Tese Doutorado Roberta

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Arquitetura de Baixo Impacto Humano e AmbientalRoberta C. Kronka Mlfarth

So Paulo Dezembro 2002

UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

Roberta C. Kronka Mlfarth

ARQUITETURA DE BAIXO IMPACTO HUMANO E AMBIENTALVol.01

Tese apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo para a obteno do grau de doutor. Orientador: Prof. Dr. Ualfrido Del Carlo

So Paulo Dezembro/2002

Dedico este trabalho s pessoas que acreditam que podem e querem mudar o Mundo...

Esta pesquisa foi realizada com o apoio da FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo.

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Agradeo, FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo, pelo apoio sem o qual no seria possvel a realizao deste trabalho; ao meu orientador, Ualfrido Del Carlo, pela dedicao, entusiasmo e sabedoria, que me contagiaram durante todo o perodo de pesquisa, e me trouxeram ensinamentos no s para esta tese, mas principalmente para a minha vida; ao meu marido, pelo companheirismo e compreenso em todos os momentos de dificuldades para finalizao da pesquisa, incluindo a participao especial no LAME; ao meu pai, que durante toda a pesquisa me forneceu vasto material bibliogrfico que foi de grande utilidade, alm das sugestes e crticas que foram extremamente importantes especialmente na etapa de finalizao da tese; minha me e minhas irms pela compreenso durante toda a pesquisa, principalmente nas fases de incertezas e dificuldades; Leni, pelo capricho e dedicao na edio final do trabalho; amiga Joana Carla S. Gonalvez, pela pacincia, pela constante troca de idias neste processo e por todo material bibliogrfico, incluindo as imagens, que muito ajudou na elaborao deste trabalho; amiga Stamatia Kouliumba pela fora em todas as etapas; Mrcia Alucci pelas idias e questionamentos que me ajudaram muito para a concluso da pesquisa; amiga Denise Duarte pelo incentivo e apoio principalmente nas etapas finais deste trabalho; a todos os funcionrios do LAME, o Leo, Alcino, Rocha, Z, Larcio, D. Luiza e Celso, pela ajuda para a construo do Jardim Sustentvel; aos funcionrios do Instituto Florestal, pelo total apoio na fase final de edio e impresso da tese; s funcionrias do AUT/FAU, Silvana, Lcia e Viviane pelo constante apoio durante as atividades realizadas para a pesquisa de doutoramento; aos funcionrios da Secretaria da FAU Maranho, por todo o apoio durante estes anos de pesquisa;

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Resumo AbstractDiante de um cenrio de degradao ambiental global, escassez de matria-prima, de gua, de energia, aumento da poluio, crise social e econmica, feita a proposio de uma Arquitetura de Baixo Impacto Humano e Ambiental (ABIHA). Todas estas variveis trazem novos elementos Arquitetura aumentando sua complexidade e fazendo com que haja necessidade de adaptao. Apesar de todas as incertezas e contradies envolvendo as questes de sustentabilidade, seus conceitos e a sua aplicao na Arquitetura so abordados neste contexto. Alm das questes conceituais so apresentadas aplicaes prticas da ABIHA, no Jardim Sustentvel, na Reciclagem do Galpo da POLI, e no Mini Laboratrio de Conforto e Eficincia Energtica. Estas aplicaes serviram de base para a proposta de Sistematizao que apresentada no final deste trabalho como parte das concluses finais. Esta proposta porm, apenas incio de muitas pesquisas que ainda devem ser feitas rumo a uma Arquitetura mais Sustentvel.

The actual global environmental context is one of fierce degradation; reflecting in the exhaustion of natural sources, increase of air, soil and water pollution, and social and economic crises. Facing such a scenario, it is proposed in this work, principals of architecture of low human and environmental impact (arquitetura de baixo impacto humano e ambiental) ABIHA. All these variables bring new parameters to the design of buildings, including their entire life cycles. Under these new circumstances, it is observed an increase of the complexity in this design process, making necessary discussions for chance. Despite all the uncertainties and contradictions about issues of sustainability, their concepts, as well as their applications are approached in the context of this work. Besides the conceptual matters, practical applications of ABIHA are carried out, in the example of the sustainable garden, warehouse recycling and the movable environmental laboratory (sensors and data loggers). Such experiences of practical applications were fundamental to create the basis for the methodological assessment proposed as part of the final conclusions of this research. However, this procedure of evaluation is understood merely as the beginning of a big range of other researches, which should be developed towards a more sustainable architecture.

Sumrio

Agradecimentos .......................................................................................................................................... vii Resumo e Abstract ..................................................................................................................................... viii

IntroduoSustentabilidade, o Arquiteto e a Arquitetura ................................................................................................ 1 Conceituaes Bsicas .................................................................................................................................. 7

Parte 1 - Contexto Global e a Sustentabilidade1 Contexto Global ................................................................................................................................... 19 1.1 Panorama Histrico - A necessidade de desenvolvimento de uma arquitetura com baixo impacto humano e ambiental (ABIHA) .......................................................................................................................... 19 1.2 Panorama atual - Em busca da sustentabilidade ................................................................................. 25 2 Sustentabilidade ................................................................................................................................. 31 2.1 A sustentabilidade: caracterizao, conceitos e contradies .............................................................. 31 2.2 Formas de atuao para implantao da sustentabilidade .................................................................... 39 A Agenda 21 .................................................................................................................................. 44 Iso 14000 ...................................................................................................................................... 45 Exemplos significativos no Brasil. ...................................................................................................... 47 2.3 Barreiras encontradas para a implantao de referenciais sustentveis .................................................. 48 Barreiras ambientais ....................................................................................................................... 49 A dimenso humana ....................................................................................................................... 50 Limitaes polticas e econmicas ...................................................................................................... 54 2.4 Algumas consideraes sobre a necessidade de implantao de bases mais sustentveis .......................... 56

Parte 2 A Arquitetura e a Sustentabilidade3 Sustentabilidade e a Arquitetura .......................................................................................................... 65 3.1 A Arquitetura e a Nova Realidade .................................................................................................. 65 3.2 Aspectos econmicos da arquitetura de baixo impacto humano e ambiental (Abiha) ............................. 74 3.3 A utilizao dos sistemas especiais ................................................................................................... 79 gua .............................................................................................................................................. 81 Energia .......................................................................................................................................... 84 3.4 Experincias para uma arquitetura de menor impacto ......................................................................... 89 Instituies de destaque ................................................................................................................... 90 Softwares existentes ......................................................................................................................... 97 Anlise dos trabalhos em que a pesquisa se fundamentou ...................................................................... 99 O Brasil ........................................................................................................................................ 104

4 Sustentabilidade e os Materiais Construtivos ..................................................................................... 109 4.1 A importncia da escolha correta dos materiais construtivos ............................................................. 109 4.2 Os materiais construtivos .............................................................................................................. 115 Materiais orgnicos ........................................................................................................................ 115 Materiais cermicos ....................................................................................................................... 117 Materiais metlicos ........................................................................................................................ 118 4.3 Parmetros de anlise dos materiais construtivos ............................................................................. 118 Fabricao .................................................................................................................................... 118 Utilizao ..................................................................................................................................... 120 Ps-utilizao ................................................................................................................................ 122 4.4 Anlise desempenho ambiental e econmico dos materiais construtivos aplicao do software Bees 2.0 ... 123 Mtodo Bees .................................................................................................................................. 124 Impactos ambientais considerados no Bees 2.0 .................................................................................. 124 4.5 Algumas consideraes sobre a necessidade de uma arquitetura de baixo impacto humano e ambiental. 127

Parte 3 - Algumas Aplicaes para uma Arquitetura mais Sustentvel5 A Proposta do Jardim Sustentvel ...................................................................................................... 139 5.1 A permacultura nos centros urbanos Mudanas nos hbitos da populao ........................................ 139 5.2 O Jardim Sustentvel .................................................................................................................... 142 Montagem do poste ........................................................................................................................ 144 Confeco das caixas das verduras ................................................................................................... 148 Montagem do jardim no LAME ......................................................................................................... 150 5.3 Resultados iniciais e futuras etapas ................................................................................................ 157 6 A Reciclagem do Galpo da Poli / USP ................................................................................................ 159 6.1 O processo de desmontagem .......................................................................................................... 159 6.2 Consideraes sobre as etapas realizadas e futuras proposies .......................................................... 169 7 O Mini Laboratrio de Conforto e Eficincia Energtica ...................................................................... 171 7.1 A importncia da avaliao das condies de conforto e eficincia energtica de uma edificao .......... 171 7.2 A utilizao de data loggers - HOBOs .............................................................................................. 172 7.3 Consideraes sobre a aplicao de conceitos de uma ABIHA, e futuras proposies ............................. 176 8 Proposta de Sistematizao para a ABIHA ........................................................................................... 179 8.1 Mudanas rumo a uma arquitetura mais sustentvel Consideraes Finais. ........................................ 189 Referncias Bibliogrficas .................................................................................................................... 193 Bibliografia Adicional Consultada ........................................................................................................ 207 Glossrio .............................................................................................................................................. 213 Siglas e Abreviatura ................................................................................................................................ 217 Lista de Fotos ......................................................................................................................................... 219 Anexos .................................................................................................................................................. 220

Introduo

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Sustentabilidade, o Arquiteto e a Arquitetura Viso CrticaTodo este perodo em que foi realizada a pesquisa do doutorado foi extremamente enriquecedor, no s pela oportunidade de nos aprofundarmos em um assunto fascinante, mas principalmente pelo desafio de propormos solues para um universo ainda to desconhecido e inexplorado como o da sustentabilidade. Sustentabilidade. Termo amplamente utilizado, que se tornou banalizado, uma vez que acabou sendo referncia para tudo, utilizada por todos e significando tudo.... At mesmo por esta impreciso, o conceito de sustentabilidade foi e ainda est sendo utilizado de forma completamente relativa, onde aspectos referentes sobrevivncia ou ao conforto do usurio so colocados no mesmo prato da balana. O que vem a ser sustentvel para a populao de uma favela ? A eletricidade uma questo de sobrevivncia para algumas tribos da frica ? Voc j tentou ficar sem energia durante 24 horas ? Mas mesmo neste universo de dvidas e de imprecises, a Sustentabilidade passou a ser a nica esperana para uma possvel ameaa de continuidade de vida no planeta. Houve momentos em que pensamos na possibilidade de eliminar esta palavra da tese e de todos os trabalhos que fomos desenvolvendo ao longo de toda a pesquisa. Confessamos que foi uma espcie de saturao com o termo tal a banalizao que notvamos no meio. Porm, com o andamento da pesquisa, avaliamos a possibilidade de sua utilizao, com as devidas conceituaes como poder ser visto no decorrer do trabalho. E a Arquitetura? Como deve se enquadrar diante de um mundo que estranhamente s h alguns anos acorda para esta realidade? E o declnio das populaes de anfbios e reduo dos corais nos mares e oceanos? Qual a sua relao com a Arquitetura ?

