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    Cossio organizou a teoria egolgica em quatro blocos temticos, a saber, ontologia

    jurdica, lgica formal, lgica material e axiologia jurdica. A ontologia jurdica cuida de

    uma reflexo acerca do ser do direito; a lgica formal cuida da norma enquanto

    estrutura; a lgica material aborda a norma como conceito; e a axiologia jurdica, os

    valores.

    A este trabalho interessa especialmente refletir sobre a noo de experincia jurdica,

    que requer entendimentos das quatro dimenses tericas acima referidas, razo pela

    qual cumpre reconstru-las, o que segue em torno da reconfigurao do conceito de

    direito, e do que ensina o autor acerca de seu conhecimento.

    2. Direito conduta!

    A partir da teoria dos objetos, de Husserl, Cossio concebe o direito como objeto

    cultural, distinguindo-o, assim, de outras trs classes de objetos, os ideais, naturais e

    metafsicos, em razo de suas caractersticas, e entre os quais, nas palavras de Cossio7,

    existem diferencias tan radicales que es completamente intil toda tentativa de querer

    estudiar a todos esos objetos de la misma manera.

    Por objetos culturais, qualifica aqueles, dentre os quais o direito e a moral, que em seu

    carter se distinguem como reais (por possurem existncia); experienciais (e, portanto,

    temporais e espaciais); valiosos, positiva ou negativamente; compreensveis atravs do

    mtodo emprico-dialtico, e cujo ato gnosiolgico consiste em vivncia e compreenso,

    e cuja estrutura denota um todo simples e aberto8.

    Esses objetos so compostos de um substrato e um sentido. O substrato consiste no

    El problema terminolgico consistia en que me era indispensable un adjetivo que correspondiera al substantivo sujeto. Si para la teoria egolgica el Derecho es conducta y el objeto del conocimento dogmtico es la conducta en interferencia intersubjeva; si el dato a conocer, por lo tanto, es el hombre

    plenrio em tanto que es sujeto actuante pues la persona humana su libertad metafsica fenomenalizada y sus acciones cumplidas son inseparablemente una y la misma cosa, segn se explica largamente en mi

    libro de marras -, es claro que encontrndome siempre con el sujeto actuante como objeto de

    conocimiento, necesitaria a cada momento el adjetivo correspondiente a sujeto. Etimolgicamente este

    adjetivo est dado pelo por el vocablo subjetivo, que hoy en da este adjetivo tiene mltiples acepciones, todas ellas independientes ya de su correspondiente substantivo. Imagnese la confusin que

    hubiera acarreado decir Teoria subjetiva del Derecho. Casi lo mismo hubiera ocurrido si, derivando del

    substantivo persona, hubiera dicho Teora personalista del Derecho. Es as que la necesidad de permanecer al margen de todas las resonancias filosficas sedimentadas hoy em el adjetivo subjetivo, al par que la necessidade de recurrir a la calificacin originaria que a este vocablo corresponde, me llev al

    vocablo egolgico, derivado de ego yo. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 215-216. 7 existem diferenas to radicais que completamente intil toda tentativa de querer estudar a todos

    esses objetos da mesma maneira. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 27. 8 COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial.

    Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 28.

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    suporte ftico, que pode ser um objeto fsico (mundanais) ou uma experincia

    (egolgicos); e o sentido, um juzo de valor, que depende da vivncia psicolgica do

    sujeito que o enuncia. no sentido que reside o carter valioso ou desvalioso de um

    bem cultural, ensina Machado Neto9. O sujeito est assim implicado no sentido, ele

    precisa tomar posio, consistindo em um componente da significao10

    .

    Considerando que cada grupo de objetos, dadas suas peculiaridades, requer diferentes

    mtodos para ser conhecido, o direito, enquanto objeto cultural egolgico, que dado na

    experincia e, portanto, passvel de ser apreendido pelos sentidos, deve ser conhecido

    atravs do mtodo emprico-dialtico. Analis-lo pelo mtodo racional-dedutivo

    implicaria desconsiderar sua realidade. A esse respeito ensina Machado Neto11

    que o

    direito solicita uma lgica de anlise diferente da lgica das cincias naturais, e ressalta

    a atitude reducionista que o normativismo lhe impe, ao desconsiderar a necessidade

    dessa peculiar abordagem:

    Com efeito, por que, das disciplinas sociais, a cincia do direito seria a

    nica a desgarrar-se do bloco das cincias culturais e ir inscrever-se na

    companhia das matemticas e da lgica? Por que reduzir o direito

    simples norma em seu tratamento cientfico, se a quase unanimidade

    dos jurisfilsofos de hoje, por esse ou aquele caminho, vo dar na

    concluso de que o direito fato, valor e norma, por ser objeto

    cultural?

