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territorium 15 83 SEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELO SEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELO SEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELO SEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELO SEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELO ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)* ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)* ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)* ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)* ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)* António Amaro [email protected] Director da Escola Superior de Saúde do Alcoitão, Sociólogo RESUMO RESUMO RESUMO RESUMO RESUMO O Estado estatocêntrico tem condições para garantir, por si só, a segurança humana face à grande diversidade de vulnerabilidades sociais e ecológicas? O modelo de gestão humanocêntrico é mais adequado à protecção dos cidadãos na sociedade contemporânea? Ou seja, no centro está a protecção dos cidadãos ou dos Estados? A Protecção Civil baseada em bombeiros voluntários tem condições para proteger e socorrer, com prontidão os cidadãos? Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave: Segurança humana, sociedade de risco, protecção civil, bombeiros. ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT In a risk society can a government-centered model of civil protection on his own guarantee the human security in the face of an increasing diversity of social and ecological vulnerabilities? Does a citizen centered-model guarantee more protection in a modern society? In other words what is the priority the citizen or the government? Can the civil protection and its “armed forces”, the volunteer firefighters protect and rescue the citizens with promptitude? Key words Key words Key words Key words Key words: Human security, risk society, civil protection, firefighters. RÉSUMÉ RÉSUMÉ RÉSUMÉ RÉSUMÉ RÉSUMÉ L’Etat centralisateur aura-t-il conditions pour garantir, seulement, la sécurité humaine en face de la grande diversité de vulnérabilités sociaux et ecologiques? Le modèle de gestion qui a la personne humaine au centre c’est le mieu pour la protection des citoyens dans la societé contemporaine? Qui est au centre de la societé: l’Etat ou les citoyens? La proteccion civile basée sur pompiers voluntaires aura-t-elle conditions pour garantir le secours avec promptitude? Mots clés Mots clés Mots clés Mots clés Mots clés: Securité humaine, societé de risques, proteccion civile, pompiers. pp. 83-94 * Comunicação apresentada ao IV Encontro Nacional de Riscos, Coimbra, 10 de Março de 2008.

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SEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELOSEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELOSEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELOSEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELOSEGURANÇA HUMANA E PROTECÇÃO CIVIL NA SOCIEDADE DO RISCO: A CRISE DO MODELOESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)*ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)*ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)*ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)*ESTATOCÊNTRICO NA(S) SEGURANÇA(S)*

António [email protected]

Director da Escola Superior de Saúde do Alcoitão, Sociólogo

RESUMORESUMORESUMORESUMORESUMO

O Estado estatocêntrico tem condições para garantir, por si só, a segurança humana face à grande diversidadede vulnerabilidades sociais e ecológicas? O modelo de gestão humanocêntrico é mais adequado à protecçãodos cidadãos na sociedade contemporânea? Ou seja, no centro está a protecção dos cidadãos ou dosEstados? A Protecção Civil baseada em bombeiros voluntários tem condições para proteger e socorrer, comprontidão os cidadãos?

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave: Segurança humana, sociedade de risco, protecção civil, bombeiros.

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT

In a risk society can a government-centered model of civil protection on his own guarantee the human security in theface of an increasing diversity of social and ecological vulnerabilities? Does a citizen centered-model guaranteemore protection in a modern society? In other words what is the priority the citizen or the government? Can the civilprotection and its “armed forces”, the volunteer firefighters protect and rescue the citizens with promptitude?

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey words: Human security, risk society, civil protection, firefighters.

RÉSUMÉRÉSUMÉRÉSUMÉRÉSUMÉRÉSUMÉ

L’Etat centralisateur aura-t-il conditions pour garantir, seulement, la sécurité humaine en face de la grandediversité de vulnérabilités sociaux et ecologiques? Le modèle de gestion qui a la personne humaine au centrec’est le mieu pour la protection des citoyens dans la societé contemporaine? Qui est au centre de la societé:l’Etat ou les citoyens? La proteccion civile basée sur pompiers voluntaires aura-t-elle conditions pour garantirle secours avec promptitude?

Mots clésMots clésMots clésMots clésMots clés: Securité humaine, societé de risques, proteccion civile, pompiers.

pp. 83-94

* Comunicação apresentada ao IV Encontro Nacional de Riscos, Coimbra, 10 de Março de 2008.

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A Segurança tem sido sempre considerada umacompetência do Estado. Efectivamente, desde que oconceito começou a ser utilizado, a partir do séculoXVII, o Estado é a entidade que detém como numadas suas atribuições fundamentais, o monopólio douso da violência e os meios para a protecção esegurança dos cidadãos. O seu poder ampliou-secom vista a garantir a ordem e a paz, outra dascompetências fundamentais do Estado moderno.Naturalmente, e podemos historicamente comprová-lo, o Estado esteve, muitas vezes, ao longo dos últimostrês séculos, ocupado em manter a lei e a ordem ecertas condições políticas e jurídicas de uma parteda sociedade, constituída em poder dominante, emdetrimento de outras. (PEREIRA, 2006:143)

Hoje, o Estado encontra-se num processo de “reforma”,no quadro de um mundo cada vez maisinterdependente e globalizado, que obriga aorepensar e redefinir das estruturas, conceitos e funçõesdo Estado designadamente em matéria de segurançae da relação desta com a cidadania.

