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JANE MENDES FERREIRA
*** A AÇÃO DA MULHER EMPREENDEDORA SOB A PERSPECTIVA SÓCIO- HISTÓRICA DE GONZÁLEZ REY ***
Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Administração junto ao Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo (PMDA/UP).
Orientador: Prof. Dr. Eloy Eros da Silva Nogueira
CURITIBA
2012
4
AGRADECIMENTOS
A decisão de cursar uma pós-graduação stricto sensu é solitária e, muitas
vezes, egoísta. As pessoas que fazem isso nunca dizem “nosso doutorado”, mas
sempre meu doutorado. No entanto, trata-se de um projeto que não pode ser
executado sem a ajuda de um conjunto de pessoas e instituições que, de forma
voluntária ou pelo próprio processo, estão empenhadas na formação do doutorando.
Esse é o meu caso. Dessa forma, contei com a solidariedade, compreensão e ajuda
de instituições e pessoas que me conduziram nesta árdua tarefa. A qualidade do
meu trabalho é fruto da contribuição das instituições e pessoas que cito aqui. Os
defeitos são responsabilidade exclusivamente minha.
Primeiramente agradeço a Deus que nunca me abandonou nem nos
momentos em que duvidei.
Agradeço à Universidade Positivo por proporcionar-me a oportunidade de
freqüentar um curso, sem nenhuma contrapartida financeira, com um grupo de
professores doutores de altíssima qualidade. Em especial agradeço aos professores:
Ariston Azevedo, Clóvis Machado-da-Silva (in memoriam), Eros Nogueira, José
Henrique de Faria, Luciano Rossoni, Sérgio Bulgacov que participaram mais
diretamente da minha formação ministrando as disciplinas de formação e de
concentração. Uma especial menção à Prof. Yára Bulgacov que, além das aulas,
apresentou-me a teoria do González Rey e indicou as melhores leituras – Prof. Yára,
não tenho palavras para expressar minha gratidão. Uma nota também à Cláudia
Cristina de Lara Stadnick que é exemplo de competência e amizade.
Agradeço aos membros do Grupo de Pesquisa Empreendedorismo e
Estratégia de Empresas de Pequeno Porte da PUCPR, do qual faço parte, e aos
componentes do Grupo de Pesquisa de Prática, Subjetividade e Organizações da
Universidade Positivo, que me receberam gentilmente em suas reuniões e pelas
discussões de alto nível e troca de idéias conduzidas sempre brilhantemente pelas
professoras Yára Bulgacov e Denise Camargo..
Agradeço à banca composta pelos professores Eros Nogueira, Alexandre
Reis Graeml, Queila Matitz, Fernando Antônio Prado Gimenez e Hilka Vier Machado.
Cada um deles, à sua maneira, contribuiu conferindo credibilidade e legitimidade ao
meu trabalho por meio de suas observações e sugestões.
5
Ao meu orientador Eros Nogueira que aceitou a difícil tarefa de guiar-me em
um período muito complicado de minha jornada acadêmica e, com um tempo
reduzido de adaptação, conseguiu conduzir-me neste processo.
Às minhas queridas Cláudia Mônica Ritossa e Marystela Assis Baratter,
aquisições preciosas do doutorado, e Simone Cristina Ramos e Maria Luíza
Trevizan Scherner e Layza Karla Miliorini que sempre me apoiaram e estavam
sempre dispostas a ajudar.
Agradeço a todos da minha família e aos meus amigos que não puderam
contar comigo nos últimos quatro anos e compreenderam a minha falta de tempo.
Às corajosas e ousadas mulheres empreendedoras que aceitaram relatar
suas vidas para que eu pudesse realizar este trabalho – sem elas nada disso seria
possível.
Por último, mas não por menos, ao Eurípedes, meu companheiro de 23
anos, sempre apoiando meus projetos mesmo não entendo as razões de cada um
deles. Ao Bruno, meu filho, que ficou adulto durante os quatro anos em que fiquei
“fora do ar”. Filho, obrigada!
A todos os citados aqui tenho dívida de gratidão que nunca poderei retribuir
de forma adequada.
7
RESUMO
Alguns pesquisadores têm defendido que as diferenças entre a participação do homem e da mulher no mundo dos negócios são, em parte, função de uma condição histórica que relegou à mulher um papel secundário neste ambiente. Além disso, há pouca produção científica sobre o tema, sendo a maior parte concentrada na descrição de características associadas aos empreendedores de forma geral e, entre tais estudos, encontram-se aqueles que buscam definir as peculiaridades das mulheres frente aos negócios. Há, então, espaço para pesquisas que tratem o fenômeno sob novos enfoques. Por tais razões, propõe-se nesta produção acadêmica, apresentar uma pesquisa sobre empreendedorismo feminino utilizando como pano de fundo a subjetividade em uma concepção sócio-histórica. O conceito de subjetividade que norteou a presente tese é aquele adotado por Fernando González Rey e, portanto, fundamentado no trabalho de Lev Vigotski. A subjetividade, para o pensador cubano, é considerada como um sistema complexo e plurideterminado. Dessa forma, os processos de constituição do indivíduo são configurados por meio de diferentes forças e mantêm-se em permanente transformação. Na pesquisa buscou-se verificar como se apresenta a constituição subjetiva da mulher empreendedora a partir de uma concepção sócio-histórica. Para tanto, foram feitas entrevistas com quatro mulheres proprietárias de empresas. Além da entrevista, foi ainda aplicado um instrumento de complementos de frases. A pesquisa pode ser considerada como possuindo um caráter construtivo-interpretativo na qual o pesquisador também é um sujeito da pesquisa porque é ele quem cria espaços de inteligibilidade sobre o tema. O modelo de ciência adotado nesta pesquisa valoriza o singular e a validade da pesquisa concentra-se na capacidade de ampliar as alternativas o conhecimento sobre o fenômeno estudado. Os resultados apontam para o empreendedorismo como um fenômeno social em que a configuração subjetiva das empreendedoras é, cada uma à sua maneira, formada por elementos que reforçam a subjetividade social outros que a desafiam. As empreendedoras vivem o empreendedorismo no seu dia-a-dia, na concretude de sua experiência, e, sem diluir-se em grupos protetores, guardam sua configuração subjetiva de forma única. Dessa forma, pode-se entender que a forma “correta” de ser mulher e empreendedora foi forjada no social. No entanto, o fenômeno somente pode ser entendido a partir do caráter ativo e constituinte das mulheres “que fazem gênero” e que são empreendedoras. Não significa, no entanto, que elas sejam apenas produto do meio, pois tanto são produtos da cultura, como também constituem a cultura no processo de desenvolvimento. A atividade empreendedora que elas desempenham e as representações sociais que a sociedade lhes impõe por meio das diversas vias da subjetividade social são configuradas subjetivamente. No entanto, a empreendedora não expressa somente sua condição de mulher de negócios, mas sua condição social. As experiências e a relação com o outro são subjetivadas e resultam em uma forma específica de empreender. No entanto, não é uma forma estática, não cessa de renovar-se.
