68
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO TEORIAS DA POSSE LARISSA VEQUI MARTINS Itajaí, junho de 2011.

TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

TEORIAS DA POSSE

LARISSA VEQUI MARTINS

Itajaí, junho de 2011.

Page 2: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

TEORIAS DA POSSE

LARISSA VEQUI MARTINS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Álvaro Borges de Oliveira

Itajaí, junho de 2011.

Page 3: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

AGRADECIMENTO

Agradeço, inicialmente, a Deus. Em seguida, aos

meus pais, por terem me proporcionado o estudo

universitário e por tudo o que significam para mim.

Agradeço, também, aos meus irmãos, pelo

exemplo de pessoas e de esforço, nos quais eu

sempre me espelhei.

Agradeço, ainda, aos meus amigos de faculdade,

que fizeram desses cinco anos os melhores da

minha vida.

Deixo meu agradecimento ao meu orientador,

professor Dr. Álvaro Borges de Oliveira, por ter

aceitado o meu convite para orientar o meu

trabalho acadêmico.

Meu muito obrigada à Aruani K. Lapolli, que me

ajudou para que esta monografia ficasse nos

mínimos detalhes.

Por fim, quero agradecer ao Dr. Rodolfo C. R. da

S. Tridapalli, pela oportunidade de estágio na

Vara da Fazenda Pública de Itajaí, momento em

que me apaixonei pela matéria do meu trabalho

acadêmico.

Page 4: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia aos meus pais, Airton e

Anadir, e aos meus irmãos, Lucíula e Fernando,

pelo o que eles representam na minha vida e por

sempre acreditarem no meu potencial.

Page 5: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2011.

Larissa Vequi Martins Graduanda

Page 6: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Larissa Vequi Martins, sob o título

Teorias da Posse, foi submetida em 8 de junho de 2011 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: Álvaro Borges de Oliveira, Emanuela

Cristina Andrade Lacerda e Luis Felipe Machado, e aprovada com a nota 10,00

[dez].

Itajaí, 8 de junho de 2011

Professor Dr. Álvaro Borges de Oliveira Orientador e Presidente da Banca

Msc. Maria Claudia S. Antunes de Souza Coordenação da Monografia

Page 7: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Posse

[...] “a posse é o exercício do poder de fato sobre a coisa, praticando o possuidor

os direitos que lhe competem, de uso, gozo e disposição”1.

Propriedade

O poder de direito sobre a coisa.

Turbação

É a perturbação da posse sem a perda dela.

Esbulho

É uma violação e tomada da posse, que pode ser parcial ou total.

Animus domini

É a intenção que o possuidor tem de ser o dono da coisa.

Teoria Subjetiva da Posse

[...] posse é o poder que tem uma pessoa de dispor fisicamente de uma coisa,

acompanhado da intenção de tê-la. Resultando, assim, da combinação dos dois

elementos: o poder físico e a intenção de ter a coisa para si. Sem o elemento

volicional, a posse é simples detenção, posse natural e não posse jurídica.

Acreditando, assim, que, sem o elemento material, a intenção é, simplesmente,

um fenômeno psíquico sem repercussão na vida jurídica2.

1 CORREA, Orlando de Assis. Posse e Ações Possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 23.

2 CAMPOS JÚNIOR, Aluísio Santiago. Posse e ações possessórias: doutrina prática, jurisprudência. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 17.

Page 8: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

Teoria Objetiva da Posse

[...] a posse se revela numa relação de fato da pessoa com a coisa, tal como a

impõe a fim de utilização desta sob o ponto de vista econômico. Essa relação

varia segundo as coisas. Vê-se, então, que a posse é o exercício de um poder

sobre a coisa correspondente ao da propriedade ou de direito real. Não se

reclama a presença de elemento interno, distintamente quanto ao elemento

externo. Ele já integra o poder de utilização econômica da coisa3.

3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 25.

Page 9: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................ X

INTRODUÇÃO ................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 .................................................................................... 13

POSSE ............................................................................................. 13

1.1 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................... 13

1.1.1 POSSE COMO UM FATO .................................................................................... 14

1.1.2 POSSE COMO UM DIREITO ................................................................................ 14

1.1.3 POSSE COMO UM FATO E UM DIREITO ................................................................ 15

1.2 CLASSIFICAÇÃO ........................................................................................... 16

1.2.1 POSSE JUSTA E POSSE INJUSTA ...................................................................... 16

1.2.2 POSSE DE BOA-FÉ E POSSE DE MÁ-FÉ ............................................................ 18

1.2.3 POSSE DIRETA E POSSE INDIRETA ................................................................... 19

1.2.4 POSSE NOVA E POSSE VELHA ......................................................................... 20

1.2.5 POSSE PARA USO DOS INTERDITOS E POSSE PARA INVOCAR A USUCAPIÃO –

POSSE AD INTERDICTA E POSSE AD USUCAPIONEM ................................................... 22

1.3 EFEITOS ......................................................................................................... 23

1.3.1 INTERDITOS POSSESSÓRIOS ............................................................................ 23

1.3.1.1 Ação de Manutenção da Posse .............................................................. 24

1.3.1.2 Ação de Reintegração de Posse ............................................................ 25

1.3.1.3 Ação de Interdito Proibitório .................................................................. 26

1.3.2 BENFEITORIAS ................................................................................................ 27

1.3.2.1 Necessárias ............................................................................................. 27

1.3.2.2 Úteis ......................................................................................................... 27

1.3.2.3 Voluptuárias ............................................................................................ 27

1.3.3 FRUTOS ......................................................................................................... 28

1.3.3.1 Naturais .................................................................................................... 29

1.3.3.2 Artificiais .................................................................................................. 29

1.3.3.3 Civis.......................................................................................................... 29

1.3.4 USUCAPIÃO .................................................................................................... 29

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 31

TEORIAS POSSESSÓRIAS ............................................................. 31

2.1 TEORIA POSSESSÓRIA DE SAVIGNY......................................................... 31

2.2 TEORIA POSSESSÓRIA DE IHERING .......................................................... 38

Page 10: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 47

TEORIAS AGREGADAS .................................................................. 47

3.1 FUNÇÃO SOCIAL .......................................................................................... 47

3.2 ATIVIDADE ECONÔMICA .............................................................................. 50

3.3 JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................ 54

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 63

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 65

Page 11: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

RESUMO

O objeto da presente pesquisa é o estudo das teorias da posse, verificando qual a

de maior aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a influência

das demais. Para a realização deste quanto à Metodologia empregada, registra-

se que, na fase de investigação, foi utilizado o Método Indutivo; na fase de

tratamento de dados, o Método Cartesiano; e o Relatório dos Resultados

expresso na presente Monografia é composto na base lógica indutiva. A

monografia encontra-se dividida em três capítulos. O primeiro capítulo trata sobre

o instituto da posse, a sua natureza jurídica, a sua classificação, bem como os

seus efeitos. O segundo capítulo aborda as teorias subjetiva e objetiva, quais

sejam a de Savigny e de Ihering, as de maior conhecimento no ordenamento

jurídico. O terceiro capítulo trata das teorias da função social e da atividade

econômica, ou seja, Hernandez Gil e Raymond Saleilles, bem como traz as

jurisprudências brasileiras sobre a aplicabilidade das teorias possessórias.

Page 12: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto as teorias da posse.

O seu objetivo é saber qual a teoria utilizada no

ordenamento jurídico brasileiro, bem como compreender a aplicabilidade das

demais no direito atual.

Para tanto, principia–se o Capítulo 1, tratando sobre o

instituto da posse. Sendo assim, estudou-se a natureza jurídica, que se refere ao

que a posse realmente seria; a classificação, pois nem sempre ela é exercida da

mesma maneira; bem como os seus efeitos, ou seja, a consequência jurídica por

ela transmitida.

No Capítulo 2, trata-se das teorias possessórias mais

conhecidas, quais sejam a Teoria Subjetiva de Savigny, que seria a combinação

dos dois elementos: o poder físico e a intenção de ter a coisa para si, e a Teoria

Objetiva de Ihering, qual seja o fato que a pessoa expressa sobre a coisa.

No Capítulo 3, trata-se das teorias possessórias modernas,

quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da Atividade

Econômica, elaborada por Raymond Saleilles. Apresentam-se, ainda, as

jurisprudências, que aplicam as teorias possessórias, ou seja, a prática desse

estudo.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre as teorias possessórias.

Foi levantado o seguinte problema de pesquisa:

Somente a teoria possessória de Ihering é aplicada no

ordenamento jurídico brasileiro?

Page 13: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

12

Para a presente monografia, foram levantadas as seguintes

hipóteses:

A teoria possessória de Ihering é a única aplicada no

ordenamento jurídico brasileiro.

As teorias possessórias tradicionais, Ihering e Savigny,

ainda são suficientes para justificar a posse.

Quanto à Metodologia4 empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação5, foi utilizado o Método Indutivo6; na Fase de Tratamento de

Dados, o Método Cartesiano7; e o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente8, da Categoria9, do Conceito Operacional10 e da Pesquisa

Bibliográfica11.

4 “Na categoria metodologia estão implícitas duas Categorias diferentes entre si: Método e

Técnica”. In: PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa iurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 9. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005, p. 103. (destaque no original).

5 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

6 O referido método se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e

colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.” In: PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 104.

7 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,

Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

8 “REFERENTE é a explicitação prévia do(s) motivo(s), dos objetivo(s) e produto desejado,

delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 62.

9 Categoria é “a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” In:

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 31.

10 “Conceito Operacional (=Cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56.

11 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

Page 14: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

CAPÍTULO 1

POSSE

1.1 NATUREZA JURÍDICA

Inicialmente, o que é a posse? Segundo Orlando de Assis

Corrêa12 “a posse é o exercício do poder de fato sobre a coisa, praticando o

possuidor os direitos que lhe competem, de uso, gozo e disposição”.

O doutrinador Serpa Lopes13 elaborou três definições que

ajudam a conceituar a posse:

A posse é definida como sendo um poder de fato, pois que o

seu aspecto exterior se manifesta como um puro estado de

fato, em que o seu titular exercita, plenamente ou não, os

poderes inerentes ao domínio;

Não basta, entretanto, esse puro estado de fato, este

comportamento material, objetivo, traduzido pela palavra

corpus, porque, se assim fora, se tornaria indistinguível o

possuidor do simples detentor da coisa alheia, mas cumpre

se considere esse elemento subjetivo – animus – como um

figura distinta ao lado do corpus, como pretende Savigny,

quer seja encarado, como o pretende Ihering, como ínsito

ao próprio comportamento do possuidor, cujo modo de ser

já indica, por si mesmo, esse conceito anímico;

A posse como estado de fato, gerando conseqüências

jurídicas e sobretudo uma proteção, pode ou não

encontrar-se fundada numa situação jurídica, pois, de

qualquer modo, unida ou não ao titular do domínio, é ela

sempre considerada pelo Direito.

Com as considerações feitas acima, chegamos à natureza

jurídica da posse que se trata de uma constante discussão do que ela realmente

12

CORREA, Orlando de Assis. Posse e Ações Possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 23.

13 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1992, 6v, p. 85.

Page 15: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

14

seria. Seria ela, então, um fato ou um direito? As opiniões sobre cada uma são

inúmeras, porém estas basearem-se nas concepções de Savigny e Ihering.

Savigny acredita que a posse é tanto um fato quanto um direito, já Ihering aduz

que ela é um direito.

1.1.1 Posse como um fato

Fato jurídico é um "fato ou complexo de fatos sobre o qual

incidiu a regra jurídica, portanto, o fato de que dinama, agora, ou mais tarde,

talvez condicionalmente, ou talvez não diname, eficácia jurídica”14.

No entendimento que a posse seria um fato, anota o

doutrinador Silvio Rodrigues15:

Não são poucos, entretanto, os juristas que negam à posse a

natureza de um direito. BEVILÁQUIA, entre muitas, e a meu ver

com razão, entende que a posse é mero estado de fato, que a lei

protege em atenção à propriedade, de que ela é a manifestação

exterior. Aliás, não se pode considerar a posse direito real [...].

Esse é meu ponto de vista.

Em igual sentido, pensa Pontes de Miranda16 que entende

que os que “[...] não prestaram atenção a que não há direito sem ser efeito de fato

jurídico e a que todo fato, que tem efeitos, é fato jurídico. Mais exato, Melo Freire

viu que a posse é mais fato [...]”.

1.1.2 Posse como um direito

“A grande maioria dos nossos civilistas reconhece a posse

como um direito, havendo divergência de opiniões no que concerne a sua

natureza real ou pessoal”17.

14

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2001, p. 66.

15 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 22.

16 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2001, p. 99.

17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.