O conceito tradicional de segurança tende a aparecernormalmente associado à manutenção da ordempública e ao controle da criminalidade. Ora, aspessoas, os cidadãos, exprimem e experimentam hojepreocupações e sentimentos de insegurança eincerteza da sua vida quotidiana, seja a nível dotrabalho, da saúde e do ambiente. Estamos perantedemandas de segurança, de ordem múltipla emultifactorial, que um conceito mais amplo poderáexplicar: o conceito de Segurança Humana. Oconceito de Segurança Humana, assevera PEREIRA

(2006:17) surge pela primeira vez, em 1994, numdos documentos do PNUD (Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento) e a partir daí, nãotem deixado de marcar presença em numerososâmbitos de índole académica, política e social. É umanoção ampla, multidimensional, que atravessa várioscampos, centrada nas pessoas e nas comunidades,mais que nos Estados.

Nesta perspectiva, a segurança deixou de ser um temaexclusivo dos Estados. Para a sociedade civil e paraas pessoas em geral, a segurança humana converteu-se num assunto central do seu bem-estar e segurançae para o funcionamento de uma sociedade baseadana liberdade e na convivência social. Ou seja, na suaacepção mais ampla, a segurança humana representamuito mais que a ausência de violência. Abarca ocumprimento dos direitos humanos, a gestão eregulação por parte do Estado dos riscos relativos àsaúde, à participação das comunidades e aprevenção dos conflitos. Em síntese, o conceito tem

muitas caras e dimensões, desde o terrorismo (fot. 1)ao ambiente (fot. 2).

Nalguns casos estamos a falar de segurança políticafrente a abusos e violações de direitos humanos; desegurança pessoal e individual face à criminalidadee à violência contra as mulheres, ou face aoterrorismo; noutros trata-se de segurança ambiental eecológica face à degradação do ar, água, terra eflorestas (os chamados bens públicos globais); ouainda segurança alimentar frente à escassez dealimentos ou aos riscos derivados de produtosperigosos para a saúde humana; também a segurançafrente a doenças e enfermidades novas e transmissíveise as enfermidades respiratórias produzidas pelacontaminação; finalmente, segurança económicafrente ao trabalho precário e à desigualdade derendimentos. Estamos perante um conceito integrador,

Fot. 1 - Ataque às Torres Gémeas (fonte: www.mirrors.org).

Fot. 2 - Derrame provocado pelo Prestige(fonte: www.youngreporters.org).

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humanocêntrico que tem a sua génese na luta pelosdireitos humanos, e por uma vida digna e plena paratodos, ao nível ambiental, industrial, alimentar,segurança ante novos riscos tecnológicos e novasformas de trabalho, e não unicamente o fundamentoda ordem, ou seja, a perspectiva estatocêntrica a qualdeve ceder passo à perspectiva humanocêntrica,introduzindo a segurança humana como eixointegrador das políticas públicas.

Fundamentalmente, a segurança humana significauma vida livre de ameaças profundas aos direitosdas pessoas, à sua segurança e das próprias vidas.A segurança humana implica proteger as liberdadesvitais, proteger as pessoas expostas às ameaças e asituações difíceis, de tal modo que se possam criarsistemas com dispositivos de sobrevivência, dignidadee meios de vida. Isto é, a segurança humana não estásó relacionada com a ordem pública e a garantia documprimento das leis, mas abarca outras dimensõesdo ser humano e da relação deste com o seu contextosocial e natural, apelando não só à protecção, comotambém à prevenção e à habilitação das pessoaspara valerem-se a si mesmas em situação devulnerabilidade (fot. 3).

Neste quadro, o conceito de segurança humanaarticula-se, diria mesmo, integra-se, no conceito devulnerabilidade social ou vulnerabilidade dasegurança humana na sociedade de risco. (MENDES,2007:33-34)

A teorização dos novos riscos e da “sociedade derisco” não surge, assim, por acaso. Uma das ideiasfundamentais de ULRICH BECK, (1992) autor ao qual éatribuída a paternidade deste conceito, é a de que na“modernidade avançada” a produção social deriqueza é sistematicamente acompanhada pelaprodução social de novos riscos.

Beck sugere que aos conflitos da sociedade industrialque se centravam, sobretudo, na distribuição derecursos escassos, somam-se hoje outros conflitos queincidem sobre a produção, a definição e a distribuiçãodos riscos causados pelo próprio sistema industrial etecnológico. Giddens refere-se, por seu lado, aosriscos “manufacturados” pela aplicação datecnologia (GIDDENS, 1998: 35).

Os novos riscos são qualitativamente diferentes dosriscos da sociedade industrial. Embora reconhecendoque os países pobres são naturalmente maisvulneráveis aos riscos do que aos países ricos, Beckconsidera que os riscos tendem a ser “globais” comoos resultantes de mudanças climáticas (fot. 4)transcendendo as fronteiras nacionais, afectandopotencialmente toda a humanidade e todas as formasde vida animal e vegetal (BECK, 1992: 21, 22).