    Cumpre reiterar que a teoria egolgica reconhece o papel de Kelsen para a Cincia do

    Direito, sobretudo no que tange lgica jurdica. Mas rel essa teoria, relativizando o

    papel central conferido estrutura normativa. Para Cossio, o direito um objeto

    cultural, sendo inadequado um estudo que o tome por objeto ideal, ou produto de

    mtodos formais.

    Com essa orientao, o autor realiza uma releitura ontolgica do direito e apresenta,

    como seu substrato, a conduta humana em interferncia intersubjetiva, sendo a norma

    a representao de sua estrutura (lgica formal), ou espcie de conceito que a l para

    conferir-lhe um sentido (lgica transcendental), de maneira que sempre h de restar

    certa margem de liberdade conduta, por mais que a norma a pretenda vincular a

    9 MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So Paulo: Saraiva,

    1988, p. 51. 10A questo consiste no fato de que a conduta como liberdade no um ser, seno um dever ser existencial; e em que unicamente o dever ser lgico pode mencionar adequadamente o dever ser

    existencial. A conduta, valorosa ou desvalorosa, um dever ser existencial, que, ao ser projetada, se dirige

    a seu fim COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin

    judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 38. 11

    MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So Paulo: Saraiva,

    1988, p. 51.

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    determinaes e proibies12.

    Conduta em interferncia intersubjetiva significa liberdade metafsica fenomenizada,

    ou um dever ser existencial que supe o agir de outra pessoa, implicando, portanto,

    bilateralidade, coparticipao e reciprocidade. A conduta, enquanto objeto do direito,

    pensada em relao conduta de outras pessoas, em sua impedibilidade, coloca-se em

    jogo o que o outro pode fazer e, nesse ponto, diferencia-se de sua abordagem sob um

    aspecto moral, atravs do qual ela considerada em sua liberdade subjetiva, ou seja, em

    relao a outras possveis condutas do mesmo sujeito.

    Assim, se so sempre duas condutas implicadas, sero igualmente, pelo menos, duas

    normas13

    :

    (...) como el derecho es intersubjetivo e implica, por lo menos, dos

    conductas que se cruzan, ocorre que no hay em la experiencia jurdica,

    ni puede hacer, una norma aislada. Siempre hay en ella, por lo menos,

    dos normas cordinadas, cada una representando la conduta de cada

    una de estas partes; pero por la misma razn, em cualquier outro punto

    de la experiencia jurdica, estas normas estan cruzadas a su vez por

    otras normas, em plano horizontal.

    A norma, do ponto de vista da lgica formal, consiste em uma estrutura de dever ser e,

    portanto, um juzo imputativo (imputao de um antecedente a um consequente) de

    conceber a conduta (em oposio a um modo narrativo). Esta estrutura flexvel, supe

    o ser humano em sua liberdade, como personalidade que se autodetermina a cada

    momento, visto que trata de uma previso, possibilidade. Constata-se uma identidade

    entre a razo normativa e a vida humana, tendo em vista que no se vive

    deterministicamente, mas sim visando possibilidades.

    Do ponto de vista da lgica transcendental, a norma um conceito que l a conduta a

    partir da lgica do dever ser14: Juzo para o pensamento (lgica formal), a norma ,

    pois, um conceito para o conhecimento (lgica transcendental).15 A norma, enquanto

    conceito, qualifica a conduta como faculdade, prestao, ilcito ou sano, que so os

    12

    MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So Paulo: Saraiva,

    1988, p. 53-54. 13

    Como o direito intersubjetivo e implica, pelo menos, duas condutas que se cruzam, ocorre que no h na experincia jurdica, nem pode haver, uma norma isolada. Sempre h nela, pelo menos, duas

    normas coordenadas, cada uma representando a conduta de cada uma das partes; mas pela mesma razo,

    em qualquer outro ponto da experincia jurdica, estas normas esto cruzadas por outras normas, no plano

    horizontal. (traduo nossa) COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 45. 14

    COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial.

    Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 45. 15

    MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So Paulo: Saraiva,

    1988, p. 54.

  • 6

    quatro modos de ser do direito. No se trata de criar o jurdico, mas to somente

    reconhec-lo.

    Cossio rel essa estrutura normativa de um juzo hipottico, para um juzo disjuntivo,

    com vistas a alcanar tanto a conduta pensada como lcita, quanto a conduta pensada

    como ilcita.

    A experincia jurdica mais do que a estrutura do dever ser. Rompe-se com a

    equiparao do direito norma, analisada enquanto objeto ideal e, portanto, avessa

    temporalidade da experincia jurdica e, por conseguinte, denuncia-se a impropriedade

    do mtodo racional-dedutivo para o seu conhecimento, sob pena de preterir sua

    realidade. Trata-se de estrutura formal e necessria, porque um modo de raciocnio

    solicitado ao jurista, sem o qual no h direito. Mas falar em direito implica considerar

    outros aspectos igualmente relevantes.

    Os fenmenos ticos, dentre os quais destacam-se direito e moral, consistem em uma

    expresso da liberdade metafsica, estud-los, significa captar o sentido dessa

    liberdade16

    .

    3. O conhecimento jurdico e os valores

    O que significa aplicar uma lei? Para Cossio, trata-se de uma questo mal formulada,

    visto que o conhecimento jurdico cuida de enfocar uma conduta a partir do ngulo da

    lei, ou seja, atribuir conduta considerada um sentido axiolgico enunciado na lei. Mas,

    ao mesmo tempo, significa extrair um sentido contido na prpria conduta. Neste ponto,

    o autor chama a ateno para a pergunta que resta encoberta trata da legitimidade da

    interpretao, de sua fora de convico.17

    A garantia contra o arbtrio da interpretao no pode ser satisfeito pelos mtodos

    tradicionais (gramatical, exegtico, sistemtico, etc), porque eles supem a identificao

    do direito lei e com isso, procuram uma resposta pergunta criticada por Cossio.

    Percebe-se, assim, que aplicar uma lei significa antes conhecer uma conduta. E esse

    conhecimento no completamente livre, apesar de a estrutura normativa significar essa

    liberdade, visto que ela o direciona. Interpreta-se (conhece-se) a conduta atravs da

    norma ou texto, sendo que a estrutura normativa j est na conduta. O que se deve

    16

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 310. 17

    COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial.

    Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 123.

  • 7

    analisar se a normatividade contida na conduta compatvel com o ordenamento

    jurdico.

    Segn la enseanza de Husserl, la mencin es tributaria del objeto. Y

    en la medida en que hay identidad entre mencin (norma) y objeto

    (conducta bajo este perfil), el tributo significa que la norma emerge,

    por abstracin, de la conducta; y no que la conducta, para adquirir

    forma, se pliega a la norma.18

    O conhecimento jurdico , assim, constitutivo da experincia do jurista, que ao

    interpretar a conduta a partir da estrutura normativa, a compreende: Si el jurista, por el

    hecho de interpretar, algo conoce al interpretar, es irremediable que tenga que

    determinar qu es lo que conoce y en que consiste ese conocimento.19

    Seu objeto de estudo no a norma, nem o contedo dogmtico, ao contrrio das

    abordagens tradicionais. A norma, como visto, estrutura de pensamento, e as

    referncias dogmticas podem ser entendidas como expresses verbais da conduta,

    formas sensveis que a delimitam. A dogmtica uma cincia cultural, tendo em vista

    que estuda uma experincia valorativa.20

    Para que haja conhecimento jurdico, no basta

    referir-se conduta a partir dos contedos dogmticos, preciso compreend-los em

    seu sentido, enquanto valorao.21

    Assim, conduta e referncia dogmtica constituem substratos que se unem ao sentido

    atravs de uma operao dialtica: un transito dialctico del substrato al sentido y vice

    versa hasta rematar en el sentido que se capta por compreensin22. O substrato como os

    aspectos materiais do comportamento perceptveis ao sentido e o sentido como o valor

    que a conduta apresenta em um determinado contexto.