Page 16: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

15

Ihering18 parte da ideia acima exposta que "os direitos são

interesses juridicamente protegidos, não podendo haver a menor dúvida de que é

necessário reconhecer o caráter de direito à posse [...]”.

Explana, ainda, Ihering19, sobre seu entendimento,

afirmando ter sido a posse um:

Interesse que reclama proteção e é digno de obtê-la; e todo o

interesse que a lei protege deve receber do jurista o nome de

direito, considerando-se como instituição jurídica o conjunto dos

princípios que a ele se referem. A posse, como relação da pessoa

com a coisa, é um direito; como parte do sistema jurídico, é uma

instituição de direito.

No mesmo pensamento acima, é a doutrina de Caio Mário

da Silva Pereira20:

Não deve perturbar a questão a circunstância de em toda posse

assomar um situação de fato, pois que numerosas relações

jurídicas aparentam igualmente uma situação desta ordem, sem

que se desfigurem perdendo a condição de direito. [...] O que

cumpre, então, é enfocar o fenômeno à luz do conceito, e ver que

se lhe enquadra, sem confundir-se com o fato que o gerou.

1.1.3 Posse como um fato e um direito

Na concepção de que posse seria tanto um fato, quanto um

direito, é da doutrina de Renan Falcão de Azevedo21:

A posse pode ser simples estado de fato, quando seu exercício

não é precedido de direito subjetivo que a tenha gerado, e,

conseqüentemente, a legitime. Será estado de direito quando

ocorrer o contrário, isto é, quando seu exercício é precedido de

um direito subjetivo que a gerou e a legítima.

18

JHERING, Rudolf von. Teoria Simplificada da Posse. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 1ª ed. Campinas: Russell Editores, 2005, p. 40.

19 JHERING, Rudolf von. Teoria Simplificada da Posse. 2005. p. 46.

20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 21.

21 AZEVEDO, Renan Falcão de. Posse - efeitos e proteção. 1984, p. 40.

Page 17: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

16

Por sua vez, expõe Arnaldo Rizzardo22, em Savigny “a posse

é um estado de fato, trazendo efeitos e conseqüências no mundo jurídico. Ela se

estabelece em decorrência de um simples poder de fato sobre a coisa, sem

assentar em regras jurídicas ou sem direito preexistente”.

Para os doutrinadores acima, a posse é um fato. Conforme

Moreira Alves23:

Os que entendem que a posse é um fato, e não um direito, não

negam, em geral, que a posse seja um instituto jurídico, mas

sustentam que ela, pelas peculiaridades que apresenta, não se

configura como direito subjetivo, mas se apresenta [...] como um

estado de fato, o que não é desvirtuado pelos seus efeitos

jurídico.

1.2 CLASSIFICAÇÃO

Necessário classificar a posse, pois nem sempre ela é

exercida da mesma maneira, pois nem sempre os possuidores são movidos pelas

mesmas intenções e nem sempre ela tem a mesma origem. A partir dessas

variações que são definidos os diversos tipos de posse.

1.2.1 Posse Justa e Posse Injusta

É a classificação de maior importância na prática. A posse

justa seria aquela adquirida ou exercida conforme o ordenamento jurídico. Já a

posse injusta é o oposto, ou seja, a que for originariamente violenta, clandestina

ou precária, dessa forma, há ilicitude na sua aquisição. Conforme entendimento

de Benedito Silvério Ribeiro24:

Posse justa em sentido lato é toda aquela cuja aquisição não

repugna ao direito. No caso contrário, a posse se diz injusta. Em

22

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 28.

23 ALVES, José Carlos Moreira. Posse - estudo dogmático. vol. II, 1. Tomo.1999, p. 83.

24 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed, v.II. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 691.

Page 18: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

17

sentido restrito, posse justa significa a que é isenta de algum dos

três vícios seguintes: violência, clandestinidade ou precariedade.

Caracteriza-se a violência como a realização de atos de

força ou coação, tanto no aspecto físico, psicológico ou moral. “Posse violenta a

que se adquire por ato de força, seja ela natural ou física, seja moral ou resultante

de ameaças que incutam na vítima sério receio”25.

Já a clandestina é a que se adquire por algum meio de

ocultamente, em relação àquele contra quem é praticado o ato. “Clandestina será

a posse quando a mesma se estabelecer por meio furtivo ou oculto, às escuras,

totalmente à revelia de quem tem direitos sobre o bem”26.

No que diz respeito à precariedade, essa ocorreria “quando

o invasor ou ocupante age com abuso de confiança, ou recusando-se a devolver

o bem após vencido o prazo, ou se apropriando do mesmo apesar de entregue

para determinada finalidade”27.

Importante ressaltar que a princípio se confundiu a posse

justa com a posse civil, pois a palavra justum foi considerada equivalente a civile

ou legitimum, o que, no entanto, não admite mais confusão. Tendo em vista que a

posse civil é aquela jurídica, somadas à justa causa e à boa-fé, ao passo que a

justa abarca qualquer direito, seja a posse jurídica, seja mera detenção28.

Portanto, posse justa será aquela que não possui vícios e

cuja aquisição não se deve à violência, clandestinidade ou precariedade. Ela

também é chamada de jurídica, legítima ou perfeita, deve ser pública, isto é, vista

por atos ou fatos exteriores que se afiguram notórios, e, ainda, contínua,

mostrando o seu exercício, de forma mansa e pacífica, a legitimidade de sua

aquisição.

25

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 23.

26 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 42.

27 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 42.

28 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed., v. I. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 691.

Page 19: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

18

Já a posse injusta, por conseguinte, é aquela revestida dos

vícios da violência, clandestinidade ou precariedade, não se converte em posse

justa, pois a ninguém é dado mudar a causa de sua posse, nem mesmo em razão

do tempo, de vez aquilo vicioso de início não pode validar-se com o decurso do

tempo29.

1.2.2 Posse de Boa-Fé e Posse de Má-Fé

Como a posse pode ser viciada objetivamente, isto é, por

fato ligado à própria relação possessória, há vício subjetivo cuja existência, ou

inexistência determina a sua divisão em posse de boa-fé e posse de má-fé.

É o entendimento de Orlando de Assis Corrêa30:

Por posse de boa-fé entendemos aquela da qual o possuidor

ignora qualquer vício, que tenha e a qual desfrute julgando ter

„justo título‟. A posse de má-fé não leva, também, ao usucapião

ordinária, mas, passado o lapso prescricional para a usucapião

extraordinária, ou para o especial, ou ainda para o constitucional

rural ou urbano, a ação pode ser proposta.

A posse de boa-fé pode ser dividida ainda, em posse de

boa-fé real e a posse de boa-fé presumida. “Há boa-fé real quando a convicção

do possuidor se apóia em elementos objetivos tão evidentes que nenhuma dúvida

pode ser suscitada quanto à legitimidade de sua aquisição. Presume-se boa-fé

quando o possuidor tem justo título”31.

Necessário ainda esclarecer que não há coincidência

necessária entre a posse justa e a posse de boa-fé. À primeira vista, toda posse

justa deveria ser de boa-fé e toda posse de boa-fé deveria ser justa. Mas a

transmissão dos vícios de aquisição permite que um possuidor de boa-fé tenha

posse injusta, se a adquiriu de quem a obteve pela violência, pela clandestinidade

29

RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed., v. I, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 691-692.

30 CORREA, Orlando de Assis. Posse e ações possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 29.

31 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 54.

Page 20: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

19

ou pela precariedade, ignorante da ocorrência. Bem como, alguém que possua de

má-fé, embora não tenha posse violenta, clandestina ou precária32.

É possível ainda que a posse de boa-fé passe a ser posse

de má-fé, é o que se vislumbra no art. 1202 do Código Civil, que dispõe: “A posse

de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as

circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui

indevidamente”.

Destarte, a posse de boa-fé será quando o possuidor está

convicto de que a coisa realmente lhe pertence. Já a de má-fé será aquela em

que o possuidor tem ciência da ilegitimidade de seu direito de posse, em razão de

vício ou obstáculo impeditivo de sua aquisição.

1.2.3 Posse Direta e Posse Indireta

“Esta divisão da posse obedece a uma necessidade prática:

determinar quanto às pessoas a extensão da garantia possessória, assinar que

consequências jurídicas se prendam à posse em toda a sua plenitude”33.

O proprietário ou titular de outro direito real pode usar e gozar a

coisa objeto de seu direito, direta e pessoalmente, mediante o

exercício de todos os poderes que informam o seu direito e, nesse

caso, nele se confundem as posses direta e indireta. Pode

acontecer, no entanto, que, por negócio jurídico transfira a outrem

o direito de usar a coisa: pode ele dá-la em usufruto, em

comodato, em penhor, em efiteuse etc. Nestes casos, a posse se

dissocia: o titular do direito real fica com a posse indireta (ou

mediata), enquanto que o terceiro fica com a posse direta (ou

imediata), também chamada derivada, confiada, irregular ou

imprópria.34

32

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 55.

33 FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias, v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 27.

34 MONTEIRO, João Baptista. Ação de reintegração de posse. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, 4v, p. 35.

Page 21: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

20

Direta é a posse em que o possuidor pode exercer seus

poderes de forma imediata, sem interferência de terceiros, existindo a tradição

que se dá com a entrega da coisa, devido a um contrato. O titular da posse, que a

usufruiu, por uma convenção, ou mesmo em virtude de lei, transfere temporária

ou provisoriamente o exercício de seus direitos sobre o bem.

Mas também sob seu comando um vestígio da posse, ou

certo poder de disposição do bem, pelo menos no que respeita à vigilância, à

conservação, ou ao aproveitamento de certas vantagens. Esse vestígio, ou a

porção de poder que lhe é assegurada, chamará posse indireta35.

Assim, a posse direta é aquela que existe, concretamente,

nas relações de fato entre o possuidor e o bem possuído, mesmo que decorra de

relação jurídica entre o possuidor e a terceira pessoa, seja ou não o proprietário.

Já a posse indireta não apresenta as relações concretas entre o possuidor e a

coisa possuída: a posse é exercida através de relações jurídica entre o possuidor

mediato e o possuidor imediato36.

Por fim, existirá a posse indireta quando aquele ceder o uso

do bem, e a posse direta quando aquele que recebe o bem, para usá-lo ou gozá-

lo, em virtude de contrato, sendo, portanto, temporária e derivada.

1.2.4 Posse Nova e Posse Velha

Caracteriza-se simplesmente pela decorrência de tempo a

contar do seu início. Tais conceitos de posse nova e posse velha, bem como as

formas de se manter ou não no seu exercício não se mantiveram no Código Civil

de 2002, porém os princípios e valores diferentes devem ser levados em

consideração. A matéria é de cunho processual, regulamentada no Código de

Processo Civil.

35

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 48-49.

36 CORREA, Orlando de Assis. Posse e ações possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 26.

Page 22: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

21

Sendo entendimento de Arnaldo Rizzardo37:

No regime do Código Civil de 1916, se denominava velha a posse

quando estivesse sendo exercida há mais de um ano e dia. Nesta

circunstância, a desconstituição dependeria de vias ordinárias, ou

de ampla discussão, não se procedendo sumariamente. [...] Nova

era tida a posse cujo exercício datasse de menos de ano e dia.

Tal intervalo mencionado acima, de ano e dia, é necessário

para consolidar a situação de fato, purgando a posse dos defeitos de violência e

clandestinidade. E, desde que a posse tenha ano e dia, o possuidor será mantido

sumariamente, até que seja convencido pelos meios ordinários38.

Necessário esclarecer que o disciplinamento especial da lei

processual civil traça o caminho e os requisitos para a concessão da reintegração,

da manutenção e do interdito proibitório liminarmente. Sem tal medida, o

procedimento será ordinário. É condição para o deferimento da liminar nas ações

possessórias é o ajuizamento no tempo de ano e dia da turbação ou do esbulho39.

Esclarece Adroaldo Furtado Fabrício40, a respeito:

As ações possessórias, em verdade, submetem-se sempre ao rito

ordinário; apenas, se a turbação ou o esbulho data de menos de

ano e dia insere-se no procedimento, em sua fase inicial, uma

série de atos estranhos a esse rito, destinados a possibilitar

decisão prévia sobre a reintegração ou manutenção, in limine littis.

É só isso que ele tem de especial, de modo que as ações de força

velha continuam a ter, como aliás sempre tiverem, procedimento

comum.

Desta forma, a conceituação de posse nova e velha dar-se-á

pela decorrência de tempo a contar do seu início.

37

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 54.

38 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 35.

39 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 54.

40 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao código de processo civil. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, v. VIII, p. 525-526.