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Arquitetura de baixo impacto humano e ambiental

O contato com assuntos aparentemente estranhos ao universo da Arquitetura fez-nos constatar que estvamos abordando um assunto no somente complexo e amplo, mas principalmente desconhecido. Estas inter-relaes de reas do conhecimento enriqueceu muitssimo a pesquisa, apontando-nos a cada passo para o amadurecimento das propostas que so aqui apresentadas. Neste processo surgiram vrias outras palavras mgicas que procuraram, de certa forma, caracterizar o que seria uma Arquitetura Sustentvel, como : a Arquitetura Verde, a Ecolgica, a Ambientalmente Correta, a de Baixo Impacto, entre muitas outras. A Arquitetura possui papel fundamental na reduo dos impactos gerados na natureza? Qual o seu real impacto? E qual seria o caminho para fazer desta Nova Arquitetura um veculo para implantaes de mudanas a caminho de um futuro menos incerto? Materiais construtivos com baixo ndice de energia embutida, utilizao de elementos da Arquitetura Vernacular, painis fotovoltaicos, sistemas construtivos racionalizados e modulares, energia elica, biodigestores, teto verde, permacultura, orientao das fachadas, iluminao e ventilao naturais, clulas de combustvel, geradores de energia elica, reciclagem, reaproveitamento de materiais construtivos, consumo verde, edifcios inteligentes, comunidades alternativas, armazenamento da gua da chuva, reutilizao das guas cinzas, sensores de temperatura e de presena, tcnicas passivas de condicionamento trmico, pegada ecolgica, adensamento dos grandes centros, transporte coletivo, softwares, arquitetura da terra, aumento das reas de drenagem, diminuio do impacto da construo, utilizao de materiais construtivos provenientes da localidade, planejamento na fase de projeto, eletrodomsticos com baixo consumo de energia.... O que fazer diante deste universo de possibilidades? Qual o melhor caminho? Como avaliar, quantificar e justificar os aspectos ambientais de determinada deciso se os aspectos econmicos ainda so, atualmente, os mais importantes ? O que deve ser feito para incluso de novos valores, no s na arquitetura mas tambm na sociedade? Neste contexto, a Arquitetura no ser modificada, mas ter que incorporar referenciais mais sustentveis. Esta Nova Arquitetura refere-se a um processo de retomada de valores, somados s variveis de Sustentabilidade. Muitos arquitetos e pesquisadores apontam para a tecnologia como o elemento chave neste processo. Outros j observam que a tecnologia est em constante mudana e no pode ser obstculo para a busca de solues, sendo apenas um dos meios possveis a caminho de aes efetivas para uma Arquitetura mais Sustentvel.

Introduo

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Inicialmente pensvamos em propor diretrizes para uma Arquitetura de Menor Impacto Energtico e Ambiental, no somente nas fases de projeto, mas de construo, utilizao e demolio ou reutilizao da edificao. Este trabalho surgiu como desdobramento do mestrado, onde avaliamos o consumo energtico embutido em materiais construtivos de menor impacto ambiental. Todas estas premissas, porm, foram sendo reavaliadas no decorrer da pesquisa, e constatamos que a abordagem somente dos aspectos ambientais estaria incompleta caso no fosse complementada com os humanos. O que adiantaria resolver o consumo de gua, de energia, e utilizar materiais de baixo impacto ambiental na edificao, se aspectos como o desemprego, a fome, a desigualdade econmica, os aspectos culturais, a segregao racial, desestruturam toda a organizao da sociedade no promovendo a sua sustentabilidade? Como falar na utilizao da gua da chuva se muitas pessoas no tem sequer o que comer, nem onde morar? Seria sustentvel utilizar material construtivo de baixo ndice de energia embutida, proveniente da localidade da construo, mas que fosse produzido com a utilizao de mo-de-obra infantil? O que realmente deve pesar na definio da sustentabilidade de determinado item da edificao? Nesta fase da pesquisa percorremos um universo de problemas e de solues. A pesquisa, que j parecia ampla e complexa, ampliou-se ainda mais, trazendo novos elementos de reflexo para o processo de elaborao da tese. Apesar da aparente complexidade dada ao tema com a incluso do aspecto humano, houve, um redirecionamento de todo o trabalho. Desta forma, ento, j no falvamos mais em Arquitetura de Baixo Impacto Energtico e Ambiental, mas sim em Arquitetura de Baixo Impacto Humano e Ambiental (ABIHA). J estvamos conscientes de que toda pesquisa refletia no s aspectos da arquitetura, e seus possveis impactos, mas que tambm estvamos passando por um perodo de necessidade de mudanas profundas na sociedade, onde a ao do homem em transformar a natureza se tornou insustentvel e que estas mudanas necessrias e urgentes s seriam possveis com novos paradigmas. Sabamos que os aspectos de reduo dos impactos provenientes da construo, utilizao e demolio (reutilizao ou reciclagem) de uma edificao eram apenas parte de um contexto muito mais amplo. Uma reduo total deveria necessariamente passar pela mudana nos padres de vida e de consumo da sociedade. Ao falarmos da reduo dos impactos na arquitetura certamente teramos que abordar estes aspectos.

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Arquitetura de baixo impacto humano e ambiental

Todo o processo de elaborao das diretrizes de projeto, construo, utilizao, demolio ou reutilizao deveriam necessariamente, agora, incorporar os aspectos humanos envolvidos em toda problemtica. A Arquitetura de Baixo Impacto Humano e Ambiental parte condicionante de uma sociedade consciente, e que a implantao desta arquitetura no possui limites, sendo necessrio um mtodo para aproximao sucessiva visando alcanar a sustentabilidade nas edificaes. A utilizao de sistemas especiais1 de instalaes e solues de menor impacto ambiental, aliadas s mudanas de comportamento incentivadas pelas novas propostas arquitetnicas, como ponto de partida para a sustentabilidade, trariam redues significativas no consumo de gua, de energia e de materiais construtivos, alm de vantagens ambientais, sociais, culturais e econmicas. Um aspecto crucial nesta pesquisa a constatao de que na maioria das vezes as premissas e diretrizes desta nova arquitetura, da arquitetura sustentvel, so obvias, e a no utilizao destes conceitos algo injustificvel. O que faz com que conceitos simples e at j conhecidos, como a minimizao do consumo de energia, a reutilizao, a reciclagem, a minimizao das perdas, entre muitos outros, no sejam incorporados pelos arquitetos, engenheiros, paisagistas e outros profissionais da rea? No seria lgico que se projetasse com o objetivo de minimizar as perdas na etapa construtiva? Uma vez que estas perdas refletem no s impactos ao Meio Ambiente, mas tambm perdas econmicas? Se fssemos analisar a maioria dos projetos atuais, no esta a ao encontrada. Mas porqu? Em todo este processo de elaborao da pesquisa houve a necessidade de arquivar grande nmero de imagens que refletiam aspectos

1 Sistemas especiais definem solues tcnicas, que em uma etapa inicial, visam maior eficincia na utilizao dos recursos naturais, alm da diminuio nos impactos gerados, por exemplo, sistemas fotovolticos para gerao de energia, utilizao da gua da chuva, entre muitos outros que sero citados no decorrer da tese. Desta forma, os sistemas especiais so solues, no convencionalmente utilizadas, no includas nas normas brasileiras, que tenham como objetivo principal a eficincia energtica, o uso de fonte de energia renovvel (energia solar, elica, por exemplo), o controle do impacto direto e indireto sobre o meio ambiente e a utilizao de prticas de conservao e de reciclagem (utilizao da gua da chuva, construo com materiais de baixo contedo energtico ou reutilizados, por exemplo) (SERRA,2001).

Introduo

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que estavam sendo analisados. Optamos por documentar e ilustrar o mximo possvel este trabalho, no s pela importncia do registro, mas tambm pelo fato das imagens serem um poderoso instrumento na arquitetura. Mesmo assim, o grande nmero de imagens no utilizadas gerou o CD que se encontra em anexo, com imagens relevantes obtidas durante a pesquisa. Esta pesquisa encontra-se dividida em trs partes: ! Parte 01 Contexto Global e Sustentabilidade. ! Parte 02 A Arquitetura e a Sustentabilidade. ! Parte 03 Algumas aplicaes para uma Arquitetura mais Sustentvel. Na primeira abordado o Contexto Global atual que gerou este quadro de degradao do Meio Ambiente e a necessidade de adaptao da Arquitetura e da sociedade como um todo. Tambm so analisados os aspectos relacionados com a Sustentabilidade, seus conceitos, seus princpios, suas contradies, aes para aplicao de referenciais mais sustentveis e as barreiras encontradas. A Arquitetura e a Sustentabilidade analisada na segunda parte. Todas as dificuldades, aes j implantadas, contradies, so avaliadas no contexto atual onde vrios aspectos devem ser revistos. Vrias experincias so relatadas, como exemplos de tentativas de aplicao de novos referenciais. A utilizao dos Materiais Construtivos dentro destes novos parmetros de anlise tambm avaliada. A terceira parte mostra a aplicao dos conceitos de uma Arquitetura de Baixo Impacto Humano e Ambiental (ABIHA) em experincias prticas. No decorrer da pesquisa, sentimos a necessidade de mostrar como aplicar as diretrizes propostas. Houve a oportunidade de utilizar exemplos de aplicaes prticas, que foram de extrema importncia para o embasamento da pesquisa. Desta forma foi proposto o Jardim Sustentvel, o Mini Laboratrio de Conforto e Eficincia Energtica, e foi analisada a primeira etapa da Reutilizao do Galpo da POLI. O Jardim Sustentvel no apenas um jardim til que incorporou a utilizao da energia solar e a utilizao da gua da chuva, alm de todo o processo de reaproveitamento e reciclagem na sua construo. uma proposta de mudana de hbitos, e suas diretrizes podem e devem ser aplicadas em qualquer edificao, em qualquer etapa necessria.