Este entendimento não é indiferente ao facto de osriscos serem indissociáveis dos processos daglobalização económica e social. Eles escapam domesmo passo às instituições de controlo e protecçãoda sociedade industrial e dos Estados. Uma outraideia central é que os cidadãos se tornam cada vezmais “socialmente reflexivos”, deixando de aceitarsem discussão novas tecnologias ou novos modelosprodutivos. Os riscos tendem a dominar o debatepúblico, dando origem a novos tipos de conflitos econtrovérsias (BECK, 1994: 27).

A sociedade parece revelar, inclusivamente, umahipersensibilidade ao risco, tomando consciênciade que os recursos que constituem a base da riquezadas sociedades estão cada vez mais poluídos e deque crescem as forças destrutivas. Deixa, assim, dese preocupar tão-só com os usos da Natureza deforma utilitária, como até agora, para se preocupar,cada vez mais, com as consequências gravosas dopróprio desenvolvimento urbano-industrial(GONÇALVES, 2003:94).

Fot. 3 - Mudança de paradigma na Segurança Humana(fonte: http://caldeiraodebolsa.jornaldenegocios.pt).

Fot. 4 - Mudanças climáticas (Fonte: http://d.yimg.com/br.yimg.com/pi/news/afp/j/071116/isgeait49161107113805photo00.jpg ).

Fis

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Uma das razões que explicam que as questões doambiente, da saúde pública e do consumo tenhamsido tão politizadas nos últimos tempos reside,precisamente, no facto de colocarem em cima damesa a questão do sistema político e da organizaçãodos processo de decisão. As controvérsias sobre osriscos tornam-se, assim, eixos centrais em torno dosquais ocorrem as transformações sociais e políticas.Por outras palavras, os riscos são social e“politicamente reflexivos”; contendo em si osingredientes de uma profunda crise do sistemapolítico, incluindo da relação entre a ciência e osprocessos políticos, que têm caracterizado o mundoocidental (BECK, 1992: 21), tornando, por isso,necessárias novas formas de regulação pública dossistemas produtivos (BECK, 1992:21).

Os trabalhos de Beck demonstram que apesar dosmundos naturais e sociais serem progressivamentemelhor conhecidos, nós, seres humanos cultos, somoscada vez menos donos do nosso destino, o futuroaparece-nos ameaçador, não havendo garantia desobrevivência da espécie humana.

As ciências sociais devem demonstrar, acima de tudo,o seu interesse em antecipar-se, captar a direcção demudança, e expor uma visão dos novos fenómenosque afectam a segurança humana de maneira a quepossam contribuir para se compreender qual é o novopapel do Estado e da comunidade neste século XXI.Numerosos fenómenos sociais, vale a pena repetir,desde a necessidade de segurança ambiental, desaúde, de alimentação, segurança política e jurídicapara a protecção de minorias, para a protecção dasmulheres, etc., têm no novo conceito de segurançahumana um espaço para a investigação ecompreensão deste novo conceito da sociedade dorisco. Os tempos em que a segurança do Estadoproporcionava tranquilidade suficiente parecem estara mudar substancialmente. Hoje, a segurança é umproblema do Estado, dos outros, nosso, da polícia,da comunidade? De todos? O que é a segurançapara cada um? Quem a garante? A insegurança éuma invenção dos “media”, um mito? Quais são asverdadeiras ameaças? Segurança e delito são amesma coisa?

Os anos finais do século XX foram um períodohistórico no qual se percebeu com maior nitidez asrápidas mudanças em muitas frentes: económicas,sociais, políticas, ambientais e culturais. Muitasdestas transformações são, em larga medida, frutodo processo de globalização e de uma sociedadeque já não se sente segura com os paradigmas damodernidade. Enfrentamo-nos, pois, perante novas

oportunidades para as pessoas e os povos, masque também deram lugar a novas desigualdades,medos e inseguranças.

“Estamos perante uma autêntica «Revolução Urbana»que sucede a «Revolução Industrial» que, por sua vez,sucedeu à «Revolução Agrícola» e recebe a herançahistórica da Civilização Greco-Romana do mundomediterrânico,” assevera Gonçalo Ribeiro Teles que,invocando a falta de planeamento e de cartografiadas vulnerabilidades sociais, se refere à cultura do“subúrbio”, a qual caracteriza actualmente a actividadeurbana entre nós (TELES, 2001:25).

A construção faz-se em qualquer lugar, mesmo queeste seja impróprio para tal. A desmesurada alturados edifícios é a causa de graves problemas deinsegurança, vandalismo, criminologia e roubo. Aconvivência social e a solidariedade social nesses“acampamentos” de cimento armado tambémdificilmente se estabelece.

O modelo suburbano, prossegue Ribeiro Teles,(2001:27) torna a estrutura metropolitana umlabirinto, onde dificilmente se circula fora dos grandeseixos viários; a circulação da água pluvial não tempercursos adequados; o contacto com a vida silvestrenão se verifica e o percurso a pé não é possível.

Não são criados espaços verdes residuais, deixadospelas construções amontoadas, e não são os parquesurbanos limitados por um perímetro desligado de todoo contexto ecológico e regional que resolvem osgrandes problemas resultantes da ausência de umaestrutura ecológica.

