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Ciro Andrade da Silva Os caminhos e descaminhos da Política de habitação em Portugal e no Brasil no contexto de crise econômica do início do século XXI Tese de doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social Orientador: Prof. Rafael Soares Gonçalves Rio de Janeiro Dezembro de 2015

Tese de doutorado - PUC-Rio€¦ · Urbanismo da UFMG, com quem tive o privilégio de estudar. A equipe de funcionários do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio na pessoa

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Ciro Andrade da Silva

Os caminhos e descaminhos da Política de habitação em Portugal e no Brasil no

contexto de crise econômica do início do século XXI

Tese de doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social

Orientador: Prof. Rafael Soares Gonçalves

Rio de Janeiro Dezembro de 2015

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PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211332/CA

Ciro Andrade da Silva

Os caminhos e descaminhos da Política de habitação em Portugal e no Brasil no

contexto de crise econômica do início do século XXI

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Departamento de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Rafael Soares Gonçalves Orientador

Departamento de Serviço Social – PUC-Rio

Profª. Andréia Clapp Salvador Departamento de Serviço Social - PUC-Rio

Profª Valéria Pereira Bastos Departamento de Serviço Social -PUC-Rio

Profª Virgínia Alves Carrara UFOP

Prof. Bruno José da Cruz Oliveira

UNIRIO

Profª Mônica Herz

Vice-Decana de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 2015

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução

total ou parcial do trabalho sem autorização da

universidade, do autor e do orientador.

Ciro Andrade da Silva

Graduou-se em Serviço Social pela Universidade

Federal Fluminense (UFF), em 2004. Fez mestrado em

Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela

Universidade Candido Mendes (UCAM) 2007.

Trabalhou como Assistente Social na Universidade

Federal de São João Del Rei (UFSJ) entre (2008-2009).

É professor efetivo da Universidade Federal dos Vales

do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) desde 2009, tendo

atuado em cargos de gestão como chefe de departamento

e Coordenador de curso de graduação. Durante a

realização do doutorado em Serviço Social pela

Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

(2012-2015) fez intercambio de imersão na cultura no

Chile no âmbito da Universidade Mayor em Santiago

(U-Mayor), também realizou est ágio doutoral em

Portugal no âmbito do Laboratório Nacional de

Engenharia Civil (LNEC) em Lisboa, onde foi bolsista

da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa

do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) na modalidade

doutorado sanduíche.

Ficha Catalográfica

CDD: 361

Silva, Ciro Andrade da Os caminhos e descaminhos da política de habitação em Portugal e no Brasil no contexto de crise econômica do início do século XXI / Ciro Andrade da Silva; orientador: Rafael Soares Gonçalves. – 2015. 254 f.: il.; 30 cm Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Serviço Social, 2015. Inclui bibliografia. 1. Serviço social – Teses. 2. Habitação. 3. Portugal. 4. Brasil. 5. Crise econômica. 6. Movimentos sociais. I. Gonçalves, Rafael Soares. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Serviço Social. III. Título.

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Dedico esse trabalho aos meus pais, Dona Valdinha e

Seu Marciano de Bertópolis - MG, gente simples

trabalhadores, por me incentivar a seguir “caminhando e

cantando e seguindo a canção” e construindo o meu

próprio caminho, desde que eu tinha 17 anos e sai de casa

para estudar.

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Agradecimentos

Ao professor e orientador Rafael, responsável por todas as minhas conquistas

durante o doutorado, sua firmeza, tranquilidade, ética e profissionalismo o torna, na

minha concepção, um grande educador.

Agradeço a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio

de Janeiro (FAPERJ) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-

Rio) o apoio de fomento que foi fundamental para realização da pesquisa

comparada.

A Marluci que me recebeu em Portugal de braços abertos para o estágio de

doutorado no exterior. Carinhosamente chamada por mim de “engenheira”. Tornou-

se tão querida

Aqueles que contribuíram com a minha pesquisa em Portugal oferecendo seu

corrido tempo para as entrevistas.

Aos professores do Programa de Pós Graduação em Serviço Social: Inês Stampa,

Andreia Klapp, Irene Rizzini, Marcio Broto, Denise e Rafael, agradeço pelos

momentos de troca de experiências nas disciplinas cursadas. Também agradeço ao

professor Roberto Monte-Mor do programa de Pós-Graduação em Arquitetura e

Urbanismo da UFMG, com quem tive o privilégio de estudar.

A equipe de funcionários do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio na pessoa

da Joana, sempre dispostos a atender os alunos.

Aos amigos e colegas de profissão “Amada”, “Angel” e “Dr. Pirarucu Perez”, pela

disponibilidade em me ouvir quando queria falar da tese, obrigado pela atenção e

disponibilidade em contribuir para o aprimoramento desse trabalho.

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Andreia Clapp pelas sugestões para aperfeiçoar desse trabalho desde o processo de

qualificação, de lá pra cá “mudei tudo”. E a Valéria Bastos, Bruno e Virginia por

aceitar o desafio de fazer novas reflexões.

Aos colegas Marcio Souza, Sabrina, Mariane e Hélio, da turma do doutorado,

obrigado companheirismo.

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Resumo

Silva, Ciro Andrade da; Gonçalves, Rafael Soares. Os caminhos e

descaminhos da Política de habitação em Portugal e no Brasil no contexto

de crise econômica do início do século XXI. Rio de Janeiro, 2015. 254p.

Tese de Doutorado – Departamento de Serviço Social, Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

As primeiras estratégias de produção de moradia popular em Portugal e no

Brasil iniciaram-se ainda no século XIX com a construção das vilas operárias. Já

no século XX, nos dois países, os casos de imigração interna do campo para a cidade

influenciaram no recrudescimento dos problemas urbanos. Em Portugal, observa-

se o aparecimento dos bairros clandestinos, chamados de bairros de barraca e/ou

bairros de lata, e, no caso brasileiro, observa-se a questão fundiária, que está na raiz

dos problemas de acesso ao solo rural e urbano. Isso intensificou os problemas

habitacionais com a expansão das favelas e loteamentos precários nas periferias.

Nas duas realidades, desenvolvem-se, a partir do século XX, as primeiras

intervenções públicas no âmbito da moradia. Destacam-se, em Portugal, os

programas de Casas Econômicas, ainda no período do Estado Novo, assim como,

mais recentemente, o Programa Especial de Realojamento. Já no Brasil, iniciou-se

com os IAPs e a Fundação da Casa Própria. Porém, essa questão ganhou destaque

somente com a implantação do BNH, no regime militar. Em ambos os casos, mesmo

com os somados esforços, as ações públicas não foram suficientes para solucionar

os problemas habitacionais. Um dado agravante: em muitos casos, essas aparentes

soluções transformaram-se em problemas, aumentando a exclusão das camadas

mais pobres. De qualquer forma, nas duas realidades, grande parte da população

viu-se obrigada a procurar a solução da habitação pela via da iniciativa privada,

tanto pelo mercado formal, quanto pelo informal. Além da contextualização

histórica das políticas habitacionais nesses dois países, o presente trabalho pretende

focar, sobretudo, na política habitacional atual, construída em um contexto de crise

econômica, principalmente, a partir de 2008. Em Portugal, os investimentos para

provisão da habitação direta diminuíram de forma significativa. No entanto, no

Brasil, há um grande volume de recursos investidos, no Programa Minha Casa

Minha Vida, para a construção de moradia popular em detrimento de projetos de

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regularização de favelas. Além da análise das políticas atuais habitacionais, este

trabalho busca compreender as formas de mobilização política dos movimentos

sociais no contexto da habitação. No cenário português, as medidas de austeridade

provocaram o surgimento de movimentos sociais pelo direito à habitação e à

cidade. Da mesma forma, no Brasil, os movimentos sociais urbanos, que têm uma

trajetória consolidada de luta nesse país, intensificam a discussão sobre o acesso

mais democrático à cidade. Fruto da experiência de estágio doutoral, realizado em

Lisboa, o presente trabalho busca analisar e comparar, a partir de uma extensa

pesquisa bibliográfica e documental, além de entrevistas com gestores,

pesquisadores e militantes em Portugal e no Brasil, as características da política

habitacional em ambos os países em um contexto da crise econômico-financeira.

Palavras-chave

Habitação; Portugal; Brasil; Crise Econômica; Movimentos Sociais.

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Abstract

Silva, Ciro Andrade da; Gonçalves, Rafael Soares. (Advisor). The right and

wrong paths of housing policy in Portugal and Brazil in the context of

economic crisis of the early twenty-first century. Rio de Janeiro, 2015.

254p. Doctoral Thesis – Departamento de Serviço Social, Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The first affordable housing production strategies in Portugal and Brazil have

begun in the nineteenth century with the construction of villages for workers. In the

twentieth century, in both countries, cases of internal migration from the

countryside to the city influenced the resurgence of urban problems. In Portugal,

the appearance of illegal neighborhoods, called slums or tent neighborhoods and in

Brazil, the land issue is observed, which is at the root of the problems of access to

rural and urban land. This intensified the housing problems with the expansion of

slums and precarious housing developments on the outblocks. In both realities,

develop, from the twentieth century, the first public interventions within the

housing. They stand out in Portugal, Economic homes programs, even in the New

State period, and more recently, the Special Re-housing Programme. In Brazil, it

began with the IAPs and the Fundação da Casa Própria. However, this issue has

gained prominence only with the implementation of BNH, in the military regime.

In both cases, even with the combined efforts, public actions were not enough to

solve the housing problems. An aggravating fact: in many cases, these apparent

solutions became problems by increasing the exclusion of the poorest. Anyway, in

both realities, much of the population was forced to find a solution to the housing

via the private sector, both the formal and informal Marke. In addition to the

historical context of housing policies in these two countries, this paper intends to

focus mainly on current housing policy, built in a context of economic crisis, mainly

from 2008. In Portugal, investments for provision of direct housing decreased

significantly. However, in Brazil, there is a large volume of funds invested in the

program Minha Casa Minha Vida, for the construction of affordable housing at the

expense of slum regularization projects. In addition to the analysis of current

housing policies, this study seeks to understand the ways of political mobilization

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of social movements in the context of housing. The Portuguese scenario, the

austerity measures led to the emergence of social movements for the right to

housing and the city. Similarly, in Brazil, the urban social movements, which have

an established record of struggle in that country, intensify the discussion on more

democratic access to the city. Product of doctoral internship experience, held in

Lisbon, this paper aims to analyze and compare, from an extensive bibliographic

and documentary research, interviews with managers, researchers and activists in

Portugal and Brazil, the characteristics of housing policy of both countries in a

context of economic and financial crisis.

Keywords

Housing; Portugal; Brazil; Economic Crisis; Social Movements.

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Sumário

1. Introdução 21

2. A questão urbana na sociedade capitalista e sua relação com a habitação: repercussões em Portugal e Brasil

29

2.1. A questão urbana nos moldes do capital 29

2.2. O desenvolvimento urbano em Portugal: o que isso tem a ver com a habitação

40

2.2.1. Para iniciar a conversa: A história urbana em Portugal

40

2.2.2. O desenvolvimento urbano no século XIX e as primeiras alternativas à demanda por moradia

42

2.2.3. O desenvolvimento das cidades no século XX e sua relação com as proporções que tomaram a dinâmica habitacional

48

2.3. O desenvolvimento urbano no Brasil: questão fundiária e a relação com a habitação

56

2.3.1. Para início de conversa: a questão urbana no Brasil

56

2.3.2 Um debate obrigatório: A lei de terras na centralidade da questão fundiária no Brasil

60

2.3.3. Brasil no século XX, processo de urbanização e alternativas de moradia

65

2.4. Ambiguidades e semelhanças no percurso dos problemas urbanos no Brasil e em Portugal

72

3. Os caminhos e descaminhos da política pública de habitação em Portugal e no Brasil

75

3.1. O desenvolvimento de uma política pública de habitação em Portugal

76

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3.1.1. As experiências da habitação no Estado Novo 77

3.1.2. A habitação, a partir de 25 de abril de 1974, pós-Revolução dos Cravos

81

3.1.3. A experiência dos Programas no campo do Realojamento

86

3.1.4. A Experiência dos programas no campo da reabilitação urbana

89

3.1.5. Balanço dos recentes investimentos em habitação 91

3.2. Os caminhos e descaminhos da política de habitação no Brasil

93

3.2.1. A presença do Estado na política de habitação 93

3.2.2. A experiência do Banco Nacional de Habitação (BNH)

98

3.2.3. As experiências de habitação no período da Nova República

101

3.2.4. O percurso para uma nova política de habitação: uma trajetória de caminhos e descaminhos

107

3.3. Ambiguidades e semelhanças no percurso da política habitacional em Portugal e no Brasil

112

4. A crise econômico-financeira e as políticas de habitação para o século XXI: repercussões nas realidades portuguesa e brasileira

116

4.1. Contexto da crise econômico-financeira de 2008: conjunturas portuguesa e brasileira

116

4.1.1. Repercussões da crise em Portugal 125

4.1.2. Repercussões da crise no Brasil 131

4.2. Políticas de habitação pensadas para Portugal no século XXI: um debate a respeito do Plano Estratégico de Habitação

135

4.2.1. Balanço da realidade habitacional 136

4.2.2. Orientações para a política de habitação 139

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4.2.3. Para onde caminha o Plano Estratégico Nacional de Habitação em Portugal? A visão dos pesquisadores elaboradores e dos gestores

144

4.3. O Programa Minha Casa Minha Vida no Brasil: uma nova política de habitação para o século XXI

154

4.3.1. O Minha Casa Minha Vida: muitos olhares 163

4.3.2. O Minha Casa Minha Vida Entidades 167

4.3.3. Olhares sobre o Minha Casa Minha Vida-Entidades: Dimensões política, econômica e social

169

4.4. Ambiguidades e semelhanças na realidade Portuguesa e Brasileira no limiar do século XXI, no campo da habitação

172

5. “Minha Casa Minha Luta”: movimentos sociais urbanos e formas de resistência em contextos luso-brasileiros em crise

176

5.1. As necessidades dos movimentos sociais urbanos 176

5.2. Formas de resistência em Portugal: a atuação do “Habita - Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade” na região metropolitana de Lisboa

179

5.2.1. Sobre a desventura daqueles que precisam de casa em Portugal

188

5.3. As formas de resistência urbana no Brasil: as experiências do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

202

5.3.1. Sobre a experiência da Ocupação Manuel Congo, na cidade do Rio de Janeiro pelo Movimento Nacional de Luta Pela Moradia- MNLM

204

5.3.2. Sobre a experiência de ocupação “07 de abril” na cidade de Niterói pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

210

5.3.2.1. Notas sobre a memória do MTST 210

5.3.2.2. Sobre o drama de não ter casa na Cidade de Niterói 212

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5.3.2.3. Sobre a ocupação 07 de abril 217

5.4. Ambiguidades e semelhanças nas formas de resistência, por parte dos movimentos sociais urbanos, em Portugal e no Brasil

224

6. Considerações finais 228

7. Referências bibliográficas 236

8. Apêndices 247

8.1. Apêndice 1 – Roteiro de entrevista – Pesquisadores e Elaboradores de Política Urbana em Portugal

247

8.2. Apêndice 2 – Roteiro de entrevista – Gestores da política urbana - Portugal

248

8.3. Apêndice 3 – Roteiro de entrevista – líder do Habita – Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade – Portugal

249

8.4. Apêndice 4 – Roteiro de entrevista – Moradores em Portugal

250

8.5. Apêndice 5 – Roteiro de entrevista - representante do Conselho Nacional de Cidade - ConCidades – Brasil

250

8.6. Apêndice 6 – Roteiro de entrevista – Líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) - Brasil

251

8.7. Apêndice 7 – Roteiro de Entrevista – Líder do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM)

252

8.8. Apêndice 8 – Roteiro de entrevista – moradores – Brasil

253

8.9. Apêndice 9 – Roteiro de entrevista – Pesquisador LabHab/USP- Brasil

254

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Lista de quadros

Quadro 1- População do País, população urbana e população de Lisboa e Porto (1864-1940)

43

Quadro 2- Habitações da classe média em “ilhas” construídas no Porto, 1898 –1900

46

Quadro 3- Evolução da População do País e da População urbana (destaque: Lisboa e Porto) (1900-2011)

51

Quadro 4- Brasil população 1940-2010 68

Quadro 5- Programas de promoção pública da habitação no Estado Novo (1933-1974)

78

Quadro 6- Programas lançados pós 25 de abril de 1974 83

Quadro 7- Programas de Realojamento 87

Quadro 8- Programas de Reabilitação Urbana 89

Quadro 9- Dotações orçamentadas e despendidas no período de 25 anos (1987 e 2011)

92

Quadro 10- Iniciativas de habitação até meados do século XX

93

Quadro 11- Os caminhos da nova política de habitação no Brasil

108

Quadro 12- Portugal -alojamentos clássicos segundo os censos

136

Quadro 13- Portugal - População residente, famílias e alojamentos

138

Quadro 14- Padronização da habitação para famílias com até três salários mínimos

157

Quadro 15- Programa Minha Casa Minha Vida Fases 1 e 2 modalidade empresa

161

Quadro 16- Programa Minha Casa Minha Vida fases 01 e 02: modalidade entidades

169

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Lista de abreviaturas

AD Aliança Democrática

AML Área Metropolitana de Lisboa

ANA Aeroportos de Portugal

BM - BCP Banco Millenium - Banco Comercial Português

BE Bloco de Esquerda

BI Batalhão de Infantaria do Exército

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e

Desenvolvimento

BNH Banco Nacional da Habitação

BPN Banco Português de Negócios

CDDHC Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania

CEAU Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo

CEE Comunidade econômica Europeia

CEF Caixa Econômica Federal

CET/

DINAMICA

Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconômica e

o Território

CLIN Companhia de Limpeza de Niterói

CMA Câmara Municipal da Amadora

COHABs Companhias de Habitação Popular

CONLUTAS Coordenação Nacional de Lutas

CP Comboios de Portugal

CSP Central Sindical e Popular

CTT Correios de Portugal

CUT Central Única dos Trabalhadores

EDP Energia de Portugal

EESC Comitê Econômico e Social Europeu

FAO Organização das Nações Unidas, para a Alimentação e

Agricultura

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FAPERJ Fundação Carlos Chagas de Amparo a Pesquisa do

Estado do Rio de Janeiro

FAZ Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social

FCP Fundação da Casa Própria

FCVS Fundo de Compensação de Variação Salarial

FFH Fundo de Fomento da Habitação

FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FHC Fernando Henrique Cardoso

FINSOCIAL Fundo de Investimento Social

FJP Fundação João Pinheiro

FMI Fundo Monetário Internacional

FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

FNRU Fórum Nacional Pela Reforma Urbana

GCAM Companhias de Administração Militar

IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil

IAPs Institutos de Aposentadoria e Pensão

IBS Instituto de Apoio aos Bairros Sociais

ICS Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

IDE Investimento Direto Estrangeiro

IGAPHE Instituto de Gestão e Alienação do Patrimônio

Habitacional do Estado

IHRU Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana

IMI Imposto Municipal Sobre Imóveis

INE Instituto Nacional de Estatística

INH Instituto Nacional de Habitação

IPASE Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do

Estado

IPMF Imposto Provisório Sobre Movimentação Financeira

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

IRC Imposto sobre Rendimento de Pessoas Coletivas

IREF Iniciativa de Reforço da Estabilidade Financeira

IRES Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

ISCTE Instituto Universitário de Lisboa

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IVA Imposto Sobre o Valor Acrescentado

LabHab/

FAUUSP

Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da

Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo

LEUS Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais

LNEC Laboratório Nacional de Engenharia Civil

MARE Ministério da Administração e Reforma do Estado

MBES Ministério da Habitação e Bem-Estar Social

MCidades Ministério das Cidades

MFA Movimento das Forças Armadas

MHU Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio-Ambiente

MNLM Movimento Nacional de Luta pela Moradia

MPO Ministério do Planejamento e Orçamento

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

MTST Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

MUD Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio-Ambiente

NEPFE Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Famílias e

Espaços Populares

NEPHU Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos

NRAU Novo Regime de Arrendamento Urbano

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONGs Organizações Não Governamentais

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PALOP Países Africanos de Língua Portuguesa

PAR Programa de Arrendamento Residencial

PCP Partido Comunista de Portugal

PEC Programa de Estabilidade e Crescimento

PEH Plano Estratégico Nacional de Habitação

PER Programa Especial de Realojamento

PERSI Procedimento Extrajudicial de Regularização de

Situações de Incumprimento

PlanHab Plano Nacional de Habitação

PLANHAP Plano Nacional de Habitação Popular

PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida

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PNB Produto Nacional Bruto

PP Partido Progressista

PROFILURB Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados

PROHABITA Programa de Financiamento para Acesso à Habitação

PROMORAR Programa de Erradicação de Subhabitação

PROTECH Programa de Difusão Tecnológica para Construção de

Habitação de Baixo Custo

PS Partido Socialista

PSD Partido Social Democrata

PT Partido dos Trabalhadores

PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

RECRIA Regime Especial na Comparticipação de Imóveis

Arrendados

RECRIPH Regime Especial de Comparticipação e Financiamento

de Prédios Urbanos em Regime de Propriedade

Horizontal

REN Rede Energéticas Nacionais

REHABITA Regime de Apoio Habitacional em Áreas Antigas

SEPURB Secretaria de Política Urbana

SEAC Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária

SAAL Serviço de Apoio Ambulatório Local

SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo

SFH Sistema Financeiro da Habitação

SPE Sociedade Portuguesa de Empreendimentos

SOLARH Programa de Solidariedade e Apoio à Recuperação de

Habitação

TAP Transportes Aéreos Portugueses

UE União Europeia

UCP Universidade Católica de Lisboa

UPORTO Universidade do Porto

UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

UFF Universidade Federal Fluminense

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Uma sociedade não pode existir sem problemas de habitação

quando a grande massa de trabalhadores dispõe apenas de seu

salário, (...). Quando os melhoramentos mecânicos deixam

massas de operários sem trabalho (...); quando os proletários se

amontoam nas grandes cidades, e isso se dá num ritmo mais

rápido que a construção de habitações (...) Em semelhante

sociedade, a crise de habitação não é um acaso, mas uma

instituição necessária. Não pode ser eliminada com modificações

em nível de Saúde Pública (...), porém, sim quando a ordem

social que se originou for transformada pela raiz. (ENGELS,

1979, p.24)

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21

1 Introdução

Entende-se ser a habitação um dos direitos fundamentais para o processo de

reconhecimento da cidadania dos sujeitos sociais. A moradia pressupõe o direito à

escola, ao atendimento médico, ao reconhecimento formal da existência, e permite

a inclusão das famílias em determinados programas sociais. Portanto, a habitação é

entendida como um direito social que permite aos homens e às mulheres

construírem suas relações de sociabilidade e trabalho, mas também redes culturais

populares, fundamentais para a manutenção da estabilidade social.

Portugal e o Brasil não vivenciaram um processo de industrialização nos

moldes dos países Europeus (como Inglaterra e França), já que em ambos o

desenvolvimento industrial ocorreu somente no século XX. Tendo presente o

contexto europeu, o problema da habitação foi tratado em Portugal, até a primeira

metade do século XX, como “parente pobre” das outras questões de Estado. Porém,

a partir desse período destacaram-se os programas de Casas Econômicas, ainda no

período do Estado Novo (1933-1974). Ressalta-se que as principais atuações do

setor da habitação para pessoas de poucos recursos relacionaram-se ao incentivo

aos promotores privados para a construção de unidades habitacionais. Mais tarde,

o problema habitacional agravou-se, sobretudo nos grandes centros urbanos, como

Lisboa e Porto, verificando um crescimento urbano a partir de bairros construídos

sem licenciamento nem planejamento, a exemplos os bairros de barraca que

abundaram na periferia das cidades portuguesas. Somente a partir dos anos 1960, a

intervenção do Estado tornou-se mais direta, através de políticas específicas de

habitação social – a exemplo do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), existente

até os dias atuais, sob a denominação de Instituto de Habitação e Reabilitação

Urbana (IHRU). Na década de 1990 destacaram-se os programas de Realojamento

como iniciativa pública direta na habitação; porém, cabe ressaltar, que nos últimos

25 anos observou-se um intenso investimento de recursos para fins de bonificação

de juros do crédito à aquisição de habitação.

No Brasil, a habitação pouco tem se configurado como uma política

prioritária para atender a população empobrecida. As primeiras iniciativas públicas

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deram-se com os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) e a Fundação da Casa

Própria, mas essa questão ganhou destaque somente com a implantação do Banco

Nacional de Habitação (BNH), no Regime Militar (1964-1985). Sua execução

sempre esteve vinculada à lógica do mercado, cabendo ao Estado promover o

financiamento de moradia às famílias inseridas no mercado de trabalho. Nesse

sentido, excluíam-se as famílias de baixos rendimentos, pois uma política

habitacional para a população carente, ou excluída do mercado de trabalho formal,

nunca se consolidou. Para além disso, a questão fundiária, que está na raiz dos

problemas de acesso ao solo rural e urbano, intensificou os problemas habitacionais

com a expansão das favelas e loteamentos precários nas periferias. Conforme a

Fundação João Pinheiro (2015), o défice habitacional medido em 2012 é

correspondente a 5.430.000 de domicílios, (89% em áreas urbanas) sendo que a

concentração do défice habitacional está na faixa “até três salários mínimos”

(82,5%).

Ao longo dos anos, a forma cruel em que tem se caracterizado o crescimento

urbano no Brasil, que condena a maior parte dos trabalhadores a uma vida que não

é nem urbana, tampouco rural, se retrata ao julgar pelas péssimas condições de

moradia nas periferias deste país. A crise urbana e o défice habitacional são

expressões diretas desse modelo conservador de desenvolvimento, que condicionou

a formação social brasileira no campo e na cidade. Condições essas que, como

sustenta Maricato (1987), não dizem respeito apenas ao congestionamento

habitacional, à salubridade, ao conforto ambiental, mas também dizem respeito aos

fatores de localização, à ausência de saneamento, à dificuldade de transportes, à

dificuldade de abastecimento, ao atendimento a saúde etc. Como avalia a autora,

além da favela e do cômodo de aluguel nos cortiços, a classe trabalhadora tem a

possibilidade de alcançar a casa própria, por meio da compra de um lote na periferia

desurbanizada (cuja situação em relação à legislação de parcelamento do solo e

documentação de propriedade é raramente regular); ou por meio da construção das

casas nos fins de semana, empenhando sua própria força de trabalho ou sendo

auxiliada por amigos e familiares sem a garantia técnica real de que seu

empreendimento é seguro para se habitar. Este processo auto-construtivo, no

entanto, implica em sacrifícios e depredação dessa força de trabalho, seja pela

construção da casa nos horários de descanso (sobre trabalho), seja pela baixa

qualidade da moradia resultante do mesmo.

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No que tange à Europa, ideologicamente falando, é a concepção de uma ideia

que prenuncia que os problemas da provisão da habitação são coisas do passado;

porém em alguns países do sul deste continente, como é o caso de Portugal, ainda

são sérios os problemas ligados à habitação, como lembrou Guerra (2011). De fato,

neste país, há duas décadas atrás, ainda programava, internamente, ações para

resolver a problemática dos famosos “bairros de barracas”. Conforme os dados de

2012, oriundos do Instituto Nacional de Estatística, apesar da produção habitacional

em Portugal ser de 5.866.152 alojamentos, para 4.043.726 famílias existentes (INE

2012), são reconhecidas nesta nação inúmeras carências habitacionais próprias, já

que o mercado, que considera tal política como uma ação de baixa rentabilidade,

não oferece alternativas viáveis para a população empobrecida, reproduzindo,

juntamente com o Estado português, os graves quadros deficitários ligados a este

setor.

Essa problemática intensificou-se a partir de 2008, quando, nesse ano, mais

uma crise econômico-financeira global foi iniciada. Na sequência, houve por parte

do governo português a implantação das medidas de austeridade que (até hoje)

fazem sofrer os países do sul da Europa com a restrição, ainda maior, das políticas

sociais aos seus habitantes mais vulneráveis. As principais medidas de austeridade

fizeram reduzir as despesas de financiamento do Estado e a oferta de prestações

sociais, congelou o investimento público e acelerou os programas de privatização

já em projeto. Os efeitos da crise foram severos, com inúmeras consequências

sociais – dentre elas a destruição de emprego, a desproteção dos desempregados, o

aumento de impostos e o surgimento de novos problemas sociais como está sendo

o caso do endividamento das famílias e a situação de inadimplência junto aos

bancos, com as famílias neste quadro se tornando vítimas de despejo ao não

conseguirem pagar o arrendamento das casas públicas. Dada a gravidade da atual

situação social, há uma necessidade de organizar politicamente os atingidos, o que

ocorre em Portugal com a criação de um Coletivo Político pela Habitação e pelo

Direito à Cidade.

A política de habitação no Brasil, que desde o fim do Banco Nacional de

Habitação (BNH), em1985, esteve esquecida sobre o aspecto do financiamento

público, retorna como uma política estatal na primeira década do século XXI. O

lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prevendo

orçamentos inusitados para a habitação na criação do Programa Minha Casa Minha

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Vida (PMCMV), projeto do Governo Federal lançado em 2009, já demonstra tal

retorno do investimento. Esse programa foi criado pela Lei Federal nº. 11.977, de

07 de julho de 2009, em um contexto global de grande crise econômico-financeira,

tendo a meta de criação de um milhão de unidades habitacionais em todo o território

nacional. Porém, todo o investimento se deu (e continua assim) sem o devido

controle social por parte da sociedade civil organizada. Seus recursos principais não

resolvem problemas urbanísticos de áreas urbanas consolidadas em situação de

vulnerabilidade social, como é o caso da regularização de favelas. O programa

governamental, reproduzindo velhas estratégias de expansão das unidades

habitacionais com expansão da própria periferia (e os clássicos problemas de

infraestrutura urbana que nela subjazem), traz em sua matriz forte retrocesso, quer

seja na qualidade dos empreendimentos, quer seja na articulação da política

habitacional com a política de acesso à cidade.

Com uma tradição de protagonismo nas lutas pela reforma urbana desde os

anos 1960, os movimentos sociais brasileiros defendem a bandeira dessa reforma

que se constitui, resumidamente, nos seguintes eixos: o direito à cidade e à

cidadania (incluindo o direito à terra; aos meios de subsistência; à moradia; ao

saneamento ambiental; à saúde; à educação; ao transporte público; à alimentação;

ao trabalho; ao lazer e à informação, entendida como a participação dos habitantes

da cidade, e o direito ao respeito às minorias) e a gestão democrática da cidade,

entendida como a forma de planejar, produzir, operar e governar as cidades,

submetida ao controle social e à participação da sociedade civil, e a função social

da cidade e da propriedade (como prevalência do interesse comum sobre o direito

individual de propriedade). Como resultado comum a todos estes eixos, busca-se,

única e simplesmente, a realização do uso socialmente justo do espaço urbano.

Fruto da experiência de estágio doutoral, realizado parte em Lisboa e parte no

Rio de Janeiro, o presente trabalho busca analisar e comparar as características da

política habitacional em Portugal e no Brasil, em contexto da crise econômico-

financeira das mais recentes e ainda em evolução crescente (2008 aos dias atuais).

O estágio doutoral foi realizado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil

(LNEC), em Lisboa, capital portuguesa, no âmbito acadêmico do Programa de Pós

Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica da cidade do Rio

de Janeiro (PUC-Rio). O estágio, fundamental para a amarração dos eixos e

temáticas com a realidade luso-brasileira, contou com o fomento absoluto e

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inexorável da Fundação Carlos Chagas de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de

Janeiro (FAPERJ) e teve como orientadora, em terras lusitanas, a geógrafa e

doutora em antropologia Marluci Menezes, investigadora do LNEC.

No presente trabalho, foram utilizados vários procedimentos metodológicos,

com destaque para a realização de uma vasta pesquisa bibliográfica que, associada

às entrevistas e observações dos participantes, deu o tom suficiente para análises ao

longo deste trabalho doutoral. No período em que se deu a estadia em Portugal, foi

possível a realização de uma vasta pesquisa bibliográfica ao percorrer as seguintes

bibliotecas do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC): da Universidade

Católica de Lisboa (UCP), do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de

Lisboa (ICS) e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).

Em Portugal, essa pesquisa documental incluiu os três volumes do Plano

Estratégico de Habitação, os relatórios dos documentos produzidos pelo

observatório sobre crises e alternativas (Universidade de Coimbra), os documentos

produzidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), além das leis e decretos

situados no contexto lusitano. No Brasil, a pesquisa documental incluiu documentos

da Secretaria Nacional de Habitação – vinculado diretamente ao Ministério das

Cidades (MCidades) sobre a produção de moradia, os documentos da Fundação

João Pinheiro (FJP) sobre défice habitacional no país, além dos documentos

elaborados pela Caixa Econômica Federal (CEF), que contêm as informações a

respeito do PMCMV, sem prejuízo de farta fonte documental brasileira entre suas

leis e decretos.

As reflexões apoiaram-se também, em observação de campo recolhidas no

decorrer do período de estadia em Portugal, com destaque para observação de

situações diversificadas sob a temática direta da questão habitacional (palestras,

protestos sociais, acompanhamento de despejos, participação em atos de

movimentos sociais, assembleias para discussão do Estatuto de movimento social).

Foram realizadas entrevistas com interlocutores privilegiados, destacando-se entre

aqueles que vivenciaram períodos mais recentes da história da habitação em

Portugal seus gestores, pesquisadores, lideranças de um movimento social local e

alguns de seus moradores.

Entre os gestores que participaram da pesquisa estão o ex-Secretário de

Ordenamento do Território e das Cidades (2005-2009) e a ex-Diretora do Instituto

de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), entre 2005 e 2011. Entre os

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pesquisadores, estão dois daqueles que fizeram parte da equipe responsável por

elaborar o Plano Estratégico Nacional de Habitação (PEH),de Portugal, sendo que

um deles integra o Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconômica e o

Território, localizado no Instituto Universitário de Lisboa (CET-

DINAMICA/ISCTE) e o outro representa o Centro de Estudos de Arquitetura e

Urbanismo (CEAU) da Universidade do Porto (UPORTO).

Em relação ao movimento social urbano, foi entrevistada uma ativista

fundadora do “Habita” - Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade. No que diz

respeito aos afetados diretamente pela crise, foram entrevistados um usuário do

crédito bonificado à habitação e uma vítima de despejo e desmoronamento, ambos

moradores da Área Metropolitana de Lisboa (AML).

A reflexão sobre o Brasil está apoiada na observação de campo recolhidas no

decorrer do período compreendido entre abril a setembro de 2015, com destaque

para as seguintes atividades, sob o enfoque da questão habitacional: a) visita à

ocupação de edifício em zona central da cidade do Rio de Janeiro; b) visita a uma

ocupação de terreno vazio em Niterói; c) palestras, participação em protestos

sociais que ocorreram em Niterói; d) participação em assembleias e com destaque

à observação participante realizada durante o cadastramento social dos ocupantes

de terreno no bairro do largo da batalha em Niterói, ambas as cidades fluminenses.

Além de tais atividades, foram realizadas entrevistas com interlocutores

privilegiados, destacando-se, entre eles, pesquisadores, membros do controle social

da política urbana, líderes de movimentos sociais e moradores de ocupações.

Dos que participaram da pesquisa, com o intuito de extrair dados das

entrevistas, figuram-se os pesquisadores do Laboratório de Habitação e

Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São

Paulo- (LabHab/FAUUSP); um representante da sociedade civil no Conselho

Nacional das Cidades (ConCidades); uma coordenadora da “Ocupação Manuel

Congo”, no centro da Cidade do Rio de Janeiro (que também coordena o

Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM) e um morador da referida

ocupação. Além desses, foi entrevistado o coordenador da “Ocupação 07 de abril”,

que também coordena nacionalmente o Movimento dos Trabalhadores sem Teto

(MTST), tendo ainda, na oportunidade, logrado entrevistar mais três ocupantes da

referida ocupação.

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Sem dúvida uma tese de doutorado não emerge da consciência do

pesquisador, mas vem do campo que reclama a sua presença. Nesse sentido, devido

a anos de estudos na questão social habitacional comutada com a prática acadêmica

em sala de aula, pesquisa e extensão no assunto, o tema foi amadurecido através

das reuniões feitas com o pesquisador-orientador e os demais membros do

Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais (LEUS) da PUC-Rio. Ao nos

aproximarmos e conhecermos as mazelas sociais já existentes na Região

Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro e ás características peculiares que

envolvem a sua dinâmica, foi possível, através da busca de dados, a produção

acadêmica e do intercâmbio internacional, fazer o cotejo das políticas habitacionais

entre Brasil e Portugal na borda da sua contemporaneidade, discutindo, com isto,

políticas existentes diante de crises institucionais de diversas vertentes.

As cidades brasileiras e os seus grandes centros urbanos configurados

enfrentam, nos dias atuais, graves problemas relacionados à expansão urbana,

segregação socioespacial e ao retrocesso do Estado na implementação e execução

das políticas urbanas, rebatendo, em especial, na política de habitação, que

historicamente tem sido considerada como uma política dependente do mercado e

não como um direito, o que deveria ser.

Ainda no espaço de debates, no âmbito do LEUS, houve também a

possibilidade de conhecer realidades de outras áreas metropolitanas em nível

internacional, por onde Portugal nos despertou atenção especial e carinhosa. Houve,

assim, a motivação da pesquisa e o produto atual dos estudos encontram-se

relatados nos diversos capítulos desta tese.

O primeiro capítulo objetiva o resgate teórico ampliado da questão urbana,

além de discutir o desenvolvimento urbano em Portugal e no Brasil, enfatizando a

relação do desenvolvimento econômico, político e social com as primeiras

estratégias de moradia já no Século XIX. Com isso, objetiva-se alargar a percepção

histórico-institucional da realidade urbana e as diversas mazelas e problemáticas,

no que tange ao direito fundamental à moradia – bojo que será esmiuçado nos

tópicos seguintes.

O segundo capítulo apresenta e discute o desenvolvimento da produção da

habitação, enquanto política pública, desenvolvida nas searas política e social dos

países lusófonos presentes no século XX, atestando a caracterização dos projetos

de produção de moradias, a tabulação urbanística dos seus espaços e a acomodação

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das diversas classes sociais diante das estruturas próprias de moradia nos dois países

acima mencionados.

O terceiro capítulo traz uma discussão da crise econômico-financeira que teve

início em 2008 (e se alarga, entre picos e avanços, até os dias atuais), abrindo para

a percepção de campo as estratégias para enfrentamento e o papel da habitação

nessa seara que trouxe implicações para a política de habitação nos dois países

pesquisados nos anos iniciais deste século, até os dias atuais. Aqui, é possível

retratar que mesmo que existam tais políticas habitacionais de enfrentamento à

crise, no tangente à questão habitacional, Portugal e Brasil amoldam as suas

respostas de modos bem próprios.

O quarto capítulo procura mostrar, nesse momento atual permeado por uma

crise econômico-financeira com repercussões em escalas globais, quais as

estratégias de resistência estão sendo praticadas por parte dos movimentos sociais,

no âmbito do direito à habitação, tanto na realidade portuguesa, quanto na brasileira.

Portanto, pretende-se na construção da tese, a partir dos estudos teóricos e

conteúdo advindo da realização de todas as etapas do processo de pesquisa e da

construção da mesma, apresentar considerações e sugestões que possam servir para

a tomada de decisões nos momentos de planejamento e avaliação de ações com a

finalidade de garantir o direito à habitação.

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2 A questão urbana na sociedade capitalista e sua relação com a habitação: repercussões em Portugal e Brasil

Este capítulo objetiva discutir, de forma geral, a questão urbana nas diferentes

fases do capitalismo, objetiva ainda debater o desenvolvimento urbano em Portugal

e no Brasil, enfatizando a relação do desenvolvimento econômico, político e social

com as primeiras estratégias de moradia.

2.1. A questão urbana nos moldes do capital

O urbano, representado pela cidade capitalista, é o espaço gerado pela

necessidade de sustento do modo de produção capitalista. Trata-se de um produto

da construção histórica que assume feições peculiares em cada fase do

desenvolvimento capitalista, sendo a crise habitacional fruto desse processo. A

problemática habitacional é na verdade consequência e expressão direta da lógica

de reprodução do capital no espaço urbano. Aqui se faz um debate da questão

urbana contextualizada a partir da fase industrial do capitalismo, passando pelos

padrões de acumulação do fordismo e da acumulação flexível.

Quando surgiram, na fase do capitalismo industrial, as cidades modernas

tinham a sua razão de ser na concentração industrial. Urbanização e industrialização

pareciam, naquele momento, as duas faces de uma mesma moeda.

De acordo com Castells, o processo de urbanização, sobretudo, ligado, à

Primeira Revolução Industrial1, refere-se a um desenvolvimento do tipo de

produção capitalista, período em que houve uma decomposição prévia das

estruturas sociais agrárias com o processo de emigração da população para os

centros urbanos que já existiam. Os centros urbanos vão fornecer força de trabalho

necessária para o processo de industrialização, as cidades passam de uma economia

1 A 1ª Revolução Industrial ocorreu no século XVIII.

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doméstica de manufatura para uma economia de fábrica, com concentração de mão

de obra, criação de um mercado de consumo e a criação de um meio industrial.

Sendo assim:

O desenvolvimento do capitalismo industrial, ao contrário de uma visão ingênua

muito difundida, não provocou o reforço da cidade e sim o seu quase

desaparecimento enquanto sistema institucional e social relativamente autônomo,

organizado em torno de objetivos específicos. Com efeito, a constituição da

mercadoria enquanto engrenagem de base do sistema econômico, a divisão técnica

e social do trabalho, a diversificação dos interesses econômicos e sociais sobre um

espaço mais vasto, a homogeneização do sistema institucional, ocasionam a irrupção

da conjunção de uma forma especial, a cidade, e da esfera de domínio social de uma

classe específica, a burguesia A difusão urbana equivale exatamente à perda do

particularismo ecológico e cultural da cidade. Por isso os processos de urbanização

e autonomia do modelo cultural “urbano” se manifestam como processos

paradoxalmente contraditórios. (Castells, 1983, p.45).

Para Castells, o urbano passou a ser visto enquanto produto do capital, que

requer uma organização espacial, e lugar onde os fatores de reprodução e demanda

se concentram.

Jean Lojkine (1981) definiu o urbano como o necessário lugar da produção e

circulação para a reprodução das relações sociais, onde interviriam diversos

agentes, em particular, o Estado. O autor ainda analisou a urbanização capitalista

como forma mais desenvolvida da divisão social do trabalho material e intelectual,

situando o urbano no enfrentamento direto do capitalismo com o trabalho.

As formas de urbanização são antes de qualquer coisa formas de divisão social (e

territorial) do trabalho, elas estão no centro da contradição atual entre as novas

exigências do progresso técnico, essencialmente em matéria de formação ampliada

das forças produtivas humanas, e as leis de acumulação do capital. (Lojkine, 1981,

p.121)

O urbano passa, assim, a ser um dos lugares decisivos na luta de classe na

medida em que ele resume a principal contradição entre a exigência do trabalho

vivo.

Não considerar a urbanização como elemento chave das relações de produção,

reduzi-la ao domínio do “consumo”, do não-trabalho, opor reprodução da força de

trabalho pela urbanização a dispêndio do trabalho vivo, na empresa, é, ao contrário,

retomar um dos temas dominantes da ideologia burguesa segundo o qual só é

“produtiva” a atividade de produção da mais-valia. Ora, a nosso ver, as formas

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contraditórias do desenvolvimento urbano, do modo como são refletidas e

acentuadas pela política estatal, são justamente a revelação do caráter ultrapassado

da maneira de medir a rentabilidade social através apenas da acumulação do trabalho

morto. (Lojkine, 1981, p.122)

A cidade capitalista é, todavia, caracterizada pela crescente concentração dos

meios de consumo coletivo e pelo modo específico de aglomeração do conjunto dos

meios de produção, tanto para o capital, quanto para o trabalho na qualidade de

determinantes do desenvolvimento econômico.

O que vai caracterizar duplamente a cidade capitalista é, de um lado, a crescente

concentração dos “meios de consumos coletivos” que vão criar pouco a pouco um

modo de vida, novas necessidades sociais, chegou-se a falar de uma “civilização

urbana” de outro, o modo de aglomeração específica do conjunto dos meios de

reprodução (do capital e da força de trabalho) que vai se tornar, por si mesmo,

condição sempre mais determinante do desenvolvimento econômico. (Lojkine,

1981, p.124)

O entendimento histórico e estrutural do fenômeno urbano evidencia que a

aglomeração urbana é determinada pela tendência constante do capitalismo em

diminuir o tempo de produção e o tempo de circulação do capital, sendo a cidade o

efeito da necessidade de economizar as despesas de produção, circulação consumo,

a fim de acelerar a rotação do capital. O urbano não é mera concentração de

produção, mas um arranjo espacial para atender às exigências do capitalismo.

Nesse sentido, para o autor,

A aglomeração da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres

e das necessidades – em outras palavras a cidade, não é de modo algum um fenômeno

autônomo sujeito a leis de desenvolvimento totalmente distintas das leis da

acumulação capitalista: não se pode dissocia-la da tendência que o capital tem a

aumentar a produtividade do trabalho pela socialização das condições gerais da

produção das quais a urbanização, já vimos, é componente essencial. (Lojkine, 1981,

p.137)

A partir do entendimento do autor, o urbano é percebido como fenômeno

historicamente construído e expressa a organização social do processo de

reprodução do capital como domínio da estrutura econômica sobre a estrutura

social. O urbano, então, se constitui como expressão do modo de vida capitalista,

um espaço de luta das classes que compõem a estrutura social desse modo de

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produção. Ao mesmo tempo em que o urbano constitui um espaço de reprodução

do capital, é também reprodução das classes sociais. A construção do urbano cria

uma realidade contraditória, pois ele ao mesmo tempo, através da produção, agrega

o trabalhador na fábrica e a concentração social segregativa da moradia. Então, no

âmbito da esfera de produção, gera condições objetivas para construção da

resistência popular, tanto a partir do local de trabalho, quanto do local da moradia.

Não há, pois nenhuma solução de continuidade entre divisão econômica do trabalho

nas novas unidades de produção e de circulação do capital e a organização urbana,

já que esta última aparece, ao contrário, como o lugar da nova divisão do trabalho.

Em vez de rejeitar o urbano “para margem” do afrontamento direto capital/trabalho,

postulamos, pois que nas novas condições de desenvolvimento do capitalismo, o

urbano é um dos lugares decisivos luta de classes, na medida em que ele “resume” a

principal contradição entre a exigência de desenvolvimento do trabalho vivo, e,

sobretudo seu desenvolvimento intelectual, e a lógica de acumulação do trabalho

cristalizado que tende a restringir ao máximo esse desenvolvimento em função de

suas necessidades imediatas. (Lojkine, 1981, p.142-143).

Ao mesmo tempo em que colocava a possibilidade da abertura e da

unificação, a cidade moderna segregava, disseminava, deixava cada vez mais claro

que a cidade capitalista não tem lugar para pobres, porque a eles restavam os

aglomerados sem infraestrutura, o ambiente deteriorado, improvisado e insalubre.

O período da emergência da era monopolista determina transformações da

dinâmica urbana, sobretudo nos países desenvolvidos: O fordismo, modelo que a

partir das primeiras décadas do século XX tornou-se hegemônico e conferiu nova

racionalidade ao processo de produção.

Conforme analisa Harvey (2010), Henry Ford implantou a partir de 1914

uma jornada de trabalho de oito horas por dia, oferecendo uma gratificação para

seus trabalhadores da linha automática de montagem de automóveis. A organização

de negócios já vinha ganhando seu espaço desde o século XIX, com a construção

das estradas de ferro, as fusões e a formação de cartéis entre as empresas. Henry

Ford acrescentou esses fatores à racionalização da velha tecnologia, uma rígida

divisão do trabalho, colocando os trabalhadores em posição fixa, obtendo grande

produtividade e lucratividade.

Com as 8 horas de trabalho diárias, fez com que os trabalhadores tivessem

mais tempo livre para o lazer, além da proposta de mais renda. Assim, os

trabalhadores gastariam todo o salário obtido com o trabalho nos produtos

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industrializados, no lazer e no turismo, retornando parte dessa renda para o próprio

capitalista, aumentando a lucratividade. O trabalhador ganhava dinheiro suficiente

para comprar o produto de cuja elaboração ele fez parte, retornando o salário

recebido para as mãos do empregador. Porém, a crise de 1929 provocou uma

recessão econômica mundial ocasionando uma queda na produção, aumento do

número de desempregados, redução dos preços dos produtos, principalmente

alimentos e matérias-primas.

Segundo Hobsbawn (1995), o comércio mundial sofreu queda de 60%

afetando os países cujo comércio internacional era basicamente vinculado aos

Estados Unidos e Europa. Nos anos de 1930 a 1933, o número de desempregados

chegou a uma percentual de 30% na Alemanha e 44% nos Estados Unidos.

Após a crise de 1929, a ideia de um Estado forte foi aclamada, pois a proposta

Keynesiana teve o objetivo de estabilizar a economia, já que propunha a intervenção

estatal na vida econômica, mantendo o crescimento da demanda em paridade com

o aumento da capacidade produtiva da economia, de forma a garantir o pleno

emprego. Constrói-se, assim, o Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social. Esse

Estado se constituía numa forte intervenção do Estado, tanto no aspecto econômico,

quanto no aspecto social, com políticas e expansão da indústria e um sistema de

proteção social para incentivar o consumo. Por meio da adoção de técnicas baseadas

na produção fordista, cunhou-se a ideia do pleno emprego e da produção de massa

como mecanismo de manutenção desse modelo,

Nesse sentido, as ideias de Keynes foram aliadas às ideias fordistas. A atuação

de um Estado mais forte levou ao amadurecimento do fordismo.

O fordismo implicou em mudanças no que se refere à organização das

cidades, criando cidades-região gigantescas, nas quais uma grande parcela do

produto industrial e da força de trabalho seria concentrada, em detrimento de outras

regiões que liberavam para os principais centros industriais contingentes de

migrantes rurais em busca de trabalho sub-remunerado. Com isso, aumentou-se a

migração interna, crescendo consequentemente a desigualdade social e ampliando

a segregação socioespacial.

Para Lojkine (1981), há uma correlação entre a divisão social do trabalho e

as formas com que a urbanização se apresenta. Nesse contexto, verifica-se uma

especificidade do capitalismo monopolista no âmbito da divisão social do trabalho

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que é expressa pelo novo tipo de socialização da produção, por um novo tipo de

autonomização das funções do capital e pelo novo tipo de mobilização espacial.

Outro debate sustentado pelo autor, é que nessa relação entre urbanização e

acumulação capitalista, o desenvolvimento da aglomeração urbana está

determinado pela tendência constante do capitalismo a diminuir o tempo de

produção e o tempo de circulação do capital.

A cidade aparece como efeito direto da necessidade de economizar as falsas despesas

de produção, as despesas de circulação e as despesas de consumo a fim de acelerar

a velocidade de rotação do capital e, portanto, de aumentar o período em que o capital

é valorizado. Mas concluir daí que o desenvolvimento urbano é de certa forma,

assegurado pela necessidade constante que tem o capitalismo de aumentar a

produtividade do trabalho social é duplamente errôneo: por um lado, porque todo

desenvolvimento da produtividade, ao elevar a composição orgânica do capital

social, reforça, a prazo, a tendência à baixa de lucro e provoca uma reação, em

retorno, de freagem e de “seleção” do desenvolvimento das forças produtivas; por

outro lado, porque a necessidade de cooperação dos diferentes agentes de produção

no espaço urbano é contrariada: a) Pelas leis da concorrência capitalista; b) Pela

fragmentação do espaço urbano em porções independentes uma das outras que são a

propriedade privada dos proprietários fundiários. Esse segundo limite é o da renda

fundiária urbana. (Lojkine, 1981, p.153).

A divisão social do trabalho não define apenas as relações de produção

vigentes, mas também a divisão territorial entre as diferentes classes sociais,

refletindo em moradias ou bairros com características e custos distintos, ou seja,

forma uma estrutura que contribui para este modo de produção e organização social.

A transformação do solo, do campo e da cidade, em mercadoria leva à exclusão

social e à segregação territorial de enormes contingentes populacionais.

Castells (1983), observando mais especificamente a questão da segregação

sócio-espacial, afirma que,

A distribuição das residências no espaço produz sua diferenciação social e específica

à paisagem urbana, pois as características das moradias e de sua população estão na

base do tipo e do nível de instalações e das funções que se ligam a elas. A distribuição

dos locais residenciais segue as leis gerais da distribuição dos produtos e, por

conseguinte, opera os reagrupamentos em função da capacidade social dos

indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas, de seus status

profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase do ciclo da vida etc.

(Castells, 1983, p.249)

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Nos termos de Lojkine (1981), pode se distinguir três tipos de segregação

urbana,

Uma oposição entre o centro, onde o preço do solo é o mais alto, e a periferia. O

papel-chave dos efeitos de aglomeração explica, a nosso ver, a importância dessa

“renda de acordo com a localização”. 2) Uma separação crescente entre as zonas e

moradias reservadas às camadas sociais mais privilegiadas e as zonas de moradia

popular. 3) Um esfacelamento generalizado das “funções urbanas”, disseminadas em

zonas geograficamente distintas e cada vez mais especializadas; zonas de escritório,

zonas industrial, zona de moradia, etc. É o que a política urbana sistematizou e

racionalizou sob o nome de zoneamento. O vinculo entre esse terceiro fenômeno e

renda fundiária reside essencialmente – é a nossa hipótese, no mecanismo de seleção

social constituído pela diferença crescente entre os preços do solo na periferia e os

existentes no centro, cada vez mais reservado às sedes sociais das firmas

internacionais, únicas capazes de se apropriarem dessa vantagem de localização.

(Lojkine, 1981, p.167).

No entendimento do autor, o que constitui a mais forte segregação social é a

localização da habitação. Seria ocultar a realidade, deixar de constatar a segregação

espacial intensa a cada dia entre locais de residência dos executivos e locais de

residência dos operários e empregados.

Kovarick (1993) traz contribuições a este debate e sustenta que o problema

habitacional deve ser equacionado tendo em vista dois processos interligados. O

primeiro refere-se às condições de exploração do trabalho propriamente ditas, ou

mais precisamente às condições de pauperização absoluta ou relativa a que estão

sujeitos os diversos segmentos da classe trabalhadora. O segundo processo, que

decorre do anterior e que só pode ser plenamente entendido quando analisada a

razão dos movimentos contraditórios da acumulação do capital, pode ser nomeado

de espoliação urbana, que nos termos do autor significa:

O somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade de

serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente necessários em

relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação que se

realiza no âmbito das relações de trabalho. (Kovarick, 1993, p.49)

Para o autor, o problema habitacional, também está diretamente atrelado ao

fornecimento de bens de consumo coletivo, no qual a ação do Estado tem ganhado

crescente importância, já que os investimentos públicos são cada vez mais

responsáveis por este componente básico da reprodução da força de trabalho. Não

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menos importante, no que se refere ao “problema” da habitação urbana, está a

questão da terra, cuja adequação atrela-se à existência de uma infraestrutura de

serviços. Portanto,

Os investimentos públicos também sob este ângulo aparecem como fator

determinante no preço final das moradias, constituindo-se num elemento poderoso

que irá condicionar onde e de que forma as diversas classes sociais poderão se

localizar no âmbito de uma configuração espacial. (Kovarick, 1993, p.57)

Ainda seguindo o raciocínio do autor, até mesmo os programas que se

destinam para a chamada demanda de “interesse social”, não só, são

quantitativamente pouco expressivos, como também, frequentemente, as camadas

que deveriam ser beneficiadas não têm condições de amortizar as prestações

previstas pelas falaciosas soluções oficiais. O resultado é que as habitações ou ficam

vazias ou acabam sendo transferidas para os grupos de renda mais elevada,

enquanto as pessoas a quem se destinavam os programas subsidiados pelo poder

público acabam voltando às suas condições originais de moradia, que, aliás, são

aquelas cuja imensa parcela da classe trabalhadora precisa adotar para continuar se

reproduzindo nas cidades.

O aluguel de um cômodo de cortiço localizado em áreas deterioradas ou de

uma casa de mínimas dimensões nas “periferias” distantes da cidade, são soluções

que implicam em condições de habitabilidade extremamente precárias e, no mais

das vezes, em gastos de aluguéis que comprimem ainda mais o já minguado

orçamento de consumo das famílias trabalhadoras.

Os processos de produção capitalista, à medida que vão se modificando,

contribuem para o aceleramento do ritmo de urbanização em termos mundiais, e

para a concentração em algumas regiões, conforme foi dito anteriormente, e esse

aparecimento de metrópoles se apresenta como uma nova forma urbana.

Para Castells, a problemática atual da urbanização gira em torno de quatro

dados fundamentais:

1) A aceleração do ritmo da urbanização no contexto mundial; 2) A concentração

deste crescimento urbano nas regiões ditas “subdesenvolvidas”, sem

correspondência com o crescimento econômico que acompanhou a primeira

urbanização nos países capitalistas industrializados: 3) O aparecimento de novas

formas urbanas e, em particular, de grandes metrópoles. 4) A relação do fenômeno

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urbano com novas formas de articulação social provenientes do modo de produção

capitalista e que tendem a ultrapassá-lo. (Castells, 1983, p.46).

A partir de 1970, o modelo fordista/ keynesiano entra em crise. Crise

expressa, dentre outros fatores, pelo esgotamento do sistema de produção de massa

e do endividamento crescente dos Estados nacionais dos países centrais. (Harvey,

2010).

Essa crise impôs uma crescente internacionalização da produção para os

países da periferia, que vivenciavam um crescimento acelerado neste período,

postergando sua derrocada para a década posterior.

Nesse período, o fordismo e o keynesianismo mostram suas fragilidades,

incapazes de conter as contradições capitalistas. Os problemas foram causados pela

rigidez dos investimentos de capital fixo, a inflexibilidade do planejamento, a

rigidez do Estado em investimentos sociais, provocando as inflações, a solidez dos

contratos de trabalho seguidos da onda de greves.

Para Harvey (2010), o sistema capitalista estava entrando em decadência

devido ao excesso de fundos, poucas áreas produtivas, forte inflação, crise mundial

dos mercados imobiliários, dificuldades das instituições financeiras, aumento do

preço do petróleo, crise fiscal e ociosidade de fábricas e de equipamentos.

Segundo Harvey (2010), as empresas reagiram entrando em um período de

racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalho, através da

mudança tecnológica, da automação, da busca por novas linhas de produtos, dos

nichos de mercado, provocando também fusões.

As décadas de 1970 e de 1980, principalmente, foram períodos de

reestruturação econômica e reajustamento social e político em diversos países do

mundo. Harvey chama esse fenômeno de acumulação flexível, que se diferencia da

inflexibilidade do fordismo. Nesse período, ocorreu uma maior pressão do controle

do trabalho por parte dos empregadores; o enfraquecimento do sindicalismo; o

aumento do desemprego; a expansão do desemprego estrutural, ocasionada pelo

avanço tecnológico; os ganhos modestos de salários; além da ampliação de regimes

e contratos de trabalho mais flexíveis, reduzindo o emprego e o crescimento do

mercado formal.

O Estado passa a ser alvo central dos ataques, considerado responsável pela

enorme dívida pública e pelo déficit da balança de pagamentos. A lógica da eficácia

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e da eficiência presentes nas gestões gerenciais é incorporada pela administração

pública. Por conseguinte, há necessidade de reformas para atender a esta nova

realidade. Vale ressaltar que por trás desta crítica do Estado encontrava-se a

introdução de novas formas de acumulação capitalista.

O modelo fordista teve por primazia a acumulação industrial que, no atual

contexto, vem sendo substituída pela acumulação financeira, a qual veio reforçada

pela defesa de uma abertura financeira e de uma desregulamentação dos mercados,

sob a égide do que se convencionou denominar globalização. Essa globalização

fortaleceu as bases capitalistas e foi a força propulsora para que o neoliberalismo

se tornasse a forma política e econômica pacífica para a solução da crise.

A partir desse período, alguns setores da economia tornaram-se

característicos das cidades: o setor imobiliário, financeiro, de telecomunicações e

de informática. As principais cidades do mundo têm buscado se adequar a tais

exigências, apelando, nesse sentido, para intervenções urbanas capazes de torná-las

“vendáveis”, demonstrando uma tentativa ferrenha de transformar a cidade em

mercadoria, ampliando os processos de segregação.

Com a necessidade de ampliação dessa forma de capitalismo em escala

internacional, os países do terceiro mundo vão se integrar a esse capitalismo

internacional. Nesse processo de integração, os países periféricos pagam um preço

por essa modernização, através da superexploração da força de trabalho, na qual os

trabalhadores, além de receberem baixos salários, são submetidos a um processo

brutal de urbanização crescente, que expulsa para longe do mercado do trabalho e

submete a população à verdadeira espoliação urbana, como bem já se debateu

anteriormente.

Essa nova fase do capitalismo tem produzido mudanças na organização do

espaço que se diferenciam das formas anteriores de acumulação, construindo

grandes aglomerados urbanos com concentração territorial ou espacial, em

decorrência dos meios de produção social, da infraestrutura econômica social e,

obviamente, da força de trabalho.

Castells (1983) analisa a urbanização na América Latina no contexto de

produção capitalista no estágio de produção avançada. E, no que diz respeito à

questão urbana nas sociedades dependentes, ele destaca a estrutura da sociedade de

classes, como consequência da dinâmica do desenvolvimento desigual e

consistente, e com isso ocorre a formação de uma ampla população relativa que

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consequentemente vai produzir uma urbanização selvagem, cuja característica

principal é a segregação social. Nos termos do autor, a urbanização latino-

americana caracteriza-se, então, pelos traços seguintes:

População urbana sem medida comum com o nível produtivo do sistema; ausência

de relação direta entre emprego industrial e crescimento urbano; grande

desequilíbrio na rede urbana em benefício de um aglomerado preponderante;

aceleração crescente do processo de urbanização; falta de empregos e de serviços

para as novas massas urbanas e, consequentemente, reforço da segregação ecológica

das classes sociais e polarização do sistema de estratificação no que diz respeito ao

consumo. (Castells, 1983, p.99)

Percebeu-se que, enquanto produto de uma construção histórica que assume

feições peculiares em cada fase do desenvolvimento capitalista, o urbano se coloca

como uma expressão e uma necessidade do modo de produção capitalista. Ou seja,

o capitalismo tem necessidade desse espaço urbano para se reproduzir, mas sendo

um espaço contraditório, as formações sociais aparecem, pois, ao mesmo tempo em

que ele, o capitalismo, é reprodução do capital, é também reprodução das classes

sociais.

Até aqui pode se identificar as especificidades históricas e estruturais na

constituição do fenômeno urbano. A urbanização, longe de ser um processo

autônomo, é parte integrante e essencial da produção do espaço pelo capitalismo.

Porém, como se viu, há mudanças no decorrer do processo histórico e a estruturação

do território, da qual a urbanização é parte integrante, não é estática. A urbanização

é uma forma de estruturação do território, em que os pesos dos lugares variam

historicamente em função dos condicionantes e processos sociais, políticos e

econômicos. Nesse sentido, é necessário analisar as particularidades em termos de

Portugal e Brasil, visando considerar a problemática habitacional como reflexo da

evolução do sistema capitalista, como se mostra a seguir.

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2.2. O desenvolvimento urbano em Portugal: o que isso tem a ver com a habitação

Esse ponto trata o desenvolvimento urbano das cidades em Portugal,

enquadrando, em particular, o crescimento demográfico derivado das migrações

rurais em decorrência do desenvolvimento econômico que se deu com o processo

de industrialização. O fenômeno de urbanização, em Portugal, é relativamente

recente, estando relacionado ao processo de industrialização pós Segunda Guerra

Mundial. Esse ponto versa sobre as transformações urbanas e a relação com a

moradia e, nesse sentido, busca compreender porque a questão da moradia tomou a

dimensão encontrada na atualidade, sobretudo naquelas cidades com maiores

contingentes populacionais. O primeiro item resgata elementos da história urbana

de Portugal; o segundo, retrata o desenvolver do século XIX e as primeiras

alternativas à moradia e, na sequência, o terceiro, debate o desenvolvimento das

cidades e as proporções que tomaram a problemática da habitação.

2.2.1. Para iniciar a conversa: A história urbana em Portugal

Teixeira (1993)2, ao procurar resgatar os elementos históricos do urbano em

Portugal, descreve que o desenvolvimento da história das cidades no país pode

recuar-se até aos castros de origem celta, que culminavam os topos das colinas,

habitados por pastores e agricultores. Alguns destes locais, estrategicamente

importantes, viriam a ser as bases para a fundação de cidades romanas, após o

século II a.C. As marcas do planejamento urbano romano são, ainda, evidentes em

cidades, como Beja, Santarém ou Chaves. Já a ocupação sueva e visigótica do

século V ao século VII, resultou no declínio da vida urbana e mesmo no abandono

de algumas cidades.

2 Para elaboração desse primeiro tópico (1.1.1) sobre a história urbana de Portugal, utilizou-se como

referência a valiosa contribuição de Teixeira (1993).

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É a partir do século VIII que se assiste a uma nova fase de expansão urbana,

com os muçulmanos, que vão permanecer em Portugal até o século XIII. A rede de

cidades estabelecida pelos romanos foi revitalizada, e com elas a vida urbana.