    O mtodo emprico-dialtico conduz um ato de compreenso, diferentemente do mtodo

    emprico- indutivo, que conduz um ato de explicao. Em referncia a Dilthey, ressalta

    18

    Segundo os ensinamentos de Husserl, a meno tributria do objeto. E na medida em que h identidade entre meno (norma) e objeto (conduta sob este perfil), o tributo significa que a norma

    emerge, por abstrao, da conduta; e no que a conduta, para adquirir forma, se prega norma. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos

    Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 218. 19

    Se o jurista, pelo fato de interpretar, conhece algo ao interpretar, irremedivel que tenha que determinar o que o que conhece e em que consiste esse conhecimento. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 20. 20

    MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So Paulo: Saraiva,

    1988, p. 55. 21

    (...) um trnsito dialtico do substrato ao sentido e vice versa, at rematar no sentido que se capta por compreenso. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 79. 22

    Um trnsito dialtico do substrato ao sentido e vice versa at chegar ao sentido que se capta por compreenso (traduo nossa). AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 309.

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    Cossio a postura do homem diante das diferentes cincias: explicamos a natureza e

    compreendemos a cultura.23 Assim, o mtodo emprico-indutivo parte de fatos

    particulares em direo a um princpio geral, sem considerar o sentido dado pela

    valorao e, muito menos, o sujeito que valora.

    Percebe-se que, com a explanao do mtodo emprico-dialtico, Cossio incorpora a

    discusso filosfico-hermenutica acerca da relao sujeito-objeto para a cincia

    jurdica. Sob o ponto de vista existencialista24

    , o fenmeno jurdico no algo externo

    ao homem (Dasein), mas sim constitutivo - algo experimentado por ele em seu existir. E

    a norma, ou razo normativa, seria a apropriao dessa experincia em termos

    jurdicos, um modo de ser jurdico do Dasein, como o fazem as demais cincias25:

    As cincias so modos de ser do Dasein nos quais ele tambm se

    comporta com entes que ele mesmo no precisa ser. Pertence

    essencialmente ao Dasein ser em um mundo. Assim, a compreenso

    do ser, prpria do Dasein, inclui, de maneira igualmente originria, a

    compreenso de mundo e a compreenso do ser dos entes que se tornam acessveis dentro do mundo. Dessa maneira, as ontologias que

    possuem por tema os entes desprovidos do modo de ser do Dasein se

    fundam e motivam na estrutura ntica do prprio Dasein, que acolhe

    em si a determinao de uma compreenso pr- ontolgica do ser.

    Compreender implica tambm pr-compreender, na medida que o Dasein j possui uma

    viso de mundo. Quando ele se projeta (vir-a-ser), h sempre um vigor de ter sido

    que o determina. Volta-se circularidade: projetando-se que o Dasein retorna ao ter

    sido.

    O processo dialtico da interpretao da conduta implica o manuseio de valores. Falar

    em valores significa considerar o sentido das preferncias incorporadas pela conduta,

    enquanto liberdade. Abstrair dos valores significa abstrair da conduta enquanto

    liberdade, bem como da realidade subjetiva do conhecimento, transportando o problema

    de lidar com o controle social dessa subjetividade, ao problema da busca de uma

    objetividade ideal.

    Os valores so realizados na conduta, constituem matria jurdica (e no forma), so

    23

    COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial.

    Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 79. 24

    O ponto de vista existencialista aquele desenvolvido por Heidegger em sua Ontologia Hermenutica,

    que cuida do Dasein, o ser localizado do homem, como detentor do privilgio ntico-ontolgico: sendo

    (existindo) o Dasein percebe o sentido do seu ser. Pode-se dizer que Heidegger em Ser e Tempo estava preocupado justamente com o fenmeno da compreenso. S que o compreender, pare ele, pressupe a

    recolocao do problema acerca da questo do Ser (Das Sein), o que o conduz formulao do Dasein,

    que o seu ponto de partida. O Ser, como a totalidade do ente, inapreensvel, o que se busca so

    sentidos, o que operacionado pelo Dasein, o ente capaz de questionar os sentidos dos demais entes. 25

    HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, 11. Ed., Trad. Mrcia de S Cavalcante, Apresentao de Emmanuel Carneiro Leo. Petrpolis: Editora Vozes, 2002, Parte I, p. 39/40.