Na “cidade-região” do século XXI, não podem deixarde existir as ribeiras, as sebes e matas de protecção,os percursos pedestres, o recreio, as hortas, constituindo“contínuos naturais” harmoniosamente intercalado comos contínuos edificados. Em Portugal é necessáriomodificar o modelo suburbano por um planeamentoem que figure a agricultura urbana de frescos.

As “áreas metropolitanas” não podem deixar de incluirno seu contexto territorial a produção de frescos, aprotecção ambiental, o recreio a céu aberto e a“cidade” nas suas múltiplas funções sociais e culturais.

Não se compreende por isso que a Lei de Bases deOrdenamento do Território ainda estabeleça aclassificação do solo em “urbano” ou “rural”,abrindo a porta à especulação com prejuízo parauma política territorial equilibrada e sustentável(TELES, 2001:28).

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As controvérsias em torno dos riscos têm tido duasordens de consequências: a politização dos riscos,acompanhada da reclamação crescente peloscidadãos de modos mais democráticos eparticipativos de os gerir, e uma maior percepçãopública das condições de produção do conhecimentocientífico e das incertezas nele envolvidas.

Os “novos riscos” são, em grande parte, riscos“globais”. Os riscos ambientais e de saúde públicamais em foco nos últimos tempos transcendem asfronteiras nacionais. Por exemplo, a propagação dedoenças emergentes (como a Sida, a pneumoniaatípica) ou a disseminação de produtos alimentarescontaminados (fot. 5) acompanham o comércio demercadorias, a mobilidade das pessoas, a circulaçãodas tecnologias. A omnipresença do risco nasociedade contemporânea encontra-se, assim,estreitamente associada à sua globalização(GONÇALVES, 2002:6).

Num quadro de instabilidade e incertezas, asegurança assume um novo conceito, abrangendonão só a segurança individual ou nacional, mas sim asegurança global, motivando a redefinição dossistemas de informações e o papel das forçasarmadas, das forças de segurança e das forças desocorro e de assistência às populações.

Hoje a segurança vê o seu conceito ser alargado adomínios como a política, a economia, a diplomacia,os transportes, as comunicações, a saúde, o ambiente,etc., onde a imprevisibilidade aumenta as condiçõesde ocorrência de fenómenos com consequênciasdirectas ou indirectas sobre as populações. O aumentopopulacional (com forte desequilíbrio social), asmigrações (com reflexos étnicos e religiosos), asquestões ambientais (clima, alimentação e escassezde recursos naturais), o desenvolvimento tecnológico

e a sociedade de informação são factores importantespara repensar e redefinir a segurança na sociedadede risco (Pureza, 2002:45).

Perante a sensação de vulnerabilidade da sociedade,existe um conjunto de novas ameaças e riscos queagudizam o sentimento de insegurança das pessoas eassiste-se à crise do Estado Nação e do modeloestatocêntrico que o sustentou. “O sistema estatocêntricovê limitadas as suas capacidades para enfrentar algunsproblemas como desequilíbrios ambientais globais, adistribuição assimétrica da riqueza, a explosãodemográfica, a emigração clandestina ou o risco deconfrontação nuclear. O paradigma estatocêntrico nãotem capacidade explicativa e terapêutica para asnovas realidades que decorrem do processo deglobalização” (FALK, 2002:72).

De facto, uma das mais duras aprendizagens que osEUA e os Estados Nação aliados pareceram aprendercom o 11 de Setembro é que o inimigo queenfrentavam não era um Estado Nação soberano,mas uma rede, sem centro, que ameaçaconstantemente os limites entre interior e exterior, entreo global e o local. Como bem assinala Richard Falk,(2002:72-75) os fundamentos estruturais ereguladores da ordem mundial, parecem cada vezmais incapazes de oferecer um mínimo de segurançaa muitos povos do planeta.

“El Estado está siendo sutilmente deformado, encuanto a instrumento de bienestar humano, por ladinámica de la globalización que lo impulsa, endiferentes grados, hacia una relación desubordinación respecto a las fuerzas globales delmercado. En parte como repuesta a esto y en partecomo resultado de las deficiencias del secularismocomo fuente de realización humana, en muchosterrenos el Estado está perdiendo también sucapacidad para procurar los componentes sociales,económicos y materiales de la seguridad dentro desus proprias fronteras.” (FALK, 2002:75)

Esta perda de capacidade dos Estados tende, em simesmo, a perturbar o próprio processo degovernabilidade interna, levando alguns governos adiminuir os programas sociais e de bem estar doscidadãos, debaixo do estandarte da “lei e da ordem”num eufemismo para enquadrar/legitimar a penacapital, o aumento das forças policiais, melhor e maissofisticado armamento e prisões maiores. Os Estadose as suas sociedades dependem mais que nunca dosseus actos e omissões de outros, para a segurançadas suas gentes e, às vezes, para a sua própriasobrevivência. Um aspecto particularmente relevante

Fot. 5 - Gripe das Aves (fonte: http://fotoseimagens.blogs.sapo.pt).

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acerca da relação entre direito e controle na Internetmostra, de igual modo, a fragilidade da soberaniados Estados. A liberdade da rede converteu-se numamanifestação decisiva das liberdades públicas, (…)impondo uma revisão do paradigma da soberaniados Estados, sobretudo da sua soberania na Internet.Assim, o conceito de soberania na Internet passa dosujeito Estado para o sujeito “usuário”, incluso parao sujeito “red” (MOLES, 2004:20-21).