Algumas cidades, particularmente cidades portuárias, tiveram, então, um

considerável desenvolvimento, especialmente no Sul, onde a presença muçulmana

foi mais prolongada, e, ainda hoje, está fortemente marcada no desenho urbano e

na estrutura viária de Silves ou de algumas zonas de Lisboa.

Após a reconquista cristã, o sistema foi reorganizado. Enquanto algumas

cidades decaíram, outras foram revitalizadas através do repovoamento, da

reestruturação da vida monástica e eclesiástica e através da reorganização das

atividades mercantis. As cidades de fronteira, tais como Monsaraz e Redondo,

ambas no Alentejo, com características urbanas idênticas às bastides, foram

fundadas nos finais do século XIII por D. Dinis3, ao mesmo tempo, a partir de finais

do século XIII, procedia-se a renovação de outras cidades, quer através da

construção de novas cinturas de muralhas, quer através da sua reestruturação e do

planejamento de novas expansões, como foi o caso de Lisboa.

As tão importantes descobertas marítimas dos séculos XV e XVI deram

origem a uma nova fase de desenvolvimento urbano. As cidades portuárias foram

aquelas que mais se beneficiaram com a expansão do comércio, tendo sido o reinado

de D. Manuel I4 particularmente importante para a transformação de Lisboa. O

Porto, Setúbal, Aveiro ou Viana do Castelo são exemplos de outras cidades

portuárias que se expandiram ou que foram profundamente reestruturadas no

decorrer dos séculos XV e XVI. Cidades do interior, como Óbidos, Beja, Évora ou

Braga, foram também objeto de reformas nesse período.

A segunda metade do século XVIII constituiu um ponto de viragem no

urbanismo português, tendo como motivos o terremoto de 1755 e a reconstrução da

cidade de Lisboa. O plano de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel para a

reconstrução da cidade5 é um exemplo importante do urbanismo europeu

3 D. Dinis (1261-1325) - foi o sexto Rei de Portugal. 4 D Manuel I (1469-1521) foi o 14º Rei de Portugal. 5 O terremoto ocorrido em 01 de novembro de 1755 abrangeu as zonas mais intensamente urbanas

da cidade de Lisboa: Toda a zona da Baixa, os bairros do Castelo e a zona do Carmo, destruindo 3

mil casas das vinte mil existentes. Em substituição nasceu a Lisboa Pombalina. O principal

impulsionador foi Marquês de Pombal (primeiro ministro do Rei D. José), coadjuvado pelos

arquitetos e engenheiros, Manuel da Maia, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel.

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setecentista e tornou-se o modelo para outras intervenções urbanas, quer em

Portugal, quer nas colônias, nomeadamente no Brasil. Este plano, construído sob a

égide do Marquês de Pombal, foi objeto de vários estudos. Teixeira (1993) cita,

ainda, que a cidade Vila Real de Santo Antônio foi uma outra cidade reconstruída

pelos arquitetos de Pombal, após o terremoto de 1755, com um plano regular.

Relembra que, na segunda metade do século XVIII, a expansão urbana da cidade

do Porto foi também levada a cabo, recorrendo aos mesmos princípios urbanísticos

e racionalistas que haviam sido desenvolvidos e aplicados na reconstrução de

Lisboa.

A industrialização tardia, sobretudo concentrada nas cidades de Lisboa e

Porto, produziu efeitos sentidos com intensidade, sobretudo a partir da segunda

metade do século XIX , refletindo um catálogo de problemas: o crescimento da

população urbana, o aumento das densidades populacionais e habitacionais, o

desenvolvimento de soluções de habitação precária, zonas urbanas degradadas e

más condições sanitárias. Aspectos que serão aprofundados no fluir deste trabalho.

2.2.2. O desenvolvimento urbano no século XIX e as primeiras alternativas à demanda por moradia

A segunda metade do século XIX correspondeu a um acelerado processo de

urbanização em Portugal. Em 1864 (quadro 01), a população que vivia em áreas

urbanas de mais de 2.000 habitantes era apenas 10,4% da população total do país.

Nos 36 anos entre 1864 e 1900 a população total aumentou 29%, enquanto que a

população urbana cresceu 75%.

Percebe-se a forte polarização da rede urbana portuguesa: duas cidades,

Lisboa e Porto, com uma população global correspondendo a cerca de metade da

população urbana do País. Essas dominam a hierarquia urbana, seguidas por um

conjunto de cidades menores, muitas das quais no limite de se poderem considerar

urbanas.

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Quadro 1- População do País, população urbana e população de Lisboa e Porto

(1864-1940)

Ano População do País População Urbana Lisboa Porto

1864 4.188.410 492.131 163.763 86.761

1878 4.550.699 565.023 187.404 105.838

1890 5.049.729 751.586 291.206 138.860

1900 5.423.132 859.753 356.009 167.955

1911 5.999.146 1.127.420 431.738 191.890

1920 6.080.135 1.213.216 484.664 202.310

1930 6.802.429 1.488.763 591.939 229.794

1940 7.755.423 1.711.364 694.389 258.548 Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE), 1971.

Castro (1971) observou que o desenvolvimento industrial em Portugal,

ocorrido no século XIX, não foi uma “revolução industrial” no sentido

convencional. Nunca houve um desenvolvimento industrial em grande escala que

tornasse a indústria a atividade dominante na economia nacional. A economia

portuguesa do antigo regime dependia da exploração comercial do império colonial

e, apesar da revolução burguesa de 18206, da independência do Brasil em 1822 e da

vitória liberal da guerra civil de 1832-18347, esta situação permaneceu ao longo do

século XIX. A indústria estava subordinada ao comércio com as colônias da África

e com o Brasil independente. Apenas se desenvolvia quando as condições para as

trocas comerciais se tornavam desfavoráveis.

Somente a partir da segunda metade do século XIX os governos criaram

condições essenciais para o aumento da produção, particularmente a construção de

estradas e de caminhos de ferro, infraestrutura premente para o crescimento do

mercado interno. A ferrovia, numa extensão de 36 km, foi inaugurada em 1856. Em

1884, havia 1685 km de ferrovias construídas, 2071 km em 1890 e 2356 km em

1900. Destaca-se também que nas últimas décadas do século foi instalado um

grande número de máquinas a vapor a serviço da indústria. Em 1852, havia apenas

70 máquinas a vapor em todo país (Castro, 1971).

Ainda conforme Castro (1971), o desenvolvimento industrial das últimas

décadas do século XIX correspondeu a transformações tecnológicas e a mudanças

estruturais no setor e foi marcado por acontecimentos políticos e por mudanças

6 A revolução liberal portuguesa começou no Porto em 24 de agosto de 1820. A população exigia o

retorno do Rei Dom João XI que estava no Brasil. O movimento levou a queda do absolutismo e a

instalação de uma assembleia constituinte (Cortes de Lisboa). As cortes de Lisboa caracterizavam-

se por uma dupla posição política: eram liberais em relação a Portugal, mas defendiam a

recolonização do Brasil. 7 Travada em Portugal entre liberais constitucionalistas e absolutistas sobre a sucessão real.

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sociais de grande significado para a estrutura da sociedade portuguesa,

nomeadamente o Ultimatum de 1890, a Revolta Republicana de 1891, culminando

na implantação da República em 1910. Assiste-se, neste período, ao declínio das

manufaturas artesanais e ao crescimento da população que trabalhava na indústria

de 17% para 21%, no período de 1890 a 1891. Em termos de contribuição para o

produto nacional, em 1891 a indústria representava cerca de 25% do rendimento

nacional e a agricultura 75%; em 1898 a indústria contribuía com 36% e a

agricultura com 64%.

Teixeira (1992) destaca que as condições de vida dos trabalhadores

deterioraram-se nas últimas décadas do século, acentuadamente, a partir de 1880,

correspondendo a um período de concentração de capital da indústria. Verificou-se

uma quebra dos salários reais e um aumento dos preços da alimentação, vestuário

e habitação. Nos termos do autor,

A introdução de maquinaria nas fábricas e oficinas aumentou o desemprego e deu

origem a uma grande reserva e força de trabalho. Tal fato, e o crescente número de

mulheres e crianças que trabalhavam nas fábricas levaram a um abaixamento dos

salários reais. No final do século uma família operária típica gastava cerca de quatro

quintos do seu salário em alimentação. Mesmo assim, a qualidade da alimentação

era muito pobre, constituída principalmente por batatas e vegetais. O que restava do

salário era destinado ao pagamento de renda da casa, vestuário e todas as outras

despesas. As rendas tinham de ser necessariamente muito baixas, a fim de ajustarem

aos salários modestos dos trabalhadores, o que resultava nos alojamentos

extremamente pobres, pequenos insalubres em que a maior parte das classes

trabalhadoras vivia nas cidades. (Teixeira, 1992, p.66).

Nas cidades de Lisboa e Porto, as maiores cidades e consequentemente os

centros mais industrializados do País, os problemas da habitação vão se tornar mais

graves. Essas cidades se destacaram historicamente no desenvolvimento de

estratégias de promoção social de moradia, conforme se mostra a seguir.

Ao tratar da habitação em Portugal, observa-se que, num primeiro momento,

foi a burguesia industrial (interessada em ganhar dinheiro e controlar a classe

trabalhadora) que procurou resolver essa questão, através das vilas operárias,

seguindo-se as associações filantrópicas, mutualistas e cooperativas.

Estudos realizados por Silva (1994) mostram que a primeira iniciativa pública

de construção de habitação para os operários deve-se ao governo do Marquês de

Pombal, que construiu um bairro destinado à habitação operária junto da Real

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Fábrica de Sedas do Rato: em 1769 estavam construídos 60 fogos8; também a

Misericórdia de Lisboa foi obrigada em 1768 a aplicar parte dos seus capitais na

reparação e reedificação de habitações para operários.

As primeiras casas construídas por industriais, bem como as primeiras

iniciativas filantrópicas, tiveram lugar em Lisboa e no Porto. Da mesma forma, a

intervenção estatal na habitação, incluindo a construção de novas habitações,

ocorreu primeiro nessas duas cidades.

Pereira (1994, p.509) chama a atenção para o assunto, pois revela que há

miséria das condições de habitação do operariado nos principais centros urbanos do

país, com relevo para Lisboa, Porto, Covilhã e Setúbal. O desenvolvimento

industrial nos principais centros urbanos do País provocou um surto migratório,

sobretudo do meio rural para o meio urbano, agravando o problema da habitação

nesses locais.

As condições que deram origem à forma e à localização da habitação operária

no Porto no século XIX foram identificadas por Manuel Teixeira (1992), a partir de

investigação de registros prediais e notariais, enquanto a caracterização das formas

de habitação oitocentistas em Lisboa foi tema de investigação de Nuno Teotônio

Pereira (1994), conforme mostrado na sequência.

A) O caso das Ilhas do Porto

No Porto, as duas principais formas de ocupação do alojamento para as

classes trabalhadoras eram a de velhos edifícios, um processo que começou nas

primeiras décadas do século XIX, e a construção de novas habitações, as “ilhas”,

que começaram a construir-se por volta de 1850.

As ilhas consistiam em filas de pequenas casas de um único piso, geralmente com

áreas que não excediam os 16m², construídas nos quintais de antigas habitações

burguesas. Nessas casas pequenas e insalubres viviam famílias inteiras. A maior

parte das ilhas não tinha abastecimento de água e os sanitários eram comuns a todos

os seus habitantes. O acesso a essas ilhas fazia-se através de estreitos corredores, que

passavam por baixo de casas construídas à face da rua. (Teixeira, 1992, p. 67)

8 Durante todo o texto será muito comum a palavra fogos, um termo português que significa unidade

habitacional.

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As ilhas não tinham qualquer relação formal com anteriores tipos de

habitação, quer rural, quer urbana. Elas eram uma forma de habitação específica,

desenvolvida para satisfazer a procura de habitação barata por parte das classes

trabalhadoras.

Quadro 2 - Habitações da classe média em “ilhas” construídas no Porto, 1898 –

1900

Anos Habitações de

classe média

Casas em Ilhas Total

1864-1868 1600 1900 3500

1878-1890 2800 5100 7900

1890-1900 1600 3100 4700

Fonte: Recenseamentos da população de 1864,1878, 1890, 1900. INE- Instituto Nacional de

Estatística.

A maior parte das ilhas localizava-se em zonas da cidade construídas nas

primeiras décadas do século como zonas residenciais, vocacionadas para as classes

médias, mas que ao seu tempo de construção encontravam-se num processo de

decadência. As maiores concentrações de ilhas avizinhavam-se das zonas

industriais, nas quais, por vezes, atingiam densidades de até 900 habitantes por

hectare.

B) Os pátios e vilas de Lisboa

Segundo Pereira (1994), a partir dos meados do século XIX, o lento processo

de industrialização vai provocando a concentração, em Lisboa, de mão de obra

operária. A população da cidade aumenta, mas também se modifica a respectiva

composição social: ao mesmo tempo que a burguesia se desenvolve e se diversifica

em estratos diferenciados, uma classe operária começa a emergir. Para as

necessidades de alojamento daquela, o próprio sistema, gerido pelos governos,

encontra mecanismos, que criam avenidas e urbanizam novos bairros. Contudo,

ninguém cuida da habitação das, então, classes laboriosas. Assim, nos termos do

autor:

As famílias operárias veem-se obrigadas a procurar alojamento em espaços

desocupados ou em velhos pardieiros arruinados, onde improvisam elas próprias

precárias habitações ou se acomodam de qualquer maneira, sempre mediante o

pagamento de uma renda ao proprietário. É assim que surgem os pátios. (Pereira,

1994, p. 511).

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Conforme o autor, com o incremento da indústria, acompanhado das obras

públicas e da própria construção civil, as necessidades crescentes de mão de obra

intensificam o processo de urbanização e o afluxo de populações à capital.

Institucionaliza-se uma nova forma de alojamento e um novo processo de

exploração. Senhorios dinâmicos fazem construir, eles próprios, nas traseiras dos

seus prédios, casas abarracadas para alugar aos operários. São aproveitadas caves

insalubres para o mesmo efeito, sempre com acesso pelas traseiras; conventos das

recém-extintas ordens religiosas adquiridas em hasta pública, ou palácios

arruinados são meticulosamente alugados quarto a quarto. E começa a haver quem,

com espírito empreendedor, adquira terrenos para aí construir pátios.

Teixeira (1999), ao retratar que em Lisboa, no início do século XIX, as classes

trabalhadoras ocuparam velhos edifícios nos bairros populares da cidade, na

vizinhança de implantações industriais, dando origens aos “pátios”, observa que:

Na segunda metade do século XIX os “pátios” tornaram-se uma forma dominante de

habitação popular em Lisboa. Um pátio era um espaço mais ou menos regular,

situado no interior de um quarteirão, com pequenas casas construídas à volta viradas

para um espaço livre comum. Alguns desses pátios eram relativamente espaçosos,

outros eram construídos em estreitas parcelas de terreno. Nesse último caso

assemelhavam-se as ilhas, embora não tivessem a mesma consistência formal.

(Teixeira, 1999, p. 69)

Conforme Pereira (1994), as camadas mais desfavorecidas da população

lisboeta, viam-se, assim, na contingência de ter deprimentes condições de

alojamento, albergadas em palácios arruinados ou conventos desafetados e, a

maioria das vezes, em pátios insalubres. Foi ai que a iniciativa privada começou a

interessar-se pela situação, com a construção de vilas operárias, onde as condições

não seriam tão miseráveis e que dariam, provavelmente, bons lucros aos

investidores.

Ainda nos termos do autor, as vilas operárias constituem uma forma de

alojamento especializado, que expressa com clareza uma situação de classe dentro

da cidade. Mas, essa expressão é ainda mais eloquente nos casos numerosos em que

num mesmo lote (terreno) são construídas duas tipologias distintas: marginando a

rua, um prédio corrente para a burguesia (mais frequentemente para a pequena

burguesia); e no interior do talhão, por detrás desse prédio, um pátio, ou vila,

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destinado a famílias proletárias. Nesse caso, há uma hierarquia social traduzida

diretamente no nível do próprio lote.

2.2.3. O desenvolvimento das cidades no século XX e sua relação com as proporções que tomaram a dinâmica habitacional

Nos termos de Castro (1971), os movimentos operários começaram a se

desenvolver em Portugal a partir da década de 1840. No início, eram

fundamentalmente associações de socorros mútuos ou cooperativas, porém, a partir

de 1870, o movimento sindical começa a ganhar força e em 1875 era já uma força

política importante no País. Em 1876, existiam 24 sindicatos, dos quais 10 em

Lisboa e 8 no Porto; em 1903, existiam 135, com 63 em Lisboa e 42 no Porto.

Greves, por melhores salários, pela redução da jornada de trabalho e por reformas

políticas, tornaram-se comuns a partir de 1880, e tornaram-se frequentes entre 1900

e 1912. Entre 1903 e 1912 ocorreram 259 greves, com maior incidência nos anos

1910 e 1911. Essa atividade sindical era um componente importante da luta política

que levou à queda da Monarquia e ao estabelecimento da República.

A partir desse período, o País vai vivenciar um momento de instabilidade

política (já que vários governantes vão passar pela direção do país). Esses

acontecimentos vão contribuir para o agravamento da economia, que só piorou com

a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914-1918.

Em termos econômicos a situação não teve boa notícia nos anos seguintes, devido

à grande crise mundial de1929, que também afetou toda a Europa.

Pouco mais de um mês após a revolução que estabeleceu o novo regime, no

dia 12 de novembro de 1910, era publicada a lei de inquilinato, satisfazendo queixas

dos inquilinos contra os proprietários.

As rendas eram pagas semanalmente e os despejos eram frequentes. A lei do

inquilinato tornou os despejos muito mais difíceis, permitia aumentos de renda de

apenas 10% de dez em dez anos e impedia aumentos de renda quando eram assinados

novos contratos de arrendamento. Na prática, a lei do inquilinato congelou as rendas

e dava segurança aos inquilinos, impedindo os despejos. Dado que os aumentos de

renda permitidos não acompanhavam a depreciação da moeda, os proprietários viram

o valor real das suas rendas diminuírem. (Teixeira, 1992, p. 76)

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Silva (1994) destaca que até ao fim da primeira década do século XX, a

intervenção pública foi quase nula, quer da parte do legislador, quer das câmaras

municipais. Mas, foi com a ascensão da classe média urbana ao poder, no período

da República que ocorreram as primeiras intervenções públicas diretas na questão

da habitação.

Para Silva (1994), uma das primeiras medidas adotadas foi uma lei das rendas

que introduziu as seguintes condições: pagamento das rendas das casas ao mês, em

vez de ser ao semestre ou ao trimestre; congelamento das rendas de casa, permitindo

apenas a sua atualização de dez em dez anos até 10%; e condicionamento dos

despejos. Com estas medidas, a República satisfez mutuamente os interesses das

classes médias e das classes baixas urbanas, sua base social de apoio, indo de

encontro aos interesses dos inquilinos. Além disso, a Primeira República lançou as

primeiras iniciativas de habitação social, os bairros sociais, só concluídos na década

de 1930, dois em Lisboa e um no Porto. Não obstante, as diversas iniciativas

tomadas para esse fim, à intervenção do Estado na promoção direta de habitação

social foi um fracasso completo durante a Primeira República.

Uma das medidas tomadas no período da ditadura militar estudado foi a

tentativa de retorno, em 1928, das casas econômicas9, conforme estabelecido pela

Primeira República em 1918 e que propunha casas unifamiliares para as classes

menos abastadas. Neste programa, as casas econômicas eram isoladas e destinadas

para uma só família, sendo, arrendadas em regime de renda resolúvel. O modelo

urbanístico e arquitetônico adotado foi o modelo inglês, como explicitamente se

afirma na lei que criou o programa: facilitar a construção de habitações

independentes e ajardinadas, semelhantes às de Inglaterra.

Em suma, os governos militares que se sucederam neste período não elegeram

a habitação como uma prioridade, porque, apesar de terem legislado neste domínio,

não implementaram as medidas adotadas. Na prática, a principal intervenção para

9 De acordo Silva (1994,p.660), com o Decreto nº 16055, de 22 de outubro de 1928, considerou-se

casas econômicas as que destinando-se ao alojamento das classes pouco abastadas, fossem

construídas dentro de dez anos, contados da data da sua publicação e que satisfizessem

cumulativamente aos requisitos seguintes: (1º) não excedessem na sua construção o custo máximo

de 350$00 por metro quadrado coberto e por andar habitável; (2º) que fossem construídas de

alvenaria de pedra e cal, tijolo ou adobe, cimento ou cimento armado; (3º) que reunissem todas as

condições de solidez, duração, conservação, isolamento e impermeabilidade e de higiene moderna

e conforto, sendo preferidas as de construção antissísmica; (4º) que tivessem o atestado oficial de

casa econômica, passado pela comissão de casas econômicas do conselho.

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estimular a produção de novas moradias foi pela via da redução de carga fiscal que

incidia sobre o processo de produção de habitação, desde a aquisição de terreno, até

a venda das casas, passando pelo licenciamento, pela construção e pela

simplificação do acesso ao crédito.

De acordo com Salgueiro (1992), no período do Estado Novo, uma das

marcas do regime foi a política de obras públicas. A expansão dos trabalhos

públicos ajudava a responder ao desemprego inerente à crise que inaugura a década

de 1930 e permitia lançar as infraestruturas de base necessárias à industrialização e

modernização do país.

Para além de grandes projetos de eletrificação, construção de estradas, pontes

e empreendimentos hidráulicos, foi criado em 1932 o fundo de desemprego, cujas

verbas, oriundas de descontos efetuados nos salários dos trabalhadores, eram

distribuídas pela administração central aos municípios, para obras. O Estado

construiu imóveis para os Correios nos anos 1930 e 1940, filiais da Caixa Geral de

Depósitos nas capitais de distritos, edifícios prisionais, pousadas turísticas, bem

como alguns liceus da década de 1930, como o de Beja e Coimbra.

Em 1940, data sobremaneira simbólica da comemoração dos centenários da

fundação da nacionalidade e da restauração da independência, resolveu o Novo

Regime, então já consolidado, fazer uma exuberante afirmação de vitalidade e

poder. Escolheu os castelos, as escolas primárias e a alguns projetos de habitação

social para marcar o território.

Com efeito, o espírito nacionalista de veneração de determinados momentos

históricos, de cujo rigor não era a nota dominante, levou à reconstrução de muitas

muralhas e castelos, à fantástica reelaboração do palácio de Guimarães, à promoção

de cortejos históricos e do concurso da Aldeia mais portuguesa de Portugal. Em

Lisboa, as obras do porto juntam-se às do aeroporto, à do Viaduto Duarte Pacheco,

sobre o vale de Alcântara, O Estádio Nacional (inaugurado em 1944), a ampliação

do Museu de Arte Antiga, a restauração do Teatro São Carlos.

Silva (1994) observa que Lisboa que tinha 356.009 habitantes em 1900,

passou para 591.939 em 1930. Este processo desequilibrou a relação oferta-procura,

daí derivando os problemas dos bairros clandestinos, das barracas, da sublocação e

das construções sem qualidade e sem segurança, situação também analisada por

Salgueiro (1992).

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A respeito da evolução urbana em Portugal no século XX, Salgueiro (1992)

esclarece que, embora moderado, o processo de urbanização em Portugal

desempenhou um papel muito importante na alteração da estrutura do povoamento

ao longo deste século. Enquanto a população total do País passou de cerca de 6 para

10 milhões, entre 1911 e 1981, registrando um incremento de 65%, os residentes

nos lugares com 5.000 e mais habitantes passam de 1 para 3,4 milhões, no mesmo

período, crescendo 197%.

Até 1950, a população rural ainda cresce mais que a população urbana em

valor absoluto, mas a partir daquela data, o crescimento urbano, que já vinha sendo

importante desde 1911, acentua-se, enquanto a população rural mostra sinais de

redução. É somente a partir da década de 1950 que a variação absoluta registrada

pelas populações urbanas ultrapassa a das rurais. Neste decênio, o crescimento

urbano absorveu quase 90% do crescimento populacional do País, situação que só

tinha acontecido com as populações rurais entre 1527 e 1801. Na década de 1960,

os números disponíveis revelam que a diminuição demográfica afetou

principalmente as áreas não urbanas, pois os citadinos continuaram a crescer,

embora a ritmo menor que no decênio anterior.

Quadro 3- Evolução da População do País e da População urbana (destaque:

Lisboa e Porto) (1900-2011)

Ano População do País População Urbana Lisboa Porto

1900 5.423.132 859.753 356.009 167.955

1911 5.999.146 1.127.420 431.738 191.890

1920 6.080.135 1.213.216 484.664 202.310

1930 6.802.429 1.488.763 591.939 229.794

1940 7.755.423 1.711.364 694.389 258.548

1950 8.441.312 783.226 281.406

1960 8.851.289 802.230 303.424

1970 8.568.703 769.044 306.176

1981 9.852.841 807.937 327.368

1991 9.862.540 663.394 302.472

2001 10.356.117 564.657 263.131

2011 10.561.614 547.631 237.591 Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE)2011.

Após 1970, a população volta a aumentar em percentagem apreciável e as

razões determinantes deste crescimento ajudam a compreender também que ele se

faça de forma mais desconcentrada, beneficiando algumas zonas do interior norte e

do litoral algarvio, para além da faixa ocidental que se tornava na região mais

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atrativa. Por esse fato, o crescimento das populações residentes em lugares com

menos de 5.000 habitantes torna a ser significativo.

Para Salgueiro (1992, p.45), entre 1960 e 1981, a população urbana volta a

aumentar muito e notam-se também importantes alterações na sua distribuição.

Aparecem seis lugares entre 50 e 100 mil habitantes. Para além desses, os maiores

acréscimos dão-se nos centros de dimensão média, entre 15 e 30 mil habitantes, em

relação ao desenvolvimento de algumas cidades com importância regional, como

Aveiro, Faro ou Castelo Branco, e ao proliferar dos subúrbios de Lisboa e Porto.

É importante observar que o processo de urbanização do país, tendo também

presente a sua vertente locacional, revela de fato que o incremento do número de

lugares ocorre principalmente nos arredores de Lisboa e Porto, portanto, a

multiplicação dos centros pouco contribui para o maior equilíbrio da rede urbana

ou para a oferta mais acessível de serviços à população.

Salgueiro observa que, nas décadas de 1960-1970, deram-se uma série de

acontecimentos cujos efeitos contribuíram para inverter a situação que se desenha

anteriormente. O gigantismo das grandes metrópoles começou a torná-las

antieconômicas para certas atividades o que, gerando forças centrífugas, pode ter

contribuído para a menor taxa de crescimento de Lisboa e do Porto, apesar da sua

diminuta dimensão à escala internacional.

Há de destacar-se que na década de 1960 houve investimento de capital

europeu em Portugal. O País oferecia mão de obra barata e proximidade com os

demais países da Europa, na altura um grande número de portugueses migrou para

diversos países da Europa em busca de melhores condições de trabalho e renda.

Sendo os maiores fluxos para Alemanha, França e Luxemburgo.

Com a crise econômica mundial dos anos 1970, houve impactos na oferta de

empregos em toda Europa, o que consequentemente contribuiu para o retorno de

Portugueses. Essa conjuntura impactou nas remessas de dinheiro enviadas por

parte dos portugueses para suas famílias. Sem esquecer-se dos gastos com a guerra

da África. Todos esses fatores contribuíram para que mais tarde Portugal se tornasse

mais dependente do capital estrangeiro, tendo que recorrer a empréstimos junto ao

Fundo Monetário Internacional (FMI) e à ajuda da Comunidade Economica

Europeia (CEE).

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A mudança de regime e a independência das colônias fizeram retornar para

o continente refugiados políticos, entre 1975-1976, com a independência das

colônias. Ao longo de apenas 18 meses, 600.000 portugueses retornaram da África.

Em termos internacionais, importa referir os efeitos dos choques petrolíferos

e a sua consequência sobre a desaceleração do crescimento econômico na Europa,

pois tiveram como resultados o aumento do desemprego e, naturalmente, o regresso

de emigrantes que, tal como os retornados das colônias, voltaram em parte às suas

terras de origem. As dificuldades colocadas à mão de obra estrangeira na Europa

traduziram-se ainda na redução da emigração portuguesa que caiu quase a zero.

Na segunda metade dos anos 1960, fazem entrada na região de Lisboa os

grandes promotores imobiliários responsáveis por urbanizações de grande

dimensão. Em paralelo com a progressão das urbanizações, começa a assistir-se ao

loteamento ilegal de importantes áreas da periferia urbana com poucas expectativas

de urbanização, por razão da sua acessibilidade, más condições topográficas e de

exposição, ou impedimentos urbanísticos. Num período de forte crescimento

demográfico, grandes bloqueios no mercado habitacional e acentuada especulação,

muito desses lotes serão utilizados para a construção, neles surgindo prédios de

elevado número de andares, em resultado de práticas de corrupção, suborno e

especulação. Nascem assim, os bairros clandestinos, que se multiplicam como

cogumelos nos anos seguintes.

Encontrando pouca disponibilidade de solo na cidade, onde apenas aparecem

nas imediações do aeroporto (Charneca, Galinheiras), os bairros clandestinos

acompanham o movimento centrífugo da expansão urbana e vão multiplicar-se em

todos os concelhos vizinhos da capital, tanto na margem norte, quanto na sul.

Também na Região Norte, as orlas litorais dos concelhos de Matosinhos, Vila

Nova de Gaia e Espinho viram multiplicar-se os bairros clandestinos de residência

secundária, sobretudo depois de 1975, processo que, aliás, acompanha o aumento

geral da segunda habitação, que, nos concelhos do Grande Porto, registrou um

incremento de 26% nos anos setenta.

A construção clandestina, em conjuntos a que podemos chamar bairros, não

é exclusiva da região de Lisboa, embora revele formas diferentes consoantes o tipo

de povoamento e a estrutura da propriedade na região onde se instala.

Para Salgueiro (1992: 204), são clandestinas as obras feitas sem a competente

licença camarária, pelo que assumem diversas formas. Tanto respeitam as

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reparações e ampliações, como envolvem construções de raiz, as quais ainda podem

destinar-se a usos variados, desde palheiros e arrecadações fábricas e residências.

Há, assim, muita construção clandestina disseminada, grande parte da qual é difícil

de recensear.

De natureza diferente, porém, são as construções clandestinas que aparecem

em conjunto, pois são erguidas num loteamento, dando origem a bairros

clandestinos. Enquanto o clandestino isolado aparece frequentemente nas áreas de

povoamento disperso, onde a propriedade é muito dividida e sempre houve

tendência para construir a casa no chão que se possui, os bairros ocorrem com mais

frequência nas regiões de povoamento concentrado e propriedade menos dividida,

onde a construção urbana obriga a um parcelamento prévio, operação de

urbanização e loteamento segundo o sistema normal, ou apenas de loteamento nas

operações marginais. Isso ajuda a perceber a importância dos bairros clandestinos

em Lisboa-Setúbal, Evora e mesmo Castelo Branco, enquanto eles eram quase

inexistentes na região do Porto.

Ainda nos termos da autora, a forte pressão urbanística existente na Área

Metropolitana do Porto em face da estagnação do número de alojamentos na cidade

desde os anos de 1960, agravada após 1975 com a diminuição dos fogos para

aluguer; em combinação com a burocracia paralisante; a demarcação rígida dos

perímetros urbanos e de solos rurais para os quais não existem meios de

preservação; o aumento do nível de rendimento das famílias e a maior

permissividade, ou a alteração da relação entre o poder local e os municípios;

contribuem para explicar o caráter explosivo adquirido pela construção clandestina

na região, entre 1975 e 1980.

Apesar de haver notícia de bairros em meados dos anos 1960 é, todavia, na segunda

metade dos anos de 1970 que se registra o maior desenvolvimento, calculando-se

que em alguns anos se construiu 300 a 400 fogos só no Concelho de Matosinhos

(vizinho ao Porto), um dos mais afetados por esse tipo de construção.

No que diz respeito ao crescimento dos “bairros de lata”, Guerra (2011)

explica que, nos anos 1950 e 1960, já existiam em Lisboa bairros de barracas onde

vivia a grande parte da população de baixos rendimentos. “A descolonização fez

crescer exponencialmente esse tipo de habitat dando-lhe um colorido étnico e

mesmo características urbanísticas de “bairros africanos” de ruelas estreitas e de

grande densificação” (Guerra, 2011, p. 45).

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Guerra (2011) esclarece que a situação de Lisboa e Porto divergem nas formas

de resolução precária das populações recém-chegadas. Em Lisboa há maior impacto

dos bairros de barracas, enquanto no Porto a sobrelotação, os pátios e vilas,

coexistem de forma menos visível, apresentando as mesmas condições de falta de

conforto e de intimidade.

Portugal, no final dos anos setenta, saído de um regime ditatorial, sofre com

fortes pressões do crescimento urbano repentino. Os “clandestinos” emergiram da

combinação de características estruturais do processo econômico social e político

da sociedade portuguesa com traços de modos de vida nos quais a casa tem um

lugar privilegiado. Por um lado, as famílias encontraram na clandestinidade e na

informalidade a única forma de resolver o seu problema da habitação, de outro o

Estado foi aliviado de dispor de investimentos vultosos nesse campo.

Os bairros clandestinos são originais de práticas especulativas dos

proprietários de terra. Como não há terra disponível próxima a zonas de maior

demanda habitacional, e, quando há, são de elevados preços, as alternativas eram o

financiamento (que depende de fatores econômicos como emprego, renda, inflação

e juros) ou os loteamentos clandestinos na periferia das duas áreas metropolitanas:

Porto e Lisboa. Esta ocupação rural das cidades, sobretudo realizada através de

moradias, está hoje maioritariamente legalizada pelas autarquias com as respectivas

infraestruturas básicas. O fenômeno clandestino corresponde também à

convergência de vários interesses. “A construção clandestina passa a ser uma

“aliança” que interessa a todos: proprietários fundiários, promotores imobiliários,

municípios, moradores etc.” (Guerra, 2011, p. 46).

Um estudo10 de 1989 apontou que na década de 1980 havia 250 mil

alojamentos clandestinos no país. A região de Lisboa teria 45 mil habitações onde

existiam cerca de 300 mil pessoas, o que correspondia a 12,5% da população da

região metropolitana.

Até aqui, percebe-se que, até ao final da década de 1980, estava visível que o

País passou por graves problemas urbanos, construção de bairros de barracas,

construção de habitação de gênese ilegal, sobretudo nas áreas metropolitanas de

Lisboa e Porto. As alternativas para solução desse quadro desenvolveu-se a partir

da década de 1990 com a implementação do Programa Especial de Realojamento

10 Consultar: GUERRA,I, MATIAS,N. Elementos para uma análise sociológica do movimento

clandestino. In: Clandestinos em Portugal – Leituras, Lisboa, Livros Horizonte, 1989.

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(PER), que será pormenorizado no 3º capítulo deste trabalho. As primeiras

alternativas de moradia, sobretudo para os operários, desenvolveuram-se no

decorrer no século XIX e início do século XX, com algumas tímidas opções por

parte do Estado Português. Somente a partir do século XX que desenvolver-se-ão

as primeiras tentativas de efetivar uma política habitacional. Esse assunto será

tratado no próximo capítulo.

2.3. O desenvolvimento urbano no Brasil: questão fundiária e a relação com a habitação

2.3.1. Para inicio de conversa: a questão urbana no Brasil

As cidades brasileiras são as expressões urbanas de uma sociedade que não

consegue superar a sua herança colonial, já que a questão do acesso à propriedade

da terra está no cerne dessa desigualdade social. O texto faz um rápido registro de

aspectos da evolução urbana no Brasil, no desenrolar dos séculos XIX e XX. Mas,

é no século XX que o tema urbanização ganha mais importância.

Na perspectiva de introduzir rapidamente os desdobramentos do período

colonial no Brasil (1500-1822)11, para que a história não seja ignorada, é importante

apontar que apesar de a população indígena ser, á época, constituída por mais de

dois milhões de pessoas, o que significava o dobro de habitantes de Portugal em

1500, a ação da colonização portuguesa representou a asfixia de todo um modo de

habitar e de viver. É evidente que muitos hábitos indígenas seriam apropriados

pelos colonizadores portugueses. Contudo, novos valores econômicos, sociais,

culturais e religiosos seriam tomados como referência central e absoluta. Os

recursos naturais, a organização espacial, a terra e a população que nela viviam

foram envolvidos num movimento avassalador, determinado pelo capitalismo

11 Para elaboração desse primeiro tópico sobre os desdobramentos do período colonial no

desenvolvimento urbano no Brasil, sobretudo utilizou-se como referência a valiosa contribuição de

Maricato (1997).

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mercantilista, que ignorou a conjuntura social anterior à chegada dos europeus à

colônia.

A ação dos colonizadores em relação à população indígena, na América, foi marcada

pela violência: a militar (através do uso da pólvora e das armas de fogo) a econômica

(escravização, destruição das crenças, dos costumes, dos mitos, das tradições, dos

ritos). (Maricato, 1997, p.11)

Como sugere a autora, a destruição dos referenciais que davam sustentação

às comunidades indígenas atingiu, até mesmo, a moradia (oca) e a aldeia (taba)

construídas com folhas de palmeira ou sapé. As ocas foram rejeitadas por seu uso

coletivo, ofensivo aos valores religiosos e morais dos colonizadores. Os jesuítas

procuraram eliminar o costume indígena da habitação coletiva por considerarem-

na amoral e pecaminosa. As ocas foram substituídas por casas individuais e a

organização circular/coletiva da taba por um espaço organizado em hierarquia. É

notável, pode-se dizer absoluta, a importância da igreja católica nos dois primeiros

séculos e meio da colonização. Uma estreita relação entre Estado e Igreja garantia

a ele legitimação do domínio sobre as terras descobertas e a ela a exclusividade

sobre a vida espiritual (frequentemente não tão espiritual) desses territórios.

A criação dos núcleos urbanos vinha sempre acompanhada da construção da

capela, que ocupava lugar de destaque. O pequeno núcleo de casas ao redor da

capela poderia evoluir para a situação de paróquia ou freguesia, para depois se

tornar uma vila (e mais raramente cidade), que deveria apresentar uma matriz ou

capela ampliada, além da casa da Câmara e Cadeia. A administração urbana era da

competência do poder local. As câmaras municipais eram controladas

principalmente pelos proprietários rurais que ocupavam os cargos de vereador.

Tinham direito a voto os homens bons o que significava: de cor branca,

proprietários de escravos e de terra residentes na cidade, de religião católica e que

não se dedicassem a nenhum oficio manual – considerado desprezível.

Ao longo dos dois primeiros séculos do período colonial, o surgimento de

povoados no Brasil ficou restrito à costa Atlântica, sendo eles quase sempre de

dimensões modestas, com exceção de Salvador, capital da colônia, e de Olinda e

Recife, no período do domínio holandês (1630-1645), quando passaram por um

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interessante processo de urbanização comandado por Maurício de Nassau12, foi

somente com o ciclo do ouro que a vida urbana ganhou algum destaque.

Com a queda do açúcar e a ascensão do ouro, as cidades antes concentradas

no litoral, com exceção de São Paulo, começam a avançar para o interior. A

capitania de São Paulo foi dividida, criando-se as de Minas Gerais e Mato Grosso.

O eixo da dinâmica econômica desloca-se para o Centro-Sul e a capital é transferida

para o Rio de Janeiro (1763), por onde se dá o escoamento do ouro.

Durante todo o período colonial, apenas as cidades mais importantes tinham algum

calçamento nas ruas. O saneamento básico nunca foi preocupação da Coroa

portuguesa. Em geral, a água era recolhida por escravos e aguadeiros que abasteciam

as moradias. As fezes eram despejadas nos cursos de água. As cidades ligadas ao

ciclo do ouro constituíam exceções. Em Tiradentes, São João Del-Rei e Ouro Preto,

então Vila Rica, foram construídas pontes com a utilização de pedras trabalhadas

com esmero incomum, além de algumas obras de infraestrutura. (Maricato, 1997, p.

13)

Apenas entre 1750 e 1777, foi instituída uma política de urbanização, com

incentivo à criação de vilas que deveriam seguir as mesmas normas utilizadas em

território português. Esta política liderada pelo Marquês de Pombal13, primeiro

ministro português da época de D. José I, fazia parte do esforço de busca de maior

eficácia administrativa por meio da centralização, meta que Portugal ainda não

conseguira dar ao governo da colônia. Essa nova legislação recomendava um

sistema viário em que as ruas e praças deveriam se organizar em forma de xadrez,

instituindo também normas para os lotes, quadras e fachadas, que não deveriam

mais apresentar janelas com treliça. No fim do século XVII, o Brasil contava com

aproximadamente três milhões de habitantes, dos quais apenas 5.7 moravam nas

cidades.

Em 1808, desembarca no Rio de Janeiro, fugindo de Napoleão, a Família

Real, acompanhada por mais de 10 mil pessoas. Entre os acompanhantes

encontram-se ministros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcionários do

Tesouro, alto clero, Exército, Marinha, Tesouro Real, arquivos, máquinas

12 O domínio holandês iniciou-se em 1630, porém, Maurício de Nassau desembarcou em Recife em

1637, sua administração realizou obras de melhoramento urbano em Recife. Além disso, ampliou o

domínio holandês incorporando a região de Sergipe chegando à Fortaleza, no Ceará. 13 A reconstrução de Lisboa, após um grande terremoto, seguido de incêndio, em 1755, serviu de

modelo para diversas cidades brasileiras.

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impressoras, bibliotecas e outros objetos e pessoas com funções menos objetivas.

A acomodação de tanta gente no Rio de Janeiro foi problemática. As melhores

edificações foram desocupadas para receber a Família Real. Suas portas eram

marcadas com as letras P.R., que significavam Príncipe Regente, ou, na verdade

dos cariocas, “prédio roubado”, ou “ponha-se na rua”. (Maricato, 1997)

O impacto sobre a vida da colônia, em especial sobre a cidade do Rio de

Janeiro, foi muito forte. A começar pela abertura dos portos, que trouxe o fim das

restrições que visavam proteger as mercadorias aqui trazidas por Portugal. A

produção industrial foi finalmente liberada, rompendo-se o estatuto colonial. A

ciência moderna, que causou impacto na Europa no século XVII, chegou ao Brasil

somente no século XIX, com a vinda da Família Real. O ensino superior, até então

proibido, foi instituído. Criaram-se escolas de Medicina na Bahia e no Rio de

Janeiro, academias de Direito em Olinda e São Paulo. A imprensa nacional, antes

proibida, também foi criada nesse período; fundam-se as Academias Militar e da

Marinha e inaugura-se o Banco do Brasil. Teatro, biblioteca, academias literárias e

científicas, também, são inaugurados. A cidade do Rio de Janeiro, enquanto sede

do reino, é o principal local para acolher as iniciativas mais importantes. A

população carioca passa de 50 mil para 100 mil habitantes. A ampliação do

consumo para manutenção da realeza não foi condizente ao aumento proporcional

da produção. A combinação entre inflação e endividamento externo iria

acompanhar a história do País, a partir de então.

Até 1822, o Brasil tinha dez núcleos classificados como cidades. Ainda que

não se tenha passado por rupturas importantes, foi durante o período imperial que

começaram a serem gestadas as mudanças fundamentais responsáveis pelo

deslanche do processo de urbanização brasileiro. Foi nesse período que as disputas

políticas estendidas por todo o império (1822 a 1889), culminando com a Lei de

Terras (1850), a Abolição da Escravidão (1888) e a Proclamação da República

(1889), compõem um conjunto de medidas e acontecimentos que viabilizaram as

condições para a industrialização/urbanização no final daquele século.

A questão fundiária não tinha ganhado muita importância no contexto urbano

brasileiro até o final do século XIX. Porém, o debate que precede a generalização

da terra (urbana ou rural) como mercadoria privada é importantíssimo para entender

as raízes da formação do mercado fundiário urbano, tão desigual no Brasil, como

segue.

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2.3.2. Um debate obrigatório: A lei de terras na centralidade da questão fundiária no Brasil

A desigualdade social e a concentração fundiária têm suas origens no

processo de colonização portuguesa, período em que se instaurou o regime de

sesmarias (regime vigente em Portugal e transplantado para o Brasil). Nesse regime,

o rei de Portugal doava enormes extensões de terra brasileira a pessoas de sua

confiança. As sesmarias, bem maiores que Portugal, que exploradas pela mão de

obra escrava, enriqueceram algumas famílias e comprometeram o desenvolvimento

do País. Essa forma de explorar terras já ocorria no Império Romano e foi

introduzido em Portugal, no século XIV, pelo rei Dom Fernando.

O agricultor tinha o direito de posse e o rei mantinha o domínio das terras.

Apenas os brancos “puros de sangue” e católicos tinham o direito à posse da terra,

desde que fossem capazes de “enfrentar” os índios.

Sendo assim, conforme Martins,

Até às vésperas da Independência, tinha vigência o regime de sesmarias, em que a

concessão de terras devolutas, de domínio da Coroa, a particulares, baseava-se em

requisitos estamentais que dificultavam a legalização da ocupação indiscriminada

dos terrenos a quem não fosse branco, puro de fé e senhor de escravos. (Martins,

2010, p. 44)

Os senhores de engenho que eram “puros” obtinham uma grande área para

plantar cana-de-açúcar, enquanto a maioria da população não tinha o direito à posse

de terra, pois eram escravos e índios.

Na explicação de Martins (2010), há um quadro de referência histórica e

política que define com clareza as razões objetivas de instauração das regras de

propriedade da Lei de Terras.

A nova legislação fundiária de 1850 nasceu estreitamente relacionada com a crise do

trabalho escravo plantada na suspensão do tráfico negreiro e com a ameaça que essa

crise poderia estender à grande lavoura, fundada no latifúndio porque fundada na

escravidão. As primeiras pressões da Inglaterra contra o tráfico negreiro e o primeiro

acordo nesse sentido ocorreram nos anos 1820, como um dos componentes do

processo de independência do país. Em 1822, poucos meses antes da proclamação

da Independência, era suspenso o velho regime de sesmarias, o regime colonial de

propriedade, em que o rei preservava o domínio da terra concedida, concedendo

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apenas a posse e o uso aos fazendeiros, sob determinadas condições. (Martins, 2010,

p. 124)

O regime das sesmarias foi suspenso em 1822, meses antes da independência

do Brasil de Portugal. Todavia, não foi substituído por outro regime de posse da

terra, sendo mantido até 1850. Na altura, José Bonifácio de Andrada e Silva,

ministro do Império, justificou a sua suspensão baseado nas consequências da

caótica situação resultante do descontrole na ocupação da terra: população vivendo

sem civilidade, embrenhada nas matas; e agricultura estagnada, devido ao

latifúndio, que, somado à escravidão, era responsável pelo atraso da técnica na

produção rural. Era intenção de José Bonifácio, defensor da demarcação e venda de

propriedades menores, definir uma ordenação para a questão da terra. Essa

definição, todavia, como a questão da mão de obra escrava, não era simples e seria

motivo de disputa entre os detentores do poder durante muitos anos.

Entre 1822 a 1850, com a indefinição do Estado em relação à ocupação da

terra, essa ocorre de forma ampla e indiscriminada. É nesse período que se

consolida de fato o latifúndio brasileiro, com a expulsão de pequenos posseiros, que

antes tinham o hábito de ocupar terras virgens, e sua substituição por poderosos

proprietários rurais. A demorada tramitação do projeto de lei que iria definir regras

para a comercialização e propriedade da terra se devia ao medo dos latifúndios em

não ver “suas” terras confirmadas. Rejeitaram também o imposto territorial que

constava na primeira redação do anteprojeto de lei Divisão de Terras e colonização,

de 1843.

Na verdade, do projeto liberal que pretendia utilizar as terras devolutas (terras

públicas que não pertencem a um particular mesmo estando ocupadas) para com

sua venda financiar uma colonização branca (imigração de europeus), baseada na

pequena propriedade, pouco sobrou, senão uma pomposa e avançada exposição de

motivos, fundamentada nas virtudes do progresso das relações capitalistas.

Maricato (1997) considera que o fácil acesso à propriedade da terra

inviabilizaria a disponibilidade da força de trabalho que iria substituir os escravos,

especialmente nas fazendas de café. Por isso, foram mantidos os obstáculos ao

acesso à terra, e essas experiências de colonização acabaram bastante limitadas.

A demarcação das terras devolutas encontrou resistências no poder local, dominado

pelos “coronéis”, que responderam com imprecisões às solicitações do governo

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central sobre a situação das terras. Um vasto patrimônio do Estado, urbano e rural,

passou então para a esfera privada. A antiga forma corriqueira de acesso a terra,

concessão arbitrária ou ocupação pura e simples, passaria ser considerada crime a

partir de então. Uma parte da população branca livre ficaria sem terra, dependente

dos latifúndios para sua sobrevivência. (Maricato, 1997, p. 23)

Importa lembrar que há, em meados do século XIX, uma grande pressão por

parte das grandes potências econômicas para que o Brasil deliberasse o fim da

escravidão, situação que piorou com o término do tráfico negreiro em meados do

século XIX.

O Estado brasileiro já planejava a imigração de europeus, para substituir o

trabalho escravo que estava prestes a ser abolido. Se os imigrantes tivessem acesso

livre a terras, tal como no tempo das sesmarias, em que as terras eram livres para

os “puros” eles iam preferir ter suas terras ao invés de trabalhar nas lavouras de

café.

Em 1850, foi decretada a lei de terras que proibia a aquisição de terras

públicas através de qualquer outro meio que não fosse a compra, colocando um fim

às formas tradicionais de adquirir terras mediante posses e mediante doações da

Coroa. Porém, não se tratou de uma lei que facilitasse o acesso à terra,

Seria engano supor que a finalidade da Lei de Terras fosse a de democratizar o acesso

a propriedade fundiária. Na verdade, ela nasceu como instrumento legal que

assegurava um monopólio de classe sobre a terra em todas as regiões do país, mesmo

naquelas ainda não ocupadas economicamente. Com isso o que se conseguiria era

interditar o acesso do lavrador pobre à terra, impedindo-o de trabalhar para si e

obrigando-o a trabalhar para terceiros, especialmente para os grandes proprietários.

(Martins, 2010, p. 125)

Na realidade, a Lei de Terras de 1850 foi uma solução encontrada pelas elites

brasileiras para manter inalterada a estrutura agrária, impedindo o acesso à terra por

parte da população pobre e que era a maioria; e para conseguir trabalhadores livres

ao trabalho da lavoura de café, já que os escravos deveriam ser libertados na

segunda metade do século XIX.

Como conta Martins (2010), o rentismo estava na propriedade do escravo,

carecendo o fazendeiro de capital adicional para fazê-lo produzir. Tenha-se em

conta que na maior parte do período de vigência da escravidão o uso da terra não

dependia de compra, e sim de cessão de uso do domínio do que de fato pertencia à

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Coroa. Não existia, propriamente, a não ser como exceção, a propriedade fundiária,

que só se formalizará com a Lei de Terras de 1850. Durante a crise do trabalho

servil, o objeto da renda capitalizada passa do escravo para a terra, do predomínio

num para a outra, da atividade produtiva do trabalhador para o objeto do trabalho,

a terra.

Na vigência do trabalho escravo, a terra era praticamente destituída de valor.

Genericamente falando, ela não tinha equivalência de capital, alcançando às vezes

um preço nominal para efeitos práticos, sobretudo quando pequenas indenizações

eram oferecidas a posseiros encravados no interior das sesmarias, para pagamento

de seus roçados, e não da terra, uma vez que a Lei de terras reconheceu seu direito

de posse das terras de seu cultivo, mesmo com enclaves de terras sesmarias.

Dando sequência a explicação de Martins (2010), o principal capital do

fazendeiro estava investido na pessoa do escravo, imobilizado como renda

capitalizada, isto é, tributo antecipado, em relação à produção, ao traficante de

negros, com base em mera probabilidade de ganho futuro sobre mercadoria viva e

de risco. O fazendeiro comprava a capacidade de o escravo criar riqueza, mas para

que a criasse era preciso comprar também a pessoa perecível do cativo, coisa

exatamente oposta à do trabalho assalariado, em que não é preciso comprar o

trabalhador para ter o seu trabalho. De fato, a terra sem trabalhadores nada

representava e pouco valia em termos econômicos; enquanto isso,

independentemente da terra, o trabalhador era um bem precioso. Ao fazerem

empréstimos aos fazendeiros, no século XIX, os financistas e bancos preferiam ter

como garantia principal a hipoteca dos escravos e não a hipoteca das fazendas.

Como afirmou Martins (2010), com a lei de terras passava-se do cativeiro do

homem (escravo) para o cativeiro da terra, pois a terra no Brasil, a partir dessa lei,

não tinha mais “livre acesso”. Ou seja, era restrito a quem não tinha condições de

pagá-las, e esse não era o caso nem dos escravos, prestes a serem libertos, e nem

dos imigrantes colonos, que vieram para trabalhar no regime de colonato nas

lavouras de café.

Como já mencionado, a lei de terras foi promulgada no mesmo ano - na

verdade, em um intervalo de poucas semanas, do que a proibição definitiva do

tráfico de escravos. Nesse sentido, para Ferreira (2005), está claro que, em meio a

um processo político-econômico em que se restringia o sistema de escravidão, a Lei

de Terras serviu para transferir o indicativo de poder e riqueza das elites de então:

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sua hegemonia não era mais medida pelo número de escravos, mas pela terra que

possuía, agora convertida em mercadoria, e o trabalho assalariado podia, então, se

expandir no Brasil, respondendo às pressões inglesas.

Como bem lembrou Martins:

O país inventou a fórmula simples da coerção laboral do homem livre: se a terra

fosse livre, o trabalho tinha que ser escravo; se o trabalho fosse livre, a terra tinha

que ser escrava. O cativeiro da terra é a matriz estrutural e histórica da sociedade que

somos hoje. Aqui a propriedade da terra se institucionalizou como propriedade

territorial capitalista, presidiu o processo de instauração, difusão e consolidação do

capitalismo entre nós, acasalou terra e capital, concentrou a repartição da mais-valia

e avolumou a reprodução ampliada do capital. (Martins, 2010, p.10)

Consolida-se a partir desses fatos, conforme Ferreira (2005), a divisão da

sociedade em duas categorias bem distintas: os proprietários fundiários de um lado,

e do outro, sem nenhuma possibilidade de comprar terras, os escravos, que seriam

juridicamente libertos apenas em 1888; e os imigrantes, presos às dívidas com seus

patrões ou simplesmente ignorantes de todos os procedimentos necessários para

obter o título de propriedade. A presença de ambos já era na época considerável: se

em 1700 o Brasil tinha, cerca de 3 milhões de habitantes, o tráfico negreiro alterou

bem a situação, e, em 1850, somente os escravos já eram cerca de 4 milhões.

O acesso a terra pela via monetária, altamente restrita, influenciou fortemente

a conformação espacial Brasileira. É em torno da propriedade do solo que ocorre a

luta de classes, configurando uma questão urbana que vai permear todo o século

XX, seguindo até os dias atuais.

É a partir do século XX que o processo da urbanização no Brasil vai tomar

maior importância. Mas será que a política urbana e consequentemente a política

habitacional ficará subordinada aos interesses da reprodução das relações

capitalistas de produção, gerando exclusão? É o que vamos ver no decorrer do

próximo item desse trabalho.

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2.3.3. Brasil no século XX, processo de urbanização e alternativas de moradia

O processo de industrialização no Brasil deu-se integrado à expansão da

cultura do café, que toma impulso a partir de 1830. As primeiras indústrias têxteis

se instalam em Salvador ou arredores a partir de 1844, mas seu desenvolvimento

iria se concentrar no Centro- Sul, região de produção cafeeira. A produção industrial

do Rio de Janeiro e de Minas Gerais suplantava a produção paulista em 1907, que

era equivalente à do Rio Grande do Sul. Em 1920, entretanto, São Paulo supera em

mais do dobro a produção de cada um dos outros Estados.

Apesar de favorecida pelo capital acumulado com a exportação de café, nos

termos de Teixeira (1997), a industrialização seria freada, até a segunda metade do

século XX, por uma conjunção de fatores que incluirá os interesses da burguesia

cafeeira, dos intermediários urbanos, comerciantes e financiadores, somados aos

interesses ingleses, que implicavam ampliar o mercado para seus produtos

industriais.

A formação capitalista brasileira não apresentou os traços clássicos da

transição feudalismo/capitalismo tal como os países europeus. A base da sociedade

brasileira é de economia colonial, escravocrata e oligárquica. Todavia, no Brasil,

há a instauração de um capitalismo tardio e subordinado ao capitalismo mundial,

mesclando características coloniais e casando o novo com o velho, sem abrupta

ruptura, todavia, com a conservação de traços do período anterior.

No início do século XX o Brasil era essencialmente um país agrário, com sua

economia baseada no modelo primário de exportação, sendo o café o principal

produto vendido. Ao longo da década de 1920, o café manteve–se firme na condição

de carro-chefe da economia brasileira, sozinho respondia por 70% das exportações

e, ao contrário do açúcar e de outros setores agrícolas, continuava a apresentar uma

tendência de crescimento da produção e da exportação, “o café dá pra tudo”, gostava

de repetir o presidente Washington Luís (1926-1930), resumindo a situação econômica e

social do país, do ponto de vista dos interesses das grandes oligarquias cafeeiras” (Teixeira,

1996, p. 5).

Esse processo de transição do modo de produção escravista para o modo de

produção capitalista, não impediu que no decorrer do século XX, o urbano passasse

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a ganhar maior densidade e importância política e econômica. Em 1890, éramos 14

milhões, mais de 90% da população residindo em zona rural. Ao longo do século

XX, o Brasil, vai sofrer um aumento acentuado da população sem dar conta de

incorporar a todos (ex escravos, sem terra e imigrantes pobres), problemas

decorrentes das opções que fizeram as elites políticas e econômicas.

De acordo com Maricato (1997), no decorrer do século XX, as reformas

urbanas se incluíam entre as diversas medidas destinadas a simbolizar essa nova

fase da história do País e a atrair capitais externos que a expansão do café requeria.

Elas implicaram em mudanças radicais, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro:

ampliação da capacidade do porto, o maior e mais importante do Brasil e que,

entretanto, não comportava navios de maior porte; ampliação da capacidade de

armazenamento de produtos e mercadorias; ampliação do sistema viário destinado

à circulação de mercadorias, dos entroncamentos ferroviários ao porto (essa

circulação era bastante dificultada pelas estreitas e congestionadas ruas do Rio de

Janeiro).

O engenheiro Francisco Passos, foi indicado pelo presidente Rodrigues Alves, para

prefeito da cidade do Rio de Janeiro, em dezembro de 1902. O prefeito teve poderes

ditatoriais (inconstitucionais à época) para desapropriar, demolir, contratar,

construir, sem possibilidade de contestação por parte de qualquer cidadão que

sentisse atingido. Foram construídos 120 novos grandes edifícios no lugar de 590

prédios velhos em apenas vinte meses. “As famílias pobres eram despejadas sem

complacência dos cortiços ou “cabeças de porcos” (casas cujos cômodos eram

repartidos por várias famílias) localizados nas áreas centrais”. (Maricato, 1997, p.28)

O rápido crescimento populacional urbano sem o acompanhamento de

serviços de saneamento foi a causa de epidemias (cólera, febre amarela) que

tomavam conta da cidade. Uma política higienista saneadora também foi

empreendida nesse período, com determinação e truculência. Se as obras de

ampliação do sistema viário atingiam apenas uma parte da população pobre que era

expulsa, a campanha da vacina atingia a todos. Foi, em 1903, que o sanitarista

Oswaldo Cruz chefiou uma campanha governamental abrangente de vacina e

desinfecção da cidade do Rio de Janeiro.

Outras cidades seguiram o mesmo caminho. Manaus, Belém, Porto Alegre,

Curitiba, Santos, São Paulo, passam pelas obras que conjugaram saneamento com

embelezamento e segregação territorial. “O saneamento tinha como objetivo, além

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das medidas propriamente higienistas, afastar das áreas centrais os pobres,

mendigos e negros, juntamente com seu estilo de vida” (Maricato, 1997, p. 29).

Percebe-se, nesse sentido, que o embelezamento consistia em dar a essas

áreas um tratamento estético e paisagístico que propunha a inexistência da pobreza.

Razão pela qual a solução do problema de moradia da massa trabalhadora pobre,

não incluir-se nos projetos de reforma urbana. A destruição de seus cortiços,

malocas e pensões elevou os preços dos aluguéis e os empurrou a morar nos morros

e subúrbios, dando início à formação das favelas14.

Nos termos de Gohn (1995), nas primeiras décadas do século XX, com o

crescimento do trabalho urbano assalariado, avançou-se nas lutas da classe

trabalhadora brasileira nos grandes centros, a exemplo das lutas por melhorias

urbanas para todos, da criação de associações mutuárias e sociedades beneficentes,

atos e comícios contra o desemprego e a carestia, greves. Nesse momento, a questão

social já era tratada como caso de polícia para os governantes.

Segundo Pereira (2000), nos anos que antecederam o período de 1930, o que

se apresentou foi a ausência de um planejamento urbano e social, em um Estado

quase ausente de intervenção na área social, submetido à falta de condições para

reconhecimento político das reivindicações do operariado industrial.

Assim, o enfrentamento da “questão social” se efetivou através do direito da

coerção e reparações tópicas, emergenciais e pontuais, sendo as áreas de destaque,

o trabalho e a previdência, de forma que se assegurou o “direito” do trabalhador

formal urbano, mediante contribuição compulsória deste, do empregador e de

parcela mantida pelo Estado.

Importa dizer que a grande crise econômica mundial de 1929 foi altamente

favorável para o crescimento das atividades industriais no Brasil. A necessidade de

defender a renda das exportações mediante uma política cambial que encarecia as

importações acabou criando estímulos à maior produção interna de bens e consumo.

Tanto o governo quanto os empresários compreenderam que se tratava de um

momento muito oportuno para intensificar a substituição de importações e acelerar

o desenvolvimento da indústria nacional.

O governo Vargas (1930-1945) acentuou o estabelecimento de novas bases

estruturais para o país, obedecendo a um padrão nitidamente urbano, fundamentado

14 Sobre a formação e história das favelas no Rio de Janeiro ver o trabalho de Gonçalves (2013).

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na criação da industrialização e consolidando as relações capitalistas de produção,

nas áreas rurais como, também, na região sudeste do país, com a promoção da

urbanização e concentração urbana. Diante do exposto, pode-se afirmar que o êxodo

rural foi fundamental para a criação do trabalho excedente e para gerar uma

população urbana no país. A tendência nos anos seguintes foi a crescente

diminuição da população rural e o aumento das taxas de urbanização.

Consequentemente, a agricultura sofreu mudanças devido à introdução de técnicas

modernas.

Segundo Rolnik (2002), esta política de desenvolvimento acirrou as

desigualdades socioespaciais, criando, desde o início, uma segregação territorial,

contrapondo uma minoria que vive em condições precárias. Formando cidades

divididas entre a porção legal, rica e com infraestrutura; e a ilegal, pobre e precária,

com uma população vivendo em condições desfavoráveis, sem acesso a moradias

dignas.

O mandato do presidente Vargas iniciou a intervenção estatal no setor da

habitação popular, quando, em 1932, os Institutos de Aposentadoria e Pensão

(IAPS) passaram legalmente a aplicar parte das receitas na construção de casas.

Essa intervenção vai se intensificar somente mais tarde em 1946, com a criação da

Fundação da Casa Popular, assunto que será aprofundado no próximo capítulo.

Importa registar que entre 1940 e 1980, dá-se uma “verdadeira inversão

quanto ao lugar de residência da população brasileira” (Santos, 2005, p.31). Em

1940, a taxa de urbanização era de 31,24, em 1980 alcança 67,59%. (melhor

exemplificado pelo quadro 4).

Quadro 4- Brasil população 1940-2010

Ano População total População urbana População rural Índice de

urbanização

1940 41.236.315 31,2% 68,8% 31,24%

1950 51.944.397 36,2% 63,8% 36,16%

1960 70.992.343 45,1% 54,9% 44,67%

1970 94.508.583 56,0% 44,0% 55,62%

1980 121.150.573 67,7% 32,3% 67,59%

1991 146.917.459 75,5% 24,5% 75,59%

2000 169.590.693 81,2% 18,8% 81,23%

2010 190.744.799 84,4% 15,6% 84,63% Fonte: Elaborado com base no censo demográfico do IBGE, 1940-2010.

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A população vivendo nas grandes cidades conhece um espetacular aumento:

cerca de cinquenta milhões de novos habitantes, um número quase igual ao da

população total do Brasil em 1950.

O forte movimento de urbanização que se verifica a partir do fim da Segunda

Guerra Mundial é contemporâneo de um forte crescimento demográfico que, nos

termos de Santos (2005: 33), “é resultado de uma natalidade elevada e de uma

mortalidade em descenso, cujas causas essenciais são os progressos sanitários, a

melhoria relativa aos padrões de vida e a própria urbanização”.

Importa salientar que durante o governo do presidente João Goulart (1961-

1964), programou-se implementar as Reformas de Base e que se tratou-se de um

programa de mudanças institucionais, a ser submetido ao congresso nacional.