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Foi extremamente enriquecedor o acompanhamento de todo o processo de execuo do Jardim Sustentvel, na FAU. A implantao deste, junto ao LAME Laboratrio de Modelos da FAU, fez com que todos os funcionrios se envolvessem, dando sugestes, idias, mostrando suas habilidades agrcolas, e at mesmo trabalhando junto na execuo dele. De repente, nos deparvamos dando explicaes sobre painis fotovolticos e reaproveitamento da gua da chuva para funcionrios que, em alguns casos nem sequer possuem alfabetizao. A perspectiva de produzir verduras frescas , como eles mesmos passaram a falar, talvez tenha criado esta unio entre os funcionrios. O Mini Laboratrio de Conforto e Eficincia Energtica, alm de incorporar na sustentabilidade de uma edificao as questes de conforto 2 , reflete uma postura nossa de utilizao de novas tecnologias, passando para um contexto muito mais competitivo uma anlise que antes era economicamente invivel. A anlise do desempenho energtico na fase de utilizao de uma edificao, tambm necessria, no s para a avaliao das solues adotadas, mas tambm para proposio de novas alternativas. O processo de desmontagem e reutilizao do Galpo da POLI foi extremamente enriquecedor, apesar de termos a oportunidade de acompanhar, para esta pesquisa, apenas a primeira etapa do processo. Trabalhamos com mo-obra-de uma Cooperativa criada dentro da USP, que tem como objetivo principal a criao de empregos para os moradores da favela do Jaguar. Em pouco tempo de trabalho, ainda no incio da desmontagem e separao do material construtivo, pudemos observar a empolgao dos trabalhadores com a novidade, novidade esta que nos surpreendeu, uma vez que supnhamos que por se tratarem de moradores de favela estariam acostumados com o reaproveitamento dos materiais. Estvamos enganados. Eles estavam habituados com a utilizao de restos, ao passo que o nosso processo no gerava lixo, pelo contrrio, procurava reaproveitar tudo, dentro da funo mais apropriada. No demorou muito para ouvirmos relatos de restauros e reutilizao de materiais que os trabalhadores comearam a realizar nas suas casas. O que gera este sentimento nas pessoas? Ser que a possibilidade de reutilizar algo que na maioria das vezes iria parar no lixo? Existe alguma forma de preconceito quando a esta prtica? O que faz com que a maioria das pessoas fique fascinada com a possibilidade de reciclar, reutilizar? Ser um tmido prenncio de conscincia ambiental na sociedade? Durante este processo passamos a acreditar que somente com mudanas estruturais profundas na sociedade, com mudanas no modo de vida e hbitos no s dos profissionais da rea, mas da sociedade como um todo seria possvel obter resultados verdadeiros rumo a um futuro mais sustentvel.2

Iluminao, trmica, acstica

Introduo

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At ns, por acreditarmos nestas aes, passamos a incorporar no nosso dia a dia estas novas condutas. Recusar, reduzir, reutilizar, restaurar e reciclar passaram a guiar no s as propostas desta pesquisa, mas principalmente nossas aes como cidados. Acreditamos que neste sentido que os profissionais devem procurar direcionar as suas aes com o objetivo de educar e cada vez mais aumentar a responsabilidade da sociedade como um todo. Somente desta forma iremos conseguir implantar uma sociedade sustentvel, que possui como um dos agentes principais a arquitetura. Alis, quantos de vocs, que esto lendo esta pesquisa, se preocupam em reciclar o seu lixo, reaproveitar materiais velhos em sua casa, escritrio, ou at mesmo monitoram o seu consumo de energia ? Seja voc a mudana que espera ver no mundo....... Mahatma Gandhi

Conceituaes BsicasApesar das incertezas e imprecises relativas ao termo sustentabilidade, houve a necessidade da elaborao de uma conceituao bsica para esta pesquisa. Desta forma, a sustentabilidade : uma forma de promover uma busca de maior igualdade social, valorizao dos aspectos culturais, maior eficincia econmica e um menor impacto ambiental na distribuio eqitativa da matria-prima, garantindo a competitividade do homem e das cidades. Ainda no existe um respaldo cientfico para o tema sustentabilidade, pois, seu carter multidisciplinar alm de criar dificuldades nos conceitos tambm gera controvrsias nas aplicaes em vrias reas do conhecimento (SILVA,2000,p.45). Tambm fica implcita nesta conceituao que a sustentabilidade no algo que se adquira de forma completa, definitiva e permanente e no pode se revelar por meio de postulados cientficos, o seu universo fica estabelecido em princpios e diretrizes que contemplem aes e intervenes especificas e limitadas temporal e espacialmente (SILVA,2000,p.33). Segundo Silva (2000, p.98 e 99), a sustentabilidade pode ser caracterizada pelo carter: progressivo (tendncia e dinmico), holstico (plural, indissociabilidade e interdisciplinar) e histrico (espacial, temporal e participativo). Estas caractersticas apontam para uma soluo de sntese muito mais complexa, pois deve levar em conta todas estas variveis.

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O contexto atual de degradao do Meio Ambiente, escassez de recursos e o aumento da crise social, faz com que haja a necessidade de uma adaptao da Arquitetura. Uma edificao no pode mais ser vista como uma unidade isolada, mas sim como um organismo que gera impactos ao longo de todo o seu ciclo de vida: projeto, construo, utilizao, demolio, reutilizao e/ou reciclagem. Desta forma, a conceituao da sustentabilidade na arquitetura: uma forma de promover uma busca de maior igualdade social, valorizao dos aspectos culturais, maior eficincia econmica e um menor impacto ambiental nas solues adotadas nas fases de projeto, construo, utilizao, reutilizao e reciclagem da edificao, visando a distribuio eqitativa da matria-prima, garantindo a competitividade do homem e das cidades. Mesmo com o prvio conhecimento que decises na fase de projeto se tm uma maior eficincia quanto a uma efetiva reduo dos impactos, (ROGERS, 1997; YEANG, 2001) viu-se a necessidade de abordar todas as etapas do ciclo de vida de uma edificao, uma vez que as questes relacionadas com estes impactos ainda esto em fase inicial de abordagem, sendo necessria uma anlise mais global. Alm disso, somente com esta abordagem que o profissional passar a ter real dimenso das decises tomadas ainda em fases iniciais. Este fato tem tornado os projetos muito mais complexos, fazendo com que seja necessrio uma equipe multidisciplinar para a resoluo dos problemas e tomada de decises (YEANG, 2001, p.11). O arquiteto e profissionais da rea ainda no possuem conhecimento para fazer o contraponto entre as questes ambientais e o ambiente construdo, sendo necessria uma interao com profissionais de outras reas (YEANG,2001,p.31). Apesar da existncia de alguns mtodos para avaliao de vantagens ambientais, este tema ainda traz muitas controvrsias. muito relativo e de difcil avaliao o peso favorvel dado a aspectos ambientais sendo que os aspectos econmicos ainda imperam e tm total domnio nas tomadas de deciso (YEANG,2001,p.11). Esta reestruturao na Arquitetura, porm, s ser efetiva caso haja mudanas de hbitos de toda a populao, onde os profissionais passam a ser o primeiro elemento do elo de uma corrente para implantao desta profunda revoluo que dever ocorrer inevitavelmente, por uma liberdade de escolha ou at por uma questo de sobrevivncia. (COOK,2001,p.41). Neste processo, necessrio que vantagens ambientais e comportamentais sejam incorporadas em todas as fases do ciclo de vida de uma edificao, uma vez que mesmo no tendo como

Introduo

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medi-las, ou avali-las so elementos essenciais para a estruturao de uma Arquitetura e uma sociedade mais integradas. Esta Nova Arquitetura Ecolgica, Verde, Sustentvel, de Baixo Impacto Ambiental3 , deve no s minimizar os impactos gerados no Meio Ambiente, mas principalmente integrar a edificao de forma a criar efeitos positivos no meio ambiente, sendo um agente renovador, reparador e restaurador, integrando-a aos ciclos naturais da biosfera. Alm disso, a Arquitetura tem o papel de manter e gerar o bem estar da sociedade, promovendo meios de garantir a satisfao dos aspectos sociais, culturais e econmicos. Desta forma foi utilizada para conceituao desta Nova Arquitetura uma Arquitetura de Baixo Impacto Humano e Ambiental, onde os aspectos humanos so gerados com o bem estar social, cultural e econmico, e os ambientais, a partir de maior integrao Homem/Meio Ambiente. Vrios autores e institutos de pesquisa vm trabalhando na criao de mtodos para facilitar a incorporao destas novas variveis na arquitetura. Segundo LIPPIAT4 (2000) necessrio que os arquitetos e profissionais da rea tenham elementos para tomarem decises conscientes em seus projetos, pesando, de acordo com as possibilidades as variveis econmicas e ambientais. Metas sociais e ambientais a serem atingidas em um projeto so cada vez mais presentes. Segundo o ROCKY MOUNTAIN INSTITUTE (RMI, 1998), os principais elementos do desenvolvimento verde seriam: responsabilidade ambiental, eficincia na utilizao dos recursos disponveis, sensibilidade cultural e comunitria, integrao da ecologia nos empreendimentos imobilirios. Os principais benefcios decorrentes da utilizao destas prticas seriam: reduo dos custos de investimento, reduo dos custos de operao, imagem do produto, diferenciao do produto, reduo dos riscos, produtividade e sade, novas oportunidades de negcios, satisfao de estar fazendo a coisa correta.

3 Ecological e Green Design, so os termos mais utilizados no mundo para denominar esta Nova Arquitetura. 4 LIPPIAT, Brbara, autora do software BEES Building for Environmental and Economic Sustainability- j na sua segunda verso. O software , desenvolvido com apoio do NIST National Institute of Standards and Technology - em parceria com o EPA - Environmental Protection Agency, tem o objetivo de avaliar o desempenho econmico e ambiental dos materiais construtivos, nas etapas de extrao da matria prima, transporte at a fabricao, o processo de fabricao, transporte do mesmo at a construo, sistema construtivo, uso e manuteno da edificao, demolio e/ou reciclagem e/ou reutilizao. Atualmente, est sendo realizada uma pesquisa com os usurios do software, e em uma prxima etapa pretende-se incorporar variveis sociais. Apesar do excelente mtodo, um instrumento voltado para a realidade norte-americana.