Page 23: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

22

1.2.5 Posse para Uso dos Interditos e Posse para Invocar a Usucapião – Posse Ad Interdicta e Posse Ad Usucapionem

A posse deve, ainda, ser analisada tanto para efeito de

interditos quando para usucapião. Para a proteção dos interditos, é necessário

que a posse seja justa, ou seja, que não tenha vícios de violência, clandestinidade

e precariedade. Mesmo que o proprietário cometa ameaça, turbação ou esbulho,

ver-se-á amparado por medidas protetórias da posse. Somente os meros

detentores com posse viciada é que não podem valer-se dos interditos41.

Dá-se o nome de posse ad usucapionem àquela capaz de

deferir a seu titular o direito à usucapião da coisa, se preenchidos os requisitos

legais. A posse, nesse caso, é exercida com a ideia de dono. Deverá, ainda, a

posse ser ininterrupta e contínua, sem oposição ou incontestada:

A posse ininterrupta ou contínua é aquela que perdura durante o

tempo determinado em lei, sem sofrer interrupção ou

descontinuidade. Há exceções: o herdeiro continua a posse do

morto (successio possessionis), e o adquirente, se de boa-fé,

pode somar a do alienante, se lhe convier (accessio

possessionis). A posse sem oposição, ou incontestada, deverá ser

conforme o direito, isso é, justa (justa causa possessionis), sem os

vícios da violência, clandestinidade e precariedade42

Destarte, a primeira forma permite a utilização dos interditos

possessórios, devendo preencher os requisitos para garantir a defesa por meio

das ações possessórias, isto é, a prévia existência da posse e a moléstia,

consistente esta na turbação e esbulho.

Já a segunda modalidade, como vista, requer mais

elementos. Sobressai a exigência da boa-fé, ao lado de outros requisitos, como o

decurso de tempo suficiente; o exercício da posse de forma mansa e pacífica; o

41

RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, p. 700/701.

42 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, p. 702.

Page 24: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

23

fundamento em justo título, em não se cuidando de usucapião extraordinária; e a

presença de animus domini43.

1.3 EFEITOS

Efeitos da posse são as consequências jurídicas por ela

produzidas, ou seja, todas as consequências que a lei atribuir.

A posse deve, então, ser protegida por si mesma, não

interessando por qual fundamento. O simples fato de constituir uma realidade

material, de consistir num poder de uma pessoa sobre alguma coisa, merece a

proteção44.

1.3.1 Interditos Possessórios

O direito aos interditos é o efeito que produz

independentemente da qualidade da posse. Assim, a proteção possessória pode

ser invocada tanto pelo que tem posse justa, como injusta, de boa ou de má-fé,

direta ou indireta. Dessa forma, todo possuidor tem direito a ser mantido na

posse, em caso de turbação, e restituído, no de esbulho45.

Assim sendo, é por meio dos interditos que se dá a proteção

possessória, o que constitui a garantia do exercício da posse. Facultando, assim,

ao possuidor propor as ações de cunho possessório conforme a previsão legal.

Importante ressaltar que três são os interditos possessórios:

o de manutenção da posse, quando o possuidor é turbado em sua posse; o de

reintegração de posse ocorre se o esbulho ou a perda da posse; e o proibitório,

no caso de simples ameaça, sem a perda ou limitação parcial no exercício do

direito sobre a posse. Esclarecendo, ainda, que o principal requisito comum às

três espécies é o exercício da posse anterior, ou concomitantemente ao ato de

turbação, ou de esbulho, ou de ameaça46.

43

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 52.

44 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 38.

45 GOMES, Orlando. Direitos reais. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 79.

46 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 103.

Page 25: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

24

1.3.1.1 Ação de Manutenção da Posse

Ocorre a ação de manutenção de posse quando o

possuidor, sem haver sido privado de sua posse sofre turbação em seu exercício.

“A turbação é todo ato que embaraça o livre exercício da posse” 47.

Leciona Orlando Gomes48:

Cabe quando o possuidor sofre turbação na posse em razão de

atos violentos de alguém, os quais, todavia, não lhe acarretam a

perda, pois, nesta hipótese, haveria esbulho. Turbação é “todo ato

que embaraça o livre exercício da posse”, haja, ou não, dano,

tenha o turbador, ou não, melhor direito sobre a coisa. Há de ser

real, isto é, concreta, efetiva, consistente em fatos.

Entende Antônio José de Sousa Levenhagen49:

O seu objetivo é garantir principalmente a posse de imóveis e a

quase-posse das servidões. A ação só terá cabimento, portanto,

se houver turbação, de o possuidor for molestado na sua posse,

isto é, se o possuidor, sem perder a sua posse vem a ser

perturbado nela.

Sendo assim, o seu principal objetivo é o de obter mandado

judicial que faça cessar a turbação.

Para a propositura, três os requisitos a serem referidos e provados na

instrução: a) a posse que vem exercendo, e já preexistente ao ato

ofensor; b) a turbação levada a termo pelo réu; c) a permanência do

autor na posse, embora perpetrada a turbação50.

Portanto, a ação de manutenção de posse servirá para

quando existir turbação, ou seja, existe a tentativa de esbulho frustrada, dessa

forma, não consegue ganhar a posse.

47

DAILBERT, Jefferson. Direito das coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 104.

48 GOMES, Orlando. Direitos reais. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 100.

49 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 49.

50 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104.

Page 26: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

25

1.3.1.2 Ação de Reintegração de Posse

Ocorrerá a ação de reintegração de posse em caso de

esbulho.

É o entendimento de Orlando Gomes51:

Seu fim específico é obter a recuperação da coisa. Tem todo

possuidor direito a consegui-la se da posse for privado por

violência, clandestinidade ou precariedade. Também chamada de

ação de força nova espoliativa, pressupõe ato praticado por

terceiro que se importe, para o possuidor, perda da posse, contra

a sua vontade. Se o possuidor não for despojado da posse,

esbulho não haverá. Além da restituição da coisa, a que faz jus, o

possuidor esbulhado tem direito a ser indenizado dos prejuízos

que sofreu com o esbulho.

Dessa forma, o intuito do possuidor esbulhado é de dirigir-se

contra o autor do esbulho ou contra terceiro que recebeu a coisa sabendo que era

esbulhada. Assim sendo, reintegrar equivale a integrar novamente, o que envolve

um restabelecimento de alguém na posse de um bem do qual foi injustamente

afastado ou retirado.

“Três pressupostos sobressaem: a) deverá o possuidor

esbulhado ter exercido uma posse anterior; b) a ocorrência do esbulho da posse

que alguém provoca; c) a perda da posse em razão do esbulho”52.

Desse modo, pratica esbulho quem priva outrem da posse,

de modo violento ou clandestino, ou com abuso de confiança. Salienta-se, ainda,

que para conseguir a reintegração, exige-se que o esbulhado prove os seguintes

requisitos: a) a posse que exerceu sobre a coisa; b) a existência do esbulho; c) a

perda da posse; d) a data em que ocorreu o esbulho, a fim de postular a

reintegração liminar, data que deverá ser de menos de ano e dia.

Por fim, segundo Tito Fulgêncio53:

51

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 101.

52 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 105.

Page 27: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

26

[...] a ação tem por finalidade repor o possuidor no estado ou

condição em que gozava da posse; tornar a por no estado

primitivo a posse, que se achava destruída ou perdida. O

pressuposto legal aqui é diametralmente oposto ao da

manutenção: nesta uma posse atualmente existente, turbada

apenas no seu exercício; no esbulho uma posse atualmente

perdida, donde resulta para uma e outra ação um caráter comum:

fundarem-se numa posse anteriormente adquirida.

1.3.1.3 Ação de Interdito Proibitório

É o remédio possessório concedido ao possuidor que, tendo

justo receio de ser turbado ou esbulhado em sua posse, pretende ser assegurado

contra a violência iminente.

Esclarece sobre o assunto, Caio Mário da Silva Pereira54:

Interdito proibitório é a defesa preventiva da posse, ante a ameaça

de turbação ou esbulho. Consiste em armar o possuidor de

mandado judicial, que a resguarde da moléstia iminente. Não é

necessário que aguarde a turbação ou o esbulho. Pode antecipar-

se ao cometimento da violência, e obter um julgado que o

assegure contra a hipótese de vir a acontecer, sob pena de pagar

o réu multa pecuniária, em favor do próprio autor ou de terceiro

[...] Mas é preciso, ao revés, que o autor tenha fundado receio de

que a violência virá, cumprindo-lhe, pois, provar os requisitos:

posse, ameaça da moléstia, probabilidade de que venha a

verificar-se.

Tem legitimidade para propor a presente ação tanto o

possuidor direto tanto o possuidor indireto. Assim sendo, visa este a proteger a

menos grave forma de violência à posse, que é a simples ameaça de moléstia.

Adverte-se ao possuidor que será desfeita a obra pretendida levar a efeito em um

imóvel55.

53

FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. I,

p. 128/129. 54

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 55/56.

55 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 109.

Page 28: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

27

1.3.2 Benfeitorias

Benfeitorias são as obras ou despesas feitas na coisa para

conservação, melhoramento, recreio individual. Elas são classificadas em três

tipos: necessárias, úteis e voluptuárias.

1.3.2.1 Necessárias

Benfeitorias necessárias são aquelas imprescindíveis ao uso

da coisa56. Dessa forma, são aquelas precisas para a conservação ou para evitar

deterioração da coisa, como: reparo de telhado, pagamento dos impostos, cercas,

muros, etc.

O possuidor de boa-fé terá direito a ser indenizado por essas

benfeitorias, bem como, tem o direito de reter o valor destas. Desta forma, ele terá

o direito de permanecer na posse da coisa até que o reivindicante o satisfaça,

pela importância destas benfeitorias.

O possuidor de má-fé tem direito a ser indenizado somente

por essas benfeitorias, porém a este não cabe o direito de retenção, ou seja,

permanecer na posse para garantir o pagamento da referida indenização.

1.3.2.2 Úteis

Benfeitorias úteis são as que melhoram o rendimento ou o

aproveitamento da coisa, como acrescentar um andar etc. Dessa forma, são

melhoramentos reais da coisa.

O possuidor de boa-fé tem direito à indenização e à retenção

destas. Já o possuidor de má-fé nada tem direito sobre estas benfeitorias.

1.3.2.3 Voluptuárias

São aquelas benfeitorias que servem para deleite do

possuidor, para seu luxo e seu gozo, mas não acrescentam nenhum

melhoramento à coisa.

56

CORREA, Orlando de Assis. Posse e ações possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 63.

Page 29: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

28

Para mero receio ou deleite, como pinturas, quadros etc.

Não aumentam o uso habitual, ainda que o tornem mais agradável, ou seja, de

elevado valor. Orçamento da coisa57.

O possuidor de boa-fé tem direito a levantar essas

benfeitorias, ou seja, as que lhe não forem pagas e que admitirem remoção sem

detrimento da coisa, já ao de má-fé nenhum direito lhe assiste.

1.3.3 Frutos

“Frutos percebidos são os já colhidos, ao contrário dos

pendentes que são aqueles ainda unidos, à árvore que os produziu”58. Frutos são

então as utilidades que uma coisa, periodicamente, produz, conforme a sua

natureza.

No que diz respeito ao direito à percepção dos frutos, será

da seguinte forma:

O possuidor de boa-fé tem direito aos frutos percebidos

e às despesas da produção e custeio dos frutos

pendentes e colhidos, mas não tem direito aos frutos

pendentes, aos frutos antecipadamente colhidos e

aos produtos;

O possuidor de má-fé apenas tem direito às despesas

de produção e custeio dos frutos colhidos e

percebidos, mas não tem direito a quaisquer frutos. O

direito exercido pelo possuidor à indenização das

benfeitorias úteis e necessárias, bem como o de

retenção pelo valor das mesmas. 59

Os frutos são divididos em três espécies: naturais, artificiais

e civis.

57

FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. I, p. 180.

58 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 33.

59 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 83.

Page 30: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

29

1.3.3.1 Naturais

Serão frutos naturais aqueles que se renovam

periodicamente pela força da própria natureza, como é o caso das colheitas.

1.3.3.2 Artificiais

São os frutos provenientes da atividade humana sobre a

natureza, tais como os produtos fabris.

1.3.3.3 Civis

São as rendas advindas da utilização da coisa, como, por

exemplo, os aluguéis e os juros.

1.3.4 Usucapião

Como último efeito da posse, tem-se o direito de usucapir.

Seria este, então, um dos mais importantes dos efeitos da posse, direito que não

se funde exclusivamente na posse, tem-na como seu elemento básico. Usucapir é

adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo tempo. A usucapião,

com efeito, constituiu um dos modos de aquisição do domínio60.

A usucapião é, então, um modo de aquisição da

propriedade, aquisição essa pela posse prolongada e qualificada pela boa-fé,

decurso de tempo, pacificidade e pela intenção de dono.