Segundo o entendimento de Teixeira (1996), a:

Reforma Agrária: (democratização do acesso à terra); reforma tributária

administrativa (menor desigualdade na divisão social dos encargos fiscais; reforma

administrativa (desburocratização dos serviços públicos e combate ao

empreguismo); reforma urbana (combate à pobreza nas cidades especialmente em

relação a moradia); reforma bancária (acesso mais amplo ao crédito para todos os

produtores, especialmente os pequenos); reforma educacional (valorização do ensino

público em todos os níveis). (Teixeira, 1996, p. 112)

No campo da reforma urbana, destacou-se a realização do Seminário de

Habitação e Reforma Urbana, em1963, pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil

(IAB) e o Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE),

que após discutir a problemática urbana e habitacional brasileira e latino-americana,

apontou um conjunto de propostas. O relatório final desse encontro, conhecido

como Seminário do Quitandinha, numa referência ao hotel localizado em Petrópolis

(RJ) que o sediou, incluiu a seguinte proposta: que o Poder Executivo enviasse o

projeto de lei ao Congresso Nacional, corporificando os princípios de Política

Habitacional e de Reforma Urbana aprovados neste seminário.

A ameaça de um movimento comunista (período de efervescência social de

1950-1960) faz externar a face reacionária da classe burguesa que, de forma

autoritária e coerciva, promove o cerceamento da massa popular no cenário político,

enquanto condição de selar as amarras que acirram a subsunção econômico-

político-social do Brasil aos países de capitalismo central.

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Nesse percurso, o golpe que retirou Goulart da presidência, institui-se uma

Ditadura Militar que praticamente durou vinte anos. A Ditadura Militar trouxe

consigo profundas mudanças na organização social do Brasil, a fim de garantir o

desenvolvimento do capital estrangeiro. Contudo, a condução populista na

administração estatal-tecnocrática e centralizadora resulta “na reestruturação de

máquina estatal, privilegiando o planejamento direto, a racionalização burocrática

e a supremacia do setor técnico sobre a participação popular” (Pereira, 2000, p.

135).

Com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do

Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do seu agente central, o Banco Nacional

da Habitação (BNH), que será tema do próximo capítulo do texto, tem início, então,

um período de forte intervenção estatal na produção da habitação e do espaço

urbano.

O fim da Ditadura Militar mostrou a falácia do modelo desenvolvimentista e

o que se assistiu em seguida foi a uma crescente pauperização da população,

aumento do desemprego, altas taxas inflacionárias e um endividamento interno e

externo exponencial. Nos anos subsequentes, a crise não conseguiu ser superada e

a década de 1980 ficou conhecida como a “década perdida”, haja vista os baixos

índices de crescimento econômico e as altas taxas de inflação.

Como explicita De Grazia (2002), a luta histórica pela reforma urbana

permaneceu, mantendo-se como eixos principais: 1) O direito à cidade,

compreendendo a garantia dos direitos básicos à toda população: o direito à moradia

digna, ao saneamento ambiental, ao transporte, à mobilidade, ao trabalho, ao lazer

e à cultura; 2) A gestão democrática da cidade, entendida como a forma de planejar,

produzir, operar e governar as cidades submetidas ao controle social e à

participação da sociedade civil organizada; 3) A função da cidade e da propriedade,

entendida como a prevalência do interesse comum sobre o direito individual de

propriedade.

A década de 1980 também foi marcada pelos sinais de exaustão do modelo

ditatorial (1964-1985) e pelo ressurgimento de ampla movimentação na sociedade

em torno dos pleitos por democracia. Logo, colocou-se a possibilidade concreta de

abertura política lenta, gradual e nos moldes tipicamente burgueses. A Constituição

Federal de 1988 conferiria à política social a possibilidade de ruptura com os

pressupostos da cidadania regulada, passando a assumir características mais

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universalistas, além de definir todas as políticas como um direito de cidadania e

dever do Estado.

Conforme Villaça (1995), esse processo foi fruto de um recrudescimento das

lutas populares que, no final dos anos 1980, foram marcadas essencialmente por

movimentos urbanos. Esses movimentos reivindicavam acesso aos serviços de

infraestrutura, como energia elétrica, transporte coletivo, saneamento básico, sem

falar na grande mobilização em torno da moradia. Tais reivindicações foram

resultantes do esgotamento do desenvolvimento orquestrado pelos militares que,

com a crise dos países centrais, gerou uma recessão econômica com impactos

profundos para a população em geral. Esse processo de redemocratização do país

possibilitou a retomada do debate sobre a reforma urbana, proposto pelo

Movimento Nacional de Reforma Urbana, hoje, Fórum Nacional de Reforma

Urbana, que conseguiu polarizar o debate em torno das propostas, e

consequentemente, inserir um capítulo na Constituição referente à política urbana.

Para Maricato (1997), o processo de elaboração da Constituição de 1988

admitiu regimentalmente a apresentação de propostas de iniciativa popular,

entidades sociais e profissionais, integradas no Movimento Nacional pela Reforma

Urbana, o qual levou ao Congresso Nacional uma emenda popular, sustentada por

160 mil assinaturas. Essa emenda culminou na elaboração de um capítulo sobre a

Política Urbana (artigos 182 e 183) da Constituição Federal, que estabelecia que a

propriedade imobiliária, bem como a cidade, deveriam cumprir sua função social.

Pode-se afirmar, assim, que o Fórum Nacional de Reforma Urbana manteve

uma constante pressão por uma lei nacional que respondesse aos problemas

evidenciados nas cidades. Tanto que, em 2001, foi aprovado o “Estatuto da

Cidade”, Lei n.º 10.257 que estabeleceu o prazo de cinco anos para a elaboração

dos planos diretores, enfatizando a importância da participação popular no

processo. Para Rolnik (2001), essa lei regulamentou os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal, estabelecendo as diretrizes gerais, os instrumentos da política

urbana e os mecanismos a serem acionados/criados, tendo em vista a gestão

democrática das cidades. O plano diretor colocava-se, assim, como um de seus

mecanismos centrais, sendo definido como instrumento fundamental da política de

desenvolvimento e expansão urbana. Foi por isso que o Estatuto da Cidade

estabeleceu inúmeros dispositivos para que os municípios pudessem efetivar os

princípios da função social da propriedade e da gestão democrática.

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Contudo, os elementos democráticos e universalistas da Constituição de 1988

colidem com a proposta de ajuste estrutural imposta pelas agências multilaterais. É

importante salientar que neste mesmo período os países centrais procuravam

superar suas crises com a implementação de um novo paradigma político e

econômico. A justificativa para a introdução deste novo ideário foram os baixos

índices de crescimento vivenciados pelos países de forma geral. O Brasil, contudo,

inicia a realização das medidas propostas pelas agências multilaterais, somente, em

1990, aprofundando-se nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. Os

destaques relacionados ao plano político, econômico e social que vai se desenrolar

no século XX e XXI e seus reflexos na política de habitação serão temas dos

capítulos seguintes.

2.4. Ambiguidades e semelhanças no percurso dos problemas urbanos no Brasil e em Portugal

Até o século XIX, Portugal não vivenciou um processo intenso de

urbanização e industrialização nos moldes de outros países da Europa (como

Inglaterra e França). Mas, esse processo é considerado adiantado se comparado com

o Brasil.

Nas principais cidades em que percursoras da concentração de mão de obra

operária (Lisboa e Porto), as primeiras estratégias de habitação para a classe

trabalhadora naquele momento eram articuladas por mecanismo próprio e de forma

bastante precária. O que fica evidente, ao estudar o caso das ilhas na cidade do

Porto, bem como os pátios e vilas em Lisboa.

As estratégias de habitação para a classe operária começam a ser pensadas

pela burguesia ainda no início do século XIX. As chamadas vilas operárias eram

arrendadas pelos próprios donos das indústrias aos trabalhadores, sendo que a maior

parte dos operários não tinha condições de pagar o aluguel, dada a condição da

classe trabalhadora no período. A maioria das famílias, sem alternativas, acabava

retornando às condições degradantes de habitação.

A ampliação do número de trabalhadores urbanos, no início do século XX e

seguido do crescimento da onda de organização da classe trabalhadora por meio

dos sindicatos, põem a habitação na agenda pública.

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É importante salientar que o País é permeado por uma crise que perpassa todo

o início do século XX, potencializada com a crise de 1929. Somente no período do

Estado Novo, protagonizado pelo governo de Salazar (1933-1974) que uma política

pública no campo da habitação, com a criação das casas econômicas, consolida-se.

Importa dizer que nas décadas de 1950 e 1960 verificou-se uma grande imigração

interna dos campos para a cidade, que influenciou o aparecimento de problemas

urbanos, com destaque para os bairros de lata15, bairros clandestinos e bairros de

barraca. Entre os fatos que ocorreram no período, destacam-se o retorno dos

portugueses (conhecido como os “retornados”) das guerras em África e os efeitos

da crise do petróleo da década de 1970, que tem interferência, sobretudo, nos

aspectos econômicos.

No caso do Brasil, a questão fundiária tem um peso muito importante, o que

vai se tornar um dos principais focos da questão urbana e, consequentemente, a

crise habitacional. O desenvolvimento econômico no Brasil, é historicamente,

pautado pela desigualdade econômica e social. A questão fundiária está na raiz dos

problemas de acesso ao solo rural e urbano no Brasil, já que em meados do século

XIX as elites agrárias encontraram na lei de terras uma maneira de manter inalterada

a estrutura agrária.

A industrialização brasileira foi um processo atrasado e diretamente ligado à

agroexportação do café. As bases da sociedade brasileira ainda perseguiram uma

economia colonial, escravocrata e oligárquica. Essa concepção foi favorecida pelo

pensamento liberal clássico e que representa um movimento antimetrópole, visando

assim estabelecer uma certa consonância com o capitalismo mundial. Todavia, o

liberalismo brasileiro se efetiva mesclando concepções liberais como Liberdade,

Igualdade e Fraternidade, que objetivaram o processo de convulsão social que

abarcou a totalidade da sociedade como representação do interesse comum, porém,

pautados pelos interesses de uma determinada classe em ascensão, a burguesia. Essa

cultura elitista não permite que os demais segmentos da população (ex-escravos,

imigrantes pobres e índios) tenham acesso à divisão social da riqueza, o que traz

reflexos históricos para a questão urbana, de que é exemplo o aparecimento das

favelas no Rio de Janeiro, também evidenciado em outras cidades brasileiras.

15 Bairros de lata” são aglomerados de casas abarracadas e pobres, sem infraestruturas fundamentais,

normalmente habitados por pessoas carenciadas. Podem também ser chamados de “bairros de

barraca”. No Brasil a expressão usada é favela.

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As primeiras reformas urbanas no Brasil foram implementadas com um traço

forte de despejos, desrespeito, autoritarismo e muita truculência para com os

segmentos pauperizados da população. Essas características vão estar presentes nas

principais reformas urbanas no decorrer do século XX. E por que não dizer no

século XXI? Já que os despejos ocasionados por conta dos grandes eventos,

sobretudo nos quatro últimos anos, evidenciam esses velhos métodos de exclusão,

somando uma pitada forte de racismo e xenofobia.

Ao contrário de Portugal, que no século XIX já revelava um tímido processo

de industrialização, verificou-se que no Brasil esse processo sobretudo se

desenvolverá a partir do século XX. O crescimento industrial só ampliou o

acirramento de segregação territorial. Destarte que no período pós Segunda Guerra

Mundial, houve pela primeira vez a superação da população urbana em detrimento

da população rural. Nesse período, observa-se uma verdadeira revolução urbana do

ponto de vista do aumento da população junto às cidades.

Esse processo de industrialização somado ao crescimento das cidades não foi

acompanhado de um processo de reformas, entretanto necessárias para ampliar o

acesso aos bens coletivos por parte da classe trabalhadora. A primeira tentativa de

reforma nesse sentido ocorreu entre 1961-1964, período em que se pensou em uma

ampla reforma de base, entretanto associada à reforma agrária urbana, tributária,

fiscal e educacional. O boicote a essas reformas somado à ditadura que viria a

ocorrer, no início apoiada pelas elites, deixa claro que a sociedade brasileira não

estava preparada para reformas que incluíssem a classe trabalhadora e os segmentos

excluídos da população. A sociedade brasileira não só não quis como boicotou as

tais reformas de base.

Esse descaminho leva a refletir que, no âmbito da questão urbana, qualquer

reforma pensada no sentido de incluir os segmentos mais pauperizados terá grande

dificuldade para se implementar. Mas, nem tudo está perdido, sendo o urbano um

espaço de disputas, cabe aos movimentos sociais desse País grande esforço nessa

disputa.

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3 Os caminhos e descaminhos da política pública de habitação em Portugal e no Brasil

Friedrich Engels ao escrever, em 1872, sobre “a questão da habitação”,

considerava que a crise da habitação é um dos males originados no modo de

produção capitalista. A crise da habitação resulta no afastamento dos operários do

centro da cidade rumo à periferia, sendo o acesso à moradia cada vez mais caro e

escasso para os trabalhadores.

Para Engels, a pedra angular do modo de produção capitalista é o fato dessa

ordem social colocar o capitalista na situação de comprar a força de trabalho do

operário abaixo do seu valor, mas de lucrar com ela muito mais que o seu valor, na

medida em que faz o operário trabalhar mais tempo do que é preciso para a

reprodução do preço pago pela força de trabalho. Naquela altura, Engels alegou que

a mais valia produzida é repartida pelo conjunto de capitalistas e proprietários

fundiários, englobando os servidores a seu soldo, desde o Papa e o imperador até

ao guarda noturno. E fazendo alusão aos textos de Karl Marx, que também analisou

a situação da classe trabalhadora a altura, observou que aqueles capitalistas que não

trabalhavam só podiam viver de bocados dessa mais valia, que de uma maneira ou

outra lhes ia parar nas suas mãos.

Na sequência do debate sobre habitação, Engels defendeu que a falta de

moradia não era algo próprio daquele presente; ela não era sequer um dos

sofrimentos próprios do moderno proletariado, face a todas as anteriores classes

oprimidas. Pelo contrário, ela atingiu de uma forma bastante parecida todas as

classes oprimidas em todos os períodos históricos.

Ao fim, o teórico defendeu que o capitalismo não tem interesse em solucionar

a falta de habitação e concluiu que, para esse problema, há apenas uma solução

concreta: eliminar a exploração e opressão da classe trabalhadora pela classe

dominante.

Passados quase 150 anos dos escritos de Engels, o que mudou na situação da

classe trabalhadora? De que, então, trata a crise da habitação?

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O desenvolvimento econômico mundial constitui um aspecto fundamental

para explicar as mudanças de rumo das políticas públicas nacionais, sobretudo as

do setor de habitação. É somente no século XX que , em nível mundial, desenvolve-

se uma série de políticas públicas. No caso da habitação, tanto em Portugal quanto

no Brasil, foi a partir desse período que essa problemática social foi reconhecida

como uma questão pública e, a partir de então, começaram a surgir às primeiras

iniciativas de âmbito do Estatal. O objetivo desse texto é abordar as principais

alternativas públicas na política de habitação em Portugal e no Brasil.

3.1. O desenvolvimento de uma política pública de habitação em Portugal

Nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial constrói-se, sobretudo em

alguns países da Europa, o Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social. Esta

perspectiva de Bem-Estar Social se constituía a partir de uma forte intervenção do

Estado no que diz respeito aos fatores socioeconômicos, a partir de políticas de

expansão da indústria e de um sistema de proteção social para incentivar o consumo.

Cunhou-se a ideia do pleno emprego e da produção de massa como mecanismos de

manutenção desde modelo, por meio da adoção de técnicas baseadas na produção

fordista.

Porém, os regimes de Welfare State não seguiram modelos lineares, já que a

construção destes esteve vinculada às tradições históricas de cada país. Para Esping-

Andesen (1991), estes regimes podem ser divididos em três modelos. O primeiro

seria o regime liberal, com predominância da assistência social aos pobres, com

planos reduzidos de previdência social, e um forte enfoque no trabalho como

mecanismo de inserção social, modelo característico dos países anglo-saxões. O

segundo modelo é o conservador, ancorado no legado histórico do corporativismo

estatal, favorecendo algumas categorias profissionais em detrimento de outras, que

se amplia para atender à nova estrutura de classes com forte apelo à família como

elemento de inserção social. Este modelo vigorou nos países da Europa Ocidental

como Alemanha, França, Itália. O terceiro é o modelo socialdemocrata, presente

nos países do Norte da Europa, que representou a fusão entre serviços sociais e

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trabalho, comprometendo-se com a garantia do pleno emprego e com programas

sociais universais. Mais tarde, no final dos anos 1970, o modelo fordista/keynesiano

entra em crise e o processo de reestruturação produtiva, associada à globalização e

ao neoliberalismo, transforma a política social numa ameaça ao bom funcionamento

da economia.

No caso de Portugal, pelas características peculiares, não se implantou um

Estado-Providência como nos moldes dos demais países Europeus. Ao contrário,

como afirmou Boaventura de Souza Santos (1992, p.49), o que distingue o Estado

português de um Estado-Providência é o fato de a administração pública ainda não

ter interiorizado completamente a segurança social como um direito, já que

acostumada “em alguns aspectos a considerar que se trata de um favor concedido

pelo Estado, tal qual como se pensava durante o regime autoritário do Estado

Novo”.

Conforme o autor (1992, p.49), é somente a partir dos anos subsequentes à

Revolução de 25 de abril de 1974, que houve uma tentativa de criação de um

Estado-Providência avançado. Nesse período, as despesas sociais tiveram um

aumento espetacular ao ponto que no domínio da saúde, os investimentos passaram

de 1,9% do PNB em 1971/1973, para 2,9% em 1973/1976. Porém,

consequentemente, nos anos seguintes as despesas sociais cresceram a uma taxa

mais lenta, aquém dos valores médios dos países da Europa Central. No caso da

habitação, o século XX marca uma significante expansão das formas de acesso,

sobretudo, por meio de uma política pública, como revelado a seguir.

3.1.1. As experiências da habitação no Estado Novo

Em Portugal, como já mencionado, os anos 1933-1974 foram marcados pelo

regime do Estado Novo, período em que o país foi comandado pelo ditador Salazar.

A situação interna e a conjuntura econômica internacional levaram o regime a

adotar uma perspectiva de ressurgimento nacional, na qual a política urbana teve

uma função importante. A intervenção crescente do Estado na economia é

verificável a partir de 1929, com níveis de despesas significantes. Embora a

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evolução econômica dos primeiros vinte anos do Estado Novo seja por vezes

caracterizada como de estagnação, a década de 1930 registrou, de fato, um

crescimento da atividade econômica, relacionada com o apoio ao relançamento da

acumulação, através de um acentuado esforço de investimento público em

infraestruturas.

O Estado assumiu, deste modo, um maior protagonismo na questão da

habitação e na questão conexa da urbanização, criando as condições necessárias ao

relançamento da acumulação. O quadro abaixo é uma síntese dos principais

programas implementados na altura.

Quadro 5- Programas de promoção pública da habitação no Estado Novo (1933-

1974) Política Ano de inicio

Casas Econômicas 1933

Casas Desmontáveis 1938

Casas para Famílias Pobres 1945

Casas de Renda Econômica 1945

Casas de Renda Limitada 1947

Autoconstrução 1962

Criação do Fundo de Fomento de Habitação (FFH) 1969 Fonte: Quadro elaborado com base no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).

Conforme Silva (2011), em se tratando da habitação, a partir de 1933 o

programa de casas econômicas definiu os parâmetros fundamentais da intervenção

do Estado na promoção da habitação social, com vista à solução do problema da

habitação das classes trabalhadoras. Nesse período, o governo cria o programa de

habitação das casas econômicas (Decreto 23.052 de setembro de 1933)16. Os bairros

de casas econômicas eram compostos de habitações unifamiliares, de um ou dois

andares, independentes ou geminadas, cada uma com o seu próprio jardim. Esses

bairros eram construídos diretamente pelo Estado e destinados a funcionários

públicos ou a trabalhadores filiados nos sindicatos nacionais patrocinados pelo

regime. As casas eram pagas em prestações mensais ao longo de um período de 25

anos, findos os quais se tornavam propriedade da família.

O Estado controlava todo o processo de construção das casas econômicas, incluindo

a aquisição de terrenos, o financiamento, a construção, a distribuição das casas e a

gestão dos bairros. O programa era financiado pelo Instituto Nacional do Trabalho e

16 Quem faz um amplo estudo sobre o Programa das Casas Econômicas (principal política de

habitação do Estado Novo) é Luís V. Baptista (2001).

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Previdência, do ministério das corporações. A estrutura coordenadora de todo

processo, a nível nacional, era Seção de Casas econômicas, um departamento do

Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, que era responsável pelas várias fases

do processo. (Teixeira, 1992, p. 80)

Silva (1987), ao analisar o período estudado, enfoca que associada à questão

da habitação está à questão da política urbanística: o regime corporativo atribuiu ao

Estado e aos municípios o ofício exclusivo da urbanização, ao promulgar a primeira

figura do plano em 1934 e ao eliminar o monopólio privado do solo urbano,

reservando para a iniciativa privada os prédios de rendimento.

O Programa de Casas Desmontáveis foi criado no contexto (1938) em que o

governo implementou, em colaboração com as câmaras municipais, programas

específicos para realojamento de famílias residentes em bairros de barracas.

Reconhecendo, desse modo, que uma parte importante dos potenciais candidatos a

casas econômicas não satisfaziam às condições exigidas pelos municípios onde a

questão do alojamento se colocava com maior acuidade. Foi o caso de Lisboa, em

que o referido programa foi utilizado para alojar os ocupantes dos bairros de lata.

Em Lisboa foram construídos três bairros deste tipo na década de 1930: Quinta da

Calçada, Furnas e Boa Vista. Utilizaram um novo sistema de construção: placas de

fibrocimento, menos dispendioso e de construção mais rápida; o objetivo era

substituir em pouco tempo as barracas por fogos com um mínimo de condições.

(Silva, 2011, p. 664)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, outras medidas foram

implementadas, nomeadamente sob a forma de novos programas de habitação

social dirigidos a estratos diferenciados da população, caso do Programa Casas para

Famílias Pobres (1945).

O referido programa tinha a finalidade de alojar famílias que não tivessem

acesso às Casas Econômicas por razões econômicas. Como condição de acesso e

ocupação as famílias deveriam ser pobres ou indigentes, preferencialmente os

desalojados.

O Programa de Casas de Renda Econômica (1945), complementar ao das

Casas para Famílias Pobres, tinha a finalidade de atender à classe média, excluída

do regime das casas econômicas por razões diversas, que não a da capacidade

econômica. Entre as condições de ocupação, estavam aqueles que não tinham

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rendimentos superiores a seis vezes o aluguel; se já residissem nela, poderiam

permanecer somente enquanto o seu rendimento não excedesse em 20% àquele

limite.

No Caso do Programa de Renda Limitada, nos termos de Silva (1994), deu-

se início à habitação privada apoiada, uma forma que se caracterizava pela posse

privada e controle público, incidindo este sobre os níveis de renda, regras de

distribuição, direito de permanência e despejo etc.

Em 1962, é criado um programa destinado a apoiar a “autoconstrução”,

concedendo benefícios financeiros, fiscais e fundiários. O programa era destinado

àquelas pessoas que já possuíam terrenos. No caso daqueles que não dispusessem

de terreno, as câmaras municipais e as juntas de freguesia eram autorizadas a

vender-lhes lotes de terrenos, com dispensa de hasta pública. O argumento do

Estado, para criar o referido programa assentava no reconhecimento de que a

cooperação espontânea entre famílias permitia uma construção muito mais barata,

tanto para os interessados, quanto para o Estado.

Apesar da maior intervenção do poder público, a promoção privada continuou

a ser dominante. A par dos incentivos, o preço final da habitação continuou a ser

inacessível para um vasto setor da população que, por isso, recorria, nos principais

centros urbanos, às habitações clandestinas, aos bairros de lata e à sublocação. Para

Baptista (2001), um dos principais problemas da política de habitação social do

Estado Novo, foi o fato de os indivíduos a quem o programa se dirigia incialmente

terem ficado de fora, como o próprio governo reconheceu anos mais tarde, ou seja,

esses programas ficaram fora de alcance das famílias que mais precisavam ser

ajudadas, especialmente àquelas com rendimentos mais baixos.

Teixeira (1992), ao analisar o período, defende que a construção de habitação

pelo Estado aumentou substancialmente, mas sem conseguir acompanhar as

carências crescentes, sobretudo nas grandes cidades. A lógica fundamental da

intervenção estatal na habitação permaneceu basicamente a mesma e os resultados

foram o grande desenvolvimento de bairros de barracas, em especial, nas décadas

de 1940 e de 1950, e dos bairros clandestinos à volta das principais cidades,

sobretudo nos anos de 1960 e de 1970, fazendo do setor informal um componente

importante do mercado da habitação em Portugal.

Nos termos de Guerra (2011), a intervenção direta do Estado nas políticas de

habitação social só começou a ser mais visível a partir de 1969, com a criação do

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Fundo de Fomento da Habitação (FFH)17, que teve a seu cargo o desenvolvimento

direto da habitação, visando uma resposta aos problemas de periferização e ao

défice das condições de habitação que os grandes centros urbanos vinham

registrando, em particular Lisboa, onde se verificava uma rápida expansão do

fenômeno das “barracas” e dos “clandestinos”, assunto que foi tratado no capítulo

anterior.

3.1.2. A habitação, a partir de 25 de abril de 1974, pós-Revolução dos Cravos

Boaventura de Souza Santos (1993), ao contextualizar a revolução de 25 de

abril, menciona que a conhecida “revolução dos cravos” começou por um golpe

militar conduzido por um grupo de jovens oficiais, democratas e antifascistas,

desejosos de por fim à guerra colonial. Este Movimento das Forças Armadas (MFA)

defendia em seu programa ações como: eliminação imediata das características

fascistas do aparelho do Estado, eleições para uma assembleia constituinte que

reimplantaria a democracia parlamentar, pluralismo político e autonomia das

organizações sindicais e uma política econômica antimonopolista, tendo em vista

uma mais justa distribuição de riqueza. Com relação à questão colonial, o programa

era bastante ambíguo.

Cabe ressaltar que mesmo tendo tudo começado por uma revolta militar vinda

do topo do próprio aparelho do Estado, os jovens oficiais do MFA alcançaram um

espantoso apoio popular, fazendo surgir por todo o País greves políticas e

econômicas.

Houve, em 1975, as transformações qualitativas do processo, chamadas por

Santos (1992) de crise revolucionária, a saber: nacionalização massiva da indústria,

nacionalização total dos bancos e das seguradoras, expropriação de terras no

Alentejo, ocupação de casas nas grandes cidades, comissões de moradores, clínicas

do povo, dinamização cultural nas regiões mais atrasadas do país. Porém, há de

17 Atualmente é denominado Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).

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pautar que, nenhuma dessas medidas por si constituíram ameaça para a sociedade

capitalista ou para a natureza classista do poder do Estado.

Importa destacar que objetivo era destruir o Estado fascista, mas o movimento

conseguiu destruir apenas as características explicitamente fascistas: a polícia

política, os tribunais políticos, as prisões políticas, o sistema de partido único e as

milícias paramilitares fascistas. Santos ressalta que a revolução de 25 de abril

deixou a administração pública praticamente intacta, e, se houve mudanças, foi

relativamente aos funcionários e não à estrutura que eles se registram. “Fora isso o

aparelho do Estado com seu comportamento autoritário manteve-se intacto”

(Souza, 1992, p.19).

Entretanto, é a partir de 25 de novembro de 1975 que houve um afastamento

das facções de extrema esquerda do MFA, refreamento da vertigem insurrecional

do PCP e crescente desmobilização popular. O que tornou evidente que o objetivo

político da construção do Estado fora substituído pela restauração da ordem

capitalista.

Mas a solução da crise viria representar um compromisso complexo entre

diferentes facções militares e os partidos políticos. O Partido Comunista (PCP), que

teve uma influência forte no aparelho do Estado e nas forças armadas após 1975,

sempre defendeu que as estratégias políticas deveriam ser ditadas pelo aparelho do

Estado e rejeitou, como aventureirista, a ideia da legalidade revolucionária e do

poder popular.

O partido socialista (PS), recém-criado na altura e de composição

heterogênea, procurou contrariar a influência dos comunistas no aparelho do Estado

e recusar, por considerar autoritária, qualquer forma política que não fosse a

democracia parlamentar. Apoiado pela burguesia, a pequena burguesia e os

trabalhadores descontentes com a política de poder e o que consideravam como a

arrogância dos comunistas, o PS tornou-se o principal partido de oposição, porém

com ampla coligação de forças.

Nos termos de Santos (1992, p. 21), “O mesmo processo que rapidamente

conseguia a suspensão ou neutralização da ‘ordem burguesa’, tinha também

similarmente impedido que a ‘ordem proletária’ emergisse em seu próprio nome”.

Em Portugal, a Revolução dos Cravos de 1974 confronta-se com um País

muito ruralizado, no qual o Estado Providência,- que caracterizava os países

europeus nessa época, era inexistente.

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O Estado Pós-Revolução tinha, no escasso período de 10 anos, de erigir as

pedras angulares da proteção social: segurança social, saúde e educação. Logo, não

restava muito financiamento para outras políticas sociais, muito particularmente

paras as políticas de habitação.

O período pós-revolução é marcado por uma série de problemas, não apenas

devido ao grande afluxo à cidade de migrantes rurais à procura de emprego, mas

também pelo regresso de cerca de um milhão de “retornados”18 das ex-colônias.

Face aos preços de mercado e à insuficiência da oferta pública, a resolução dos

problemas fez-se pelas próprias mãos através da construção “clandestina” em

alvenarias e/ou materiais provisórios, vindo a aumentar os problemas dos bairros

de barracas e as situações de sobrelotação, debatido no capítulo anterior.

Importa destacar que, a partir de 1974, Portugal torna-se palco de uma série

de iniciativas estatais desenvolvidas em diferentes aspectos. No âmbito da

habitação foram lançados alguns programas que tiveram impactos na sociedade

portuguesa (ver quadro 06)

Quadro 6 - Programas lançados pós 25 de abril de 1974

Programas Principais características

Cooperativas de Habitação

Econômica – 1974

Novo regime de Contratos de Desenvolvimento de

Habitação financiando a promoção privada de

habitação de custos controlados.

O Serviço de Apoio Ambulatório

Local (SAAL.),

Apoio às Câmaras Municipais nas iniciativas das

populações mal alojadas que viviam em situações

degradadas.

Crédito bonificado (1981) Transferência de responsabilidade para os

municípios, com recursos através do crédito

bonificado via Estado central. Fonte: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) 2007.

As cooperativas de habitação econômica tinham o objetivo de promover

habitação a custos controlados em propriedade individual com empréstimos e juros

bonificados para a construção e aquisição ou reparação de habitações. Houve

inovação com a participação dos cooperantes em todo o processo e auxílio dos

municípios, com a cessão dos terrenos, além do oferecimento de apoio técnico e

financeiro, através do Instituto Nacional de Habitação (INH), atual IHRU (ex-FFH),

do governo central. Esse movimento cooperativo habitacional foi muito forte,

18 Retornados – portugueses que retornaram com o fim das colônias e das guerras coloniais.

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sobretudo no Norte de Portugal , organizando-se em mais de 200 cooperativas de

habitação. Destaca-se que as cooperativas desenvolveram conjuntos residenciais

com reconhecidos níveis de qualidade, não apenas das habitações, como também

de espaços externos e equipamentos sociais.

No ano de 1974, com a criação do SAAL, aprovou-se a organização de um

corpo técnico especializado, destinado a apoiar as iniciativas de populações mal

alojadas no sentido de tecnicamente colaborarem com a transformação dos bairros.

Além dos funcionários do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), essa força de

trabalho compreendia técnicos contratados e colocados nesse organismo, equipes

técnicas que trabalhavam nos locais e davam apoio em ações de projetos, nas

operações de construção e de gestão social, contratados em regime de tarefa ou

avença.

Nuno Portas19 (1986) e Coelho (1986), ao escreverem sobre o SAAL,

mencionam que o contexto relacionado com o 25 de abril de 1974 desencadeia uma

importante fase na luta pelo direito à habitação em Portugal, dando espaço as

iniciativas de moradores de bairros pobres que se organizaram e levaram em frente

processos reivindicatórios que o desarticulado aparelho estatal da época não pôde

conter.

Coelho20 (1986) esclarece que esse programa surgiu em agosto de 1974 como

um programa de Estado que, devido à movimentação que o acompanhou, foi

entendido como um processo. Isto é, como tendo uma dinâmica própria de

processamento e também de questionamento da política de habitação, na totalidade

do próprio aparelho do Estado.

Segundo Coelho (1986, p. 621), dentre as funções iniciais pensadas pelo

grupo de trabalho destacaram-se:

a) Identificar as zonas de invenção e ações a desenvolver;

b) Assegurar e dinamizar a constituição de brigadas técnicas de

apoio as construções locais;

19 Nuno Portas foi secretário de Estado da habitação do 3º e 4º governos provisórios. 20 Margarida Coelho é arquiteta, pertenceu ao Fundo de Fomento da Habitação em Portugal (FFH)

e foi responsável pelo SAAL no Norte do País (sede no Porto), tendo pertencido à Coordenação

Nacional do SAAL em 1976.

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c) Coordenar e acompanhar a ação de diferentes brigadas e

assegurar os meios necessários para a prossecução das

respectivas tarefas; e

d) Definir as medidas de política que garantam a coerência das

ações, atendendo aos objetivos da criação do SAAL.

O SAAL significou a supressão da tutela centralista, a liberalização da

informação, única forma de fazer apelo à participação pública. O SAAL visava,

então, uma partilha de poder na administração dos bairros construídos, criando-se

assim, um comprometimento com os diferentes níveis da ação. Os problemas da

habitação eram tratados na sua especificidade local, não deixando de haver linhas

programáticas mais gerais. Outro aspecto importante foi a tentativa de definição

geográfica dos problemas habitacionais. Portanto, o SAAL tinha sido lançado por

técnicos com um maior conhecimento dos problemas da Grande Lisboa e do Porto

e da pressão das populações urbanas empobrecidas e mal alojadas.

Nos termos de Silva (1997), a democratização verificada depois do 25 de abril

de 1974, tornou o Estado mais aberto às pressões dos movimentos sociais, embora

a intervenção pública tenha sido irregular. Basicamente, estiveram em jogo duas

estratégias: uma mais radical, até ao fim de 1975, que visou o controle público da

produção; e uma estratégia reformista, que objetivou dinamizar a promoção

privada. Com a aliança democrática assistiu-se, a partir de 1981, a uma viragem no

enquadramento da intervenção municipal na habitação social, resultante do recuo

da intervenção do Estado e da transferência gradual para os municípios da

responsabilidade de alojamento das famílias de menores recursos. A procura de

habitação social continuou a crescer, a qual, devido ao recuo progressivo da

promoção pública estatal, se dirigiu para o município.

O referido autor nota que, em 1987, na linha das reformas liberalizadoras

iniciadas pela Aliança Democrática (AD), foi criado o Instituto de Gestão e

Alienação do Patrimônio Habitacional do Estado (IGAPHE), ficando responsável

pelo lançamento de vários programas de interesse municipal, pela gestão e pela

alienação do parque habitacional do Estado. Esta orientação política liberal

acentuou-se nos governos do Partido Social Democrata (PSD), tendo o XI Governo

proposto, no seu programa de 1987, a transferência das responsabilidades em

matéria de habitação social para as autarquias. A habitação era vista como uma

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mercadoria, e por isso deveria caber à iniciativa privada a sua produção e

comercialização. Portanto, nos termos do autor:

Em 1991, o Estado já não promoveu diretamente um único fogo e toda sua ação

passou a ser feita através de diversas modalidades de parceria: os CDH com

municípios, cooperativas e empresas privadas e os acordos financeiros com os

municípios para a construção de fogos para arrendamento social. (Silva, 1999, p.

357)

Neste sentido, a década de oitenta do século XX, sobretudo após a extinção

do FFH, ficou marcada pela iniciativa da promoção habitacional e a propriedade

dos fogos passarem às esferas municipais, onde competiu à administração central o

enquadramento normativo e o financiamento e, em alguns casos, a promoção direta.

À redução do pequeno envolvimento do poder público na habitação social

correspondeu a um reforço das formas de parceria entre o poder público e os

privados.

Vale dizer que foi somente a partir da década de 1990 que surgiram os

importantes programas de realojamento habitacionais com a finalidade de

solucionar os problemas da proliferação de bairros degradados e de barracas, de

acordo com o debate que segue.

3.1.3. A experiência dos Programas no campo do Realojamento

Conforme demonstrado anteriormente, a partir de 1970 a construção dos

bairros de barracas aumentou muito em toda Área Metropolitana de Lisboa (AML).

O grande fluxo de imigrantes, na sequência da independência das ex-colônias, a

grande crise financeira dos anos de 1970, o vazio na construção legal no setor de

habitação foram os fatores que mais contribuíram para este crescimento. Em

meados dos anos de 1980, o crescimento das barracas era notado por todos. No caso

da AML, ocorreu um processo de suburbanização, os bairros cresceram em zonas

inicialmente periféricas e progressivamente mais centrais. Além do Concelho de

Lisboa, os municípios limítrofes com maior número de barracas eram os da

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Amadora, Loures e Oeiras. Nesse sentido, acentuou-se a segregação socioespacial

e foram criados os programas para realojamento, conforme a tabela a seguir.

Quadro 7 - Programas de Realojamento

Programa Período de criação

Acordo de Colaboração 1987 1987

PER- Programa Especial de Realojamento 1993

PER Família 1996

PROABITA 2004 Fonte: Com base nos dados do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) 2007.

Em 1987, foi criada a primeira proposta de realojamento para todos os

municípios do País, com apoios financeiros substanciais, a fim de erradicar os

bairros de barracas em seus territórios concelhios. O programa chamou-se Acordos

de Colaboração e foi instituído pelo decreto-lei 226/87. Porém, houve uma fraca

adesão com uma taxa de execução em torno de 56%. Sendo um programa de caráter

permanente, foi revogado em 2004 (mais tarde vai ser substituído pelo Programa

de Financiamento para Acesso à Habitação (PROHABITA).

Em 1993, através do decreto-lei nº 163/93, é criado o Programa Especial de

Realojamento (PER) dirigido às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, com o

objetivo principal de proporcionar aos municípios abrangidos um meio que lhes

permitisse erradicar as barracas e realojar os seus habitantes em alojamentos de

custos controlados. O PER tinha como solução de realojamento a construção e

aquisição de novas habitações de custo controlado, incluindo terrenos e a respectiva

infraestrutura. O regime de ocupação foi sobretudo o de arrendamento social.

O PER, nas duas últimas décadas do século XX, foi o programa de habitação

social mais expressivo do País, sobretudo porque se tratou de um programa voltado

para a AML, onde se concentrava o maior número de carências habitacionais, dada

a concentração das barracas.

Como avaliou Vilaça,

Os Programas de Realojamento com todas as lacunas que lhes são frequentemente

apontadas, com ou sem razão, erradicaram em 10/12 anos, cerca de 35.000

habitações precárias (barracas ou similares) que existiam em Portugal.

Representaram um investimento público notável, quer em comparticipações do

Orçamento de Estado, quer no endividamento dos municípios à Banca em operações

de crédito vultosas. (Vilaça, 2001, p. 87).

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Na sequência da avaliação do autor, o esforço deste investimento público só

não resultou em pleno porque, por um lado, alguns municípios teimaram em não

entender que não deviam repetir os erros do passado, concebendo verdadeiros

“guetos” sociais de muitas centenas de moradias nas quais imperam os vícios do

passado, por outro, porque o trabalho a realizar com as famílias realojadas não tem

tido sempre a profundidade desejada, perdendo-se as oportunidades que esse

processo pode dispor em termos de valorização social. “Os programas de

realojamento ofereceram oportunidades de qualidade de vida e mobilidade social a

famílias que, há décadas, apenas esperavam por um alojamento em condições”.

(Vilaça, 2001, p.87).

Em 1996 foi criado O PER Famílias, pelo decreto 420/96, como uma extensão

do PER. É, no entanto, o único programa de realojamento deste primeiro

subconjunto que se apresenta como uma medida de “apoio à pessoa” ao invés de

atribuir aos municípios a responsabilidade pela oferta direta da solução de

realojamento, consubstanciada na responsabilidade de um alojamento da sua

autoria. Esse programa confere aos agregados a responsabilidade de encontrar a

sua própria solução habitacional, apoiando-os financeiramente para o efeito. O PER

Famílias teve recurso de apenas 6% do total daquele destinado ao PER no seu

conjunto. O programa se concentrou em quatro municípios pertencentes a AML

norte: Amadora, Cascais, Lisboa e Oeiras.

O Programa de Financiamento para Acesso à Habitação (PROHABITA) é

definido, em 2004, como substituição ao Dec. 226/87. Ao contrário do PER, que

foi emergencial, trata-se de um programa permanentemente aberto.

Revisado em 2007, o PROHABITA incorporou uma demanda dos programas

de realojamento anteriores, inclinada à aposta na reabilitação, disponibilizando uma

grande diversidade de opções de alojamento para agregados, familiares

pauperizados, e também aos que se encontram em situação de arrendamento.

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3.1.4. A Experiência dos programas no campo da reabilitação urbana

Em finais dos anos 1980, desenvolve-se a ideia de um modo mais

consistente, da reabilitação urbana em Portugal, que nos termos de Guerra (2006),

iniciada com mais de uma década de atraso em relação à Europa. Mas registra-se,

como afirmou a autora, experiências pontuais desencadeadas em meados dos anos

1970, na zona ribeirinha do Porto.

Segundo Guerra, as dinâmicas de reabilitação urbana estão hoje no centro do

pensamento sobre a “questão habitacional”, porque as profundas transformações da

sociedade atual e as mudanças que trazem desatualizaram muitas áreas e muitas

funções urbanas, além de obrigarem a repensar os novos espaços da cidade.

O quadro a seguir mostra uma síntese dos programas de reabilitação urbana

em Portugal.

Quadro 8- Programas de Reabilitação Urbana

Programa Período da criação

RECRIA- Regime especial na

comparticipação de imóveis arrendados

1998

RECRIPH- Regime especial de

comparticipação e financiamento de

prédios urbanos em regime de propriedade

horizontal

1996

SOLARH - Programa de Solidariedade e

Apoio à Recuperação de Habitação

1999-2001

REHABITA – Regime de apoio

habitacional em áreas antigas

1996

Regimento excepcional de reabilitação de

zonas históricas e áreas críticas de

recuperação e reconversão urbanística.

SRU’s

2004

Fonte: Com base nos dados do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) 2007.

O RECRIA é o primeiro programa do pacote legislativo de reabilitação ainda

vigente. Através dele se pode encontrar a origem da lógica geral que veio estruturar

todos os outros programa de reabilitação. Pelo decreto-lei nº 4/88 de 14 de janeiro,

o argumento inicial, que criou o RECRIA em 1998, consistia na assunção pelo

Estado de um custo social resultante do bloqueamento das rendas habitacionais que

vigorou durante anos. Assim, o programa teve como objetivo fundamental

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combater os efeitos perversos do congelamento das rendas. Trata-se de um

programa único e exclusivamente vocacionado para a reabilitação de imóveis

“ocupados/edifícios”, pressupondo normalmente edifícios verticais.

O RECRIPH é o Regime Especial de Comparticipação e Financiamento de

Prédios Urbanos em Propriedade Horizontal. Foi criado em 1996 pelo decreto-lei

106/96, de acordo com respectiva legislação, prevê um apoio financeiro à realização

de obras em edifícios de propriedade horizontal, mas apenas na componente dos

espaços comuns; sendo que o apoio às frações autônomas, ainda que previsto,

assuma a forma de empréstimo bonificado: este pequeno e inicial alargamento à

propriedade tenta colmatar, ainda que de forma tímida “a crescente adopção do

regime da propriedade horizontal” (D.L 106/96).

Em 1999, é criado o SOLARH, que, denominado Programa de Solidariedade

e Apoio à Recuperação de Habitação, foi reformulado, em 2001, passando ou a

chamar-se Programa de Apoio Financeiro Especial para Reabilitação de

Habitações. Mas, apesar da mudança no nome, o programa dirige-se

fundamentalmente aos “proprietários insolventes” por via de um apoio financeiro

(empréstimo sem juros) à reabilitação de habitações em regime de propriedade.

Trata-se de uma medida essencialmente redistributiva, cujo primeiro critério de

elegibilidade é o rendimento do agregado, embora inicialmente tenha sido pensada

para os idosos. Para este efeito, funciona simultaneamente como uma extensão do

RECRIA, pois quando integradas no REHABITA, as obras comparticipáveis ao

abrigo do RECRIA têm uma percentagem adicional, a fundo perdido, de 10%.

O REABILITA – Regime de Apoio Habitacional em Áreas Antigas, criado

em 1996, é um programa que se distingue dos outros três, dado à sua escala de

intervenção mais urbanística, e ao seu tipo de promoção, necessariamente

municipal. O REABILITA, ao pressupor uma operação municipal de reabilitação

urbana, ainda que exclusivamente aplicável aos núcleos urbanos históricos,

declarados áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, põe a tônica na

questão do planejamento e na responsabilidade pública nessa matéria.

O Regime Jurídico Excepcional de Reabilitação Urbana de Zonas Históricas

e de Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística (que cria as SRU’s),

em 2004, tem pressupostos que se distinguem de todos os outros programas, não

sendo, aliás, um programa, mas, sobretudo, um (re)enquadramento jurídico e

institucional da intervenção pública municipal, em matéria de reabilitação urbana.

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Contrariamente aos outros, não disponibiliza qualquer apoio financeiro para além

dos já existentes.

Conforme avaliou Vilaça (2001), apesar dos apoios que estes programas de

reabilitação disponibilizaram para as operações de recuperação dos imóveis

degradados e mal-gerados, a adesão de alguns municípios foi sempre modesta. Com

essa análise aventa-se que ou as condições financeiras não eram suficientemente

atrativas; ou os efeitos esperados não eram suficientemente mobilizadores, ou

ainda, a divulgação destes programas nunca foi objeto de uma ação orientada e

persistente.

3.1.5. Balanço dos recentes investimentos em habitação

Muito embora exista um esforço para a ampliação do acesso a habitação,

como foi mostrado, existem evidências históricas da ênfase na privatização dos

meios de acesso a tal política , com destaque ao oferecimento de contrapartida para

agentes privados; substituindo-se o investimento direto pela (histórica) política de

subsídios habitacionais, encorajando a população a adquirir imóveis na iniciativa

privada.

Um recente estudo do IHRU21 mostra as dotações orçamentárias para o

desenvolvimento da política de habitação. O estudo foi realizado com dados que

vão desde 1987, data do primeiro programa de realojamento, até 2011. Mostrou

que, em 25 anos, o Estado Português despendeu 9,6 milhões de euros, dos quais

73,3% referem-se a bonificações de juros do crédito, à construção ou à aquisição

de habitação, quase três quartos do esforço realizado neste período. Na sequência,

vêm os programas de realojamento, nos quais são verificados um peso de 14,1%,

seguido dos incentivos ao arrendamento com 8,4%. Os demais programas têm uma

expressão residual e juntos representam somente 4,1% do total. (ver quadro 9)

21 Estudo intitulado: 1987-2011- 25 anos de esforço do Orçamento do Estado com a habitação.

IHRU, publicado em Março de 2015.

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Quadro 9- Dotações orçamentadas e despendidas no período de 25 anos (1987 e

2011)

Programas Orçamento

Executado

Valor % Valor %

Bonificações de juros

no crédito à habitação

6.672.508.894,66 65,9% 7.046.685.145,77 73,3%

Programas de

realojamento

1.814.981.359,35 17,9% 1.353.426.012,54 14,1%

Incentivos ao

arrendamento

739.632.917,49 7,3% 803.874.566,02 8,4%

Programas de

reabilitação de edifícios

392.242.730,59 3,9% 166.594.609,24 1,7%

Subsídios de renda da

segurança social

37.558.163,29 0,4% 29.223.491,09 0,3%

Programas de promoção

direta

426.216.498,92 4,2% 193.944.373,62 2,0%

Contratos de

desenvolvimento de

habitação

35.205.155,58 0,3% 13.868.736,35 0,1%

Total 10.118.345.719,88 9.607.616.934,63 Fonte: Com base em documentos oficiais emitidos pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação

Urbana (IHRU).

O Estado passa de um agente regulador direto para um Estado subsidiário

incentivador da mercantilização de um direito fundamental, como é o da moradia,

dando total liberdade ao mercado privado para ditar as regras do jogo nesta seara.

E, para adensar a problemática deste quadro, nos últimos quatro anos foram

adotadas medidas de diminuição de fomento habitacional como um projeto maior

de contenção financeira o qual o país se viu obrigado a fazer, num clima de

austeridade em que (até hoje) sofrem os países do sul da Europa, com a crise

econômica de 2008. (Assunto que será tratado no capítulo sequente).

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3.2. Os caminhos e descaminhos da política de habitação no Brasil

3.2.1. A presença do Estado na política de habitação

No capítulo anterior, mostrou-se que historicamente, com a abolição do

regime escravocrata e o acesso à terra negado, inicia-se o processo de migração

campo-cidade com a formação de áreas de moradia irregulares, gerando a formação

das favelas. As primeiras iniciativas para a promoção de habitação para a classe

operária estavam a cargo dos donos de indústria, porém, é no século XX que vão

desenvolver-se as primeiras medidas públicas de acesso à moradia. Conforme o

quadro a seguir.

Quadro 10- Iniciativas de habitação até meados do século XX

Estratégias no campo da habitação Período

Vilas operárias (iniciativa privada) Foi adotado até o início do século XX.

Carteiras prediais dos IAPs (iniciativa

pública)

1937

Lei do inquilinato (iniciativa pública) 1942

Fundação da Casa Própria (iniciativa

pública)

1946

Fonte: Elaborado pelo autor em outubro de 2015.

Anterior ao processo de industrialização, que se iniciou no Brasil a partir da

década de 1930, no campo da habitação, as iniciativas tomadas pelos governos da

República Velha (1889-1930), no sentido de produzir habitação ou regulamentar o

mercado de locação residencial são praticamente nulas. Fiel ao liberalismo

predominante, o Estado brasileiro privilegiava a produção privada e recusava a

intervenção direta no âmbito da construção de casas para os operários. As

iniciativas restringiam-se à minimização das situações mais graves de

insalubridade, via legislação sanitária e ação policial e à concepção de isenções

fiscais, que beneficiavam basicamente os proprietários de casas de aluguel,

ampliando sua rentabilidade.

Segundo Bonduki (1994), a lógica que orientava, de modo geral, o Estado

Liberal da República Velha, era que o governo não deveria produzir casas para os

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operários, mas estimular os particulares a investirem neste sentido. Porém, a

solução considerada ideal, tendo recebido inúmeros incentivos do poder público,

foi a promoção de vilas operárias pelos próprios industriais para servirem de

moradia a seus empregados.

As vilas operárias eram conjuntos de casas construídas pelas indústrias para serem

alugadas a baixos aluguéis ou mesmo oferecidas gratuitamente a seus operários.

Estas iniciativas tiveram um impacto importante em várias cidades brasileiras, pois

são os primeiros empreendimentos habitacionais de grande porte construídos no

país. (Bonduki, 1994, p. 715).

Durante a República Velha, a tendência do Estado e da elite dominante foi

sempre considerar as vilas operárias como iniciativa modelar a ser estimulada, pois

garantiam condições dignas de moradia, superando a insalubridade dos cortiços,

sem exigir a intervenção do poder público e, ainda, proporcionando um controle

ideológico, político e moral aos trabalhadores, muito bem visto frente ao sempre

presente temor de uma revolta operária.22

De acordo com Rolnik (2002), com o processo de industrialização iniciado

em 1930, a cidade passa a ser o grande atrativo e acirra o deslocamento de

contingentes populacionais do campo em sua direção. Por outro lado, o governo

estimulava o aumento de uma população urbana como forma de gerar uma força de

trabalho excedente e garantir a acumulação de capital, condição necessária ao

capitalismo.

Nota-se, porém, que a partir de 1930, conforme descrito anteriormente, com

o estabelecimento de um processo de industrialização, o êxodo rural foi importante

para a criação do trabalho excedente incrementando fortemente a população urbana

no país.

A questão habitacional era considerada um problema individual e, portanto,

relegada à lógica da compra e venda através do mercado, reforçando a concepção

presente na política agrária. Para além da concepção mercadológica da habitação,

22 Entre as páginas 57-71 do livro de Bonduki (2011), encontram-se fotos e plantas das principais

vilas operárias em São Paulo. Com destaque para a Vila Maria Zélia. Tratou-se do modelo mais

acabado do processo de tutela do empresariado sobre o operário. Localizada ao lado da fábrica, a

Vila Maria Zélia contava com escola, creche, igreja, armazém e salão de recreação, além,

obviamente, das moradias, permitindo um controle absoluto do tempo livre dos operários e suas

famílias. Realizando a utopia empresarial do controle dos trabalhadores, a vila foi saudada pelo

poder público como um modelo a ser reproduzido.

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o Estado brasileiro, através da política social e trabalhista, buscava controlar a

classe trabalhadora, e as greves, assegurando, assim, o livre desenvolvimento da

industrialização.

As principais iniciativas para alcançar os objetivos almejados foram a criação

do Ministério do Trabalho, que serviu para atrelar os sindicatos ao Estado, através

do controle de suas atividades, objetivos, finanças.

O mandato do presidente Vargas iniciou a intervenção estatal no setor da habitação

popular, pois em 1930 com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio, existiam 47 Caixas de pensão, com cerca de 140 mil segurados. Em 1933,

os IAPs substituem as Caixas. O primeiro IAP foi dos marítimos. Seguiram-se

institutos dos comerciários, trabalhadores de armazéns, estivadores e bancários. Em

1932, Caixas e Institutos podiam, legalmente, aplicar parte de sua receita na

construção de casas para os seus associados. (Taschner, 1997, p. 15).

O chamado Estado “empreendedor” intervém de forma direta, no mercado

habitacional, com a criação das Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadorias

e Pensões (IAPS) a partir de 1937.

Conforme defende Silva (1989), a intervenção no setor habitacional, com a

criação das Carteiras Prediais, deve ser compreendida no contexto do

desenvolvimento econômico e político da época, quando se dava o agravamento

das condições habitacionais do meio urbano pelo impacto das crescentes taxas de

urbanização, em decorrência do redirecionamento econômico do setor agrário para

o industrial. Ao mesmo tempo, a população operária evolui, passando de 149.140,

em 1907, para 781.185, em 1940.

Bonduki (2011, p. 128) aponta que, entre 1937 e 1946 (quando da Fundação

da Casa Popular), os Institutos de Aposentadorias e Pensões produziram cerca de

124 mil unidades habitacionais (sendo 47,8 mil em conjuntos e 76,2 mil

financiamentos à construção da casa própria). Essa quantidade não é desprezível,

estimando-se a população urbana de 1945 em 14,31 milhões de pessoas, cerca de

5,2% dela foram abrigadas por casas construídas pelos IAPs (com média de 6

pessoas por domicílio, 744.150 pessoas).

Em 1942, Getúlio Vargas impõe a Lei do Inquilinato, congelando os aluguéis

nos níveis de 31 de dezembro de 1941, o que representa uma intervenção direta do

governo para desestimular a casa de aluguel.

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Nos termos de Bonduki (2011), o congelamento dos aluguéis em 1942 e suas

sucessivas renovações, que faziam as novas construções ficar nas mesmas

condições das demais, num período de inflação crescente, criaram uma situação

absolutamente desfavorável ao investimento em moradias de aluguel, forçando ao

contrário, a venda das casas então alugadas, como forma de reaver o capital

desvalorizado por aluguéis desatualizados. Assim, o investimento em casas de

aluguel, até então atraente, deixa de ser rentável, liberando recursos e estimulando

a aplicação de capitais na indústria.

Em 1946, foi criada a Fundação da Casa Popular (FCP) com o objetivo de

viabilizar uma política habitacional de âmbito nacional para população de baixa

renda, visto que as instituições preexistentes atuavam no setor de habitação, de

forma fragmentada e limitada aos seus sócios (institutos, caixas de pensões e

aposentadorias).

Com o sistema da Fundação da Casa Popular, a produção de moradia era

totalmente subsidiada com recursos públicos. A amortização era feita em prestações

mensais fixas, isto é, não reajustável. E isso, por sua vez, ao impossibilitar o retorno

do capital investido na construção, tornava o mecanismo financeiro incompatível

com o princípio de retorno do crédito, o que impedia que a Fundação da Casa

Popular atendesse à demanda de casas populares.

Além disso, as considerações políticas foram determinantes, tanto na

fundamentação do projeto de criação da FCP23, quanto na definição de sua linha de

23 Através do Decreto-lei nº. 9.777 de 6 de setembro de 1946, foram ampliadas as atribuições da

Fundação da Casa Popular:

a) Financiar, na zona rural, a construção, reparação ou melhoramento de habitações para os

trabalhadores;

b) Financiar as construções de iniciativa, ou sob a responsabilidade de prefeituras Municipais,

empresas industriais ou comerciais, de residências de tipo popular, destinadas à venda ou

locação a trabalhadores, sem objetivo de lucro;

c) Financiar obras urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos, suprimento de energia

elétrica, assistência social e outras que visem à melhoria das condições de vida e bem-estar

das classes trabalhadoras;

d) Estudar e classificar os tipos de habitações denominadas populares;

e) Proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos que visem ao barateamento da

construção quer isolada, quer em série, de habitações de tipo popular;

f) Preparar normas ou cadernos de encargos, tendo em vista, “especialmente, a máxima

ampliação possível da área social de seus benefícios”;

g) Financiar as indústrias de materiais de construção quando, por deficiência de produto no

mercado se tornar “indispensável o estímulo ao crédito”;

h) Estudar, projetar ou organizar planos de construção de habitações de tipo popular a serem

executadas pela própria FCP ou por terceiros;

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atuação. O clientelismo político norteou toda sua atuação. Ao prevalecer uma linha

de atuação marcada pelo clientelismo ou favoritismo político, a FCP transformou a

Política Habitacional, originalmente pensada como redistributivista, em uma

política limitada, eminentemente assistencialista, cuja finalidade maior era a

barganha político eleitoreira.

Analisando a origem da produção estatal da habitação, cujo marco foi a

criação, no ano de 1937, das Carteiras Prediais dos IAPs, seguida pela instituição

da FCP, em 1946, Bonduki avalia que a produção estatal de moradias para os

trabalhadores representa o reconhecimento oficial de que a questão habitacional não

seria equacionada apenas através do investimento privado, requerendo,

necessariamente, intervenção do poder público. Ao contrário do que ocorria antes

de 1930, quando a participação estatal na produção de moradia era considerada

“uma concorrência desleal à iniciativa privada”, a partir do governo Vargas, forma-

se uma forte corrente de opinião segundo a qual se torna indispensável a intervenção

estatal.

Os grandes investidores gradativamente estavam deixando de investir na

produção de “casas de aluguel”, setor de intensa atividade da República Velha, o

que tornou a indústria de construção interessada em receber recursos estatais para

manter sua atividade.

Pode-se inferir que o desenvolvimento da concepção de habitação social, definida

como um setor de atividade econômica em que é indispensável a presença estatal,

interessava à indústria da construção civil. A defesa rigorosa da intervenção estatal

na produção de moradias, feita por homens como Roberto Simonsen, líder

empresarial originário do setor da construção civil, talvez seja gerada pela defesa

destes interesses, mais do que uma suposta preocupação social. (Bonduki, 1994, p.

725)

A incapacidade do Estado em oferecer alternativas suficientes para a questão

da habitação faz com que, já nesse período, haja um incentivo à difusão da

propriedade privada entre a classe média e os trabalhadores melhor remunerados,

deixando aos segmentos pauperizados o ônus de buscar solução para sua moradia,

i) Cooperar com as prefeituras dos pequenos municípios que não dispuserem de pessoal

técnico habilitado; e finalmente,

j) Realizar todas as operações que digam respeito à melhor execução de suas finalidades.

Fonte: FINEP-GAP, 1993, p. 65.

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através da autoconstrução, situação que toma enorme proporção a partir da segunda

metade do século XX, como se apresenta a seguir.

3.2.2. A experiência do Banco Nacional de Habitação (BNH)

Segundo Maricato (1987), a crise habitacional se aprofundou e ganhou novos

contornos a partir da década de 1960. Agora, não se tratava mais de construção de

casas isoladas, ou mesmo de conjuntos residenciais; a questão, a partir deste

momento, estava relacionada ao destino do campo e da cidade, vale dizer, com

problemas de reforma (agrária e urbana) e com o próprio desenvolvimento do

Brasil.

A partir de 1964, com a Ditadura Militar24, as políticas de habitação adquirem

um desenho mais efetivo com a instituição de um sistema para financiar a casa

própria através da criação do Banco Nacional de Habitação (BNH). A política

criada pretendia aumentar a oferta de habitações populares e gerar novos empregos

para a força de trabalho menos qualificada. Contudo, a sua implementação pautou-

se por princípios comuns ao mercado, que se clarificam quando se observa que era

objetivo o autofinanciamento (pois a área habitacional era bastante lucrativa). Para

tanto, criou-se o mecanismo de correção monetária para a dívida e para o reajuste

nas prestações, estipularam-se taxas de juros variadas de acordo com as taxas de

financiamento (exigindo-se o retorno do investimento com lucratividade). Somente

em 1966 a autossustentação do BNH foi possível e o banco passou a gerir os

recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ou seja, recursos do

trabalhador remunerando o capital.

O Sistema Financeiro de Habitação (SFH), criado junto com o BNH

(1964/86), produziu aproximadamente 4,5 milhões de moradias, sendo que somente

723 mil se destinavam para a população de baixa renda (com renda até três salários

24 Com a reação conservadora da oposição civil (empresariado, classe média e ala conservadora da

Igreja) aos programas progressistas de reforma de base, os militares derrubam o governo de João

Goulart com um golpe militar em 01 de abril de 1964. O regime militar completou o golpe com uma

grande quantidade de leis, atos e decretos que lhe permitiram dominar as forças de oposição e dirigir

o país de maneira extremamente centralizada e autoritária.

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mínimos), e apenas 7,7% do valor total de financiamento concedido pelo SFH

destinaram-se para as camadas com renda inferior a 3,5 salários mínimos mensais.

Evidencia-se o caráter mercadorizável da política de habitação ao excluir grande

parte da população que ganhava até um salário mínimo ou aqueles sem renda

comprovada.

Esta exclusão de segmentos mais pauperizados da população brasileira fez

surgir, na segunda metade dos anos de 1970, os programas alternativos, baseados

na autoconstrução. Estes programas foram impulsionados por organismos

internacionais como Banco Mundial (BIRD). Tais medidas foram consideradas por

Cardoso (2003) uma estratégia para dar maior eficácia às ações do BNH e atender

às famílias de baixa renda. Porém, as medidas, na verdade, visavam remover as

favelas e transferir as populações de renda mais baixa para locais mais distantes.

Cardoso (2003), destaca que o modelo habitacional implementado pelo BNH

deixou marcas importantes na estrutura institucional definindo a concepção

dominante da política habitacional nos anos subsequentes. As características

marcantes apontadas pelo autor foram:

Criação de um sistema de financiamento que permitiu a captação de recursos

específicos e subsidiados através do FGTS e de empréstimo, atingindo um volume

importante para o investimento na área; A criação e operacionalização de programas

que definiram em nível central, diretrizes a serem seguidas, em nível descentralizado

pelos órgãos executivos; Criação de uma agenda de redistribuição de recursos; A

criação de uma rede de agências em nível local (principalmente estadual),

responsáveis pela operação direta das políticas. (Cardoso, 2003, p. 01)

Contudo, prossegue o mesmo autor, este modelo deixou algumas tendências

hegemônicas sobre o formato da política habitacional, em que se destaca a

vinculação desta política aos recursos do FGTS (considerado como o único),

reforçando a dependência dos governos municipais em relação ao governo federal,

inibindo a iniciativa dos governos estaduais e municipais.

Veras e Bonduki (1986, p. 49-51) apontaram fases distintas nesses 22 anos de

existência do BNH. A primeira fase (1964-1967), na sua implantação e

estruturação. Além da montagem do sistema, sua principal característica foi instituir

a correção monetária nos contratos de empréstimos com mecanismos de

compensação inflacionária A segunda fase (1967-1971) se caracteriza como banco

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de primeira linha, amplia-se os recursos SBPE25 e torna-se o segundo banco do país.

Ampliam-se também suas funções, passando a cuidar do desenvolvimento urbano

e saneamento. Em 1971, inicia-se o Plano Nacional de Saneamento (11,1%

desenvolvimento urbano e 12,5% saneamento). O percentual destinado a

saneamento foi subindo continuamente, atingindo 32,3% em 1985. Na terceira fase

(1971-1979), houve uma reestruturação. O BNH é agora banco de segunda linha,

ligado ao Ministério do Interior, apenas repassando recursos aos agentes. Em 1973,

institui-se o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP) e se começa a falar

em subsídio. Outra modificação significativa refere-se à tentativa de mitigar os

efeitos da correção monetária, já que os ajustes salariais estavam abaixo da inflação

e grande parte dos mutuários não conseguia pagar as prestações. Nas COHABs, em

1974, 67% dos mutuários estavam com as prestações em atraso, sendo que 30%

tinha mais de 3 meses de atraso. A quarta fase (1979 - 1983) é ambígua, sendo de

início marcada por modelos mais flexíveis de financiamento, visando

popularização. Mas, já em 1979 o diferencial entre a correção das prestações e os

aumentos dos salários sobrecarregava o Fundo de Compensação de Variação

Salarial (FCVS) e aumentava o número de inadimplentes. Os salários eram

reajustados com índices de 80% do INPC e as prestações do BNH subiam na

proporção de 130%. Na quinta fase (1983 -1986), o banco se descapitaliza, devido

ao crescente débito do FCVS. Em 1984, havia mais de 350 mil mutuários

inadimplentes, 454 mil unidades disponíveis, sendo mais de 250 mil não

comercializadas.