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Vrios estudos apontam para as vantagens econmicas advindas da utilizao das prticas de baixo impacto ambiental e humano nas etapas de projeto (ADPSR,1999; AGNELLO1997; ASHKIN,1997; ATHENS,1997; BERNHEIM,1997; DOE/EPA,1997; GOTTIFRIED,1997; KIM,1997; KRONKA,1998; LIPPIAT,2000; LAWSON,1996; LYLE,1994; RATHMANN,1999; RODMAN1995; WATSON,1979; RMI,1998). O estudo realizado pelo DOE/EPA (1997), alm de avaliar as oportunidades locais de desenvolvimento econmico a partir da utilizao de prticas de menor impacto ambiental, sugere os principais aspectos a serem abordados em uma edificao, onde se procura analisar os benefcios para a utilizao dos edifcios de baixo impacto ambiental integrados ao meio ambiente . Nas pesquisas realizadas foi avaliado o fato de que atualmente tem-se uma viso analtica para resoluo dos problemas, tanto no mbito local como global. E esta forma de resoluo de tais problemas mostra-se ineficiente, no resistindo a simples avaliaes de sustentabilidade e condies ambientais. A temtica que procura incorporar elementos de sustentabilidade s edificaes, no pode ser avaliada de forma analtica, uma vez que estas questes abordam aspectos multidisciplinares. Os modelos para avaliao dos sistemas existentes, tm sido analticos dada a dificuldade de estud-los de maneira sinttica, onde todas as variveis e parmetros esto em constante mutao com os condicionantes: culturais, ambientais, econmicos, sociais, avanos tecnolgicos, cientficos e etc. Tudo indica que o sistema de treinamento de projeto (englobando todas as fases do ciclo de vida da edificao), que um processo de sntese, o caminho para a formao de profissionais que tero em seu repertrio solues integradas que levem tambm em conta as questes de sustentabilidade. A crescente e gradativa utilizao de tecnologias limpas, como energia solar, elica, a utilizao da gua da chuva e reutilizao das guas cinzas e negras, atravs do desenvolvimento tecnolgico e at pelo aumento de conscincia dos profissionais e da populao reflexo de um natural encaminhamento para solues mais sustentveis, onde prticas de um menor impacto ambiental j esto sendo incorporadas (AGNELLO, 1997; GOTTFRIED, 1997; DEL CARLO 2000, ZANETTINI 2000). A atual realidade econmica, social e poltica vigente na maioria dos pases reforam as infindveis razes no s para os arquitetos se descontentarem com o possvel futuro, mas principalmente para constatarem a necessidade de tomada de conscincia, aumentando a importncia da qualidade da arquitetura neste contexto.

Introduo

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O arquiteto, pelo carter global de sua formao, tem condies de se capacitar para a conduo deste processo de projeto dentro da nova realidade, nesta nova Arquitetura. Segundo Richard Rogers, esta a chance de fazer reviver a profisso do arquiteto, que vinha se descaracterizando ao longo dos tempos (1997,p.69). Os projetos passaro a ser conduzidos por equipes integradas por profissionais de diversas reas, o bilogo, o engenheiro civil, o arquiteto, o engenheiro eltrico, o paisagista, o planejador, o economista,o socilogo e outros. Apesar de a esfera de deciso do arquiteto ainda continuar sendo determinada pelo capital (ZANETTINI, 2000), mostra-se cada vez mais premente e urgente a necessidade de incorporar aspectos de cunho socioambientais nas suas decises. Segundo este autor ... trabalhar com correo nas reas de domnio da arquitetura, com base nos conhecimentos cientfico e sensvel, de uma forma sistmica que globalize o histrico, o ambiental, o social, o poltico, o econmico e o tecnolgico continua sendo tarefa a perseguir, sem prazo determinado, nesse universo conflituoso, em desequilbrio e injusto que temos que ultrapassar (ZANETTINI, p. 04, 2000). Este quadro ilustra a crescente necessidade de reformular, remodelar as formas de ver a arquitetura, de realizar os projetos dentro da tica de menor impacto humano e ambiental. O aumento das variveis e conseqente aumento da complexidade dos projetos fazem com que as formas empreendidas at ento sejam revisadas. Segundo ZANETTINI : ...... a arquitetura no mais se limitando a tomar como sua rea de domnio a questo do espao e da esttica da forma. A necessidade crescente, que a realidade vem impondo, de mudar de dimenso no seu enfoque com uma abordagem sistmica da cultura material como tambm das formas de produo material, no atendimento s novas demandas e necessidades individuais e coletivas. (ZANETTINI, p. 04, 2000) Esse aumento de complexidade de seu conhecimento e de seu trato vem exigindo uma crescente contribuio interdisciplinar de variadas reas de especialidade e colaborao cada vez mais ampla de inmeros intervenientes. (ZANETTINI, p. 04, 2000)

A extenso da temtica sustentabilidade e a quase inexistncia de pesquisas relacionadas com o tema em nosso pas, justificam a proposio de uma sistematizao nas fases do ciclo de vida de uma edificao nos moldes de menor impacto humano e ambiental, como ponto de partida para futuras pesquisas e embasamento a serem desenvolvidas para o ps-doutorado.

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Estas conceituaes so aprofundadas no decorrer deste trabalho, onde no s foram abordadas estas novas temticas, mas principalmente as barreiras e dificuldades existentes para se enquadrar dentro deste panorama de necessidade de incorporao de novas variveis.

PARTE 1CONTEXTO GLOBAL E A SUSTENTABILIDADE

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A expanso quase qudrupla da humanidade durante o ltimo sculo aumentou drasticamente as demandas sobre os recursos naturais. A demanda pela gua, energia, alimentos e materiais foi exacerbada pela expanso sem precedentes da populao mundial. Entretanto, o crescimento populacional por si s no poderia ter testado os limites ambientais to fortemente. As presses que impe foram aumentadas pelos nveis crescentes de consumo, medida que cada indivduo exige mais do planeta.FLAVIN, Christopher Planeta Rico, Planeta Pobre - Estado do Mundo 2001, p. 11.

Apesar de informaes abundantes sobre nosso impacto ambiental, as atividades humanas, continuam a escalpelar florestas inteiras, secar rios, podar a rvore da Evoluo, elevar os nveis dos sete mares e reformular os padres climticos. medida que os sistemas ambientais continuam a enfraquecer e a demanda humana sobre eles aumenta, a necessidade de uma mudana para economias sustentveis se torna cada vez mais urgente.... Realmente, este momento limiar praticamente no tem precedentes na histria mundial.GARDNER, Gary Acelerando a Mudana para a Sustentabilidade Estado do Mundo 2001, p. 207.

O desenvolvimento sustentvel algo mais do que um compromisso entre o ambiente fsico e o crescimento econmico ele significa uma definio de desenvolvimento que reconhece , nos limites da sustentabilidade, origens no s naturais como estruturais. Cabe, assim, reconhecer na relao homemnatureza os processos histricos atravs dos quais o ambiente transformado, e a sustentabilidade ser uma decorrncia de uma conexo entre movimentos sociais, mudana social e , conseqentemente, possibilidade de polticas mais efetivas.BECKER, Bertha K. Amaznia ps ECO 92, Para pensar o Desenvolvimento Sustentvel, p138.

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Nesta parte da pesquisa traado um breve histrico do crescente impacto que o Homem vem gerando ao tentar se relacionar com o Meio Ambiente. Passando por Plato, pela Grcia Antiga, pelas cidades medievais, at chegar a industrializao que foi o marco do rompimento definitivo do elo que ainda existia do Homem com a natureza, mostrado como veio ocorrendo a evoluo do quadro que culminou com a degradao do Meio Ambiente. Na trajetria de dominar a natureza, no houve um balano entre o uso e a capacidade dos processos bsicos, justificando o atual esgotamento de muitos recursos naturais. So lembrados os nomes de Ebenezer Howard, Camillo Site, James Loverlock, Buckminster Fuller, entre outros, que em suas propostas de cidades ideais, criticavam as suas cidades, alertando no s para o crescimento desordenado, impactos gerados na natureza, mas tambm pela perda crescente dos aspectos sociais a elas relacionados. Um ponto central e comum a todas as anlises de pensadores, arquitetos e urbanistas, o fato do Meio Ambiente sempre estar margem das decises do Homem, gerando todos os desequilbrios e impactos possveis na natureza. traado um panorama atual dos nveis de poluio, fome, escassez de gua, energia, elevao da temperatura global, entre outros, com o objetivo de mostrar a necessidade de mudanas efetivas de comportamento com relao ao Meio Ambiente, aspectos sociais e culturais da nossa sociedade. O limite deste panorama atual nos leva a concluir que mudanas estruturais profundas devem ser implantadas rapidamente na nossa sociedade com o objetivo de reverter este quadro preocupante. A Sustentabilidade surge neste contexto como a possibilidade de salvao do planeta. Desta forma, so abordadas vrias questes relacionadas ao tema. mostrado o que vem sendo pesquisado, os resultados obtidos bem como as dificuldades e controvrsias encontradas. O seu carter interdisciplinar, com aplicao em vrias reas do conhecimento torna o tema muito complexo, com muitas variveis. Esta dificuldade faz com que os conceitos ligados sustentabilidade sejam ainda muitas vezes tratados com pouco rigor. importante ressaltar, que ainda no existe uma cincia para a sustentabilidade, portanto seus conceitos e, terminologias ainda so passveis de mudanas e contestaes.

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Tambm traado um breve histrico de como o homem tem atuado para a implantao de referenciais mais sustentveis at chegarmos ao panorama atual. A Agenda 21 e a ISO 14000 so abordadas nesta etapa da pesquisa. Para finalizar abordou-se as principais barreiras encontradas para a implantao efetiva de referenciais mais sustentveis, avaliando no s os aspectos naturais, mas tambm sociais, polticos e econmicos. Todo este quadro retrata a dificuldade e a distncia que ainda estamos na aplicao dos conceitos de sustentabilidade estabelecidos na introduo deste trabalho.

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Contexto Global

1.1 Panorama Histrico A Necessidade de desenvolvimento de uma Arquitetura com Baixo Impacto Humano e Ambiental (ABIHA)A relao Homem/Meio Ambiente, no decorrer da Histria, marcada pelo crescente impacto gerado na natureza por suas atividades bsicas. Estes impactos fez com que chegssemos a um limite, praticamente esgotando nossas reservas naturais. As questes sociais, como o aumento da misria e da fome, praticamente em todo o planeta, alm do consumismo excessivo e desmedido, contriburam para agravar ainda mais este quadro. Desta forma, a procura de solues para melhoria deste panorama acaba sendo a nica sada para o Homem, onde no s as buscas de uma relao mais harmnica com a natureza, como tambm mudanas sociais profundas passam a ser absolutamente vitais.