8
ABSTRACT
Some researchers have argued that the differences between the participation of men and women in business are partly due to a historical condition attributed to women giving them a secondary role in this environment. In addition, there is little scientific literature on the subject, most of it concentrated on the description of characteristics associated with entrepreneurs in general, and among such studies there are those that seek to define the peculiarities of women in business. Then there is room for researchers to deal with entrepreneurship under new approaches. For these reasons, it is proposed in this thesis, submit a research on female entrepreneurship using the concept of subjectivity in socio-historical bases. The concept of subjectivity that guided this thesis is that adopted by Fernando González Rey, and therefore based on the work of Lev Vygotsky. Subjectivity, to Cuban researcher, is regarded as a complex system with multiples traits. Thus, the constitution of the individual processes is configured by various forces and they remain in permanent transformation. In the survey we sought to verify how is the subjective constitution of the woman entrepreneur from a socio-historical conception. To this purpose, interviews were conducted with four women business owners. Besides the interview, was also applied a questionnaire with phrases to be completed. The research can be considered as having a constructive-interpretive nature in which the researcher is also a subject because it is he who creates spaces of intelligibility on the matter being studied. The science model adopted in this study considers the singular a main issue. The research validity focuses on the ability of the theoretical model to expand intelligibility about the phenomenon. The results point to entrepreneurship as a social phenomenon in which the configuration of the women entrepreneurs is internalized each in its own way, and it is made up of elements that reinforce the social subjectivity and others elements that challenge it. The women live the entrepreneurship in their day-to-day, in the reality of their experience, and, without being lost in protection groups, they retain their configuration unique. Thus, one can understand that the "correct" way of being a woman and the correct way to be an entrepreneur was built in the culture. However, the phenomenon can only be understood from the nature of the active constituent from those women "who do gender" and who are entrepreneurs. It does not mean, however, they are merely a product of the society, but they also are creating culture. The entrepreneurial activity they are performing according with the social representations that society imposes on them through the various avenues of social subjectivity. However, the entrepreneur does not only express their womanhood in business, but their social status. The experiences and relationship with others are internalized and they result in a specific form of enterprise. However, it is not a static form, continues to renew itself.
9
SUMÁRIO
RESUMO ..................................................................................................................... 7
ABSTRACT ................................................................................................................. 8
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................. 14
1.2 OBJETIVOS ..................................................................................................... 14
1.2.1 Objetivo geral ............................................................................................. 15
1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................. 15
1.3 JUSTIFICATIVA TEÓRICA E PRÁTICA ........................................................... 15
1.4 CONTEXTUALIZAÇÃO DA RELAÇÃO PESQUISADOR/PROBLEMA DE
PESQUISA ............................................................................................................. 18
1.5 ESTRUTURA DA TESE.................................................................................... 19
2 QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA ................................................................ 20
2.1 EMPREENDEDORISMO.................................................................................. 20
2.1.1 Estudos sobre empreendedorismo com base na Economia ...................... 21
2.1.2 Estudos sobre empreendedorismo com base na Sociologia ..................... 24
2.1.3 Estudos sobre empreendedorismo com base na Psicologia ..................... 25
2.2 EMPREENDEDORISMO E GÊNERO .............................................................. 29
2.3 CONCEPÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DE CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E
SUBJETIVIDADE ................................................................................................... 43
2.3.1 Sujeito e subjetividade ............................................................................... 45
2.3.2 Atividade .................................................................................................... 58
2.3.3 Representações sociais ............................................................................. 60
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 68
3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ......................................... 71
3.1.1 Perguntas de pesquisa .............................................................................. 71
3.1.2 Categorias ................................................................................................. 72
3.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ........................................................................ 74
3.2.1 Informantes ................................................................................................ 74
3.2.2 Delineamento e etapas da pesquisa .......................................................... 75
10
3.2.3 Instrumentos de coleta dos dados ............................................................. 75
3.2.4 Procedimentos de coleta dos dados .......................................................... 77
3.2.5 Procedimentos de análise dos dados ........................................................ 78
4 CONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO ...................................................................... 80
4.1 MARIA .............................................................................................................. 80
4.1.1 Subjetivação do empreendedorismo .......................................................... 82
4.1.2 Subjetivação da condição de mulher ......................................................... 89
4.2 ISIS .................................................................................................................. 94
4.2.1 Subjetivação do empreendedorismo .......................................................... 96
4.2.2 Subjetivação da condição de mulher ....................................................... 102
4.3 EMÍLIA............................................................................................................ 105
4.3.1 Subjetivação do empreendedorismo ........................................................ 106
4.3.2 Subjetivação da condição de mulher ....................................................... 113
4.4 IDA ................................................................................................................. 115
4.4.1 Subjetivação do empreendedorismo ........................................................ 116
4.4.2 Subjetivação da condição de mulher ....................................................... 119
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 127
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 139
ANEXO I.................................................................................................................. 151
ANEXO II ................................................................................................................. 152
ANEXO III ................................................................................................................ 153
11
1 INTRODUÇÃO
Como se há de verificar, a atuação da mulher no mundo dos negócios vem
se consolidando no Brasil. O Global Entrepreneurship Monitor mostra que a
participação das mulheres nas taxas de empreendedorismo tem se mantido, nos
últimos 10 anos, em torno de 44% (IBPQ, 2008). Esse dado per se seria suficiente
para desencadear uma série de estudos tratando do tema, dada a participação da
mulher no desenvolvimento econômico do país. No entanto, “há pouco
conhecimento sobre a atuação de empreendedoras no país” (MACHADO; GREATTI;
JESUS, 2010, p. 88).
O empreendedorismo feminino é uma das formas pelas quais a Organização
das Nações Unidas percebe que é possível promover a mudança. Para o órgão, é
por meio do fortalecimento da capacidade econômica das mulheres que a
competitividade dos países pode ser melhorada, alcançando um nível maior de
equidade social. Os países que não potencializam a capacidade de metade de sua
população estão alocando seus recursos de forma desequilibrada (NATIVIDADE,
2009).
Embora se perceba a relevância da participação feminina, empreender para
elas não é tarefa fácil. Gimenez (2010) afirma que as mulheres enfrentam maiores
empecilhos no acesso a fontes de financiamento e, muitas vezes, são discriminadas
em processos sucessórios nas empresas familiares. Alguns autores (BRUNI;
GHERARDI; POGGIO, 2004) têm defendido que as diferenças entre a participação
do homem e da mulher no mundo dos negócios são, em parte, função de uma
condição histórica que relegou à mulher um papel secundário neste ambiente.
No Fórum Econômico Mundial de 2005, foi demonstrado o estudo que avalia
a disparidade entre homens e mulheres em duas grandes dimensões: condições
econômicas (de oportunidades e participação) e conquistas sociais (acesso à
educação, saúde e bem-estar). A despeito da liderança da Suécia, o estudo não
conseguiu encontrar igualdade em nenhuma das 58 nações estudas. O Brasil ficou
em 51º lugar no ranking da disparidade entre as condições e conquistas de cada um
dos gêneros. Na avaliação dos organizadores, alcançar a equidade é um processo
lento que requer mudança em todas as áreas da sociedade.