Gohn (1995) lembra que, em 1984, houve a criação do movimento dos

mutuários do BNH, ele foi gerido pela impossibilidade de, a maioria dos

compradores dos planos de casa própria, pagar o reajuste das prestações. Os

contratos desses planos haviam sido assinados nos anos 1970 ou início de 1980,

quando as prestações eram compatíveis com os salários. Esses mutuários eram

basicamente indivíduos pertencentes às camadas médias da sociedade, impactados,

violentamente, pela crise econômica de desemprego, causando desorganização

social, por que as camadas médias tinham sido, até então, de certa forma,

beneficiadas economicamente pelas políticas do regime militar.

25 Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo.

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3.2.3. As experiências de habitação no período da Nova República

A Nova República sucedeu ao regime militar a partir de março de 1985.

Começou com a remoção “entulho autoritário” do período anterior e avançou até a

promulgação da nova constituição. Nesse sentido, entre 1979 e 2002, viveu-se uma

grande sequência de redemocratização das instituições políticas que tirou o País do

regime autoritário implantado em 1964, em direção à democracia e à construção de

um novo cenário institucional, a saber: Anistia (1979), que ao lado dos movimentos

grevistas do ABC paulista de 1978 foi a principal luta social da década; Criação das

centrais sindicais (1981-1986); Campanha das eleições diretas para presidente e

início da Nova República (1984-1985); eleição de um Congresso Constituinte

aberto à participação popular (1987-1988), atribuiu-se ao Congresso eleito no final

de 1986 a tarefa de elaborar a nova Constituição; Constituição Cidadã de 1988

(promulgada em outubro de 1988, apresenta avanços notáveis na ordem social,

política e institucional); Eleição direta para presidente (1989) e a consolidação da

estabilidade política e econômica (1993-2002).

No campo da habitação, a partir de 1986, o SFH entra em colapso e o BNH é

extinto, assumindo suas funções a Caixa Economia Federal (CEF). A política

habitacional fica subordinada ao Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio-

Ambiente (MUD). Neste período, ocorrem várias mudanças na forma de

organização da política habitacional, mas com pouca efetividade na sua execução

como a substituição do MDU pelo Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio-

Ambiente (MHU), que um ano depois é extinto surgindo e substituído pelo

Ministério da Habitação e Bem-Estar Social (MBES). Em 1989, extingue-se o

MBES e cria-se a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (SEAC).

Para Cardoso (2003), as ações da SEAC baseavam-se na construção de

moradias através de alternativas de produção que incluíam a participação da

comunidade através do mutirão. As linhas de financiamento eram mais acessíveis

e atendiam à população com renda inferior a três salários mínimos, além de permitir

uma capacidade decisória por parte dos municípios e estados.

O período chamado como Nova República, compreendido entre 1985-1994,

foi caracterizado por uma alta inflação e desemprego em massa, além do

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achatamento salarial e queda no PIB26. Esta recessão provocou uma inadimplência

muito grande por parte dos mutuários, fazendo com que muitos perdessem suas

moradias. No período sequente, acentuaram-se as precárias condições de vida de

parcela significativa da população brasileira, reflexo dos efeitos perversos do

modelo econômico. Tratou-se de um período de grande recessão, gerando uma

dívida social que aprofundou o desemprego, o subemprego, aguçando os problemas

nas áreas de saúde, educação, transporte e habitação. No início de 1985, quando se

implantou a Nova República, o quadro habitacional apresentava baixo desempenho

e alta inadimplência. O segundo semestre de 1986, marcou uma profunda

desestruturação do setor de moradia. E é nesse contexto que, no bojo do Cruzado

II27, o BNH é extinto e incorporado à Caixa Econômica Federal, como visto

anteriormente. De acordo com Azevedo (1996), no primeiro ano, após a extinção

do BNH (1987), as COHABs financiaram 113.389 casas próprias. No primeiro

semestre de 1988, este número caiu drasticamente para 30.646. Isso se deve à

resolução do Conselho Monetário Nacional de restringir crédito das COAHBs, sob

a alegação da necessidade de controle das dívidas dos Estados e Municípios. Com

isso, tirou-se das COHABs, e também dos estados e municípios, parte da

capacidade de interferir. Como consequência desta falta de recursos, as COAHBs

tiveram que elevar o nível de renda da clientela dos programas tradicionais, que

atingem, a partir de então, famílias com mais de cinco salários mínimos. Os

programas alternativos no nível do SFH (PROFILURB, PROMORAR, João de

Barro) não puderam ser dinamizados.

No governo Collor (1990 – 1992), a política habitacional viveu um retrocesso,

readquirindo seu elemento clientelista, pois a alocação de recursos obedecia aos

26 O programa de estabilização de 28 de fevereiro de 1986 que estabeleceu o Cruzado como novo

padrão monetário nacional, suas principais medidas foram: Introduzir uma nova moeda, o cruzado,

em substituição ao velho e superinflacionado cruzeiro; Converter todos os contratos pela média dos

últimos seis meses, inclusive os salários; Acabar com a indexação; Congelar, a partir daí, todos os

preços da economia; Reajustar o salário mínimo em 15%; Conceder um abono de 8% para todos os

salários; Criar um "gatilho", através do qual, quando a taxa de inflação acumulada chegasse a 20%,

os salários seriam reajustados. Fonte: SAFATLE (2006). 27 O Plano Cruzado II liberou os preços dos produtos e serviços, determinou reajuste dos aluguéis,

dos impostos das bebidas e cigarros e também alterou o cálculo da inflação, que passaria a ter como

base de cálculo os gastos com famílias com renda de até cinco salários mínimos. Contudo, o Plano

Cruzado II foi outro desastre, a inflação disparou e as exportações caíram, enquanto as importações

aumentavam, esgotando as reservas cambiais. Os problemas na balança de pagamentos cresceram

demasiadamente. Sem perspectiva de recuperação e querendo estancar a perda de reservas cambiais,

o governo decretou moratória junto aos bancos privados internacionais, em fevereiro de 1987.

(REZENDE, 2002, p. 175-177)

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critérios de favorecimento dos aliados políticos do governo federal. Segundo

Cardoso (2003:03), esta foi a marca do Plano de Ação Imediata para a Habitação,

criada em 1990 com propostas de financiar lotes urbanizados e programas de

construção de unidades habitacionais para famílias com renda de até cinco salários.

As incursões falaciosas do governo Collor na área habitacional foram tão

catastróficas que impediram, nos dois anos seguintes, após sua saída, qualquer

iniciativa nesta área. Seu sucessor, Itamar Franco, assumiu a responsabilidade de

concluir as obras iniciadas pelo seu antecessor e criou o Programa Habitar Brasil e

Morar Município. O financiamento destas ações se deu através do Imposto

provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF).

Segundo Taschner (1997), o governo Collor enfatizou mais a tendência

neoliberal, cortando gastos públicos (embora de forma indiscriminada),

aumentando a abertura da economia e tentando controlar a inflação de forma

drástica, retirando dinheiro de circulação através de um confisco das contas

correntes e de aplicação financeira de valores superiores a 50.000 cruzados novos.

Em termos de habitação, o governo Collor fez pouco. Para injetar recursos no SFH,

tal como Sarney, privilegiou o momento, esquecendo o longo prazo. Em 1991, foi

facilitada quitação da casa própria pela metade do saldo devedor, ou pelo pagamento

das mensalidades restantes, sem correção e juros. Era ainda permitido o uso de

cruzados retidos. Isto agravou ainda mais o rombo do FCVS (estimado em 1997 em

50 bilhões de dólares). (Taschner 1997, p. 48-51).

Na avaliação da autora, a pouca política habitacional que se fez foi

compensatória e clientelista. A construção de unidades convencionais continuou

privilegiando setores de renda mais elevada. A política habitacional vinculou-se ao

novo Ministério da Ação Social.

Como analisa a estudiosa, no governo Itamar Franco (1992-1994) pouco se

fez em habitação, em âmbito federal. O SFH continuou com um rombo financeiro

do FCVS. Passou-se a falar em descentralização e incentivou-se a criação de fundos

e Conselhos Estaduais e Municipais. Como citado acima, formularam-se duas

propostas (“Habitar- Brasil” e “Morar Município”), que pretendiam, inicialmente,

a produção em larga escala, descentralização e gestão popular. A falta de recursos,

decorrente do enxugamento necessário para implementação do plano de

estabilização fez com que estes programas não decolassem. Tinham sido

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organizados considerando a utilização de verbas a fundo perdida, originada do novo

Imposto de Movimentação Financeira, recém-criado e que incidia sobre qualquer

transação financeira.

Na nova república, discurso e prática nem sempre vinham juntos. Apesar da retórica

dos governos Sarney e Itamar, as ações na área de habitação foram pontuais e

incrementalistas, tentando, no máximo, resolver problemas de curto prazo sem

preocupação sobre os impactos futuros. Não houve regras bem definidas na alocação

de recursos. As práticas se revelaram clientelistas. (Taschner, 1997, p. 53)

Embora com uma política de caráter regressivo, o governo de FHC realizou

algumas medidas na área de habitação. Extinguiu em 1995 o Ministério do Bem-

Estar Social, criando em seu lugar a Secretaria de Política Urbana (SEPURB),

subordinada ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), sendo, portanto,

responsável pela execução da política nacional de habitação. Redefine-se o papel

da CEF como instituição gestora dos recursos do FGTS e agente financeiro do SFH,

mas não responsável pela implementação e coordenação da política habitacional,

ficando esta a cargo da SEPURB.

Como ressalta Cardoso (2003), a marca fundamental da gestão FHC foi a

constituição da política habitacional como uma política privada, pois o

financiamento da moradia feito através da CEF, privilegia apenas os trabalhadores

de renda mais elevada e com renda comprovada. A habitação para os mais pobres

ficou restrita às ações de governos municipais e estaduais, em que se beneficiam os

municípios e estados com maior capacidade de alocação de recursos. Os municípios

mais pobres ficaram excluídos de uma intervenção mais sistemática em face das

retrações nos recursos repassados pelo governo federal. Na versão do autor, a

exceção dos financiamentos internacionais, como o programa Habitar Brasil/BID,

gerenciado pelo governo federal e que redistribui recursos em nível municipal, os

empréstimos habitacionais ficaram limitados à atuação do setor privado, através do

Programa de Arrendamento Residencial (PAR), ou aos empréstimos individuais

como o Programa Carta de Crédito. Em ambos os casos, não se atingiu o objetivo

principal de atender às populações de menor renda.

O PAR foi criado em 1999, através da medida provisória nº 1.823/1999, com

a finalidade específica de oferecer moradia à população com renda de até seis

salários mínimos, por meio de contratos de arrendamento residencial. A medida

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provisória sofreu alterações e foi convertida na lei 10.188/2001. A fonte de recursos

do programa, composta por recursos mistos, sendo onerosos os recursos do (FGTS)

e não onerosos os respectivos recursos: Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social

(FAS), Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), Fundo de Desenvolvimento

Social (FDS)28 e Programa de Difusão Tecnológica para Construção de Habitação

de Baixo Custo (PROTECH).

O PAR foi uma forma de moradia por meio de uma operação financeira

chamada “arrendamento mercantil” ou leasing. O imóvel que faz parte do

patrimônio do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) permanece sobre a

propriedade fiduciária da Caixa Econômica Federal. Assim, a propriedade do

imóvel é do FAR, enquanto que o arrendatário paga uma taxa de arrendamento

mensal por 15 anos, quando poderá obter o direito de optar pela aquisição do

imóvel, mediante pagamento ou financiamento do saldo devedor, se houver. No

período entre 1999 - 2003, o PAR realizou em torno de 500 conjuntos, perfazendo

um total de apenas quase 90.000 mil unidades habitacionais.29

Na era FHC (1995 - 2002), a política habitacional vai sofrer algumas

limitações em face do ajuste estrutural proposto por este governo, o que inibe

consideravelmente os investimentos em políticas sociais que não sejam

consideradas prioritárias, como saúde e educação.

Importante salientar que as orientações do neoliberalismo foram seguidas por

governos como os de Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Mas foi a partir da primeira gestão de

FHC que se implantou um forte ajuste neoliberal nos moldes daqueles propostos

pelos países centrais. As medidas de desregulamentação dos mercados, sem

nenhum tipo de proteção aos produtos nacionais, a liberalização dos entraves ao

mercado financeiro, as reformas fiscal, trabalhista, previdenciária e social, foram a

pedra de toque do ajuste no Brasil. Todas estas medidas visavam colocar a

economia nos trilhos do superávit primário e recuperar o crescimento econômico.

28 O Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) é um fundo contábil de natureza financeira, com prazo

indeterminado de existência, regido pela Lei nº 8.677, de 13 de julho de 1993, cujos recursos são

destinados para o financiamento de projetos de investimento de interesse social, nas áreas de

habitação popular, sendo permitido o financiamento nas áreas de saneamento e infraestrutura, desde

que vinculados aos programas de habitação, bem como equipamentos comunitários. Fonte: Sítio do

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. 29 Ver: MINISTÉRIO DAS CIDADES. Investimento Ministério das Cidades Brasil a partir de

janeiro de 2003. Brasília, 2005

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Já no final do primeiro mandato, tais medidas mostram sinais de fracasso, as altas

taxas de desemprego perduram, apesar das mudanças na legislação trabalhista.

Para consolidação destas reformas, ainda no início de seu primeiro mandato,

FHC cria o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), que

delimita e estabelece as regras para o funcionamento do terceiro setor. A Lei de 15

de maio de 1988 é o marco legal que define este conceito, os princípios da

descentralização proposta pela Constituição de 1988 são transfigurados na Reforma

do Estado por uma outra lógica, em que predominam os princípios do mercado.

Descentralizar, privatizar e concentrar os programas sociais públicos nas

populações empobrecidas parecem ser os vetores fundamentais da reforma de

programas sociais, preconizados pela equipe do governo FHC.

A descentralização é concebida como um modo de aumentar a eficiência e a

eficácia do gasto público, já que aproxima problemas e gestão. Com a

descentralização, aumentam as possibilidades de interação no nível local dos

recursos públicos e dos não governamentais, para o financiamento das atividades

sociais. Enfim, amplia-se a utilização de formas alternativas de produção e operação

dos serviços, mais facilmente organizadas nas esferas municipais.

A focalização, por sua vez, significa o direcionamento do gasto social a

programas e a públicos-alvo específicos, seletivamente escolhidos pela sua maior

necessidade e urgência. Dois tipos de justificativa apoiam esta tese: a de que o

Estado deve entrar apenas residualmente e tão somente no campo da assistência

social, e a que argumenta com o fato de que em geral os mais necessitados não são,

em princípio, os que efetivamente beneficiam-se do gasto social; consequentemente

deve-se redirecionar este gasto, concentrando-o em programas dirigidos aos setores

mais empobrecidos da população. Finalmente a privatização:

Entendida como deslocar a produção de bens e serviços públicos para o setor privado

lucrativo foi apresentada como uma resposta que alivia a crise fiscal evita

irracionalidade no uso de recursos induzida pela gratuidade de certos serviços

públicos e aumenta a progressividade do gasto público ao evitar que setores de maior

poder se apropriem dos benefícios não proporcionais (maiores) à contribuição que

realizam para financiá-los. (Draibe, 1993, p. 97)

Pode-se considerar que os impactos do ajuste neoliberal, somado ao processo

de municipalização das políticas sociais e consequentemente da habitação, no

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período estudado, faz com que a mesma seja enfrentada de uma forma bastante

residual, fragmentada e focalizada, sobretudo por tratar-se de uma política

extremamente lucrativa, houve fortes incentivos por parte do mercado na provisão

da mesma.

Somente no século XXI, já na gestão do governo Lula da Silva, é que a

habitação vai voltar à agenda pública, com a criação de um programa em grandes

dimensões. Contudo, antes de entrar na especificidade da política de habitação para

o século XXI, faz-se necessário traçar o percurso para a consolidação da citada

política, conforme apresentado no item a seguir.

3.2.4. O percurso para uma nova política de habitação: uma trajetória de caminhos e descaminhos

Conforme já ressaltado, a década de 1980 foi marcada por amplas

mobilizações da sociedade. A forte participação dos movimentos urbanos nas

mobilizações retoma o debate da reforma urbana, timidamente esboçada nos anos

de 1960. A grande diferença dessa retomada é que, em todo o País, foram os

movimentos sociais organizados de luta pela moradia, que fizeram congressos e

articularam-se com assessorias das Organizações Não Governamentais (ONGs),

pastorais sociais, instituições de pesquisa e até mesmo entidades de classe

(engenheiros, arquitetos, assistentes sociais).

Com a elaboração da Constituição de 1988 foi possível, com muita luta por

parte do Fórum Nacional Pela Reforma Urbana (FNRU)30, a inclusão do capítulo

sobre a reforma urbana (artigos 182 e 183 que dispõe sobre a função social da

cidade e da propriedade). O capítulo define os municípios como os indutores

centrais da política de desenvolvimento urbano e a abertura para participação

popular na gestão das cidades por meio de diversos instrumentos, como plebiscito,

referendos, conselhos temáticos.

30 O FNRU – foi protagonista em diversos projetos de iniciativa popular. Sua coordenação é

composta por vários movimentos sociais urbanos, institutos de pesquisa, associação de

trabalhadores, conselhos classistas e fóruns regionais.

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Com a aprovação da CF de 1988, travou-se uma nova luta para a

regulamentação do capítulo de política urbana. A luta se desenrola por 12 anos,

chegando-se à conquista da Emenda Constitucional nº20/2000, que incluiu a

moradia como direito fundamental até a aprovação da Lei 10.257 e institui o

Estatuto da Cidade em julho de 2001.

Dessa forma, a implementação de uma nova política de habitação, firmada no

século XXI, passou por um longo percurso resumidamente demostrado a partir de

o quadro a seguir:

Quadro 11- Os caminhos da nova política de habitação no Brasil

Data/ano Episódio ou evento

1991 Apresentado o projeto de lei de iniciativa popular de instituição do

fundo nacional de Moradia

2001 Aprovado o Estatuto das Cidades

2003 Criado o Ministério das Cidades

2003 Realizada a 1ª Conferência Nacional das Cidades.

2004 Instalado o Conselho Nacional da Cidade

2003/2006 Mais de 2000 municípios haviam elaborado seus planos diretores.

2005 Aprovada a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse

Social

2006 Implementação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse

Social

2007 Programa de Aceleração do Crescimento –(PAC)

2009 Programa Minha Casa Minha Vida

2009 Programa Minha Casa MinhaVida Entidades

De acordo com Bonduki (2014), a atual política de habitação é fruto de um

processo de amadurecimento de propostas desenvolvidas por vários segmentos da

sociedade, envolvidos na luta pela reforma urbana, ao longo do período pós-BHN.

Na altura, foi pensada uma estratégia para a política de habitação através do projeto

moradia em 2000. Foram destacadas algumas dimensões importantes: gestão e

controle social, desenho financeiro e aspectos urbano-fundiários. Na proposta, o

controle social seria exercido pelo Conselho das Cidades e órgãos semelhantes nos

estados e municípios, aos quais caberia gerir fundos de habitação, que deveriam

concentrar recursos orçamentários para subsidiar a baixa renda. Basta lembrar que

já havia, no Congresso Nacional, uma proposta da criação do fundo nacional de

moradia de iniciativa popular desde 1991.

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A política de subsídios previa um “mix” de recursos não onerosos com

recursos retornáveis do FGTS, para viabilizar o crédito e o acesso à moradia digna

para a população de baixa renda, basta lembrar que esse modelo já estava sendo

aplicado no governo FHC via PAR. A estratégia seria concentrar o FGTS na baixa

renda e a retomada do mercado para atender a classe média.

No que diz respeito à questão urbano-fundiária, o Projeto moradia enfatizava

a necessidade de aprovação do Estatuto da Cidade para facilitar e baratear o acesso

à terra, combatendo a especulação com imóveis ociosos. Na ocasião, foi definido

que a questão da habitação não podia ser enfrentada sem forte intervenção no

mercado imobiliário e de modo articulado com a questão urbana, “ficando claro que

o problema da moradia não se resolvia apenas com construção de casinhas”

(Bonduki, 2014, p.109)

O Ministério das Cidades (MCidades) foi criado no primeiro dia de governo

do presidente Lula, procurando, com quatro secretarias nacionais – Habitação,

Saneamento, Mobilidade Urbana e Programas Urbanos – , articular as políticas

setoriais e enfrentar a questão urbana. Sob a coordenação do ministro Olívio Dutra,

e composto por uma equipe comprometida com a agenda da reforma urbana e com

a luta pelo direito à moradia.

Em outubro de 2003, foi realizada a Primeira Conferência Nacional das

Cidades, com 2,5 mil delegados eleitos num amplo processo de mobilização social,

em mais de três mil municípios, consolidando as bases da atuação do governo, que

propôs a criação e a composição do Conselho das Cidades, instalado em 2004.

Como lembra Matoso e Muniz (2006), uma das principais tarefas do

MCidades foi estimular a implementação do Estatuto da Cidade, entendido como

fundamental para garantir o acesso à terra e viabilizar a produção de habitação

social. Para tanto, foi estruturada a Campanha Nacional pelo Plano Diretor

Participativo, desenvolvida pela Secretaria de Programas Urbanos, que procurou

qualificar técnicos e lideranças comunitárias para, entre outros aspectos, introduzir

instrumentos urbanísticos capazes de combater a especulação imobiliária e garantir

terra urbanizada para a produção habitacional.

Mesmo que até 2006, cerca de dois mil municípios brasileiros tenham

elaborado seus planos diretores, os resultados foram diferenciados e a maioria deles

não geraram impactos concretos no sentido de facilitar o acesso à terra para

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habitação e garantir a função social da propriedade. Ou seja, os novos instrumentos

foram previstos, mas não foram implementados.

Conforme analisa Maricato (2005), após forte pressão do movimento de

moradia, as condições começaram a se alterar, com a aprovação em 2005 do Fundo

Nacional de Habitação de Interesse Social. A lei nº 11.124/05, que criou o FNHIS,

instituiu também o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, que

estabeleceu as regras para articular os três entes da federação na implementação da

nova Política Nacional de Habitação. De acordo com essa regulamentação, para

terem acesso aos recursos do FNHIS, os estados e municípios precisariam criar uma

estrutura institucional específica, incluindo fundo, conselho e planos municipais ou

estaduais de habitação. Objetivava-se, assim, estruturar um novo desenho

institucional descentralizado. “Com a pressão e mobilização dos segmentos sociais

representados no Conselho das Cidades, elementos-chave da nova política

habitacional foram sendo implementados” (Bonduki, 2014, p. 109).

Com o tempo, percebeu-se alguns avanços, como a destinação de recursos

para a compra de imóveis ociosos em áreas centrais para fins habitacionais e a

criação de um programa baseado na autogestão, com recursos do Fundo de

Desenvolvimento Social(Credito Solidário). Também é necessário observar que as

regras estabelecidas nos programas do FGTS inviabilizaram soluções habitacionais

nas regiões metropolitanas, por causa do alto preço e da escassez de terras aptas

para a produção de moradias novas.

De acordo com Bonduki (2014), há uma forte aproximação do governo Lula

com o setor da construção civil, que pode ser explicada pelas ocorrências

seguidamente descritas. Isto é, em 2004, foi aprovada pelo Congresso Nacional,

com forte apoio do governo e do setor empresarial, a Lei n º 10.931, que deu

segurança jurídica ao mercado ao criar a alienação fiduciária e obrigar o pagamento

do incontroverso no caso de conflito jurídico entre o mutuário e o agente financeiro.

Também em 2005, a resolução do Banco Central passou a exigir dos bancos o

cumprimento da lei que regulamenta o SFH, que determina que 65% do saldo do

Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) fossem utilizados para

aplicação da produção habitacional.

Em um quadro favorável de crescimento da economia, do nível de emprego

e dos salários, essas medidas geraram uma aceleração na produção e

comercialização de unidades habitacionais para o setor médio. A aplicação em

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habitação no SBPE saltou de 2,2 bilhões de reais em 2002 para cerca de 80 bilhões

de reais, em 201131.

A conjuntura contemporânea gerou forte interesse dos investidores no

mercado habitacional brasileiro, que por mais de 20 anos tinha ficado aquém da sua

potencialidade. Ocorreu, nos anos seguintes, uma avassaladora procura por terrenos

e glebas aptos para habitação, em um processo especulativo que chegou a ser

considerado, entre 2007 e 2008, um boom imobiliário. “Essa demanda criou uma

disputa por terra, com efeitos nefastos para a produção de habitação de interesse

social” (Bonduki, 2013, p. 112).

As condições macroeconômicas do Brasil vinham melhorando sensivelmente

a partir de 2005, apontando para a viabilização do modelo financeiro proposto para

aplicação na política de habitação. Este quadro confirmou-se nos anos seguintes

com a implementação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (2006),

do Programa de Aceleração do Crescimento (2007) e do Programa Minha Casa

Minha Vida (2009), que elevaram substancialmente os recursos destinados à

habitação.

Há de se lembrar de que, em julho de 2005, em meio à mais grave crise do

seu governo, conhecida como Mensalão, o presidente Lula foi obrigado, para

garantir governabilidade e reforçar a sua posição no Congresso Nacional, a trocar

Olívio Dutra por um ministro indicado pelo conservador Partido Progressista (PP),

agremiação do então presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti, eleito sem

o apoio do governo. Essa mudança culminou no desmonte do ministério, até então

formado com uma equipe comprometida com a formulação de uma política urbana

articulada para o país.

Em 2007, o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC), objetivando implantar grandes obras de infraestrutura, que inclui, entre seus

componentes, um programa de caráter social, o Programa de Urbanização de

Assentamentos Precários, prevendo recursos orçamentários inusitados para o setor

de habitação. Entre 2003 e 2008, os recursos totais destinados à habitação elevaram-

se de cerca de R$ 8 bilhões para mais de R$ 42 bilhões.

31 Mesmo voltado para segmentos médios, o aumento da oferta de unidades habitacionais contribui

para o enfrentamento do déficit, pois o mercado formal e o informal de moradias funcionam como

vasos comunicantes. A falta de oferta do segmento médio tende a elevar o custo das moradias

populares, mesmo que informais e a sugar as unidades de habitação social, produzidas com subsídio,

para quem dele não tem necessidade como aconteceu em toda história da produção pública.

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O elevado montante de recursos torna mais evidente a necessidade de uma

maior articulação com a política urbana e fundiária, mas que deixou de ser uma

prioridade do Ministério das Cidades. O último esforço para enfrentar essa questão

foi realizado pela Secretaria Nacional de Habitação, na elaboração do Plano

Nacional de Habitação (PlanHab)32, realizado entre 2007 e 2008.

De acordo com Bonduki (2013), por meio do PlanHab foram quantificadas,

pela primeira vez, de modo consistente, as necessidades habitacionais do Brasil,

considerando a dinâmica demográfica.

Chegou-se à conclusão de que até 2023 seria necessário produzir cerca de

34,9 milhões de unidades habitacionais, sendo 7,9 milhões para eliminar o déficit

existente e 27 milhões para atender às necessidades futuras, além da urbanização

de assentamentos precários onde vivem 3,3 milhões de famílias e da

complementação de infraestrutura em assentamentos que reúnem 9,8 milhões. No

segundo semestre de 2008, quando o PlanHab estava sendo concluído, a crise

econômica global, fortemente associada ao crédito habitacional nos Estados

Unidos, chegou ao Brasil, gerando incertezas e paralisia no setor imobiliário, que

estava em pleno processo de aceleração da produção. A conjuntura foi determinante

na decisão governamental inédita de priorizar o investimento público no setor

habitacional, com o objetivo de evitar o aprofundamento da crise de mercado. Em

consequência, começou a ser formulado um novo programa habitacional, que veio

a ser chamado de Minha Casa Minha Vida (MCMV), que será mais bem entendido

no capítulo seguinte.

3.3. Ambiguidades e semelhanças no percurso da política habitacional em Portugal e no Brasil

Percebeu-se que até a primeira década do século XX, em Portugal, apenas um

pequeno número de empresas se preocupava com a moradia e seus operários (o

assunto foi apresentado já no primeiro capítulo desse trabalho). No Brasil, as

32 Foi desenvolvido por meio de uma metodologia participativa e com consultoria do Laboratório de

Habitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP e do Instituto Via Pública.

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primeiras iniciativas, chamadas de Vilas Operárias, tendo havido várias

experiências nas cidades nas quais o processo de industrialização estava mais

avançado como no caso de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. No Brasil,

alguns estudiosos chamaram esse modelo de uma espécie de subordinação para

além da esfera de produção. As estratégias de moradia, desde esse período,

estiveram diretamente relacionadas a estratégias de lucratividade por parte do

capital.

Em Portugal, é a partir da década de 1930, período do Estado Novo, que

haverá as primeiras intervenções públicas na questão da moradia, por meio dos

programas de casas econômicas. Estes programas estão associados ao modelo de

casas adotadas durante a ditadura, porém essa política foi dirigida a diferentes

estratos da população, a partir da formulação das casas para famílias pobres e casas

de renda econômica, por exemplo. Mesmo tendo o Estado atuado na provisão da

habitação em Portugal, a promoção privada vai continuar a ser dominante, já que a

atuação do Estado foi insuficiente.

No Brasil, no mesmo período (pós 1930), o Estado estimou uma migração

urbana com o objetivo de gerar mão de obra sobrante para o mercado de trabalho e

garantir a acumulação de capital, condição “sine qua non” ao desenvolvimento do

capitalismo industrial, iniciado na época. Em todo o período populista (que durou

décadas), o direito à casa própria se configurou uma espécie de cidadania regulada,

nos termos de Wanderlei Guilherme dos Santos (1979). O trabalhador, na época,

tinha, tão somente, acesso à casa própria via Instituto de Aposentadoria e Pensão

(IAPs) ou aos sindicatos. Trata--se do direito social vinculado à assinatura da

carteira profissional, que na ocasião tornou-se uma espécie de passaporte da

cidadania. É bom lembrar que desde as primeiras medidas estatais no campo da

habitação, os empresários da construção civil já comemoravam as possibilidades de

ver crescerem os seus lucros relativamente este setor.

Importa dizer que no Brasil, no período de 1961-1964, tentou-se emplacar

propostas de reformas importantes e necessárias para o país como foi a

possibilidade de reforma urbana. Essas ideias foram impedidas, já que a sociedade

brasileira, leia-se- as elites e os segmentos médios altos da população, não permitiu

qualquer tipo de reforma, seja ela urbana, política, educacional, fiscal, ou agrária.

O momento foi seguido de ditadura, na qual se desenvolve uma política pública

habitacional de grande dimensão, através do SNH e BNH. Porém, essa política

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pautou-se em princípios comuns ao mercado, já que habitação foi vista como algo

extremamente lucrativo. Já foi mencionado aqui nesse trabalho que dos 4,5 milhões

de moradias realizadas no período, somente 723 mil foram destinadas à população

de baixa renda. Tratou-se de uma política pautada na concentração de renda e no

incentivo à indústria da construção civil, que gerou emprego para legitimar o regime

e ajudou a amenizar os conflitos de classe na época. Buscou-se na habitação popular

um instrumento de legitimação também político.

No caso português, observou-se que com o fim da Segunda Guerra Mundial,

houve uma tendência para o acelerar da dinâmica emigratória. Os portugueses

emigraram para diversos países em busca de trabalho e renda, sobretudo durante os

anos dourados do fordismo nos quais os maiores fluxos se dirigiram para França e

Alemanha. Já a década de 1970 é marcada por uma série de questões no debate da

habitação no País, além dos elementos ligados à chamada crise mundial do petróleo,

que reduziu o fluxo emigratório, gerando a diminuição de recursos por parte dos

depósitos feitos dos emigrantes as suas famílias. Portugal ainda viveu o fim da

guerra com os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), período em que

surgiu quase um milhão de retornados, que equivale a quase 10% da população total

danação para aquele período. Esses fatores geraram problemas urbanos visíveis,

sobretudo nos dois grandes centros (Lisboa e Porto), nos quais aumentou o número

de habitações clandestinas e os bairros de lata33, assim, como a sublocação.

Com a abertura política em Portugal, a partir da revolução de 25 de abril de

1974, ocorreram algumas iniciativas no campo da habitação, como o caso do SAAL

e das cooperativas de custos controlados. O SAAL pautou-se pelo apoio à moradia

para a população de menor renda, com o suporte técnico e envolvimento da

população no processo. Contudo, o período foi considerado extremamente curto no

provimento da habitação por parte do Estado e insuficiente, o que abriu espaço para

a iniciativa privada.

No Brasil, após a abertura política, o período foi caracterizado por forte

recessão, inflação, desemprego em massa que gerou achatamento salarial,

impedindo maiores acessos à moradia. Já na década de 1990, são traçadas as bases

33 “Bairros de lata” são aglomerados de casas abarracadas e pobres, sem infraestruturas

fundamentais, normalmente habitados por pessoas carenciadas. Podem também ser chamados de

“bairros de barraca”. No Brasil a expressão usada é favela.

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para a implementação do projeto neoliberal, proposta pautada na diminuição do

Estado, nas políticas sociais e consequentemente no acesso à moradia.

Percebeu-se, então, que no âmbito da realidade portuguesa, na década de

1980, por parte do governo central, houve o processo de transferência para as

Câmaras Municipais da responsabilidade na provisão da habitação para a população

de baixa renda. Na realidade brasileira, essa descentralização ocorreu a partir da

vigência da Constituição de 1988, ficando os municípios mais pobres excluídos de

uma intervenção mais sistemática, em face de retração nos recursos repassados pelo

governo federal. Foram poucos os municípios comtemplados com o Programa de

Arrendamento Residencial (PAR) e que, por exemplo, não contemplou famílias em

situação de desemprego.

Em 1986, dá-se a integração de Portugal na União Europeia, sendo que o país

recebe investimento para a infraestrutura de aproximadamente 50% do seu PIB. No

campo da habitação, é a partir de 1987 que se nota um avanço nas medidas aplicadas

para extinguir os alojamentos em barracas. Tratou-se sobretudo de programas de

realojamento que, no decorrer da década de 1990, tiveram um elevado alcance,

sobretudo nas regiões metropolitanas do Porto e de Lisboa.

A partir da década de 1990, ainda de maneira tímida, se desenvolveu em

Portugal programas de reabilitação urbana. No entanto, há uma perspectiva de

ampliação dos recursos voltados para a reabilitação por parte da maioria dos países

da União Europeia. Embora os programas de reabilitação tragam uma perspectiva

de integração da habitação com a política de cidade, alguns pesquisadores e

movimentos sociais receiam que o mercado veja na reabilitação grandes

oportunidades de lucratividade, o que pode levar a expulsão da população mais

pobre das zonas sujeitas a este tipo de intervenção.

Muito embora exista um esforço para a ampliação do acesso a habitação,

como foi mostrado, existem evidências históricas da ênfase na privatização dos

meios de acesso a tal política , com destaque ao oferecimento de contrapartida para

agentes privados; substituindo-se o investimento direto pela (histórica) política de

subsídios habitacionais, encorajando a população a adquirir imóveis na iniciativa

privada.

As transformações ocorridas com a crise dos anos 2008-2009 e as estratégias

de habitação para o século XXI em Portugal e no Brasil serão tema do próximo

capítulo.

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4 A crise econômico-financeira e as políticas de habitação para o século XXI: repercussões nas realidades portuguesa e brasileira

O objetivo deste capítulo é situar a problemática da política de habitação em

Portugal e no Brasil no século XXI, e compreender o contexto de desenvolvimento

da atual crise de 2008 e a sua relação com o setor habitacional, sobretudo, visando

entender quais as consequências trazidas, neste processo de crise econômica, ao

planejamento, na provisão das políticas em Portugal e no Brasil.

4.1. Contexto da crise econômico-financeira de 2008: conjunturas portuguesa e brasileira

O capitalismo do século XIX, fruto da revolução industrial na Inglaterra e

baseado no liberalismo econômico clássico, era caracterizado pela ausência do

Estado nas relações sociais e pelos precários ou inexistentes sistemas de proteção

social.

Historicamente, o Estado mais identificado com o capitalismo foi o Estado Liberal,

tal como existiu no século XIX. Tal Estado é entendido como um poder separado da

sociedade e da economia, que tem por fundamento a defesa dos direitos privados,

inclusive contra a intervenção do próprio Estado. Sob a proteção deste Estado, todos

os indivíduos membros da nação encontram-se liberados para usufruir e dispor

privadamente de suas capacidades pessoais e de seus bens, inclusive para negociá-

los no mercado. (Abreu, 1999, p. 35)

A ruptura com esse modelo foi provocada pela crise econômica e social do

final dos anos de 1920. De acordo com Bihr (1998), a superprodução, o crescimento

acelerado das economias centrais, principalmente dos Estados Unidos, os baixos

salários pagos aos trabalhadores, impeditivo para que o consumo acompanhasse a

capacidade produtiva, e os altos investimentos no mercado financeiro, foram os

principais responsáveis pela crise supracitada. O resultado foi um privilégio da

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especulação financeira, culminando na quebra da Bolsa de Valores em Nova York

e na crise generalizada.

Para Hobsbawn (1995), a crise dos anos de 1930 provocou uma recessão

econômica mundial, ocasionando uma queda na produção, o aumento do número

de desempregados, a redução dos preços dos produtos e, principalmente, dos

alimentos e das matérias-primas. O comércio mundial sofreu uma queda de 60%, o

que afetou os países cujo comércio internacional era basicamente vinculado aos

EUA e à Europa, caso exemplar do Brasil, cuja economia era concentrada na

exportação de café, fazendo com que o país fosse responsável, neste período, por

2/3 das exportações mundiais do produto.

Nos anos de 1930 a 1933, o número de desempregados chegou a um

percentual de 30% na Alemanha e 44% nos EUA. A ausência de um sistema de

proteção aos trabalhadores, com base na previdência social e no auxílio

desemprego, agravou ainda mais as péssimas condições de vida da população. A

violência e o número de saques e roubos se adensaram neste período, como

resultado da miserabilidade vivenciada pela população nas diversas partes do

mundo.

Nos anos subsequentes, esta tendência regulacionista se acentua em face da

Segunda Guerra Mundial. Para Chesnais (1996), esse momento foi caracterizado

pela influência dos partidos social-democratas na Europa e pela expansão do

comunismo na Rússia, criando uma alternativa econômica e política aos países

capitalistas, além, é claro, da necessidade de reconstrução dos países destruídos pela

guerra.

Constrói-se, assim, o Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social. Este

Estado se constituía numa forte intervenção do Estado na economia e no social,

com políticas de expansão da indústria e um sistema de proteção social para

incentivar o consumo. Cunhou-se a ideia do pleno emprego e da produção de massa

como mecanismo de manutenção deste modelo, por meio da adoção de técnicas

baseadas na produção fordista.

A partir de 1970, o modelo fordista/keynesiano entra em crise. Crise expressa,

dentre outros fatores, pelo esgotamento do sistema de produção de massa e do

endividamento crescente dos Estados nacionais dos países centrais (Harvey, 2010).

Essa crise impôs uma crescente internacionalização da produção para os países da

periferia, que vivenciam um crescimento acelerado neste período, postergando sua

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derrocada para a década posterior. É o caso do Brasil que viveu a consolidação,

porém sem a presença do modelo keynesiano, culminando na definição de fordismo

periférico. Nesse contexto, o Estado passa a ser o alvo central dos ataques,

considerado responsável pela enorme dívida pública e pelo déficit da balança de

pagamentos.

A lógica da eficácia e eficiência presente nas gestões gerenciais é

incorporada pela administração pública, por conseguinte, há necessidade de

reformas para atender a esta nova realidade. Vale ressaltar que por trás dessa crítica

ao Estado, encontrava-se a introdução de novas formas de acumulação capitalista.

O modelo fordista teve por primazia a acumulação industrial que, no atual contexto,

vem sendo substituída pela acumulação financeira34 a qual veio reforçada pela

defesa de uma abertura financeira e desregulamentação dos mercados, sob a égide

do que se convencionou denominar globalização. A globalização fortaleceu as

bases capitalistas e foi a força propulsora para que o neoliberalismo se tornasse a

forma política e econômica pacífica para a solução da crise.

Segundo Harvey, em boa parte do mundo capitalista avançado, após um flerte

inicial com um renascimento do keynesianismo, a crise da dívida soberana tornou-

se uma desculpa para a classe capitalista desmantelar o que sobrou do Estado de

bem-estar por meio de uma política de austeridade.

O capital sempre teve dificuldades em internalizar os custos de reprodução social (a

assistência a crianças, doentes, aleijados e idosos, os custos da previdência social,

educação e saúde). Durante os anos 1950 e 1960, muitos desses custos sociais foram

internalizados ou diretamente (planos de saúde e pensões corporativos) ou

indiretamente (serviços financiados por impostos para a população em geral). Mas

todo o período de capitalismo neoliberal após meados dos anos 1970 foi marcado

por uma luta do capital para livrar-se de tais encargos, deixando a população buscar

suas próprias maneiras de adquirir e pagar por esses serviços. Como nós nos

reproduzimos e, fomos informados por poderosas vozes de direita na politica e na

mídia, uma questão de responsabilidade pessoal, não obrigação do Estado. (Harvey,

2011, p. 214)

34 Oliveira (2005) destaca que a acumulação de base financeira não pode ser considerada como uma

tendência nova do modo capitalista de produção, porém seu crescimento acelerado é uma marca

predominante do atual estágio de acumulação capitalista, favorecida pelo advento da tecnologia que

possibilita uma maior rapidez nas transações, além, é claro, da desregulamentação do mercado

financeiro favorecendo o capital especulativo.

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Aliado ao processo de globalização e do neoliberalismo, destaca-se a Terceira

Revolução Tecnológica que provocou mudanças também no âmbito do trabalho,

desenvolvendo uma reestruturação produtiva em que o Estado nacional aparece

como o principal alavancador deste processo. Fiori (1997) considera que estas

mudanças, ainda em curso, foram uma vingança do capital contra a classe

trabalhadora e a política social, pois tendem a retirar ou diminuir direitos

historicamente consagrados principalmente no âmbito trabalhista, vide as reformas

aprovadas nos últimos anos em diversos países, sejam centrais ou periféricos.

Finelli (2003) considera a globalização como uma categoria mítica do capitalismo,

pois anuncia o mercado único e a integração dos mercados, em que predomina a

produção e circulação das mercadorias vendidas a um preço único, eliminando

diferenças regionais e desigualdades econômicas e geopolíticas.

Essa concepção mítica mascara as reais relações da globalização, pois embora

haja o discurso ideológico da aldeia global, nos países centrais, essas tendências,

conforme defende Soares (2000), são acompanhadas de medidas de proteção

comercial e transferência da crise para os países periféricos via endividamento

externo.

A imposição das mudanças estruturais pelas agências multilaterais segue

parâmetros mais ou menos convergentes, ou seja, nos países centrais implica em

um desmonte do sistema de proteção social e de liberalização normativa das

instituições financeiras, dos entraves que afetavam o processo de acumulação

capitalista permitindo que em seu lugar surgisse um modelo mais flexível. Já nos

países periféricos, a proposta veio acompanhada da retirada drástica do Estado no

que se refere à intervenção no setor social.

Percebe-se que a globalização associada à reforma do Estado e o processo de

reestruturação produtiva transformaram a política social numa ameaça ao bom

funcionamento da economia. Isto não significa que os neoliberais não estejam

preocupados com a pobreza, só que ela é vista como um entrave à modernização

das nossas economias, além de representar um fator importante de instabilidade

política.

A crise de 2008 que impulsionou a atual recessão global é, conforme aponta

Mota (2012), um desdobramento da crise financeira internacional precipitada pela

falência do tradicional banco de investimento estadunidense Lehmam Brothers,

fundado em 1950. Tendo como epicentro o mercado imobiliário norte-americano,

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em efeito dominó, e através de um processo também conhecido como “crise dos

subprimes”, outras grandes instituições viriam paulatinamente a ser afetadas. Essa

crise foi mais uma “bolha” criada pelo mercado financeiro e que, desta vez, utilizou

títulos de hipoteca das casas vendidas às pessoas que não tinham, na sua

genialidade, condições para pagar esses bens. Para dinamizar a especulação

financeira em torno desses títulos, que passavam em múltiplas mãos, as hipotecas

“subprimes” foram vendidas como uma forma de solucionar o problema de quem

queria adquirir a casa própria ou alterar a sua situação habitacional. Na verdade, em

muitos casos, tratou-se de transformar indivíduos desprovidos dos requisitos

necessários à concessão de um empréstimo em devedores. Isto é, com o objetivo de

estimular todo um processo de financeirização (e dependência). visou-se atrair os

clientes para a realização do sonho da casa própria.

Bresser-Pereira (2010, p. 52) irá denominar esse processo de financeirização

de “um arranjo financeiro distorcido, baseado na criação de riqueza artificial, ou

seja, de riqueza financeira desligada da riqueza real da produção de bens e

serviços”. Também, segundo o autor, o maior fluxo de capitais da economia

mundial está vinculado a esse setor, representando uma verdadeira ruptura entre a

economia financeira e a real, entre os recursos destinados à produção e geração de

empregos, e àqueles meramente especulativos e que criam capital através de

transações bancárias, envolvendo empréstimos e cobranças de juros.

De acordo com Harvey (2011), algo sinistro começou a acontecer nos Estados

Unidos em 2006. A taxa de despejos em áreas de baixa renda de cidades antigas,

como Cleveland e Detroit, repentinamente explodiu. Contudo, as autoridades e a

mídia não deram atenção porque as pessoas eram de baixa renda, principalmente

afro-americanos, imigrantes (hispânicos) e mães solteiras. Os afro-americanos, em

especial, vinham tendo dificuldades com o financiamento da habitação desde os

anos 1990. Entre 1998 e 2006, antes de a crise imobiliária bater com seriedade com

que seguidamente ficou conhecida, estima-se que eles perderam entre 71 bilhões e

93 bilhões de dólares em ativos ao se envolver com empréstimos conhecidos como

subprime. Para o autor,

Foi em meados de 2007, quando a onda de despejos atingiu a classe média branca,

nas áreas urbanas e suburbanas dos EUA outrora crescentes e significativamente

republicanas no Sul (em particular na Flórida) e Oeste (Califórnia, Arizona e

Nevada), que as autoridades começaram a levar em consideração e a grande

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imprensa, a comentar. Projetos de novos condomínios e comunidades fechadas

(muitas vezes em “bairros dormitórios” ou atravessando zonas urbanas periféricas)

começaram a ser afetados. Até o fim de 2007, quase dois milhões de pessoas

perderam suas casas e outros quatro milhões corriam o risco de ser despejados. Os

valores das casas despencaram em quase todos os EUA e muitas famílias acabaram

devendo mais por suas casas do que o próprio valor do imóvel. Isto desencadeou

uma espiral de execuções hipotecárias que diminuiu ainda mais os valores das casas.

“Em Cleveland, foi como se um “Katrina financeiro” atingisse a cidade. Casas

abandonadas, com tábuas em janelas e portas, dominaram a paisagem nos bairros

pobres principalmente negros”. (Harvey, 2011, p. 9)

No outono de 2008, no entanto, a “crise das hipotecas subprime”, como veio

a ser chamada, como lembra Harvey (2011), levou ao desmantelamento de todos os

grandes bancos de investimento de Wall Street, com mudanças de estatuto, fusões

forçadas ou falências. O dia em que o banco de investimento Lehman Brothers

desabou, em 15 de setembro de 2008, foi um momento decisivo. Os mercados

globais de crédito congelaram, assim como a maioria dos empréstimos do mundo.

No fim de 2008, todos os segmentos da economia dos EUA estavam com problemas

profundos. A confiança do consumidor despencou, a construção de habitação cessou,

a demanda efetiva implodiu, as vendas no varejo caíram, o desemprego aumentou e

as lojas e as fábricas fecharam. Muitos dos tradicionais ícones da indústria dos EUA,

como a General Motors, chegaram perto da falência, e um socorro temporário das

montadoras de Detroit teve de ser organizado. A economia britânica estava

igualmente com sérias dificuldades, e a União Europeia foi abalada, mesmo com

níveis desiguais, com a Espanha e a Irlanda, juntamente com várias dos Estados

orientais europeus que recentemente aderiram a União, mas seriamente afetados. A

Islândia, cujos bancos tinham especulado nesses mercados financeiros, ficou

totalmente falida. (Harvey, 2011, p. 13).

No início de 2009, o modelo de industrialização baseado em exportações, que

gerou um crescimento tão espetacular no Leste e Sudeste da Ásia, contraía-se a uma

taxa alarmante (muitos países como Taiwan, China, Coreia do Sul e Japão viram

suas exportações caírem em 20%, ou mais, em apenas dois meses). O comércio

global internacional caiu em um terço em poucos meses, criando tensões nas

economias majoritariamente exportadoras, como a da Alemanha e a do Brasil.

Como referiu Harvey (2011,p.13), o desemprego começou a aumentar a uma

taxa alarmante. Cerca de 20 milhões de pessoas perderam subitamente seus

empregos na China, e relatos perturbadores de agitação social vieram à tona. Nos

Estados Unidos, o número de desempregados aumentou em mais de cinco milhões

em poucos meses (de novo, fortemente concentrado em comunidades afro-

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americanas e hispânicas). Na Espanha, a taxa de desemprego saltou para mais de

17%.

Essa foi, sem dúvida, a mãe de todas as crises. No entanto, também deve ser

vista como o auge de um padrão de crises financeiras que se tornaram mais

frequentes e mais profundas ao longo dos anos, desde a última grande crise do

capitalismo nos anos de 1970 e início dos anos 1980. Para Harvey (2011: 14),

“crises associadas a problemas nos mercados imobiliários tendem a ser mais

duradouras do que as crises curtas e agudas que, às vezes, abalam os mercados de

ações e os bancos diretamente”.

Meszáros (2012), ao analisar o atual momento, discute que se trata de uma

crise profunda e estrutural que necessita da adoção de medidas fundamentadas e

abrangentes, de modo a atingir uma solução duradoura. O filósofo defende que a

crise deve ser compreendida se não a remetermos para a estrutura social no seu

todo. Na sequência, o autor diz que é necessário lembrar que a mesma não teve

origem com o “rebentar da bolha” do mercado imobiliário americano, mas pelo

menos quatro décadas antes, e que esta se manifesta na atualidade, com as seguintes

características:

a) O caráter universal, por oposição ao caráter circunscrito a uma

esfera particular determinada (financeira ou comercial, ou

afetando este ou aquele ramo específico da produção, ou

aplicando-se a um tipo de trabalho, com a sua esfera específica de

capacidades e níveis de produção, e não a outro etc.).

b) O âmbito verdadeiramente global (no mais ameaçado sentido

literal do termo), ao invés de estar confinado a um conjunto

determinado de países (como estiveram as maiores crises do

passado).

c) A escala de tempo extensa, contínua e permanente, em vez de ser

limitada e cíclica, como se acabaram por ser, as anteriores crises

do capital.

d) A forma de desdobramento, contrastando com os colapsos mais

espetaculares e mais dramáticos do passado, podendo ser

considerada gradual, não excluindo no mesmo movimento a

hipótese de violentas convulsões futuras, ou seja, quando a

complexa máquina que se ocupa hoje da “gestão da crise” acabar

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com o inevitável agravamento futuro das contradições crescentes

por perder vapor.

Na analise de Meszáros (2012), está claro a incapacidade congênita do

sistema do capital para resolver este problema estrutural fundamental, que afeta

todas as categorias de trabalhadores, não apenas no “terceiro mundo” como também

nos mais privilegiados países do “capitalismo avançado”. O autor defende que essa

incapacidade leva a um aumento perigoso do desemprego e constitui um dos limites

absolutos do sistema do capital no seu todo. Outro aspecto apontado e que reforça

a inviabilidade presente e futura do sistema do capital é o peso cada vez maior dado

aos setores parasitários na economia. É o caso da especulação aventureira,

produtora de crise, que infesta o setor financeiro, e da fraude institucionalizada que

se lhe associa, em contraste com os ramos produtivos da economia social,

imprescindíveis à satisfação das necessidades humanas genuínas.

Outra contradição do sistema capitalista de controle é, ainda nos termos de

Meszáros (2012), o de não poder separar “avanço” de destruição, nem “progresso”

de desperdício, independente de quão catastrófico seja o resultado. Assim, nos

termos do autor, quanto mais libera o seu poder produtivo, mais desencadeia o seu

poder destrutivo; e quanto mais aumenta o seu volume de produção, mais é obrigado

a enterrar tudo sob montanhas de desperdícios. Além disso, o conceito de economia

é radicalmente incompatível com a “economia” da produção do capital que,

necessariamente, junta ultraje ao usar primeiro, num ganancioso desperdício, os

recursos limitados do nosso planeta, para depois agravar o resultado através da

poluição e do envenenamento do ambiente humano, com a sua produção de lixos e

eflúvios.

Seguindo o raciocínio de Meszáros (2012), a crise financeira que atualmente

vive-se é apenas um aspecto das três vertentes da destrutividade do sistema do

capital, sendo as três vertentes respectivamente:

1) O campo militar, no qual se configuram intermináveis guerras que o

capital tem gerado desde que surgiu nas últimas décadas do séc. XIX;

o imperialismo monopolista; e as mais devastadoras armas de

destruição massiva surgidas nos últimos sessenta anos;

2) A intensificação do impacto destrutivo do capital no domínio ecológico,

que afeta diretamente e põe em risco a base mais elementar da própria

existência humana; e

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3) O domínio da produção material, um desperdício cada vez maior,

resultante do desenvolvimento de uma “produção destrutiva”, que se

substitui a anteriormente louvada, “destruição produtiva” ou “criativa”.

Conforme sustenta Harvey (2011), em resposta a grandes crises, o repasse

dos custos às pessoas em benefício do grande capital sempre esteve na agenda da

direita e da classe capitalista. O autor lembra que o ex-presidente Ronald Reagan

cortou a taxa de impostos sobre os maiores salários dos EUA de 72% para quase

30%, uma espécie de plano para aumentar a dívida e depois usar isso como desculpa

para diminuir ou dividir a proteção social e os programas sociais.

Harvey avalia que as dificuldades econômicas atuais nos EUA e na Grã-

Bretanha, assim como em boa parte da Europa, estão, essencialmente, sendo

aprofundadas por uma razão política e não por necessidade econômica. Essa é uma

razão política que sustenta o desejo do capital de se livrar da responsabilidade de

cobrir os custos da reprodução social. O assalto ao bem-estar social das massas

deriva do incessante impulso de preservar e valorizar a riqueza dos que já são ricos.

Mas, o autor também rebate que o mantra da austeridade não é, contudo,

aceito e praticado em toda parte. Lembra que no caso da China, a forma de agir foi

marcadamente Keynesiana. Após a perda de três milhões de postos de trabalho,

cerca de 600 bilhões de dólares foram colocados em grande parte em projetos de

infraestrutura: construção de estradas, novos aeroportos, projetos de saneamento,

ferrovias de alta velocidade e até mesmo cidades totalmente novas. Não obstante, o

governo central também obriga os bancos a aumentar o crédito para projetos de

governos locais e privados.

Dona de excedentes enormes e um sistema bancário imperturbável facilmente

manipulado pelo governo central, a China teve os meios para agir de uma forma

marcadamente keynesiana. O colapso das indústrias orientadas a exportação, a

ameaça de desemprego em massa (lembre-se a perda de três milhões de postos de

trabalho) e a agitação no inicio de 2009 forcaram o governo nessa direção. O pacote

de estímulo econômico elaborado teve duas linhas. Cerca de 600 bilhões de dólares

foram colocados em grande parte em projetos de infraestrutura – construção de

estradas em uma escala que supera o sistema viário dos EUA nos anos 1960, novos

aeroportos, projetos de saneamento, ferrovias de alta velocidade e até mesmo cidades

totalmente novas. Em segundo lugar, o governo central obriga os bancos (desafiar o

governo central não é uma opção para os banqueiros chineses) a afrouxar o crédito

para projetos de governos locais e privados. (Harvey, 2011, p. 118)

Mas, o autor alerta:

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Há outros sinais preocupantes de excesso de capacidade na indústria e infraestruturas

– uma cidade inteira foi construída no centro da China, que ainda não recebeu

nenhum residente – e ha rumores de que muitos bancos estão com atividades

ampliadas demais. (Harvey, 2011, p. 219)

Porém, de acordo com o autor, o governo aumentou os investimentos em

saúde e serviços sociais (elevando o salário social) e se tem esforçado no

desenvolvimento de tecnologias ambientais, tanto que a China é hoje líder global.

Ao analisar os efeitos da crise a nível mundial, Bresser Pereira (2010: 51)

defende que se trata da crise econômica mais severa enfrentada pelas economias

capitalistas desde 1929, mas se refere, ainda, tratar-se de uma crise social. Na

avaliação do autor, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) observa, ao fim

de 2009, uma elevação de 20 milhões para 50 milhões o número de desempregados.

Segundo a Organização das Nações Unidas, para a Alimentação e Agricultura

(FAO), com a queda da renda dos pobres devido à crise e à manutenção dos preços

internacionais de mercadorias alimentares em níveis elevados, o número de pessoas

desnutridas no mundo aumentou em 11% e, em 2009, pela primeira vez, superou

um bilhão. Com relação aos efeitos em Portugal e no Brasil, apresenta-se o debate

a seguir.

4.1.1. Repercussões da crise em Portugal35

A “Grande Recessão” teve oficialmente início nas instituições europeias em

março de 2008, exatamente no momento em que a palavra “crise” foi pela primeira

vez inscrita nas conclusões do Conselho Europeu. Em consequência da rápida

desaceleração da atividade econômica na União Europeia, nomeadamente a partir

de 2008, o Conselho Europeu se referiu a “uma crise econômica financeira” global,

salientando sobre a necessidade de uma resposta coordenada e capaz de evitar uma

“espiral recessiva”. Mas, em fevereiro de 2010, embora a economia da zona euro

35 Para elaboração desse item recorreu-se sobretudo ao documento de 2013 elaborado por José

Castro Caldas para o Comitê Econômico e Social Europeu (EESC), intitulado: “O impacto das

medidas anticrise e a situação social e de desemprego: Portugal”...

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tenha dado sinais de recuperação, o foco da crise deslocou-se para os défices e as

dívidas públicas, para a estabilidade do euro e para a recuperação da confiança dos

mercados pela via da consolidação orçamental. No decurso dessa situação, deu-se

o início da, então, chamada “fase de austeridade”, que decorre até a atualidade.

O documento, elaborado por Caldas (2013) para o Comitê Econômico e

Social Europeu estudou “O impacto das medidas “anticrise” e a situação social e de

desemprego em Portugal”. Os elementos seguintes foram extraídos de forma

resumida do exposto documento, conforme se segue:

A primeira fase ocorreu entre março e dezembro de 2008. Chamada a “fase

financeira” da crise europeia, nela as instituições comunitárias encararam a crise

como “turbulência financeira” e dedicaram-se, sobretudo, a desenhar medidas

orientadas para impedir a “falência” do sistema financeiro. A situação da banca

ocupava o centro das atenções. O Conselho Europeu comprometia-se a “apoiar” as

principais instituições financeiras, a evitar falências e a proteger os depósitos dos

aforradores, apoiando as medidas tomadas pelos líderes da zona euro,

nomeadamente, a decisão de conceder garantias públicas capazes de cobrir a

emissão de dívida sênior por parte dos bancos e intervir recapitulando o quanto

necessário. Na fase financeira da crise, no último trimestre de 2008, o governo

português aprovou uma Iniciativa de Reforço da Estabilidade Financeira (IREF),

cujos principais elementos foram: reforço dos deveres de informação e

transferência das instituições financeiras; garantia dos depósitos; concessão de

garantias pessoais; e reforço da solidez financeira.

A segunda fase (dezembro de 2008 a fevereiro de 2010), chamada “fase

econômica”, foi caracterizada pela tentativa de conjurar a recessão econômica com

recurso (temporário) a políticas orçamentais expansionistas. A zona euro, na

realidade, a União Europeia como um todo, está ameaçada pela recessão, e decide

“agir como um todo” para evitar uma espiral recessiva e sustentar a atividade

econômica e o emprego. Era urgente complementar a finalização das medidas

orientadas para a salvação da banca, tendo-se elaborado um “Plano Europeu de

Recuperação Econômica” que deveria mobilizar 1,5 % do PIB da União. No

Conselho Europeu dos dias 19 e 20 de março de 2009, o programa de recuperação

econômica era já estimado em 3,3% do PIB da UE , e no Conselho de 18 e 19 de

junho encaminhava-se para 5% do PIB em 2009 e 2010. Nesse mesmo Conselho,

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reiterava-se a determinação “em fazer o que for necessário para restaurar a criação

de emprego e o crescimento”.

Na “fase econômica” da crise, o governo português respondeu aos apelos das

instituições europeias com uma espécie de contributo nacional ao esforço

anticíclico, cujos elementos foram: apoio aos proprietários e arrendatários de

imóveis (redução do Imposto Municipal sobre Imóveis – IMI); combate à pobreza

(aumento do abono família); Apoio à Atividade Empresarial (redução do IRC).

A terceira fase (fevereiro de 2010 ao presente), conhecida como “fase

orçamental”, corresponde à deslocação do foco das preocupações, passando da

recuperação econômica para a estabilidade do Euro e da zona do euro para a

recuperação da confiança dos mercados, pela via da consolidação orçamental

coordenada em toda a União Europeia. Em março de 2010, a reunião do Conselho

Europeu exigia “melhor disciplina orçamental” e constituía-se um somatório de

forças responsável pela apresentação de medidas tendentes a formular um novo

enquadramento disciplinar para as políticas orçamentais. “A estratégia da saída”

estava impondo-se sem esperar pela recuperação, dando início à fase orçamental.

Já nessa fase, o euro e a sua sustentabilidade, num quadro em que primeiro a

Grécia, depois a Irlanda, e por fim Portugal, se transformam no foco das

preocupações, foi vedado o acesso ao refinanciamento nos mercados da dívida

soberana. No entanto, a crise não é interpretada pelas instituições europeias como

uma “crise do euro”, decorrente de imperfeições na sua arquitetura, mas antes como

uma “crise da dívida soberana” resultante da indisciplina orçamental de países

periféricos, suscetível de contagiar a zona euro no seu conjunto e comprometer a

sua estabilidade.

Em outubro de 2011, com a Espanha e a Itália já incluídos na lista de países

sujeitos a “tensões nos mercados da dívida soberana”, o Conselho Europeu adotava

novas medidas orientadas para uma coordenação das políticas econômicas ao nível

da UE, tomando lugar agora antes das decisões nacionais serem tomadas. Porém,

é no início de dezembro de 2011, face ao reconhecimento “do agravamento da

situação econômica e financeira”, que a governação econômica é levada ao patamar

de “união de estabilidade orçamental” ou “compacto orçamental”, envolvendo uma

regra orçamental que estipula um défice estrutural inferior a 0,5% do PIB nominal,

a ser constitucionalizada nos países membros e sansões automáticas em

consequência da violação do limite dos 3% do PIB para o défice.

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O governo português apresentou medidas que visavam um efeito conjuntural

contra cíclico sobre o investimento e o emprego, tais como: modernização de

escolas (100 escolas públicas entre 2009-2011; promoção das energias renováveis

- apoio à instalação de painéis solares); modernização tecnológica (investimento

em banda larga); apoio a pequenas e médias empresas (concessão de empréstimos

bancários para investimento); apoio ao emprego e reforço da proteção social

(estágio profissional para jovens, programas de qualificação para desempregados).

Mas, em fevereiro de 2010, embora a economia da zona euro tenha dado

sinais de recuperação, o foco da crise deslocou-se para os défices e as dívidas

públicas, para a estabilidade do euro e para a recuperação da confiança dos

mercados pela via da consolidação orçamental. No decurso dessa situação, deu-se

o início da então chamada “fase de austeridade” que inaugura a fase orçamental da

crise europeia em Portugal e que decorre até a atualidade.

A austeridade é introduzida em Portugal, em março de 2010, com o

“Programa de Estabilidade e Crescimento” conhecido como o PEC I, cujos

elementos de caracterização foram:

a) Medidas de contenção de despesas: Despesas com pessoal (contenção

salarial e reforço da regra de contratação 2 por 1); Despesas sociais (diminuição da

despesa com prestações sociais do regime não contributivo da Segurança Social;

Revisão da relação entre o subsídio de desemprego e da remuneração líquida

auferida ao trabalhador; gestão e controle de despesas em saúde); Despesas com

consumo intermédio (redução de despesas com material militar; racionalização do

parque de veículos do Estado); Investimento público (adiamento de linhas

ferroviárias de alta velocidade (Lisboa-Porto) cancelamento de novos

compromissos relativos a concessões rodoviárias).

b) Medidas de aumento de receita: Redução de deduções e benefícios fiscais

(sujeição das mais-valias mobiliárias a taxa de IRS de 20%; Limitação das deduções

à coleta de IRS); Outras medidas de reforço da receita (tributação extraordinária em

IRS à taxa de 45% dos rendimentos coletáveis, superiores a 150 mil euros);

Privatizações (setores de energia - Galp Energia, Energia de Portugal - EDP, Rede

Energética Nacionais - REN, Hidroelétrica Cahora Bassa); transporte aéreo

(Aeroportos de Portugal -ANA e Transportes Aéreos Portugueses - TAP),

ferroviário (Comboios de Portugal - CP, Carga e EMEF, financeiro (Banco

Português de Negócios - BPN e Caixa Seguros), comunicação (Correios de Portugal

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S.A-CTT), distribuição de papel (INAPA), mineiro (Sociedade Portuguesa de

Empreendimentos–SPE) e concessão de exploração de linhas da CP).