Foto 01 O peso das decises ambientais. Foto extrada da revista Architectural Design-1997

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Milton Santos observa que desde o surgimento do homem na face da Terra, a Natureza vem sendo sempre redescoberta. O pesquisador ainda observa que: A histria do homem sobre a Terra a histria de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivduo e inicia a mecanizao do Planeta, armando-se de novos elementos para tentar domin-lo. A natureza artificializada marca uma grande mudana na histria humana da natureza. (SANTOS, 1997, p.19) A contextualizao do processo de interao do Homem com o Meio Ambiente de extrema dificuldade. Desde a Antigidade, Plato j utilizava o conceito de que tudo faz parte de um mesmo organismo, nada pode ser avaliado isoladamente. O homem e a natureza fazem parte deste mesmo sistema (LYLE, 1994). Com o objetivo de caracterizar a ocupao do espao natural e avaliar as conseqncias destas prticas, muitos pesquisadores estudam as formas de adaptao do homem ao longo da histria. Segundo Geraldo Serra, o espao humano o resultado da sobreposio de inmeras adaptaes sobre o espao natural ao longo da histria (SERRA,1984). A preocupao com impacto e o limite de crescimento das cidades foi abordada desde a Grcia Antiga, onde a utilizao do termo Megalpolis- passou a ser referncia para cidades que, como Atenas, estavam prximas de esgotar o limite de se sustentarem. A utilizao relativamente recente do termo Megacidades, apesar de se referir a escalas de cidades completamente diferentes da Grcia, ilustram a constante preocupao do homem em se relacionar com o Meio Ambiente (HALL, 2001). Nas cidades medievais j era possvel antever alguns dos efeitos negativos de um crescimento desordenado, apontando para o fato de como seria o futuro das cidades nos prximos sculos. Fechadas entre muros, com a ntida segregao das classes sociais menos privilegiadas para o lado de fora, com quase nenhum saneamento bsico, estas cidades j comearam a gerar grande desarmonia com o meio ambiente (LE GOFF 1997). O conceito de que o Homem o centro das coisas, o centro do Universo, fez com que na Renascena houvesse o desaparecimento quase que total da importncia dada integrao com o meio ambiente. A teoria de Coprnico, que mostra a Terra como centro do Universo, com os planetas orbitando sua volta, exemplifica este fato. Todo este contexto acaba refletindo na maneira do homem relacionar-se com o meio, sem importar-se com os impactos e poluio gerados (LYLE,1985).

Foto 02 A cidade Medieval fechadaentre muros. A segregao social e falta de saneamento j anunciavam o que iria acontecer com as futuras cidades. Foto extrada do livro Por Amor s Cidades, de Le Goff.

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Mas foi com a Industrializao que houve rompimento com este elo. A grande concentrao do uso de matria prima e de energia, o aparecimento dos aglomerados urbanos, a urbanizao e a extrema dificuldade em manter um balano entre o uso e a capacidade dos processos bsicos, marcaram o incio da degradao do meio ambiente e deteriorao das fontes de matria prima. H aproximadamente 250 anos, desde a Revoluo Industrial, o homem vem modificando a atmosfera e o solo, atravs da queima dos combustveis fsseis e destruio das florestas (ROGERS, 1998, p.9). Como exemplo desta expanso, tem-se como consequncia da utilizao de combustveis fsseis o excesso de liberao de CO2 na atmosfera, sem a correspondente assimilao no meio ambiente, gerando a destruio da camada de oznio e o efeito estufa (KRONKA,1998,p.74). Principalmente nos ltimos 100 anos a nossa sociedade tem passado por grandes mudanas . Nos Estados Unidos por exemplo, foram necessrios cerca de 46 anos para que da populao tivesse, no incio do sculo XX, acesso eletricidade. No decorrer do sculo porm, j se observa que foram necessrios 35 anos para o telefone, 26 para a televiso, 13 para o telefone celular e apenas 7 para a internet. Desta forma, a rapidez de todas estas inovaes acaba fazendo com que todas as conseqncias destas atividades. no sejam assimiladas. O quadro atual de devastao e impactos ambientais reflexo deste processo abrupto de mudanas (GARDNER, 2000, p. 209). As estatsticas crescentes quanto desertificao, salinizao, eroso do solo, perda da habitabilidade, poluio urbana, ao desaparecimento de lagos, e de rios, poluio das guas e dos lenis freticos, so reflexos deste processo e ilustram este quadro (WWI, 2001). O prprio crescimento das cidades e a poluio por elas gerada , fizeram com que muitos arquitetos e urbanistas comeassem a propor solues para tentar reverter este processo. Os pensadores, arquitetos, urbanistas e outros profissionais ligados ao meio ambiente retomam no sculo XX os conceitos de Plato, inserindo o homem em um contexto mais global. A arquitetura orgnica, tecnologias apropriadas, energias renovveis, a agricultura biodinmica de Rudolf Steiner, as cidades jardim de Ebenezer Howard, os planos urbansticos de Geddes e Mumford, a arquitetura de Frank Lloyd Wright, celebraram a escala humana, tendo como aspecto principal o meio ambiente (LYLE, 1994). Talvez um dos exemplos mais expressivos da retomada deste conceito de Plato, de que tudo seria parte de um mesmo organismo,

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a hiptese Gaia, onde James Loverlock, no incio dos anos 70, afirma que: O planeta no inanimado. um organismo vivo. A terra, as pedras, o oceano, a atmosfera e todos os seres vivos so todos um grande organismo. Uma coerncia de um sistema holstico de vida, auto-regulador, e auto-adaptvel. (LOVERLOCK, 1988, p.14) Ebenezer Howard, em 1899, prope um conceito de cidade sustentvel, sem utilizar este termo, com a implantao das cidades jardim (garden cities), que se caracterizavam basicamente pela grande quantidade de verde e baixa densidade demogrfica com um limite de tamanho e de crescimento1 . As cidades jardim possuam cintures verdes naturais, reas de agricultura, florestas e reas de reflorestamento, havendo nas proximidades o necessrio para seu funcionamento. Todo esgoto e dejetos orgnicos gerados pela cidade seriam tratados nestas reas naturais (HAGAN, 2001,p.171).

Foto 03 Esquema das Cidades Jardim Ebenezer Howard. Foto extrada do livro Taking Shape- Susannah Hagan.

Camillo Sitte, (1901), foi quem primeiro chamou os parques de pulmes da cidade, chamando a ateno para a necessidade do verde nas reas urbanas diante da crescente poluio j naquela poca (LYLE ,1994).

As Garden Cities deveriam compor no mximo unidades de at 30.000 habitantes, organizados todos em residncias com muito verde. As reas das cidades tambm deveriam, ter uso misto, fazendo com que seus habitantes utilizassem no mximo 10 minutos para suas atividades e consumo. Tambm prope uma rede de cidades compondo no mximo 250.000 habitantes, interligadas por redes ferrovirias.

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Patrick Geddes (1915), urbanista ingls, fala do crescimento em Londres nesta poca e diagnostica, como nica soluo, a existncia de agrupamentos urbanos em menor escala. Ressalta-se a necessidade de entendimento dos processos naturais e do ambiente local. Richard Rogers observa em Cities for a small Planet, que muitos arquitetos, urbanistas e pensadores se aventuraram na proposio de cidades ideais, procurando de alguma forma melhorar as cidades existentes na sua poca. Apesar da utopia de muitas destas propostas, elas ainda servem de reflexo para o aspecto social que deve ser resgatado e celebrado nas cidades atuais. Vitruvius, Leonardo da Vinci, Thomas Jefferson, Ebenezer Howard, Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Buckminster Fuller propuseram cidades ideais que deveriam ser criadas para sociedades ideais... (ROGERS,1997,p.17) A partir da dcada de 50, impulsionadas pelos efeitos ps-guerra, tanto no Brasil, como na Amrica do Sul, as aes com o objetivo de reduo do Impacto Ambiental so observadas na introduo da Arquitetura Bioclimtica2 , onde a iluminao natural, cuidado com a luz e sombra, orientao da edificao, insero de novos elementos arquitetnicos como o brise soleil, passaram a ser uma constante com a influncia do Movimento Moderno. Alm disso, a introduo de estudos internacionais3 relacionados com os problemas de projetos nas regies tropicais tambm contriburam para o avano da Arquitetura Bioclimtica (EVANS, 2001). Pioneiros desta rea podem ser destacados como: Lcio Costa e Oscar Niemeyer no Brasil, Roberto Rivero e Jos Miguel Aroztegui no Uruguai, Villanueva na Venezuela, entre outros. Apesar da situao favorvel, os governos militares subseqentes, bem como a instabilidade poltica, social e econmica, acabaram retardando e prejudicando as pesquisas, bem como a continuidade de utilizao destes conceitos (EVANS, 2001). A crise energtica dos anos 70, que renovou nos Estados Unidos e na Europa o interesse pela arquitetura bioclimtica, gerou reflexos positivos na Amrica do Sul, com o surgimento de muitos Centros de Pesquisas e Instituies voltadas para a arquitetura de Baixo Impacto Ambiental (EVANS, 2001)4 . Apesar da crise energtica dos anos 70 ter mudado o padro de

2 Apesar deste significativo impulso dado a Arquitetura Bioclimtica neste perodo, John Martin Evans observa que desde a poca pr Colombiana e arquitetura vernacular j so observados exemplos de Arquitetura Bioclimtica. (EVANS,2001)

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alto consumo energtico de muitos edifcios existentes, ainda hoje encontramos exemplos de edifcios que possuem um altssimo padro de consumo, ignorando completamente aspectos de condicionamento passivo. A produo em massa e as facilidades de transporte, alm da utilizao de meios mecnicos para aquecimento e resfriamento dos ambientes, fizeram com que se utilizasse os mesmos materiais construtivos, e as mesmas solues, em locais com caractersticas climticas diferentes.

Um dos estudos mais recentes que tenta relacionar a cidade ao espao necessrio para a sua sobrevivncia o ecological footprint 5 ou pegada ecolgica. Esta medida tenta relacionar a rea de ocupao de determinada cidade com a rea necessria para mantla funcionando, ou seja, rea para abastecimento de alimentos, energia, gua, depsito de lixo, extrao de matria prima, entreNesta poca, o BRS Building Research Center , na Inglaterra e o CSTB, na Frana concentraram suas pesquisas nos problemas de projeto e construo nas regies tropicais, produzindo grande nmero de publicaes sobre arquitetura Bioclimtica nos trpicos, tendo importncia vital na difuso destes conceitos na Amrica do Sul, particularmente no Brasil. Nesta fase houve grande impulso nas instituies de ensino.(EVANS,2001) 4 Como exemplo podemos citar : ASADES (Argentine Solar Energy Society), ENCAC (Encontro Nacional de Conforto no Ambiente Construdo) no Brasil; COTEDI (Conforto Trmico nas Edificaes), na Venezuela e Colmbia e SENESE (Seminrio Nacional de Energia Solar e Elica) no Chile. 5 O termo ecological footprint - EF - foi utilizado originalmente por William Rees da University of British Columbia, do Canad. (SILVA,2000, p.72)3

Fotos 4 e 5 Cortinas de vidro.Primeira foto China, e na segunda, edifcio de escritrios em Miami. Na primeira foto Banco na China, arquiteto Im Pei; o edifcio mais alto existente neste pas. O clima quente e mido no favorece este tipo de soluo, onde o uso excessivo do condicionamento artificial passa a ser uma necessidade constante. Na outra foto, o edifcio de escritrio no centro de Miami tambm no propcio para o clima do local. Fotos cedidas pela arq. Joana Carla S. Gonalvez, prof. da FAU/USP.