São observados três requisitos para usucapir:

Requisitos pessoais: exigências em relação ao

possuidor que pretende adquirir o bem e ao

proprietário que o perde;

Requisitos Reais: alusivos aos bens e direitos

suscetíveis de serem usucapidos, pois nem todas as

coisas e nem todos os direitos podem ser adquiridos

por usucapião.

Requisitos Formais: compreendem os elementos

necessários e comuns do instituto, como posse

mansa, pacífica e contínua, lapso de tempo fixado em

60

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.88.

Page 31: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

30

lei, sentença judicial, bem como os especiais, como

justo título e boa-fé. 61

Verifica-se, assim, que a usucapião é um dos modos de

aquisição da propriedade, sendo este o principal efeito da posse. Analisou-se até

o momento o instituto da posse. No próximo capítulo, abordar-se-á sobre as

teorias possessórias, quais sejam, de Ihering e Savigny.

61

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.

Page 32: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

31

CAPÍTULO 2

TEORIAS POSSESSÓRIAS

2.1 TEORIA POSSESSÓRIA DE SAVIGNY

Frederich Karl Von Savigny, nascido na cidade de Frankfurt

em 1779, e falecido em 1861, esboçou sua teoria na obra “Tratado de Posse em

Direito Romano”, a partir de elementos encontrados no Direito Romano, causando

forte repercussão nos meios jurídicos e influindo no sistema de algumas

codificações62.

Assim, Savigny, aos vinte e quatro anos, publicou o livro

mencionado, o qual influiu profundamente no pensamento jurídico do século

passado, e atingiu as legislações, influenciando tão seriamente os Códigos que,

até hoje, não obstante as críticas que o atingem, encontra defensores63.

Necessário, nesse momento, as palavras de Ruy Barbosa64:

A Teoria da posse de Savigny, não obstante haver assinalado

época, e beneficiado a história, como um vigoroso estímulo a

grandes trabalhos de investigação, franqueando-lhe caminhos

desconhecidos, pouco mais importância tem hoje que a de um

fulgurante meteoro. A teoria da posse, diz, com evidência, o ilustre

professor de Göttingen, não se pode entender sem a sua prátia.

Desprovido desta e influído por idéias preconcebias, Savigny

estreava com esse livro aos vinte e quatro anos, idade cuja

inexperiência o gênio lhe não podia suprir. Destituído assim do

tirocínio preciso para contrastear pela verificação da praxe as

noções sistemáticas formadas no estudo histórico das fontes, o

jovem explorador não fez justiça nem ao direito romano, nem à

62

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 19.

63 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 15.

64 BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 26.

Page 33: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

32

importância prática da posse. Daí a brecha imensa aberta pela

crítica nas suas doutrinas, cujos resultadores reais para a ciência

se qualificam hoje de muito medíocres, e muitas de cujas idéias

fundamentais em matéria de posse vieram a incorrer na

averbação de insustentáveis, predizendo o seu grande adversário

que nenhuma, talvez, acabará por vingar.

Desta forma, ele se dedicou a definir a posse, conceituando-

a como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa com a intenção

de dono, e de defendê-la contra as agressões de terceiros. O fundamento da

proteção possessória seria o princípio geral de que toda pessoa deve ter a

proteção do Estado contra qualquer ato de violência.

Os romanos entendiam a posse como toda relação material

intencional da pessoa com a coisa. Tal relação compreendia a posse

propriamente dita e a detenção, sendo a primeira a verdadeira relação

possessória65.

Savigny acreditava que o corpus está no fato material que

submete a coisa à vontade do homem, cria para ele a possibilidade de dispor

fisicamente dela com exclusão de quem quer que seja. E já no tocante ao animus

pensava que este é a intenção de dono desnecessária a convicção no possuidor

e ser, na realidade, proprietário da coisa66.

Dominava a ideia da posse como exterioridade do direito de

propriedade e a realização de fato deste direito. Possuidores consideravam-se

aqueles que tinham o poder físico sobre uma coisa, inexistindo outro poder

superior67.

65

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 19.

66 FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. 5 ed. atualizada por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. I, p. 8-9.

67 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 20.

Page 34: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

33

Para Savigny dois elementos são indispensáveis para que

se caracterize a posse, pois se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a

pessoa e a coisa; e se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção68.

Para Savigny, o corpus ou elemento material da posse,

caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor

fisicamente da coisa, e de defendê-la das agressões de quem

quer que seja; o corpus não é a coisa em si, mas o poder físico da

pessoa sobre a coisa; o fato exterior, em oposição ao fato

interior.69

Dessa forma, ele acreditava que o elemento intenção é

preponderante na configuração jurídica da posse, e que sem a intenção de dono,

não se caracteriza posse, mas, apenas, detenção70.

Verifica-se, que a obra de Savigny é uma tentativa de

reconstrução sistemática da elaboração da posse no Direito Romano. A posse

desfigurada, com a presença dos dois elementos, contrapõe-se à posse civil.

Devido a tais características a teoria de Savigny recebeu o

nome de Subjetiva. E dando ênfase ao elemento subjetivo da vontade, da

intenção, Savigny reconhece, também, embora em segundo plano, o fator físico

da detenção.

[...] tem-se a posse de uma coisa quando se tem a possibilidade

não somente de dispor dela fisicamente, mas ainda de a defender

contra toda ação estranha [...]. Não dissocia Savigny o elemento

material (o corpus – poder físico sobre a coisa) do intelectual (o

animus – o intento de ter a coisa como sua: animus rem sibi

habendi). Assim, faltando o corpus, não haveria relação entre a

68

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 80.

69 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 15.

70 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 16.

Page 35: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

34

pessoa e a coisa, e ausente o animus, inexistiria posse e sim

mera detenção.71

Portanto, para Savigny não constituem relações

possessórias aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder, ainda que

juridicamente fundada (como na locação, no comodato, no penhor), por lhe faltar

a intenção de tê-la como dono (animus domini), o que dificulta sobremodo a

defesa da situação jurídica.

No entanto, como os romanos dispensavam a proteção

possessória aos titulares de certos direitos que não podiam ter o animus domini,

Savigny criou uma terceira categoria a que determinou de posse derivada.

Estavam nessa situação o credor pignoratício, o precarista e o depositário de

coisa litigiosa. A causa pela qual a respectiva coisa se achava sob o poder dessas

pessoas não era translativa de domínio, razão por que o seu poder era limitado.

E, assim, devido à causa especial da tradição, eram eles

considerados, também, possuidores, embora não pudessem ter a vontade de

comportar como se sua fosse a coisa. Era, todavia, uma posse anônima. Normal

era a posse civil72.

Savigny carrega no elemento intencional, somente reconhecendo

posse onde há animus domini, sua teoria é qualificada de

subjetividade. As maiores críticas que lhe são dirigidas visam

precisamente ao seu exagerado subjetivismo, que faz depender a

posse de um estado íntimo difícil de ser precisado

concretamente.73

Assim, ao exigir o animus domini como requisito

indispensável à configuração da posse, a teoria subjetiva considera simples

detentores o locatário, o comodatário, o depositário, o mandatário e tantos outros,

que por títulos análogos, têm poder físico sobre a coisa, porém não comporta 71

RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, p. 678-679.

72 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 32-33.

73 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 33.

Page 36: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

35

rigorosamente, o desdobramento da relação possessória, visto que não admite a

posse de outrem.

“Muitas dificuldades de ordem prática se dissipam, todavia,

diante da presunção estabelecida em lei pela qual o possuidor é tido como

proprietário, se possui esse título”74.

Em síntese, a teoria subjetiva é a posse autônoma e se

configura pela união indispensável do corpus (fato exterior) e animus (fato

interior), sendo também o poder de dispor fisicamente da coisa, com o animus

rem sibi habendi, defendendo-a contra a intervenção de terceiros. Dessa forma,

não outorga a proteção dos interditos aos detentores (locatário, comodatário etc),

por faltar-lhes o animus domini.

Entretanto, apesar de toda a sua reconhecida importância

histórica, a obra de Savigny desencadeou conflitos sem precedentes, e sofreu

inúmeras críticas em todos os seus pontos fundamentais, críticas essas que

culminaram, com o passar do tempo, na superação da teoria subjetiva e na

adoção da teoria objetiva de Ihering nas legislações atuais.

Assim, a teoria subjetiva da posse não encontra, atualmente,

receptividade no mundo jurídico, mas ainda se nota resquício dela em algumas

legislações. No Código Civil de 1916 não havia se desvencilhado dela em todo,

haja vista que no que dizia respeito à aquisição e a perda da posse, porém com a

elaboração do Código Civil de 2002 essa parte desapareceu, adotando

exclusivamente a teoria de Ihering.

Subjetivista, Savigny, para quem só existia a posse com a

coexistência do corpus e do animus. Para este, então, ter-se a coisa, com o

reconhecimento da propriedade alheia, é simples detenção. Não há posse,

portanto, de locactário, de comodatário. Anteriormente, mencionou-se que não

existe muita receptividade desta teoria no direito atual, porém o Código Civil

74

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 33.

Page 37: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

36

argentino sofreu a influência savigniana, conforme os artigos 2.351 e 2.352, a

seguir transcritos:

Artículo 2351. Habrá posesión de las cosas, cuando alguna

persona, por sí o por otro, tenga una cosa bajo su poder,

con intención de someterla al ejercicio de un derecho de

propiedad75.

Artículo 2352. El que tiene efectivamente una cosa, pero

reconociendo en otro la propiedad, es simple tenedor de la

cosa, y representante de la posesión del propietario,

aunque la ocupación de la cosa repose sobre un

derecho76.

Destarte, para Savigny, todos os poderes de fato sobre as

coisas podem agrupar-se em duas classes, ou seja, a posse e a detenção. O

poder físico sem o elemento intencional resulta a detenção; com a intenção, ou

como se aquele que o exerce fora seu titular, dá a posse77.

Verifica-se, então, que a posse para Savigny, consistia na

faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa com a intenção de dono,

e de defende-la contra as agressões de terceiros, conforme já fundamentado

anteriormente.

Assim, sendo a posse um poder imediato que tem a pessoa

de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo

contra a agressão de quem quer que seja, precisa dos dois elementos corpus e

animus domini.

75

Disponível em: http://campus.usal.es/~derepriv/refccarg/ccargent/codciv.htm. Acesso em: 23 de abril de 2011. Tradução feita pela autora deste estudo: Artigo 2351. A posse de coisas, quando algumas pessoas, por si próprias ou de outra, têm uma coisa em seu poder, com a intenção de exercer o direito de propriedade.

76 Disponível em: http://campus.usal.es/~derepriv/refccarg/ccargent/codciv.htm. Acesso em: 23 de abril de 2011. Tradução feita pela autora deste estudo: Artigo 2352. Que efetivamente é uma coisa, mas reconhecendo uma outra propriedade, é simples titular da coisa, e representante da posse de proprietário, embora a ocupação da coisa repousa sobre um direito.

77 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 21.

Page 38: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

37

Em síntese, para Savigny a posse é o poder que tem uma

pessoa de dispor, fisicamente de uma coisa, acompanhado da intenção de tê-la.

Resultando, assim, da combinação dos dois elementos: o poder físico e a

intenção de ter a coisa para si. Sem o elemento volicional, a posse é simples

detenção, posse natural e não posse jurídica, acreditando, assim, que sem o

elemento material, a intenção é, simplesmente, um fenômeno psíquico sem

repercussão na vida jurídica78.

Sobre a Teoria de Savigny necessário finalizá-la com as

palavras de Ruy Barbosa79:

Ridícula veleidade seria a de quem pensasse em amesquinhar a

autoridade de Savigny, vulto descomunal, cujo nome domina a

ciência jurídica do século XIX, como o nome de Cujacio dominou a

ciência jurídica da Renascença e o de Bártolo a ciência jurídica da

segunda parte da Idade Média. Nem de lhe faltar com as honras

devidas pode acusar-se o seu grande contraditor, digno, a todos

os respeitos de medir-se com ele, o autor dessas duas obras

soberanas, que se chama o Espírito do direito romano e a

Evolução do direito. Foi Jhering quem escreveu que a Savigny

ficará sempre a glória imorredoura, inexpugnável, de haver

restaurado, na dogmática do direito civil, o espírito da

jurisprudência romana, de modo que, seja qual for, afinal, a soma

dos seus resultados práticos, incólume lhe restará, em todo caso,

esse merecimento.

Dessa forma, jamais nenhum autor deverá desmerecer a

teoria de Savigny tendo em vista o quanto esta foi importante para a

compreensão da posse, e o seu marco no direito romano, bem como todo o

direito existente.

78

CAMPOS JÚNIOR, Aluísio Santiago. Posse e ações possessórias: doutrina prática, jurisprudência. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 17.