Em junho de 2010, o governo anuncia um conjunto de medidas orçamentais

que visa reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e controle do crescimento

da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade do Crescimento. Este novo

pacote de austeridade acabou por ficar conhecido por PEC II, cujas medidas de

consolidação orçamental foram: aumento da receita (em um ponto percentual, de

cada uma das taxas do IVA que passam a ser, respectivamente, de 6%, 13% e 21%);

redução da despesa (redução da transferência para o setor empresarial do Estado;

controle estrito do recrutamento de trabalhadores em funções públicas.)

Aos 29 de setembro de 2010, o Primeiro Ministro anunciaria um novo pacote

de austeridade PEC III, contendo medidas a incluir no orçamento de 2011.

Acrescentado ao decreto lei n° 137/2010 de 28 de dezembro, cujas medidas de

aumento de receita estão assim resumidas: redução das despesas de funcionamento

do Estado (redução progressiva dos salários da Administração Pública, para

reduções acima de 1500 €/mês (euros), com consequente redução de 5% das

remunerações. Congelamento das promoções e progressões da função pública;

congelamento de admissões e redução do número de contratados); redução das

despesas com prestações sociais (congelamento das pensões em 2011; redução em

20% nas despesas com rendimento social de inserção). Outras medidas

(extinção/fusão de organismos da administração pública direta e indireta; redução

das despesas no âmbito do Serviço Nacional de Saúde).

Em março de 2011, foi apresentado o PEC IV, e, ainda que rejeitado pela

Assembleia da República, acabou por ser incorporado, em maio de 2011, no

memorando de entendimento celebrado com o Fundo Monetário Internacional

(FMI) e a União Europeia. Esse documento é conhecido pelos portugueses como o

“Memorando da Troika”, que previa o estrito cumprimento do orçamento.

Costa Caldas (2013), em uma análise do memorando, discute que o

documento define os seguintes objetivos: a) promover uma trajetória de

crescimento econômico e de aumento da competitividade; b) estabilizar o setor

financeiro; c) corrigir os desequilíbrios externo e interno; e d) recuperar a confiança

dos mercados financeiros.

O documento especifica um vasto leque de medidas envolvendo todos os

setores da administração pública. Inclui uma lista de empresas públicas a serem

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privatizadas, como já apresentado na PEC I. O objetivo constitui em acelerar um

programa de privatização estabelecido desde 2010.

Seguindo o raciocínio dos autores, o programa de ajustamento do memorando

baseia-se numa lógica que tem como antecedentes as múltiplas intervenções do FMI

em todo mundo ao longo dos últimos trinta anos. No entanto, no caso português,

assim como nos casos gregos e irlandês, confrontavam o FMI com uma situação

intensivamente nova, ou seja, um programa de ajustamento no contexto de uma

união monetária. O novo problema com que o FMI se confronta nas intervenções

na zona do euro consistia, portanto, em realizar o ajustamento do défice externo (e

do défice orçamental) sem recorrer à desvalorização cambial.

Nesse sentido ,a austeridade orçamental, implicando cortes salariais na

administração pública e nas pensões, criaria o contexto perfeito para fazer passar

uma reforma laboral que era minuciosamente descrita no próprio memorando e se

traduzia numa maior fragilização das condições negociais dos trabalhadores, no

enfraquecimento do poder dos sindicatos e, portanto, na desejada desvalorização

interna (Costa e Caldas, 2013, p. 94).

Para Costa e Caldas (2013), na sua essência, a lógica do memorando é a que

presidiu a virada das políticas europeias para a austeridade a partir de fevereiro de

2010, e se naturalizou nas PECs I e IV em Portugal e posteriormente de forma mais

radical nos memorandos.

Na altura da 8ª e 9ª revisão do memorando36, o FMI apontou que “apesar das

importantes reformas aprovadas sobre o programa, continuam a existir rigidezes

nominais importantes. Com as modestas melhorias dos indicadores

competitividade-custo conseguidos até agora, continuam a existir o risco de virada

da conta corrente não ser mais sustentável” (Costa Caldas, 2013, p. 100). Ou seja,

na realidade, o que o FMI quis transmitir é que a melhoria da balança corrente não

foi produzida pela desvalorização interna, mas pela recessão e o desemprego

aprofundados pela consolidação orçamental. Na ótica do FMI, os salários desceram,

mas não na extensão desejada.

Ao analisar os efeitos da crise em Portugal, Costa e Caldas (2013), realçam,

ainda, a severidade das suas consequências sociais: destruição de emprego,

afetando os segmentos mais jovens da população ativa; crescente desproteção dos

36 O memorando assinado por Portugal passou por várias revisões e ajustes. A 1ª revisão se deu em

setembro de 2011 e, até 2013, já havia passado pela 9ª revisão. Em maio de 2014, registrou-se a 12ª.

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desempregados, nomeadamente junto dos setores mais vulneráveis da população;

expulsão do país, sob a forma de emigração, de um número crescente de

portugueses, muito dos quais jovens com o ensino superior (ou mesmo graus

elevados); e o agravamento das desigualdades nomeadamente de rendimentos.

Ressalta-se, assim, que entre o 2º trimestre de 2010 e o 1º trimestre de 2013

foram destruídos cerca de 500 mil empregos. No mesmo período, o número total de

desempregados aumentou 60% e o número de jovens desempregados (15 anos - 24

anos) aumentou 107%.

Costa e Caldas, usando os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE),

apontam que mais de 100 mil pessoas emigraram permanente ou temporariamente

(48% possuem idades entre 20 e os 40 anos). Nas palavras dos autores: “para

encontrar números semelhantes a estes é preciso recuar quase cinquenta anos ao

pico da emigração da década de 1960” (Costa; Caldas, 2013, p.102).

No campo da habitação, essas consequências também são severas, como se

não bastasse a diminuição dos investimentos públicos para a provisão da política,

observa-se não só um empobrecimento mais alargado da população, como ainda a

população está a enfrentar sérios desafios, como será demonstrado no próximo

capítulo.

4.1.2. Repercussões da crise no Brasil

Antes de entrar na especificidade da realidade brasileira, cabe introduzir

algumas repercussões da crise internacional na América Latina e no Caribe, já que

a crise vem atingindo esses países de formas diversas em razão das grandes

diferenças entre eles. Desse modo, de acordo com Singer,

Países de dimensões médias e grandes e já bastante industrializados, como México,

Argentina, Colômbia, Peru, Venezuela e Chile, foram alcançados pela crise de modo

semelhante ao Brasil: fuga de divisas, queda das exportações e do crédito externo,

contaminação pelo pânico dos bancos privados nacionais, que também cortaram o

crédito e aumentaram os juros cobrados; em consequência, o mercado interno se

contraiu, acarretando a baixa de produção e o aumento do desemprego. (Singer,

2009, p. 93).

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Segundo esse autor, o elevado número de pequenos países da região,

sobretudo do Caribe, foi atingido pela crise internacional de forma mais direta

porque esses países dependem muito mais de produtos importados, pagos pela

receita de exportação de um número limitado de produtos primários e especialmente

do turismo e da remessa por imigrantes de dinheiro a familiares que residem no

país. Assim como também refere Singer,

Costa Rica exporta ao primeiro mundo 19,5% do PIB, e Honduras, 125%. A receita

de turismo representa 40% do PIB de Santa Lucia, 30% do das Bahamas, 28% do de

Barbados, e 25% do de St. Keats e Nevis. Para o Caribe como um todo, o turismo

contribui com um quinto do PIB.

(...) Efeito semelhante teve a redução das remessas de imigrantes, em razão da crise

no Primeiro Mundo. Essas remessas representam 40% do PIB da Guiana, 25% do

Haiti, 20% da Jamaica, 14% do da Guatemala e 9% do da Bolívia. (SINGER, 2009,p.

93).

De acordo com Carneiro (2009), a economia brasileira possui importantes

semelhanças com as demais da América Latina, mas suas diferenças são tão ou mais

importantes. Tal qual essas economias, a sua inserção na economia global

privilegiou o canal financeiro ao invés do produtivo. Assim, por exemplo, não

participou de maneira intensa do processo de grandes empresas multinacionais nos

segmentos de maior intensidade tecnológica, como ocorreu na Ásia em

desenvolvimento. Seguindo a lógica do autor, apesar disso, o tamanho da economia

brasileira fez com que ela recebesse um volume significativo de Investimento

Direto Estrangeiro (IDE), cujo efetivo foi a exploração do mercado local e regional.

O Brasil, segundo Carneiro, possui uma situação peculiar e vantajosa

comparativamente a outros países emergentes, pois ainda conta com setores

estratégicos nos quais é expressiva a participação do setor público, como, por

exemplo, bancos e energia. Assim nos termos do autor,

(...) a área de energia é dominada por duas grandes corporações estatais, a de petróleo

pela Petrobrás e a de energia pela Eletrobrás, essa última com recuperação de seu

papel nos anos 2000, após o malogrado processo de privatização. Na área financeira,

os bancos públicos detêm uma parcela expressiva dos ativos totais, cerca de 1/3 e,

por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social concentram

a quase totalidade dos financiamentos de longo prazo. (Carneiro, 2009, p. 25)

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Os efeitos imediatos da crise para o mundo do trabalho foi analisado por

Pochmann (2009). Na visão do autor, a contaminação do Brasil pela crise

internacional fez com que, em outubro de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB)

acumulasse uma queda de mais de 4% entre o último trimestre daquele ano e o

primeiro semestre de 2009. Nesse sentido, o setor industrial, com redução de 11,6%,

nesse mesmo período de tempo, foi o principal responsável pela inflexão na

evolução do PIB, uma vez que o setor agropecuário registrou leve expansão de 0,6%

e o setor terciário cresceu 4,2%.

O Brasil sofreu importante inflexão com a crise e o mercado de trabalho

passou a acusar importantes consequências. Assim, nos termos de Pochmann, a

consequência tem sido a elevação da taxa de desemprego, interrompendo a

trajetória de queda no desemprego no Brasil. Outra consequência é o aumento da

ocupação precária e informal, sobretudo no setor privado, sendo que a

informalidade tende a aumentar em razão da ausência de um sistema universal de

garantia de renda a todos os desempregados. Em virtude disso,

Uma parcela dos trabalhadores desempregados tende a desenvolver atividades com

objetivo de obter algum rendimento para a sobrevivência, geralmente por meio de

ocupações precárias. Ao aceitar o emprego de sua força de trabalho em contratações

informais, o trabalhador situa-se abaixo do patamar mínimo estabelecido pela

legislação social e trabalhista vigente. Ademais da expansão do trabalho informal,

constata-se a queda na remuneração dos ocupados. Isso tende a ocorrer mais

intensamente nos salários dos trabalhadores ocupados informalmente. (Pochmann,

2009, p. 44).

Outra implicação da crise, ainda nos termos desse autor, é em relação à

rotatividade da mão de obra. Esta se coloca de forma mais intensa no rebaixamento

da remuneração e das condições de trabalho dos empregados, geralmente aqueles

com contrato formal. Em termos gerais, trata-se da demissão de trabalhador com

maior remuneração para contratar novos empregados em condições inferiores de

salário.

Nos seis meses que decorrem da manifestação inicial da crise internacional no Brasil

(outubro a março de 2009), a taxa média nacional de rotatividade do emprego formal

foi de 3,88%. (...) com isso observa–se que, a partir da crise a rotatividade cresceu

indicando que um dos mecanismos de ajuste do mercado de trabalho, além do

fechamento de vagas, tem sido a substituição na mesma ocupação de um empregado

de maior remuneração por outro de menor salário. (Pochmann, 2009, p. 46-47).

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Outra análise realizada, em virtude da atual crise, foi em relação à pobreza

recente nas regiões metropolitanas. Pochmann (2009) observou que desde outubro

de 2008 não houve interrupção no movimento de queda da taxa de pobreza nas seis

principais regiões metropolitanas do país. Entre outubro de 2008 e março de 2009,

houve a diminuição de 316 mil pessoas da condição de pobreza no Brasil

metropolitano37.

No que diz respeito ao combate da crise mundial pelos governos na América

Latina e no Caribe, Singer (2009) avalia que vários governos, como o do Brasil,

criaram linhas de crédito nos bancos públicos e tentam forçá-los a reduzir os juros

que cobram; e também introduzem diversas políticas, visando estimular a demanda

da população por bens e serviços de consumo e das empresas da economia real por

serviços e bens de produção.

Considerando que os gastos com o consumo vital não podem cair, será

impossível compensar a queda da exportação, por meio do redirecionamento da

produção do mercado doméstico, a não ser que se recuperem o consumo

discricionário, assim, nos termos do autor:

O consumo discricionário das famílias pode ser estimulado mediante redução

temporária de impostos sobre bens duráveis e redistribuição da renda aos mais

pobres mediante aumento de subsídios como Bolsa família, de pensões, do salário

mínimo, de vagas gratuitas nas escolas e hospitais públicos e semelhantes. O

investimento privado é estimulado por meio da redução de juros de longo prazo e

dos tributos que oneram a venda de máquinas, veículos, computadores e

semelhantes. (Singer, 2009, p. 95).

No Brasil, no campo da política fiscal, como descreveu Araújo e Gentil,

As medidas fiscais de mais alto impacto sobre a demanda agregada foram a elevação

do valor do salário mínimo e seu efeito de expansão sobre as transferências

previdenciárias e o seguro desemprego, adicionada à ampliação das transferências

de renda às famílias mais pobres (em valor e em número), à recuperação dos salários

e elevação do contingente dos funcionários públicos e à ampliação do investimento

37 A base da pirâmide brasileira conta atualmente com uma rede de garantia de poder de compra,

originária nos programas de transferência condicionada de renda. O Programa Bolsa Família

destaca-se pelo universo de beneficiados em todo o país. Somadas às parcelas com benefícios

previdenciários e assistenciais, o Brasil conta atualmente com 34,1% da população, sobretudo a de

menor rendimento, protegida com algum mecanismo de garantia de renda, o que constitui algo

inédito em relação aos outros períodos de forte desaceleração econômica no país (POCHMANN,

2009, p. 51).

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do setor público (principalmente das empresas estatais e federais (Araújo e Gentil,

2010, p.17).

Algumas políticas sociais foram anunciadas pelo governo como estratégia

anticíclica. Foi o caso do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), embora

seja um programa habitacional, foi desenhado com uma clara intenção anticíclica,

em linhas keynesianas, com foco na dinamização da indústria da construção civil e

do restante da economia, através do efeito multiplicador. O programa teria como

objetivo gerar empregos principalmente para trabalhadores de baixa qualificação.

O PMCMV será mais bem estudado nos próximos itens desse capítulo.

4.2. Políticas de habitação pensadas para Portugal no século XXI: um debate a respeito do Plano Estratégico de Habitação

Em 2006, no âmbito de uma revisão prospectiva das políticas sociais e

urbanas, o governo português, através da Secretaria de Estado do Ordenamento do

Território e das Cidades e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana

(IHRU), iniciou um novo processo de atuação. Nesse sentido, foi elaborado um

documento de referência com o objetivo de vir a se constituir como o Plano

Estratégico Nacional de Habitação (PHE), entretanto entregue ao IHRU em março

de 2008. O referido documento pretendia uma mudança de paradigma de

pensamento e de ação, correspondendo a uma tentativa de reflexão de algumas das

medidas de política de habitação existentes, além da incorporação de novos

instrumentos.

O presente ponto reflete a análise do referido Plano. O objetivo é identificar

a relação existente entre a conjuntura habitacional e as propostas para o

desenvolvimento de uma nova orientação política na área da habitação.

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4.2.1. Balanço da realidade habitacional

De acordo com o Plano Estratégico de Habitação (PHE 2008/2012), em

Portugal, nas décadas de 1980 e 1990, a evolução do parque habitacional foi

marcada por vários fenômenos: houve um aumento do acesso à propriedade por

parte de um grande número de famílias; a residência secundária aumentou e o

mercado imobiliário mostrou sinais de alguma saturação.

Na sequência do Recenseamento Geral da População de 2011, observa-se que

o setor da habitação refletia o quadro anteriormente referido (ver quadro12)

Quadro 12- Portugal -alojamentos clássicos segundo os censos

Anos Total de

residências

Residência

Habitual

Residência

Secundária

Residências

Vagas

1970 2.702.215 2.252.695 75.570 373.950

1981 3.382.884 2.769.048 184.121 190.900

1991 4.154.540 3.055.504 377.608 440.271

2001 5.019.425 3.551.229 924.419 543.777

2011 5.859.540 3.991.112 1.133.300 735.128

Fonte: Com base nos dados fornecidos pelo INE - Recenseamentos Gerais da Habitação (2011).

Os dados mostram que a residência secundária aumentou de 13,9%, em 1981,

para 18,4% em 2001 e 19,9%, em 2011, do total do parque habitacional. Para se ter

uma ideia, entre os anos de 1981 a 2011, em termos absolutos, passa-se de um valor

aproximado de 184 mil para o valor aproximado de 1 milhão e 133 mil alojamentos.

Os alojamentos vagos em 1981 representavam 5,5% do parque habitacional,

tendo passado para 10,8% e 12,5% respectivamente em 2001 e 2011. O que, em

termos absolutos, significa a passagem de 190 mil para 735 mil alojamentos. Em

um parque de quase seis milhões de alojamentos clássicos, cerca de 735 mil estão

vagos, o que é um valor muito elevado, como assinalado pelo Plano Estratégico de

Habitação (PEH):

Os alojamentos vagos incluem situações muito diversas, como é o caso dos

alojamentos disponíveis no mercado (para venda ou arrendamento) e os para

demolição. A importância dos alojamentos vagos demonstra, por um lado, um maior

desajustamento entre oferta potencial e a procura de habitação, e por outro, um peso

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significativo de alojamentos devolutos, sem qualquer utilização, problema que não

tem sido resolvido, e não é facilmente resolúvel, no actual contexto da política

habitacional. (IHRU, 2008, p.36)

O Plano Estratégico também mostrou que a baixa atratividade do mercado de

arrendamento português justifica-se pelas facilidades propiciadas pelo crédito à

aquisição de habitação, o que permite um encargo mensal próximo do que se

incorreria com um arrendamento ao preço do mercado.

A respeito das carências habitacionais em Portugal, observa-se que a relação

entre rendimentos das famílias e custos de habitação no mercado privado mostra-

se desajustado para um significativo número de agregados de baixo rendimento.

Portugal apresentava cerca de 2.000.000 de pobres, cerca de 800.000 famílias com

rendimentos inferiores a 60% do rendimento médio e 200.000 famílias em situação

de forte privação. Estimou-se também a existência de 5.000 pessoas sem abrigo,

sobretudo concentradas nas principais cidades do País38.

Somente nos municípios de Lisboa e Porto há cerca de 16.000 famílias

inscritas nas câmaras municipais para habitação social e estima-se que, no conjunto

dos municípios do País, estejam inscritas em listas de espera mais de 40.000

famílias.

Há cerca de 250 mil pessoas com deficiência motora que vivem em habitações

consideradas não adequadas. Outra problemática relacionada a questão da

habitação diz respeito aos imigrantes e aos ciganos. Neste sentido, o diagnóstico

apontou que 11.540 imigrantes vivem em hotéis e similares. Em relação aos

ciganos, o documento referia que 6.516 pessoas, equivalendo a um valor

aproximado de 1.300 famílias, viviam em más condições habitacionais.

Um importante elemento analisado no Plano foi o intenso ritmo do

crescimento imobiliário, já que nas últimas três décadas as dinâmicas habitacionais

ultrapassaram largamente a evolução do número de famílias residentes (ver Quadro

13).

38 Os dados são do Diagnóstico de Carências Habitacionais (2007), que se serviu de base para

elaboração do PEH.

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Quadro 13- Portugal - População residente, famílias e alojamentos

Ano População residente Alojamentos

familiares

Famílias clássicas

1991 9.851.3 4.216.541 2.924.443

2001 10.362.7 5.357.757 3.650.757

2011 10.562.178 5.866.152 4.043.726

Fonte: INE, Censos de 1991, 2001 e 2011.

O quadro 14 mostra que o número de alojamentos é largamente superior ao

número de famílias residentes, e a dinâmica construtiva reflete a forte expansão do

mercado imobiliário em Portugal nas últimas décadas. Isto é, ao longo das três

últimas décadas, o aumento do número de alojamentos foi sempre superior aos

20%.

Entre 1991 e 2011, a dinâmica construtiva fez com que o número de

alojamentos ultrapassasse em larga medida o número de famílias. Em 2011, o

número de alojamentos passa a ser 45% superior ao total de famílias, isto é, passa-

se a ter 1.822 mil alojamentos a mais que o número de famílias.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), e conforme

informações de 2012, nas décadas de 1980 e 1990, a evolução do parque

habitacional foi marcada pelo aumento do acesso à propriedade da habitação por

parte de um grande número de famílias, pelo aumento das residências secundárias

e pela demonstração de alguns sinais de saturação no mercado imobiliário. Essa

tendência manteve-se no início do século XXI, e foi evidenciada através do

recenseamento de 2011.

Para Guerra (2011), o forte ritmo construtivo permitiu que o número de

alojamentos praticamente tivesse duplicado nas três últimas décadas do século XX.

Em trinta anos, registrou-se a tendência para um ritmo superior de crescimento do

número de alojamento ao do número de famílias. O que, por outro lado, colocou

Portugal como o segundo maior rácio de habitação por agregado familiar no seio

da União Europeia, ficando atrás apenas da Espanha.

Contudo, o investimento público disponível para a provisão da habitação

diminuiu de forma significativa desde o início dos anos 2000 para cá. E, para

adensar a problemática, nos últimos seis anos, adotaram-se medidas de diminuição

do fomento habitacional já que, em decorrência da crise econômica iniciada em

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2008 e no quadro de um projeto maior de contenção financeira, o país se viu

obrigado a enfrentar um clima de austeridade que decorre até aos dias de hoje, uma

situação que sobretudo afeta os demais países do sul da Europa.

4.2.2. Orientações para a política de habitação

Quanto às orientações para a política de habitação, o documento propõe que

o Estado reforce as funções de planejamento, regulação, fiscalização,

monitoramento e avaliação, reorganizando o seu papel de parceiro fundamental

junto das autarquias, organizações sociais, cooperativas e dos privados, sobretudo

na execução das medidas de política e classificação de papéis e relações, e também

de expectativas e responsabilidades.

Nesse sentido, na tentativa de entender como seria a nova política de

habitação, focalizou-se e sistematizou-se um conjunto de opções que orientou as

propostas do Plano Estratégico Nacional, conforme abaixo descrito:

a) Políticas de cidade e política de habitação

Pretendia-se a passagem de um modelo centrado no acesso à “casa” para a

concepção de um modelo centrado no desenvolvimento do habitat.

É necessário, por isso, territorializar as políticas sociais e habitacionais construindo

serviços de educação, de saúde e de apoio às famílias à medida das problemáticas

territoriais, envolvendo um leque diversificado de actores na procura de respostas

complementares ao acesso a uma habitação. (IHRU, 2008, p. 25)

Nessa proposta, as políticas de habitação poderiam assumir um papel

renovador das dinâmicas urbanas e das dinâmicas de mobilidade geográfica

associadas ao desenvolvimento de redes e ao ordenamento do território.

Relativamente às áreas urbanas centrais, o plano propunha a reabilitação com

a seguinte orientação e propósito:

As políticas públicas devem contrariar certas estratégias do mercado, como a

expulsão de certas camadas populacionais, sobretudo as populações de baixos

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recursos e mais frágeis socialmente, mas também as classes médias de determinados

territórios centrais e reabilitados. (IHRU, 2008, p. 26)

As medidas que decorreriam deste desafio propunham o acompanhamento do

crescimento e da reabilitação urbana com quotas de habitação a custos controlados.

b) Mercado habitacional excedente versus inserção sociourbanística

das populações.

Nessa proposta, o PEH defende que o aproveitamento do excedente

habitacional no mercado, seria um patrimônio indispensável para a diversidade das

políticas desenhadas, quer no incentivo à sua venda ou arrendamento, quer na

compra para aumentar o estoque público.

c) A respeito do regime de arrendamento

Na concretização desta proposta, pretendeu-se estimular a inserção no

mercado de arrendamento de imóveis disponíveis, vagos ou devolutos, com valores

de renda equilibrados (a até mais vantajosos) face à despesa dos agregados,

havendo, ainda, a opção de aquisição e conservação.

Entre as medidas para concretização da proposta estão: a dinamização da

oferta de arrendamento privado; o desenvolvimento de modalidades de apoio ao

arrendamento privado e a aquisição pública de imóveis.

De acordo com o documento do PEH, a aquisição pública de imóveis, não

visa a construção de novos bairros de arrendamento público de tipo concentrado,

além disso, pretende o aproveitamento do patrimônio existente, nomeadamente no

que respeita ao seguinte: a) frações, novas ou usadas, com grande dificuldade de

escoamento no mercado; b) frações resultantes do crédito mal parado; c) devolutos.

A proposta destina-se a reforçar a oferta de habitações públicas de

arrendamento territorialmente dispersa. Nesse sentido,

A medida pretende aumentar o número de fogos de propriedade pública em regime

de arrendamento, com valores de rendas mais baixos do que o mercado privado.

Pretende ainda aumentar o acesso à habitação de populações com fracos recursos,

resolvendo problemas de habitação de agregados com insolvência conjuntural e

estrutural e criando condições de incentivo à mobilidade. (IHRU, 2008, p. 37)

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Nos termos de Guerra (2011,p. 64), incentivar o arrendamento pareceria uma

medida ajustada às novas necessidades e à instabilidade dos orçamentos familiares,

o que exigiria medidas corajosas de apoio ao arrendamento no mercado privado e

no mercado social. Propunha ainda a alteração de um modelo de oferta pública de

“realojamento para a vida”, orientando por aspectos quantitativos relativamente

indiferenciados (disponibilização de imóveis/realojamentos) para fórmulas mais

flexíveis. Na posição da autora, a prioridade de apoio ao aluguel permitiria

favorecer as mobilidades sociais e geográficas, viabilizando a detenção

administrativa de um número razoável de opções para disponibilizar às populações

momentaneamente com dificuldades de alojamento. O modelo incentivaria a

colocação no mercado de aluguel de imóveis vagos ou degradados.

d) A respeito do parque público de habitação

Esse eixo foca a necessidade de uma boa gestão e dinamização do parque

público, diz respeito tanto ao parque municipal39 quanto ao parque sob

responsabilidade do IHRU40.

De acordo com o PEH (IHRU, 2008, p. 44), as medidas propostas para esse

eixo abrangem quatro tipos de situações diversas, algumas das quais protagonizam

talvez as mais gravosas condições habitacionais existentes no país:

Intervenção habitacional em áreas críticas41no âmbito da política

de cidades;

Intervenção habitacional em imóveis degradados;

Reabilitação do parque público;

Gestão eficaz e participada do parque público.

A medida de reabilitação do parque público já existe no âmbito do programa

PROHABITA42 (regime especial). No entanto, o novo plano estratégico propõe

uma componente de planejamento e articulação entre a estratégia geral de habitação

39 Em 2011, o parque municipal era de 118 mil alojamentos (INE: 2011). 40 Em 2008 o IHRU possuía 12.549 alojamentos (IHRU: 2008). 41 Iniciativa Bairros Críticos (IBC) é um programa nacional (e interministerial) coordenado pela

Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e Cidades. É um instrumento da política de

cidades. Tem como objetivo a intervenção em territórios críticos, através das intervenções sócio-

territoriais integradas. Foi experimentado em Cova da Moura – Amadora; Lagarteiro- Porto e Vale

da Amoreira- Moita. 42 É o Programa de Financiamento para Acesso à Habitação, definido em 2004, fazendo parte dos

programas de realojamento com uma visão orientada pela aposta na reabilitação.

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e de planejamento do respectivo território, a ser consubstanciada no âmbito dos

Planos Locais de Habitação.

Essa medida de melhorar a gestão do parque público sugere que o Estado seja

o responsável pelo pagamento das obras de reforma, propondo ainda uma

corresponsabilidade dos inquilinos em matéria de conservação da “coisa pública”.

Indica também uma adequação dos alojamentos à especificidade dos agregados, no

caso, por exemplo, de indivíduos com mobilidade limitada.

Para Guerra (2011, p. 65), o plano estratégico era, sobretudo, uma proposta

orientada para as populações insolventes que, por si, não conseguiam ter acesso ao

mercado privado e, nesse sentido, previa a transição de um modelo rígido e centrado

no “apoio à casa”, para um apoio mais centrado nos grupos sociais carenciados ou

considerados prioritários. O objetivo era uma maior compreensão dos custos com a

habitação e a responsabilização dos vários agentes e famílias, apoiando em função

de necessidades concretas e da evolução do ciclo da vida.

e) Com relação à diversificação nas fontes de financiamento

Essa proposta defendeu um esforço de produção de habitações a custos

controlados por empresas e cooperativas, para venda ou aluguel, destinado a

estratos populacionais médios e médios baixos.

O documento sugeriu que o modelo de financiamento da habitação a ser

adotado gerasse um novo quadro de gestão de parcerias, com contrapartidas na

relação entre o setor público e o setor privado. O objetivo era viabilizar os seguintes

aspectos:

a) O reforço e dinamização do papel dos fundos imobiliários na promoção do

arrendamento e da recuperação e reabilitação de edifícios, bem como na gestão

de parques habitacionais e na promoção da mobilidade na ocupação das

habitações;

b) A optimização segura da distribuição da carga fiscal enquanto instrumento de

regulação estratégica do exercício da propriedade urbana e da cadeia de valor da

habitação, mobilizando o sector privado para os objectivos das políticas de

habitação através de penalizações e benefícios fiscais proporcionados;

c) A promoção de uma melhor harmonização entre a prossecução do interesse

colectivo e dos interesses privados no terreno da promoção da habitação

assegurando, nomeadamente, um equilíbrio dinâmico entre a redução dos custos

de transação e dos prazos efetivos de decisão administrativa nos projetos privados

de investimento com massa crítica e a obtenção de contrapartidas, quantitativas e

qualitativas, desses mesmos projetos para os objetivos específicos da política de

habitação. (IHRU, 2008, p. 69)

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Com essa medida sugeria-se novos recursos através da diversificação das

fontes de financiamento e do aproveitamento dos mecanismos fiscais e financeiros,

recorrendo ainda a uma política de cidade para ampliação dos recursos para

provimento de habitação a baixo custo.

f) Regulação central e parcerias locais.

Uma das orientações de implementação do Programa Especial de

Realojamento (PER) referia-se a necessidade de aumentar a responsabilidade do

poder local, não só na sua contribuição para realização de algumas das medidas,

mas principalmente numa maior participação ao nível dos planejamentos

habitacional e urbano das áreas de jurisdição.

Como propõe o documento, as candidaturas regulares a programas

habitacionais seriam fundamentadas em sede dos PLH - Programas Locais de

Habitação de médio prazo, a serem elaborados segundo as regras do IHRU.

Nesta proposta, o Programa Local fixaria os objetivos da Política de

Habitação Local para um período de 4-5 anos, definindo em níveis municipal e

intermunicipal uma visão estratégica das intervenções nas áreas da habitação e da

reabilitação urbana.

Assim, o Plano Local de Habitação:

Aprofunda o conhecimento sobre as carências habitacionais locais, hierarquiza

prioridades, faz um levantamento dos recursos mobilizáveis, identifica as entidades

promotoras, enquadra as intervenções de regeneração urbana e identifica e divulga

“boas-práticas” na gestão do parque público. (IHRU, 1988, p. 82)

A estratégia recomendada é que, num primeiro momento, a existência de

planos locais funcione como critério de prioridade para os financiamentos públicos

junto ao IHRU. Entre os principais parceiros, para efetivação dessa proposta,

estariam: o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), o Instituto

Nacional de Estatística (INE), as cooperativas de habitação, as empresas privadas,

as instituições particulares de solidariedade social, as associações de inquilinos, as

associações de proprietários e as instituições financeiras.

Como refere Guerra (2011:65), “previa-se que a tradição de centralismo das

políticas públicas, frequentemente conflituais com as suas autarquias, se orientasse

para uma política de coprodução com as autarquias”.

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4.2.3. Para onde caminha o Plano Estratégico Nacional de Habitação em Portugal? A visão dos pesquisadores elaboradores e dos gestores

Muito embora o PEH não tenha sido aprovado, trouxe significantes

contributos enquanto uma estratégia nacional para a política de habitação. A

proposta contemplou, conforme anunciado, os seguintes eixos: integração com as

políticas de cidade; privilégio ao regime de arrendamento; diversificação do parque

habitacional existente e regulação central da política feita em parceria com as

comunidades locais. O documento do Plano também apresenta um diagnóstico

muito bem elaborado que serviu de referência na identificação dos eixos de

orientação para as políticas que se visava implementar, bem como serviu de

incentivo para que os municípios elaborassem o seu próprio plano local de

habitação.

No âmbito das entrevistas realizadas com os dois principais gestores43 da

política central de habitação e os dois principais elaboradores44 do PEH, abordou-

se uma série de assuntos relacionados ao referido Plano, indo às temáticas

discutidas, desde o processo de desenvolvimento do documento e das propostas e

contribuições para uma futura política, até mesmo aos efeitos da crise sobre a

estratégia elaborada.

Conforme mencionou ambos os ex-gestores entrevistados, já estava

evidenciada a necessidade de criar diretrizes gerais para a política de habitação

desde o ano de 2005 Segundo a opinião dos gestores entrevistados:

Em Portugal, a habitação é, sobretudo uma política de proximidade, uma política do

município. Isso não significa que não haja a necessidade de uma estratégia a nível

nacional, mas nunca houve. O antigo INH, hoje IHRU, durante muito tempo foi,

sobretudo, uma instituição parabancária, não tinha uma visão estratégica para a

habitação. Recebia dinheiro público para apoiar o que se chamava habitação social.

E o que o INH fazia era, através de fundos perdidos ou de empréstimos baixos,

facilitar a chegada de dinheiro aos municípios e, na maior parte dos casos, eram os

municípios que construíam os bairros sociais, é claro o próprio INH também tinha

bairros, mas a ideia dominante era essa: a política de habitação é uma política de

proximidade, são os municípios que conhecem as pessoas, conhecem as

necessidades e as prioridades. Mas, faltava essa estratégia. Portanto, o objetivo

político para elaboração de um plano nacional era: haver uma estratégica nacional

43 Aqui designados Entrevistado Gestor 01 e Entrevistado Gestor 02. 44 Aqui nomeados Entrevistado Elaborador 01 e Entrevistado Elaborador 02.

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de habitação e depois haver planos municipais de habitação, onde a estratégia

nacional de habitação fosse de responsabilidade do governo central e os planos

municipais de habitação fossem de responsabilidade das autarquias (Entrevistado

Gestor 01 -01/12/2014).

(...) Em 2005, com a mudança do governo, e a partir do mandato do Partido

Socialista, começa a perceber-se a necessidade de fazer uma gestão mais integrada

das ações do Estado no que diz respeito às questões da habitação (Entrevistado

Gestor 02 - 25/11/2014).

Verificou-se que o plano foi pensado para responder a alguns problemas que

existiam, mas também para reformatar e consolidar aquilo que deveria ser o papel

do Estado, o que fica evidenciado nas seguintes falas:

Os municípios produziam habitação social casuisticamente, eram respostas

casuísticas e pontuais (para responder) as necessidades e pressões locais, não havia

uma programação, uma gestão estratégica, não havia um planejamento. Era isso que

queríamos estimular: que os municípios fizessem planos locais de habitação

participados, e se os municípios fizessem planos municipais participados teriam

vantagens no acesso a fundos públicos. Portanto, era uma forma de responsabilizar

e era uma forma de centralizar essa decisão. (Entrevistado Gestor 01 -01/12/2014).

O plano estratégico foi pensado para dar sentido ou orientação estratégica a uma

série de instrumentos que estavam avulsos, eram muitos instrumentos que foram

criados para atender as mais diversas situações. Porém, esses instrumentos eram

criados de maneira ocasional. Muitas vezes se criava um instrumento apenas para

uma determinada situação e nunca mais se usava tal instrumento. O documento

definiu orientações políticas que ajudassem os outros atores (câmaras municipais,

cooperativas, empresas privadas) a definirem o seu papel. Mas, ao mesmo tempo, o

plano deveria propor algo que garantisse a seguridade no campo da habitação e da

política de cidades. (Entrevistado Gestor 02 - 25/11/2014).

Segundo os gestores e os elaboradores entrevistados, as ideias, propostas e

diretrizes contidas no plano fazem uma relação direta entre a política de habitação

e o direito à cidade. Isso está claro nos três anais em que resultou o documento do

Plano, como também nas próprias mudanças ocorridas no âmbito da gestão da

política. A fala esclarecedora de um gestor contempla outras ponderações do grupo

de entrevistados, a respeito dessa importante questão. Vejamos:

Por que o Instituto Nacional de Habitação se tornou Instituto de Habitação e

Reabilitação Urbana? Porque nós não queríamos que a questão da habitação fosse

vista autonomamente em relação a outro conjunto de questões que deveríamos

chamar de direito à cidade. Uma intervenção integrada que tinha componentes de

vários tipos e que incluía também a habitação. A nossa ideia era que a política de

habitação é uma política de proximidade e deve ser feita por todos os municípios, o

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Estado Central tem a obrigação de ter uma visão estratégica nacional para apoiar os

municípios. A habitação deve ser incluída em intervenções integradas que têm

componentes sociais que não se limitem à casa, à habitação, são as pessoas. Onde o

direito à habitação não era dissociável do direito ao emprego, do direito à uma vida

digna e do direito à cidade. (Entrevistado Gestor 01 -01/12/2014)

Os entrevistados salientaram que tiveram a preocupação, quando da

elaboração do referido plano, de contemplar a articulação entre o direito à habitação

e o direito à cidade:

Enquanto na Europa a política de cidades é um assunto europeu, a política de

habitação não é um assunto europeu, pois não se trata de um problema dos países

centrais. Para a Europa, a questão da habitação só aparece em evidencia quando

inserida no debate da reestruturação urbana e das questões ambientais. A concepção

europeia sobre habitação é que para eles a habitação se resolve no âmbito do privado,

trata-se de uma questão de mercado e só pontualmente é que pode se admissível a

intervenção do Estado. As formas de como os países vão intervir, depende de cada

um dos países (o que tem a ver com a própria forma dos países gerirem a política

social). Para se ter uma ideia, a habitação é discutida no âmbito da reunião informal

dos conselhos de ministros, esses ministros que tratam da temática da habitação se

reúnem de 2 em 2 anos, fazem recomendações, orientações, mas não decidem nada.

A Europa, a maior parte dos países tem o domínio dos solos, os países definem onde

querem construir habitação ou parques industriais, porque eles detêm poder sobre o

solo. Porém, em Portugal não temos esse domínio do solo (Entrevistado Gestor 02 -

25/11/2014).

(...) Na altura que foi elaborado o Plano, a habitação não era prioridade para

financiamento na UE, aliás, era proibido (Entrevistado Elaborador 02- 12/12/2014).

Com o aprofundamento da ideologia neoliberal, o que praticamente toda a Europa

faz? O Estado torna-se um regulador e não um provisor, deixa de construir habitação

e passa a ser um regulador do mercado. A Europa considera as políticas sociais como

responsabilidade dos estados locais, com exceção das políticas de emprego. No

entanto, existem vários documentos de recomendação, a UE é muito pressionada

tanto por organismos internacionais que representam a construção civil como pelo

setor dos sem abrigos. Essas organizações internacionais da construção são lobbies

poderosos e obrigam a fazer documentos que não são obrigatórios, mas são

orientações. No entendimento da UE, a Europa não tem problemas com a habitação,

pois resolveu esse problema até os anos de 1970. Primeiro, começou logo depois do

pós 2ª Grande Guerra e também com o boom econômico da década de 1970, com

exceção da Europa do sul e também do leste Europeu, pois o que se passa no leste é

diferente. (Entrevistado Elaborador 01- 04/07/2014)

No entendimento do entrevistado anteriormente citado, há um discurso em

que o Estado não quer segregar as pessoas e, para efeito, oferece ajuda para que a

população tenha acesso ao mercado, essa é uma das primeiras e grandes mudanças.

A segunda grande mudança é a de promover todas as pessoas à proprietários. Mas,

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logo se verifica o excesso de habitação no mercado, o que altera a perspectiva inicial

desta segunda grande estratégia e que, assim, passa a focar-se na regulação dos

processos de compra de habitação. Verifica-se um aumento muito grande de

propriedades, sobretudo quando se refere aos países da Europa do sul: Portugal,

Espanha, Grécia e Itália.

Na sequência da entrevista com o Entrevistado Elaborador 01, é referido que,

nos dias de hoje, verifica-se que em países nos quais o Estado não oferece garantias

de previdência social, as famílias consideram uma medida de segurança ter casas

próprias. Uma família que não tenha emprego formal, nem saiba o dia de amanhã,

tão pouco tenha a proteção do Estado e está na eminência de uma situação de

desemprego, pelo menos garante a posse da sua casa. Todavia, é também observado

que esse sentido de propriedade vem, pouco a pouco, a aumentar nos outros países

europeus com o recuo das políticas sociais. Mas: “nós da Europa do sul sabemos

que a propriedade é uma espécie de segurança por conta do mercado de trabalho”

(Entrevistado Elaborador 01- 04/07/2014).

O Plano Estratégico de Habitação diagnosticou que não havia necessidade de

construir novas casas, devido ao número de casas vazias existentes. Relembre-se,

neste sentido, e conforme já mencionado no item 3.1, o censo realizado em 2011

demonstra que o número de alojamentos é 45% superior ao total de famílias, isto é,

existem 1.822 alojamentos a mais que famílias.

Ao debater o assunto no jornal Le Monde Diplomatique, Nuno Teles (2008)

esclarece que o setor mais significativo, com relação à financeirização da economia

e ao acesso ao crédito, é sem dúvida o da habitação. Animado pela descida da taxa

de juro dos anos noventa, conforme possibilitada pelo processo europeu de

integração monetária, o poder público promoveu um modelo de desenvolvimento

assente, em grande parte, na construção civil. A ausência e o desinteresse na

provisão pública de habitação – confinada aos bairros sociais –, aliada a um

conjunto de incentivos fiscais (bonificação de taxas de juro, deduções fiscais nas

contas de poupança habitação), incentivaram à construção e à compra a crédito de

habitações novas. O resultado é que até 2008, como refere o autor, além da

desproporcional relação entre 5,7 milhões de imóveis edificados e uma população

de 3,7 milhões de famílias, foi o endividamento galopante das famílias: de 50% do

Produto Interno Bruto (PIB) em meados dos anos noventa, para 130% do PIB

atualmente. Os portugueses estão assim, endividados durante metade das suas

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vidas, gerindo o seu dia-a-dia em função das variações da taxa de juro e da prestação

devida ao banco.

Percebeu-se, pela fala dos entrevistados, que no processo de elaboração da

nova estratégia, houve um cuidado em relação à questão do excedente habitacional,

e o estoque de casas.

A construção de bairros sociais era um negócio para muitos presidentes de câmaras

municipais e para muitos operadores imobiliários, porque o Estado dava dinheiro em

parte, outra parte emprestava com taxas muito baixas para construir. Os mercados

imobiliários, que eram as pequenas ou médias empresas, também estavam

interessados nisso, porque sabiam que quanto mais o Estado investisse em habitação

social mais ganhavam. Existe uma outra questão e que é: embora houvesse regras

standard para a construção de bairros sociais, esses bairros eram construídos abaixo

da média das regras técnicas standard de construção, portanto, muito desses edifícios

ao fim de sete anos estavam degradados. Então, tínhamos dois problemas: o centro

da cidade a perder população com casas degradadas e esses bairros que estavam na

periferia também a degradar-se, e as autarquias e as imobiliárias a dizerem:

precisamos fazer mais bairros sociais, com a argumentação de dar acesso à

habitação, somente por interesse em construir mais bairros. A regra em Portugal era:

havia 1.500 pessoas a necessitarem de casa, a solução tradicional era há 1.500

pessoas e o Estado dá o dinheiro e vão construir casas e vão construir um bairro novo

para essas 1.500 pessoas, e toda gente estava de acordo, o presidente da câmara

estava de acordo porque vai inaugurar o bairro, os pequenos operadores imobiliários

estavam de acordo porque iam construir o bairro e as pessoas iam para uma casa

nova (Entrevistado Gestor 01 -01/12/2014).

O plano estratégico, já na altura, previa que a prioridade não era a construção de

novas casas e sim a reabilitação urbana. O plano, a partir do diagnóstico, identifica

que o número de casas é maior que o número de famílias. Do ponto de vista

numérico, nós temos casas a mais, o que não significa que aquelas casas estejam

disponíveis para as famílias que precisam. Então, qual era o entendimento? Vamos

construir mais casas ou vamos viabilizar as casas para as pessoas que precisam? Ou

seja, já não se trata de priorizar a promoção da habitação, mas talvez a facilitação do

mercado de arrendamento, por exemplo, no sentido de disponibilizar casas que não

estão em uso para suprir a procura, ou permitir a reabilitação de casas que estão

degradadas para torná-las úteis para a habitação (Entrevistado Gestor 02 -

25/11/2014).

O plano não propõe novas construções porque já havia excessos habitacionais, os

chamados estoques. Parte desses excessos já estava em poder do banco, pois com a

crise várias pessoas tiveram que devolver as casas ao banco. Sai mais barato negociar

com os bancos a compra daquelas casas, alugar em leasing, negociar com as famílias

que não conseguiram pagar e passar a arrendamento as suas próprias casas até

conseguirem pagar, saía mais barato do que construir. Nossa proposta foi uma

política adequada ao contexto do diagnóstico que tínhamos na altura e que era:

excesso de habitações, famílias já em crise e com dificuldades de pagar as suas

próprias casas. A política de habitação não é construir casinhas, a política de

habitação é permitir as pessoas terem acesso a uma casa digna. Mas qual a melhor

forma de permitir? Temos que ver se é construir, se é reabilitar, se é arrendamento,

tens que ver quais recursos tens. Pois, com o excesso de habitação e com as casas na

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mão dos bancos, não se justificaria a construção de novas casas (Entrevistado

Elaborador 01- 04/07/2014).

Naquela altura, já havia diagnosticado que nós não precisávamos de mais casas.

Tínhamos um problema muito grande que eram as pessoas que estavam ali a serem

despejadas pelos bancos, mas não houve políticas de jeito nenhum, porque não se

tinham meios para fazer resolver isso. Porque, no fundo, o grande limite era o

financiamento da UE. E a essa altura, o setor da habitação já não tinha dinheiro para

nada, ou seja, havia que gastar nas grandes demandas (universidades, hospitais), mas

Portugal não tinha para as duas coisas (Entrevistado Elaborador 02- 12/12/2014).

Com relação aos resultados do Plano Estratégico, embora não tenham sido

aprovados pelas instâncias do governo central45, entretanto alterado em função da

conjuntura política nacional, serviu de orientação para a elaboração de políticas

locais. Mas não é unânime esse entendimento, sobretudo para aqueles que

participaram na elaboração das diretrizes, como mostram as falas a seguir:

Acabou aquele governo, e aquela política não teve continuidade, o plano estratégico

nunca foi aprovado. Porém os municípios iniciaram planos municipais pela sua

própria iniciativa, ninguém os obrigou, mas eles próprios, durante o debate,

perceberam que havia vantagens em desenharem os próprios planos, e construíram

seus próprios planos municipais sem a intervenção do Estado Central (Entrevistado

Gestor 01 -01/12/2014).

O plano nunca chegou a ser publicado em decreto lei. Porém toda gente fala do Plano

Estratégico de Habitação, ou seja, funciona como referência para toda gente. O

documento propôs uma série de instrumentos (houve um estudo técnico, resultado

das várias reuniões com muitos autores). Tem uma parte importante no Plano que

são as questões operacionais, onde o plano sugere que cada município elabore o seu

próprio plano local de habitação, ou seja, pensar como os diferentes atores no âmbito

local e no âmbito central podem exercer seu papel em tornar a habitação um

instrumento de intervenção no território (um dos exemplos foram as ações realizadas

nos bairros críticos46). O que é importante é que os municípios que conseguiram

elaborar seus planos incluíram as diretrizes do PEH como: a recuperação do

arrendamento, a reabilitação urbana e a gestão integrada. Lembro que Lisboa foi uma

das primeiras autarquias que quis construir seu plano local de habitação, inclusive,

com ações que permitiam os diferentes atores a envolverem-se nas ações. É o caso

do programa Bip Zip47 (Entrevistado Gestor 02 - 25/11/2014).

Fizemos o plano muito participado com discussões em todo o país, quer no

diagnóstico quer nas propostas. Fizemos um programa realista passível de

45 Provavelmente em decorrência da mudança de governo e que trouxe consigo uma mudança de

orientação política, o PEH não tenha sido aprovado. 46 Iniciativa Bairros Críticos (IBC) é um programa nacional (e interministerial) coordenado pela

Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e Cidades. É um instrumento da política de

cidades. Tem como objetivo a intervenção em territórios críticos, através das intervenções sócio-

territoriais integradas mantendo os moradores no local. Foi experimentado em Cova da Moura –

Amadora; Lagarteiro- Porto e Vale da Amoreira- Moita. Fonte : IHRU (2012). 47 BIP/ZIP significa: Bairros de Intervenção Prioritária/Zonas de Intervenção Prioritária.

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implementação, mas foi colocado na gaveta. O plano propunha tudo menos novas

construções. O que significa que o plano desagradava profundamente a dois atores

sociais fundamentais: o da construção civil e aos presidentes das câmaras que vivem

das mais-valias das construções novas. O dinheiro das autarquias é

fundamentalmente o dinheiro do imposto imobiliário chamado (IMI). A reabilitação

não da a mesma receita de orçamento que a habitação nova”. (Entrevistado

Elaborador 01- 04/07/2014).

“Criaram-se algumas experiências, o plano estratégico nunca serviu para nada, foi

fechado e acabou-se, e nem se quer foi aprovado. É claro, fizeram-se propostas e

alternativas, mas mudou-se a equipe que estava no governo e a habitação

transformou-se, em Portugal, numa coisa extra” (Entrevistado Elaborador 02-

12/12/2014).

Embora a ideia de pensar uma estratégia nacional para a habitação ocorra a

partir de 2005, o documento foi entregue em 2008, no entanto, os sinais da crise são

mais evidentes a partir de 2009/2010. Nesse sentido, percebe-se que o plano foi

pensado anteriormente à atual crise. Contudo, almejou- se - saber por parte dos

entrevistados até que ponto a crise econômica afetou a implementação do plano.

Para um dos entrevistados, o gestor 01, no momento em que o plano estratégico foi

entregue, ainda não havia problemas financeiros, e sim a falta de capacidade de

liderança política, “as pessoas que lá estavam queriam, mas não tinham força de

liderança”. Na opinião do Entrevistado Gestor 2, os sinais de crise contribuíram

significativamente para alterar o panorama: “É claro que no âmbito do IHRU, houve

programas que ficaram sem investimento, mas algumas ações não dependiam de

grandes montantes de recursos”.

Um dos elaboradores entrevistados, concordando acerca dos efeitos da crise

sobre as formas de planejamento, referiu-se, ainda, à existência de outras medidas

que podiam ser encaminhadas:

Vou lhe dar um exemplo, quando fizemos o plano nacional, somente para a habitação

social havia mais de 100 diplomas e regulamentos diferentes, ou seja, ninguém se

entende. Não custa dinheiro os juristas pegarem 100 diplomas e transformarem o

mesmo em 1 diploma, alguns em vigor desde 1956. Outro exemplo, nesse momento

o IHRU não sabe quem está nas casas públicas, isto é, não sabe quem as ocupa;

algumas câmaras não sabem quem está nas casas camarárias públicas. Em alguma

das medidas se poderia criar um programa informático para que todos os municípios

possam saber quem ocupa essas casas, e quanto se paga por elas, a informação seria

de extrema importância (Entrevistado Elaborador 01- 04/07/2014).

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Entre os entrevistados, dois deles mencionaram a necessidade de adequar o

atual plano à realidade pós-crise. Já se passaram seis anos, desde que a entrega do

Plano, sendo que o contexto de crise não constava das diretrizes do documento.

Com a crise tornou-se evidente uma série de contradições, e aquilo que seria o Plano

Estratégico em 2007/2008 teria que ser muito diferente do Plano Estratégico que

teríamos de fazer hoje. Temos essa situação completamente paradoxal de casas a

mais e de pessoas a mais sem casas, o nosso problema já não é tanto haver muitas

pessoas a viver em “favelas” ou nessas condições de habitação. É claro que ainda

temos alguns problemas, pois grande parte dos moradores dos antigos bairros de lata

é, em esmagadora maioria, de imigrantes pobres e que ocupam os lugares mais

baixos na cadeia do trabalho. Mas, a grande contradição é casas a mais e pessoas

com necessidades e sem acesso à casa. E mais as pessoas que tiveram casas e estão

a deixar de ter, isso significa que existem filhos que voltaram a viver com os pais,

ou três gerações a viver na mesma casa, significa que as pessoas que tiveram um

determinado conforto baixaram muito, têm menos dinheiro, os jovens não têm

emprego, são todas situações novas que existem nesse período de crise. Há um outro

problema: o sistema financeiro ficou com uma grande quantidade de casas que não

lhes interessa, esse é outro paradoxo, pois os bancos ficaram com as casas cuja

aquisição facilitou, mas as famílias ao ficarem insolventes tiveram que devolver, e

os bancos agora têm centenas e milhares de fogos. Nós temos ainda um problema

demográfico grande, somos um país envelhecido e com a crise …, é ainda enorme a

emigração de jovens. Como se sabe, na União Europeia a circulação é livre, as

pessoas não necessitam se declarar como imigrantes, mas se calcula que deve ter

saído do país algo em torno de 400 mil jovens, em um país pequeno é uma

porcentagem gigante, e como não estamos a crescer economicamente, não temos

imigração. Portugal estava a crescer demograficamente por causa da imigração e

com a crise não temos mais a imigração, os brasileiros, por exemplo, estão a voltar,

os ucranianos estão a voltar. (Entrevistado Gestor 01 -01/12/2014)

Da necessidade de um planejamento pós-crise, um entrevistado que

contribuiu para a elaboração do PEH, defende que as políticas a serem realizadas

daqui para frente, por exemplo, nos próximos 5-7 anos, deveriam focar uma

situação de crise: “Você pode fazer e avaliar”, e conclui “não há dinheiro para

grandes políticas públicas, mas eu insistiria com as casas que estão paradas nas

mãos dos bancos, os bancos públicos estão com centenas de casas, é o caso da Caixa

Geral de Depósitos” (Entrevistado Elaborador 01 -04/07/2014).

Questionou-se aos entrevistados sobre a crença que tinham na possibilidade

de um revivalismo, entretanto agravado, dos “bairros de barracas” e/ou “bairros de

lata” (favelas). Houve divergência sobre o tema, pois, embora tenha sido observado

que na atualidade as câmaras municipais atuam das mais diversas formas para não

permitir a formação de “bairros de barraca”, a possibilidade foi, todavia,

considerada.

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Em Portugal, a multiplicação dos bairros de barracas está sempre associada aos

intensos fluxos de pessoas para a cidade, primeiro foi do campo para cidade, e depois

comunidades imigrantes de outros países. Nós aqui já não temos as pessoas a

migrarem das áreas rurais para as áreas urbanas, isso acabou. Se nós estamos em

crise, não temos emprego e não atraímos imigrantes, então quais são os novos

imigrantes? Quais são os novos bairros de barraca? É claro que vai haver casos de

degradação das condições de pobreza. O momento de crise em que há excesso de

estoque de habitação é o momento ideal para se resolver duas coisas: o acesso à

habitação condigna e os problemas dos bairros de lata. (Entrevistado Gestor 01 -

01/12/2014)

Eu não acredito que as famílias vão construir novos bairros de barraca, pois nesse

momento as autarquias têm por obrigação não deixar que isso aconteça. Porém, vai

haver um fenômeno em que várias famílias vão viver em condições degradantes: em

pensões, em anexos, em espaços que não estavam destinados à habitação e que de

repente acolhem a função habitacional. Mas, creio que estão espalhados, sem

grandes aglomerações. Mas, podem estar vivendo em espaços que não tem água, não

tem luz. Nesse momento, não vejo ninguém interessado em saber para onde estão a

ir essas famílias que todos os meses entregam as casas ao banco. O que eu percebo

é que estão a viver em situações degradantes, mas estão anônimos. No caminho para

minha casa, por exemplo, em prédio que era um armazém, estão vivendo pessoas,

creio que quase 15 famílias. Mas não se sabe o perfil (se são imigrantes em situação

irregular, se são famílias que devolveram as casas aos bancos). É claro que as pessoas

que estão em muitas dificuldades vão à câmara ou ao IRHU e pedem diminuição da

renda (da casa), as pessoas que estão em habitação social, com todos os problemas,

ainda estão mais protegidas. (Entrevistado Gestor 02 - 25/11/2014)

Outro entrevistado (elaborador 01) acredita que uma das formas de enfrentar

a crise encontrada pelas pessoas e famílias, de uma forma generalizada, foi o

aumento do número de pessoas numa mesma casa, “os pais vão para a casa dos

filhos, os filhos vão para a casa dos pais, vivem todos na mesma casa e pagam

somente uma renda”; e sobre a existência de “bairros de barraca”: “tem sim senhor,

já existem pelo menos um ou dois, um deles é o 6 de Maio, na Amadora, vá lá e tu

vais ver o que é que se passa” e completa:

O que se passa é que, em Portugal, é que ainda existem muito bairros degradados e

clandestinos, e que têm condições de vida muito ruins e são completamente

invisíveis do ponto de vista das políticas públicas, o 6 de Maio é um caso desses, são

praticamente bairros de barracas, onde praticamente todos são imigrantes, e (…) o

poder público acha que não existem. A situação de vulnerabilidade cresceu tanto que

existe um grupo de ativistas que se chama “Habita” e eles defendem pessoas que

perdem a casa, e quando sabem que alguma câmara vai despejar, ou vai destruir a

barraca, eles mobilizam e levam os meios de comunicação social e ocupam a câmara,

movimentam isso e tentam organizar e politizar as pessoas. É claro que esses

movimentos têm poucos poderes, nem se quer são ouvidos pelo poder público. Pois,

o que passa é que nesse momento aqui em Portugal não existe canal de participação

em nenhum nível e, muito menos, a nível de habitação. No Canadá, as universidades,

as cooperativas de habitação social e as associações de moradores propõem fóruns

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de debate público sobre diversas políticas públicas, já aqui não há. (Entrevistado

Elaborador 01- 04/07/2014)

Abordou-se, com os entrevistados, a respeito do atual momento de crise

econômica, seus rebatimentos e implicações na questão social e as variadas formas

de manifestação dessa problemática. Percebeu-se que, em decorrência da crise, são

várias as situações que permitem assinalar a complexidade do problema da

habitação, indo às mesmas desde a superlotação das casas e a perda das casas por

parte das famílias que se viram obrigadas a devolverem as casas aos bancos, até a

falta de alimentos. Veja-se o seguinte extrato da entrevista realizada:

O que é mais evidente é a pobreza e a exclusão social, esses índices aumentaram

imenso em Portugal, a emigração também cresceu muito, o desemprego é uma das

razões do reforço da pobreza e da exclusão social e da emigração, no campo da saúde

as pessoas se alimentam menos e têm muito mais problemas.” O entrevistado

menciona que para além das altas taxas de desemprego, o que se assiste é a

diminuição do universo da aplicação dos apoios sociais que existiam em Portugal, o

rendimento mínimo ou subsidio desemprego que era de dois anos passou para alguns

meses e é muito mais baixo, o apoio aos idosos baixou muito. (Mencionou que há

ainda o corte nos salários), … no meu caso, que sou funcionário público, por

exemplo, desde 2008 até 2014, entre o corte no ordenado mais as alterações que

houve do ponto de vista fiscal eu recebo hoje cerca de menos 35% no salário”.

(Entrevistado Gestor 01 -01/12/2014)

Explicou ainda, que no momento não há nenhuma política no campo da

habitação e o IHRU recuperou o seu foco de atuação, enquanto instituição bancária:

(…) eles não querem nada com a o contexto social, eles dizem logo: o nosso papel

não é social, isto é, papel do ministério das questões sociais, nós somos uma

instituição que financiamos a habitação social, e os nossos critérios são critérios

financeiros, dentro daquilo que está definindo uma autarquia. (Entrevistado Gestor

01 -01/12/2014)

Completou, o entrevistado, afirmando que o atual pensamento político

dominante está retratado a seguir

Quer fazer habitação social? Pede apoio e nós dizemos se podemos ou não podemos

dar apoio, considerando ainda que, todavia, os atuais critérios são meramente

financeiros, tendendo todo o processo a ser completamente destituído de uma visão

social: (…) portanto, voltamos para trás, em que a habitação era vista com um

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problema de obras públicas para o qual era preciso financiamento, essa era a visão

clássica para onde estamos outra vez a ir. (Entrevistado Gestor 01 -01/12/2014)

O entrevistado defendeu uma visão integrada com a componente social.

Porém, analisa que neste momento o Estado Central tem priorizado os programas

de austeridade em detrimento dos programas sociais. Nas palavras do entrevistado:

“o atual primeiro ministro, disse que queria cumprir o Programa da Troika, mas

queria ir além do programa da Troika”.

4.3. O Programa Minha Casa Minha Vida no Brasil: uma nova política de habitação para o século XXI

O início do século XXI foi marcado por uma série de mudanças no campo da

reestruturação da política urbana e habitacional. A aprovação do Estatuto da

Cidade, em 2001, foi importante para uma regulação dos instrumentos de

planejamento democrático e distributivo. Também, a partir de 2003, com a ascensão

do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a habitação foi novamente colocada no

centro do debate político. Após a importante criação do Ministério das Cidades, em

200348, formado por uma equipe49 ligada à especialitas do campo da habitação, o

Governo Lula lançou mão de uma série de iniciativas nesse âmbito: uma delas é a

aprovação da lei nº 10.931/2004 (segurança jurídica para os contratos imobiliários).

Já em 2005 foi Criado o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social

48 O Ministério das Cidades foi comandado por Olívio Dutra (muito conhecido pela gestão pautada

no orçamento participativo à frente da prefeitura de Porto Alegre) e uma equipe com um histórico

ligado à luta pela reforma urbana48. Porém, em 2005, houve uma mudança e Marcio Fontes (PP)

assumiu o ministério. Conforme Serafim (2012), tal mudança foi parte da estratégia empreendida

pelo PT frente ao escândalo conhecido como o “Mensalão” como forma de ampliar a base politica

e garantir a governabilidade. 49 A composição inicial, em maio de 2003, contou com o seguinte quadro: Ermínia Maricato

(Professora da FAU - USP, Arquiteta e urbanista do campo da reforma urbana, ex-Secretária de

habitação do governo Erundina na cidade de São Paulo) para a Secretária Executiva do Ministério;

José Carlos Xavier (vasta experiência na área de transportes na gestão petista na cidade de Goiânia)

para Secretaria Nacional de Transportes; Raquel Rolnik (Arquiteta e Urbanista, membra do Fórum

Nacional de Reforma Urbana) para a Secretaria de Programas Urbanos. José Fontes Hereda

(Arquiteto e Urbanista ex-Secretário de Habitação de Diadema – SP, para a Secretaria de Habitação;

e Abelardo de Oliveira Filho (sindicalista baiano, ex-presidente da Empresa Baiana de Águas e

Saneamento (EMBASA), para a Secretaria Nacional de Saneamento (SERAFIM, 2012, p.07).

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(SNHIS) por meio da lei (nº 11.124 de 16 de junho de 2005). Esta lei criou também

o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).

Outra medida realizada no período foi a criação de resoluções, por parte do

Banco Central, que passou a exigir que os bancos utilizassem os recursos da

poupança para financiar a habitação. Em um quadro favorável da economia,

segundo Bonduki (2009), essas medidas geraram uma elevação de R$ 2,2 bilhões

para R$ 27 bilhões, entre 2002 e 2008, no investimento em habitação do Sistema

Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

Assim, nas palavras de Maricato (2005, p. 01), “somente em 2005 o governo

federal dispõe de mais de 10 bi, o maior orçamento desde o início de 1980, para

financiamento habitacional”.

Entre os anos de 2003-2008 houve um significante crescimento econômico e

a melhora de indicadores, o que de sobremaneira beneficiou o setor da construção

civil. Várias empresas que centravam suas ações na classe média passaram a

abranger o mercado voltado para a classe de menor renda. Ressalta-se o caso de

diversas empresas de construção civil que promoveram abertura de capital,

passando a arrecadar vultuosos recursos no mercado externo. Tal processo,

conforme afirma Bonduki (2009), chegou a ser chamado de boom imobiliário.

No segundo semestre de 2008, a crise econômica internacional, que teve

início no setor imobiliário americano, chegou ao Brasil, gerando incertezas e uma

paralisia no setor, pois estava-se em pleno processo de aceleração da produção. A

situação pareceu fugir de controle, com acentuada queda no valor das ações das

empresas do setor imobiliário na bolsa de valores, com evidentes impactos nas

atividades do setor, que sofreu forte queda nos últimos meses daquele ano.