  • 9

    elementos internos, afastando entendimentos que os tomam por norte. Eles so dados

    em lugar e tempo determinados, e so compreensveis, e compreendem a conduta em

    sua referncia a esse contexto.26

    H que salientar, nesse ponto, que o direito no est norteado no

    sentido desses valores, como pode estar o navegante pela estrela polar,

    mas que, ao contrrio, por ser cultura, o direito , em qualquer de suas

    manifestaes, a realizao de alguma ordem, alguma segurana,

    algum poder, alguma justia etc...27

    Cossio, em sua Axiologia Jurdica, identifica seis valores jurdicos, alm da justia28

    (enquanto prprio da sociedade, e no do indivduo), os quais so dados em pares,

    sendo que em cada par h um valor de autonomia e um de heteronomia29

    . So eles:

    ordem e segurana (que coexistem enquanto circunstncia), poder e paz (que coexistem

    enquanto reunio de pessoas, convivncia)30

    , cooperao e solidariedade (que coexistem

    enquanto sociedade, sorte comum de um grupo de seres humanos)31

    .

    Os valores jurdicos so bilaterais, dado o objeto que interessa ao direito (conduta em

    interferncia intersubjetiva) e organizados em trs dimenses existenciais, denotando o

    que o homem pode significar para outro homem: algo referente circunstncia,

    relao entre as pessoas ou sociedade. Aftalin32

    discorre sobre as trs dimenses, das

    26

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 315. 27

    MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So Paulo: Saraiva,

    1988, p. 54. 28

    (...) a justia resulta um valor de totalidade e por isso a justia acompanha sempre como uma sombra a cada um dos valores; por exemplo, se uma instituio realiza uma boa ordem, mas uma m

    solidariedade, j, por aquilo, parcialmente justa. Na justia, a mera coexistncia aparece como razo

    suficiente na medida em que coexistir significa entender-se e que esse entendimento vive com a emoo

    da justia. (traduo nossa) (...) la justicia resulta um valor de totalidade y por eso la justicia acompaa siempre como uma sombra a cada uno de los valores parcelarios; por ejemplo, si una institucin realiza un buen orden, pero una mala

    solidaridad, ya, por aqullo , es parcialmente justa. En la justicia, la mera coexistncia aparece como

    razn suficiente en la medida en que coexistir es entenderse y en que este entendimiento se vive con la

    emocin de la justicia. COSSIO, Carlos. La teoria egolgica del Derecho y el concepto jurdico de libertad. So Paulo: Livraria dos Advogados, 1964, p. 611. 29

    COSSIO, Carlos. La teoria egolgica del Derecho y el concepto jurdico de libertad. So Paulo: Livraria dos Advogados, 1964. 30

    COSSIO, Carlos. La teoria egolgica del Derecho y el concepto jurdico de libertad. So Paulo: Livraria dos Advogados, 1964, p. 577. 31

    COSSIO, Carlos. La teoria egolgica del Derecho y el concepto jurdico de libertad. So Paulo: Livraria dos Advogados, 1964, p. 587. 32

    Se se consideram os sujeitos como pessoas, a reunio das mesmas pode dar-se em verdade como unio, o que atualiza o valor positivo paz, ou como desunio, a que corresponde o polo negativo do valor,

    a discrdia. Nesta ltima a reunio de pessoa, em sua espontaneidade autnoma um conflito. O que

    pode fazer com relao este ltimo domin-lo mediante o exerccio da autoridade. Surge

    heteronomamente assim o valor positivo poder. Este ltimo no se confunde com a fora bruta, seno que

    consiste na capacidade de inculcar sentidos espirituais. Se o poder no suficiente para dominar o

    conflito estamos ainda na discrdia dos conflitos individuais, mas o conjunto destes projetado sobre a

  • 10

    quais se destaca a segunda pessoa, expressando suas modalidades do poder e da

    paz:

    Si se considera a los sujetos como personas, la reunin de las mismas

    puede darse en verdade como unin, lo que actualiza el valor positivo

    paz o como desunin, la que corresponde al polo negativo del valor, la

    discrdia. En esta ltima la reunin de persona, en su espontaneidad

    autnoma es un conflicto. Lo que puede internarse respecto de este

    ltimo es dominarlo mediante el ejercicio de la autoridade. Surge

    heternomamente as el valor positivo poder. Este ltimo no se

    confunde con la fuerza bruta, sino que consiste en la capacidade de

    inculcar sentidos espirituales. Si el poder no es suficiente para

    dominar el conflito estamos an en la discrdia de los conflictos

    individuales, pero el conjunto de stos proyectado sobre la jerarquia

    que es la sociedad como tentativa del poder nos da la situacin de

    impotencia. El desvalor especfico del poder le adviene por excesso

    cuando la dominacin excede los requerimientos del conflito,

    constituyndose as en opresin.