79 BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 25.

Page 39: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

38

2.2 TEORIA POSSESSÓRIA DE IHERING

Rudolf Von Ihering , jurista alemão, nasceu em Aurich em

vinte e dois de agosto de 1818, e faleceu em Göttinngen em dezessete de

setembro de 1892. Expôs seu trabalho em uma obra de quatro volumes de Geist

des römischen Rechts (1852-1865), cuja obra influenciou diversos países em todo

o mundo ocidental.

Ihering mostrou a sua teoria em termos simplificados, após

ter desenvolvido com maior fôlego em outras obras de notável repercussão, que

trouxeram novas luzes à compreensão do instituto da posse80.

Importante, no momento, trazer à baila a doutrina de Ruy

Barbosa81:

Assim, que Jhering vê na posse de direitos uma conquista

irrevogável do direito moderno. Não admite que a evolução ulteior

possa excluir das instituições necessárias à civilização esse

elemento definitivamente adquirirdo. Firmadas estas duas

sentenças, que importa a sua observação de que as leis atuais da

Alemanha ainda não discriminaram com a precisão conveniente

as espécies de direitos, a que se tenha de alargar a noção da

posse?

Assim, para entender o sentido das ideias inovadoras é

preciso compreender o pensamento no esforço de simplificação, pois para Ihering

é necessário estabelecer primeiramente a diferença entre as noções de posse e

propriedade, que são confundidas com grande frequência, pois apresentam com

expressões equivalentes82.

80

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 33/34.

81 BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 33.

82 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.

Page 40: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

39

Segundo Orlando Gomes83:

Entre a propriedade e a posse há uma correlação extensiva. Os

limites da possibilidade para a propriedade são os da posse;

posse e propriedade são relações perfeitamente paralelas.

Portanto, onde não se concebe a propriedade, seja porque a coisa

é inapropriável, seja porque a pessoa não tem a capacidade para

ser sujeito desse direito, não é admissível a posse. Mas, onde a

propriedade é possível, a posse também o é.

Diante do exposto, verifica-se, então, a necessidade de

compreender as distinções entre a posse e a propriedade, para que se possa

realmente analisar a Teoria de Ihering.

Necessário que se entenda que a posse e a propriedade são

coisas distintas, porém confundem-se, pois em geral o possuidor de uma coisa é

ao mesmo tempo o seu proprietário. Ressalta-se que a posse é o poder de fato e

a propriedade o poder de direito sobre a coisa.

Esclarece ainda Ihering que a posse é indispensável ao

proprietário para a utilização econômica de sua propriedade, bem como, resulta

deste que a noção de propriedade contenha, necessariamente, o direito do

proprietário na posse.

Verifica-se, ainda, que o direito do proprietário na posse não

poderia existir se o proprietário não estivesse protegido contra a privação injusta

da posse. A proteção jurídica contra todos os atos injustos à posse do

proprietário, os quais consistem na privação ou na pertubação desta última, forma

um postulado absoluto da organização da propriedade.

Explana, ainda, Ihering que o direito de reclamar a

restituição da posse contra terceiros, o Direito romano o estendeu mais tarde a

83

DAILBERT, Jefferson. Direito das coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p.57.

Page 41: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

40

outros direitos. Tem estendido a reivindicatio a outras pessoas distintas do

proprietário84:

A importância da posse consiste em ser o conteúdo do jus

possidendi. A posse é o conteúdo ou o objeto de um direito. Se

não tivesse outra importância, do ponto de vista do Direito, andar

a pé ou ir de carro, beber água, prestar serviços, poderiam ser

objeto de um direito. Em tal conceito, uma definição de posse não

seria para o jurista mais necessária do que a de todos esses

outros atos; mas desde logo pode assegurar-se que a coisa não é

tão fácil nem tão simples como parece. A posse, com efeito, deve

ser considerada desses outros dois pontos de vista. Em primeiro

lugar, é a condição do nascimento de certos direitos, e em

segundo, concede por si mesma a proteção possesória (jus

possessionis por opção ao jus possidendi); é, portanto, a base de

um direito.85

Ihering acredita que para utilizar economicamente a coisa

que lhe pertence, o proprietário deve ter a posse, assim, ele frisa a necessidade

que o proprietário tem de exercer a posse, dizendo que a propriedade sem a

posse seria um tesouro sem a chave para abri-lo, uma árvore frutífera sem a

escada para colher os frutos86.

Pensa, então, que a utilização econômica da propriedade é

exercida de duas maneiras a primeira chama-se de imediata ou real, e a segunda

de mediada ou jurídica, ou seja, no primeiro caso a utilização é feita por si mesmo

e na segunda cedendo-a a outrem.

Esclarece Ihering [...] que, embora a propriedade seja

independente da posse, dado que o proprietário conversa o seu

direito, mesmo depois de haver perdido a esta, não pode adquiri-

la sem se imitir na posse. Ela é, assim, uma condição

indispensável para se chegar à propriedade, embora não seja

suficiente. Apresenta-se, por conseqüência, como um ponto de

84

JHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 1ª ed. Campinas: Russell Editores, 2005, p. 13.

85 JHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 1ª ed. Campinas: Russell Editores, 2005, p. 15.

86 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.

Page 42: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

41

transição momentânea para a propriedade; uma condição para o

nascimento desse direito. Se não tomo posse de uma coisa, não

me torno proprietário. Por outro lado, a posse serve como

fundamento de um direito, porque o possuidor tem o direito de se

prevalecer dela até que alguém venha tomá-la apresentando-se

com melhor direito. Daí a proteção especial de que desfruta.87

Depois de tecer as considerações preliminares, Ihering se

insurge contra as ideias de Savigny, pois ele retira o animus, característica da

Teoria Subjetiva que difere a posse e a detenção. Não nega, contudo, que para a

caracterização da posse há de existir o elemento intencional.

Sem o animus da permanência, a simples apreensão se

resumiria num contato físico, apenas, da pessoa com a coisa, sem outras

consequências. Todavia, não se exige que essa intenção seja uma manifestação

autônoma, a exprimir isoladamente a vontade de apropriar-se da coisa como sua.

Essa intenção, essa vontade, é inerente ao simples fato de reter a coisa88.

Verifica-se, então, que para Ihering só não prescindia na

posse do corpus, visto que o animus estava naquele incluído. Assim, o que se

deveria extrair do corpus é que o possuidor comportava-se em relação à coisa,

como se comportaria ao proprietário; não precisava ter o ânimo de senhor e podia

até reconhecer o domínio alheio89.

Sendo pensamento de Ruy Barbosa:

É um dos erros mais pejados de consequências e mais fatais, que

se têm cometido na teoria possessória, o haver-se estribado a

sustentação da posse e, com ela, a posse mesma na concepção

da segurança mecânica, do poder físico. A segurança da posse

87

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.

88 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 16/17.

89 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 13.

Page 43: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

42

descansa essencialmente na proteção jurídica outorgada à

relação de direito do homem sobre a coisa90.

Destarte, para Ihering possuidores também eram os

comodatários, locatários, porque procediam como os proprietários procedem,

utilizando e conservando a coisa, sem se terem como donos. Dessa forma, pode

ser possuidor quem é proprietário como pode, identicamente, sê-lo quem não o

for, como na hipótese de usufrutuário, de enfiteuta91.

Assim sendo, o entendimento de Silvio Rodrigues:

Posse não significa apenas a detenção da coisa; ela se revela na

maneira como proprietário age em face da coisa, tendo em vista

sua função econômica, pois o animus nada mais é do que o

propósito de servir-se da coisa como proprietário92.

Nota-se, então, que o objetivismo da teoria de Ihering, ou

seja, a dispensa da intenção de dono na sua configuração permite caracterizar

como relação possessória o estado do fato do locador em relação à coisa locada,

do depositário em relação à coisa depositada, do comodatário em relação à coisa

comodada, do credor pignoratício em relação à coisa apenhada etc.

E isto não é mera abstração. Verdadeiramente dotado de

efeitos práticos, permitirá a qualquer deles defender-se por via das ações

possessórias ou interditos, não apenas contra os terceiros que tragam turbação,

mas até mesmo contra o proprietário da coisa, que eventualmente moleste aquele

que a utilize93.

Verifica-se, então, que a posse é a exteriorização da

propriedade, ou seja, a posse é a visibilidade da propriedade, assim, só há posse

onde houver propriedade. Já foi dito que o proprietário precisa utilizar-se

90

BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 44-45.

91 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 13.

92 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 18.

93 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 16/17.

Page 44: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

43

economicamente da propriedade, seja por si, seja por outrem a quem defere o

poder de fato. É importante, portanto, é o uso econômico, a forma econômica de

sua relação exterior com a pessoa94.

O seu ponto de vista pode ser resumido na seguinte

sentença: só há posse onde pode haver propriedade. O que importa é o seu uso

econômico, a destinação das coisas, a forma econômica de sua relação exterior

com a pessoa. Dessa forma, algumas coisas comportam o poder físico porque

podem ser guardadas e definidas. Outras, porém, não o admitem, porque são

livres e abertas. No entanto, umas e outras podem ser possuídas.

Segue-se que o chamado corpus, no sentido de poder

material da pessoa sobre a coisa, é insuficiente, porque não abrange todas as

relações possessórias, mas, somente, as que incidem em bens que devem ser

guardados. Adotando-se o critério da destinação econômica, será fácil reconhecer

a existência da posse, mesmo sem ter a menor ideia de sua noção jurídica.

Ihering empresta grande valor à possibilidade do imediato reconhecimento da

posse95:

Suponhamos dois objetos que se acham reunidos no mesmo

lugar, uns pássaros seguros por um laço num bosque, ou, num

solar em construção, os materiais, e ao lado uma cigarreira com

cigarros; o mais ignorante dos homens sabe que será culpado de

um furto se tirar os pássaros ou alguns materiais, mas nada tem a

temer se tirar os cigarros; qual a razão desse modo diferente de

proceder? Com relação à cigarreira, cada qual dirá: perdeu-se;

deu-se isso contra a vontade do proprietário, e tornar-se a pô-lo

em relação com a coisa, dizendo-se-lhe que foi encontrada; com

relação aos pássaros e aos materiais, sabe-se que a posição em

que se acham tem sua causa em uma disposição tomada pelo

proprietário; estas coisas não poderão ser encontradas, porque

não estão perdidas: seriam roubadas. „Afirmando-se que a

cigarreira se perdeu, diz-se: a relação normal do proprietário com

a coisa está perturbada; há, portanto, uma situação anormal‟.

Quanto aos pássaros e materiais, a situação é normal. Vê-se,

94

DAILBERT, Jefferson. Direito das coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 37.

95 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36.

Page 45: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

44

assim, que qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela

destinação econômica da coisa. Sua existência se atesta por

sinais exteriores. Ela torna visível a propriedade”.96

Assim sendo, a posse se revela numa relação de fato da

pessoa com a coisa, tal como a impões a fim de utilização desta sob o ponto de

vista econômico. Esta relação varia segundo as coisas. Vê-se, então, que a posse

é o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao da propriedade ou de

direito real. Não se reclama a presença de elemento interno, distintamente quanto

ao elemento externo. Ele já integra o poder de utilização econômica da coisa97.

Em síntese, a posse, segundo Ihering, é a exteriorização do

domínio, ou seja, a relação exterior intencional, existente, normalmente, entre o

proprietário e sua coisa. Então, para que exista a posse basta o corpus, o animus

está ínsito no poder de fato exercido sobre a coisa; o que importa é a destinação

econômica do bem.

Dessa forma, a doutrina objetiva admite tranquilamente a

posse por outrem, já que não existe a intenção de dono para que alguém seja

possuidor. Permite, assim, o desdobramento da relação possessória como um

processo normal, que resulta da diversidade de formas da utilização econômica

das coisas. Consagra a divisão da posse em direta e indireta, admitindo a posse

dupla, que se objetiva com tríplice finalidade: a de gozo, a de garantia e a de

administração98.

As ideias de Ihering tiveram larga repercussão na Alemanha,

influindo decisivamente na construção legislativa da posse. O Código Alemão foi o

primeiro a regular a posse sem caracterizá-la à base do elemento subjetivo.

Entretanto, este não aderiu integralmente à doutrina objetiva de Ihering, pois se

96

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36.

97 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 25.

98 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 37.

Page 46: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

45

orientou segundo o seu pensamento, sistematizando, sob a inspiração de sua

crítica à doutrina subjetiva99.

O Código alemão orientou-se segundo o seu pensamento,

sistematizando, sob a inspiração de sua crítica à doutrina de Savigny, normas

reguladoras da posse que pressupõem a sua conceituação em termos objetivos.

Sob essa influência, é que os Códigos Civis atualmente vigentes, na maioria dos

países, seguiram a teoria objetiva inspirada em Ihering.