Em rigor, no quadro da mudança provocada pelaInternet, o mundo dos Estados Nacionais parecejá não existir. Situamo-nos, pois, no marco dodebate contemporâneo no qual se volta a colocaralgumas perguntas fundamentais: qual é o objectoda segurança: os povos, os Estados, a comunidadeinternacional, o indivíduo?; quem define asegurança?; quais são as condições da segurança?;segurança de que ameaças?; com que valores?;com que significado? Afinal, o que está a surgir oujá terá surgido? Estaremos à beira de um mundosem lei, face às rupturas dos limites da segurançainterna e externa, nacional e internacional, globale local?

Assumindo a complexidade da realidadecontemporânea podemos dizer, com Edgar Morinque, “toda a evolução é o logro de uma derivaçãocujo desenvolvimento transforma o sistema onde elamesma nasceu: desorganiza o sistema reorganizando-o. A incerteza irremediável da história humana. Ahistória humana que foi e continua a ser uma aventuradesconhecida” (PEREIRA 2006:37).

A humanidade não pode evitar o facto de quetenhamos sempre, como tarefa, aprender a enfrentaras incertezas e as adversidades que comporta oexistir, o viver.

No nosso mundo, a estabilidade política e asegurança do Estado estão ameaçadas por muitosfactores que excedem as capacidades inerentes dasua própria soberania. A pobreza, as doençastransmissíveis, a degradação do ambiente, as criseseconómicas, o terrorismo, as armas de destruiçãomassiva, o crime organizado internacional, há quevê-los em termos das tendências globais e forçasque afectam os indivíduos e as comunidades,perante os quais o Estado se encontra limitado paraos evitar e proteger os seus cidadãos – eis a crisedo Estado Estatocêntrico, o Estado que não podefazer tudo sozinho.

Essas tendências incluem, ainda, a pressão sobre osrecursos renováveis, tráfico de drogas, tráfico de seres

humanos, o rápido desenvolvimento do capitalismoselvagem, desigualdade, miséria humana e a epidemiada sida e muitas outras – vulnerabilidades sociaisgeradoras de inseguranças. Estará o Estado impotenteperante estas vulnerabilidades? Poderá superá-las semuma efectiva cooperação internacional?

A análise que vimos fazendo coloca a seguintequestão-chave: como fazer com que o Estadoabandone a sua actual predisposição para umaglobalização baseada no mercado e conseguir quemanifeste um maior grau de receptividade para umaglobalização orientada para as pessoas, capaz dedar corpo a uma governabilidade humanizada doplaneta? (FALK, 2002:75)

Como fazer com que, a segurança básica, os direitoshumanos, os temas sociais globais, como a protecçãodo ambiente, sejam resolvidos cooperativamente?Esta vulnerabilidade é “um sinal dos tempos” ou umtraço característico desta época, posto que não sesabe donde podem proceder os perigos que não põemem risco unicamente o Estado, mas que podem atentardirectamente contra a vida individual de cada cidadão?

Para concluir importa referir que embora muitas vezesse tenha considerado a globalização como sinónimode americanização, neste mundo de liberalizaçãocrescente, vão nascendo numerosas iniciativas eactividades que se apoiam na necessidade deextensão dos novos direitos sociais e de prevençãode riscos, dando sentido a esta nova ideia desegurança humana como superação de uma visãoestatocêntrica, frente a uma visão humanocêntrica dasegurança, ou seja, um conceito que permite integraras diferentes dimensões que encerra a insegurançado ser humano.

O carácter multidimensional da segurança humanafaz com que o desafio principal para aadministração pública, hoje em dia não seja centrar-se não tanto na segurança em sentido estrito, masantes abordar de forma equilibrada e integradatodos os aspectos da segurança humana, os quaisestão relacionados entre si.

Em última instância, a estabilidade e a segurançasomente se podem obter corrigindo e eliminando ascausas subjacentes à violência e à guerrilha urbanas(fot. 6), assim como as causas inerentes à prevençãodos riscos de saúde e da vida diária. Estas causasnão podem ser alheias aos objectivos dos governos eda administração pública, devendo proporcionarprotecção geral aos cidadãos, com a participaçãosocial desses mesmos cidadãos e cidadãs.

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Quais as principais vulnerabilidades em Portugal?

Como bem assinala Severiano TEIXEIRA (2004:5), “atéhá bem pouco tempo a Segurança Internacional e aSegurança Interna eram realidades distintas e bemdelimitadas. A Segurança Internacional era umaquestão, exclusivamente, entre Estados que dispunhampara lhe fazer face de dois instrumentos fundamentais:a diplomacia para o tempo de Paz e as forças armadaspara o tempo de Guerra. A Segurança Interna eraoutra coisa que se desenrolava e resolvia,exclusivamente, no interior dos Estados. Era oproblema da criminalidade e da insegurança, faceao qual o Estado dispunha de dois outrosinstrumentos: o direito penal e a repressão policial”.

Hoje, esta realidade é muito mais complexa e os limitesmuito mais fluidos, porque embora continuem a existirameaças à segurança que são, exclusivamente,internas e ameaças à segurança que são,exclusivamente, externas, coexiste, simultaneamente,um espectro muito alargado de ameaças que têmorigem no exterior, que atravessam as fronteiras dosEstados, que escapam ao seu controlo e semanifestam no interior dos Estados.