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outros. Alguns autores alertam para a discrepncia de algum destes valores uma vez que a pegada ecolgica baseia-se no nvel de desenvolvimento econmico de cada pas (DEMETRIUS,2001). O WORLDWATCH INSTITUTE tambm relaciona a superfcie urbana da cidade com a rea necessria para suprir as suas necessidades, e apesar da distoro de valores quando comparadas com a pegada ecolgica, mostram o impacto de uma cidade em toda uma regio, e at em todo o planeta. Segundo o WWI, Londres utiliza uma rea 58 vezes maior que a superfcie urbana, sendo que a Grande So Paulo esta relao de 53 vezes (WWI, 2000,p.47). Como desdobramento da Ecological Footprint6 , muitos pesquisadores vm utilizando o Building Footprint7 , com o objetivo de avaliar os impactos de uma edificao na sua vizinhana. Apesar dos resultados indicarem a escolha de materiais construtivos das proximidades, utilizao de energias limpas, reutilizao e reciclagem, o mtodo s consegue avaliar os aspectos relacionados com a fase de construo da edificao.

1.2 Panorama Atual - Em busca da SustentabilidadeOs nveis alarmantes de poluio, de violncia, de fome, de escassez de gua e de energia, de elevao da temperatura global, de danos da camada de oznio, entre outros, fazem-nos acreditar que as mudanas ambientais induzidas pela atividade humana excederam o ritmo natural da evoluo, fazendo com que tenhamos que buscar, urgentemente, formas para nos adequarmos aos problemas que estamos criando com tamanho descontrole. Dos seis bilhes de pessoas que habitam o planeta, cerca de 1,1 bilho de pessoas so subnutridas e abaixo do peso, cerca de 2,8 bilhes de pessoas, apesar do crescimento econmico mundial, tentam sobreviver com menos de U$2,00 por dia, e cerca de 1,3 bilhes de pessoas no tm acesso gua potvel8 (FLAVIN, 2000, p.3-22).6 O Ecological Footprint considera apenas a etapa construtiva de uma edificao, avaliando os aspectos de energia embutida dos materiais construtivos, a energia gasta no transporte, e a rea relacionada com a produo do material construtivo em questo. 7 O Building Ecological Footprint Analysis - BEFA esta sendo desenvolvido para avaliar os impactos de uma edificao em determinada rea. Acredita-se que reduzindo o impacto de uma edificao isolada, h uma contribuio muito maior para um sustentabilidade na rea em questo. Alm de considerar os aspectos avaliados na Ecological Footprint, tambm avaliado: a terra necessria para produo da energia utilizada no processo construtivo, e para refrigerao e aquecimento da edificao durante o seu ciclo de vida. 8 Estes dados so referentes ao grupo E9 China, ndia, Unio Europia, Estados Unidos, Indonsia, Brasil, Rssia, Japo e frica do Sul que detm 57% da populao mundial, 80% da economia mundial e so responsveis por 73% das emisses mundiais de CO2.

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Em Roma, 1996, na Cpula Mundial de Alimentao, 186 pases comprometeram-se a erradicar pelo menos metade dos famintos de seus pases at o ano de 2015. No ano de 1999, reconhecendo a impossibilidade de atingir aquelas propostas, os governos propuseram o estabelecimento de novas metas (BROWN, 2000, p.46).

Foto 06 A fome no Mundo. A questo da fome tem se tornado cada vez mais sria. Este quadro coloca as questes relacionadas com o impacto ambiental em segundo plano. Foto extrada da Architecture Review 02/1999.

Foto 07 Populao Indgena. Aspresses geradas pelo crescimento populacional, juntamente com o descaso de muitos governantes tm feito com que a populao indgena seja praticamente extinta. As heranas culturais locais praticamente se perderam. Foto extrada da revista Veja, 10/1999.

No ltimo sculo, a populao expandiu quatro vezes, aumentando drasticamente a demanda por recursos naturais (gua, energia, alimentos e materiais). Este crescimento populacional, porm, no iria testar os limites ambientais to fortemente caso no fosse acompanhado de um crescimento do consumo de maneira excessiva e descontrolada (FLAVIN, 2000, p.13). Muitos pesquisadores j alertam para o fato do planeta no ter mais capacidade para que os casais tenham mais que dois filhos (FLAVIN, 2000, p.14). A projeo para o crescimento populacional mundial, para as duas prximas dcadas, de 80 milhes de pessoas por ano, sendo que a produo mundial dos principais gros no possui capacidade para acompanhar esta demanda. Os Estados Unidos da Amrica e o Japo j atingiram o limite na produtividade de muitas culturas, como por exemplo, o milho e o arroz (BROWN, 2000, p.66). Em 2000, segundo o Worldwatch Institute as reas produtivas, incluindo plantaes, minas, campos de petrleo, reas de reflorestamento, reas de pastagem, fontes de matria prima para indstria (pedra, areia, minrios, etc.), cobriam cerca de 61% da

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superfcie mundial. Em contrapartida, as cidades, apesar de ocuparem apenas 2% da superfcie, concentrava 42% de toda a populao mundial. Esta organizao acaba gerando um esquema de abastecimento voltado para estes grandes aglomerados urbanos (energia, alimentao, lixo etc.).

Foto 08 - O Pantanal Mato-grossense. Exemplo de Paraso Ecolgico ameaado com a degradao do meio ambiente e aumento da poluio. Foto extrada da revista Veja 07/1999.

Projees otimistas apontam para um cenrio onde as fontes de energias no renovveis duraro por aproximadamente 50 anos (WWI, 2000). O consumo per capita de energia nos pases desenvolvidos seis vezes maior que nos paises em desenvolvimento, sendo que o consumo de gua chega a ser cem vezes maior (ROGERS, 1998, p.172). Atualmente, a demanda por gua tratada tem dobrado a cada 20 anos. Mesmo que solues sejam tomadas para reduo do ritmo atual de consumo, graves problemas de abastecimento, sem precedentes na histria da humanidade, sero enfrentados nas prximas dcadas (ROGERS, 1998, p.5). Existe um consenso de que a produo de alimentos tambm poder ser afetada pelas mudanas climticas advindas do aquecimento global, trazendo srios problemas caso no seja revertida esta situao. Atualmente no estamos enfrentando uma escassez na alimentao, mas sim problemas srios de distribuio (DUNN, 2000, p. 97; ROGERS, 1998, p.4) . No se sabem os efeitos a mdios e longos prazos, advindos do uso indiscriminado de fertilizantes nas lavouras, nem da modificao gentica de muitas culturas. Nestes ltimos cinco anos, foram descobertas contaminaes em lenis freticos causadas por prticas de 30 ou 40 anos atrs (SAMPAT, 2000, p.27). O nus da poluio das guas, do ar, do solo e reduo dos recursos naturais recai nos menos favorecidos, sendo utpico e equivocado no tratar dos problemas ecolgicos e sociais, conjuntamente.

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A dizimao freqente de recifes de coral e o declnio da populao mundial de anfbios9 so tambm sinais de que o planeta se encontra doente. Os problemas atuais acabam refletindo impactos cumulativos de vrias dcadas. A mudana climtica tem se tornado um dos principais efeitos das atividades humanas nas ltimas dcadas, fazendo com que as emisses de combustveis fsseis, responsveis pela elevao das concentraes atmosfricas de dixido de carbono10 atingissem os nveis mais altos em 20 milhes de anos11 ,12 (FLAVIN, 2000, p.10).Foto 09 Congestionamento na marginal Tiet, So Paulo. O trnsito nas grandes cidades tem chegado a um limite. No s pelos transtornos causados pelo tempo perdido nos congestionamentos, mas tambm pela excessiva emisso de Co2 que o grande nmero de carros tem causado.

Foto 10 Carro eltrico da Honda. Carro em produo, reflexo da preocupao mundial com a necessidade de reduo das emisses de Co 2 . Foto extrada da Architecture Review, 02/1999.

Segundo o IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudana Climtica apesar do aumento da temperatura mdia mundial ter ficado aqum das expectativas mundiais, avalia-se a possibilidade deste calor estar sendo acumulado nas guas dos mares e oceanos. O efeito deste acmulo esperado para 10 anos,com graves conseqncias em todo o planeta (DUNN, 2000, p.93). Apesar da indstria naval considerar o degelo rtico como oportunidade potencial de curto prazo, conseqncias serssimas soOs anfbios so vistos como bioindicadores da sade do planeta, por serem em grande nmero e por apresentarem um papel chave em todo o ecossistema da Terra. A degradao de seus habitats tem feito com que uma populao que est h 330milhes de anos no planeta esteja em declnio.(MATTON, 2000, p.71) 10 O Ciclo Global de Carbono um dos processos naturais de grande escala mais complexos e menos entendidos do planeta. Cerca de 42trilhes de toneladas de Carbono esto contidas neste ciclo (atmosfera, terra e mar). A ao do homem adicionou 271 bilhes de toneladas a este ciclo, sendo que as emisses atuais so de 6,3 bilhes de toneladas. (DUNN, 2000,p.91) 11 Os dados disponveis para avaliao das emisses de CO2 pelo Worldwatch Institute so referentes ao grupo de pases do E9 (grupo de pases, do norte e do sul, que somados tm um grande impacto sobre as tendncias sociais e ecolgicas globais); sendo responsveis por: 60% da populao mundial, 73% das emisses de carbono e 66% das espcies vegetais mais importantes. Os pases so formadores do E9 so: China, ndia, Unio Europia, Estados Unidos, Indonsia, Brasil, Rssia, Japo e frica do Sul. (WWI, 2000) 12 A idia de atrelar as emisses de carbono produo econmica, esta incorreta. Apesar do aumento destas emisses nas ltimas dcadas, houve uma reduo na intensidade de carbono de 39%, ou seja, o volume de toneladas de carbono produzidas para cada 1U$ milho, foi reduzido. Este fator tem sido avaliado como um indicador de movimento em direo a uma economia de energia sustentvel. (DUNN, 2000 ,p.92)9