12
Não se pode perder de vista a dificuldade no dia a dia enfrentada pelas
mulheres em relação ao acesso a recursos e no enfrentamento das limitações
sociais. O empreendedorismo feminino também tem sido relegado a um segundo
plano pela academia. São poucas as pesquisas que se ocupam em desvelar as
nuances que cercam o tema. Uma evidência disso pode ser encontrada no trabalho
de Silveira (2010). A autora analisou a produção científica do período de 2006 até
2008 em periódicos da base de dados do Social Sciences Citation e encontrou 179
artigos que tratavam de empreendedorismo, dos quais apenas 0,74% tinham foco
sobre o empreendedorismo feminino. Nos periódicos nacionais com maior
penetração da área de Administração (RAC, RAE, Cadernos Ebape, BAR, RAM), a
proporção é de 0,0277. Nos eventos científicos Egepe (Encontro sobre
empreendedorismo e gestão de pequenas empresas) e EnAnpad (Encontro da
Associação Nacional dos Cursos de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração),
a temática empreendedorismo e gênero gira entre 2 e 3 trabalhos por ano.
Em outras palavras, são escassas as publicações sobre gênero no campo
do empreendedorismo. Bruin, Brush e Welter (2006) declaram que uma das
possíveis causas para isso é que na maior parte das investigações sobre
empreendedorismo as amostras são compostas por homens, assim como as
próprias pesquisas são feitas por homens. Nessa esteira, Gomes, Santana e Araújo
(2009), advogam que as investigações sobre empreendedorismo feminino podem
estar associadas ao desenvolvimento histórico-cultural dos estudos organizacionais,
cujas teorias e modelos teóricos institucionalizados excluíram alguns grupos
minoritários e foram centrados em homens.
Para além da escassez de estudos sobre o tema, a maior parte da produção
científica tem se concentrado na descrição de características associadas aos
empreendedores de forma geral e, entre tais estudos, encontram-se aqueles que
buscam definir as peculiaridades das mulheres frente aos negócios (GUIMARÃES,
2004). Esta conclusão é corroborada por Gomes, Santana e Araújo (2009) que, ao
realizar uma pesquisa sobre a produção acadêmica acerca do empreendedorismo
feminino, constataram que a maior parte dos estudos é realizada por meio de
surveys e limita-se a apresentar dados sem avançar nas explicações teóricas do
fenômeno.
13
Frente a este contexto, os pesquisadores tem advogado que é necessário
estudar o tema sob novos enfoques (SILVEIRA, 2010; BORBA; HOELTGEBAUM;
SILVEIRA, 2011).
Por tais razões, propõe-se nesta produção acadêmica, apresentar uma
pesquisa sobre empreendedorismo feminino utilizando como pano de fundo a
subjetividade em uma concepção sócio-histórica. O conceito de subjetividade que
norteará a presente tese é aquele adotado por González Rey (2003) e, portanto,
fundamentado no trabalho de Vigotski. A subjetividade para o pensador cubano é
considerada como um sistema complexo e plurideterminado. Dessa forma, os
processos de constituição do indivíduo são configurados por meio de diferentes
forças e mantêm-se em permanente transformação.
A importância da subjetividade é que ela permite a articulação dialética do
individual com o social. O pressuposto é que o homem não se constitui no plano
individual ou no social, mas pode modificar o social, transformando-o em psicológico
e, assim, criando a possibilidade do novo (AGUIAR; OZZELA, 2006). Em outras
palavras, o indivíduo não é totalmente determinado pelas condições sociais, mas é
capaz de elaborar sua subjetividade na geração de sentidos e significados em seus
diferentes sistemas de relação. Diante disso é possível que ele também transforme o
contexto em que está inserido, tendo no diálogo um importante elemento nos
processos de configuração subjetiva do sujeito (GONZÁLEZ REY, 2002). Assim, a
configuração subjetiva dos indivíduos também possui caráter constitutivo.
A proposta é inovadora em função do objetivo proposto e da metodologia
utilizada. No entanto, não é inédita na aplicação da teoria sócio-histórica ao campo
do empreendedorismo que já foi feito por Camargo et al. (2010). As autoras
analisaram a participação da mulher nas Taxas de Atividade Empreendedora (TAE)
no Brasil, descritas no relatório do Global Entrepreneurship Monitor, e afirmam a
mulher empreendedora como agente determinante e determinado do mundo no qual
está inserida.
Partindo da concepção sócio-histórica, é necessário adotar o pressuposto
que a atividade empreendedora permite a inserção do indivíduo no mundo de
significados relativos aos negócios. É bem verdade que falar sobre a mulher
empreendedora sob tal concepção é articular uma constituição social relacionada
também com a história (AGUIAR; OZZELA, 2006). Como se observa, a
empreendedora é, ao mesmo tempo, singular e histórica.
14
Dada a proposta, cumpre examinar a elaboração do problema de pesquisa
que norteou a presente investigação.
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA
O problema de pesquisa proposto é: Como se dá a constituição subjetiva da
mulher empreendedora?
É necessário salientar, para bem da coerência teórico-metodológica, que tal
problema não tem a pretensão de ser preciso. Isso porque a natureza qualitativa da
pesquisa aqui proposta tem o objetivo de fornecer explicações sobre sistemas
complexos. O valor explicativo, porém, não é construído sobre relações de causa e
efeito ou variáveis delimitadas e estáticas. A explicação, segundo González Rey
(2005) deve ser constituída sobre argumentos acerca da organização do sistema
estudado.
A primeira etapa da construção dos argumentos é a constituição da base
teórica que servirá de apoio às análises posteriores. Além da teoria, a experiência
do pesquisador e os dados fornecidos pelas empreendedoras, constituem o triângulo
por meio do qual as zonas de inteligibilidade são constituídas.
Em função da especificação do problema de pesquisa e em coerência com
ele, são estabelecidos os objetivos que servem como delimitadores e norteadores da
presente investigação.
1.2 OBJETIVOS
Os objetivos informam a razão de ser da pesquisa. Por meio deles é
possível traçar uma linha mestra com a qual, em tese, é possível levar a pesquisa a
termo. Nesta produção acadêmica, os objetivos estão divididos em geral e
específicos, e são apresentados a seguir.
15
1.2.1 Objetivo geral
O objetivo deste estudo é conhecer a configuração subjetiva de mulheres
empreendedoras a partir de uma concepção sócio-histórica.
1.2.2 Objetivos específicos
Os objetivos específicos devem possuir estreita relação com o objetivo geral
e constituem basicamente o caminho a ser seguido para a consecução do objetivo
geral. Dessa forma, os objetivos específicos desta produção acadêmica são:
· Verificar o contexto de atuação de empreendedoras;
· Identificar representações sociais da atividade empreendedora para as
mulheres objeto da pesquisa;
· Identificar os significados da atividade empreendedora para as mulheres
objeto da pesquisa;
· Verificar os significados de ser mulher para as informantes da pesquisa;
· Identificar as configurações subjetivas de mulheres empreendedoras;
Depois de estabelecidos os objetivos, serão demonstradas as justificativas
teórica e prática.
1.3 JUSTIFICATIVA TEÓRICA E PRÁTICA
O estudo da produção do empreendedorismo feminino sob o enfoque sócio-
histórico tem sua justificativa tanto do ponto de vista teórico quanto prático.