Como parte do pacote de medidas destinado a combater os efeitos da crise, o

Governo Lula lançou, em março de 2009, o Programa Minha Casa Minha Vida

(PMCMV), com a proposta de construir um milhão de moradias no período de 2

anos. No mesmo ano também foi lançado o Programa Minha Casa Minha Vida na

modalidade entidades (PMCMV- Entidades), voltado a destinar recursos à moradia

de famílias organizadas por meio de cooperativas habitacionais, associações e

demais entidades privadas sem fins lucrativos.

A execução do programa se dá em duas vertentes principais: no caso de

unidades habitacionais para famílias com renda de até três salários mínimos, a

Caixa Econômica Federal (CEF) paga a empreiteiras que apresentem propostas para

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a construção de moradias em áreas nas quais há défice habitacional e, depois de

concluída a obra, os imóveis são repassados às famílias cadastradas pelo banco. No

caso de unidades para famílias com renda entre três e dez salários mínimos, o

programa garante financiamento às construtoras, que posteriormente vendem as

unidades habitacionais, segundo valores definidos com base na renda das famílias.

a) A partir dos dados oficiais fornecidos pela CEF (2009), as

principais características do Programa são, resumidamente, as

seguintes:Habitações para famílias com rendas de até três salários

mínimos ou faixa 01:

O objetivo é a aquisição de empreendimentos na planta, para famílias com

renda bruta de até 3 salários mínimos. No que se refere à abrangência, o programa

procurou atendar capitais e respectivas regiões metropolitanas, bem como

municípios com mais de 100 mil habitantes, podendo contemplar, em condições

especiais, municípios entre 50 e 100 mil habitantes, de acordo com seu défice

habitacional.

No quesito funcionamento, a união aloca recursos por área do território

nacional e solicita a apresentação de projetos. Os Estados e municípios realizam

cadastramento da demanda e após triagem indicam famílias para seleção, utilizando

as informações do Cadastro Único. As construtoras apresentam projetos às

superintendências regionais da CEF, podendo fazê-los em parceria com o Estado,

municípios, cooperativas, movimentos sociais ou independentes. Após análise

simplificada, a CEF contrata a operação, acompanha a execução da obra pela

construtora, libera recursos conforme cronograma e, concluído o empreendimento,

realiza a sua comercialização.

Buscou-se conhecer as tipologias das habitações para famílias com até 3

salários mínimos, e são, assim, patronizadas e especificadas: (ver quadro 14)

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Quadro 14 - Padronização da habitação para famílias com até três salários mínimos

Tipologia 01 (casa térrea de 35 m²) Tipologia 02 (apartamento de 42m²)

Compartimentos: sala, cozinha,

banheiro, 2 dormitórios, área de

serviço na parte externa com tanque.

Dimensões dos compartimentos:

compatível com mobiliário mínimo;

Pé-direito: 2,20m na cozinha e

banheiro, 2,50m no restante.

Tipo de pavimento: piso cerâmico na

cozinha e banheiro, cimentado no

restante;

Revestimento de alvenarias: azulejo

1,50m nas paredes hidráulicas e box;

reboco interno e externo com pintura

PVA no restante;

Forro: laje de concreto ou forro de

madeira ou pvc.

Cobertura: telha cerâmica.

Esquadrias: janelas de ferro ou

alumínio e portas de madeira.

Instalações hidráulicas: número de

pontos definido, medição

independente.

Instalações elétricas: número de

pontos definido, especificação

mínima de materiais.

Aquecimento solar/térmico:

instalação de kit completo;

Passeio: 0,50m no perímetro da

construção.

Compartimentos: sala, cozinha, área

de serviço, banheiro, 2 dormitórios;

prédio com 4 pavimentos, 16

apartamentos por bloco – opção de

até 5 pavimentos e 20 apartamentos;

Área da unidade: 42m².

Área interna: 37 m².

Dimensões dos compartimentos:

compatível com mobiliário mínimo

Pé-direito: 2,20m na cozinha e

banheiro, 2,40m no restante;

Instalações hidráulicas: número de

pontos definido, medição

independente.

Tipo de pavimento: cerâmico na

cozinha e banheiro, cimentado no

restante.

Revestimento de alvenarias: azulejo

1,50m nas paredes hidráulicas e box;

Reboco interno e externo com

pintura PVA no restante.

Forro: laje de concreto.

Cobertura: telha fibrocimento.

Esquadrias: janelas de ferro ou

alumínio e portas de madeira.

Instalações elétricas: número de

pontos definido, especificação

mínima de materiais.

Aquecimento solar/térmico:

instalação de kit completo.

Passeio: 0,50m no perímetro da

construção.

Fonte: elaboração do autor com base nos dados da CEF (2009).

No que respeita as condições de acesso ao programa, são as seguintes: não ter

sido beneficiado anteriormente em programas de habitação social do governo; não

possuir casa própria ou financiamento em qualquer unidade da federação; estar

enquadrado na faixa de renda familiar do programa; pagamento de 10% da renda

durante 10 anos, com prestação mínima de R$50,00, corrigida pela TR e registro

do imóvel em nome da mulher; sem entrada e sem pagamento durante a obra; sem

cobrança de seguro por Morte e Invalidez Permanente (MIP) e Danos Físicos do

Imóvel (DFI).

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158

Em relação à operacionalização, o beneficiário dirige-se à prefeitura, estado

da federação ou movimento social para cadastrar-se. Após a seleção, é convocado

para apresentação da documentação pessoal (na CEF, correspondente imobiliário,

prefeitura ou outros credenciados) e a). A assinatura do contrato ocorre na entrega

do empreendimento.

b) Habitação para famílias com renda acima de 3 e até 10 salários

mínimos, faixas 02 e 03:

As famílias com renda acima de 3 e até 6 salários mínimos terão aumento

substancial do valor do subsídio nos financiamentos com recursos do FGTS.

Aquelas com renda acima de 6 e até 10 salários mínimos contarão com redução dos

custos de seguro e acesso ao Fundo Garantidor da Habitação.

O objetivo é o financiamento às empresas do mercado imobiliário para

produção de habitação popular, visa o atendimento de famílias com renda acima de

3 até 10 salários mínimos, priorizando a faixa acima de 3 e até 6 salários mínimos.

As famílias com renda acima de 3 e até 6 salários mínimos terão aumento

substancial do valor do subsídio nos financiamentos com recursos do FGTS.

Aquelas com renda acima de 6 e até 10 salários mínimos contarão com redução dos

custos de seguro e acesso ao Fundo Garantidor da Habitação.

O programa abrange Capitais e respectivas regiões metropolitanas,

municípios com mais de 100 mil habitantes, podendo contemplar, em condições

especiais, municípios entre 50 e 100 mil habitantes, de acordo com o seu défice

habitacional.

Com relação às condições para contratação de pagamento, está o

financiamento de até 100% do custo de construção com liberação antecipada de

até 10% do custo total de obras ou valor do terreno, aquele que for menor.

No que diz respeito aos juros nominais, estão assim especificados:

Renda de 3 a 5 salários mínimos (faixa 02) – 5% a.a. + TR.

Renda de 5 a 6 salários mínimos (faixa 03) – 6% a.a. + TR.

Renda de 6 a 10 salários mínimos (Faixa 04) – 8,16% a.a + TR.

Em ambas modalidades, é necessária a comprovação de renda com

apresentação do IRPF, análise cadastral junto aos seguintes órgãos: Centralização

de Serviço aos Bancos (SERASA), Banco Central do Brasil (BACEN), Serviço de

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159

Proteção ao Crédito (SPC), Cadastro Informativo de Créditos não quitados no setor

público Federal -CADIN, inscrição junto ao Cadastro Nacional de Mutuário

(CDMUT); também é realizada uma análise de risco/capacidade de pagamento.

Para Bonduki (2009), a crise econômica e a disposição do governo em aplicar

fartos recursos para dinamizar a construção civil através do PMCMV, atropelaram

o processo de construção do PlanHab50, pactuado como uma estratégia de longo

prazo para equacionar o problema habitacional.

No entanto, o autor aponta que o programa não adota o conjunto das

estratégias que o PlanHab julgou indispensável para equacionar o problema

habitacional, sobretudo nos eixos que não se relacionavam com os aspectos

financeiros. Em consequência, aborda-o de maneira incompleta, incorrendo em

grandes riscos, ainda mais porque precisa gerar obras rapidamente sem que tenha

preparado adequadamente para isso.

Conforme Cardoso (2011), o PMCMV, em sua componente urbana, foi

operacionalizado a partir da alocação de recursos da União ao Fundo de

Arrendamento Residencial (FAR) – no montante de 14 bilhões de reais – e, em

menor grau, ao Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) – no montante de 500

milhões de reais –, ambos gerenciados pela Caixa Econômica Federal (CEF).

O FAR já vinha sendo utilizado na produção de unidades habitacionais para famílias

com renda entre 3 e 6 salários mínimos, dentro do Programa de Arredamento

Residencial (PAR), recebendo recursos transferidos do Orçamento Geral da União

(OGU) e do FGTS. Já o FDS havia se constituído como fonte de recursos para o

Programa Crédito Solidário (PCS), com objetivo de produção de unidades em regime

de autogestão, através de cooperativas ou associações. A partir de então, o PCS passa

a ser substituído pelo PMCMV-Entidades. (Cardoso, 2011, p. 5)

Nas palavras de Cardoso (2011),

Um dos impactos mais imediatos sobre os programas desenvolvidos no âmbito do

FNHIS diz respeito à eliminação dos repasses de recursos para as ações de provisão

50 O Plano Nacional de Habitação (PlanHab) foi concebido como um plano estratégico de longo

prazo articulado com propostas operacionais a serem implementadas a curto e médio prazo, tendo

como horizonte 2023. Sua elaboração contou com amplo processo participativo, e envolveu todos

os segmentos da sociedade durante 18 meses. Suas propostas, estratégias de ação e metas,

amplamente debatidas, consideram a diversidade da questão habitacional, as variadas categorias de

municípios, as especificidades regionais e os diferentes olhares de cada segmento social

(BONDUKI, 2009, p.3).

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160

habitacional. Desde o lançamento do PMCMV, o FNHIS passou a concentrar os seus

recursos nas ações de urbanização de assentamentos precários e de desenvolvimento

institucional, por orientação do MCid acatada pelo Conselho Gestor. Vale ressaltar

que, para 2010, priorizou-se a alocação de recursos em obras complementares a

projetos em andamento financiados com recursos do PAC, o que mostra o caráter

subsidiário do FNHIS nas decisões de política habitacional, na atual conjuntura.

(Cardoso, 2011, p. 5)

Em ocasião do lançamento do PMCMV, Cardoso (2009) avaliou que seria

mais um programa econômico do que habitacional, pois se tratava de uma estratégia

voltada para enfrentar a crise econômica e para atuar no sentido anticíclico, no

sentido contrário ao da crise. O governo estaria pondo dinheiro para dinamizar a

economia atuando num setor que tem uma grande capacidade de multiplicação, já

que a construção atinge setores como vidro, ferro, cimento, madeira, entre outros.

O urbanista assinala que é um setor com boa absorção de mão-de-obra. Então, trata-

se de um pacote essencialmente econômico.

Nas palavras de Cardoso (2009), o grande problema do pacote referente ao

PMCMV é que ele propõe uma forma de distribuição de recursos federais à margem

do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social51, que vem sendo construído

desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003. Explica, ainda, que o programa

é mais profundamente danoso para o Sistema Nacional de Habitação de Interesse

Social do que já foi com o PAC, porque ele coloca muito dinheiro no sistema, mas

completamente por fora do controle social democrático sobre sua utilização. E vai

ter um grande impacto no sentido de privilegiar as empresas de construção.

Outra questão que merece destaque é o fato da localização dos

empreendimentos em áreas carentes de emprego, infraestrutura e equipamentos,

correndo o risco, ainda, de gerar impactos negativos na elevação do preço da terra,

que representaria a transferência do subsídio para a especulação imobiliária,

desvirtuando os propósitos do programa. Outro ponto importante que pode ser

destacado é que o PMCMV tende a promover uma periferização das intervenções

habitacionais na cidade. Uma vez que há uma tendência de que o preço aumente na

proporção em que cresce a demanda.

51 Sistema Nacional De Habitação De Interesse Social (SNHIS).

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161

Com relação ao alcance do programa, os dados fornecidos, em 2015, pela

Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades (quadro 15),

mostraram os seguintes números:

Quadro 15- Programa Minha Casa Minha Vida Fases 1 e 2 modalidade empresa

Fonte: Ministério da Cidade – Secretaria Nacional de Habitação (2015).

Os dados foram obtidos através do Sistema Eletrônico do Serviço de

Informações ao Cidadão (e-SIC)52, com posição até 31 de agosto de 2015. Passados

6 anos do início da fase 1 do MCMV, o Programa não conseguiu cumprir a meta

estipulada para um ano. Até o momento, foram contratadas 404.128 mil moradias,

sendo que um montante de 397.558 foi concluído. O valor total gasto com as

unidades contratadas somaram-se quase 17 bilhões de reais.

No que tange à fase 2 do Minha Casa Minha Vida (lançado em setembro de

2011), passados 4 anos, foram contratadas pouco mais de 917 mil unidades, porém,

52 Esse sistema permite que qualquer cidadão solicite dados da administração pública. As planilhas

com os dados foram enviados, no dia 15/10/2015, pelo sistema do portal de acesso à informação do

Governo Federal, mediante protocolo do pedido e informação e preenchimento de cadastro.

Unidades

Habitacionais

Contratadas (1)

Unidades

Habitacionais

Concluídas (3)

Valor Total

Contratado (R$)

Unidades

Habitacionais

Contratadas (2)

Unidades

Habitacionais

Concluídas (3)

Valor Total

Contratado (R$)

AC 1.873 1.737 73.047.000 4.542 3.371 268.391.361

AL 22.286 20.429 893.969.324 32.377 11.852 1.836.104.505

AM 5.901 5.901 246.299.000 14.933 6.814 823.180.385

AP 1.514 528 62.308.966 7.306 3.588 421.742.000

BA 65.844 60.997 2.769.668.781 99.022 56.651 5.904.079.647

CE 13.938 10.570 596.670.910 40.237 6.489 2.460.042.328

DF 16.209 1.856 1.158.722.479

ES 5.984 4.992 240.999.397 6.164 1.271 349.663.879

GO 13.334 13.334 527.894.085 21.169 10.669 1.175.616.755

MA 36.384 33.768 1.362.257.318 63.084 17.329 3.549.890.379

MG 33.360 33.360 1.379.028.236 76.798 36.188 4.613.273.055

MS 3.435 3.175 138.168.858 18.687 12.268 981.837.936

MT 10.799 10.799 410.872.174 31.351 9.467 1.685.119.048

PA 20.437 19.203 804.615.007 68.948 20.113 3.923.921.332

PB 3.206 3.206 124.876.685 17.784 4.846 1.005.764.833

PE 29.197 23.445 1.186.140.655 27.425 10.018 1.614.144.287

PI 11.803 11.803 434.035.450 21.258 15.951 1.172.308.553

PR 16.811 16.485 731.865.485 30.200 19.967 1.732.763.415

RJ 23.043 22.694 1.142.410.541 89.876 35.053 6.261.916.892

RN 8.801 8.262 342.524.113 12.493 4.239 726.195.492

RO 1.502 1.016 60.471.498 19.507 4.859 1.170.281.787

RR 1.674 1.674 67.782.000 4.757 4.757 289.076.259

RS 16.096 15.690 701.623.508 29.051 11.513 1.748.619.800

SC 8.048 8.048 359.554.717 8.827 3.795 507.521.067

SE 1.019 1.019 40.619.000 5.925 2.589 329.929.000

SP 45.612 45.196 2.172.233.265 139.029 67.183 9.518.321.853

TO 2.227 2.227 85.149.011 10.856 6.779 597.075.048

Total 404.128 379.558 16.955.084.984 917.815 389.475 55.825.503.372

PMCMV - Fase 1 PMCMV - Fase 2

UF

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foram entregues somente 389.475 mil unidades. O valor gasto com as unidades

contratadas equivalem a R$ 55.825.503.372.

Em 2011, após exame de alguns dos resultados do programa, Cardoso (2011)

faz as seguintes observações: relativamente aos montantes alocados, observa-se que

o núcleo central do Programa é aquele voltado para as empresas que acessam

diretamente os recursos do FAR, nomeadamente através da apresentação de

projetos a serem avaliados e aprovados pela CEF.

A manifestação de um processo de periferização traz consequências sérias

para a população de baixa renda, uma vez que esse grupo se sujeita a ocupar os

distantes conjuntos habitacionais, arcando com os elevados custos de transporte no

trajeto casa-trabalho-casa, bem como com custos em outras dimensões, tal como ao

nível da saúde por conta da dura rotina de deslocamento, para além da de trabalho.

Para alguns municípios de menor porte, haverá ainda a ampliação da demanda

por diversos serviços como transporte público, escolas, postos de saúde etc. Os

municípios do interior, situados em regiões mais isoladas, não contam com

empresas que atendam aos requisitos básicos do programa e que estejam em

situação regular com a Caixa Econômica Federal. Portanto, estes municípios não

vão contar com o atendimento habitacional e que hoje basicamente se faz por esse

programa.

Para além das questões levantadas, há uma padronização dos modelos de

casas construídas, não levando em conta, por exemplo, o tamanho das famílias e as

diferenças regionais, nomeadamente n oque respeita a dinâmica econômica. Dessa

forma, as construtoras definem uma planta genérica que se enquadre nas normativas

da CEF, garantindo a aprovação de inúmeros projetos similares em diferentes

terrenos e geografias.

Bonduki (2013), recentemente, apontou algumas questões relevantes quanto

ao MCMV, designadamente:

1- O programa MCMV, desarticulado de um projeto de direito à cidade, não

priorizou aspectos essenciais de uma política habitacional consistente, como a

formulação de uma estratégia fundiária. Assim, ao elevar significativamente a

demanda por terras aptas para a produção habitacional para o mercado, o programa

gerou valorização do preço dos terrenos e glebas e especulação imobiliária, o que

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163

prejudicou, sobretudo, os empreendimentos na faixa social, cujos tetos eram

insuficientes para pagar os valores somados pelos abusivos fundiários gerados pelo

processo especulativo deflagrado.

2- A localização adequada dos projetos depende muito dos municípios, de

seus planos diretores e habitacionais e dos instrumentos urbanísticos que eles

regulamentam, mas cabe ao governo federal estimular a implantação dos novos

empreendimentos em locais mais adequados e que gerem menor custo urbano social

e ambiental.

3- Embora existam exceções, projetos habitacionais de qualidade e inseridos

na malha urbana, a maioria dos empreendimentos do PMCMV está localizada na

periferia das cidades, distante do empregos, desarticulada da malha urbana existente

ou de planos de expansão urbana, com projetos de moradias sem qualidade

arquitetônica nem identidade com as comunidades locais pré-existentes. Embora

bem-sucedido no quesito de retomada da produção habitacional, não enfrenta a

questão urbana e fundiária.

4- O Governo Lula que fundou o Ministério das Cidades, visando articular as

políticas urbanas, criou um programa bilionário, mas ao não dar atenção às questões

urbanas e fundiárias, enfrentou o problema habitacional com a construção de

moradias nas periferias urbanas, com projetos de baixa qualidade arquitetônica e

urbanística.

4.3.1. O Minha Casa Minha Vida: muitos olhares

Nos termos de Pastorini (1997), interessa estudar uma política social a partir

de uma perspectiva de totalidade, o que significa apreender conjuntamente os

momentos de produção e de distribuição, bem como considerar os indissociáveis

entrelaçamentos existentes entre a economia e a política. Dessa forma, capturar a

complexidade de um fenômeno social é compreender os seus vínculos com a

economia e política, sem se descuidar nem de uma nem de outra dimensão da

totalidade social. Uma política social gera a distribuição de recursos sociais, seja na

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164

prestação de serviços sociais e assistenciais, seja na complementação do salário das

populações carentes. Esta mesma política desempenha, para as classes dominantes,

um papel de diminuição dos custos de manutenção e reprodução da força de

trabalho, além de cumprir outra função: a legitimação da ordem estabelecida e de

inibição de eventuais crises sociais de forma que a política cumpra a sua função

social, econômica e política.

Com base em pesquisa bibliográfica e a partir de entrevistas com

interlocutores privilegiados53, visando sobretudo melhor compreender as

dimensões econômica, política e social dos programas MCMV e MCMV-

Entidades, com o objetivo de avaliar as suas dimensões econômica , politica e

social.

a) A dimensão econômica do Programa

De acordo com o entrevistado do LabHab-USP, há uma dimensão social no

MCMV, porém carregada de forte dimensão econômica, esta última expressa na

seguinte fala:

(...) O programa se fragiliza pela concessão liberal que o Governo se obriga a seguir

e se fragiliza no âmbito municipal. Os governos não conseguem fazer uma política

habitacional independente do setor privado. Na verdade, constrói-se um programa

de moradia com o objetivo de fazer uma política econômica anticíclica cujo caráter

era reanimar o mercado da construção civil, então, o Programa é pensado em uma

lógica de favorecimento privatista empresarial, ele não é arquitetado para dar forças

ao poder público, isso na sua estrutura.

(...) Quem faz a política habitacional são os municípios e os estados. Com a realidade

dos municípios fragilizados com muita responsabilidade e sem o menor poder

financeiro, os prefeitos estão sujeitos a uma lógica privatista, reféns de negociações

e barganhas e isso desmonta o Programa MCMV. O prefeito vai fazer aquilo que

seja do interesse da empresa construtora com quem ele conseguir negociar o contrato

para fazer as casas no município dele. (Entrevistado - LabHab/USP-09/09/2015)

O entrevistado do ConCidades faz uma síntese muito didática da forma como

os empresários percebem no MCMV uma grande oportunidade de lucro, nas

palavras do próprio:

53 Dois representantes de movimentos sociais urbanos (MNLM e MTST), um representante da

sociedade civil no Conselho Nacional das Cidades (ConCidades), um pesquisador da política de

habitação (LabHab-USP) e moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro.

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165

(...) desde quando acabou o BNH, os empresários só fizeram habitação para uma

faixa de renda a partir de seis salários e nunca se colocaram a disposição para baixa

renda tendo em vista que não daria lucro. De certa forma, aos empresários da

construção civil, foram dados todos os ouvidos no processo de construção do

MCMV, já que dariam muito lucro.

(...) quando os empresários construíam com recursos do PAR, eles produziam e

tinham que vender. Eles sabem construir, mas não sabem vender, ou seja,

contratavam agentes para venda. Mas com relação aos empreendimentos da faixa 01,

o lucro é certo, até porque a demanda está pronta. Eles não têm que correr atrás da

demanda. Porém, se eles vendem para outras faixas, eles têm que correr atrás da

demanda.

(...) O Programa MCMV está concentrado na faixa um, pois tem uma grande

demanda, embora na faixa 02 também tenha uma grande demanda, o déficit

habitacional está concentrado na população que possui renda de 0 a 03 salários. Mas

a faixa 01 atinge até 1600 reais.

(...) A lucratividade é garantida com essa concentração na produção na faixa 01. As

empreiteiras quando vão negociar com as prefeituras, querem construir em terrenos

mais barato, então elas ganham mais um lucro, pois o terreno está na periferia. Ao

construir em grande escala, eles ganham na quantidade de material de construção

que compram, pois conseguem a um preço abaixo do preço comum. A oportunidade

de lucro é muito grande, ou seja, eles estão muito interessados em construir para

faixa 01. (Entrevistado ConCidades -27/08/2015)

A dimensão econômica também está expressa na fala de representantes de

movimento sociais:

O Minha Casa Minha Vida é um programa de construção de moradia como

mercadoria desconectado de um processo mais amplo e profundo de reforma urbana

e de reconstrução das cidades. (Entrevistado líder- MTST -30/08/2015).

b) A dimensão social do Programa

O Programa avança no financiamento para população pobre, isso é uma coisa que no

Brasil não havia, e passa a ter com o MCMV, já que pela primeira vez o Estado vai

destinar um volume de recursos a fundos perdidos subsidiados para a população mais

pobre. Trata-se de uma novidade, e o Banco Nacional de Habitação (BNH) nunca

fez isso. Na verdade, o BNH favoreceu as famílias com rendas acima de cinco

salários mínimos. A política habitacional brasileira tem uma trajetória de não atingir

a população mais pobre. O MCMV destina 70 bilhões para famílias de renda de 0 a

3 salários mínimos, isso é algo impressionante e positivo. (Entrevistado -

LabHab/USP-09/09/2015)

De acordo com o Entrevistado representante do MNLM, mesmo

incorporando uma forte preocupação social, o MCMV não atende à demanda do

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défice habitacional. O entrevistado ainda contribui, relatando as experiências que

tem vivenciado no âmbito do Programa na Cidade do Rio de Janeiro:

(...) O Programa Minha Casa Minha Vida, tem um papel social grande, mas ainda

não conseguiu atender às necessidades de quem ele deveria se destinar, basta ver a

quantidade de pessoas que vivem em favelas e pagam aluguel caro, o MCMV deveria

atender a esse público.

(...) No caso da cidade do Rio de Janeiro, quando uma pessoa mais pobre consegue

se inserir no Minha Casa Minha Vida, ela consegue lá na Zona Oeste, em lugares

muito longe, mais afastados do centro, em bairros menos infraestruturados, e com

uma particularidade: ainda existe a “milícia”54 que fica lá perturbando, e os

moradores pagando muitas taxas. Em muitos casos tem famílias que até abandonam

as casas e ficam com o nome sujo no CadÚnico da Caixa, e continuam sem moradia.

Foram construídas 30.000 mil unidades na zona norte. Se você entender o programa

pelas estatísticas, quem vai dizer que é ruim com 30.000 unidades habitacionais em

Santa Cruz, Campo Grande e Bangu? É claro que tem experiências aqui no Centro,

aqui no Estácio, que são pessoas que saíram do Morro dos Prazeres, que saíram do

São Carlos e do Morar Carioca. (Entrevistado líder MNLM - 04/09/2015)

Na visão de um dos entrevistados, morador de uma área periférica de Niterói,

o Minha Casa Minha Vida, embora debatido no período das eleições, ainda trata-se

de uma realidade distante.

Ouvi falar muito na televisão do Minha Casa Minha Vida, principalmente no período

da eleição, falaram muito, porém eu já fui cadastrada na assistência social, eu tenho

o CadÚnico, morava numa área de risco no Beltrão, aqui em Niterói, saí de lá no

tempo das enchentes de abril de 2010. Hoje pago aluguel, com o dinheiro de bicos

que faço em faxinas, passo roupa, e vou te falar, nunca me chamaram no Minha Casa

Minha Vida. (Entrevistada moradora 03 Niterói – ocupação 07 de abril-30/08/2015)

c) A dimensão política:

No que diz respeito à dimensão política, está claro, na visão de um dos

entrevistados, ao perceberem a possibilidade de se garantir politicamente nos

municípios, as prefeituras acabam abrindo mão de fazer uma gestão mais adequada

da cidade. Então, segundo a entrevistada,

54 A milícia no Rio de Janeiro é uma organização que, ainda que composta por pessoas comuns, em

sua grande maioria, é composta por policiais afastados de suas atividades militares por mal

comportamento (em muitos casos devido à corrupção), que optam por fazer justiça com base em

critérios próprios. Fazem uso de armas de fogo e cobram valores para oferecer “segurança” às

regiões nas quais atuam.

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Todos os aspectos de política pública ficam em 2º plano, o que interessa para o

prefeito é uma barganha com o objetivo de resultado eleitoral. E resultado eleitoral,

para ele, é ter volume de casas feitas. Tudo que é critério de política pública some

nesse processo. Por exemplo, qual a população que ele vai atender, se existe lista,

ele vai atender a população de onde? Ele não está preocupado com esses aspectos.

Ele abre mão da gestão do déficit habitacional, de tentar atender a demanda dentro

de um padrão de atendimento social. Ele abre mão da política urbana, ele negocia e

barganha de uma forma que desconsidera a política pública no âmbito social e

urbano, o que significa que ele não formula uma lógica de política que seja

estruturadora do território, que aplique o Estatuto da Cidade, que aplique a reforma

urbana, ou seja, ele abandona. Então, respondo a sua pergunta, pois todas as regras

de uma urbanização adequada são absolutamente abandonadas. Quem fica correndo

atrás do prejuízo é o Ministério da Cidade, que, de Brasília, fica orientando os

municípios em alguns aspectos. Um exemplo, não pode mais 300 casas, então a

empreiteira vai lá e constrói cinco condomínios de 300 casas grudados um ao outro,

ou seja, 1500 casas. Outro exemplo, o ministério estabelece que as habitações têm

que ser construídas em área urbanizada, então a prefeitura vota na câmara que a

fazenda de algum familiar de um político que fica a 12 quilômetros de distância da

cidade é expansão urbana. Ou seja, o Ministério da Cidade fica tentando apanhar a

“água que foge entre os dedos”. O MCMV passou a ser uma espécie de um grande

varejo municipal de negociatas municipais. É claro que, às vezes, aparece

possibilidade de fazer habitação para aqueles mais pobres, mas ela vem um tanto

deteriorada pelo conjunto de vários aspectos. (Entrevistado - LabHab/USP-

09/09/2015)

4.3.2. O Minha Casa Minha Vida Entidades

A modalidade Entidades do MCMV, criada em 2009 tem por objetivo

estabelecer as condições para a análise e aprovação das propostas ou projetos de

intervenção recebidas das Entidades Organizadoras, bem como a concessão de

financiamento habitacional às famílias de baixa renda, organizadas sob a forma

coletiva, para viabilizar o acesso à moradia em área urbana, com recursos do Fundo

de Desenvolvimento Social (FDS).

Nessa modalidade, a Entidade Organizadora pode solicitar junto à Secretaria

Nacional de Habitação / MCidades sua habilitação. Com relação aos critérios de

exigibilidade, essenciais para o processo de habilitação, estão a seguir colocados:

a) atividade da entidade por no mínimo 3 anos; b) compatibilidade social entre os

seus objetivos e do Programa; c) experiência na gestão de obras habitacionais

(entendido com gestão e mobilização da demanda, a elaboração de projetos

habitacionais, administração de recursos para moradia ou acompanhamento pós-

ocupação de empreendimentos); d) transparência na gestão da entidade.

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Na modalidade em causa, a Caixa Econômica Federal é responsável pela

orientação da entidade e beneficiários sobre a formulação de propostas, também se

responsabiliza em analisar a proposta sob os aspectos: a) jurídico/cadastral; b) de

engenharia e de trabalho social; c) formalizar e contratar as operações de

financiamento com os beneficiários e liberar os recursos.

Já a entidade organizadora (representada por cooperativas, associações e

entidades da sociedade civil sem fins lucrativos) tem as atribuições de arregimentar,

congregar, organizar e apoiar as famílias no desenvolvimento de cada uma das

etapas dos projetos voltados para a solução dos seus problemas habitacionais, sendo

ainda responsável perante a CEF pela execução da intervenção, juntamente com os

beneficiários e a Comissão de Acompanhamento de Obra (CAO).

No que diz respeito ao público-alvo, trata-se de famílias com renda bruta

limitada a R$ 1.395,00.

Os projetos podem ser apresentados pelas entidades nas seguintes

modalidades:

Aquisição de Terreno e Construção de UH; Doação e Terreno e Construção

de UH; Construção de UH; Aquisição de Gleba Bruta em Condomínio e Construção

de UH; Aquisição de Prédio Comercial ou Residencial em Condomínio para

Reforma e Adaptação para UH. Já, com relação aos regimes de construção, estes

podem ser via autoconstrução, mutirão ou autoajuda, administração direta ou

empreitada global.

Com relação ao valor do financiamento, o mínimo a ser financiado é de R$

6.000 e o máximo é de R$16.740,00. Os usuários podem pagar prestações mensais

de 10% da renda familiar bruta, ou no mínimo R$50,00 por um prazo de 120 meses.

Com relação ao alcance do programa, os dados fornecidos pela Secretaria

Nacional de Habitação do Ministério das Cidades mostraram os seguintes números:

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Quadro 16- Programa Minha Casa Minha Vida fases 01 e 02: modalidade entidades

Fonte: Ministério da Cidade, Secretaria Nacional de Habitação (2015).

4.3.3. Olhares sobre o Minha Casa Minha Vida-Entidades: Dimensões política, econômica e social

Na visão do entrevistado, representante do Lab Hah-Usp, o Minha Casa

Minha Vida Entidades trata-se de um avanço, pois foi o resultado de luta dos

segmentos sociais. porem os desafios futuros estão centrados na tentativa de

ampliação dos recursos, e na tentativa de não perder a perspectiva de e coletividade

a que o Programa se propõe. Então, nas palavras do entrevistado:

(...) De acordo com o balanço realizado em meados desse ano, o MCMV-Entidades,

entre as casas produzidas e contratadas, somou três milhões de unidades. O MCMV-

Entidades contratou 53.000 moradias. Somente cerca de 26.000 desse total já foram

entregues. Do ponto de vista da quantidade produzida, mesmo que o MCMV-

Entidades fosse a maravilha das maravilhas, essa modalidade do Programa

representa uma gota d’agua.

(...) Infelizmente não se trata da maravilha das maravilhas, pois a minoria das

entidades trabalha numa lógica de continuidade de uma política de mutirões,

constroem em pequena escala, com arquitetos engajados, bons projetos

Unidades

Habitacionais

Contratadas (1)

Unidades

Habitacionais

Concluídas (3)

Valor Total

Contratado (R$)

Unidades

Habitacionais

Contratadas (2)

Unidades

Habitacionais

Concluídas (3)

Valor Total

Contratado (R$)

AL 75 75 566.021 200 200 2.285.600

AM 2.010 1.350 14.655.324

BA 560 300 4.197.721 1.830 900 53.175.890

CE 1.760 - 110.880.000

GO 1.693 971 14.997.568 6.000 2.862 116.457.015

MA 456 456 12.139.999 1.119 644 14.624.350

MG 325 325 2.283.520 1.486 664 63.604.451

MS 585 485 4.315.927 1.533 50 79.217.792

MT 100 - 5.599.440

PA 96 - 918.135 1.245 150 10.244.811

PB 165 165 1.289.721 724 724 17.462.935

PE 2.555 1.048 109.769.209

PI 375 275 6.608.729 300 300 345.917

PR 617 524 17.548.497

RJ 248 70 6.579.339

RO 441 - 25.758.211

RR 635 200 15.039.496

RS 768 668 7.820.587 8.192 3.023 96.937.580

SC 21 21 162.376 379 134 15.341.620

SE 2.035 65 82.155.976

SP 2.905 1.533 21.527.900 12.172 2.729 213.575.403

TO 277 127 12.561.213

Total 8.024 5.274 76.828.203 45.858 15.764 1.083.820.068

UF

PMCMV - Fase 1 PMCMV - Fase 2

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arquitetônicos envolvidos, autogestão, participação da comunidade, autoconstrução,

ou gerenciamento ou autogestão da construção.

(...) Dentro do MCMV-Entidades, alguns movimentos de moradia começaram a ter

a mesma prática que a modalidade da empresa. Existem movimentos de moradia

anunciando com muito orgulho que estão construindo 1.500 unidades. Alguns

movimentos de moradia, em quase metade dessa modalidade, vêm-se tornando

empreendedores imobiliários, com a diferença que eles são um pouco melhores por

não serem empresas privadas. (Entrevistado - LabHab/USP-09/09/2015)

Em entrevista ao representante do ConCidades, percebeu-se que, no âmbito

do Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, há uma forte dimensão política,

ao se tratar de um espaço de fortalecimento desses movimentos:

(...) O MCMV-Entidades foi um ganho político importante, já que permite ao

movimento se estruturar. Mas também de construir as moradias com mais alguma

qualidade do que as empresas fazem.

(...) Então, os movimentos sociais estão num contexto de construção de um campo

de resistência e um campo político forte. O interesse de pegar esse processo do início

ao fim, também tem esse recorte político. Pois esse trabalho fortalece os

movimentos, fortalece a pressão junto ao poder público, junto aos políticos.

(...) No Programa MCMV-Entidades, eu percebo que os movimentos sociais que

atuam no Programa, não querem simplesmente entregar chave de casa pra ninguém,

o movimento quer que a família participe de todo o processo. E nesse processo, se

forme cidadãos, e que esses moradores tenham compreensão dos seus direitos, que

entenda esse jogo que é a dualidade que existe na cidade, de quem tem e quem não

tem acesso à cidade. Então, os movimentos sociais estão num contexto de construção

de um campo de resistência e um campo político forte. O interesse de pegar esse

processo do início ao fim, também tem esse recorte político. Pois, esse trabalho

fortalece os movimentos, fortalece a pressão junto ao poder público, junto aos

políticos. (Entrevistado ConCidades-27/08/2015)

No entendimento dos movimentos sociais há uma dificuldade no que diz

respeito ao acesso aos recursos do Programa, já que se trata de recursos limitados.

No caso do MNLM, que já tem experiência na execução dos recursos, sobretudo

porque também atua na ocupação de prédios vazios de regiões centrais, como foi o

caso de uma ocupação no centro da cidade do Rio de Janeiro, tal dificuldade é

retratada nos seguintes termos:

(...) Eu acho que o MCMV-Entidades foi uma migalha, porém como os movimentos

perceberam que não estávamos incluídos no Minha Casa Minha Vida formal, os

movimentos sociais pressionaram o Governo Federal a criar o MCMV-Entidades,

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para que essas entidades trabalhassem com os recursos. Mas a quantidade de recurso

é uma falácia.

(...) Aqui55, hoje vamos mandar 18 pedreiros pra casa sem salário. As vezes

mandamos tudo em dia para a Caixa e o dinheiro não é liberado, “agora a culpa é a

crise e o ajuste fiscal”; O dinheiro do MCMV-Entidades vem do Fundo Nacional de

Desenvolvimento Social (FDS), não vem do fundo de garantia, até deveria vir pois

somos todos trabalhadores.

(...) Dizem assim: é melhor do que nada, mas queremos algo de qualidade.

(...) Aqui trabalhamos com mutirão porque as famílias dão a sua parcela de

contribuição, você imagina quem tiver que fazer uma obra dessas com uma empresa

grande vai parar na justiça, aqui já pagamos muita fatura atrasada. Mesmo com os

recursos do MCMV ainda estamos enfrentando muita dificuldade. Aqui ocupamos o

prédio e pronto, já na Gamboa vamos começar a obra desde a base, imagina a

dificuldade que vamos passar. (Entrevistado líder - MNLM-04/09/2015)

A pessoa entrevistada, que representou o MTST, mencionou que os

movimentos sociais não recebem tratamento igual, e considera que ainda existem

barreiras no acesso aos recursos do referido programa. Veja-se:

(...) Creio que a modalidade Minha Casa Minha Vida-Entidades é uma gota de água

no oceano, se comparado aos recursos para as empreiteiras que atuam no Minha Casa

Minha Vida convencional.

(...) A vantagem dessa modalidade MCMV em relação ao MCMV convencional é

que confere maior autonomia pros movimentos elaborarem projetos, e elaborar

debatendo com a participação da base e fiscalizarem o desenvolvimento desse

projeto. O MTST para cadastrar uma entidade junto à Caixa Econômica Federal teve

que lutar muito.

(...) A modalidade entidades do MCMV foi voltada pra movimentos que

historicamente lutaram pra moradia, especialmente os movimentos que surgiram na

década de 1980, naquele contexto de criação do PT, CUT , MST e alguns

movimentos urbanos. Ou seja, tratam-se de movimentos que têm uma articulação

histórica com o PT e têm assento dentro do Conselho das Cidades, que não é o caso

do MTST, pois se trata de um movimento que tem uma outra trajetória e que

politicamente prefere não participar do ConCidades, então, é uma modalidade

voltada para esse movimentos históricos como CONAN, CNP, MNLM, são

movimentos históricos que em geral já tinham entidades cadastradas ou maiores

possibilidades de cadastrar entidades habilitada e executar esses projetos.

(...) E nós temos uma entidade ligada ao movimento que se chama Associação

Esperança do Novo Milênio. É uma entidade nacional com sede em são Paulo. O

cadastramento dessa entidade, não foi um cadastro burocrático qualquer, o processo

se deu através de ocupação do Ministério das Cidades e do prédio da CAIXA e

travamento de rodovia. O MTST conseguiu ampliar os parâmetros da modalidade do

MCMV-Entidades. E o cadastramento da nossa entidade resultou, por exemplo, os

55 Aqui é uma referência, por parte da pessoa entrevistada, ao local da entrevista. Trata-se da

Ocupação Manuel Congo, cuja ocupação se deu em um prédio, sem uso há mais de 15 anos, na

região da Cinelândia no Centro da Cidade do Rio de Janeiro.

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recursos por unidade habitacional destinados a empreiteiras eram bem maiores que

os destinados a entidades.

(...) Todo esse processo de luta no Ministério da Cidade e na CAIXA resultou na

construção de um modelo de habitação no município de Taboão da Serra. Trata-se

do Condomínio João Candido, são os maiores apartamentos voltados para a faixa 01

do MCMV, e com uma qualidade inquestionável e com técnicas arquitetônicas

alternativas. (Entrevistado líder- MTST -30/08/2015)

Percebe-se nesse ponto que, no Brasil, em relação aos programas

habitacionais para o século XXI, como o caso do MCMV, na concepção de

pesquisadores, membros do controle social da sociedade e de movimentos sociais,

há um consenso de que esta modalidade do Programa se trata de um grande avanço,

nomeadamente por destinar recursos para a habitação de setores mais pobres,

tratando-se também de uma política absorvida pelo peso do retrocesso liberal.

Assim, para os entrevistados, o que passa a ser mais determinante nesse programa

habitacional, acaba sendo muito mais o poder e a liberdade que o mercado ganha

na formulação das políticas públicas.

4.4. Ambiguidades e semelhanças na realidade Portuguesa e Brasileira no limiar do século XXI, no campo da habitação

Na década de 1990, Portugal experimentou um significante período de

investimento público na política de habitação. Tais ações se deram, sobretudo,

através dos programas especiais de realojamento, iniciados em 1993.

O que se observou desde princípios dos anos 2000 é que o investimento

disponível para a provisão direta da habitação diminui de forma significativa.

Porém, os dados oficiais mostraram que o maior montante de recursos destinados à

política nos últimos 30 anos, se deu por parte do oferecimento de crédito bonificado,

para que as famílias resolvessem o problema da habitação através do crédito junto

aos bancos. Esse processo fez com que Portugal criasse um estoque de casas

sobrantes, muitas fechadas sem utilização. Ou seja, existem evidências históricas

da ênfase da privatização de setores antes associados à ação, destacando-se as

contrapartidas oferecidas aos agentes privados. O Estado passou de um agente

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regulador direto para um Estado subsidiário, que incentiva a mercantilização de um

direito fundamental como é o da moradia, dando liberdade ao mercado privado para

ditar as regras do jogo nesta seara.

E para adensar o problema deste quadro, nos últimos quatro anos, num projeto

de maior de contenção financeira a que o País se viu obrigado a fazer, foram

adotadas medidas de diminuição de fomento habitacional. Passou, assim, a imperar

um clima de austeridade em que (até hoje), principalmente, os países do sul da

Europa (Portugal, Espanha, Itália e Grécia), são os que mais têm sofrido em

decorrência da crise econômica iniciada em 2008.

Na década de 1990, com a entrada tardia do Brasil no projeto neoliberal (suas

bases se iniciaram em 1992 e se aprofundaram no período compreendido entre

1994-2002), observou-se que houve, nesse período, um processo de afastamento do

Estado das ações de intervenção nas políticas de infraestrutura, das políticas sociais

e consequentemente da política de habitação. Porém, é no início do século XXI que

a política de habitação retoma a agenda política no Brasil. A partir do discurso

oficial, acreditou-se na possibilidade de um avanço no campo do enfrentamento ao

défice habitacional, bem como na solução dos problemas ligados às más condições

de moradia. O Programa Minha Casa Minha Vida, face ao seu montante de recursos,

tornar-se-á a principal política habitacional social do país, após quase 25 anos de

extinção do BNH (1964-1985).

Diante da crise econômica que mostrou seus primeiros indícios nos anos de

2008 e se desenvolveu nos anos seguintes, o Brasil vai reagir à crise, utilizando-se

de investimentos nas obras de infraestrutura e na política de habitação. Tais

estratégias funcionaram como um pacote anticíclico com a intenção de enfrentar a

crise econômica. Ocorre que, em pleno século XXI, o País ainda possui um grande

déficit habitacional que precisa ser solucionado através de uma política de habitação

mais abrangente. O Governo projeta no Programa Minha Casa Minha Vida uma

solução para o binômio crise econômica/défice habitacional. Em uma avalição do

referido Programa, por parte de movimentos sociais, pesquisadores e representantes

da sociedade civil avaliou-se que no âmbito municipal, o Programa agrada às

prefeituras por adquirir uma função de legitimação política muito forte, mas, ao

mesmo tempo, que construtoras vêem, no referido Programa, a possibilidade de

aumento de ganhos e no faturamento de suas receitas.

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Em Portugal, a partir de 2006, no bojo da elaboração de um Plano Estratégico

Nacional de Habitação, não se previu a construção de novas unidades habitacionais,

devido ao estoque de habitação. A princípio, essa proposta contrariou tanto as

construtoras, que faturam grandes quantidades de dinheiro com as novas

construções, quanto as autarquias municipais, já que parte dos recursos das câmaras

municipais é oriundo do imposto imobiliário, cuja receita é proveniente da

construção nova. O que se percebeu, a partir de entrevistas com gestores e

pesquisadores que elaboraram o documento, é que esse importante instrumento de

gestão urbana foi esquecido pelo Estado central. Porém, esse, também serviu de

inspiração para que municípios idealizassem instrumentos para a gestão social

urbana, como foi o caso de Lisboa.

No Brasil recente (2007-2009), deu-se a elaboração e aprovação do Plano

Nacional de Habitação de Interesse Social (PNHIS), pelo Ministério das Cidades .

Ele não foi implementado na sua íntegra por uma série de motivos. Uma das razões

é que o documento previa a participação dos Movimentos Sociais Urbanos no

processo de implementação da política de habitação social, algo que não ocorreu

com o previsto inicialmente, com exceção de 8% dos recursos do orçamento do

programa MCMV na modalidade Entidades, que prevê a participação dos

movimentos sociais na provisão da política de habitação, com produção de unidades

habitacionais.

Salienta-se que ambos planos dos dois países em estudo preveem a

articulação entre a política da cidade e a política de habitação social.

No que tange ao controle social da política urbana, no Brasil, há a garantia da

participação dos segmentos sociais no controle da política pública de forma

institucionalizada. Ou seja, verifica-se uma independência deste controle da parte

dos partidos políticos, tendo a Constituição de 1988 garantido esse controle e, n

oque respeita ao campo da política urbana, o Estatuto da Cidade detalhou essa

participação (nas esferas federal, estadual e municipal) através dos Conselhos de

Cidades ou através dos Conselhos de Habitação, seja via movimentos sociais

urbanos, seja associação de moradores, ou seja, via entidades que atuam no âmbito

do direito à habitação. Em Portugal, embora não tenha sido objeto de avaliação

desse trabalho, ainda não há um controle social e de participação popular no

controle da política pública institucionalizado como no Brasil, salvo algumas

câmaras que implementam sessões de participação no orçamento público, de que é

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exemplo a Câmara Municipal de Lisboa. Mas, mesmo institucionalizado, o caso

brasileiro só tem resultado a partir de muita disputa e enfrentamento, como

demostrou-se nos depoimentos por parte dos movimentos sociais que representam

a sociedade civil nesses espaços.

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5 “Minha Casa Minha Luta”: movimentos sociais urbanos e formas de resistência em contextos luso-brasileiros em crise

O objetivo desse capítulo é mostrar, nesse momento atual, permeado por uma

crise econômico-financeira com repercussões em escalas globais, quais estratégias

de resistência estão sendo praticadas no âmbito do direito à habitação, por parte dos

movimentos sociais, Este item procura estudar algumas experiências ocorridas na

região metropolitana de Lisboa, em Portugal, e na Região Metropolitana do Rio de

Janeiro. Procura, ainda, mostrar as particularidades da luta pelo direito à moradia

nessas duas realidades urbanas.

Demonstra-se que, de um lado, os movimentos sociais urbanos brasileiros têm

uma longa trajetória de lutas, mas que nesse momento conjuntural intensificam-se

as estratégias de luta em torno do direito à moradia; e, por outro lado, no âmbito da

realidade portuguesa, há o surgimento de novas formas de resistência, nascidas no

bojo dos efeitos da crise atual, mas com objetivo igual ao caso brasileiro: a luta pelo

direito à habitação. O item apresenta ainda, no âmbito da realidade portuguesa, a

realidade daqueles que mais sentem os efeitos da crise.

5.1. As necessidades dos movimentos sociais urbanos

Historicamente o sistema capitalista vem produzindo uma questão urbana

complexa e que encobre a essência de uma realidade perversa e injusta, realidade

essa que exclui a maioria, não permitindo o acesso aos direitos humanos básicos

como a terra, o emprego e a moradia. Durante as várias fases do capitalismo, as

crises geraram mudanças significantes na vida da população mundial. Os

resultados, no âmbito do urbano, sempre foram uma piora nas condições de

moradia, ampliação do número de pessoas que vivem em condições precárias e que

residem em habitações informais com falta de saneamento básico, infraestrutura

inadequada e deficiência na oferta de serviços públicos essenciais.

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Sendo assim, o meio urbano expressa uma série de desigualdades entre as

diferentes grupos sociais da população, com o aval de um Estado que legitima o

esforço do capitalismo em produzir essas desigualdades.

Como defende Singer (1979), a cidade capitalista não tem lugar para os

pobres. A propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda

monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. O

funcionamento normal da economia capitalista não assegura um mínimo de renda

a todos. Antes, pelo contrário, este funcionamento tende a manter uma parte da

força de trabalho em reserva, o que significa que uma parte correspondente da

população não tem meios para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo

urbano. Assim nas palavras do autor,

Essa parte da população acaba morando em lugares em que, por alguma razão, os

direitos da propriedade privada não vigoram: áreas de propriedade pública, terrenos

em inventário, glebas mantidas vazias com fins especulativos, etc., formando as

famosas invasões, favelas, mocambos, etc. Quando os direitos da propriedade

privada se fazem valer de novo, os moradores das áreas em questão são despejados

dramatizando a contradição entre a marginalidade econômica e a organização

capitalista do uso do solo. (Singer, 1979, p. 33)

Cria-se, portanto, uma parte rica da cidade, com boa infraestrutura, com os

condomínios de luxo, os equipamentos sociais (escolas, hospitais, postos de saúde

e lojas de comércio). Já na parte pobre, verifica-se a falta de infraestrutura, pessoas

vivendo em favelas, barracas, bairros de lata, sem saneamento básico, sem serviços

de transporte, com maiores níveis de desemprego e altíssimos índices de violência.

Nos termos de Singer,

Quem estuda um mapa de distribuição dos serviços urbanos de responsabilidade do

Estado no território da cidade verifica facilmente que eles se encontram apenas à

disposição dos moradores de rendimentos elevados ou médios. Quanto menor a

renda da população, tanto mais escassos são os referidos serviços. (Singer, 1979, p.

35)

Um movimento social caracteriza-se, primeiramente, pela capacidade de um

conjunto de agentes das classes dominadas diferenciarem-se dos papéis e funções

através dos quais a classe (ou fração de classe) dominante garante a subordinação e

dependência dessas classes dominadas com relação ao sistema socioeconômico em

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vigor. Nesse sentido, para Lojkine (1981,p. 292) o movimento social só adquire

sentido completo se tiver capacidade de opor-se à classe dominante e ao conjunto

de seu sistema hegemônico.

Para Castells (1983), há movimento social urbano quando há correspondência

entre as contradições estruturais do sistema urbano e uma linha exata de uma

organização formada a partir da cristalização de outras práticas. Nas palavras do

autor,

(...) o papel da organização na formação de um movimento social é o de unir as

diferentes contradições presentes nas combinações estruturais com as quais se

relaciona. O papel da organização para destruir o movimento social é o de desunir

as contradições. (Castells, 1983, p. 388)

(...) Há movimento social urbano quando há correspondência entre as contradições

estruturais do sistema urbano e uma linha exata de uma organização formada a partir

da cristalização de outras práticas. (Castells, 1983, p. 390)

Assim, para o autor supracitado, por movimento social urbano entende-se um

sistema de práticas cujo desenvolvimento tende objetivamente para a transformação

estrutural do sistema urbano, ou para uma modificação substancial da relação de

força na luta de classes, isto é, em última instância, no poder do Estado.

Os movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural

que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas

demandas. Nos termos de Gohn (2003, p.13), na ação concreta, essas formas

adotam diferentes estratégias que variam de simples denúncia, passando pela

pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem

constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.), até as pressões indiretas.

Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes

sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, e utilizam-se muito dos novos

meios de comunicação e informação, como a internet.

De um ponto de vista histórico, os movimentos sociais sempre existiram e

cremos que sempre existirão. Isto porque eles representam forças sociais

organizadas que aglutinam as pessoas não como força-tarefa, de ordem numérica,

mas como campo de atividades e de experimentação social, e essas atividades são

fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais.

Ainda, seguindo o pensamento de Gohn (2013),

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Os movimentos sociais progressistas atuam segundo uma agenda emancipatória,

realizam diagnósticos sobre a realidade social e constroem propostas. Atuando em

redes, articulam ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela

inclusão social. (Gonh, 2013, p. 14)

Em se tratando do problema habitacional, Kowarick (1979) diz que o

problema habitacional, bem como outros elementos básicos para a reprodução da

força de trabalho, terão um encaminhamento na medida em que movimentos

populares urbanos conectados à luta que se opera nas esferas do trabalho puserem

em xeque a forma do domínio tradicionalmente exercido pelo Estado (o autor se

refere ao caso do Brasil), no qual se condensam as contradições de uma sociedade

plena de desigualdades.

Em síntese, as ocupações urbanas são uma das principais facetas da

segregação urbana. Revelam o descaso dos poderes públicos para com a demanda

social por moradia. Sendo assim, tanto em Portugal como no Brasil há movimentos

sociais que se organizam em prol do direito à habitação conforme seguidamente se

discute.

5.2. Formas de resistência em Portugal: a atuação do “Habita - Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade” na região metropolitana de Lisboa

Para elaboração desse item, realizou-se entrevista uma líder associativo, em

16 de dezembro de 2014, na sede do Coletivo Habita, situado na Rua dos Anjos, n°

12F, em Lisboa. As reflexões também se apoiam em observações de campo,

recolhidas durante o estágio doutoral, com destaque para a participação em

palestras na sede do Habita; assembleias de membros do coletivo e moradores;

protestos sociais; e acompanhamento de situações de despejo.

Em setembro de 2014, o Habita-Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade

iniciou o processo de organização do seu estatuto. No entanto, desde 2005 o

coletivo político atua no âmbito das lutas pela concretização do direito à habitação.

As primeiras reuniões, para discutir o direito à habitação, iniciaram-se no âmbito

da Associação Solidariedade Imigrante (uma associação pela defesa dos direitos

dos imigrantes em Portugal, de âmbito nacional e sem fins lucrativos, criada em

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2001). Na ocasião, percebeu-se o grau de vulnerabilidade a que se sujeitava a

comunidade imigrante no acesso à habitação: muitos imigrantes vivendo em

pensões degradadas e habitações autoconstruídas, em anexos; em casas

sobrelotadas; ou sem condições mínimas de salubridade. Os imigrantes estavam

também expostos às demolições de habitações consideradas ilegais pelas autarquias

e a despejos forçados, em muitos municípios da Área Metropolitana de Lisboa (ex.

casos de Loures e Amadora).

Esse grau de vulnerabilidade foi confirmado, de acordo com o estudo

organizado por Malheiros e Fonseca (2011), quando analisam que as dificuldades

de aquisição da casa própria por parte dos estrangeiros é um conjunto de fatores que

se soma à limitação na oferta de habitação para arrendamento, à falta de acesso ao

mercado formal de arrendamento, e à discriminação de base étnica56. Esses fatores

levam os imigrantes recém-chegados a ficarem instalados em alojamentos precários

e em outras formas de alojamentos, sem infraestrutura. Há forte presença de

cidadãos estrangeiros de fora da Europa nesse tipo de habitação, especialmente os

cidadãos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP): Cabo

Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau.

No âmbito do amadurecimento político do coletivo Habita, período

compreendido entre 2005-2010, foi intenso o desenvolvimento de conhecimentos

sobre as questões e os problemas concretos da habitação que muitos enfrentavam,

assistindo-se a uma evolução importante nos processos de organização, de

resistência, mas também de diálogo e negociação, com instituições dos governos

locais e central.

Em 2010, com o aprofundamento dos efeitos da crise econômica,

compreendeu-se claramente que os problemas se voltavam para a habitação, e que

não eram exclusivos da população imigrante, pois se estendiam a outras classes e

grupos sociais. Tendo em vista esse processo de alargamento dos problemas

56 É bom lembrar que o estudo de Malheiros e Fonseca (2011), no que diz respeito à discriminação

de imigrantes, no acesso ao mercado imobiliário, foi enfatizado. Encontra-se no processo

discriminatório em três domínios: a) mercado de aquisição de habitação privada; b) mercado de

arrendamento privado; 3) acesso à habitação pública. (...) Os bancos recusam garantias estrangeiras

e mesmo estrangeiros naturalizados, preferindo “portugueses brancos”. Em relação ao arrendamento

privado, é possível obter vários testemunhos de proprietários que recusam arrendar para imigrantes:

“as mulheres brasileiras parecem ser alvo de uma discriminação específica, porque é assumido que

se tratam de prostitutas que pretendem transformar em bordéis os alojamentos arrendados”.

(MALHEIROS E FONSECA, 2011, p.113).

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relacionados à crise econômica, o grupo entendeu que o trabalho deveria ter

continuidade, mas agora numa lógica mais ampla, não se limitando apenas aos

problemas enfrentados pelas comunidades imigrantes.

No ano de 2011, ocorre uma série de demolições nos vários municípios da

grande Lisboa, dois dos mais significativos foram os do Bairro da Torreno

município de Loures e, em 2012, no Bairro Santa Filomena, no município da

Amadora. O processo de demolições levou a uma série de atuações por parte dos

ativistas, em ações de defesa dos direitos daquelas pessoas que perderam suas casas.

Foi esse processo de mobilização que levou à criação do Coletivo Habita. Nesse

período, observou-se uma acentuada degradação da proteção ao direito à habitação,

do aumento da vulnerabilidade das famílias e do maior risco de despejo devido à

política de austeridade.

Em 19 de setembro de 2014, o coletivo de pessoas que fazem parte do Habita

se reuniu e iniciou o processo de discussão e votação do estatuto que transformou

o Coletivo Habita em Habita – Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade.

O Coletivo tem como fins a defesa, o reconhecimento e a afirmação do direito

à habitação e à cidade, entendidos como segue: a) direito a uma habitação adequada,

enquanto direito humano fundamental para a vivência de todos os direitos

econômicos, sociais, culturais, assim como cívicos e políticos; b) direito à cidade,

enquanto igual acesso e usufruto aos seus vários espaços sociais e à participação

ativa no seu processo de construção; c) o direito à cidade está intimamente ligado

ao direito à habitação e desafia os múltiplos processos de segregação, precarização,

discriminação, vulnerabilização e expulsão que limitam, assim como aos serviços,

equipamentos e espaços das nossas cidades.

Com o objetivo de realizar esses fins, a Habita se propõe às seguintes ações:

a) Defender o direito de todas as pessoas, à habitação e à cidade;

b) Promover o envolvimento das pessoas na defesa do direito à

habitação e à cidade, ao igual acesso e usufruto aos seus vários

espaços sociais e à participação ativa no seu processo de construção;

c) Combater os múltiplos processos de segregação,

precarização, discriminação, vulnerabilização e expulsão que

limitam o direito à habitação, assim como aos serviços,

equipamentos e espaços das nossas cidades;

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d) Defender uma política de habitação e urbanismo

verdadeiramente participada e que combata todas as formas de

especulação imobiliária;

e) Lutar contra a mercadorização do espaço urbano, que tende

a expulsar as pessoas das suas casas e dos seus lugares;

f) Reivindicar uma habitação compatível com os rendimentos

das pessoas, adequada e integrada na cidade, com acesso à

mobilidade, cultura, equipamentos e serviços.

A associação Habita tem como receita a quotização de seus associados e suas

associadas, receitas provenientes de atividades desenvolvidas na associação e

subvenção e donativos, subsídios, heranças, legados ou outras contribuições,

expressamente aceites.

No que diz respeito a outras centralidades enfatizadas nas ações do Habita, o

coletivo procura trabalhar sempre em equipe com as pessoas que o procura,

considera que o apoio às famílias em dificuldade deve ser sempre feito numa lógica

empoderadora e conscientizadora, com incentivo à discussão coletiva, à análise das

causas estruturais dos problemas, desjudicializando a luta, procurando enquadrar

politicamente a questão e as propostas.

O coletivo entende que, no contato com outras famílias com problemas

semelhantes e com o desenvolvimento de mecanismos de ajuda mútua, esse

fortalece cada família afetada no seu processo e influencia os demais, pois ajuda a

retirar o componente da culpa, vergonha e sentimento de fracasso e isolamento,

muitas vezes, associados aos processos de despejo, assim como desenvolve

coletivos fortes e solidários. Portanto, em vez de um “atendimento” individualizado

às famílias, eventualmente de cunho assistencialista, no qual estas, numa postura

passiva, recebem um serviço, pretende-se, sobretudo, que assumam um papel

político na resolução dos seus problemas.

É por isso que o Habita propõe que, de entre as metodologias usadas no

trabalho social, seja de privilegiar o trabalho com as famílias, por meio de

assembleia ou sessão coletiva de atendimento e discussão, em local fixo central e

regular, com a possibilidade destas assembleias realizarem-se de forma

descentralizada nos seus bairros ou zonas de residência, potencializando a

organização de pequenos núcleos territoriais.

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O Coletivo Habita, enquanto coletivo político, está vivenciando de perto os

efeitos da crise econômica, e que, pelas atividades que propõe, se aproximaram

muito das vítimas desse processo. Assim, junto da líder social entrevistada,

procurou-se conhecer melhor como tem sido o diálogo com as instituições públicas

responsáveis pela política de habitação, como por exemplo, o Instituto da Habitação

e da Reabilitação Urbana (IHRU). Neste sentido, veja-se o extrato da entrevista

abaixo

(...) O diálogo com as instituições tem sido diferente conforme os protagonistas.

Quando João Ferrão foi Secretário Nacional do Ordenamento do Território (entre

2005 e 2009), sempre nos recebeu, e sempre esteve muito aberto a conversar conosco

e inclusive tomou medidas concretas para tentar solucionar o que nós colocávamos.

Por exemplo, antes da crise, em 2007 ele propôs a alteração da legislação que

conseguiu incluir as pessoas que ficavam fora da política de realojamento.

(...) A partir do momento em que entrou essa nova gestão do IRHU, desde 2011, nós

fizemos inúmeros pedidos de audiência para discutir a situação das pessoas que

estavam sendo desalojadas, mas nunca fomos recebidos, ou nunca sequer recebemos

uma resposta. Houve uma vez que fizemos uma ação lá exigindo ser recebidos e o

que administração fez foi chamar a polícia, e nós deixamos uma reclamação no Livro

de Reclamações.57

(...) Começamos nossas atividades com o processo de demolição dos bairros

construídos, que é um assunto que está muito relacionado com o poder das câmaras,

com a separação dos poderes as câmaras são órgãos eleitos e têm bastante autonomia,

apesar de achar que o IHRU, uma vez que firmou com as câmaras os contratos

relacionados ao PER (Programa de realojamento) tem total responsabilidade no

assunto e o Estado deve tomar decisão no que se passa. Com relação ao diálogo com

as câmaras, tivemos a Câmara de Cascais com que conseguimos dialogar, tivemos a

Câmara de Loures que de alguma forma conseguimos dialogar, apesar de que

fizemos algumas ações importantes na Câmara de Loures, mas com a Câmara da

Amadora é impossível dialogar desde sempre, e nós começamos a nossa primeira

luta na Amadora. O que não necessariamente tem a ver com o partido, pois a Câmara

da Amadora é do Partido Socialista. (Entrevistada –lider do – Habita -16/12/2014)

Junto da entrevistada observou-se que desde o inicio da nossa em Portugal,

acompanhou-se nos meios de comunicação social, a situação de várias demolições

e despejos em bairros da Área Metropolitana de Lisboa (AML) em onde vivem

pessoas mais pobres, nas cidades. A entrevistada explicou, então, que as demolições

já começaram há bastante tempo, e que o Coletivo Habita iniciou as atividades em

2005 justamente porque estavam a acontecer as demolições, porém, à medida que

57 Livro de reclamações, em Portugal, é de disponibilização obrigatória nos estabelecimentos da

administração pública ou que disponibilize atendimento ao público, no qual os usuários do serviço

ou “utentes” podem registrar queixas.