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esperadas. Recentemente foi descoberto que o gelo rtico responsvel pela movimentao da corrente do Golfo, que controla o clima de toda a Europa. Alm disso, o aumento do nvel dos mares e oceanos trar conseqncias catastrficas para a maioria dos pases (FLAVIN, 2000, p.18). Mesmo no se sabendo ao certo quais as conseqncias desta mudana climtica, se ir chover em lugares secos, ou parar de chover em locais com abundncia de chuvas, se haver um aumento de temperatura em alguns locais, e em outros uma reduo drstica, sabe-se certamente que as conseqncias sero sem precedentes na histria (ROGERS,1998, p.9). Neste contexto, muitos pesquisadores apontam uma soluo na ECONOLOGIA, cincia que aborda aspectos ecolgicos, sociais e econmicos de determinado assunto. Desta forma, a resoluo de um problema de ordem ecolgica, sem a ao conjunta dos aspectos sociais e econmicos inconsistente (GARDNER, 2000, p.208). Apesar da existncia de acordos internacionais com o objetivo de reverter este quadro de devastao da natureza, necessrio fazer com que estes se convertam em aes efetivas. Desde 1920 at os dias atuais foram firmados mais de 240 tratados internacionais13 que tratam das questes ambientais (FRENCH , 2000,p.85/86). Mesmo com todas as informaes existentes sobre o impacto ambiental, as atividades humanas continuam a destruir o Meio Ambiente. medida que os sistemas ambientais continuarem a se enfraquecer, com o aumento da demanda humana sobre eles, a necessidade de mudana para uma economia mais sustentvel se torna cada vez mais urgente (GARDNER, 2000, p.211). As mudanas em curso hoje, esto comprimidas em poucas dcadas e tm um escopo global. A questo que esta gerao enfrenta se a comunidade humana assumir o controle de sua prpria evoluo cultural, implementando uma mudana racional para economias sustentveis ou, contrariamente, se colocar margem, observando a natureza impor mudanas medida que os sistemas ambientais entrarem em colapso. (GARDNER, 2000, p. 207) Apesar do pouco poder formal, a sociedade civil essencial no processo de implantao de bases mais sustentveis. Com o poder de presso, uma vez que composta por eleitores e consumidores, podendo sustentar ou no iniciativas dos governos e das empresas.

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Ver em anexo com o cronograma dos principais acordos Ambientais Internacionais listados no WWI.

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A evoluo cultural tambm base para a implantao de uma sociedade realmente sustentvel (COOK, 2001, p.41; GARDNER, 2000,p.208). Todo este quadro acaba reforando a necessidade de mudanas urgentes e profundas rumo a um futuro mais sustentvel. Muito foi e tem sido pesquisado, mas pouqussimas so as aes em busca de referenciais mais sustentveis.

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Sustentabilidade

2.1 A Sustentabilidade : caracterizao, conceitos e contradiesA possibilidade de esgotamento dos recursos naturais, com considerveis conseqncias para a preservao da vida no planeta tem feito com que o homem passe a encarar de maneira diferente a sua forma de relacionamento com o Meio Ambiente. Apesar de somente nesta ltima dcada do sculo XX os pases e Organizaes Mundiais terem comeado a implantar medidas para minimizar os danos ao Meio Ambiente decorridos das prticas de desenvolvimento, desde a dcada de 60 j surgiram tentativas que ao menos procuraram alertar para as conseqncias destas prticas. Como agir diante da aparente contradio de explorar o Meio Ambiente sem compromet-lo continuando a promover o desenvolvimento necessrio? Este desenvolvimento ou crescimento mesmo necessrio? At onde uma cidade pode ou deve crescer sem comprometer a sua prpria existncia? E como o arquiteto deve agir diante deste novo quadro? Como fazer para que a arquitetura, que em grande parte contribui para esta destruio, seja de menor impacto? Questes conceituais com o objetivo de esclarecer os termos: crescimento, desenvolvimento, limites e sustentabilidade tm surgido nos principais meios cientficos para nortear a tomada de decises, alm de servir de suporte para implantao de polticas tanto no mbito local, regional, nos prprios pases e na esfera mundial. Atualmente toda a nossa sociedade est baseada dentro de uma tica ocidental de economia global regida pelo desenvolvimento cientfico e tecnolgico, baseado na educao contnua para: a administrao dos fluxos de capital, explorao dos recursos naturais e produo em larga escala, dentro de uma viso sistmica de maximizao de lucros em curto prazo (FOLADORI,1999). Paralelamente a este quadro, as prticas desenvolvimentistas empreendidas tm levado a um cenrio de destruio de florestas,

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extino de espcies animais e vegetais, desajuste social, aumento do desemprego, poluio do ar e das guas, entre outros (CMMAD,1991;GOTTFRIED,1997;LUTZEMBERGER,2001). A maior dificuldade e o grande desafio do tema da Sustentabilidade, consiste em abordar um assunto que ainda no possui um respaldo cientfico, ou seja, a sua noo est mais relacionada a uma tendncia ,a um processo norteador de reflexes e aes determinadas por opes humanas em face ao seu relacionamento com o meio envoltrio em circunstncias especficas (SILVA, 2000, p. 09). Inicialmente a noo de sustentabilidade estava impregnada de questes estritas esfera ambiental, nos ltimos anos porm, esta limitao foi extrapolada para os campos econmicos, sociais e polticos, fazendo com que sua conceituao e aplicao se tornassem ainda mais ampla e complexa (LAYRARGUES,1998; ULTRAMARI,2000). A classificao proposta por Ignacy Sachs (SACHS,1994,p.37) na qual a sustentabilidade possui cinco dimenses tem sido uma das mais utilizadas entre os pesquisadores da rea. Segundo esta classificao, a sustentabilidade s atingida quando abrange estas facetas e engloba os seguintes aspectos: 1. sustentabilidade social: Entende-se pela criao de um processo de desenvolvimento sustentvel com melhor distribuio de renda e reduo do abismo entre classes ricas e pobres. 2. sustentabilidade econmica: possvel atravs de um gerenciamento mais eficiente dos recursos e maiores investimentos tanto nos setores pblicos como privados, alm de se procurar maior eficincia econmica em termos macrossociais e no apenas atravs do critrio macroeconmico do empresariado. 3. sustentabilidade ecolgica: Que a utilizao dos recursos naturais, quando possvel, renovveis, com maior eficincia, reduo da utilizao de combustveis fsseis, reduo do nmero de resduos e de poluio, promovendo a autolimitao do consumo, intensificao nas pesquisas para obteno de meios mais eficientes e menos poluentes para o desenvolvimento do espao urbano, rural e industrial, desenvolvimento de normas adequadas para proteo ambiental com elementos de apoio econmicos legais e administrativos necessrio para seu cumprimento. 4. sustentabilidade espacial: Configurao urbana rural mais equilibrada entre os assentamentos urbanos e atividades econmicas, reduo da concentrao excessiva nas metrpoles, explorao racional das florestas e da agricultura atravs de tcnicas modernas e regenerativas, explorao da industrializao descentralizada, criao de uma rede de reservas naturais e da biosfera para proteo da biodiversidade.

Foto 11- Extrao ilegal de madeira na Amaznia. Foto extrada da revistas Veja, 10/1999.

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5. sustentabilidade cultural - Procurando manter as razes em todos os processos de modernizao, agricultura, indstria; preservando as caractersticas locais e particulares de cada regio. Este carter interdisciplinar da sustentabilidade acaba contribuindo para as infindveis abordagens do tema, sendo este tambm utilizado em conjunto com o termo desenvolvimento. O termo sustentabilidade vem sendo aplicado aleatoriamente nos mais diversos seguimentos da sociedade, no s nas instituies de pesquisa, rgos governamentais e organizaes no governamentais. Esta proliferao da utilizao do termo sustentabilidade, sem um consenso e respaldo cientfico, acaba fazendo com que o termo se generalize (SILVA,2000; ULTRAMARI,2000). Segundo Ultramari (2000), na maioria dos casos os conceitos da sustentabilidade tm sido aplicados com um carter reparador e as aes econmicas acabam entrando em constante conflito com eles. O autor observa ainda que a popularizao e politizao do termo sustentabilidade, com muitas confuses conceituais acaba trazendo grande dificuldade de aplicao de sua teoria na prtica. Na Arquitetura tambm houve a proliferao do termo Sustentabilidade. Este termo acabou caindo em lugar comum, sendo utilizado para tudo e significando o que for mais conveniente. Derivaes deste termo tambm acabaram sendo incorporadas no vocabulrio da Arquitetura: Arquitetura Verde, Arquitetura Bioclimtica, Arquitetura Ecolgica, entre outros. Sem nenhum consenso, estes termos so utilizados constantemente trazendo ainda mais incertezas (COOK, 2001, p. 37). As questes ligadas aos impactos ambientais possuem dimenses globais, no se restringindo aos limites territoriais pr-estabelecidos. Problemas como: poluio do ar e dos oceanos, destruio da camada de oznio, destruio em massa das florestas tropicais, so alguns exemplos de impactos ambientais em que aes pontuais so ineficientes. Esta caracterstica faz com que as formas de lidar com as problemticas ligadas esfera ambiental tambm fossem revistas, passando a ocorrer maior interao entre as naes do mundo(CNUMAD,1996; SILVA,2000). A autora Sandra M. Silva (2000) identifica a existncia de trs caractersticas bsicas da sustentabilidade: o carter progressivo, o holstico e o histrico. No carter progressivo identifica-se a sustentabilidade como algo a ser atingido indefinidamente, ou seja, suas metas devem ser continuamente construdas e permanentemente reavaliadas. No carter holstico avalia-se a sustentabilidade como pluridimensional, envolvendo aspectos bsicos como: ambientais, econmicos, sociais e polticos. Estes aspectos devem ser indissociveis tanto nas formulaes tericas como prticas.