Nos últimos anos do século XX e ainda no início da primeira década do
século XXI, alguns estudiosos (BRAZEAL; HERBERT, 1999; SHANE, 2000;
FREIRE, 2002) afirmavam que o campo de estudo do empreendedorismo
encontrava-se na sua infância. Ao longo do tempo e com o aumento da quantidade
16
de publicações, pode-se então afirmar, que o empreendedorismo encontra-se em
sua adolescência e como tal, ainda em constituição. Dessa forma, pode-se entender
que, de forma geral, ainda há espaço para avanços teóricos.
A despeito da quantidade de publicações no Brasil e da criação de
entidades, encontros, colóquios e congressos voltados especificamente ao avanço
da ciência na área, as perspectivas que abordam a atividade empreendedora fora do
mainstream ainda são raridade. Assim, Guimarães (2002) afirma que é importante
estudar o empreendedorismo sob novas perspectivas teóricas.
O privilégio do positivismo pode ser decorrente da crença por parte dos
pesquisadores de que a ciência se resume ao método experimental (BERNARDES,
1998). Análises utilizando outras posições teóricas que coloquem o indivíduo como
sujeito do processo empreendedor são pouco exploradas e merecem atenção. Além
da pouca produção teórica com outros referenciais, poucos ainda são os trabalhos
que tratam de gênero e empreendedorismo, especialmente em perióidocos.
Em todas as seis edições do Encontro sobre Empreendedorismo e Gestão
de Pequenas Empresas (Egepe), evento especializado que ocorre a cada dois anos,
dentre os 245 artigos publicados, foram encontrados 13 sobre gênero (5,3%). Já
dentre os 90 trabalhos publicados no Encontro da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Administração (EnAnpad) no mesmo período, 10
tratavam do fenômeno, especificamente na temática de gênero (11,11%). Já a
produção em periódicos, como já citado fica em torno de 2% da produção sobre o
tema.
Saliente-se ainda que os trabalhos com foco no empreendedorismo feminino
são, de forma geral, concentrados em descrições das características pessoais das
mulheres empreendedoras. Reconhecendo a relevância em tais trabalhos, eles
estão fundamentados, segundo Gomez et al. (2009) na dicotomia indivíduo-
sociedade. A proposta de tratar o tema sob uma concepção sócio-histórica tem o
potencial de desvelar sentidos ocultos da atividade e, segundo Carmargo et al.
(2010), romper com a fragmentação das categorias utilizadas, tais como:
comportamento, motivação, criatividade, desejo, dificuldades, entre outras.
Ao utilizar um novo enfoque, reunindo todas as categorias relevantes na
constituição da subjetividade da mulher empreendedora em configuração única, que
articula aspectos micro e macro sociais da atividade empreendedora, podem-se
revelar novas nuances que perpassam essa atividade.
17
Não se pode perder de vista que muitos estudos têm como sustentação, a
importância da condição social dos empreendedores na opção por empreender
(MACHADO, 2002; SOUZA-NETO, 2003). No entanto, a compreensão do impacto
da condição sócio-histórica do sujeito no desenrolar de sua atividade
empreendedora e as formas simbólicas da consciência, posicionando o social como
relevante no desenvolvimento dos processos psíquicos que concorrem para a
constituição do sujeito empreendedor, ainda necessita ser explicado nos estudos
sobre empreendedorismo. Nesse sentido, o enfoque sócio-histórico pode ser uma
alternativa, cobrindo tal lacuna, uma vez que leva em consideração aspectos micro e
macro na explicação dos fenômenos (PAULA; PALASSI, 2007).
Como justificativa prática, pode-se argumentar que a compreensão da
constituição da subjetividade por meio da atividade empreendedora pode gerar
insights para a mudança. A ação empreendedora é vista por Camargo et al. (2010),
como um processo que transforma identidades e habilidade para participar do
mundo de forma mais ativa e consciente. A compreensão da subjetividade das
empreendedoras pode fornecer elementos para a transformação de condições
adversas como precariedade, exclusão e diferenciação, em condições de maior
igualdade de participação na sociedade. As autoras defendem que o
empreendedorismo permite criar espaço para mudar a vida dessas mulheres em um
processo dialético e de desenvolvimento que conecta a história pessoal com a da
comunidade.
Ao tratar o fenômeno empreendedor sob outras abordagens, novos níveis de
consciência podem ser alcançados revelando dimensões como a subjetividade das
empreendedoras, abrindo possibilidades de entendimento que permitiriam pensar
nas políticas públicas de forma diferenciada. Isso porque a questão do gênero deve
ir além das análises a respeito das questões simbólicas e desembocar ações
efetivas que favoreçam a atividade empreendedora feminina (NATIVIDADE, 2009),
pois o contexto é um elemento relevante para o surgimento de indivíduos
empreendedores. Vale ressaltar que essa questão já é tratada no âmbito das
políticas públicas, pois o incentivo ao empreendedorismo feminino é um dos pilares
do II Plano Nacional de Políticas para Mulheres, instituído através do Decreto 6.387
de 2008 (MACHADO et al., 2008).
Uma das características da pesquisa que envolve a teoria da subjetividade
de González Rey é o papel ativo do pesquisador porque a subjetividade dele
18
também se interpõe ao processo de pesquisa. Dessa forma, ele sugere que a
trajetória do pesquisador também seja exposta. Assim, na próxima seção, está
contida a contextualização do pesquisador frente ao problema de pesquisa.
1.4 CONTEXTUALIZAÇÃO DA RELAÇÃO PESQUISADOR/PROBLEMA DE PESQUISA
Para Freitas (2002), o pesquisador não é um ser humano genérico, mas
também um dos sujeitos da pesquisa e como tal, está implicado no processo de
investigação. As análises empreendidas nas pesquisas não são neutras, mas feitas
a partir de uma condição social e historicamente localizada. Freitas (2002) afirma
que: “é nesse sentido que o pesquisador é um dos principais instrumentos de
pesquisa porque se insere nela e as análises que faz dependem de sua situação
pessoal-social” (p. 29). Então, é necessário que minha experiência com o tema seja
relatada.
Meus estudos com empreendedorismo iniciaram com o mestrado em
Administração na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob orientação de
Fernando Gimenez, cuja disposição e dedicação ao processo de pesquisa, foram
fundamentais em minha trajetória. Comecei fazendo pesquisas de cunho quantitativo
e utilizando instrumentos prontos para identificar características empreendedoras.
Trabalhei com o tema durante cinco anos até ser admitida no Programa de Mestrado
e Doutorado em Administração (PMDA) da Universidade Positivo.
Foi nesta instituição que tive o primeiro contato com os estudos sobre a
concepção sócio-histórica de constituição do sujeito. Isso aconteceu por meio do
grupo de pesquisa coordenado pelos professores: Yára Bulgacov e Eros Nogueira.
Aliando então, minha experiência anterior com empreendedorismo, sendo desde
sempre motivada a pesquisar a condição da mulher nos diversos espaços sociais,
pensei que seria possível e interessante pesquisar a constituição das
empreendedoras sob essa nova perspectiva, não somente para mim, mas também
no próprio campo do empreendedorismo brasileiro.
Para a consecução do empreendimento teórico proposto, esta tese está
estruturada em mais quatro partes, além desta introdução. Tais seções estão
resumidamente expostas a seguir.