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o tempo passava, os derrubes das casas foram se tornando mais intensos. Explicou,

ainda, que muitas cidades em torno de Lisboa foram construídas a partir de um

excesso de mão de obra barata, entretanto uma dinâmica iniciada com o êxodo rural

e que depois se foi intensificando com a imigração. Argumentou que, muito embora

tenham trabalhado no País, esses imigrantes, nunca tiveram uma política de

habitação que pudesse incluí-los. Conforme a entrevistada:

(...) Muitas pessoas ficaram fora do Programa Especial de Realojamento (PER),

iniciado em 1993, com o recenseamento. Na realidade, o Programa demorou mais

de 20 anos para ser aplicado, como, por exemplo, para os casos das câmaras

municipais de Amadora e de Loures e, por isso, ainda hoje há demolições e muitas

pessoas são despejadas sem quaisquer alternativas, já que não foram apanhadas no

recenseamento de 1993. Houve novas vagas de imigração, no final da década de

1990, para a construção das pontes das estradas da expo e de todo aquele

investimento que Portugal recebeu naquele período por parte da UE. (Entrevistada

–lider do – Habita -16/12/2014)

Nos termos de Malheiros e Fonseca (2011), em 1986, a entrada de Portugal

na União Europeia (UE), no contexto de um processo de estabilização política e

econômica marcado pelas privatizações e reforço do investimento, significou um

fluxo importante de fundos europeus no País. Grande parte desses fundos foi

investido na criação de infraestruturas, (auto-estradas, pontes, barragens,

remodelação de aeroportos), tendo como consequência o aumento da procura de

operários da construção civil, uma fonte de emprego sobretudo importante para os

imigrantes. Em 1993, haviam 140.000 residentes estrangeiros em situação regular.

Por volta de 1993, Portugal retomou uma conjuntura econômica favorável,

claramente benéfica para a dinâmica de setores como a construção civil, com

grandes projetos: Exposição Internacional de Lisboa (Expo 98), nova ponte sobre o

rio Tejo em Lisboa, Barragem de Alqueva no Alentejo, as linhas do metrô do Porto.

Assim, em 1998 e 1999 surge uma nova fase imigratória, em larga medida,

representada por oriundos do Brasil, Cabo Verde e dos países do Leste,

nomeadamente: Ucrânia, Rússia, Moldávia e Romênia. Essa conjuntura favorável

chegou ao fim em 2002/2003, não sendo possível dissociar este fenômeno da

significativa atenuação no ritmo de crescimento dos níveis de imigrantes a partir de

2004. A população imigrante aumentou de 178.000 pessoas em 1988 para 350.000

em 2001, e quase 450.000 em 2004. No ano de 2009, os imigrante estavam assim

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representados: brasileiros (25,5%); cabo verdianos (10,8%); ucranianos (11,5%);

angolanos (6%); e oriundos de Guiné- Bissau (5%).

Conforme relatou a entrevistada, alguns bairros, em sua maioria formada de

imigrantes, já existem há mais de 40 anos, porém, com o crescimento das cidades,

os mesmos encontram-se localizados atualmente próximos a serviços estratégicos

como a estação de trens urbanos.

(...) Quando construíram suas casas as pessoas viviam em uma zona periférica da

cidade, mas nesse momento aquelas zonas já não são mais tão periféricas, por

exemplo, o Bairro Santa Filomena na Amadora, que é um bairro onde estamos a

lutar, fica muito próximo à estação de comboios, é dos terrenos mais valiosos da

Amadora.

(...) Em Cascais, por exemplo, o Bairro das Marianas é em Carcavelos e está junto

ao mar, também junto à estação de comboios. Ou seja, muito desses bairros que

estiveram em uma zona periférica da cidade mais que hoje em dia estão bem servidos

de transportes de serviços e de cidade e houve uma necessidade de varrer essas

pessoas para uma zona mais periférica ainda novamente. Nas novas modalidades do

PER, por exemplo, varias câmaras optaram por construir as casas em zonas mais

periféricas que as casas se encontravam, uma alternativa foi de novo mandar pra

longe aquela comunidade empobrecida imigrante que estava muito próximo de áreas

urbanas que já eram de interesse econômico.

Só pra deixar claro, os interesses que estão por traz das demolições, o terreno do

Bairro Santa Filomena foi comprado por um fundo de investimento imobiliário do

Banco Milênio BCP, um dos maiores fundo de investimento imobiliário privado de

Portugal, e que vai utilizar o terreno para empreendimentos imobiliários

direcionados para uma classe média alta. Mesmo que continue a crise econômica o

terreno vale mais como ativo financeiro se estiver vazio do que tendo lá pessoas. Ou

seja, as pessoas que estão lá a morar são empecilhos para a mobilidade dos ativos,

para poder ser revendido ou negociado. (Entrevistada –lider do – Habita -

16/12/2014)

Levando em consideração que o Coletivo Habita tem acompanhado de perto

o drama de pessoas que estão sendo desalojadas, arguiu-se junto à entrevistada, para

onde estão indo os desalojados e sobre a existência de alguma alternativa a esses

por parte dos setores públicos. Segundo relatou, as pessoas que ficaram fora do

recenseamento do PER e que no caso do Bairro Santa Filomena, pode chegar a 40%

dos moradores, foi dada pela Câmara a alternativa de pagamento de dois meses de

aluguel, num total de cerca de 600,00 Euros, para que a pessoa pudesse dar entrada

no contrato de arrendamento e pagar um mês de calção e um mês de arrendamento.

Mas, nem isso a Câmara cumpriu, como destacado na fala abaixo:

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(...) As pessoas que ficam fora não são encaminhadas para lado nenhum, muitas

recorrem a familiares, a amigos, a comadres e a familiares distantes para ficar

alojados a dormir na sala da prima.

(...) Em Cascais, temos casos de alguns homens que passaram a viver em carros

abandonados. Em Amadora, existem duas famílias que ocuparam a igreja católica e

que agora estão lá a dormir.

(...) Houve pessoas que alugaram uma casa, como duas mulheres que têm crianças,

trabalham em casa de limpeza ganham entre 300 a 350 euros por mês e, na verdade,

pagam a totalidade daquilo que ganham para o aluguel e depois não têm nem para

pagar a água, nem a luz, nem o transporte, vivem do banco alimentar, vão ao banco

alimentar arrecadar alimentos, fazem uma puxada de água e de luz. Ou seja, cada um

tem feito o que pode, viver em quartos que pode custa 150 ou 190 euros.

(Entrevistada –lider do – Habita -16/12/2014).

A partir do que a líder do Coletivo Habita tem visto em sua experiência

pessoal dentro da entidade, foi ainda perguntado à como são percebidas as

consequências da crise financeiro-econômica, sobre a política de moradia, Segundo

a própria, grande parte da população paga demasiado pelas prestações do

financiamento da habitação e não tem dinheiro para comida na mesa e outras coisas

fundamentais. Relatou que existem pessoas mais pobres que pagam mais de 40%

do seu rendimento em habitação. Essas pessoas, tendo os menores rendimentos, têm

muito pouco para a alimentação, transporte, para o resto, para a vida. “Tenho medo

de chegarmos a uma situação em que as pessoas pagam a casa e depois comem nas

cantinas das pessoas sem abrigo”. Mencionou ainda que observa que as pessoas que

procuram o Habita sempre demonstram um ar de insegurança, em relação ao perigo

de despejo, pois a insegurança causa muita angústia: “e as pessoas fazem tudo para

não ficarem na rua, pois ficar na rua é mesmo o fim da linha”. Nas palavras da

entrevistada:

(...) Existem também pessoas que perdem sua casa para o crédito, e tentam alugar

uma casa, como não dá certo por um série de fatores, tentam voltar para o bairro e

construir uma barraca. Há alguns sítios em que as barracas andam em expansão. Em

Loures, há novas barracas construídas e, em Almada, também há, mas está cada vez

mais difícil construir barracas, já que as câmaras tem policiado e demolido as novas

barracas.

(...) Existem cerca de 700 mil famílias em sobrelotação, que é o mesmo número de

alojamentos vagos, há muitas pessoas a viver em anexos em habitação muito

degradada. As barracas dão mais visibilidade ao problema. O problema pode estar

escondido, mas ele existe. (Entrevistada –lider do – Habita -16/12/2014)

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Perguntada se percebia uma preocupação por parte do Estado, na solução dos

atuais problemas, na visão da entrevistada, a União Europeia (UE) nada tem feito

para solucionar o problema: “ao contrário, a UE, na Holanda, obrigou o Estado a

vender parte da habitação social porque era contra a concorrência com o mercado

que saía prejudicado, a nação foi condenada porque estava prejudicando a

concorrência”. Descreveu que tanto a União Europeia quanto o atual Estado

português entendem que a habitação é da responsabilidade do mercado. Ou seja, a

política pública de habitação não deve ser só construção de novos bairros, mas pode

ser a regulação do mercado de arrendamentos, pode-se buscar casas que estão

vazias, para uso temporário. Podem ser taxação e penalização de casas vazias para

se constituir um fundo de habitação, podem ser subsídios (embora os subsídios

normalmente dêem origem ao inflacionamento dos preços). Sendo assim, se não há

uma política pública de habitação, o número de pessoas, em más condições,

segundo a entrevistada, tenderá a aumentar.

Acerca das dificuldades na organização do público atendido pelo Habita e

quais seriam os novos desafios com o desenrolar da crise econômico-financeira, a

entrevistada salienta que:

(…) as pessoas que melhor mobilizamos são as pessoas afetadas com os despejos

nos bairros, muitos imigrantes, os imigrantes ainda são os mais vulneráveis.

A classe média tem mais dificuldades em assumir isso, mas esta vindo aos poucos

com muita vergonha e com muito sentimento de culpa. (Entrevistada –lider do –

Habita -16/12/2014)

Para a ativista, um dos novos desafios que se tem pela frente é unir as pessoas

que estão sendo vitimizadas de forma diferenciada com as consequências da crise,

ou seja, mesmo se tratando de problemas diferentes, percebe-se que os problemas

estão relacionados e a hipótese é que haja um movimento que possa ligar essas

pessoas. Além disso, será de suma importância juntar uma rede em torno dessa

problemática toda que possa contar com o apoio de núcleos de investigação,

estudantes, sindicatos e outras associações e coletivos de luta. Ao mencionar que o

Coletivo Habita está mobilizando a população para que possam assinar uma petição

pública, a ser discutida na Assembleia da República, que reivindica que a casa na

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qual as pessoas habitam não possa ser penhorada pelas finanças por tratar-se de um

bem essencial, fundamental à vida das pessoas, a entrevistada conclui que:

A nossa frente de trabalho será no sentido de desenvolver atividades entre as famílias

que estão sofrendo despejo, por parte das câmaras; vítimas das demolições; as

famílias do arrendamento social; as famílias do arrendamento privado; e as famílias

atingidas pelo crédito. . (Entrevistada –lider do – Habita -16/12/2014).

Os principais grupos afetados pela atual crise econômico-financeira será tema

do item que se segue.

5.2.1. Sobre a desventura daqueles que precisam de casa em Portugal

Conforme se debateu no 3° capítulo, o conjunto de indicações incluídas nos

documentos que integram o programa de austeridade por parte do Estado português,

obrigou a adoção de medidas de contenção do défice e de controle da dívida pública.

Dentre essas medidas, destacam-se as seguintes:

Redução dos encargos salariais da administração pública e dos sistemas

públicos de pensão;

Redução das despesas de financiamento do Estado e das Prestações

sociais;

Congelamento do investimento público;

Redução das transferências do Estado para o setor empresarial e

racionalização da rede de prestações de serviços públicos;

Redução dos benefícios fiscais;

Aumento das taxas de impostos (diretos e indiretos), criação de sobretaxas

e de impostos extraordinários;

Aceleração dos programas de privatização.

A adoção de um pacote de medidas de austeridade para enfrentar a crise

econômico-financeira criou um conjunto de sequelas para a sociedade nacional,

destacando-se a diminuição do índice de empregoe o agravamento das situações de

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pobreza, sobretudo nas situações de maior vulnerabilidade social, como é o caso da

população idosa.

Essas medidas também estão colocando em cheque o direito à moradia.

A participação em várias atividades, promovidas pela Associação Habita,

durante o estágio doutoral, permitiu vivenciar e perceber, dentre as pessoas que são

as principais vítimas da crise econômico-financeira, a presença de três grupos assim

destacados:

a) Famílias em situação de crédito mal parado

As famílias em situação de “crédito mal parado” são aquelas que deixaram de

pagar o financiamento da moradia aos bancos e estão em situação de inadimplência

ou incumprimento. Realizou-se entrevista com uma moradora da região

metropolitana de Lisboa que se encontrava nessa situação. É importante ressaltar

que são poucas as pessoas dispostas a falar sobre o tema, conforme a fala abaixo:

Olha, vendo a temática do teu trabalho, me deu vontade de dizer coisas, e fiquei com

desejo de falar sobre a situação de endividamento, não é fácil para toda gente falar

sobre o assunto, as pessoas estão constrangidas, têm vergonha ou se sentem culpadas

por falhar a prestação da casa. (Entrevistada usuária do crédito bonificado -

31/12/2014)

A entrevistada relatou que antes de falar sobre a sua situação é importante

deixar claro que o processo de endividamento das famílias foi incentivado pelo

Estado. Veja-se:

(...) eu não conheço profundamente a evolução das políticas de acesso ao crédito,

porém, na década de 1990 houve um acesso ao crédito bonificado, em que as pessoas

tinham acesso facilitado ao crédito.

Fui influenciada por uma cultura que era, se você precisava de casa vá ao banco.

(Entrevistada usuária do crédito bonificado - 31/12/2014)

Na sequência comentou que, especialmente em Lisboa, havia uma política

de arrendamento muito limitada, ressaltando ainda que anteriormente o acesso à

compra de casa era limitado a alguns extratos sociais, mas que a sua generalização

deu-se a partir da década de 1990.

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No quadro da integração europeia, Santos (2014) observa que o processo de

financeirização da economia portuguesa e as debilidades nacionais do Estado

Providência contribuíram para acentuar uma certa individualização na procura de

soluções para a provisão de bens essenciais, como a habitação, vindo seguidamente

a resultar num enorme endividamento dos agregados familiares.

O relatório organizado por Santos (2014) permite observar que o aumento do

endividamento dos portugueses é facilmente identificado com os empréstimos à

habitação, já que compõem a maior parte da dívida contraída pelas famílias junto

aos bancos. Assim, a mesma passou dos 70%, em 1995, para 81%, em 2011, do

total dessa dívida. Outros tipos de crédito às famílias, como, por exemplo, o crédito

ao consumo, também registrou uma evolução positiva, mas não na mesma escala.

Quando a entrevistada foi perguntada se na família somente ela teve

problemas com o crédito mal parado, respondeu que mais familiares tiveram

problemas com o pagamento das prestações:

Eu venho de uma família original da Madeira, uma família bem numerosa, meu pai

tinha 10 irmãos, toda a família veio viver aqui em Lisboa, e é interessante que todos

eles compraram casa. E dois deles tiveram problemas com crédito mal parado.

Dentro da minha família eram os dois com maiores problemas financeiros.

(...) Esses tinham apenas o salário deles, ao ficarem desempregados, ambos tiveram

que voltar para a Madeira e não conseguiram vender a casa.

Quando eu vim pra Lisboa nunca pensei a comprar casa cá, mas eu fui ficando,

comecei a procurar casa no mercado de arrendamento, tudo caríssimo e apartamentos

pequenos, cheguei à conclusão que era melhor comprar. (Entrevistada usuária do

crédito bonificado - 31/12/2014)

Santos (2014, p.34) argumenta que é imprescindível notar o papel das

políticas públicas na promoção do endividamento hipotecário, pois em um quadro

de inexistência de um mercado dinâmico de arrendamento e de uma inércia política

em combater as suas causas históricas, o enorme peso dos empréstimos à habitação

na dívida das famílias é o resultado de uma política pública habitacional

concentrada na promoção da compra de casa própria, por via de incentivos fiscais

(créditos bonificados, regimes fiscais promotores de contas poupança-habitação

etc.) e da redução gradual da provisão direta por parte do Estado, confinada

essencialmente à ação autárquica na gestão dos bairros sociais.

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Com relação aos valores da prestação, a entrevistada começou com uma

prestação de acordo com as suas condições econômicas. Porém, o valor cresceu

muito devido aos juros que não eram fixos, nas palavras da própria:

Eu comecei com uma prestação de 300 e tal euros, quase 400 euros, e de repente a

prestação chegou aos 600 e tal euros, (...) e desses 600 euros eu estava a pagar só

juros, pois funciona assim: você paga uma componente dos juros e da prestação, mas

nos primeiros anos é sempre maior a componente dos juros que da prestação. Tu só

começas a pagar uma parte significante da prestação com longos prazos. Como eu

só pagava os juros e não abatia na prestação houve um agravamento da dívida. Ou

seja, cada vez que passava eu pagava 600 euros de juros e a minha dívida

permanecia”. (Entrevistada usuária do crédito bonificado-31/12/2014)

Quando perguntada sobre alguma tentativa de negociação junto ao banco

verbalizou que, por estar desempregada, encontrava-se em um frágil “estágio

negocial”:

Eu fui uma vez negociar a dívida, eu tinha uma dívida de 35 anos e pedi uma

renegociação para 45 anos e, na prática, eles agravaram os créditos. Eu aumentei o

número de anos e eles agravaram os juros. E estamos em um estágio negocial frágil,

você é obrigado a concordar com as condições do banco. Portanto, torna-se muito

difícil para quem está em situação de incumprimento negociar com o banco. Eu fui

à onda dos acontecimentos, eu fui para a onda do crédito da habitação por que era o

canal mais simples. (Entrevistada usuária do crédito bonificado - 31/12/2014)

Até ao eclodir da crise econômico-financeira58, o endividamento das famílias

portuguesas não oferecia grandes razões para alarme. Conforme mostra Santos

(2014, p.36), foi, portanto, essencialmente a própria crise que colocou em

descoberto a gravidade do endividamento das famílias portuguesas, tornando-as

mais vulneráveis à instabilidade econômico-financeira do País. Com efeito, a rápida

expansão do crédito e o crescimento das taxas de endividamento das famílias ao

longo das últimas décadas, estiveram associados a níveis bastante baixos de

incumprimento. Mas, com a crise, e a consequente quebra do rendimento das

famílias, o “crédito mal parado” disparou nas carteiras dos bancos. A taxa de

incumprimento do crédito de consumo e aquela relacionada aos outros fins foram

58 Bingre do Amaral (2010) considera que o País vive o rescaldo de uma bolha imobiliária cujas

consequências agravaram o endividamento das famílias. O autor recorda, inclusive, que a crise

iniciou-se nos Estados Unidos da América em 2007, tendo por referência a bolha imobiliária, criada

no período antecedente.

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as que registraram o maior crescimento, passando de cerca de 6,7% em 2009, para

12,7% em 2013.

A situação é evidenciada ao recorrer aos dados da Central de

Responsabilidade de Crédito59 do Banco de Portugal, pois conforme refere Pires

para o Jornal Econômico de 12 de maio de 2015, existiam no País 666.350 famílias

em situação de “crédito mal parado”. Neste mesmo artigo, mostrou-se ainda que o

valor máximo foi atingido em junho de 2012, quando 15,6% das famílias

portuguesas, que correspondiam a 708.630 agregados, se encontram em situação de

incumprimento. Desde o início de 2013, e até o 1° semestre de 2014, foram

concluídos mais de 417 mil processos incluídos em Procedimento Extrajudicial de

Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). O crédito vencido na

habitação é um indicador com significativa carga, já que as prestações da casa

tendem a, tradicionalmente, ser a última responsabilidade que a família deixa de

cumprir. Assim, verifica-se que o número de famílias com as prestações da casa em

atraso ronda os 150.971.

No que diz respeito a conhecer pessoas na mesma situação, a entrevistada

contou que conhece um grande número de pessoas, entre familiares, vizinhos e

colegas na universidade: “Conheço várias pessoas na mesma situação que eu, mas

aos bancos privados não interessa dar essas informações, e não interessa por que

isso afeta o prestígio dos bancos, pois ter o crédito mal parado não é bom negócio”.

Na sequência, a entrevistada disse que não interessa aos bancos dramatizar a

situação para não haver uma consciência global do problema. Disse também que a

tendência é ocultar certos dados nos relatórios, já que a maioria dos bancos aposta

em bolsa de valores.

Questionada sobre se tinha medo de perder a casa, ela defendeu que há sempre

o risco de devolver a casa, especialmente em casos em que a casa foi desvalorizada,

pois existem casos em que as pessoas compraram a casa por um preço e o banco

faz uma nova valorização:

Se tu compras uma casa por 70 mil euros, o banco pode fazer uma avaliação e diz a

casa só vale 40 mil euros, mesmo que tu já tenhas pagado em torno de 40 mil euros,

você ainda continuará com uma divida de 30 mil euros, mesmo que o imóvel tenha

59 A Central de Responsabilidade de Crédito é uma base de dados gerida pelo Banco Central de

Portugal.

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sido desvalorizado, tu continuas com a dívida. (Entrevistada usuária do crédito

bonificado - 31/12/2014)

A entrevistada acredita que por parte do poder público há uma conivência

com o processo de endividamento das famílias, já que uma política de habitação

centrada no crédito retira a capacidade pública de intervir sobre a habitação, nas

palavras abaixo:

Aí está um problema social colocado e as pessoas não verbalizam, ficam sem casa,

e com a conivência do Estado Português que sempre deu ao longo desse período

incentivo para os bancos baixarem os juros.

Vamos verificar que hoje uma das áreas lucrativas dos bancos é a área imobiliária,

hoje os bancos fazem leilões das casas que tomaram das pessoas. E estão arrumando

formas de ganhar em cima da crise, pois estão conseguindo recuperar a diferença. E

além dessa questão toda dos bancos, os órgãos públicos não atuam de forma a

garantir o direito à habitação, as câmaras, por exemplo, como o caso de Lisboa,

reformulam leis para aumentarem os valores das arrendas sociais para se equiparar

ao valor das arrendas comerciais. (Entrevistada usuária do crédito bonificado -

31/12/2014)

Em artigo do Jornal Público, Moura (2012) refere-se a uma média de entrega

de 19 casas ao dia pelas famílias por não conseguirem pagar os respectivos créditos,

observando ainda que as autoridades tributárias e aduaneiras alienaram, em 2010,

27.117 casas, sendo que esse número saltou para 28.460, em 2011 e, já em 2012,

para 36.000. E, em 2012, as finanças venderam em torno de 95 casas por dia, tendo

realizado em torno de 12 execuções por hora. Em 2009, foram executados 75.566

imóveis, sendo que em 2011, esse número cresceu para 92.402.

No mesmo artigo é indicado que desde 2003, consoante à Lei que legitima o

papel de “Solicitador de Execução”60, os solicitadores ficam autorizados a realizar

as execuções, tarefa antes apenas reservada aos tribunais. Entretanto, com a

intensificação da crise, verificou-se uma corrida à profissão de agentes de execução.

Esses profissionais passaram a receber honorários por cada ato realizado, e também

comissões, definidas em lei, sobre as dívidas recuperadas.

60 Nos Termos da lei nº 23/2002 de 21 de agosto, a partir de 15 de Setembro de 2003, é confiada aos

solicitadores uma nova especialidade, designada "Solicitador de Execução” e que, licenciado em

solicitadoria ou em direito, exerce o mandato judicial e presta consulta jurídica, sendo obrigatória a

inscrição junto da Câmara dos Solicitadores.

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Após um curso específico, os solicitadores podem tornar-se agentes de

execução, sendo responsáveis por todos os trâmites processuais das execuções, da

citação à penhora de bens, de acordo com o estipulado pela lei. Ainda podem

penhorar salários, créditos e contas bancárias, penhorar e vender bens, fazer acordos

com os executados, acessar aos ficheiros da Segurança Social, pedir o levantamento

do sigilo bancário e fiscal, bem como executar ações de despejo. Podem até, quando

não encontram outra solução, e com autorização do advogado do credor, perdoar

uma dívida. Se as famílias não pagam a prestação do imóvel ao banco, o mesmo

terá de ser leiloado em tribunal, por carta fechada. Na maior parte dos casos, hoje

em dia, é o próprio banco quem compra o imóvel. Somente, não havendo propostas,

avança-se para uma negociação particular, ou se recorre a uma agência imobiliária.

Os processos de execução passaram a ser mais dinâmicos, os agentes deslocam-se

em viaturas próprias e não em carros do serviço público, e inclusivamente podem

ir ter, às 21 horas da noite, à casa das famílias de “crédito mal parado” para cobrar

a dívida.

b) Famílias vítimas de desmoronamento e despejos

Essas situações referem-se às pessoas expostas às demolições das suas

habitações e aos despejos forçados, conforme imposição das autarquias,

destacando-se o caso da Área Metropolitana de Lisboa (AML), na sequência das

casas serem consideradas pelas autarquias como ilegais e/ou estarem em situação

de risco iminente. Todavia, com o agravamento da crise, estas situações tornaram-

se tendencialmente mais graves. Em 2011, por exemplo, reiniciaram-se as

demolições no Bairro da Torre (em Loures) e, em 2012, no Bairro de Santa

Filomena (na Amadora).

No primeiro caso, como mostrado em reportagem do Jornal Correio de

Manhã61, o bairro, encontra-se em processo de demolição desde março de 2011,

altura em que foi ordenada pela Câmara Municipal de Loures a desocupação das

casas. O bairro situava-se em terrenos nas imediações do Aeroporto Internacional

de Lisboa. Porém, em 2009, foi adquirido por um particular, e ainda que nele

vivessem cerca de 1.500 pessoas, sendo grande parte dos residentes naturais de São

61 Moradores do Bairro da Torre exigem novas casas. Lisboa, 17nov. 2011. Disponível em:

<http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/moradores-do-bairro-da-torre-exigem-

novas-casas.html>. Acesso em: 01 out. 2015.

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Tomé e Príncipe, que ali moravam há mais de uma década. Como referido na

reportagem, as famílias do bairro da Torre entraram em pânico ao terem

conhecimento das demolições e ficarem sem uma alternativa habitacional. E na

continuidade do referido artigo é ainda referido por uma manifestante entrevistada

para o jornal que:

(...) estas pessoas não têm quaisquer possibilidades de aceder ao mercado de

habitação, nas condições em que este se encontra hoje. Aquilo que a Câmara de

Loures está a fazer é um crime, pois está a mandar famílias vulneráveis para a rua”,

conforme indicado (Correio da Manhã, 17.11.2011, disponível em:

http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/moradores-do-bairro-da-torre-

exigem-novas-casas.html).

No seguimento da notícia, a Vereadora responsável pela pasta de Coesão

Social e Habitação, mencionou a busca de solução para alguns casos: “Estamos a

recolher documentação e a comprovar os casos de doença", disse a autarca. Quanto

aos restantes casos, ela reiterou que não existe solução, uma vez que não tem direito

a habitação municipal: “Já foi explicado a essas pessoas que não têm direito. Tem

de ter essa consciência”.

Outro caso refere-se a um desmoronamento com grandes repercussões na

mídia em 2012, quando a Câmara Municipal de Amadora iniciou um programa de

despejo e demolições forçadas no Bairro Santa Filomena.

Os terrenos ficam na região central do município, muito próximos à principal

estação de trens suburbanos da Amadora, e atualmente pertence ao fundo Especial

de Investimento Imobiliário da Villa Fundo, gerido pela Interfundos do Banco

Millennium – Banco Comercial Português (BCP). A interfundos é um forte ator

financeiro, constitui uma das maiores sociedades gestores do mercado, tendo os

terrenos sido avaliados em 2012 em 25.210.590,72 euros.

Em reportagem do Jornal Mapa62, que cobriu tais despejos:

Nos últimos anos, as demolições e a violência policial não têm sido novidade em

Santa Filomena. Em 2007, o terreno onde se encontra o bairro foi comprado por um

fundo imobiliário do Millenium-Bcp. A implementação do Programa Especial de

Realojamento (PER) tem sido a justificação apresentada para as demolições. O

programa prevê a erradicação de barracas e o realojamento dos seus moradores, e

62 Disponível em <http://www.jornalmapa.pt/2014/11/25/demolicoes-em-santa-filomena-o-bairro-

da-amadora-voltou-a-ser-alvo-de-demolicoes-e-violencia-policial/>. Acesso em 01 jun.2015.

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embora esteja a ser aplicado atualmente, tem como base uma recensão dos moradores

realizada em 1993. (Jornal Mapa de 25 de novembro de 2014, disponível em:

http://www.jornalmapa.pt/2014/11/25/demolicoes-em-santa-filomena-o-bairro-da-

amadora-voltou-a-ser-alvo-de-demolicoes-e-violencia-policial)

A reportagem diz ainda que, embora os terrenos sejam de propriedade do

Millenium-BCP, as demolições são realizadas por vários funcionários da Câmara

Municipal da Amadora (CMA), escoltados por um enorme aparato policial para

proceder à demolição de habitações, sem qualquer aviso prévio. E a matéria do

periódico completa:

Uma das moradoras, de 70 anos, foi surpreendida às 8h00 da manhã quando a polícia

lhe arrombou a porta de casa e foi de seguida violentamente arrastada pelos cabelos

por um agente da polícia municipal. Não tinha recebido nenhum aviso por escrito e,

nenhum documento lhe foi apresentado. Ainda pediu que lhe dessem 24 horas para

poder tirar as suas coisas de casa, mas não a deixaram. O recheio da casa foi levado

por funcionários da Câmara, incluindo os comprimidos que toma todos os dias.

Estava naquela casa a 37 anos, pagando IMI63, água, eletricidade e esgotos. (Jornal

Mapa de 25 de novembro de 2014, idem)

No período do estágio doutoral, realizou-se uma entrevista com uma ex-

moradora do bairro e que recentemente tinha sido exposta a uma ação de demolição

e despejo forçado pela Câmara Municipal. A entrevistada contou que é portuguesa,

mas que seus pais são originais de Cabo Verde, e até 1985 moravam em uma casa

arrendada, data em que conseguiram comprar o terreno na Amadora e construíram

a casa, via autoconstrução: “já morávamos no bairro Santa Filomena há exatos 30

anos”.

A moradora explicou que em 1993 ocorreu o cadastramento a respeito do

realojamento das pessoas que moravam no bairro, através do PER:

No tempo desse cadastro éramos seis: meus pais, eu e mais três irmãos, mas agora

eu já tenho 31 anos tenho meus três filhos, minha irmã adotiva e ainda tinha meu ex-

marido que está detido, mas eu tenho meu novo companheiro. (Entrevistada vitima

de despejo -31/12/2014)

Por isso solicitou desmembramento da própria família, pois já somam 10

pessoas em uma mesma casa.

63 IMI - Imposto Municipal sobre o Imóvel.

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Contou ainda que, em fevereiro de 2014, uma assistente social da habitação

comunicou a sua família que havia conseguido no Bairro Casal da Mira uma

habitação com quatro compartimentos (T4) disponíveis para realojar a sua família:

“A doutora disse que nós deveríamos ir ter com ela, mas explicamos que o meu

irmão mais novo foi esfaqueado por um rapaz que vive no Casal da Mira. Nós lhe

dissemos que poderíamos ir pra qualquer bairro, menos o Casal da Mira”.

A entrevistada informou, ainda, que a Câmara não respeitou a situação

exposta e o risco que a família poderia correr. A Câmara solicitou, então, que

fossem buscar as chaves, e ao insistir novamente a respeito da situação, a assistente

social disse que enviaria uma resposta à família.

Perguntada sobre a resposta da Câmara, respondeu a moradora:

A resposta foram quatro ou cinco carinhas da polícia. Quando cheguei com a minha

filha da escola, estavam lá um monte de policiais na porta da minha casa com os

funcionários da Câmara, e foi o momento em que eu não pude entrar para pegar as

minhas coisas, os meus documentos. Eu expliquei aos agentes da Câmara e à polícia

que fui levar os meus filhos na escola e precisava entrar, pelo menos, pra tomar

banho, tomar minha medicação e sair depois. Eles me responderam que não era

possível, já que a casa deveria ir a baixo”. (Entrevistada vitima de despejo -

31/12/2014).

A entrevistada disse ainda que pediu para ver o papel da ordem de despejo, já

que sabia “que a polícia, mesmo para entrar em casa, precisa de um papel a dizer

que tal morada tem pedido de captura”. Questionada sobre a resposta dos agentes

da Câmara Municipal a moradora respondeu o seguinte:

(...) me disseram que gente da minha espécie não precisa de papel, estavam a me

tratar com racismo, quando ele vinha com essas piadas eu tentava não responder,

pois logo percebi que eles queriam que eu saísse do sério para me fazerem um saco

de pancadas”. “mesmo que eu não tenha direito a uma casa, aquilo não é forma de

se tratar um ser humano, eu nasci cá em Portugal eu tenho essa cor mais eu nasci cá.

(Entrevistada vitima de despejo -31/12/2014)

Perguntou-se à entrevistada qual alternativa a Câmara Municipal da Amadora

ofereceu após a demolição da casa. E ela resumiu:

Até o momento não foi dada nenhuma alternativa, tivemos que nos dividir para casas

de pessoas conhecidas, os meus filhos já não dormem comigo, porque eles dizem

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que a minha casa foi deitada a baixo e já não querem dormir comigo. (Entrevistada

vitima de despejo -31/12/2014).

A moradora lembrou que na época, a situação da “minha família foi

denunciada na imprensa e no plenário” da Assembleia Nacional pela deputada

Deolinda do Bloco de Esquerda (BE) e que, entretanto, havia pedido uma audiência

com a Câmara da Amadora dizendo que era inadmissível pessoas serem expulsas

das suas casas sem terem direito a pegar os seus pertences, e que “estávamos há

quatro dias com a mesma roupa e que isso não era possível em pleno 2014”.

“Eu juro que estou em desespero (...)”, relatou a entrevistada aos soluços, e

continuou:

(...) estou com a cabeça muito confusa, com a mente muito embaralhada, a câmara

não me deixa pegar as minhas coisas, as minhas mesas e cadeiras que eu servia

almoço ficaram debaixo dos escombros, a cama da minha filha e a minha cama de

madeira, tudo conquistei com muito trabalho. A câmara nunca me ajudou em nada e

nunca recebi nenhum tipo de ajuda do Estado para nada, olha eu ando, ando, ando e

tenho muito a andar pois nenhuma porta ainda se abriu.

Que raio de mundo desenvolvido é esse isso não é um País desenvolvido, eu já fui a

Cabo Verde para ver os meus avós e os portugueses não são tratados assim lá. Meus

pais sempre trabalharam cá há mais de 40 anos, sempre pagaram as finanças e agora

não têm direito a nada. Toda a gente está a dizer que assim que receber uma carta

vão embora, pois não querem passar o que estamos passando. Acho que eles nos

usaram de exemplo pra outras pessoas do bairro”. “Por mais que eu falo, por mais

que eu faço não dá em nada, eu preciso de uma pessoa que pegue na minha mão e

diga vamos ali. (Entrevistada vitima de despejo -31/12/2014)

Em julho de 2012, a Associação Habita64 realizou um inquérito com o

objetivo de obter dados sobre os atingidos por despejos e desmoronamentos no

Bairro Santa Filomena, na Amadora. As informações, colhidas através de

questionários constatou o seguinte: um universo de 84 famílias ficou sem teto,

totalizando 285 pessoas, das quais 105 até aos 18 anos (73 menores de 12 anos),

várias nascidas em Portugal e escolarizadas. Havia 80 pessoas desempregadas, 14

pessoas com invalidez permanente, deficiência ou doença crônica. Constatou-se

ainda a existência de 20 famílias monoparentais, na sua grande maioria chefiada

por mulheres. A média dos rendimentos dessas famílias era muito baixa, situando-

64 Na medida em que luta pelo direito à habitação, a Associação Habita atua como movimento social

urbano. Todavia, esta associação também presta atendimento aos afetados pela crise.

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se entre os 250 e os 300 euros. Metade das famílias vivia há mais de uma década

no bairro, alguns há mais de duas ou três décadas.

c) Famílias que não conseguem pagar o arrendamento das casas

públicas

Conforme o Instituto Nacional de Estatística (INE dados de 2012), existia

algo em torno de 118 mil alojamentos de habitação social localizadas em 268

municípios do País. Mais de metade dos edifícios possuía dois ou mais alojamentos

em torno de 4.8 alojamentos por edifício. Os alojamentos de habitação social

encontravam-se quase exclusivamente (95,5%) ocupados em regime de

arrendamento e cerca de 41% estavam vagos (intervencionados para obras).

Ainda de acordo com o INE (2012), o parque de habitação social gerou uma

receita de cerca de 81 milhões de euros. Por outro lado, registrou-se uma despesa

de 57 milhões de euros com obras, reabilitação e encargos fixos. A renda mensal

praticada no âmbito da habitação social em 2012, independente do tipo de contrato,

foram 60 euros, distinguindo-se a região da Madeira com 71 euros. Oitenta por

cento dessas habitações sociais pertencem aos municípios, sendo que a outra parte

pertence ao IHRU65 e outras entidades proprietárias e gestoras de habitação social.

Em Portugal, as famílias que vivem em uma casa pública, sob regime de

arrendamento, são geralmente famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade.

Para terem direito à habitação social é preciso comprovar a sua situação de

vulnerabilidade econômica, tratando-se de um público com muitas situações de

65 Essa situação ilustra o que diz respeito ao patrimônio de arrendamento social que pertence ao

Estado Central. Em 2008, o diagnóstico realizado para elaboração do Plano Estratégico Nacional de

Habitação mostra que o patrimônio pertencente ao IHRU está com rendas desatualizadas, para além

de ser um patrimônio degradado. Até 2008, esse patrimônio estava constituído de 12.549 imóveis e

não se encontram em todas as zonas do País, já que praticamente concentrado em cinco distritos

respectivamente: Setúbal com 3.912, Lisboa com 2.592, Porto com 2024, Braga com 1.338, Aveiro

com 820 alojamentos; sendo que algumas cidades contam com muito menos, como é o caso de

Coimbra com apenas 49 unidades. A idade média das casas na posse do IRHU é relativamente

elevada, mas depende, sobretudo, dos empreendimentos. Em termos médios o Distrito do Porto

apresenta uma idade média mais elevada, cerca de 30 anos, sendo o município de Guarda com uma

idade menor, cerca de 21 anos. As rendas médias são baixas e desiguais ao longo das várias regiões.

Assim, o Distrito de Coimbra regista o valor mais alto, pagando os inquilinos uma renda média de

cerca de 93 euros pela habitação social em situação de arrendamento. Do lado oposto, encontra-se

o Distrito de Vila Real que regista o valor médio mais baixo. A população de Vila Real paga em

média uma renda atual de 21 euros. Fonte: IHRU (2007).

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desemprego e que não consegue arrendar um imóvel no mercado livre. No ano de

2015, a situação dessas famílias se agravou por conta do aumento do preço do

aluguel mensal em decorrência da recente aprovação da nova lei de renda apoiada

(81/2014)66 e que prevê o seguinte: as pessoas só podem residir por 10 anos em

situação de habitação social, o contrato deve ser renovado de dois em dois anos e,

caso estejam a pagar a renda máxima durante três anos, serão convidadas a sair,

sendo que o despejo não mais tramita com recurso à justiça, já que a decisão passou

a ser diretamente tomada por parte da entidade locadora, nomeadamente as

Câmaras Municipais e o IHRU.

Ainda de acordo com a nova lei, as famílias não podem receber um familiar

por mais de um mês sem a autorização prévia, sendo que o desrespeito a essa norma

poderá dar lugar ao despejo. Essa lei prevê uma transição para o Novo Regime de

Arrendamento Urbano (NRAU), até 2017, período em que as rendas serão

aumentadas para um valor máximo correspondente a 1/15 do valor patrimonial

tributário do locado.

A nova legislação prevê despejos administrativos, caso a casa seja

desocupada por, pelo menos, seis meses, como, por exemplo, um caso de

internamento, situação que preocupa a famílias de idosos que vivem somente nas

casas. Outro despejo previsto é em caso de falta de pagamento quando há litígio

com as empresas gestores do bairro.

Em entrevista realizada com uma líder da Associação Habita, a respeito da

nova lei, foi referido que as pessoas mais simples estão sujeitas a todo tipo de regras

e de escrutínio da sua vida, desde pedir autorização para hospedar visitas ou um

familiar, até a ter os rendimentos escrutinados à exaustão, e as falsas declarações,

essas são mencionadas na lei inúmeras vezes, assim como as pesadas sanções. Há

um clima de vigilância e de punição na proposta da renda apoiada apresentada

que só pode decorrer do preconceito.

Ainda nas palavras da entrevistada:

Essas pessoas que vivem do subsídio social, passam a ser cidadãos e cidadãs de

segunda. E em caso de despejo, ficam totalmente sob a responsabilidade das

66 Lei 81 de 19 de dezembro de 2014 e que estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para

habitação.

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entidades que administram o parque habitacional e não da justiça independente. Ou

seja, são os senhorios que avaliam e procedem com o despejo em conjunto com a

polícia (como escrito no art.º 28)67. Como se essas pessoas não tivessem direito à

justiça, a princípio, como seria para todas as pessoas.

O problema é também o preconceito com que se legisla para quem vive em habitação

de promoção pública, que é a exceção e associada ao estigma, quando devia ser a

normalidade, de qualidade, em cidades feitas pelas pessoas e para elas. (Entrevistada

–lider do – Habita -16/12/2014)

Em se tratando da reação dos moradores a respeito da nova legislação, no ano

de 2015, duas ações de protesto foram realizadas. Tais atos públicos foram

liderados por meio do Instituto de Apoio aos Bairros Sociais (IBS). O primeiro

protesto ocorreu em 17 de março de 2015 e foi realizado em frente da Assembleia

da República e o mais recente, em 29 de setembro, em frente ao Instituto de

Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).

Cartazes com as frases como, por exemplo: “se pago a renda não como”, “casa

sim, barracas não”, “rendas a subir e casas a cair”, “a renda ou a vida”, foram

comuns durante as manifestações lideradas por Daniela Serralha, presidente da

entidade, que articulou em Lisboa a presença de moradores de cerca de 30 bairros

sociais, vindos de ônibus de norte a sul do País. Além dos moradores da região

metropolitana de Lisboa, o protesto também contou com moradores de Guimarães,

Barcelos, Almada e Setúbal.

Como contou a líder social Daniela Serralha, em reportagem da Agência Lusa

(de 29 de setembro de 2015)68, um dos motivos das manifestações é que há muitos

anos o IHRU não faz obras nos bairros sociais e estes estão degradados, e mesmo

assim estão elevando o índice de reajuste dos aluguéis sociais. Levando em conta

que muitas rendas não foram atualizadas por décadas, a líder compreende que seja

necessária uma revisão, porém entende que os aumentos pegaram as pessoas de

surpresa. Os aumentos seguem em contra ciclo com a queda do valor das reformas

(aposentadorias) e dos salários e com o aumento do desemprego. Conforme

comenta a líder social, “temos pessoas que recebem reformas de 300 euros e com

67 Lei 81/2014 - Do despejo, art. 28, 1 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de

desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma, referida no n.º 1 do artigo 2.º,

cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as

autoridades policiais competentes. 68 Moradores protestam contra a renda apoiada. 29 de set. 2015. Disponível em:

http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/protesto/moradores-protestam-em-lisboa-contra-lei-da-renda-

apoiada. Acesso em: 20 de out. 2015.

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rendas a aumentar em 250 euros, com 50 euros não conseguem comprar

medicamentos, não conseguem viver”.

Como argumentou a presidente do IBS no referido artigo, a lei determina o

valor a pagar com base nos rendimentos brutos e não nos líquidos dos arrendatários.

E para piorar a situação, a lei não leva em conta os idosos que convivem com

doenças crônicas e despesas constantes com medicamentos.

5.3. As formas de resistência urbana no Brasil: as experiências do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

No Brasil, e em vários outros países da América Latina, no final da década de

1970 e parte dos anos 1980, ficaram famosos os movimentos sociais populares

articulados por grupos de oposição ao então regime militar, especialmente pelos

movimentos de base cristã, sob a inspiração da Teologia da Libertação. Segundo

Gohn (2003, p. 19), ao final dos anos de 1980, e ao longo dos anos de 1990, o

cenário sociopolítico transformou-se radicalmente. Inicialmente, houve um

declínio das manifestações nas ruas que conferiram visibilidade aos movimentos

sociais populares nas cidades. Ainda nos termos da autora, alguns analistas

diagnosticaram que eles estavam em crise porque haviam perdido seu alvo e

inimigo principal – o regime militar. Na realidade, as causas da desmobilização são

várias. O fato inegável é que os movimentos sociais dos anos 1970 e 1980

contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista

de vários direitos sociais novos, que foram inscritos na nova Constituição brasileira

de 1988.

Para Gohn (2003), a partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas

de organização popular, mais institucionalizadas, como a organização de Fóruns

Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana, Fórum Nacional de

Participação Popular etc. A criação de uma Central dos Movimentos Populares foi

outro fato marcante nos anos 1990, no plano organizativo. Ela estruturou vários

movimentos populares em nível nacional, tais como a luta pela moradia, assim

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como buscou fazer uma articulação e criou colaborações entre diferentes tipos de

movimentos sociais, populares e não populares.

As Organizações Não Governamentais (ONGs) passaram a ter muito mais

importância nos anos de 1990 que os próprios movimentos sociais. Conforme Gonh

(2003), tratam-se de ONGs diferentes das que atuavam nos anos de 1980 junto com

os movimentos populares. Agora são ONGs inscritas no universo do Terceiro Setor,

voltadas para a execução de políticas de parceria entre o poder público e a

sociedade, atuando em áreas nas quais a prestação de serviços sociais é carente ou

até mesmo ausente.

Em relação aos movimentos populares propriamente ditos, e aqueles que nos

anos de 1970/1980 foram tão importantes, estimulados pela Teologia da Libertação:

O que houve com eles? Mudaram de perfil? Desapareceram?

Gohn (2003, p. 23) julga que não. A autora explica que eles sempre foram

heterogêneos em termos de temáticas e demandas. O que unifica o universo de suas

demandas são as carências socioeconômicas. Eles criaram e desenvolveram, nos

anos de 1990, redes com outros sujeitos sociais, assim como redes dentro dos

próprios movimentos populares propriamente ditos, destacando os movimentos que

atuam na questão da moradia.

Segundo Gonh, dentre os movimentos populares urbanos, a luta pela moradia

continuou a ter centralidade como a luta popular mais organizada, assim nas

palavras da autora:

Uma parte dela tornou-se bastante institucionalizada, atuando no plano jurídico, via

suas assessorias, obtendo conquistas importantes, como o Estatuto da Cidade.

Outra parte migrou com suas assessorias para as ONGs, participando de projetos

institucionais, tais como as cooperativas de ajuda mútua e autogestão, assim como

várias alas do movimento de favelas, que passaram a ter projetos de urbanização,

remoção ou transferência para projetos do poder público. Esses últimos casos

geraram movimentos de associações de moradores locais.

Uma terceira parte inovou suas práticas seguindo o modelo do movimento popular

rural: realizando ocupações, não mais de áreas vazias, cada vez mais escassas e

distantes dos grandes centros urbanos, mas ocupando prédios públicos e privados,

ociosos ou abandonados, nas áreas centrais das grandes cidades. Inicialmente, eles

criaram fatos políticos novos e, ao mesmo tempo, novos cortiços nas áreas centrais.

Mas a pressão contínua fez com que, progressivamente, fossem elaboradas políticas

públicas para regularizar essas ocupações, a exemplo do plano de recuperação da

região central de São Paulo, e os planos urbanísticos e de regularização da posse para

os imóveis ocupados. (Gonh, 2003, p. 24-25)

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Dando sequência a análise da autora, o que se observa é que o perfil dos

movimentos sociais se alterou na virada do novo milênio porque a conjuntura

política mudou; eles redefiniram-se em função dessas mudanças. Mas eles foram

também co-artífices dessa nova conjuntura, pelo que ele continha de positivo, em

termos de conquista de novos direitos sociais, resultado das pressões e mobilizações

que eles – movimentos – realizaram nos anos de 1980. Mas, os movimentos foram

também vítimas dessa conjuntura que, por meio de políticas neoliberais, buscou

desorganizar e enfraquecer os setores organizados. Por isso, ao longo dos anos de

1990, os movimentos sociais em geral, e os populares em especial, tiveram que

abandonar algumas posturas e adotaram posições mais ativas/propositivas.

Passaram a atuar em rede e em parceria com outros atores sociais, dentro dos

marcos da institucionalidade existente e não mais à margem, de costas para o

Estado, somente no interior da sociedade civil, como no período anterior, fase do

regime militar.

Desde os anos 1990 a questão social no Brasil só agravou, e as respostas dadas

pelo Estado têm sido pautadas na lógica da repressão, ou do clientelismo. O

Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e o Movimento dos

Trabalhadores Sem Teto (MTST) são movimentos provenientes da questão urbana

brasileira. Esses movimentos se identificam com aquilo que Gohn define como

“movimentos progressistas”, quais sejam aqueles que atuam, segundo uma agenda

emancipatória, realizando diagnósticos sobre a realidade local e construindo

propostas, com vistas a articular ações coletivas, que atuem como resistência a

exclusão e lutem pela inclusão social. Os itens a seguir mostram experiências

relacionadas às ações dos movimentos mencionados.

5.3.1. Sobre a experiência da Ocupação Manuel Congo, na cidade do Rio de Janeiro pelo Movimento Nacional de Luta Pela Moradia- MNLM

O MNLM surgiu em 1990, numa conjuntura de implementação de uma

agenda neoliberal no Brasil, período em que se tornou evidente e aguda as

desigualdades sociais no espaço urbano e a ampliação dos conflitos.

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O movimento foi fundado com representantes de 13 estados, reunidos em

Belo Horizonte, em julho de 1990, durante o I Encontro Nacional de Unificação

dos Movimentos pela Moradia.

O movimento construiu, no decorrer dos anos, uma série de lutas e atividades

em prol do conjunto de bandeiras específicas, que articuladas69, conformam a

proposta da Reforma Urbana. O MNLM assumiu como práxis de luta e pressão as

ocupações de áreas urbanas e de prédios abandonados, sejam públicos ou privados.

No Rio de Janeiro, uma das ocupações foi a de Manuel Congo e que surgiu no dia

01 de outubro de 2007.

Realizou-se, em setembro de 2015, entrevista com umas das líderes do

MNLM do Rio de Janeiro com o objetivo de conhecer as circunstâncias históricas

que levaram à ocupação de Manuel Congo. A entrevistada relatou que o MNLM já

atua há mais de 25 anos no Brasil e de lá para cá atuou em várias frentes de criação

de política pública, como é o caso da participação no Conselho da Cidade:

Nós atuamos na criação do Estatuto da Cidade. Aqui no Rio de Janeiro, uma das

primeiras ocupações se deu em São Gonçalo e aqui na Ocupação Manuel Congo

estamos desde 2007, mas, antes nós já estamos há dois anos mobilizando e

organizando o povo para ocupar e fazendo a nossas plenárias, nossas reuniões, em

torno da discussão do direito a cidade. (Entrevistado líder MNLM-04/09/2015)

Quando perguntada sobre o balanço das ocupações realizadas em todo estado

do Rio de Janeiro, a entrevistada verbalizou que já se somam quatro ocupações,

estando distribuídas da seguinte forma: na cidade de Duque de Caxias, na

Presidente Kenedy, chama-se “Solano Trindade”, são 40 famílias; na cidade de

Volta Redonda a ocupação chama-se “09 de novembro”, no bairro Santo Agostinho,

78 famílias; na cidade do Rio de Janeiro, uma das nossas ocupações fica na região

da Gamboa, “Mariana Criolo”, com 60 famílias; e aqui, na Cinelândia, a ocupação

chama-se “Manuel Congo”, com 48 famílias.

69 De forma planejada e construindo as ações coletivamente as estratégias de ocupações do MNLM

passam pelo seguinte planejamento: fazer um levantamento do imóvel (topográfico e procedência);

cadastrar os futuros ocupantes; fazer reuniões preparatórias; definir horário único de entrada na área;

garantir o transporte do material de infraestrutura e dos ocupantes; fazer o registro da ocupação

(fotos, filmagens, relatórios); fazer uma atividade cultural ou religiosa simultânea a entrada na área.

Fonte: Sítio do MNLM: Disponível em: < http://mnlmrj.blogspot.com.br>.

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Quanto a como ocorreu a ocupação Manuel Congo, relatou que no dia 01 de

outubro de 2007, considerada como a data em que se comemora o dia Internacional

do Habitat, ocuparam o prédio do Cine Vitória, no centro do Rio de Janeiro, onde

está a Livraria Cultura atualmente. Segundo ela, “aquilo ali era um prédio velho

antigo e abandonado”. Relatou que ficaram no edifício do Cine Vitória por 8 dias,

com 100 famílias: “foi uma boa experiência, pois depois de 30 anos, nós reabrimos

o Cine Vitória, fizemos uma programação no domingo, dia 07 de outubro, com a

abertura do cinema que, á época, exibiu o filme Globalização de Milton Santos70”.

Nesse percurso, relatou que fizeram manifestação na Secretaria de Habitação, e,

logo em seguida, ocuparam o quilombo da guerreira, na Gamboa, somente depois

vieram e ocuparam o atual prédio no qual se encontra a Ocupação Manuel Congo,

desde 2007.

(...) Esse espaço aqui era um prédio do INSS, que estava abandonado há mais de 18

anos, sem utilidade nenhuma. Existe um restaurante de propriedade particular no 1º

andar, que hoje funciona no térreo e inviabilizou toda a parte da rede de esgoto do

edifício. Tanto que estamos morando todo esse tempo aqui e utilizando apenas os

banheiros do outro lado. Somente agora vai melhorar com o prédio em reforma.

(...) Ficamos em resistência aqui dentro, durante oito dias, com algumas articulações

do lado de fora, que é muito importante na ocupação, e tentamos negociar em

Brasília para que o Ministério das Cidades comprasse esse prédio para os moradores,

e nós conseguimos o recurso para comprar o prédio do INSS, porém o prédio

pertencia ao fundo dos servidores do INSS.

(...) Somente em 2013 é que nos inserimos na categoria MCMV-Entidades, período

em que assinamos o contrato. Depois passamos a ser os gestores da verba através da

nossa entidade. É uma instituição jurídica que se chama “Associação de Apoio à

Moradia”, atualmente funciona aqui mesmo no edifício. (Entrevistado líder MNLM-

04/09/2015)

Buscou-se saber, sob o parecer da líder do MNLM, se ao ocupar o edifício,

houve algum preconceito por parte da população vizinha: “Todo dia e toda hora,

muito preconceito”. Contou ainda que a Câmara dos Vereadores, que é a vizinha

do prédio ocupado, estava a todo tempo publicando matérias chamando-os de

“invasores” para amedrontá-los. Ainda nas palavras da entrevistada,

70 Filme documentário Encontro com Milton Santos – o mundo global visto do lado de cá, do

cineasta Sílvio Tendler, lançado em 2006, que discute os problemas da globalização sob a ótica das

periferias.

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(...) Os vizinhos também falavam: “daqui a pouco esses invasores vão sair”, “isso ai

vai virar uma favela”.

(...) Mas quando o tempo foi passando, começamos a fazer atividade cultural na rua,

fazíamos plenária na rua, várias assembleias, fizemos festa junina, fizemos festa de

Natal pra todo mundo na praça. Em 2013, no período das grandes manifestações,

todos nós saímos daqui com sua bandeira de forma organizada, aí eles foram vendo

a nossa característica e finalmente perceberam que estávamos organizados.

(...) O próprio Raimundo do botequim falava: (...) Ah! Ah! Ah! daqui a pouco vocês

estão todos na rua. Mas, só depois que o Ministério das Cidades colocou a placa que

indicava recursos do Minha Casa Minha Vida Entidades é que passamos a ser

respeitados pelos comerciantes. Eles sabem que não vamos sair daqui. (Entrevistado

líder MNLM-04/09/2015)

Percebe-se que a palavra “invasão” é bastante utilizada por políticos e por

alguns segmentos médios da população que desconhecem a ação dos movimentos

sociais urbanos, e até mesmo pela imprensa a expressão é recorrentemente utilizada,

o termo remete a uma noção de entrada deslegitimada e violenta em alguma área.

Conforme referencia Santos (2008),

Os participantes dos movimentos populares se autodenominam ocupantes e não

invasores. A diferença não é simplesmente semântica. No uso do termo invasão estão

implícitas a ilegalidade e a violência da ação: invadir a privacidade ou a propriedade

de outrem. Trata-se de uma ação ilegítima. O termo ocupação relaciona-se à

conquista de um direito: ocupa-se o que é de direito. Aquilo que em algum momento,

do passado ou do presente, foi usurpado de um grupo ou classe social, mesmo que

não tenha sido “diretamente” usurpado. Mas a desigualdade social, que também

significa desigualdade de oportunidades, a exploração e a espoliação urbana

impediram que esses cidadãos mais pobres tivessem acesso à propriedade da terra

ou á moradia. (Santos, 2008, p.132)

A entrevistada lembrou que, em 2012, instalaram uma placa, já que foram

selecionados para o projeto “Agente quer Trabalho Moradia & Arte”, que é um

projeto com recursos da Petrobrás, destinado para a capacitação dos moradores:

Entendemos que não se fica em um prédio sem sustentabilidade. Hoje temos a

proposta de montar um restaurante no térreo, seria nosso espaço de trabalho e renda.

Ele vai ser nosso carro-chefe para manter a ocupação. (Entrevistado líder MNLM-

04/09/2015)

No que toca ao perfil dos ocupantes, conforme relatou a entrevistada, a

ocupação possui em torno de 120 moradores distribuídos entre 48 famílias, sendo

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que grande parte das rendas dessas famílias vem da figura masculina. Essas

famílias, em sua maioria, possuem baixa remuneração, porém estão inseridas no

mercado de trabalho formal. Veja-se o seguinte extrato do depoimento:

A maioria predominante dos ocupados são oriundos da cidade do Rio de Janeiro

(muita gente que morava de aluguel, moradores de favela, vêm do Caju, Anchieta,

Cantagalo, Pavão Pavãozinho, Chapéu Mangueira Babilônia). Porém, existem

algumas famílias aqui que são originais do norte e nordeste do País, sendo oriundas

do Maranhão, Ceará, Piauí. Que moram aqui há muitos anos e nunca conseguiram

comprar casa própria, e sempre pagaram aluguel. (Entrevistado líder MNLM-

04/09/2015)

Observou-se que a ocupação tem muitas crianças e mulheres, no caso dessa

última, exercem um papel importante no movimento, assim, arguiu-se a respeito da

contribuição das mulheres para o MNLM. De acordo com a entrevistada, quando

fazem mobilização para ocupar, 90% dos ocupantes são mulheres. Disse ainda: “na

minha experiência dentro do MNLM, as mulheres tomam a frente dos movimentos

populares, principalmente para a questão da habitação”. Relatou também que a carta

de princípios, existente no movimento, trabalha muitas questões relacionadas aos

direitos das minorias de forma geral. Assim, sobre mulheres e crianças,

(...) A nossa carta de princípios, é sempre debatida dentro das nossas dinâmicas, e

um dos eixos trata exatamente da questão da violência doméstica, e também da

garantia dos direitos das minorias.

(...) Aqui nós já perdemos homens agressores no movimento, botamos pra fora

mesmo.

(...) Outro trabalho importante de politização é feito com as crianças, pois

trabalhamos muito a questão da reforma urbana e o direito à cidade, você pode

perguntar que elas falam. Já nasceram e foram se criando aqui. (Entrevistado líder

MNLM-04/09/2015).

No que respeita ao diálogo com as diferentes esferas de governo, conforme a

avaliação da líder militante, há uma facilidade de conversa muito grande com o

Ministério das Cidades e demais órgãos do Governo Federal. A mesma avalia que

tal facilidade se dá por razão do MNLM atuar com representação dentro do

ConCidades, discutindo a reforma urbana a todo tempo. Referente à Caixa

Econômica Federal (CEF – também com o nome Caixa), crê-se que é a primeira

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vez que lida com um processo que atende entidades. “CAIXA é um banco e está

acostumado a lidar com as empreiteiras, estas têm dinheiro, já nós, as entidades,

não temos capital de giro, trabalhamos apenas com a cara e a coragem”. No que se

trata do governo municipal, relatou a entrevistada:

(...) Com o Prefeito do Rio de Janeiro, sempre tivemos dificuldades, estamos há seis

anos tentando aprovar a licença de obras para outra ocupação, na região da Gamboa.

O município não tem Conselho Municipal de Cidades, mas existe o Conselho

Municipal de Planejamento e Urbanismo. A maioria dos membros é de sindicatos

patronais, os movimentos populares não estão presentes. Estamos indo pra 7ª

Conferência e ainda não conseguimos montar um Conselho Municipal das Cidades.

(Entrevistado líder MNLM-04/09/2015)

Realizou-se uma entrevista com uma moradora da ocupação e observou-se

que a principal motivação para a inserção no MNLM, por parte dos ocupantes, foi

a procura de acesso à moradia próxima ao local de trabalho.

(...) Eu vim junto com a ocupação, foi muito positivo o processo, minha participação

no movimento me deixou com a cabeça mais aberta para o mundo, pois acabo

discutindo as questões da cidade.

(...) Já moro no Rio há 16 anos, e sempre paguei aluguel. No Rio é muito caro o

aluguel, eu tenho uma colega que mora no Caju que paga 700 reais de aluguel, ela

trabalha de atendente e recebe salário de R$ 850,00 e é difícil, pois ela tem 2 filhos,

e recentemente o marido ficou desempregado. (Entrevistada moradora - Ocupação

Manuel Congo-304/09/2015).

O que se observa é a enorme segregação espacial da cidade, no seu processo

de urbanização. Esse processo de periferização dos pobres é acentuado nos últimos

anos, sobretudo pelo capital financeiro e imobiliário. Conclui-se esse item fazendo

uso das referências de Abreu (2006) sobre a atual estrutura metropolitana do Rio de

Janeiro, onde o autor considera que nada mais é que a expressão mais acabada de

um processo de estratificação social que se vem desenvolvendo ha bastante tempo,

mesmo que de forma descontinua. Nesse processo,

O Estado teve um papel dos mais importantes, pois esteve quase sempre associado à

classe dominante, refletindo, por conseguinte, o seu interesse, e garantindo ao

máximo a rentabilidade de seus investimentos. (Abreu, 2006, p. 145)

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5.3.2. Sobre a experiência de ocupação “07 de abril” na cidade de Niterói pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

5.3.2.1. Notas sobre a memória do MTST

De acordo com Goulart (2014), o embrião da construção do MTST ocorre no

interior do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e se acentua

durante a Marcha Popular Nacional de 1997, que passou por várias cidades, com o

intuito de estabelecer vínculos mais organizativos entre os movimentos do campo

e da cidade. No município de Campinas, no estado de São Paulo, militantes do MST

estreitaram laços com militantes vindos de movimentos urbanos. Esta aproximação

gerou um grupo que passou a investigar os problemas sociais urbanos, como foco

de ação diferente do campo: com outras motivações, organização e estratégias. Com

a participação de alguns militantes do MST, ocorre uma ocupação de terreno em

Campinas, conhecida como Parque Oziel. É aí que ocorre a primeira experiência de

ocupação na cidade, ainda com traços da organização gestada pelo movimento

rural.

A partir do ano de 2000, o movimento já tinha uma base social clara: a

população pobre das periferias das grandes e médias cidades, e um projeto político

de transformação social, a partir da reivindicação por moradia e reforma urbana.

Começa, também, a estabelecer contatos, ainda que incipientes, entre diferentes

movimentos urbanos em algumas capitais do país, como Rio de Janeiro e Recife.

Como descreve Goulart (2014, p. 23), em 2001, ergueu-se a ocupação Anita

Garibaldi, em uma área de 250.000 m², localizada na periferia da Cidade, no bairro

Ponte Alta, próximo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos. Um terreno de

propriedade particular, desocupado há mais de 50 anos, que vinha sendo utilizado

ilegalmente para depósito de lixo e, segundo moradores do entorno, para “desova”

de cadáveres. Esta ocupação foi significativa para o histórico do MTST, por ter sido

a primeira grande ocupação (seja pelo tamanho do terreno, seja pelo número de

pessoas agregadas, chegando a 12.000) e por ter se mantido sem ação de despejo, o

que favoreceu o movimento a prosseguir em seus objetivos de crescimento na

região metropolitana de São Paulo.

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A primeira ocupação ocorrida no governo Lula foi em 19 de julho de 2003,

quando um grupo de 300 pessoas ocupou uma área de 170 mil m², em São Bernardo

do Campo, em frente à fábrica da Volkswagen no km 23,5 da Via Anchieta. A

Ocupação Santos Dias atingiu rapidamente quatro mil pessoas e confirmou a

previsão dos militantes de uma boa adesão dos moradores das favelas e dos morros

do bairro de Ferrazópolis, onde se situa o terreno ocupado. Não houve qualquer

abertura para negociação e, em menos de um mês, ocorreu o despejo. Depois desta

ocupação, o movimento procura aprofundar suas formas de atuação e intensificar a

formação de militantes para avançar em novas ocupações, o que ocorreu apenas em

2005 com o acampamento João Candido, em Itapecerica da Serra e Chico Mendes,

em Taboão da Serra.

Essas duas ocupações, que duraram por volta de dois anos, representaram um

novo patamar de organização e elaboração interna de suas ações e prioridades do

MTST. Mudou o desenho da ocupação: a estrutura organizativa, as relações internas

e a forma de negociação e pressão sobre os governos se aprimoraram. De outro

lado, o Estado estreitou o tipo de relação que estabelecia com o movimento,

passando da não aceitação das ações e da determinação do despejo, para a

negociação, o que, contudo, não significou conquistas de moradias.