A Suíça, a China, o México e o Peru seguiram, com

pequenas modificações, a orientação do Código Civil da Alemanha. Já Código

Civil da Itália de 1942 não se deixou levar por essa nova corrente, conservando a

conceituação clássica da posse, ou seja, a teoria de Savigny, exceto no que se

refere à distinção entre a posse e a detenção, no que segue a teoria de Ihering.

No Código Civil brasileiro de 1916 preponderavam as ideias

de Ihering, como se visualizava no art. 486, que dizia: “Considera-se possuidor

todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes

inerentes ao domínio, ou à propriedade”. Da mesma forma, o atual Código, no art.

1196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou

não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”100.

Sendo assim, o Código Civil brasileiro foi um dos primeiros a

aceitar os princípios da doutrina objetiva. “O autor do Projeto confessa a sua

filiação doutrinária ao pensamento de Ihering e proclama a precedência de nossa

legislação na consagração da teoria de Ihering”101.

Verifica-se, ainda, que apesar do depoimento anteriormente

exposto a pátria legislação não adotou a pureza original da teoria objetiva.

Embora esse sistema não se concilie com a doutrina subjetiva, foram feitas a esta

algumas concessões, de sorte que a fidelidade ao objetivismo não foi absoluta.

99

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 38.

100 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 26.

101 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 39.

Page 47: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

46

Assim, o Código Civil brasileiro nem sempre se mostra

coerente, pois às vezes em um capítulo adota um sistema, do qual se distancia

em outro. Mesmo assim, o Código inovou, mas a assimilação das inovações pela

doutrina e pelos tribunais deu-se, com maior facilidade, precisamente pela falta de

uma construção sistemática que se levantasse sobre um conjunto ordenado de

preceitos legais.

Assim, o valor teórico do sistema objetivo sem dúvida se

inspira em razões de ordem social, suficientemente ponderosas para justificar a

aceitação de suas consequências práticas, sendo esta teoria a de aplicação mais

abrangente nos Códigos Civis.

Destarte, sobre Ihering, explana Ruy Barbosa:

Extraordinária é a extensão [...] que a posse dos direitos tem

recebido no desenvolvimento do direito moderno. Precedeu-o,

neste caminho, o direito canônico e a praxe das justiças

eclesiásticas, que reconheceram posse a todas as regalias,

dignidades, funções, benefícios e dízimos da Igreja102.

Estudou-se nesse capítulo as teorias possessórias

tradicionais, e, no seguinte, estudar-se-á as teorias agregadas a posse, bem

como, a aplicação na prática de todas, utilizando-se de jurisprudências.

102

BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 31.

Page 48: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

CAPÍTULO 3

TEORIAS AGREGADAS

3.1 FUNÇÃO SOCIAL

Em meados do século XX, Antonio Hernandez Gil

apresentou seu estudo sobre a posse, a qual acredita que fosse vista como um

inegável fenômeno social. Em 1969, publicou sua obra La función social de la

posesión, na qual acusa a importância de seus ensinamentos na busca de uma

compreensão contemporânea do fenômeno possessório103.

Ele acreditava que os fatos estão mais evidentes na posse

que em outros direitos existentes, e isso somente vem salientar o estreito liame

entre o aludido instituto e os interesses da coletividade. Nas palavras do autor, “la

regulación posesoria está muy ligada a la realidad social en un grado superior a la

de los demás derechos [...]. A nuestro juicio, la posesión es La institución jurídica

de mayor densidad social”104.

Pensava que o reconhecimento de uma importância singular

a posse conduz a um pensamento destinado a sua emancipação de outro

instituto, a propriedade. Dessa forma, Hernandez Gil se opõe aos fundamentos

das teorias de Savigny e Ihering.

Não é difícil visualizar o que seria a primeira discórdia

levantada por Hernandez Gil, qual seja, a acepção de Ihering que a posse é a

aparência da propriedade e, de outra parte, também denuncia Savigny por ter

atrelado sua doutrina possessória à propriedade o que já não se mostra tão

103

OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

104 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 52.

Page 49: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

48

aparente, porquanto, nessa concepção se reconhece certa autonomia à posse,

isto é, não se afirma que esta é uma exterioridade de outro direito. Contudo,

Hernandez Gil aponta que o pensamento dos juristas alemães, malgrado

seguirem caminhos diversos, padecem da mesma insuficiência105.

Sobre a teoria subjetiva Hernandez Gil aduz que “para

discernir cuándo existe uma relación posesoria – y no mera tenencia – es

indispensable querer ser propietario. La propiedad opera en un plano psicológico

a modo de actitud o inclinación individual”106. Verifica-se, então, Savigny recorre à

propriedade para demonstrar a existência de relação possessória.

De outra forma, Jhering não acredita na necessidade de um

elemento volitivo, a intenção de querer ser proprietário, mas a ligação de seu

pensamento com a propriedade é, notadamente, mais evidente, pois apresenta

esse direito como “la ratio de las normas protectoras. La propiedad está siempre

en la base. Y se manifiesta, bien en profundidad, como título, o bien en la

superficie, como posesión”107.

Necessário, assim, trazer a citação de Hernandez Gil108

sobre sua análise sobre as teorias objetiva e subjetiva.

La propiedad es, por ello, el punto de contacto entre ambas

teorías. Aunque se presenten como antagónicas, hay entre las

mismas una conexión. Sin embargo, la conexión no quiere decir

coincidencia porque las funciones asignadas al mismo concepto

son divergentes. Savigny acude a la propiedad como guía para el

descubrimiento de los poseedores; la sitúa en el supuesto

descriptivo de la norma para verla reencarnada en el portador del

animus. Jhering hace descansar sobre ella todo el régimen

jurídico posesorio. No inquiere, ciertamente, el factor dominical,

pero lo da pose supuesto. [...] Por eso las dos teorías […]

105

OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

106 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 72.

107 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 72.

108 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 72.

Page 50: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

49

adolecen de la misma quiebra: la necesidad de La propiedad para

entender la posesión cuando esta es una institución socialmente

primaria, antepuesta109.

Ao discorrer sobre a função social da posse, Hernandez Gil

volta a criticar a posição em que é colocada a posse em relação à propriedade e,

para tanto, argumenta que aquele instituto precede este último e representa uma

necessidade básica de apropriação110.

Em suas palavras:

El fenómeno humano y social del uso y la utilización de las cosas

es anterior a la institucionalización que representa la propiedad

privada. Podría no ser todavía ese uso primario e inevitable lo que

llamamos posesión. Sin embargo, está más cerca de ella que la

propiedad. Mientras la propiedad privada viene determinada por

[…] considerable número de factores de La estructura

socioeconómica y política que la hacen variable en su contenido,

en la posesión hay lo que he llamado en otras ocasiones una

densidad social primaria presente en cualquier sistema de

convivencia.111

Acredita-se, então, que o pensamento de Hernandez Gil age

como uma nota de tensão clamando por outra que lhe proporcione um adequado

109

Tradução feita pela autora deste estudo: A propriedade é, portanto, o ponto de contacto entre as duas teorias. Embora apresentado como antagônicas, há uma conexão entre elas. No entanto, a conexão não significa coincidência, porque funções atribuídas ao mesmo conceito, são divergentes. Savigny vai para a propriedade como um guia para a descoberta de seus detentores, os lugares de descrição do curso da regra para ver reencarnou na transportadora animus. Jhering faz todo o resto sobre a migração legal posse. Pede não, na verdade, o fator de domingo, mas dá posse é claro. [...] Assim, as duas teorias [...] sofrem com a mesma falência: a necessidade de compreender propriedade quando se trata de uma instituição social fundamental, que o precede.

110 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

111 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 38-39. Tradução feita pela autora deste estudo: O fenômeno humano e social do uso e aproveitamento da matéria é antes a institucionalização da propriedade privada representa. Não podia ser inevitável que o uso principal que chamamos de posse. No entanto, está mais próximo da propriedade. Enquanto a propriedade privada é determinada pelo número substancial [...] de fatores, estrutura socioeconômica e política que torna variável no conteúdo, na posse é o que eu tenho chamado em outras ocasiões, um presente de densidade social principal em qualquer sistema vivo.

Page 51: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

50

repouso. Mas, vale alertar que dificilmente isto ocorrerá, aliás, nem é o que se

busca. Demonstrar, nesta matéria, a cacofonia existente entre o que é, por vezes,

posto como dogma e a realidade social e jurídica brasileira já será o suficiente112.

Importante, então, nesse momento citar o entendimento de

Odilon Carpes Moraes Filho113:

Admitir a função social da posse é admitir direito subjetivo ao não-

proprietário de, através da terra, obter uma vida digna,

assegurando um patrimônio mínimo, ou seja, uma existência

autônoma. Ao contrário, negar a função social da posse, é

continuar acreditando que apenas os proprietários têm direito

subjetivo sobre a terra, e, de certa forma, respaldar as doutrinas

tradicionais clássicas que entendem, na função social, apenas seu

caráter negativo.

O entendimento de Hernandez Gil de que a posse exerce

uma função social, não é uniforme entre os doutrinadores, tendo em vista que

muitos acreditam que a posse não tem essa função, tendo em vista que quando

inserida no ordenamento pátrio não possuía essa qualidade.

3.2 ATIVIDADE ECONÔMICA

Sobre a atividade econômica destacou-se a teoria de

Raymond Saleilles que trouxe novas concepções em relação à teoria de Ihering

impregnado-a com um caráter econômico, batizando sua reformulação como

teoria da apropriação econômica. Para o jurista francês o corpus se manifesta

112

OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

113 MORAES FILHO, Odilon Carpes. A função social da posse e da propriedade nos direitos reais. Disponível em: http://www.direito.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/odilon-carpes-moraes-filho.pdf. Acesso em: 23 de abril de 2011.

Page 52: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

51

como “uma relação durável de apropriação econômica, uma relação de

exploração da coisa a serviço do indivíduo”114.

O próprio Saleilles traça a distinção entre a sua tese e as

anteriores, primeiro, a de Ihering que funda a posse na relação de exploração

econômica; aqui todo detentor é possuidor, salvo exceção expressa da lei. A

segunda, no extremo oposto, a teoria de Savigny, teoria dominante que funda a

posse na relação de apropriação jurídica, e para quem não há possuidores senão

os que pretendem a propriedade115.

Por fim, a terceira, num grau intermediário entre as duas

teorias mencionadas, segundo Saleilles, funda-se a posse na relação de

apropriação econômica e declara possuidor aquele que, sob o ponto de vista dos

fatos, aparece como tendo um gozo independente e ainda como aquele que de

todos tem uma relação de fato com a coisa, considerado assim, a justo título,

como senhor de fato da coisa116.

A semelhança da tese de Saleilles com a de Ihering,

portanto, reside no fato de ambos considerarem a posse como a relação de fato

entre a pessoa e a coisa, sendo que ambos divergem quanto à concepção do

corpus, ou, melhor dizendo, do animus que a ele aplicam, que, para o primeiro,

não engloba a vontade de deter a coisa e dela fruir, mas a vontade de se

assenhorear da coisa.

Há um contraste, entretanto, mais forte: enquanto Ihering

remete à lei o critério de distinção entre posse e detenção, Saleilles o encontra na

observação dos fatos sociais, ou seja, configura posse a relação de fato que é

bastante para estabelecer a independência econômica do possuidor.

114

ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro : Forense, 1997. v. 1, p. 236.

115 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

116 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

Page 53: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

52

Importante salientar que a utilização econômica dessa tese

não se confunde com a apresentada por Ihering, tendo em vista que para este a

posse era condição à destinação econômica da propriedade que, por sua vez,

consistia no usar, fruir e consumir117.

Verifica-se, ainda, que Saleilles em relação à atividade

econômica não representa apenas um meio de incorporar o corpus à vontade

interna, exteriorizada legalmente pela forma jurídica da propriedade, mas exige

uma consciência social que se projeta exteriormente. Sendo assim, necessário

refletir sobre a legitimidade da proteção à posse, não em homenagem ao direito

de propriedade, mas, como um direito decorrente apenas da posse em si mesma.

Nessa teoria os aspectos externos da posse ganham maior

relevância para identificação do possuidor, quando substitui o elemento anímico

individual pela consciência social. Para Saleilles a posse assume uma importância

maior do que a que foi atribuída por Savigny ou Ihering. Para Saleilles, portanto,

não se deduz a posse a partir da propriedade, ou esta é protegida somente para

atuar como salvaguarda de outro direito, o de propriedade.

A posse é o seguinte:

[...] refere-se a uma vontade do indivíduo que deve ser respeitada pela

necessidade mesma de todos de apropriação e exploração econômica

das coisas, desde que esta vontade corresponda um ideal coletivo,

segundo os costumes e opinião pública118

.