19
1.5 ESTRUTURA DA TESE
Esta tese está estruturada, além da introdução, em quatro partes: referencial
teórico, metodologia, apresentação com a análise dos resultados e, por fim, a
conclusão.
No referencial teórico pretendeu-se fundamentar o problema de pesquisa
indicando os principais elementos das teorias sobre empreendedorismo e sobre a
concepção sócio-histórica. A escolha da literatura considerada mais adequada
obedeceu aos critérios de legitimidade, qualidade e profundidade.
O capítulo de metodologia especifica as escolhas feitas em relação à forma
de compreender o processo de pesquisa, coletar os dados e analisá-los. O caminho
escolhido como sendo mais adequado ao problema de pesquisa foi a pesquisa
qualitativa, mais especificamente aquela em acordo com o que González Rey chama
de Epistemologia Qualitativa. Nela, o pressuposto de acumulação é abandonado e
substituído por uma representação de conhecimento construtivo-interpretativo.
Nessa concepção, o conhecimento não é estático, mas dinâmico e transforma-se em
conhecendo, estando a todo o momento sendo construído por um pesquisador que
está implicado no processo e que possui uma atividade pensante e construtiva.
No capítulo destinado à apresentação e análise dos dados, que será
chamado de "Construção da Informação" buscou-se evidenciar os indicadores de
sentidos subjetivos que compõem a configuração subjetiva das empreendedoras,
em conformidade com a técnica proposta por González Rey.
A conclusão da tese versa sobre o fenômeno empreendedor e não pretende
ser exaustivas. Isso porque a proposta de pesquisa aqui empreendida parte da
experiência do pesquisador, que está implicado no processo, que por sua vez, vai
influenciar nas análises e conclusões.
Na continuidade, serão apresentados os elementos aqui citados.
20
2 QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA
O referencial teórico ora apresentado tem o objetivo de fundamentar e
sustentar o problema de pesquisa. Para cumprir tal objetivo os temas,
empreendedorismo e sujeito e subjetividade a partir de uma visão sócio-histórica,
serão detalhados nas próximas seções.
2.1 EMPREENDEDORISMO
Empreendedorismo, em geral, se refere à atividade associada com ser
empreendedor. Trata-se de uma definição bastante genérica. No entanto, não há um
significado único que seja aceito pelos vários pesquisadores que se dedicam ao
assunto (AVOLIO, 2011). Tal característica se reflete na produção acadêmica que
define o termo em conformidade com o tipo de teoria adotado para explicar o
fenômeno.
Apesar da falta de concordância, o empreendedorismo tem sido associado à
criação e gestão de negócios (VALE; WILKINSON; AMÂNCIO, 2008; BARROS;
PEREIRA, 2008; SHENG, 2008; SCHMIDT; BOHNENBERGER, 2009; VALE;
GUIMARÃES, 2010; IPIRANGA; FREITAS; PAIVA, 2010; FERREIRA; SANTOS;
SERRA, 2010; SERAFIM; ANDION, 2010). No entanto, trata-se de um fenômeno
complexo que influencia sistemas econômicos, ou seja, possui influência de cada
indivíduo que se engaja na criação e gestão de negócios e que está inserido em um
contexto que permite e delimita a ação do homem.
Segundo Freire (2002), o empreendedorismo pode dar ao sujeito a
oportunidade de realizar trabalho autônomo, pois emprega além da energia, o
controle sobre o que é feito. Para o autor, a autorrealização em função das
condições autoimpostas é uma possibilidade para o empreendedor.
A história do desenvolvimento do empreendedorismo como um campo de
pesquisa começou a tomar corpo a partir do início do século XX, por meio de
estudos que versavam sobre a origem e importância de novas empresas para os
sistemas econômicos (SOUZA-NETO, 2003).
21
Em grande parte dos estudos sobre empreendedorismo vê-se a utilização de
uma multiplicidade de teorias advindas de áreas como a Psicologia, Sociologia e
Economia (BRUIN; BRUSH; WELTER, 2006). A apropriação dos escritos de cada
uma dessas áreas para formar o corpo teórico sobre o empreendedorismo mostra o
esforço de cada grupo de cientistas em constituir um campo de pesquisa. Nesse
sentido, Swedberg (2000) afirma que, apesar desse empenho, pouca unicidade tem
sido alcançada em função dos pressupostos utilizados que, muitas vezes, são
incomensuráveis. Em outros termos, a apropriação de conceitos de diversas áreas
do saber faz com que o empreendedorismo apresente-se como um mosaico de
teorias sustentadas sobre concepções de sujeito que muitas vezes são
contraditórias.
Resumindo, a apropriação dos estudos de outras áreas resulta em grupos
que definem o empreendedorismo ora como elemento da economia, ora como
característica individual e também fenômeno social.
2.1.1 Estudos sobre empreendedorismo com base na Economia
Não se pode olvidar que foi com um referencial da Economia que os estudos
sobre empreendedorismo foram iniciados (GUIMARÃES, 2002; SOUZA-NETO,
2003).
Para os pesquisadores que utilizam esta base, o empreendedorismo é
responsável pelo desenvolvimento das nações que, por sua vez, está ligado ao
crescimento de renda dos indivíduos em função da renda advinda da abertura de
empresas, além do aumento das taxas de emprego. Dessa forma, o aumento das
taxas de empreendedorismo em um país levaria ao aumento do Produto Interno
Bruto, ou da riqueza das nações, em ciclo característico de uma concepção
capitalista de desenvolvimento. Assim, o empreendedorismo aparece com um valor
decisivo para o capitalismo (TRUZZI; SACOMANO-NETO, 2007).
Essa ideia está fundamentada nos trabalhos de Schumpeter. O segundo
capítulo do livro A Teoria do Desenvolvimento Econômico (1934), chamado “O
fenômeno fundamental do desenvolvimento econômico”, traz as ideias advogadas
pelo autor em relação ao empreendedorismo. Na obra, Schumpeter (1982) expõe a
22
noção de “destruição criativa”, que seria o processo resultante da introdução da
inovação nos sistemas econômicos que no curso deste processo elimina as
estruturas e produtos antigos. Para ele, tal produção do novo e eliminação do
antigo aciona e mantém a marcha do motor capitalista, revolucionando a estrutura
econômica que destrói sem cessar a antiga, criando outras continuamente
(SCHUMPETER, 1982).
Para Schumpeter, o agente do empreendedorismo exerce um papel
importante nos sistemas econômicos funcionando como "motor" ao introduzir a
inovação em alguma atividade quando está aproveitando oportunidades de
negócios. Truzzi e Sacomano Neto afirmam que:
Dotados de sensibilidade em detectar tendências e nichos a serem explorados no tecido econômico, empreendedores são os agentes que, na perspectiva schumpeteriana, concebem inovações e organizam a atividade produtiva, impulsionando a economia (2007, p. 38).
Para o autor alemão, o empreendedor não é necessariamente alguém que
investe capital ou inventa o novo produto, mas sim aquele com a ideia do negócio. O
conceito de empreendedor permite que Schumpeter mostre que o capitalismo é
capaz de se perpetuar mesmo apresentando contradições. Para tanto, ele se utiliza
do conceito de destruição criativa (BRUYAT; JULIEN, 2000).