    Percebe-se, assim, que os valores, em sua polarizao e relao mtua, refletem a

    maneira como se processa a conduta em interferncia intersubjetiva, da existncia

    enquanto coexistncia, em sua liberdade. Falar em liberdade significa refletir sobre

    alternativas e preferncias, o que fica em evidncia com a valorao. Trata-se de um

    elemento chave para o conhecimento jurdico, melhor compreendido quando se analisa

    a experincia jurdica em contraste com a experincia natural teorizada por Kant.

    4. A experincia jurdica

    A experincia jurdica um fato da vida, situado, portanto, temporal e espacialmente,

    e representa o contato dos conhecimentos produzidos com a realidade. Ela ocorre

    quando so enunciadas normas individuais: negcios jurdicos, atos administrativos, e

    especialmente, em carter paradigmtico, a sentena judicial.33

    A sentena consiste em um momento privilegiado da experincia jurdica. Ela um

    fato da vida34, expressa norma e guarda em si um contedo dogmtico. Cossio

    considera o juiz, integrante necessrio do ordenamento, como o cnone do

    hierarquia que a sociedade como tentativa de poder, nos d a situao de impotncia. O desvalor

    especfico do poder advm por excesso, quando a dominao excede os requerimentos do conflito,

    constituindo-se assim em opresso. AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 317. 33

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 318. 34

    A sentena como fato da experincia jurdica a conduta do juiz, interferindo com a das partes com o sentido axiolgico conceitualmente previsto nas normas processuais. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p.96.

  • 11

    conhecimento jurdico, e no esquece que os valores realizados pela deciso resultam

    da vida compartilhada, so intersubjetivos e no o produto de uma mente iluminada.

    O juiz, ao protagonizar a experincia jurdica, chamado a atuar e conhecer uma

    conduta especfica, at deixar claro seu sentido objetivo (compartilhado e legtimo), por

    isso ele o cnone, cujo papel os demais juristas devem realizar, se pretendem levar a

    cabo uma experincia.

    O direito definido como uma cincia da experincia e no como uma

    cincia das normas simplesmente. O direito se manifesta a partir do

    protagonista de uma conduta, que se comporta de acordo com

    possibilidades axiolgicas completas, dentro de uma situao

    existencial.35

    A conduta do juiz interfere na conduta das partes e reflete sobre sua prpria conduta, na

    medida em que se refere norma processual que lhe confere investidura, bem como

    sobre sua atuao no processo que o conduziu sentena. Assim, a conduta do juiz

    contm uma reflexo normativa sobre si mesma.36

    A noo de experincia jurdica, conforme concebida por Cossio, decorre do conceito de

    experincia natural, inaugurado por Kant na obra Crtica da Razo Pura, para

    refletir sobre a maneira pela qual possvel o conhecimento.37

    A experincia natural, de acordo com Kant, constituda sempre por dois elementos:

    uma estrutura lgica (a lei natural: S P) e, portanto, formal, necessria e a priori, visto

    que existe independentemente da experincia; e um contedo emprico, contingente.

    Cuida assim essa experincia de uma considerao descritiva, visto que no h pr-

    julgamento, mas sim uma demonstrao. Nas palavras de Cossio38

    :

    Trata-se, portanto, de uma oposio entre matria e forma. A matria, o elemento

    sensvel dos fenmenos, ou contedo emprico; e a forma, aquilo que permite que o

    fenmeno possa ser ordenado em determinadas relaes.39

    Ao transpor a concepo de Kant para o Direito, Cossio vislumbra que a experincia

    35

    SAMPAIO, Marlia de vila e Silva. Carlos Cossio e a Teoria Egolgica do Direito. Revista de Doutrina e Jurisprudncia do Tribunal de Justia do Distrito Federal e dos Territrios, n 1, 2

    Sem., mai.-ago. 2001, p. 39. 36

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 318 37

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 308. 38

    COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial.

    Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 66. 39

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 320.

  • 12

    que se d nessa rea no realiza uma superposio necessria do formal com o material,

    por conter, alm desses elementos observados na experincia natural, um outro

    elemento valorativo. Assim, a experincia jurdica possui um contedo emprico

    (dogmtico), do qual decorre sua espacialidade e temporalidade; uma estrutura lgica

    que orienta seu conhecimento; e um contedo valorativo, que expressa sua realidade

    enquanto conduta.