Forte no trabalho de Saleilles é o escopo de conceder certa

autonomia à situação possessória, refutando a compreensão que deve se

proteger a posse por ser a guarda avançada do direito de propriedade, como

apregoado pela doutrina objetiva, mas sim em razão da própria posse “porque ela

117

OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

118 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

Page 54: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

53

representa os fins do „organismo social‟, constituindo um vínculo econômico e

social, decorrente de um estado normal do indivíduo na sua relação com a vida

coletiva”119-120.

Fernando Luso Soares condensa o aspecto basilar da ideia

de Saleilles, “a posse é a apropriação econômica das coisas, sem relação alguma

com a possível existência de um direito sobre a coisa”121.

Concernente a diferenciação entre possuidor e detentor

também não se filiou ao posicionamento de Ihering que aduzia que tal distinção

deveria ser pautada unicamente pela lei122.

Saleilles acredita “o critério para distinguir a posse da

detenção é o de observação dos fatos sociais; há posse onde há relação de fato

suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor”123.

Deter a coisa, para Saleilles, “é exercer, sem dúvida, um

senhorio de fato, mas não uma destinação econômica. Possuir é realizar uma

destinação econômica das coisas de acordo com sua destinação individual”124.

Explica Saleilles125 que o:

119

ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à situação proprietária, p. 130.

120 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

121 SOARES, Fernando Luso. Ensaio sobre a posse como fenómeno social e instituição jurídica. In: RODRIGUES, Manuel. A posse: estudo de direito civil português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1980, p. 130.

122 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

123 ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 237.

124 ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 239.

125 ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 239.

Page 55: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

54

[...] criado detém a coisa que seu amo lhe confiou, assim como

aquele que hospeda um amigo detém os objetos que o hóspede

trouxe consigo, mas nenhum deles, o criado ou o amigo, possui

tais coisas, porque nenhum deles incorporou-as economicamente

para um fim individual.

Verifica-se, então, que a teoria de Saleilles foi a de libertar a

posse do direito de propriedade, trazendo novamente a sua finalidade econômica

e social imanente e dependente apenas dos costumes sociais e das diferentes

relações jurídicas que unem o homem à coisa que explora.

3.3 JURISPRUDÊNCIA

Nos capítulos anteriores, bem como nos itens deste,

procurou-se explanar sobre as teorias existentes sobre a posse, bem como sobre

o instituto da posse. Importante, então, exemplificar a aplicabilidade da posse no

nosso ordenamento jurídico, o que será demonstrado a seguir.

A jurisprudência catarinense a seguir exemplifica como a

posse é vista no ordenamento brasileiro, que nada mais é, do que a Teoria

Objetiva de Ihering.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DAS COISAS. [...] III -

"A posse subsiste enquanto o possuidor se comporta em face

da coisa como o faria normal e regularmente o proprietário, e,

portanto, cessa, quando ele deixar de se portar como dono

em face da coisa. [...] Quem quer que não mostre este

interesse e se desligue de algum modo da coisa perde

a posse, porque, se bem que ele seja e continue proprietário,

não é atual e visível como tal, e a posse consiste

precisamente nisto - na parte visível da propriedade - a

diligência do proprietário é uma condição indispensável

da posse" (in: FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações

possessórias. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 191) IV -

Não ostenta a condição de detentora aquela que exerce, em nome

próprio, um dos poderes inerentes à propriedade. Desse modo,

considerando que a ré, há cerca de vinte e dois anos, reside no

imóvel e, nesse período, intitula-se proprietária do bem, efetuando

o pagamento do imposto predial e territorial urbano respectivo e

das contas de luz - a primeira lançada em nome de sua parente e

Page 56: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

55

a segunda em nome próprio - fica claro que a ocupação desborda

a mera permissão a que aludem os arts. 1.208 do Código Civil de

2002 e 497 do Código Civil de 1916. (grifo nosso) 126

Verifica-se então, que o Relator para fundamentar a sua

decisão utilizou o pensamento de Ihering, ou seja, aquele que tem de fazer seu

interesse, ordena-o, e é precisamente esta circunstância que faz com que se lhe

reconheça como aquele a quem a coisa pertence. O interesse testemunhado no

fato pela maneira de se servir da coisa, de cuidar dela, de protegê-la e garanti-la é

o indício do verdadeiro proprietário.

Assim sendo, a diligência do proprietário é uma condição

indispensável da posse. Demonstrando, ainda, o que foi mencionado, em casos

práticos, traz-se as jurisprudências do nosso estado a seguir, no mesmo

poscionamento:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.

REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC NÃO DEMONSTRADOS.

DISCUSSÃO DOMÍNIO IRRELEVÂNCIA. TEORIA OBJETIVA

ILHERING. POSSE ESTADO DE FATO. SENTENÇA EXTINÇÃO

ART. 267, VI, CPC. ADEQUAÇÃO DISPOSITIVO LEGAL DO

ART. 269, I, DO CPC. RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO

CONHECIDO E IMPROVIDO. Tratando-se de ação possessória,

não se discute o domínio do imóvel, mas apenas a posse, que é

o estado de fato sobre a coisa, conforme se observa da teoria

objetiva de lhering, teoria esta adotada pelo nosso

ordenamento civil. Incumbia aos apelantes a prova anterior da

sua posse sobre a área, bem como a prova do suposto esbulho

praticado pelos apelados, a sua data e a consequente perda da

sua posse, nos moldes do art. 927 do CPC, uma vez não

comprovados os requisitos para o deferimento da ação

possessória, impõe-se sua improcedência, com resolução do

mérito. (grifo nosso) 127

126 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2007.054601-9, de Lages.

Relator: Des. Henry Petry Junior, julgada em 14/4/2011. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

127 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2006.029431-3, de São Carlos. Relator: Juiz Saul Steil, julgada em 03/08/2010. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 57: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

56

APELAÇÃO CÍVEL - DEMANDA DE REINTEGRAÇÃO DE

POSSE - PEDIDO DE ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL

FORMULADO EM GRAU DE RECURSO - POSSIBILIDADE -

AGRAVO RETIDO NOS AUTOS - ALEGAÇÃO DE

CERCEAMENTO DE DEFESA SOB DUPLO FUNDAMENTO -

INOCORRÊNCIA - POSSE DO AUTOR ANTERIORMENTE

CARACTERIZADA PELA DESTINAÇÃO ECONÔMICA DA COISA

- OCUPAÇÃO POR FAMÍLIAS - ESBULHO CONFIGURADO -

CONCESSÃO DO INTERDITO REINTEGRATÓRIO - SENTENÇA

CONFIRMADA - APELO DESPROVIDO. A assistência tem lugar

em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de

jurisdição, podendo o adquirente ou cessionário intervir no

processo, assistindo o alienante ou cedente. O empregado, à

guisa de regra, não é suspeito para depor, cabendo à parte

adversa demonstrar elementos concretos que façam supor

interesse na solução do litígio. Não sucede nulidade pela ausência

de vista dos documentos juntados se eles são ou deveriam ser de

conhecimento da parte contrária, cabendo-lhe agitar o defeito na

primeira oportunidade que tiver para falar nos autos. A posse é

uma situação de fato juridicamente tutelada, que exterioriza

alguns dos poderes inerentes ao domínio e revela a

destinação econômica da coisa, conforme a teoria objetivista

contemplada em nosso ordenamento jurídico. (grifo nosso) 128

Na jurisprudência catarinense seguinte, verifica-se que o

Relator, para fundamentá-la, utilizou-se das teorias objetiva (Ihering) e da

subjetiva (Savigny), demonstrando, assim, que em certos momentos existe a

aplicabilidade das duas, mesmo que a teoria objetiva seja a utilizada pelo nosso

ordenamento jurídico.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE -

AUTORA - MANDATÁRIA COM PODERES DE

ADMINISTRAÇÃO DO IMÓVEL - PODER SOBRE A COISA

EXERCIDO EM NOME DE OUTREM E EM CUMPRIMENTO DE

ORDENS E INSTRUÇÕES SUAS - MERA DETENÇÃO QUE NÃO

GERA OS EFEITOS JURÍDICOS PRÓPRIOS DA POSSE -

ARTIGO 1.198 DO CÓDIGO CIVIL - ILEGITIMIDADE ATIVA -

RECONHECIMENTO EX OFFICIO - ARTIGO 267, INCISO VI E §

128

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível n. 1997.011774-4, da Capital. Relator: Des. Monteiro Rocha, julgada em 20/03/2003. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 58: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

57

3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - EFEITO TRANSLATIVO

DO RECURSO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE

MÉRITO - RECURSO PREJUDICADO. Detentor não é

possuidor, seja por lhe faltar animus (segundo a teoria de

Savigny), seja porque o ordenamento desqualifica sua

relação de poder sobre a coisa à mera detenção (conforme

a teoria de Ihering). Sob um ou outro fundamento, o que se pode

afirmar, peremptoriamente, é que os efeitos jurídicos próprios da

posse não são produzidos na relação de detenção, de tal maneira

que ao detentor não é conferido o exercício de direitos e

pretensões possessórias em nome próprio. (grifo nosso) 129

Buscando em outros tribunais brasileiros, verifica-se também

a aplicabilidade da teoria objetivista, a utilizada pelo nosso ordenamento jurídico.

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SERVIDÃO DE

PASSAGEM - POSSIBILIDADE DE PROTEÇÃO POSSESSÓRIA

- SÚMULA 415 DO STF - DEMONSTRAÇÃO - AUSÊNCIA -

MERA TOLERÂNCIA.- O ordenamento jurídico assegura ao

possuidor diversas formas para a proteção da sua posse, entre as

quais se pode citar o manejo dos interditos possessórios. A

proteção possessória, em regra, somente deve ser concedida na

hipótese de se comprovar a posse, a qual deve ser compreendida

como o exercício de fato, pleno ou não, de alguns dos poderes

inerentes à propriedade, conforme a teoria de Ihering,

esposada pelo direito brasileiro.- Nos termos da Súmula 415 do

STF, ""servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente,

sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se

aparente, conferindo direito à proteção possessória"". - ""Não

induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância [...]"" (art.

1.208 do CC/2002), razão pela qual, inexistente a servidão, não se

pode considerar provado o esbulho, o que conduz à

improcedência do pedido formulado na inicial. (grifo nosso) 130

Analisando o acórdão acima, verifica-se que o Relator ao

tratar de servidão aparente, utilizou a teoria objetiva. Demonstrando, ainda, que a

129

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2008.074288-9,de Biguaçu. Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari, julgada em 03/12/2009. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

130 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0514.06.022537-2/001, de Pitangui/MG. Relator: Des. Elpídio Donizetti, julgada em 09/02/2010. Disponível em http://www.tjmg.jus.br/juridico. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 59: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

58

posse pode ser provada, cabendo ao seu titular invocar, em seu favor, os

interditos possessórios de reintegração, manutenção ou proibitório, sempre que

se sentir cerceado no exercício dos seus direitos. Tais remédios não são

utilizáveis se a servidão não for aparente, discutindo-se se há ou não posse das

servidões aparentes, mas descontínuas, tais interditos possessórios foram

assuntos do capítulo primeiro desse estudo.

Demonstrando, ainda, a aplicabilidade da Teoria de Ihering

traz-se as jurisprudências a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.

REQUISITOS DO ART. 927, DO CPC, NÃO ATENDIDOS.

AUSÊNCIA DE PROVA DA POSSE. TEORIA OBJETIVA DE

IHERING. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE EXERCÍCIO

FÁTICO SOBRE ÁREA. 1. Tendo o direito civil pátrio adotado

a Teoria Objetiva de Ihering, considera-se posse o exercício

pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade,

conforme o art. 1.196, do CC/02. 2. Para a demonstração da

posse é necessária a prova do exercício de poder fático sobre a

coisa, sendo que, salvo casos pontuais, tal prova não se faz com

documentos, demandando, assim, dilação probatória. 3. Os

autores buscam o êxito do pedido possessório com base no

domínio. Contudo, em sede de ação possessória deve ser

mantido na posse aquele que tiver a melhor posse sobre o bem

discutido, independentemente da propriedade. Afinal, as ações

possessórias não servem para discutir propriedade, ainda que

possível a discussão sobre o domínio, porém nos termos

restritivos da Súmula 487 do STF, que não é o caso. 4. Não há

fungibilidade entre ações possessória e petitórias. APELAÇÃO

DESPROVIDA. (grifo nosso)131

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. CESSÃO DE

DIREITOS POSSESSÓRIOS. AUSÊNCIA DE POSSE

QUALIFICADA. PROVA DOCUMENTAL QUE, EM REGRA, NÃO

É HÁBIL PARA, ISOLADAMENTE, DEMONSTRAR POSSE.