De todo o modo, até 2008, o foco principal das atividades do movimento

foram as ocupações da Região Metropolitana de São Paulo, aprofundando a

organização interna dos acampamentos, uma vez que os “acampados” têm a tarefa

de manutenção/proteção da área ocupada. Apenas um ano depois das ocupações,

em nível estadual, o movimento se lança ao objetivo de nacionalizar-se, formando

grupos de atuação em estados diferentes, mas sob uma única organização e

procurando compilar uma carta de princípios políticos e de atuação.

A manifestação que inaugura essa nova fase é o acorrentamento de militantes

aos portões do prédio de apartamentos em que o Presidente Lula tem um imóvel,

na cidade de São Bernardo do Campo, em julho de 2009. Foram oito dias até a

abertura das negociações com o Ministério das Cidades. O resultado foi o

compromisso do governo federal em incluir as famílias acampadas no Programa

Habitacional Minha Casa, Minha Vida.

Com a necessidade de formar uma ação unificada, o MTST passou a fazer

parte da formação da Frente de Resistência Urbana. Mais do que oposição ao

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governo do PT71, os movimentos sociais urbanos que integram a Frente de

Resistência Urbana o fazem por partilharem da centralidade da luta direta como

instrumento de ação coletiva e da proposta de uma Reforma Urbana anticapitalista.

Nos termos da Frente de Resistência Urbana, as obras do PAC, o Programa Minha

Casa, Minha Vida são parte de uma contrarreforma urbana, que evidencia a aliança

perversa entre Estado e capital imobiliário, reproduzindo uma lógica excludente e

repressiva de desenvolvimento urbano.

O MTST faz uma crítica às propostas de reforma urbana que se limitam à

melhoria da qualidade dos serviços urbanos e à conciliação com os interesses

privados, que fariam concessões à pressão da população organizada por acesso a

algum direito de forma pontual. Segundo o MTST, a reforma urbana proposta é um

projeto “de classe, de enfrentamento à cidade do capital”, tendo, como

contraposição, a apropriação coletiva do espaço, a partir dos seguintes eixos:

“crítica à cidade-mercadoria, combate ao capital imobiliário em todas as suas

formas, defesa das expropriações de terras, questionamento de políticas de

cidadania participativa”.

5.3.2.2. Sobre o drama de não ter casa na Cidade de Niterói

Em abril de 2010, ocorreram fortes chuvas na região metropolitana do Rio de

Janeiro e que, consequentemente, atingiram intensamente alguns municípios no

entorno, como foi o caso de Niterói, onde o “dilúvio” atingiu, de maneira trágica,

dezenas de famílias moradoras de zonas periféricas.

71 Partindo de uma caracterização de crise da esquerda, identificada com a ruptura do PT e da CUT

com os interesses da classe trabalhadora, e da dificuldade dos sindicatos de organizarem a parcela

de trabalhadores fora do mercado formal de trabalho, o MTST se vê como a organização que pode

realizar esse trabalho de formação política junto a uma parcela da classe trabalhadora. Para isso

ressalta a necessidade da unidade entre as organizações que não abandonaram a perspectiva

anticapitalista. Sendo assim, envolveu-se com a formação de uma nova central, em meados de 2004,

conjuntamente com setores do sindicalismo e do movimento popular que buscavam reconfigurar as

lutas dos trabalhadores no Brasil. Desse esforço nasceu a Coordenação Nacional de Lutas

(CONLUTAS) que, em 2010, passou a ser Central Sindical, intitulada Central Sindical e Popular

(CSP Conlutas) (GOULART, 2014, p. 24).

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Foram várias as zonas atingidas pelas chuvas, porém a que mais repercutiu

foi o ocorrido no Morro do Bumba, no dia 07/04/2010, ocasião em que as fortes

chuvas levaram ao desmoronamento do local e a imensa quantidade de lama

arrastou mais de 50 barracos, deixando um terrível saldo de 67 mortos, sendo 40

homens e 27 mulheres, e mais de mil moradores desabrigados.

Entre os anos de 1970 e 1982, funcionava no local um antigo “lixão”. Porém,

logo após o seu fechamento, que se deu em 1982, várias casas (aproximadamente

200) foram construídas na área, sob toneladas de matéria orgânica decomposta, o

que tornou o solo íngreme e instável.

O que se presenciou, ao longo dos anos de 1990 e 2000, foi a ampliação do

processo de favelização do local, fruto da falta de uma política pela digna moradia

no município, como em todo o País.

Como bem retratou Calheiros (2013), a Prefeitura de Niterói já havia sido

informada por estudos da Universidade Federal Fluminense – UFF, realizados em

2004, que alertavam para o risco ocasionado pela ocupação irregular da área. O

referente estudo, a altura encomendado pela Prefeitura, foi realizado pela professora

Regina Bienenstein do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos

(Nephu). O documento recomendou várias medidas. A principal recomendação foi

a realocação das famílias que ali viviam para outras áreas. Já que se tratava de um

terreno no qual existia um lixão; e manter as famílias ali seria temerário.

O atendimento às vítimas da tragédia foi estudado por Calheiros (2013)72 que,

a altura, analisou o percurso dessa população que passou pelos abrigos provisórios

até a oferta de algumas alternativas, diga-se de passagem, não atenderam à demanda

por moradia de toda a gente afetada. Os próximos parágrafos que seguem a respeito

do percurso da trajetória dos abrigos, foram referenciados a partir do trabalho de

Calheiros (2013).

A altura, a Secretaria de Assistências Social do município cadastrou 4.000

famílias desabrigadas. Foram utilizados 48 espaços de acolhimento, como uma

política de moradia provisória, às centenas de desabrigados. Entre esses espaços

72 A dissertação de mestrado apresentada por Calheiros (2013), no âmbito do Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social da PUC-Rio, realizou uma análise a respeito do processo de busca

pela garantia do direito à moradia das vítimas do Morro do Bumba, identificando as ações do Poder

Público e a longa passagem pelos abrigos provisórios por parte dos atingidos pela tragédia.

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utilizou-se em média 22 escolas, dentre prédios estaduais e municipais. Também

valeu-se de igrejas e algumas associações de moradores.

Alguns dos abrigados recorreram aos familiares que pudessem recebê-los, e

com o retorno das rotinas de escolas e igrejas, os abrigos foram reduzidos para dois

espaços de acolhimento, quais sejam o 3º Batalhão de Infantaria do Exército (BI) e

o 4º Grupo de Companhias de Administração Militar (GCAM), espaços desativados

cedidos pelo governo do estado, nos quais funcionavam antigos batalhões. Os dois

espaços que foram ocupados possuíam caráter provisório e à medida que as famílias

iam deixando os abrigos passavam a receber o aluguel social no valor de R$400,00,

que a época alcançou 3.400 famílias com o recebimento do benefício oferecido pelo

Governo do Rio de Janeiro.

Em 09 de julho de 2010, o deputado estadual Marcelo Freixo, na presidência

da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC)73, realizou

visita aos dois locais, onde estavam abrigadas 325 pessoas. O relatório da comissão

apontou que no 4º GCAM, onde estavam abrigadas 325 pessoas, havia total

ausência de condições de manutenção daquelas famílias no local. Foi observada

ausência de atendimento médico, psicológico e de serviços de limpeza. Além disso,

alguns desabrigados informaram que houve fornecimento de alimentos estragados

por mais de uma vez. Outro problema relatado foi a gradativa retirada dos serviços

de vigilância do local, que é considerado perigoso em razão da existência de favelas

vizinhas, nas quais ocorre o tráfico de drogas.

Já no 3° BI, foi igualmente observada a precariedade das condições em que

eram mantidas 339 pessoas, em sua maioria crianças e adolescentes e dez idosos de

até 95 anos, alguns portadores de doenças crônicas. Neste abrigo, foi denunciado

que apenas os idosos e as mulheres grávidas faziam uso de camas. Os banheiros, de

uso coletivo, eram em quantidade insuficiente e o esgoto corria a céu aberto,

próximo aos dormitórios, com a proliferação de insetos, transmissores de doenças,

como o mosquito da dengue. O atendimento de saúde também era precário e a

comida, terceirizada, de baixa qualidade nutricional.

No dia 01/02/2011, a prefeitura transferiu as 100 famílias alojadas no 4º

CGAM para o 3° BI. A ação foi realizada “com a ajuda do batalhão de choque da

polícia militar, que portava escudos, armas de borracha e bombas de efeito moral,

73 O CDDHC é uma comissão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

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para garantir a operação” (Calheiros, 2013, p. 72). A mudança foi realizada em

caminhões da Companhia de Limpeza de Niterói (CLIN), os quais são utilizados

para carregar lixo, o que aumentou o sentimento de humilhação dessas famílias,

reafirmando a sua condição de exclusão. “Além disso, não foi permitido que os

desabrigados levassem móveis ou eletrodomésticos que possuíam no local e que

propiciavam um pouco de privacidade e dignidade a algumas famílias” (Op. Cit.:

72).

Ribeiro (2015), em reportagem do Jornal Extra do dia 05 de abril de 2015,

publicou uma matéria referente aos cinco anos das tragédias ocorridas desde o 07

de abril de 2010. A manchete registrou que alguns moradores continuam vivendo

nas favelas que foram atingidas, em residências condenadas pela defesa civil, e à

espera de moradia definitiva. A situação foi confirmada na reportagem pela

Associação de Vítimas do Bumba, ao estimar a existência de cerca de 30 famílias

vivendo nesta situação. A Prefeitura de Niterói e a Caixa Econômica Federal

discordam do número, sem no entanto, chegar a um consenso. A Prefeitura diz que

são dois, já a CEF menciona oito famílias. O certo, diz a reportagem, é que ao longo

dos últimos 5 anos, algumas famílias voltaram a morar em áreas de risco, por não

conseguirem casas pelos R$400,00 mensais de aluguel social.

A edição do jornal supracitado traz também as respostas para viabilizar o

acesso a novas moradias aos atingidos pelas catástrofes de 2010 e aos que vivem

em áreas de risco. A Prefeitura informou que 147 famílias estão no Bairro Viçoso

Jardim, onde foram entregues aos moradores os apartamentos oriundos do

Programa Minha Casa Minha Vida, a título gratuito aos moradores.

A reportagem também mostra que quem garantiu teto no Conjunto do Viçoso

Jardim, construído perto do Bumba para as vítimas da chuva, enfrenta problemas.

Além dos imóveis terem sido entregues sem piso nem janelas, já há rachaduras e

infiltrações74. Há apartamentos colados à encosta, o medo é de que haja um novo

deslizamento. Já a Secretaria Estadual de Obras informou que fez vistoria no

conjunto e constatou que não existe abalo na estrutura nem risco de deslizamento,

cujas fundações foram executadas sobre estacas.

74 A reportagem mostra que a Secretaria Estadual de Obras tenta culpar os moradores ao dizer que

além de colocação de ar condicionado, os moradores também furaram as paredes externas para a

passagem do cabo da TV via satélite, colaborando para infiltração e provocando o aumento da

umidade.

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Há 93 famílias no condomínio Varzea das Moças, apartamentos de origem do

Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal e

transferidos para o Programa Minha Casa, Minha Vida. Na altura, priorizou-se

famílias que estavam nos espaços de acolhimento e que possuíam uma situação

maior de vulnerabilidade, bem como idosos, pessoas com deficiências, pessoas com

doenças crônicas e famílias com um grande número de crianças. A terceira política

foi o início de uma nova construção com 454 unidades no Morro do Castro, no

bairro do Barreto, que pertencem ao Minha Casa Minha Vida, porém, nesse caso,

haverá contrapartida dos interessados. A prefeitura menciona ainda que tomou

várias medidas de prevenção e compra de equipamentos75, além de obras de

contenção76.

De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização

Fundiária, como informou a reportagem, atualmente são 2.234 habitações de

interesse social em construção na cidade, sendo 1.474 na faixa 1 (para famílias que

ganham até R$1.600), sendo 600 no Caramujo; 500 no Baldeador e 374 no Fonseca

(Ilda Arns). Além dessas, são mais 760 em construção nas faixas dois ( de R$ 1.600

a R$ 3.275) e três (R$3.275 a 5 mil). Sendo no Fonseca, 466; Atalaia 84; Sapê 90 e

Rio do Ouro 120. A Prefeitura informou ainda que já foram acertadas a construção

de mais de 1.300 unidades de interesse social nos bairros de Pendotiba, Ititioca e

Fonseca. Ainda conforme a reportagem, a Secretaria de Estado de Assistência

Social informou que paga aluguel social a 2.917 famílias em Niterói, no valor de

R$ 400,00.

75 A reportagem menciona que a Prefeitura tomou uma série de medidas sobre a questão, e que foram

instalados equipamentos em parceria com a União e com o Governo do Estado: Uma Estação

Meteorológica, 30 conjuntos de Sirenes do Sistema de Alerta e Alarme, 26 Pluviômetros

Automáticos e 12 Pluviômetros Semiautomáticos – tais equipamentos possibilitam o

monitoramento das condições meteorológicas e o acionamento do Plano de Evacuação das

comunidades com direcionamento para os pontos de apoio; foram formados núcleos comunitários

de defesa civil em 22 comunidades; foram formadas sete turmas de agentes comunitários mirins de

defesa civil, a partir do Projeto Defesa Civil na Escola que atuou em cinco escolas municipais, sendo

uma em cada região administrativa, com capacitação de jovens do 6º ano do ensino fundamental. 76 A prefeitura informou que realizou mais de 40 obras de contenção em diversas áreas da cidade:

bairro de Fátima, Morro do Palácio I e II (Ingá), Grota do Surucucu (19 pontos), Morro do Holofote

(Largo da Batalha) Mirante da Boa Viagem, Estrada Francisco da Cruz Nunes, quebra mar da

Jurujuba; no Fonseca e no Viradouro. Em andamento, há obras de contenção no Morro do Bonfim

(Fonseca) Caramujo, PACs Capim melado, Vila Ipiranga e Morro da Cocada.

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5.3.2.3. Sobre a ocupação 07 de abril

Na noite de 07 de agosto de 2015, cerca de 200 famílias organizadas pelo

MTST, ocuparam um terreno localizado no Largo da Batalha, atrás do Fórum, no

início da Estrada Francisco da Cruz Nunes. O terreno, de propriedade da Prefeitura

Municipal, estava abandonado há anos servindo de depósito de lixo e entulho. O

nome da ocupação passou a ser “Ocupação 07 de Abril”, nome extremamente

simbólico, pois retrata a data do desmoronamento do Morro do Bumba.

Em entrevista realizada com um dos líderes nacionais do MTST, o militante

lembrou que após as tragédias dos deslizamentos de 2010, muito se falou e pouco

foi feito por parte do poder público. Lembra que a maioria dos atingidos pelos

vários, desastres continuam pagando aluguéis cada vez mais caros; e que a

construção de moradias pelo Programa Minha Casa Minha Vida não só foi

insuficiente para sanar o problema, como beira a um escândalo. Dois prédios

tiveram que ser demolidos por não apresentarem condições mínimas de

infraestrutura e os que foram entregues estão visivelmente danificados.

Conforme o entrevistado, o MTST mapeia terrenos ociosos e abandonados,

que não cumprem sua função social, e esse é um deles. Esse aspecto do terreno faz

com que o acampamento vire uma realidade e desperte a confiança e a identidade

daqueles que padecem o problema da falta de moradia, sobretudo, esses que

sofreram com as várias catástrofes que ocorreram em Niterói em 2010, entre elas o

caso do Morro do Bumba. Nas palavras do entrevistado:

(...) A ocupação de latifúndios urbanos é a principal ferramenta de luta do MTST,

pois atua em áreas periféricas das metrópoles brasileiras e privilegia a ocupação de

terrenos em geral ociosos com irregularidades tributárias e que não cumprem a sua

função social conforme prescreve a Constituição Federal. Importante registrar com

muita ênfase que o movimento não trivializa a ferramenta da ocupação.

(...) Nesse terreno a dívida de IPTU se aproxima dos 3 milhões de reais. Ao ocupar

um terreno com essas condições, o movimento espera, num primeiro momento,

mudar a função desse terreno, uma vez que ele é ferramenta de especulação fundiária

e passa a ser reconfigurado, a ser redesenhado, e passa a servir para atividades lúdicas

com as crianças, com a juventude e com terceira idade.

(...) E passa a ter pela ação direta de quem ocupa a função social pra quem ocupa e

pras comunidades do entorno. A ocupação é uma forma de denunciar a situação.

(Entrevistado líder- MTST -30/08/2015)

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Como descreveu o entrevistado, a ocupação objetiva manter as famílias que

padecem com o problema de moradia mobilizado e organizado. Outra característica

e expectativa que o movimento tem em relação à ocupação é que a mesma sirva

para dar outro significado à vida cotidiana dessas famílias que descobrem que

querem desenvolver outros papéis sociais, principalmente em se tratando das

mulheres. Assim nos termos do entrevistado,

(...) A mulherada segura a onda desse movimento, a mulherada é protagonista e

através da ocupação e do agir coletivo que a ocupação produz, através do

empoderamento subjetivo que a ocupação produz, mulheres podem desempenhar

outros papéis sociais, saem da invisibilidade, não aceitam a situação de violência

doméstica e desempenham papéis de protagonismo, o que é muito importante.

(Entrevistado líder- MTST -30/08/2015)

Questionado com relação aos níveis de negociação com os poderes públicos,

o líder mencionou que o movimento não espera criar uma nova favela na região.

Porém, o movimento espera pressionar o poder público para abrir um canal de

negociação com intuito de construir habitação popular. Disse que o caminho que o

movimento está adotando para obter essa conquista, sempre com pressão, é o

caminho do MCMV na modalidade Entidades. Esclareceu, o entrevistado, que o

movimento não tem uma relação acrítica com o MCMV, por se tratar de um

programa de construção de moradia como mercadoria, desconectado de um

processo mais amplo e profundo de reforma urbana e de reconstrução das cidades.

Nesse sentido, o entrevistado declara que

(...) O único programa habitacional vigente no país é o MCMV. O movimento não

está aqui pra fazer proselitismo, pois ele leva muito a sério o processo da negociação

pra conquista. Até porque o problema habitacional é um drama crônico e o

movimento quer contribuir para que as famílias de forma organizada conquistem a

moradia. Saiam do perrengue do aluguel, da moradia de favor e, no caso de Niterói,

do drama de morar em áreas de risco.

(...) Quando o movimento pela ação direta organizada e coletiva, consegue abrir um

canal de negociação com o poder público, e é lançado automaticamente para o

âmbito do MCMV-Entidades. O movimento procurou condições favoráveis para

negociar nesse âmbito. (Entrevistado líder- MTST -30/08/2015)

Com relação aos resultados esperados da ocupação, o entrevistado alega que

já houve uma reunião com o Prefeito de Niterói, e um ato público organizado em

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frente à Câmara de Vereadores. Na reunião com o Prefeito, conseguiu-se o

compromisso da Prefeitura para destinar um terreno público a fim de realizar o

empreendimento pela modalidade Entidades77. Adiantou que a prefeitura já indicou

o terreno, porém, falta uma vistoria da CEF para fechar o termo de compromisso

com a prefeitura e o MTST.

(...) Então as negociações estão tendo bons resultados, fizemos um ato na Câmara

dos Vereadores com intuito de mostrar, especialmente para aqueles reacionários e

conservadores, que na ocupação tem pobre, negro, trabalhador que padece com o

drama da moradia e estão se organizando legitimamente para buscar uma solução

para esses problemas.

(...) O objetivo desse tipo de ato é arrancar da Câmara de Vereadores uma moção de

apoio à luta por moradia, contra a criminalização, contra a judicialização

conservadora das lutas sociais. E nós conseguimos essa moção, visando

especialmente combater um clima de ódio que a classe média de Niterói está

fomentando pelas redes virtuais principalmente.

(...) Foi um ato muito organizado, o povo na rua. Para mostrar a nossa capacidade de

luta, e sempre que for possível vamos pra rua, mesmo tendo a conquista vamos pra

rua. Pois qualquer conquista tem que se materializar. E para se materializar nos

mantemos organizados, mobilizados, qualquer pernada do poder público é motivo

para ir pra rua de novo. (Entrevistado líder- MTST -30/08/2015)

Concluiu, o entrevistado, ao mencionar que o MTST nunca para de fazer o

seu trabalho de base, que é propiciar contato com favelas, inserir-se, estabelecendo

uma relação e apresentando as propostas de luta, além de buscar ampliar a

interlocução com as demais áreas precárias nas periferias urbanas. E enfatizou: “

mas ao mesmo tempo que somos demandados, somos requeridos”.

Em 16/08/2015, realizou–se, por parte do entrevistador, a primeira visita in

loco na referida ocupação, na ocasião em contato com o NEPFE78. Foi possível

trabalhar junto ao cadastramento dos ocupantes, bem como realizar entrevista com

os mesmos.

Em um total de 310 ocupantes, observou-se que 100% dos ocupantes são

moradores de comunidades pobres das zonas periféricas de Niterói, muitos são

77 De acordo com os dados do Ministério das Cidades, no tocante ao MCMV a cidade de Niterói,

contratou 4.712 moradias, sendo que já foram entregues 965. No que respeita à modalidade

entidades nenhuma moradia foi contratada ou entregue. Fonte: Ministério das Cidades, posição em

31 de agosto de 2015. 78 O Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Famílias e Espaços Populares (NEPFE) é formado por

professores da UFF/UNIRIO.

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moradores de encostas, favelas e casas em situação de risco. A maioria já foi vítima

de desastres naturais, sem solução de moradia desde as chuvas de 2010.

Muitas dessas famílias declaram que ainda não foram atendidas pelo

Programa MCMV, que deveria ter sido dada prioridade aos casos de famílias que

vivem em encostas, áreas de risco ou vítimas de tragédia provocada pela natureza.

Por isso vieram ocupar o terreno, sob o comando do MTST.

Realizaram-se três entrevistas com ocupantes, sendo a 1ª entrevistada ,

representante de uma das famílias atingidas pela tragédia na região do Morro do

Bumba, retratou que, após a tragédia, foi abrigada com os três filhos em uma escola

no Bairro de Ititioca - Niterói, onde permaneceu por mais de três meses. Contou

que não tem renda fixa, é diarista, e quando sua filha tinha cinco anos (período em

que houve a tragédia) deixava as crianças na casa da avó, por falta de vagas em

creche.

Sendo vítima da tragédia do Bumba, caso que houve maior ênfase pela mídia

com repercussão internacional, a entrevistada é das famílias que recebem os R$400

reais de ajuda do aluguel social. Contou que enfrenta dificuldades para encontrar

uma casa para alugar com o referido valor, e afirma usar o dinheiro de um programa

social recebido em nome dos filhos para completar o aluguel.

(...) O dinheiro do Bolsa Família que eu deveria estar usando para comprar

alimentação para minhas crianças, infelizmente eu estou usando para completar o

aluguel.

(...) Desde 2010, já me mudei pela terceira vez. Com R$400 reais só consigo alugar

se for em áreas de risco, e mesmo sendo cadastrada junto ao Programa Minha Casa

Minha Vida, ainda não consegui moradia fixa. (Entrevistada moradora 01 - Niterói

- Ocupação 07 de abril-30/08/2015)

A entrevistada lembrou que o processo para receber o aluguel social não foi

automático, pois recebeu a importância, somente após protesto realizado em frente

à Prefeitura de Niterói, em 2010. Disse, ainda, que, na ocasião a manifestação, teve

o objetivo de pressionar o poder público a cumprir com o compromisso assumido

com as famílias que estavam em situação de abrigo.

Uma segunda moradora entrevistada, 66 anos, mora com seu esposo de 74

anos. Até 2010, ela viveu em uma região próxima ao Morro do Bumba e teve a casa

soterrada pela lama, formada pelas fortes chuvas, que atingiu várias casas em

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condições de risco. Conta que viveu em um abrigo por mais de três meses e

conquistou, depois de árdua luta, o aluguel social.

Conta que está desempregada e que sempre trabalhou arduamente para dar

comida aos nove filhos. Afirmou que nunca teve a carteira assinada e por isso não

recebe aposentadoria. Vive do aluguel social e da aposentadoria de um salário

mínimo do esposo. Mencionou que devido às despesas com medicamentos, para si

e para o marido, recebe ajuda da Igreja Evangélica Betânia, localizada na Estrada

da Cachoeira, região de São Francisco, em Niterói. Contou ainda que às vezes

recebe doações de alimentos oferecidos por uma ex patroa. Informou também que

já se mudou de casa várias vezes devido ao valor insuficiente do aluguel social:

(...) Uma vez fui morar no Bairro Maria Paula, mas com o aumento do aluguel, não

tive mais como pagar e tive que mudar pela segunda vez. (Entrevistada moradora 02

- Niterói - Ocupação 07 de abril-30/08/2015)

Os olhos atentos do entrevistador observaram que a ocupante andava sempre

com uma sacola de medicamentos nas mãos, questionada sobre a quantidade de

remédios, ela contou que sofre de diabetes e hipertensão e que após a perda de um

rim começou a fazer tratamento de hemodiálise e, por essa razão, necessita tomar

muitos medicamentos. Além desses problemas, a entrevistada ainda tem problemas

de coração e sofre com uma úlcera no pé esquerdo. “Tenho metade do coração

grande. É um sofrimento, meu filho” . (Entrevistada moradora 02 – Niteroi-

Ocupação 07 de abril – 30/08/2015)

A entrevistada verbalizou que tem expectativa de sair da ocupação com a

garantia de moradia:

(...) Se a minha casa tivesse em pé, ninguém estaria nessa luta, estou penando há

cinco anos.

(...) Minha expectativa é sair do MTST com moradia, ninguém gosta de ficar dentro

de uma barraca de lona no acampamento sofrendo com o sol, espero que o

acampamento acabe o mais rápido possível. Pois já passei por vários sofrimentos

(Entrevistada 01 Niterói).

A terceira entrevistada, de 53 anos, logo disse, entusiasmada: “Também quero

falar!”. E discorreu:

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(...) Na época da tragédia, eu morava no Vital Brasil. A minha prima que morava na

Beltrão, morreu. Ela o marido e a filha, perderam a casa. A minha casa só caiu a

parte da barranceira da frente, que desceu. Eu tinha meus netos pequenos e ficamos

com medo e saímos de lá. (Entrevistada moradora 03 - Niterói - Ocupação 07 de

abril-30/08/2015)

Perguntou-se à entrevistada se a mesma chegou a ser abrigada:

(...) Na época, fiquei na casa da minha irmã, ficamos dormindo lá. Depois fomos

morar em Jardim Catarina, em são Gonçalo e depois voltamos para Niterói, mas não

pro mesmo lugar, pois construímos a casa no barranco. Infelizmente perdi a casa.

(...) Só depois eu consegui alugar essa que estou morando agora. Na época passei

por muita dificuldade, eu com marido doente em casa, meu filho e 2 netos que eu

criava. (Entrevistada moradora 03 - Niterói - Ocupação 07 de abril-30/08/2015)

Perguntada se conseguiu o aluguel social...

(...) Não consegui fazer o cadastro, aí eu falei ‘deixa pra lá, não tem problema não.

Lá na frente deus recompensa’. O importante é a vida (Entrevistada moradora 03 -

Niterói - Ocupação 07 de abril-30/08/2015).

A entrevistada disse que participa de todas as assembleias na ocupação: “Eu

estou vindo nas reuniões todos os dias: é cansativo? É, mas eu faço um biscatezinho

aqui perto aí eu já fico pra reunião”. Contou que quarta-feira é o dia que vai para a

igreja:

“(…) se eu vier na quarta, não acompanho as coisas da igreja. Domingo passado eu

vim a pé de lá da Estrada de Piratininga até aqui. Mas que eu vim eu vim. Mas em

compensação segunda-feira eu não aguentava nem ficar em pé com as pernas

doendo”. “Minha mãe mora em área de risco, se eu conseguir uma casa, eu trago

minha mãe pra morar comigo”.

No que se refere à sua condição atual de habitação contou:

(...) A gente passa por muita coisa. Se a gente for trabalhar e só pensar em construir

a gente não come. A gente tem que saber dividir as duas coisas, ou trabalha pra se

manter vivo com saúde e alimentado…

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(...) Um aluguel caro não posso pagar, infelizmente só posso pagar um aluguel de

R$350,00. Quando não é área de risco é lugar perigoso. Sem contar que aluguel é

assim, esse ano é um preço, ano que vem já aumenta mais 20,00 mais 30,00.

(...) Fazer o quê? É o único lugar que dá pra gente sobreviver. E onde eu moro sempre

tem tiroteio, quando começa os tiroteios meus netos falam: “vovó, em baixo da cama

vovó”. (Entrevistada moradora 03 - Niterói - Ocupação 07 de abril-30/08/2015)

A 3ª entrevistada concluiu a entrevista, entusiasmada com a resposta da

prefeitura de Niterói em garantir um terreno e disponibilizá-lo ao MTST:

(...) Quando nós chegamos aqui os meninos do MTST perguntou assim: A senhora

crê Dona Dora? Eu respondi: ‘eu creio! E onde vocês forem eu vou, porque sei que

vou conseguir’. Mas as pessoas que moram lá na favela onde moro zombam de mim.

(...) Lá onde eu moro, tem muita gente que passa aqui e diz: ’olha os vagabundos,

olha os preguiçosos’. Mas o povo da prefeitura até nos recebeu bem, não teve

confusão nenhuma no protesto, ocorreu tudo bem. (Entrevistada moradora 03 -

Niterói - Ocupação 07 de abril-30/08/2015).

Relatou a entrevistada que nunca havia entrado nem na Prefeitura e tão pouco

na Câmara Municipal de Niterói, sendo a primeira vez no protesto realizado sob a

liderança do MTST: “ O povo da prefeitura até nos recebeu bem, não teve confusão

nenhuma no protesto, ocorreu tudo bem, pois agora nós sabemos lutar pelos nossos

direitos”, concluiu.

A afirmação da entrevistada, só reforça o pensamento de Santos (2008, p. 16),

quando defende que de modo geral, os movimentos populares elaboram seus

projetos na prática cotidiana, no desenrolar das lutas. Durante esse processo, os

participantes dos movimentos descobrem seus direitos sociais, se conscientizam das

causas de segregação socioespacial, identificam os espaços socialmente

diferenciados.

A simples observação direta a partir das periferias de Niterói revela muito

claramente a deterioração das condições de vida da população pobre. Na cidade das

obras de Niemeyer são muito nítidos os excessos de riqueza e de pobreza que a o

espaço urbano exibe acintosamente.

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5.4. Ambiguidades e semelhanças nas formas de resistência, por parte dos movimentos sociais urbanos, em Portugal e no Brasil

O contato com os movimentos sociais brasileiros permitiu perceber que, a

partir da data de 2009, o MCMV-Entidades passou a ser visto como uma

possibilidade de atuar através da construção de moradias, garantindo uma

determinada qualidade. Mesmo admitindo o caráter social do programa MCMV, os

movimentos perceberam que não era possível por parte das empreiteiras a

preocupação com a qualidade das moradias construídas, com a localização das

moradias de modo a garantir o acesso ao transporte e, muito menos, com os

equipamentos urbanos para a população usuária. Estão interessadas apenas no lucro

que a política possa oferecer.

O que o movimento social tem feito é forçar o Estado (nas três esferas) a ceder

parte dos recursos do montante destinado ao MCMV, para que eles possam fazer a

gestão79. Assim, garante-se a possibilidade de realizar o trabalho social, quer seja

com a participação da população no processo de construção, quer seja na gestão

democrática das decisões, nas discussões levantadas no âmbito do direito à cidade,

do direito das minorias, do direito urbano, em resumo, a possibilidade de realizar

seu trabalho de base.

Considera-se que as políticas habitacionais implementadas no Brasil

raramente foram voltadas para os segmentos mais pobres da população.

Usualmente, as políticas beneficiaram os setores capitalizados e politicamente

influentes. Pode-se perceber, tanto na realidade dos moradores, quanto no

depoimento dos líderes dos dois movimentos sociais pesquisados no Brasil, que

foram essas formas de implementação de políticas habitacionais que levaram as

classes dominadas a ocuparem áreas de forma irregular, inclusive enquanto tática

de sobrevivência.

O processo de urbanização brasileiro é extremamente contraditório, o que

levou os movimentos sociais urbanos a lutarem pela reversão do quadro. Nesse

79 De acordo com os dados do Ministério das Cidades, no tocante ao MCMV, a cidade do Rio de

Janeiro contratou 77.914 moradias, sendo que já foram entregues 40.331. No que respeita à

modalidade MCMV-Entidades, já foram contratadas 172 unidades, sendo que apenas 70 unidades

já foram entregues . Fonte: Ministério das Cidades, posição em 31 de agosto de 2015.

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processo de luta e organização, os movimentos sociais, junto com os setores

populares, realizaram ocupações, pautaram direitos e políticas públicas, inseriram

esse direito e essas políticas públicas na legislação, bandeira que fizeram parte do

debate da reforma urbana e do direto à cidade. Tanto o Rio de Janeiro quanto Niterói

são cidades pautadas pela especulação imobiliária.

Tanto o MNLM, quanto o MTST, de forma contínua ao longo dos anos de

luta, com articulação junto às famílias, planejamento de ações, realização de

ocupações têm consolidado a reforma urbana. Não é o poder público que tem

garantido a reforma urbana, mas sim os movimentos sociais. O caráter democrático

desse tipo de organização é muito visível, pois além de dar voz a quem não possui,

os movimentos sociais praticamente foram os responsáveis pelos instrumentos

jurídicos que permitiram pensar o processo de democratização das cidades no

Brasil.

Vislumbra-se, assim, nos movimentos sociais uma proposta de uma nova

sociedade. Mas os movimentos sociais não podem cair na armadilha de imaginar

que encontram no Estado um aliado. A forma com que o próprio judiciário trata

historicamente os movimentos sociais, já faz essa ilusão cair por terra. Na verdade,

o Estado brasileiro suporta alguns movimentos sociais, no campo dos direitos civis,

como a luta pelos direitos dos negros, o direito das mulheres, a luta pela saúde, a

luta pelos direitos homoafetivos. Essas são lutas que o Estado burguês comporta,

porém a luta pela terra traz a perspectiva de outro Estado, o que as tornam mais

densas e difíceis.

O que está claro no contato com a população empobrecida é que o poder

público não tem o menor respeito com esse segmento da população, porque não se

reconhece a cidadania dos mesmos. Talvez por isso a reação do Estado seja tão

violenta com essa população. Em Portugal, a condição é a mesma, quando o

problema é com povos africanos, por exemplo, o Estado Português trata as questões

com um descaso incomparável. Os fortes traços de racismo estão presentes tanto

nas ações de despejo na história do Brasil, como os recentes casos em Portugal.

Nos últimos anos, com governo do Partido dos Trabalhadores, obteve-se

conquistas importantes no campo social, como o caso do combate à pobreza e etc.

Porém, questões extremamente importantes, tais como a reforma urbana, foram

totalmente esquecidas pelos agentes públicos. No campo da habitação, de uma

forma positiva, foram ampliados os investimentos para a política de habitação, de

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forma negativa, houve a “entrega de bandeja” dos recursos para os empresários

fazerem da forma que assim desejassem.

Com a crise de 2008 percebeu-se que o Estado brasileiro cedeu muitas

bonificações a determinados setores do capital, um exemplo foi o caso do setor

automobilístico. Porém, em contra partida, não houve investimento nos transportes

públicos, ou seja, o Estado comprometido com o grande capital entrega às empresas

a solução do transporte para a população.

Observou–se que, no âmbito do urbano, o capital atua de uma forma

radicalizada, são os empresários dos diversos ramos os mais interessados em eleger

seus representantes (prefeitos, deputados, senadores). Ou seja, os segmentos

empresariais obtém todo espaço dentro das decisões públicas. Em Portugal, os

bancos passaram a ter fortes poderes, a população não tem canais

institucionalizados de participação. Das vezes que a população se organiza, não é

ouvida. Se os movimentos sociais querem conversar com instituições públicas

como o IHRU e as câmaras municipais, não têm espaço de conversa, e em diversas

vezes foram recebidos com certa truculência, como se notou, no caso da Câmara de

Amadora. Os bancos tem grande poder sobre a economia, e ao defender interesses

dos próprios fundos imobiliários, articulam acordo com as Câmaras Municipais ao

promover derrubes de casas de moradores pobres objetivando construir

condomínios de luxo para classe média e alta.

Ainda sobre a realidade portuguesa, a atual crise está trazendo grandes

consequências para os mais pobres que perdem o emprego e a casa, pelos

funcionários públicos que estão pagando imposto solidariedade, como uma espécie

de fundo para o pagamento da crise, desmonte de direitos trabalhistas.

As manifestações de 2013, no Brasil, mostraram a truculência com que o

Estado responde as demandas dos movimentos populares, o que ficou evidente nas

grandes cidades como é o caso do Rio de Janeiro, sobretudo, no momento das

manifestações contra despejos para a construção das obras do campeonato mundial

de futebol. Mas o que se percebeu, na época, foi que as empresas que patrocinam

os grandes eventos, passaram a mandar na cidade, dando razão a relação cidade-

empresa.

Existem muitas semelhanças das formas com que as grandes cidades se

dinamizam na atualidade. Na região metropolitana de Lisboa, ocorrem fatos que se

assemelham à truculência que houve no Brasil em tempos históricos de remoções.

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Essas questões permitem citar um trecho da música “Seres Tupy”, cantada por Ney

Matogrosso e que diz: “(...) De Porto Alegre ao Acre, a pobreza só muda o sotaque”.

Mas também é de relembrar o trecho de uma outra canção chamada “Miséria no

Japão”, também cantada pelo mesmo cantor, designadamente quando refere: “(...)

E quem te disse que miséria é só aqui? Quem foi que disse que a miséria não ri?

Quem tá pensando que não se chora miséria no Japão?”.

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6 Considerações finais

Ao encerrar o processo de investigação para elaboração desta tese, considera-

se que a questão urbana e, consequentemente, a questão habitacional são resultado

da lógica de reprodução do capitalismo. Para os trabalhadores, a cidade representa

um local de moradia, um local para trabalhar, para o lazer. Em relação ao capital

industrial e comercial, a cidade representa interesses lucrativos, como a necessidade

de energia, matéria prima e circulação de mercadoria, implantação de comércios,

estacionamentos e produção da força de trabalho, além de ser usada sob a forma de

proveito.

Já para o capital imobiliário e especulativo a cidade é vista como um espaço

que serve apenas para obtenção de lucro, de renda de juros. A prática de especulação

imobiliária constitui-se, assim, em uma das principais responsáveis pela segregação

socioespacial.

As primeiras estratégias de habitação no Brasil e Portugal foram alvo de

preocupação por parte da burguesia, já que percebeu na construção de vilas

operárias uma forma de ganhar dinheiro e controlar os trabalhadores, até o início

do século XX, em ambas as realidades, não há então intervenção estatal na

habitação.

No século XX, em Portugal, no período Estado Novo (1933-1974), o regime

ditatorial foi marcado pelo processo de expansão das obras públicas. Essa estratégia

respondia ao desemprego que foi consequência da crise de 1929. No que tange à

política de habitação, há um destaque para o programa Casa Econômica, iniciado

em 1933 e o Fundo de Fomento da Habitação (FFH), em 1969. Porém, mesmo com

o esforço no período, o Estado português não conseguiu acompanhar as

necessidades. Os problemas urbanos já haviam começado a aparecer no período de

desenvolvimento industrial. Em 1940, houve o início de uma forte expansão dos

bairros clandestinos nas proximidades de Lisboa e Porto. Tendo o País passado por

uma ditadura que findou somente em 1974, é somente com a constituição, após esse

período, que se legitimam os direitos. Cabe ressaltar, no entanto, que no final dos

anos 1970, já avançava uma onda neoliberal no mundo. .

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229

Após o estabelecimento da democracia, com a revolução dos cravos em 1974,

deram-se importantes medidas de cunho estatal no campo da habitação. É o caso

das cooperativas de habitação econômica, o serviço SAAL, que foi uma espécie de

apoio às câmaras municipais nas iniciativas da população e que viviam em

habitação degradada. Tratou-se de uma experiência muito positiva, já que contou

com a participação da população, uma equipe muito engajada de profissionais, com

destaque para os arquitetos. Na década de 1980, inicia–se um processo de

transferência da responsabilidade do Estado Central para os municípios, pela

provisão da política habitacional por meio da concessão de crédito bonificado.

No caso brasileiro, a base societária é de uma econômica colonial

escravocrata oligarca. A origem dos problemas habitacionais no Brasil está na

forma com que a terra foi distribuída, utilizada como instrumento para privilegiar

determinados segmentos, representava poder político, econômico e social.

A questão fundiária tem uma centralidade no processo de desenvolvimento

urbano no Brasil. No século XIX, quando o País sofreu uma série de pressões

concretas internas e externas para abolir o tráfico de escravos africanos, fez com

que fosse criada, em 1850, a lei de terras que proibia a aquisição de terras públicas

de qualquer outro meio que não fosse a compra. Na verdade essa lei foi criada para

impedir o acesso à terra, por parte dos escravos, índios e também pelos imigrantes

pobres recém chegados no Brasil. Criava-se um precedente para manter a

concentração da mesma nas mãos da elite agrária.

No período posterior, após a abolição do regime escravocrata e o acesso à

terra negado, iniciou-se um processo de imigração do campo para a cidade e a

formação de moradia nas áreas irregulares, gerando as favelas.

A crise de 1929 foi favorável para a expansão da indústria, bem como a

expansão da urbanização. A partir daí, grandes contingentes da população saíram

do campo para morar nas periferias das cidades, o que acirrou o processo perverso

de desenvolvimento, agravando as desigualdades sociais. Sendo assim, considera-

se que as cidades brasileiras se desenvolveram com um traço muito forte de

segregação socioespacial.

No tocante à ação direta do Estado na habitação, no Brasil, a partir de 1930,

iniciaram–se medidas que beneficiaram apenas os trabalhadores de carteira

assinada que tiveram acesso à moradia financiada pelas carteiras prediais, através

dos IAPs e, mais tarde, a Fundação da Casa Própria (FCP). Desde a década de 1960,

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a população brasileira teve a oportunidade de vivenciar uma série de reflexões sobre

reformas importantes, como, por exemplo, as reformas agrária, fiscal, educacional

e urbana. Porém, tais reflexões não avançaram diante do golpe militar de 1964.

A partir desse período, tal Regime implementou um sistema para financiar a

casa própria, com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH). Os programas

do BNH tiveram uma forte dimensão política, pois o regime necessitava legitimar-

se diante da população mais pobre, além de gerar emprego para a população menos

qualificada. Mas o BNH não atendeu os segmentos mais empobrecidos da

população, já que das 4,5 milhões de moradia, somente 7% foi encaminhada para

os mais pobres.

Em se tratando da realidade portuguesa, com a entrada do país na União

Europeia, em 1986, a nação recebeu investimentos significantes para a área de

infraestrutura, além de ter havido também um importante investimento na habitação

com destaque para os programas de realojamentos, o que findou com

aproximadamente 35.000 habitações em situação precária, embora esses programas

tenham gerado várias críticas, por parte de urbanistas, no que tange à existência de

bairros sociais, vistos como espaços de formação de guetos, muito desarticulados

de uma política de cidade.

Importa considerar que mesmo com investimentos importantes na

intervenção direta à habitação, nos últimos 25 anos, o Estado Português gastou 75%

de todos os recursos para a política, na bonificação dos juros para aquisição da

habitação. Isso empoderou os bancos, sendo que o realojamento obteve apenas

14% dos recursos. O país apresenta experiências positivas no campo da reabilitação

urbana, contudo, se comparada a Europa, a reabilitação urbana é bastante tímida.

Para melhor elucidar tal timidez, nos últimos 25 anos, com a reabilitação urbana,

gastou-se apenas 1,7% de todo orçamento da política de habitação.

Considera-se que, no tocante ao Brasil, na década de 1990, houve um

afastamento significante da presença do Estado nas políticas sociais, na altura, as

mesmas foram implementadas com forte orientação neoliberal, pautado no

focalismo, privatização e mercantilização. Adotou-se por parte dos governos uma

estrutural, orientado pelo FMI e Banco Mundial, cujos resultados foram os altos

índices de desemprego que consequentemente culminou na piora das condições de

vida da população. Houve também a transferência da responsabilidade, por parte

do estado central, no que concerne às políticas sociais, para os municípios. O Estado

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tratou de, por um período, diminuir gastos sociais e estimular a atuação das ONGs,

em diversos setores, como, por exemplo, no campo da assistência social e política

para criança e adolescente e; até mesmo; na área da habitação, nos municípios.

A partir de 2008, o mundo defronta-se com a grande crise dos subprimes, que

se trata de uma crise que estoura a falácia do processo de financeirização, resultado

da continuação do modelo neoliberal. É um modelo pautado em capital especulativo

através de transações bancárias, que envolve empréstimos, cobranças de juros em

detrimento ao montante de recursos destinado ao setor da produção, na geração de

emprego. A crise econômico-financeira com repercussão mundial, parafraseando

Meszaros (2012), trata-se de uma manifestação da forma crônica com que se

manifestam essas crises no sistema capitalista.

A atual crise trouxe grandes consequências para o mundo do trabalho. Os

órgãos oficiais chegaram a anunciar, no final de 2009, a ONU e a OIT estimaram o

número de desempregados que girou em torno de 50 milhões de pessoas.

Em Portugal, a crise foi respondida pelos governantes, com medidas austeras,

implantadas entre 2008 e os dias atuais, o que incluiu cortes no orçamento das

políticas sociais e um radical programa de privatização.

Foram os casos das privatizações da empresa estatal Transportes Aéreos

Portugueses (TAP); Portugal Telecom (grupo PT); Correios de Portugal S.A (CTT);

Aeroportos de Portugal (ANA), Energia de Portugal (EDP); Rede Energética

Nacional (REN); além da possível especulação sobre a privatização da Água de

Portugal pelos chineses. Tendo em consideração os servidores públicos, foi criada

a “taxa solidariedade” a ser descontada em seus salários com a desculpa de ajuda

para pagar a crise. Outra consequência está sendo a crescente emigração de jovens

portugueses para países como Alemanha, Reino Unido, Bélgica, Luxemburgo,

França, Brasil e Angola.

No Brasil, em relação às consequências da atual crise, já em 2009, houve

registro, mesmo que pequeno, da taxa de desemprego, o que interrompeu a trajetória

da queda do desemprego desde 2003. Embora essas taxas tenham se mantido muito

baixas até o ano passado, havendo aumento real somente a partir de 2015, se

percebe um aumento das ocupações precárias e informais.

No que concerne à habitação, na conjuntura portuguesa, uma política

progressista com mandato do partido socialista (PS), em 2006, iniciou-se a ideia de

pensar em propostas para resolver as carências habitacionais e criar alternativas

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para atender à população empobrecida. Buscou–se, também, criar propostas que

pudessem incluir as pessoas que ficaram fora dos cadastramentos, ocorridos em

1993, para inserção no programa de realojamento. Nesse sentido, foi pensado um

plano estratégico nacional de habitação (PEH). Tratou-se de uma estratégia

nacional importante, que visava integrar as políticas de cidade, privilegiar o regime

de arrendamento, diversificar o parque habitacional, um plano voltado para uma

política de reabilitação urbana.

Ocorre que, no decorrer da crise, esse plano foi inviabilizado em nível

nacional, ou, como disse um dos seus elaboradores: “ele foi colocado na gaveta do

IHRU”. O plano foi entregue em 2008, mas algumas questões ainda dependiam de

recursos. No entanto, inspiradas na ideia de elaboração do plano nacional, algumas

cidades elaboraram os planos municipais, como o caso de Lisboa, por exemplo.

Destaca-se que, durante a elaboração do plano, discutiu-se muito sobre o

estoque de casas (excesso no País) que Portugal possui. Há em torno de dois

milhões de alojamentos, sendo que a maioria das casas fechadas pertencem aos

bancos. Na visão dos gestores e pesquisadores que contribuíram para a elaboração

do documento em tela, está aí um grande desafio a ser solucionado. Ou seja, há

muita casa sem gente e muita gente sem casa.

No Brasil, em uma conjuntura favorável, foi criado o PMCMV, nova política

de habitação que disponibiliza um montante significante de recursos para a faixa

01, famílias que recebem de 0 a 3 salários mínimos. Porém, está claro que o

programa está desvinculado a uma proposta de reforma urbana, cujos recursos não

passam pelo controle da sociedade.

É importante discutir que o fato de destinar recursos para aquisição de casas

à população de baixos rendimentos é usado como o grande discurso do partido dos

trabalhadores (PT), fazendo com que o programa não consiga avançar mais nada

além desse discurso, já que o governo entregou a política de habitação à revelia das

empreiteiras da construção civil.

Também, a partir de 2008, houve um intenso pacote anticíclico voltado para

alguns setores da economia, como, por exemplo, os subsídios para compra de

carros, o que aumentou a lucratividade das montadoras e não se ofereceu

alternativas para a ampliação do transporte público, mal que assolou as grandes

cidades que sofreram/sofrem com problemas de mobilidade urbana.

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O programa MCMV tem três dimensões muito claras: a) possui uma

dimensão econômica forte, já que foi utilizado para possuir empregos menos

qualificados e beneficiar os setores de comércio da construção civil (cimento, ferro

e outros materiais); b) uma dimensão social, pois embora não supere o défice

habitacional, contribui para a diminuição do défice e, por fim, possui uma dimensão

política, já que no campo do discurso o Estado conquista a legitimidade por parte

da população empobrecida.

Trata-se de um programa monstruoso tendo em consideração os recursos (até

o momento em torno de 70 bilhões de reais foram gastos no programa), mas que

produz monstruosidades. Passados seis anos o MCMV não conseguiu entregar as

unidades da meta. Os movimentos sociais foram excluídos e substituídos pelos

empresários da construção civil no processo de elaboração do PMCMV. Logo,

parafraseando Boron (2000), o empresariado se apresenta na atualidade como o

grande Leviatã da política de habitação popular.

O citado programa, na sua modalidade entidades, constitui-se da única forma

que os movimentos sociais que trabalham o direito a moradia, veem a possibilidade

de construir, porém essa possibilidade se esbarra na compra do terreno, por causa

da especulação imobiliária. Portanto, esses movimentos sociais veem na ocupação

de prédios vazios, que não cumprem a função social, a única forma de viabilizar

moradia nas áreas centrais das cidades para trabalhadores pobres, muito embora

existam experiências com várias prefeituras que disponibilizam terras públicas no

centro, ou imóveis que não estão sendo utilizados.

No que diz respeito às formas de resistência no campo da habitação, no caso

português, há o início de uma tentativa de mobilização na organização dos grupos

que mais são afetados pela crise, a saber: a população em situação de inadimplência

com relação ao financiamento das casas; a população que vive nas casas públicas

sob regime de arrendamento; os grupos que sofreram com o despejo a partir de um

processo de regularização de terrenos. Com relação a esse último, cabe lembrar que

tais casas foram construídas ainda na década de 1970, e nesse momento os bancos

estão comprando esses terrenos em um jogo de interesses entre Câmaras Municipais

e bancos, retirando assim a população moradora. Na altura da construção das casas,

esses bairros considerados periferias são agora localidades estratégicas, do ponto

de vista da especulação imobiliária, já que contam com serviços como linha de

metrô, linhas de trem suburbano.

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As experiências de despejos ocorreram em bairros nos quais grande parte dos

moradores é africana e a forma com que os despejos ocorrem revela uma atitude

racista. Considera-se que essa população, muitos membros naturalizados

portugueses, que imigraram em 1970, contribuíram e muito com o Estado

português, trabalhando em obras estratégicas para o desenvolvimento econômico e

social do País, mas que hoje estão desempregados, e se não bastasse essa situação,

ainda convivem com os casos de despejos frequentes. O coletivo habita pelo direito

à habitação e à cidade é um coletivo político de que tenta organizar a população e

unir os vários atingidos de forma ou de outra pelos efeitos da atual crise.

No Brasil, os movimentos sociais possuem uma longa trajetória de luta pela

reforma urbana, os dois movimentos que foram pesquisados, tanto o MNLM quanto

o MTST, têm experiências acumuladas na luta pela socialização do solo urbano. Ao

ocupar instâncias governamentais (Ministérios das Cidades e Caixa Econômica

Federal) para mudar as regras de programas habitacionais, está garantindo a

inclusão dos segmentos mais empobrecidos da população e forçando o programa a

cumprir a função social a qual se comprometeu nos projetos e discursos políticos.

Portanto, no Brasil, quem está colocando a reforma urbana na agenda política, sem

sombra de dúvidas, são os movimentos sociais.

Considera-se que a definição do lugar de todos no espaço urbano é uma ampla

disputa no conjunto da sociedade, portanto percebe-se que os projetos no âmbito da

reforma urbana têm atendido aos interesses do grande capital, projetos esses

implementados à luz da lógica do mercado e sem a garantia do controle social.

Esse instrumento vem perdendo força nesta conjuntura. Nota-se que por mais

que se tenha avançado na elaboração de instrumentos de gestão do urbano, não se

tem garantido o direito pelo acesso aos serviços e equipamentos urbanos; o direito

a um ambiente urbano saudável; o aceleramento da construção da moradia popular;

a prioridade no transporte coletivo; uma segurança pública democrática baseada no

respeito aos direitos humanos; o desenvolvimento econômico que integre os

direitos sociais; a ampliação dos serviços de água, esgoto e lixo; trabalho e

distribuição de renda; e a implementação do direito à cidade.

Considera-se, em termos gerais, que a situação de moradia da classe

trabalhadora vem somente se agravando neste século. Mesmo no velho mundo, em

que no período pós Segunda Guerra Mundial, alguns países vivenciaram o chamado

Estado de Bem Estar-Social, percebeu-se o empobrecimento por parte da

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população. Durante a estadia pela Europa, com o olhar atento de pesquisador

voltado para a questão social, o que se notou foi, não apenas em Portugal, como em

um significante número de países, um volume cada vez maior de pessoas que vivem

nas ruas, além da ampliação das condições de pobreza, da criminalidade visível nas

cidades, da violência, além do trabalho informal.

Levando em consideração que o aumento dos índices atuais de pobreza da

população portuguesa também é consequência das medidas de austeridade adotadas

pelo Estado, considerando o poder que as instituições financeiras exercem no

processo de financeirização da economia do País, levando em conta o

aprofundamento do endividamento das famílias no que tange ao financiamento da

habitação e o respaldo do Estado nesse processo, tendo em vista que a grande

quantidade de casas vazias, atualmente sob poder dos bancos, foram construídas

com o dinheiro público de bonificação. Sugere-se que a desventura daqueles que

precisam de casa seja solucionada com a ocupação das casas vazias. Porem entende-

se que tal medida dependerá a) da forte intervenção do Estado na problemática, b)

do aumento do grau de consciência política da população em geral para pressionar

o Estado c) da capacidade de negociação e de luta por parte dos movimentos

sociais.

Considera-se que no Brasil o modelo de segregação permanece, o processo

de transformações estruturais foram interditadas e estão sendo adiadas, é claro que

pode se contar com avanços, mas as transformações distributivistas

democratizantes e participativas, que incluem o processo de urbanização, estão

longe de se efetivar. Dentro dessa ausência de transformações estruturais pode-se

incluir o processo de urbanização. Nesse sentido, o modelo de segregação

socioespacial não só permanece como também é aprofundado.

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8 Apêndices

8.1. Apêndice 1 – Roteiro de entrevista – Pesquisadores e Elaboradores de Política Urbana em Portugal

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local e data: Lisboa (04/07/2014) e Porto (12/12/2014)

1- Quais as mudanças que vem ocorrendo no campo da habitação social nesse

século XXI?

2- Existe orientação da União Europeia, no que diz respeito aos países gerir seu

orçamento nas politicas sociais e consequentemente na habitação?

3- Você fez parte da equipe de pesquisadores na elaboração do Plano Estratégico

Nacional de Habitação de Portugal, como foi pensado esse plano, para que

foi pensado esse plano, quando se iniciou as discussões em torno dessa

proposta ?

4- Acha que o plano estratégico da habitação que a sua equipe ajudou a formular

não foi implementado por que não havia condições, e as propostas que ali

foram citadas não havia muitas alternativas?

5- Por que motivos o Plano não propunha mais habitações novas ?

6- Existe uma tendência em toda Europa pela reabilitação urbana? Como é aqui

em Portugal?

7- Existem movimentos sociais que lutam pelo direito a habitação em Portugal

? o que você acha deles ?

8- O PER realizou 35.000 substituições em casas na condição de barracas, ainda

existem bairros em condições de barraca?

9- Em sua opinião quais são os principais efeitos dessa crise mundial em

Portugal

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8.2. Apêndice 2 – Roteiro de entrevista – Gestores da política urbana - Portugal

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local: Lisboa - Portugal

Data: 25/11/2014 e 01/12/2014

1- Quem é você ? E que cargos ocupou no campo da política de habitação em

Portugal e em qual período?

2- Como é a gestão da política de habitação em Portugal

3- Como surgiu a ideia de elaborar um Plano Estratégico Nacional de Habitação

4- De acordo com o diagnostico oferecido pela equipe que elaborou o plano

estratégico de habitação em Portugal, há um consenso que esse plano não

previa a construção de novas unidades habitacionais em Portugal, pois já não

havia necessidades de novas, uma vez que havia estoques, isso já é uma

repercussão da crise econômica?

5- No momento em que o plano não propunha mais novas construções, houve

reação por parte dos bancos e das imobiliárias, já que esses exercem forte

poder?

6- E como era a relação com os movimentos sociais?

7- Como se da a relação da habitação com a política da cidade em Portugal ?

8- Acredita na possibilidade de desenvolver novos bairros de lata ou de

barracas?

9- Houve naquele momento da crise cortes nos recursos na pasta da questão

urbana, no sentido de inviabilizar propostas pensadas pelo plano estratégico

de habitação?

10- Em Portugal muitas famílias devolveram as casas aos bancos, os dados

mencionam sempre em milhões de euros, porque os bancos não gostam de

mostrar dados com o numero de famílias?

11- Como atuam os bancos e as empreiteiras na politica de habitação em Portugal

12- Quais são os impactos da crise na habitação em sua opinião?

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8.3. Apêndice 3 – Roteiro de entrevista – líder do Habita – Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade - Portugal

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local: Sede do Coletivo Habita, situado na Rua dos Anjos, n° 12F, em Lisboa.

Data: 16/12/2014

01- Quem é você, diga sobre a sua participação na liderança do HABITA

02- Há quanto tempo vocês atuam aqui na Área Metropolitana de Lisboa (AML)

03- Quais as principais demandas aqui hoje na ocupação.

04- Como tem sido o diálogo com as instituições públicas responsáveis pela

politica de habitação, como por exemplo, o IRHU (Instituto de Habitação e

reabilitação urbana?)

05- Quais atividades vocês elaboraram aqui

06- Como o Habita avalia os Programas de Realojamento que existem desde

1993.

07- Qual o perfil das famílias que vocês atendem ?

08- Qual a interlocução do HABITA com essas famílias onde vocês encontraram

elas ?

09- Desde que cheguei a Portugal, acompanhei varias demolições e despejos nas

cidades da grande Lisboa, bairros onde habita a população pobre. Qual o

motivo dessas demolições.

10- As pessoas que estão sendo desalojadas, para onde estão indo ? Existe alguma

alternativa para essas pessoas?.

11- Como você percebe a possibilidade do retorno das barracas

12- Como você vê as consequências da crise sobre a politica de habitação a partir

do que tem visto na sua experiência no Habita ?

13- Existe um memorando entre Portugal e Tróika que liberaliza a lei de rendas,

qual a avaliação do Habita sobre esse documento.

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8.4. Apêndice 4 – Roteiro de entrevista – Moradores em Portugal

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Entrevisto 01 – Usuário do crédito bonificado

Local : Lisboa 31/12/2014

Roteiro:

Você foi uma das pessoas que teve fácil acesso ao credito bonificado, e atualmente

encontra-se em situação de inadimplência junto ao banco, gostaria que você falasse

livremente um pouco dessa situação.

Entrevisto 02- Vítima de despejo e desmoronamento

Local : Amadora : 31/12/2014

Roteiro:

Tem ocorrido uma série de despejos seguidos de demolições em bairros nas cidades

da AML, entre eles o bairro Filomena aqui na Amadora, que recentemente foi

demolido com bastante violência contra os moradores. Você que foi moradora do

bairro Filomena, e foi expulsa de lá, e teve a casa derrubada. Conte-me, de forma

livre, como se deu essa situação a qual você está passando.

8.5. Apêndice 5 – Roteiro de entrevista - representante do Conselho Nacional de Cidade - ConCidades – Brasil

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local: Rio de Janeiro-RJ

Data: 27/08/2015

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1- Como o ConCidades (sociedade civil) percebe o minha casa minha vida

2- Como o ConCidades (sociedade civil) você percebe o minha casa minha vida

na modalidade entidades

3- Sendo um representante da sociedade civil no ConCidades quais os ganhos

políticos do MCMV na modalidade Entidades ?

4- Que função politica tem o MCMV

5- Que função econômica tem o MVMV

6- Qual a função social do MCMV

7- Quais são as principais questões postas hoje dentro do ConCidades

8- Como você avalia a representação dos movimentos sociais dentro do

ConCidades.

8.6. Apêndice 6 – Roteiro de entrevista – Líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) - Brasil

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local : Niterói- RJ

Data: 30/08/2015

01- Quem é você, diga sobre a sua participação na liderança do MTST

02- Quando aconteceu a “ocupação 07 de abril”

03- Há quanto tempo vocês atuam aqui em Niterói

04- Atualmente quantas ocupações vocês tem aqui em Niterói ou na região

metropolitana do Rio de Janeiro ?

05- Com relação a essa ocupação “07 de abril” , como era esse espaço ?

06- Como foi o processo de ocupação.

07- Ao ocupar o terreno, houve algum preconceito por parte da população

vizinha?

08- Existem muitas mulheres no movimento, qual a contribuição delas para o

MTST.

09- Quais as principais demandas aqui hoje na ocupação.

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10- Como você avalia as negociações com os diferentes governos federal ,

estadual ou municipal?

11- Quais atividades vocês elaboraram aqui

12- Como o MTST avalia o MCMV ?

13- E o MCMV na modalidade entidades, como vocês avaliam ?

14- Qual o perfil das famílias que fazem parte aqui da ocupação ?

15- Qual a interlocução do MTST com essas famílias onde vocês encontraram

elas ?

8.7. Apêndice 7 – Roteiro de Entrevista – Líder do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM)

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local: Sede da Ocupação Manuel Congo, centro da cidade do Rio de Janeiro - RJ

Data: 04/09/2015

01- Quem é você e qual a sua participação na liderança do MNLM

02- Quando aconteceu a ocupação Manuel Congo ?

03- Há quanto tempo vocês atuam aqui no Rio de Janeiro.

04- Atualmente quantas ocupações vocês tem aqui no Rio de Janeiro ?

05- Com relação a essa ocupação aqui na Cinelândia , como era esse espaço ?

06- Como foi o processo de ocupação.

07- Ao ocupar o edifício, houve algum preconceito por parte da população

vizinha?

08- Existem muitas mulheres no movimento, qual a contribuição delas para o

MNLM.

09- Quais as principais demandas aqui hoje na ocupação.

10- Como você avalia as negociações com os diferentes governos municipal ,

estadual ou municipal?

11- Quais atividades vocês elaboraram aqui

12- Como o MNLM avalia o MCMV ?

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13- E o MCMV na modalidade entidades, como vocês avaliam ?

14- Qual o perfil das famílias que fazem parte aqui da ocupação ?

15- Qual a interlocução do MNLM com essas famílias onde vocês encontraram

elas ?

8.8. Apêndice 8 – Roteiro de entrevista – moradores - Brasil

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local e data:

Em 30/08/2015 na ocupação 07 de abril em Niterói- RJ

Em 04/09/2015 na Ocupação Manuel Congo - Rio de Janeiro- RJ

1 – Como é o seu nome, desde quando entrou no Movimento?

2- Quantas pessoas moram na sua casa

3- Quem da sua famílias está nessa ocupação

4-Voce tem cadastro no Minha Casa Minha Vida

5- porque ocupou aqui ?

5-Sua casa é própria, cedida, ocupação, aluguel social, mora de favor, se alugada

qual o valor ?

6- Você recebe algum beneficio social?

7-Qual a renda familiar?

8-Qual o seu vinculo empregatício?

9- A segunda pergunta é: por que ocupar?

10-Algum comentário mais? Então eu agradeço pessoal, muito obrigado mesmo

pela disponibilidade de vocês.

11- o que você está aprendendo aqui na ocupação.

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8.9. Apêndice 9 – Roteiro de entrevista – Pesquisador LabHab/USP- Brasil

Entrevistador: Ciro Andrade da Silva

Local : USP – São Paulo

Data: 09/09/2015

1- No decorrer do século XXI, houve vários avanços na consolidação de uma

legislação urbana brasileira. Um dos exemplos é o Estatuto da Cidade, logo

depois vieram os planos diretores e o controle social (conselhos da cidade,

conferencias e fundos de habitação) e agora a atual política de habitação.

Essas mudanças apontavam para um avanço na direção da reforma urbana.

Como você vê esse percurso e as dificuldades nos dias atuais?

2- Professor, por que defendeu recentemente que o programa minha casa minha

vida (MCMV) é um desastre urbano?

3- Qual o papel das prefeituras no Minha Casa Minha Vida

4- Que função política tem o MCMV

5- Que função econômica tem o MVMV

6- Qual a função social do MCMV

7- Como você percebe o Minha Casa Minha Vida Entidades?

8- Como você percebe os movimentos sociais urbanos na atualidade ? Houve

alguma mudança no que diz respeito ao perfil desses movimentos?

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