Pode-se perceber que, utilizando o referencial da Economia, os estudos
sobre empreendedorismo recaem sobre os resultados da atividade empreendedora
para os sistemas econômicos. Muitos autores afirmam que tais estudos estão
assentados sobre o pressuposto de que o capitalismo é essencial e forma quase
universal de desenvolvimento (BOAVA; MACEDO, 2009). Isso porque a fórmula
para o desenvolvimento econômico das sociedades ocidentais tem o capitalismo
como o único modo de desenvolvimento.
O empreendedorismo, como importante elemento do desenvolvimento
econômico, ainda está presente nos estudos sobre o tema. Um exemplo disso é o
relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que foi criado em 1997 com o
propósito de investigar o relacionamento do empreendedorismo com o crescimento
econômico entre as nações que aderiram à pesquisa. Isso para que seja possível a
implantação de políticas públicas que promovam a atividade empreendedora e com
isso, alavancar o crescimento econômico. O Brasil, desde seu ingresso no rol de
23
países participantes da pesquisa, tem ocupado posição de destaque ficando entre
os países com população mais empreendedora. Empreendedorismo, em acordo
com os organizadores da pesquisa é:
qualquer tentativa de criação de um novo negócio ou novo empreendimento, como, por exemplo, a atividade autônoma, uma nova empresa ou a expansão de um empreendimento existente, por um indivíduo, grupo de indivíduos ou por empresas já estabelecidas (GEM, 2000).
O relatório GEM está baseado em três premissas: i) que prosperidade
econômica é altamente dependente da atividade empreendedora; ii) que a
capacidade empreendedora requer indivíduos com habilidades e motivação para
iniciar negócios e que isso requer uma percepção positiva da sociedade em relação
ao empreendedor e iii) que altos índices de atividade empreendedora é a chave para
a criação de novos postos de trabalhos e para o aumento das taxas de inovação e
de negócios internacionais (GEM, 2010).
Muito embora o GEM tente fornecer subsídios para compreender a
motivação, atitudes e aspirações empreendedoras sob a perspectiva econômica, o
fenômeno é abordado a partir de uma visão positivista.
Estudos sobre empreendedorismo com referencial da Economia ainda são
utilizados para explicar o crescimento e desenvolvimento econômico (BARROS;
PEREIRA, 2008; FONTENELE, 2010), além daqueles sustentados por referenciais
ligados à Teoria das Transações (WINK JR.; SHENG; EID JR., 2011) e da
Organização Industrial (ALBUJA et al., 2011).
Além disso, pode-se perceber alguns pesquisadores que se ocupam em
identificar setores econômicos atrativos e a história do desenvolvimento econômico
de regiões por meio do empreendedorismo (ALBUJA et al., 2011; TRUZZI;
SACOMANO-NETO, 2007).
O que há de comum entre os estudos que utilizam referenciais da Economia
é que o empreendedorismo está relacionado com o crescimento econômico. Esta
característica tem feito os governos criarem políticas públicas que estimulem a
atividade empreendedora, entendida como a criação de organizações. No Brasil,
este movimento pode ser evidenciado pela criação de leis de incentivo fiscal como o
SuperSimples que foi concebido com a intenção de fornecer um tratamento
diferenciado e favorecido às microempresas e as de pequeno porte (BRASIL, 2006).
24
Além das teorias econômicas, referenciais buscando entender as relações
sociais no interior da Economia parecem atualmente atrair a atenção dos
pesquisadores. Nesse sentido, autores ligados à Sociologia ou à Sociologia
Econômica são os mais utilizados.
2.1.2 Estudos sobre empreendedorismo com base na Sociologia
Convém ressaltar que as investigações sobre empreendedorismo também
são realizadas aplicando-se as ideias, conceitos e métodos advindos da Sociologia e
da Sociologia Econômica. O trabalho de Max Weber, em especial sua obra A ética
protestante e o espírito do capitalismo é dos mais utilizados para evidenciar que a
escolha da ocupação é influenciada pelo ambiente, principalmente do tipo de
educação recebida no âmbito familiar.
A utilização da Sociologia Econômica tem se destacado nos últimos cinco
anos na academia brasileira. Isso é evidenciado quando se olha para a produção
nacional que, do total de 36 artigos publicados sobre empreendedorismo nos
periódicos: Revista de Administração de Empresas, Revista de Administração
Contemporânea, Cadernos Ebape, Brazilian Administration Review e Revista de
Administração Mackenzie; 09 utilizavam teorias ligadas à formação de redes,
imersão e capital social. O uso destas bases para explicar o empreendedorismo
coincide com o desenvolvimento da Sociologia Econômica nos Estados Unidos que
focaliza a imersão, as redes e a construção social da economia para entender o
impacto das relações sociais nos sistemas econômicos (SWEDBERG, 2004).
Além da emergência do uso da Sociologia Econômica de origem norte-
americana, as relações sociais refletidas por meio dos discursos também aparecem
em um trabalho (COSTA; BARROS; CARVALHO, 2011), juntamente com a
identificação de interfaces entre características culturais da sociedade brasileira e
perfil empreendedor (PEDROSO; MASSUKADO-NAKATANI, 2009).
Infelizmente, nem todos os estudos oferecem uma clara diferenciação das
teorias adotadas para sustentar os argumentos dos artigos publicados. Não
obstante, os estudos que utilizam a Economia, ou os que se servem da Sociologia
para entender o empreendedorismo, também não tratam especificamente do
25
indivíduo empreendedor, como ele se constitui ou quem ele é. Por tais razões, para
entender a dimensão individual do empreendedor, a Psicologia tem sido utilizada
como referencial para estudos de empreendedorismo, como será discutido no
próximo item.
2.1.3 Estudos sobre empreendedorismo com base na Psicologia
Os estudos sobre o empreendedorismo utilizando referenciais da Psicologia
foram projetados a partir de análises de David McClelland que buscavam desvendar
traços característicos do indivíduo empreendedor diferenciando-o dos não
empreendedores (FERREIRA, 2005; BRUIN; BRUSH; WELTER, 2006). Machado
(2002) afirma que estas pesquisas podem ser incluídas no grupo chamado de Teoria
do Traço.
Na Psicologia, boa parte dos primeiros estudos sobre empreendedorismo é
voltada a descobrir instrumentos que permitam identificar as variáveis que marcam o
empreendedor, ou seja, busca o estabelecimento de características definidoras do
empreendedor e a construção de instrumentos e testes que permitam identificar tais
indivíduos. A seguir são destacados os estudos brasileiros mais recentes tentando
identificar caraterísticas empreendedoras.
Mello, Leão e Paiva Jr. (2006) objetivaram identificar as áreas de
competências empreendedoras mais relevantes nos comportamentos de dirigentes
de empresas. Para os autores, o empreendedorismo é uma competência dos
indivíduos associada ao senso de identificação de oportunidades, à capacidade de
relacionamento em rede, às habilidades conceituais, à capacidade de gestão, à
facilidade de leitura, ao posicionamento em cenários conjunturais e ao
comprometimento com interesses individuais e da organização. Os achados dos
autores indicam, na amostra pesquisada, existir a prevalência das competências
conceituais e administrativas. Os autores acrescentaram ainda a competência de
equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
Maciel e Camargo (2010) buscaram relacionar comportamento
empreendedor, lócus de controle e desempenho organizacional, partindo do
pressuposto que lócus interno de controle é uma característica de personalidade que
26
define o empreendedor. Ele estaria associado ao comportamento empreendedor por
que:
[...] a direção e intensidade do lócus de controle influenciam significativamente tal comportamento ou atitude [empreendedora]. Indo além, os efeitos positivos de um lócus interno se associam a maior ambição, motivação, sucesso na carreira profissional, aprendizagem no trabalho e desempenho organizacional (MACIEL; CAMARGO, 2010, p. 173).