CARÊNCIA DE AÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO

DO MÉRITO. SENTENÇA DECLARADA. 1. Tendo o direito civil

131

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70029051034, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, julgado em 23/04/2009. Disponível em http://www.tjrs.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 60: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

59

pátrio adotado a Teoria Objetiva de Ihering, considera-se

posse o exercício pleno, ou não, de algum dos poderes

inerentes à propriedade, conforme o art. 1.196, do CC/02. 2.

Para a demonstração da posse é necessária a prova do exercício

de poder fático sobre a coisa, sendo que, salvo casos pontuais, tal

prova não se faz com documentos, demandando, assim, dilação

probatória. 3. Os autores buscam o êxito do pedido de aquisição

originária com base em documentos, que isoladamente não se

prestam para tal finalidade, porquanto a posse necessita de prova

do poder fático sobre a coisa. 4. Tendo em vista que os autores

propuseram a demanda sem a implementação dos requisitos da

usucapião pretendida, são carecedores de ação, devendo ser o

feito extinto, sem resolução do mérito, declarando-se a sentença.

APELAÇÃO DESPROVIDA. (grifo nosso) 132

Fica claro pelo acórdão exposto acima que o direito civil

brasileiro adotou a teoria objetiva de Ihering, que nada mais é que a posse tem o

exercício pleno, ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade. Sendo

assim, esta será sempre a de maior aplicabilidade do nosso ordenamento jurídico,

demonstrado, ainda, pelas jurisprudências a seguir.

ACÓRDÃO "POSSESSÓRIA - Manutenção de posse - Hipótese

em que a requerida-apelante usufruía do bem por força da sua

convivência marital com o 'de cuius', pai da requerida - Existência

de instrumento público outorgando ao 'de cuius' procuração para

mera administração do imóvel, caracterizando-se, assim, como

mero detentor - arts. 487 do CC/16 e 1 198 do CC/02 - Recurso da

autora improvido. POSSESSÓRIA - Manutenção de posse -

Requerimento da requerida de indenização pelos prejuízos

decorrentes da indevida retenção do imóvel - Inadmissibilidade -

Hipótese em que a obra já vinha sendo realizada desde junho de

1 996 pelo 'de cuius", não logrando a ré demonstrar qualquer

inovação Segai ou abusiva ao estado de fato do imóvel em

questão - Pretensão da requerida para reaver as rendas

provenientes de alugueres e outras atividades da natureza rural

do imóvel - Admissibilidade, eis que, a partir do falecimento do pai

da requenda, a autora deveria abster-se de receber tais verbas -

Caracterizada a moléstia à posse, devendo reembolsar a ré os

132

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70028911071, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, julgado em 02/04/2009. Disponível em http://www.tjrs.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 61: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

60

valores recebidos indevidamente a tais títulos, além de perdas e

danos a serem fixados em liquidação de sentença - Recurso da

requerida parcialmente provido." [...] "Ora, como já demonstramos,

não há dúvida de que quanto à conceítuação da posse - e,

portanto, quanto à distinção entre ela, a detenção e a mera

justaposição material da coisa ã pessoa -, o Código Civil

brasileiro se orientou pela teoria objetiva de Ihering. Com

efeito, depois de definir, sem qualquer alusão ao elemento

subjetivo, o que vem a ser possuidor (art. 485 Considera-se

possuidor...), estabelece ele, no art. 487, quando não há

possuidor, ou seja, quando há detentor: 'Art. 487. Não é

possuidor aquele que, achando-se em relação de

dependência para com outro, conserva a posse em nome

deste e em cumprimento de ordens ou instrução suas.'....

Nessa hipótese - as previstas nos arts. 487, 497, 520, III in

fine, e 522 -, ter-se-ia posse se não existissem esses

dispositivos legais que declaram que, em tais casos, ela não

se configura, de onde decorre, implicitamente, a ocorrência,

neles, de detenção." ("POSSE- ESTUDO DOGMÁTICO" - 2a ed.

- vol. II, tomo I - págs. 61 e segs. - FORENSE - 1 997 - Rio) [...] Se

o art. 487 do velho Código fornece-nos o conceito de quem "não é

possuidor", o art. 1 198 citado, o de "detentor". Quem utiliza o bem

em nome de outrem, por ordem sua ou em seu único interesse,

"posse não possui". [...] (grifo nosso) 133

AÇÃO DE REINTEGRAÇAO DE POSSE. AUSÊNCIA DE

COMPROVAÇÃO DE POSSE ANTERIOR. ESCRITURA DE

CESSÃO DE DIREITOS AQUISITIVOS DA QUAL NÃO CONSTA

CESSÃO DA POSSE. CONTRATO VERBAL FIRMADO EM DATA

ANTERIOR À LAVRATURA DA ESCRITURA DE CESSÃO DE

DIREITOS ADQUITIVOS. ALEGAÇÃO DE COMODATO NÃO

COMPROVADA. REFUTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES INICIAIS.

LIMINAR INDEFERIDA. PROVA ORAL INSUFICIENTE PARA

COMPROVAÇÃO DA POSSE ANTERIOR DA AUTORA. - Ponto

controvertido que passa necessariamente por digressão a respeito

das formas de aquisição da posse, versando única e

exclusivamente a respeito de matéria possessória (jus

possessionis). Adoção pelo ordenamento civil

da teoria objetiva de Ihering. - Autora que em momento algum

133

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 9182425-76.1999.8.26.0000, 4ª Câmera, Campinas/SP. Relator: J. B. Franco de Godoi, julgada em 05/05/2004. Disponível em http://www.tjsp.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 62: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

61

comprova que tinha posse anterior, relativamente ao imóvel

reintegrando, não servindo para esta finalidade a escritura de

cessão de direitos aquisitivos acostada aos autos. Ausência, na

referida escritura, de cláusula constituti, que caracterizaria

eventual transmissão da posse, a justificar a alegação de

empréstimo gratuito. Autora residente e domiciliada em Petrópolis,

enquanto que o imóvel reintegrando é situado em Rio das Ostras.

- Contrato de comodato firmado em data muito anterior à da

escritura de cessão de direitos aquisitivos e firmada por pessoa

diversa da ré. Prova oral que ratifica a posse da ré, não

comprovando eventual posse anterior por parte da autora. - Não

comprovada posse anterior da autora, não se configura o alegado

esbulho possessório, não fazendo jus a autora a utilização dos

interditos possessórios. Viabilidade da reivindicatória, desde que

comprovada a propriedade do imóvel.- PROVIMENTO DO

RECURSO. (grifo nosso) 134

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.

REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC COMPROVADOS. AÇÃO

PROCEDENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

MANUTENÇÃO. LIDE SECUNDÁRIA. AUSÊNCIA DE PEDIDO

DE NOVA DECISÃO (ART. 514, III, DO CPC). NÃO

CONHECIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO E NÃO

CONHECIDO O APELO REFERENTE À LIDE SECUNDÁRIA.

- "Segundo Ihering a posse é a exteriorização ou visibilidade

do domínio, ou seja, a relação exterior intencional existente

normalmente entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a

função econômica desta. O importante é o uso econômico ou

destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz

de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação

exterior com a pessoa. Por exemplo, se virmos alguns

materiais junto a uma construção, apesar de ali não encontrar

o possuidor, exercendo poder sobre a coisa, a circunstância

das obras e dos materiais indica a posse de alguém."-

Honorários advocatícios corretamente fixados atendendo a

critérios de eqüidade (art. 20, § 4º, do CPC).

- "O recurso de apelação é um todo, sujeito ao princípio

processual da regularidade formal. Faltante um dos requisitos

formais da apelação exigidos pela norma processual, o Tribunal a

134

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 0000046-72.2003.8.19.0068, do Rio de Janeiro. Rel. Des. Carlos Santos de Oliveira, julgada em 05/10/2010. Disponível em http://www.tjrj.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 63: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

62

quo não poderá conhecê-lo. Recurso não conhecido" (STJ, REsp

263424). (grifo nosso) 135

Verifica-se, então, com esse estudo, que a teoria de

aplicabilidade no nosso ordenamento jurídico é a objetiva, porém, em alguns

momentos, será utilizada como exemplo a teoria subjetiva. Demonstrou-se, ainda,

na prática, a utilização desta nos dias atuais.

135

BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível n. 0552840-7, de Curitiba/PR. Rel. Des. Stewalt Camargo Filho, julgada em 27/05/2009. Disponível em http://www.tjpr.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 64: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia teve como objeto o estudo das

Teorias da Posse.

No decorrer da monografia, verificou-se que existem duas

teorias possessórias que têm predominância nos ordenamentos jurídicos, quais

sejam a Teoria Possessória de Savigny e a Teoria Possessória de Ihering, sendo

que a segunda é a de maior aplicabilidade, bem como é a utilizada pelo

ordenamento jurídico brasileiro.

Para se chegar à conclusão acima, foi necessária a

elaboração de três capítulos. O primeiro capítulo preocupou-se em tratar sobre o

instituto da posse, levantando uma questão bastante controvertida, que é a sua

natureza jurídica, estudando, ainda, a sua classificação e os seus efeitos.

O segundo capítulo abordou a Teoria Possessória de

Savigny, ou seja, a Teoria Subjetiva da Posse e a Teoria Possessória de Ihering,

ou seja, a Teoria Objetiva da Posse. Já o terceiro capítulo abordou sobre as

Teorias Agregadas, quais sejam a da Função Social e da Atividade Econômica,

bem como a aplicabilidade jurídica das teorias, por meio de jurisprudências do

direito brasileiro.

Analisados os capítulos desta monografia, passa-se, agora,

à confirmação ou não das hipóteses levantadas na introdução:

Primeira hipótese: A teoria possessória de Ihering é a única aplicada no

ordenamento jurídico brasileiro.

Essa hipótese foi parcialmente confirmada, tendo em vista

que a teoria possessória de Ihering é a adotada pelo ordenamento pátrio, porém,

em determinados julgamentos, utilizam-se as outras teorias, como a de Savigny,

para fundamentar as decisões.

Page 65: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

64

Segunda hipótese: As teorias possessórias tradicionais, Ihering e Savigny, ainda

são suficientes para justificar a posse.

Essa hipótese não se confirmou, pois, para justificar a posse

atualmente, é necessário que se utilizem as teorias da Função Social e da

Atividade Econômica, conforme abordou-se no terceiro capítulo.

Verificou-se, então, a importância do estudo das teorias

possessórias, tendo em vista que estão em constante mudança e é necessário

que se aprofunde no que diz respeito a esse assunto.

Page 66: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1.

BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0514.06.022537-2/001, de Pitangui/MG. Relator: Des. Elpídio Donizetti, julgada em 09/02/2010. Disponível em http://www.tjmg.jus.br/juridico. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______ Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível n. 0552840-7, de Curitiba/PR. Rel. Des. Stewalt Camargo Filho, julgada em 27/05/2009. Disponível em http://www.tjpr.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______ Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70029051034, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 23/04/2009. Disponível em http://www.tjrs.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______ Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70028911071, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 02/04/2009. Disponível em http://www.tjrs.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______ Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível n. 1997.011774-4, da Capital. Relator: Des. Monteiro Rocha, julgada em 20/03/2003. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______ Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2006.029431-3, de São Carlos. Relator: Juiz Saul Steil, julgada em 03/08/2010. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2007.054601-9, de Lages. Relator: Des. Henry Petry Junior, julgada em 14/4/2011. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______ Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2008.074288-9,de Biguaçu. Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari, julgada em 03/12/2009. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.

Page 67: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

66

_______ Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 9182425-76.1999.8.26.0000, 4ª Câmera, Campinas/SP. Relator: J. B. Franco de Godoi, julgada em 05/05/2004. Disponível em http://www.tjsp.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

_______ Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 0000046-72.2003.8.19.0068, do Rio de Janeiro. Rel. Des. Carlos Santos de Oliveira, julgada em 05/10/2010. Disponível em http://www.tjrj.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.

CAMPOS JÚNIOR, Aluísio Santiago. Posse e ações possessórias: doutrina prática, jurisprudência. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999.

CORREA, Orlando de Assis. Posse e ações possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990.

DAILBERT, Jefferson. Direito das coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2002.

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, v. VIII.

FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. 5 ed. atualizada por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. I.

GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969.

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

JHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russell Editores, 2005

LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1992. v. 6.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2001. t. 1.

Page 68: TEORIAS DA POSSE - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Larissa Vequi Martins.pdf · Teoria Objetiva da Posse ... quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da

67

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2001.

MONTEIRO, João Baptista. Ação de reintegração de posse. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

MORAES FILHO, Odilon Carpes. A função social da posse e da propriedade nos direitos reais. Disponível em: http://www.direito.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/odilon-carpes-moraes-filho.pdf. Acesso em: 23 de abril de 2011.

NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.

OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.

PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 9. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 1975.

RODRIGUES, Manuel. A posse: estudo de direito civil português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1980, p. 130.