“São ameaças transnacionais como o crimeorganizado, o narcotráfico, o terrorismotransnacional e outras, que determinam atransnacionalização do fenómeno da segurança eexigem não só novas perspectivas de análise, mastambém e sobretudo novas políticas de segurança”(TEIXEIRA, 2004:5).

Ora, de acordo com os actuais paradigmas dasameaças e dos riscos, e para lhes fazer face, aSegurança é de âmbito mais alargado, envolvendomais valências e capacidades que a Defesa; esta éuma componente da Segurança Alargada, que integraoutras dimensões, designadamente a Protecção Civil.

Hoje, no quadro da Segurança Humana, o objectivoda grande segurança é a protecção do cidadão,modelo humanocêntrico, e não apenas do Estado-Nação, Território, ou seja, o Estado Estatocêntrico,daí que tenham tanta importância ameaças como oTerrorismo Transnacional, a Criminalidade Orga-nizada, as epidemias globais, etc.

No fundo, a segurança é uma, como bem assinala oSenhor General Garcia Leandro, devendo serconcebida no topo do Estado, sendo responsável pelasua concepção o chefe do Governo, o que significaque as suas componentes (segurança interna,segurança externa e segurança, protecção e socorro)não podem ser desenvolvidas, trabalhadas eimplementadas de modo parcial ou isolado(LEANDRO, 2007:88).

Os Ministérios da Soberania (Negócios Estrangeiros,Defesa, Administração e Justiça), assinala o mesmoGeneral, têm áreas de sobreposição e daí que não sepossa continuar a trabalhar em cilindros estanques enuma relação apenas verticalizada. Por outro lado,para que possa haver segurança deve existircoordenação entre os sistemas e dar àqueles que seencontram no terreno todas as informaçõesnecessárias de modo transversal. O mesmo deveocorrer na área operacional executiva. “O nossoproblema é existirem pessoas com funçõesconjunturais de responsabilidade em matérias desegurança (…) que julgam que a questão se esgotano seu serviço; olham apenas para o seu umbigo etêm enormes dificuldades em trabalhar em conjunto”(LEANDRO, 2007:88).

Não tendo Portugal sido atingido, felizmente, poracidentes ou catástrofes do tipo Nova Iorque, Madride Londres, sem esquecer Bali, Rabat, Istambul ou NovaOrleães, é de perguntar até que ponto estaríamospreparados para responder com o mínimo de eficáciae prontidão a tais situações?

Segundo o General Garcia Leandro, “a resposta sópode ser um rotundo NÃO. É com vergonha que oreconheço, bastando recordar o que se passou em2002, com o desastre da Ponte de Entre-os-Rios emCastelo de Paiva (fot. 7), quer pelas razões queestiveram na sua origem, quer pelo modo amador,assustado e improvisado como essa crise foi gerida.No mundo actual não se pode funcionar naquelesmoldes” (LEANDRO, 2007:16).

Fot. 6 - Guerrilha urbana (fonte: www.sindmetalsjc.org.br).

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Mas, todos os anos, somos vít imas dasconsequências das mudanças climáticas que estãoem curso, tanto durante o tempo quente, como asgrandes chuvadas, não estando só em causa o nossointerior e as florestas, mas também a nossa costaque, se bem tratada, é uma das áreas que maisreceitas pode proporcionar e que tem vindo a serprogressivamente destruída. E tudo se repeteanualmente sem grandes melhorias significativas.Grande parte dos desastres que têm afectado onosso ecossistema é consequência da falta de umcorrecto, devidamente cumprido e acompanhadoordenamento territorial. “Se as Autarquias têm sidoresponsáveis por grande parte do desenvolvimentodo País, reconhecimento que deve ser feito são, emmuitos casos, as grandes responsáveis, não só pelosgravíssimos atentados ambientais que têm ocorridoe que estão à vista de todos, como também pelafalta de prontidão da Protecção Civil nas suas áreasde responsabilidade. Estamos, como sociedadenacional, já a pagar o preço de omissões e dedecisões desastradas, o que se pode agravar nofuturo” (LEANDRO, 2007:16).

Que Protecção Civil temos nós?

No quadro da Lei de Bases n.º 27/2006 de 3 deJulho, a protecção civil é a actividade desenvolvidapelo Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais,pelos cidadãos e por todas as entidades públicas eprivadas com a finalidade de prevenir riscoscolectivos inerentes a situações de acidente graveou catástrofe, de atenuar os seus efeitos, proteger esocorrer as pessoas e bens em perigo quandoaquelas situações ocorram.

Entre outros, são objectivos (fig. 1) fundamentais daprotecção civil:· Prevenir riscos colectivos e ocorrência de acidente

grave ou de catástrofe deles resultante;· Atenuar os riscos colectivos e limitar os seus efeitos

no caso das ocorrências.

Estamos preparados para responder a estes desafiosde socorro, designadamente em termos de inundações(fot. 8), explosões e incêndios industriais (fot. 9), emedifícios de grande altura (fot. 10) e florestais (fot. 11)?