    A estrutura lgica/normativa um elemento formal e necessrio, por ser um a priori; o

    contedo dogmtico material e contingente, visto que dado na experincia, a partir

    dela, podendo ento no ocorrer; e a valorao jurdica um elemento material e

    necessrio, que est incorporada na conduta e contedo dogmtico, acontecendo assim

    concomitantemente com elas.

    A estrutura lgica do dever ser constitutiva da experincia, dela decorre a necessidade

    de julgar do juiz e, por conseguinte, a imanncia da interpretao. Mas o operador do

    direito s pode reconhec-la indo experincia: El jurista va a la experincia para

    conocerla y sin este contacto com ella nada conocer; pero va desde certo ngulo, va

    como jurista, va aportando un modo de pensar que tiene certa contextura para poder

    valer como pensamento.40

    O jurista possui assim a capacidade de raciocinar cientificamente sem elidir a liberdade,

    como componente da vida humana, pois a estrutura de pensamento que o conduz a

    norma, um juzo disjuntivo que tanto alcana a conduta pensada em seu aspecto lcito,

    como ilcito.

    Os contedos dogmticos so as formas sensveis, verbais, da conduta. Eles referem-se

    conduta, delimitando-a. Mas so contingentes, poderiam ser outros.

    A valorao imanente conduta, e ao ordenamento, visto que o juiz tido por Cossio

    como integrante dele. Por isso, a valorao sempre aparece na experincia jurdica:La

    valoracin jurdica es imanente porque el juez (...) no es un ente extrao al Derecho,

    no es un simple espectador, sino que integra el ordenamiento jurdico, de tal manera que

    el hecho del juez es, em parte, el Derecho mismo.41

    40

    O jurista vai experincia para conhec-la e sem este contato com ela nada conhecer; mas vai a partir de certo ngulo, vai como jurista, vai portando um modo de pensar que tem certa textura para poder valer

    como pensamento. (traduo nossa) COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 91. 41

    A valorao jurdica imanente porque o juiz no um ente estranho ao direito, no um simples espectador, mas integra o ordenamento jurdico, de tal maneira que o fato do juiz , em parte, o direito

    mesmo. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 91.

  • 13

    A valorao do juiz implica considerar os valores escolhidos pela conduta, e aqueles

    constantes do ordenamento, e o que conduz a escolha pelo juiz, visto por Cssio

    enquanto elemento constitutivo do ordenamento, a vivncia do sentido de justia e dos

    outros valores expressos na norma.

    O juiz, com sua vivncia axiolgica, d um sentido conduta. Ele se baseia em sentidos

    de ordem, de segurana, de poder, de paz, de cooperao, de solidariedade e de justia,

    que so imanentes ao direito42

    ; e com amparo do ordenamento, confere/ reconhece a

    logicidade normativa da conduta43

    , decidindo a imputao de uma consequncia a ela.

    De modo que no diremos solamente que el hecho del juez es parte de

    la experiencia jurdica, sino diremos tambin que no es indiferente al

    Derecho quien sea juez, porque esa valoracin que pone el juez, desde

    el seno de su ntima vida personal, est integrando ese hecho de la

    individuacin que le acabamos de reconecer.44

    O conhecimento jurdico sempre uma experincia de protagonistas, e o maior

    protagonista o juiz, j que ele quem tem a ltima palavra em matria jurdica. Assim,

    pode-se dizer que a atividade do juiz semelhante atividade do legislador, no sentido

    de que ambas cuidam de escolher determinadas circunstncias e imput-las

    mutuamente.

    De manera que hay un labor de escoger determinadas circunstancias y

    de imputarlas mutuamente entre si; todo esto es, en trminos

    filosoficos, a posteriori, es decir, que las circunstancias ya existen, y la

    normacin o la unin entre ellas y sus consecuencias se hace despus

    de que existen por el rgano correspondente.45

    Visto dessa maneira, legislador e juiz so intrpretes. Nem um nem outro criam normas,

    mas to somente as selecionam da realidade e lhe conferem efeitos jurdicos. O juiz

    considera tambm as circunstncias anteriormente previstas na lei, mas faz nova

    imputao a partir da valorao que lhe aparece das circunstncias apresentadas,

    42

    COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial.

    Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 85. 43

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho, Quinta edicin.

    Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 318. 44

    De modo que no diremos somente que o fato do juiz parte da experincia jurdica, seno diremos tambm que no indiferente ao direito quem seja juiz, pois essa valorao que pe o juiz, desde o seio

    de sua vida ntima pessoal, est integrando este fato da individuao que a acabamos de reconhecer. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial.

    Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 55. 45

    De modo que h um trabalho de escolher determinadas circunstncias e de imputar-las mutuamente entre si; tudo isto , em termos filosficos, a posteriori, dizer, que as circunstncias j existem, e a

    normatizao ou a unio entre elas e suas consequncias se faz depois de que existem atravs do rgo

    competente. COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Las lagunas del derecho. La valoracin judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 84.

  • 14

    considerando igualmente que ele tambm est implicado na construo do sentido.

    5. Legitimidade e fora de convico

    Enquanto o Positivismo Jurdico pretende lanar uma rede de proteo metodolgica

    contra o ineditismo da experincia46, percebe-se, em um contexto ps-positivista um

    esforo no sentido de refletir ou expressar esse ineditismo, submetendo-o antes a um

    controle de legitimidade, entendida esta como sua fora de convico, no teorizar de

    Cossio.

    O sentido da lei e da conduta so recriados dialeticamente atravs da vivncia e da

    conscincia do jurista, porque ele o intrprete. A sua conscincia constitutiva de sua

    atividade, mas os valores compartilhados o so igualmente.

    A legitimidade um dado constitutivo da experincia. Ela significa a objetividade

    possvel47, que dada pela incorporao do ponto de vista dos demais participantes,

    atravs da noo de fora de convico, o que, segundo Muricy, significa a

    capacidade de a deciso ser absorvida pelo universo cultural e poltico a que se

    destina48

    . Com isso, o dualismo entre a subjetividade e a objetividade implicada na

    valorao superado, em favor da objetividade dada pela situao. A subjetividade para

    ter fora de convico precisa estar compartilhada com a opinio pblica, o senso

    comum.

    6. Consideraes finais

    Cossio pretende ampliar qualitativamente o processo do conhecimento jurdico, que

    um conhecimento de protagonista, sendo que o maior deles o juiz.

    Alm dos textos, o juiz tem acesso aos valores compartilhados, que compem o mundo

    da vida. Assim, ele no conhece sozinho, h valores e vises de mundo implicados,

    que devem ser considerados. A seleo das normas adequadas conduta, bem como a

    traduo dos valores, no decorre de um raciocnio monolgico, mas sim de uma

    46

    MURICY, Marlia. Senso Comum e interpretao jurdica. 2006. Tese (Doutorado em Direito).

    Faculdade de Direito. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, p.108. 47

    Acerca da noo de objetividade hermenutica, ensina Marlia Muricy: A objetividade , sim, o imprescindvel dilogo entre o texto e os sentidos sociais que lhe so imanentes e que neles afloram, entre

    o intrprete e a experincia vivida por aqueles a quem se dirige o programa normativo. MURICY, Marlia. Senso Comum e interpretao jurdica. 2006. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de

    Direito. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, p.83. 48

    MURICY, Marlia. Senso Comum e interpretao jurdica. 2006. Tese (Doutorado em Direito).

    Faculdade de Direito. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, p.77.

  • 15

    sintonia com a sociedade e o senso comum. A experincia s pode existir alm do

    intelecto, estando incrustada na prpria realidade social.

    7. Referncias

    AFTALIN, Enrique R.; VILANOVA, Jos; RAFFO, Julio. Introduccin al Derecho,

    Quinta edicin. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009, p. 318.

    COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002.

    HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, 11. Ed., Trad. Mrcia de S Cavalcante,

    Apresentao de Emmanuel Carneiro Leo. Petrpolis: Editora Vozes, 2002, Parte I.

    MACHADO NETO, A. L. Compndio de introduo cincia do direito, 6 ed. So

    Paulo: Saraiva, 1988.

    MURICY M. PINTO, Marlia. O espao terico da conduta nas cincias humanas: notas

    paralelas sobre o interacionismo simblico e a teoria egolgica. In: Machado Neto.

    Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas: Centro Editorial e Didtico da

    Universidade Federal da Bahia, 1979.

    MURICY, Marlia. Senso Comum e interpretao jurdica. 2006. Tese (Doutorado em

    Direito). Faculdade de Direito. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So

    Paulo.