Os resultados do estudo colocaram em evidência, segundo os autores, a
importância da competência funcional gestão de recursos humanos na explicação da
heterogeneidade de desempenho das organizações que compuseram a amostra.
Nassif, Ghobril e Silva (2010), dando ênfase a atributos pessoais,
desenvolveram um framework que mostra a importância dos aspectos cognitivos e
afetivos dos empreendedores ao longo do tempo, afirmando que tais aspectos
aparecem em diferentes níveis ao longo do ciclo de vida da organização.
Schmidt e Bohnenberger (2009) propõem um instrumento de mensuração
para o perfil e a intenção empreendedora, por meio de um modelo de equações
estruturais construído sobre os traços: autoeficácia, capacidade para assumir riscos
calculados, planejamento, detecção de oportunidades, persistência, sociabilidade,
inovação e liderança.
Guimarães e Siqueira (2010) reconhecem, no entanto, que os trabalhos que
buscam identificar as características empreendedoras e avaliar a importância das
variáveis demográficas e sociais para o sucesso do negócio, são inconclusivos e
não permitem estabelecer um padrão comportamental para o empreendedor.
Ao analisar este tipo de produção, pode-se perceber que não seria possível
encontrar um indivíduo que apresentasse todas as características encontradas na
literatura para identificar empreendedores. Essa ideia é confirmada por Inácio Júnior
(2002), quando defende que as tipologias fazem parecer que o empreendedor é um
ser com habilidades especiais, dificilmente encontradas em um único indivíduo e que
se encontradas, equivaleriam a um super empreendedor. No Quadro 1 estão
demonstradas as características mais frequentemente associadas ao
empreendedor:
1. Autoconfiante 18. Tolerância à incerteza e à ambiguidade
27
2. Determinado, perseverante 19. Necessidade de poder
3. Enérgico, diligente 20. Orientado ao lucro
4. Propenso ao risco 21. Experiência de trabalho prévia
5. Com necessidade de realização 22. Dinâmico, líder
6. Criativo, inovador 23. Habilidade em se relacionar com os outros
7. Pró-ativo, com iniciativa 24. Sensibilidade para com os outros
8. Flexível 25. Preditor
9. Resposta positiva frente a desafios 26. Egoísta
10. Independente 27. Cooperativo
11. Otimista 28. Preciso, eficaz e eficiente
12. Perceptivo 29. Corajoso
13. Rápido ao tomar decisões 30. Comprometido
14. Versátil 31. Desenvolto
15. Lócus interno de controle 32. Capacidade de descontração
16. Imaginativo, visionário 33. Competente (utiliza bem o tempo)
17. Habilidade para aprender com os erros
34. Resposta positiva a críticas e sugestões
QUADRO 1 - Características frequentemente associadas ao empreendedor Fonte: INÁCIO JUNIOR, (2002).
Vários estudos (BROCKHAUS, 1980; COOPER; WOO; DANKELBURG,
1988; MCGRATH; MACMILLAN; SCHEINBERG, 1992; CHEN; GREENE; CRICK,
1998) foram, e ainda são, desenvolvidos na tentativa de enumerar traços de
personalidade e comportamentos que revelariam os empreendedores. Ao tratar o
empreendedorismo como uma função de vários traços de personalidade do sujeito,
as pesquisas giram em torno da confecção de instrumentos de pesquisa que
permitiriam fornecer um rótulo ao indivíduo: empreendedor; não empreendedor, ou
mesmo para buscar a intensidade do empreendedorismo em cada indivíduo
(FERREIRA, 2005). As investigações sobre as características empreendedoras vêm
perdendo espaço para aquelas que destaca a importância da formação de redes na
criação dos negócios.
Mesmo a Psicologia sendo utilizada para escapar aos modelos racionais da
economia, a teoria do traço e de comportamentos padronizados ainda perpetua o
dilema da Psicologia da cisão entre corpo-mente. Para Sirgado (1990, p.61),
28
tal clivagem parece traduzir, no nível teórico, o velho problema filosófico denominado pelos ingleses de the mind-body problem, problema insolúvel enquanto não for superada toda forma de dualismo, fonte de posições reducionistas.
Tal dualismo ainda é percebido nas teorias que se utilizam da Psicologia
com outras propostas, como aquela que Machado (2002) identifica como teorias
psicodinâmicas. Nelas o inconsciente aparece como uma força motivadora das
ações. Com este referencial, os pesquisadores buscam localizar na infância a causa
do comportamento empreendedor.
Machado (2002) ainda afirma que, em determinado ponto, o contexto passa
a ser relevante para entender a escolha pela atividade empreendedora, utilizando
para isso as teorias sócio-psicológicas.
Apesar da variedade de referenciais utilizados pode-se dizer, de forma geral,
que as pesquisas com base na Economia estão voltadas prioritariamente aos
resultados da atividade empreendedora para os sistemas econômicos. Nela, os
empreendedores aparecem como aqueles que criam novas combinações (novos
mercados, novos produtos, novos processos e sistemas de distribuição). Nos
estudos com base na Sociologia, o empreendedor aparece como aquele que inicia
negócios. No entanto, tais investigações têm excluído o indivíduo reflexivo que está
na base dos processos de criação e manutenção das organizações. Por fim, nas
investigações com base na Psicologia, o empreendedor aparece como um indivíduo
que possui traços específicos (BRUIN; BRUSH; WELTER, 2006). Neste tipo de
investigação, não aparece a condição singular do sujeito concreto e a especificidade
qualitativa das entidades grupais. Em síntese, o tipo de sujeito e de espaço social
nos quais a atividade empreendedora é desenvolvida têm sido ignorados em todas
as vertentes pelas quais o empreendedorismo é estudado.
A partir de cada vertente, o empreendedorismo é estudado em conformidade
com uma concepção de homem específica, levando a entendimentos diferenciados
sobre seu conceito. Na vertente econômica predomina o entendimento do homem
como sendo um ser racional, capaz de tomar decisões ótimas quando está à frente
de negócios. Na vertente psicológica há uma tendência em considerar o homem
como possuindo uma natureza humana universal, capaz de criar e inovar,
independentemente das condições concretas em que está inserido. Na vertente
sociológica predomina a noção de homem determinado pelas condições sociais.
29
Dessa forma, alguém nascido em determinado meio, teria como destino ser
empreendedor.
O que se propõe nesta produção acadêmica é considerar o
empreendedorismo como um fenômeno social, um comportamento, ação e situação,
que é observado na sociedade ocidental moderna. O empreendedorismo é
efetivado pelo indivíduo e afetado pela situação concreta em que ele se encontra. A
constituição do empreendedor não acontece somente no plano individual ou social,
mas em uma combinação em que o indivíduo, sendo capaz de modificar o social,
pode transformá-lo em psicológico e assim, criar a possibilidade do novo.