Fot. 7 - Desastre da Ponte Entre-os-Rios (fonte: www.rtp.pt).Fig. 1 - Objectivos da Protecção Civil.

Fot. 8 - Inundações(fonte: http://divagacoesaoluar.files.wordpress.com).

Fot. 9 - Explosões e Incêndios industriais (fonte: http://g1.globo.com).

Fot. 10 - Incêndios em edifícios degrande altura (fonte: http://911research.wtc7.net/talks/b7/docs/la_fire_lg_c.jpg ).

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A actividade da protecção civil, exerce-se nosseguintes domínios:a) Identificação, levantamento, previsão, avaliação

e prevenção dos riscos colectivos; - Quem faz?Existe uma Carta de Risco Nacional?

b) Análise permanente das vulnerabilidades perantesituações de risco; - Quem procede a esta análise?Existe uma cartografia das vulnerabilidadessociais, por ex.?

c) Estudo de soluções para “controlo” dos Riscos erespectiva intervenção perante a iminência ouocorrência dos mesmos. Quem faz?

d) Existe o risco quantificado numa dada comunidade(por exemplo: município, distrito ou região), por formaa que se elaborem planos de Emergência (de caráctergeral ou especial) e, como tal, alertem, preparem ehabilitem as próprias comunidades para respostascéleres e eficazes em situação de emergência?

e) O processo de planeamento de emergência émultidisciplinar e plurisectorial, em que o nívelinferior (municipal) é apoiado pelo nível superiordistrital, envolvendo entidades locais, regionais ounacionais, partilhando informação e cooperandode acordo com os riscos envolvidos e respeitandoo princípio da proporcionalidade?

Em suma, pode haver um sólido e seguro planeamentode emergência sem um adequado processo de gestãode risco?

Não pode. A implementação de um processo degestão de risco (em que a comunicação e a consultasão imprescindíveis para garantir o empenho/participação dos parceiros envolvidos) torna-sedecisivo no processo de planeamento de protecçãocivil, possibilitando agilizar procedimentos erentabilizar os recursos humanos e materiaisnecessários para as operações de emergência, tendocomo objectivo a - segurança da comunidade.

Sem este processo de identificação e avaliação dosriscos, como sabemos que estamos em perigo e se

estamos ou não protegidos e preparados contra osriscos existentes?

Como saberemos o que nos ameaça, comopoderemos ou não proteger-nos e como deveremosreagir no caso de ameaça se concretizar?

Como saberemos se se justifica ou não montar umsistema de gestão de crises e para que fim estaremosrealmente a fazê-lo?

Quais os riscos que aceitamos, quais os que nãoaceitamos e relativamente a estes últimos, quais osque conseguimos eliminar ou apenas reduzir?

Que medidas iremos adoptar/implementar parareduzir as vulnerabilidades identificadas?

Se o lugar do cidadão no quadro do conceito desegurança humana “é no coração da protecçãocivil”, o que está a ser feito para desenvolver acapacidade de antecipação, antevendo, prevendoe preparando, habilitando as comunidades para asua própria defesa?

Se a protecção Civil é uma responsabilidadepartilhada, é esta, internacionalmente, a actual linhade força, o que está a ser feito entre nós, em ordem auma cultura e pedagogia da Protecção Civil?

É perceptível, entre nós, a partilha deresponsabilidade entre cidadãos, empresas,municípios, governo, comunicação social,organizações da economia social, nas principaisdimensões de Protecção Civil, que são a prevenção,a protecção e a preparação para a emergência?Como se faz?

O estabelecimento de uma Cultura de Protecção Civilsignifica que a população adopte, individual ecolectivamente, valores, atitudes e comportamentosfundados nos seguintes moldes:- A tomada de consciência sobre os riscos existentes;- A necessidade de se proteger e de se preparar face

à manifestação eventual dos riscos;- A responsabilidade de cada um perante esses riscos;- A solidariedade que uma moderna sociedade deve

fazer prova.

Significa também poder contar com o empenho decidadãos informados, com conhecimentos sobre osperigos, sobre as normas de prevenção e auto-protecção e capazes de se integrarem naorganização colectiva de resposta à emergência(MARTINS, 2004:34).

Fot. 8 - Incêndios florestais (fonte: www.shm.com.au).

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Treinar as pessoas é garantir o seu nível de informaçãoe formação, motivação e empenhamento e a criaçãode mecanismos colectivos de intervenção; Quem faz?O que deve fazer o Estado?

O Estado tem um papel fundamental a desempenharno que concerne à regulação e orientação cultural epedagógica de uma moderna Organização deProtecção Civil:- Elaborando estratégias de prevenção, protecção,

resposta e reabilitação;- Afectando os meios necessários;- Recorrendo, quando necessário, a meios de

excepção;- Sensibilizando, informando, formando e

responsabilizando a população;- Articulando políticas com as Associações

provenientes da Sociedade Civil.

De tudo isto, o que está a ser feito, por quem, ondee como?

Ao nível da estratégia de investigação do risco,parece hoje claro que é na base da Organização daProtecção Civil – o Município – que deve centrar-se omaior esforço.

Qual é então o principal dispositivo ou forças desocorro de que dispõe o sistema de Protecção Civil?