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O carter histrico abrange aspectos espaciais, que contempla os aspectos de impacto ambiental diretamente relacionados com o projeto, temporais, que fazem com que as medidas propostas sejam avaliadas de acordo com seu histrico, aspectos relacionados com o presente e com o futuro da comunidade envolvida, e participativos, onde o envolvimento da comunidade de extrema importncia. A utilizao conjunta dos conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade ocorreu recentemente, apesar de algumas cincias j se utilizarem deste conceito1 (SILVA,2000). A dcada de 60 foi marcada pela publicao de Silent Spring de Rachel Carson, em 1962, onde se argumenta que os processos naturais tm capacidade limitada, e que no pode ser excedida pelas atividades do homem. A obra aborda as conseqncias negativas no ambiente fsico e nos seres vivos advindas do uso de pesticidas e inseticidas, sendo o ttulo uma referncia ausncia do canto dos pssaros naquela primavera. A publicao manifesto teve grande repercusso, no s nos meios cientficos, mas tambm entre a populao (LAYRARGUES,1998; SILVA,2000). Kenneth Boulding, economista ingls, publicou em 1966 o livro: The Economics of coming Spaceship Earth, no qual, a partir da utilizao da metfora que o planeta Terra nada mais era que uma nave espacial cuja tripulao seramos ns, habitantes do planeta, chama a ateno para a existncia de um limite para utilizao dos recursos naturais disponveis. Procura-se mostrar que a natureza deve ser a base de organizao da sociedade e no a economia como vinha sendo at ento (LAYRARGUES,1998,p.95). Segundo Renato Capolari, o conceito de desenvolvimento econmico que deu fundamento ideologia otimista e que previa o crescimento econmico indefinido, visto como um processo de utilizao cada vez mais intensivo de capital, de reduo do uso de mo de obra, e de utilizao extensiva dos recursos naturais, comeou a ser utilizado a partir do final da 2 Guerra Mundial e se manteve at a dcada de 70, como resposta crise econmica dos anos 30. Desta forma, uma das caractersticas principais foi o total descaso e at inconscincia com as repercusses ambientais e de degradao ecolgica das atividades econmicas, colocando o meio ambiente margem da economia (CAPOLARI, 1999). Esta situao manteve-se at praticamente o incio da dcada de 70, poca em que surgiram os primeiros cientistas da natureza. Em 1969, um grupo de cientistas assinou um manifesto, Blueprints for survival, onde alertava para o fato de que o futuro da humanidade estava ameaado (LAYRARGUES,1998; CAPOLARI, 1999).1

A Ecologia utiliza o conceito de capacidade de suporte para referir-se ao limite dos recursos naturais frente a possibilidade de uma explorao excessiva.

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Em seguida, o Clube de Roma, uma organizao no governamental, contratou cientistas que elaboraram uma projeo catastrfica, The limits to growth (MEADOWS,1972), para as primeiras dcadas do sculo XXI. Apesar de algumas retaliaes e avaliaes contrrias, as questes relacionadas ao meio ambiente passaram a fazer parte da teoria econmica. A crise do petrleo, desencadeada pela Guerra no Oriente Mdio, em 1973, reforou a dependncia quanto aos recursos naturais, alertando ainda mais para a necessidade de mudana perante a explorao do meio ambiente (CAPOLARI,1999, SILVA,2000). A partir do incio dos anos 70 j se observa a existncia de algumas idias que tentaram aplicar a sustentabilidade como um referencial. Estas tentativas procuraram nortear aes no sentido de agir perante a aparente contradio de explorar o Meio Ambiente sem compromet-lo, promovendo o desenvolvimento necessrio (MEADOWS,1972). James Loverlock, pesquisador britnico, realizou em 1972 a apresentao de sua hiptese GAIA2 . Nesta hiptese o pesquisador trata a Terra como um sistema vivo que dispe de sistemas de autoregulao3 , que propiciam a manuteno das condies ambientais necessrias. Ao tratar a Terra como um sistema vivo, o pesquisador assume uma forma holstica de olhar o planeta e nos enquadra como parte integrante deste sistema. Esta hiptese, teve grande repercusso nos meios cientficos e mais um trabalho cientfico que aponta para a existncia de limites as prticas de desenvolvimento empreendidas pelo homem (LOVERLOCK,1988, ELECS,2001, FUNDAO GAIA). Apesar do visvel impulso dado s questes relacionadas sustentabilidade e s prticas de desenvolvimento no incio da dcada de 70, provavelmente o trabalho mais antigo de investigao dos limites ao crescimento e questionamento das prticas de desenvolvimento empreendidas de autoria de Thomas R. Malthus (MALTHUS,1798). A partir da constatao que a populao e a produo de alimentos no cresciam de acordo com a mesma razo4 , aponta-se para possvel existncia de fome, epidemias, e guerras, como forma de barrar este crescimento. Apesar de suas previses no terem se concretizado, o mrito de seu trabalho encontra-se na avaliao e alerta sobre os limites existentes no crescimento.GAIA o nome dado, na Grcia antiga, Deusa da Terra. Este sistema de auto-regulao a homeostase: mecanismos gerados e regulados pelos processos vitais, que propiciam a manuteno das condies ambientais necessrias vida no planeta Terra. Coloca-se desta forma, o crescimento exponencial da populao num sistema finito, onde a medida que se aproxima de um limite, so ciclos de alimentao negativa que atuam; estes ciclos abrangem processos de poluio, esgotamento dos recursos e fome generalizada. 4 Segundo Thomas R. Malthus, a populao cresce em progresso geomtrica, e a produo de alimentos cresce segundo uma progresso aritmtica. Este descompasso, segundo o autor, aponta para um limite no crescimento.3 2

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A noo de desenvolvimento sustentvel tambm est carregada de grandes controvrsias. Este conceito foi difundido internacionalmente pelo Relatrio Brundtland (1987) e tornou-se a definio mais utilizada na literatura especializada, remetendo-se s consideraes genricas da qualidade da preservao das condies socioambientais ao longo das geraes. Neste relatrio encontrase a clssica definio do termo desenvolvimento sustentvel (BURSZTYN,1994; LAYRARGUES,1998; SILVA,2000). O Desenvolvimento Sustentvel aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das geraes futuras atenderem s suas prprias necessidades. (CMMAD, 1991, p.46) Muitos autores indagam sobre o paradoxo da utilizao entre os termos desenvolvimento e sustentvel (SILVA, 2000). Para muitos pesquisadores o termo desenvolvimento no deve ser adjetivado, pois j possui embutida a idia de menor impacto social e ambiental, para outros porm, o adjetivo refora o sentido dado ao termo. Muitos ainda tambm refletem sobre a impossibilidade de definir as formas de mensurao dos elementos naturais necessrios preservao e manuteno da possibilidade de vida do planeta. Em outra tentativa de definio do que vem a ser este desenvolvimento sustentvel, Bertha Becker, mesmo considerando que o conceito ainda no claro, envolvendo mltiplas e diversas interpretaes constituindo uma caixa preta , o define como: O desenvolvimento sustentvel no s uma maneira de gerenciar a interao entre o ambiente fsico e o crescimento econmico, mas sim uma forma de desenvolvimento que reconhece, nos limites da sustentabilidade, origens no s naturais como estruturais (sociais, polticas, culturais). No se resume harmonizao da relao economia e meio ambiente e nem questo tcnica; tambm um instrumento poltico que tenta ordenar a desordem global. O desenvolvimento sustentvel implica no uso da informao e tecnologia em atividades de menor desperdcio de matrias primas e combustveis, uso de insumos de baixo custo ambiental e capazes de gerar poucos rejeitos.(BECKER,1994,p.133) Segundo Ignacy Sachs, seria possvel identificar trs princpios bsicos no desenvolvimento sustentvel, que se baseiam nas evidncias de transio do milnio que corresponde ao esgotamento dos modelos vigentes (desde a 2 Guerra Mundial) e emergncia de um novo padro de produo e de gesto (SACHS,1994, p38): - racionalidade no uso dos recursos;

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- princpio da diversidade (uso das potencialidades dos recursos naturais e humanos) - princpio da descentralizao - diminuindo o tamanho dos grandes centros urbanos e reconhecendo as potencialidades regionais. A aparente incompatibilidade entre o desenvolvimento e o meio ambiente avaliada por muitos autores. Layrargues (1998) mostra que, inicialmente, na dcada de 70, as questes ambientais eram vistas como entrave ao desenvolvimento, justificando inclusive a transferncia de industrias sujas para pases em desenvolvimento, com o objetivo de adquirir vantagens competitivas no mercado. Segundo o mesmo autor, o Brasil foi extremamente explorado neste sentido. Em seu livro A cortina de Fumaa, Layrargues faz um interessante histrico de como se deu a absoro das questes ambientais nos diferentes setores da sociedade: ... : a cada dcada, a partir de 1950 5 , grosso modo, corresponde a entrada de um novo grupo social motivado por fatores distintos. Assim a dcada de 50 corresponde ao ecologismo dos cientistas; nos anos 60, ao das organizaes no governamentais; a partir da dcada de 70 entra em cena o ecologismo dos polticos; e na dcada de 80 os setores ligados ao sistema econmico.(LAYRARGUES,1998,p.92) Para muitos autores o carter utpico do desenvolvimento sustentvel encontra-se no fato do desenvolvimento manifestar uma lgica econmica, onde o nico objetivo orientar-se para um crescimento econmico e o desenvolvimento sustentvel pretender a preservao do meio ambiente, indo de certa forma contra a essncia da lgica vigente (SILVA,2000,p.48). Com o crescimento dos problemas ambientais advindos destas prticas, e um aumento da presso de rgos governamentais e instituies internacionais, houve a necessidade de aliar o desenvolvimento e o meio ambiente. J na dcada de 80, marcada pela publicao do Relatrio Brundtland, comea-se a falar no desenvolvimento sustentvel, como forma de aliar as prticas de desenvolvimento preservao do meio ambiente. Segundo Layrargues: ... diante de um cenrio competitivo, ser ecolgico passa a significar estar em sintonia com os anseios da populao, o que possibilitou a no mais vinculao com a imagem estigmatizada de vilo da ecologia. (LAYRARGUES,1998, p.31).Ao se referir a dcada de 50, o autor ilustra as inmeras organizaes que foram fundadas neste perodo: Unio Internacional para Proteo da Natureza (1948), vinculada a ONU, que mais tarde mudou seu nome para Unio Internacional para Conservao da Natureza e Recursos Naturais.5

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Layrargues observa que mudanas efetivas na esfera ambiental s ocorrero a partir de uma alterao profunda da atual sociedade consumista. Atualmente, segundo este autor, est havendo uma transformao da natureza em mercadoria, onde a aparente conscincia ecolgica, regida na realidade pela racionalidade econmica tem gerado esta aparncia verde (maquiagem ecolgica) em vrios setores da economia da nossa sociedade (LAYRAR