“A componente operacional do sistema são osbombeiros voluntários, são a espinha dorsal (fig. 2).Eles cumprem mais de 90% das missões de protecçãocivil e tendem a ser profissionais na sua acção. Sãovoluntários, mas têm de tender a estar disponíveis parareceber uma formação cada vez mais abrangente equalificada. Não me parece que exista o risco de osistema soçobrar por estar assente em voluntários.

Eles dependem de nós sobre o ponto de vistaoperacional e isso decorre de uma situação em que,até hoje, não tem havido quebras de solidariedade.O que está em causa não é o cooperativismo dosbombeiros ou o cooperativismo da GNR, a missão é

proteger as pessoas e o património, por isso creioque os protocolos não podem deixar de sercumpridos.” (A. CRUZ, 2007:34)

Se o socorro depende, em cerca de 90%, dos Corposde Bombeiros Voluntários, há condições para agircom prontidão e eficácia na 1.ª intervenção?

Quando falamos apenas em dependênciaoperacional, quem garante a mobilização dosefectivos e a sua formação? Quem manda nasAssociações que suportam os Corpos de Bombeiros?A quem prestam contas?

Não é verdade que o sistema de resposta assente novoluntariado funcionasse bem quanto àmodernização. Existe uma lei nova. Quantosmunicípios estão preparados para a protecção civilou têm condições para o desenvolvimento de padrõesaceitáveis de prevenção, protecção e resposta asituações de crise? Que papel está reservado à figura(tão contestada por alguns) do ComandanteOperacional Municipal?

E como estamos quanto aos dispositivos de respostaa situações de socorro e de emergência?

O artigo 46.º da Lei de Bases da Protecção Civil,designa como agentes de Protecção Civil com as suasatribuições próprias:a) Corpos de bombeiros;b) As forças de segurança;c) As forças armadas;d) As autoridades marítima e aeronáutica;e) O INEM e demais serviços de saúde;f) Os sapadores florestais.

No n.º 4 deste artigo, refere-se que os agentes se articulamoperacionalmente nos termos do SIOPS (SistemaIntegrado de Operações de Protecção e Socorro).

Se o sistema assente no voluntariado garantisse, comprontidão, a 1.ª intervenção, qual a necessidade doGoverno em propor a criação de 200 equipas deprimeira intervenção nos corpos de bombeiros?

Se existe falta de disponibilidade (não de vontade,nem de altruísmo) para a 1.ª intervenção, haverádisponibilidade para a formação?

Não é verdade que, em muitos quartéis, a instrução eo treino não é levada à prática com regularidade?

Como é que podemos ter bombeiros qualificados senão houver, por parte dos comandantes, uma

Fig. 2 - Dispositivo de socorro ao nível dos bombeiros.

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política adequada de formação contínua semanal(no mínimo)?

Existe alguma lógica operacional/técnica explicitapara a actual distribuição geográfica dos corpos debombeiros? A formação e os equipamentos estãonormalizados, quer se trate de corpos de bombeirosvoluntários ou profissionais?

Como se justifica termos apenas 24 bombeirosvoluntários certificados, ou seja, habilitados com oCertificado de Aptidão Profissional (CAP), aprovadopela Portaria n.º 247/2004 de 6 de Março, segundodados facultados pela própria ENB?

É possível enumerar muitas questões sobre asvulnerabilidades do sistema de socorro, desde a faltade prevenção de riscos profissionais dos agentes desocorro, à disparidade de formação de muitos Corposde Bombeiros, à falta de homogeneidade dosprogramas formativos, à formação semconsequências, etc. No entanto, em boa medida, todosconcordamos que a formação (séria) competente é oprincipal vector de mudança nos bombeiros?

Digamos não à falta de Qualidade. Digamos sim aoVoluntariado com espírito profissional, enquadradoem novos padrões organizativos e operacionais e àsua pedagogia, “porque, só se constrói o que não éde ninguém, só se destrói o que não se ama”.

São muitas as ocasiões em que os indivíduos e ascomunidades podem contribuir directamente paraidentificar e pôr em prática soluções entre os múltiplosaspectos que supõem insegurança humana. Asegurança do Estado e a segurança humana reforçam--se e dependem mutuamente uma da outra. Velandopela segurança humana ampliam-se as verdadeirasliberdades de que desfruta a pessoa. Fomentar acapacidade da pessoa para trabalhar em seu nomee em nome dos outros é uma das premissas destepensamento acerca da segurança. Ora, fomentandoessa capacidade diferencia-se a segurança humana,da segurança do Estado. A habilitação das pessoaspara a segurança é importante já que desenvolve opotencial que cada um tem como indivíduo ou comocomunidade. Favorecer essas capacidades ereconhecer o seu papel é um dos reptos do novo“estado regulador” que terá que gerir reconhecer epromover o papel dos movimentos e da participaçãodos cidadãos na sua própria segurança.

O caso ainda recente do Prestige demonstra quecomeçam a existir fortes sinais de civismo e vitalidade;

que a comunidade não espera, sabendo que éimpossível que o Estado intervenha e que resolva tudo.Não é necessário, menos estado e mais mercado, masintegrar a comunidade na gestão. Ou seja, o Estadodemocrático, sem reforço, passa pela potenciação dacomunidade integrada na gestão pública, quer dizerum modelo de Estado Comunidade.

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