Uma temática interessante e que igualmente recebe pouca atenção é o
gênero. Estudar gênero, para Strey (1998), é algo importante seja qual for a área de
conhecimento. Para a autora, o conceito abre espaço para uma compreensão
renovadora e transformadora de homens e mulheres, sendo “importante salientar as
interações sociais que influem nos resultados educativos e ocupacionais” (STREY,
1998, p. 184).
No caso das empreendedoras, em particular, as condições de desigualdade
de gênero que permeiam a sociedade incidem sobre a conduta real de mulheres
reais. Para esclarecer melhor a questão de gênero e empreendedorismo, na próxima
seção serão apresentados os aspectos relacionados a estes dois tópicos, mas
especificamente com relação à condição de gênero vista sob uma perspectiva sócio-
histórica.
2.2 EMPREENDEDORISMO E GÊNERO
Até o século XVIII, as diferenças entre masculino e feminino eram
concebidas a partir de uma visão religiosa. Após o advento da era científica, o sexo
passou de uma concepção divina para uma concepção da natureza humana
(SEVERIANO, 2007). Dessa forma,
[...] cabia à natureza nos gerar geneticamente com apenas um dos dois possíveis sexos: o masculino ou o feminino. Na puberdade, essa mesma natureza se encarregaria de evidenciar ainda mais as características físicas do sexo genético que recebemos no nascimento (SEVERIANO, 2007, p. 12).
30
A naturalização leva a considerar os comportamentos como característicos
de cada sexo. Partindo dessa premissa, haveria uma maneira certa de ser homem
ou mulher. Essa concepção naturalista e suas consequências no campo
comportamental influenciavam também o relacionamento entre os sexos, para
aqueles casos em que o relacionamento não fosse considerado normal, onde
deveria haver tratamento, punição e/ou segregação (SEVERIANO, 2007).
O conceito gênero surge na década de 1970 com a finalidade de diferenciar
sexo, que é categoria analítica marcada pelas características biológicas, da
dimensão que engloba características históricas, sociais e políticas, marcando a
lógica de diferenciação entre homem e mulher (MATOS, 2008). Nos diversos ramos
das ciências, os estudos que contemplavam as diferenças entre homens e mulheres
tinham pouca expressão até o quadro ser revertido por conta dos movimentos
feministas que ganharam força especialmente em meados século XX, tratando de
dar sentido e criticar a subordinação da mulher frente aos modelos masculinos
presentes em quase todos os espaços sociais (MATOS, 2008; CERCHIARO;
AYROSA; ZOUAIN, 2009).
Por meio da categoria gênero foi possível distinguir entre as características
físicas, as representações sociais associadas ao masculino e/ou feminino. Portanto,
ser mulher ou homem é mais do que ser do sexo feminino ou masculino, pois as
características anatômicas não determinam em si mesmas:
[...] o desenvolvimento posterior em relação a comportamentos, interesses, estilo de vida, tendências das mais diversas índoles, responsabilidades ou papéis a desempenhar, nem tampouco determina o sentimento ou a consciência de si mesma/o, nem as características de personalidade do ponto de vista afetivo, intelectual ou emocional, ou seja, psicológico. (STREY, 1998, p.183).
Nesse sentido, o movimento feminista permitiu ver que, além de modos de
produção específicos, as sociedades também possuem um conjunto de arranjos
permitindo transformar as características biológicas em produtos da atividade
humana. O sistema de gênero possui componentes tais como, a divisão sexual do
trabalho e definições sociais que comportam, por sua vez, mundos sociais (STREY,
1998). No entanto, as teorias feministas colocam foco sobre o resultado das
diferenças entre os gêneros na ordem social, e não como tais diferenças são
constituídas (AHL, 2006) ou como afetam a subjetividade dos indivíduos.
31
Diversos autores (STREY, 1998; AHL, 2006; SANTOS, 2008; NATIVIDADE,
2009) concordam que as diferenças atribuídas a homens e mulheres se originam no
social e não no biológico. As diferenças de gênero, dessa forma, são constituídas a
partir da cultura, ou seja, tais diferenças referem-se a uma divisão social. Kahhale
(2002) menciona que as transformações ocorridas no corpo são significadas na
cultura, sendo necessário levar em consideração a concepção histórica das
identidades de gênero.
Apesar da universalidade em que são apresentados os processos de
identificação de gênero, ele também é uma constituição subjetiva. González Rey
(2010) afirma que gênero pode ser entendido como um espaço simbólico produzido
pela cultura, alimentando-se das emoções particulares configuradas na história de
cada sujeito.
Assim, pode-se registrar que as questões de gênero funcionam como
produções sociais, configuradas a partir dos significados atribuídos pelo próprio
indivíduo, que lhes confere um sentido único. Tenha-se presente que o significado
dado socialmente acontece também em nível individual. Em outras palavras, gênero
aparece como uma construção social e, como tal, depende em parte de como a
sociedade percebe o macho como homem e a fêmea como mulher, além de ser
configurado individualmente (GONZÁLEZ REY, 2003, 2010). Isso advém da relação
dialética entre a atribuição de determinada classificação social dada a um indivíduo
e o ser reflexivo que interpreta a si mesmo e ao seu ambiente físico e social por
meio da simbolização.
Considerar gênero como uma produção também subjetiva abre
possibilidades para escapar do dualismo masculino/feminino. Isso porque as
questões de gênero não podem ser separadas de questões sociais e significações e
ressignificações no plano individual. A constituição dos indivíduos se dá na junção
entre as forças sociais e ação do sujeito. Dito de outra forma, o sujeito é produtor da
realidade ao mesmo tempo em que reproduz as forças sociais (SEVERIANO, 2007).
Apesar dos movimentos feministas terem auxiliado na luta contra a opressão
presente na divisão social entre homens e mulheres, percebem-se ainda assimetrias
de gênero e a dominação masculina na sociedade ocidental, em especial no mundo
do trabalho e dos negócios. Menezes e Heilborn (2008) afirmam que ainda hoje é
atribuído ao homem o espaço público, trabalho não doméstico e a responsabilidade
de ser provedor. Bruni, Gherardi, e Poggio (2004) suscitam que o discurso da
32
produção acadêmica, quando trata das empreendedoras, ainda reserva à mulher um
lugar subalterno. As autoras esclarecem que, nas investigações sobre o tema, a
mulher aparece como parte de um grupo pequeno e marginalizado: o “outro”.
A posição hegemônica do homem, embora nem sempre declarada na
literatura sobre o empreendedorismo, ainda está presente, pois o ponto básico é
evidenciar aquilo que a mulher não é, utilizando-se das características masculinas
como parâmetro (OGBOR, 2000). Essa percepção é compartilhada por Sousa,
Almeida e Paiva Jr. (2010), que encontram no discurso sobre empreendedorismo um
papel secundário para a mulher. Os autores afirmam que elas ficam circunscritas a
guetos, enquanto os homens são vistos como arquétipos de empreendedores.
Natividade (2009), ao avaliar as diferentes formas de aplicação dos recursos
nacionais, por meio do desenvolvimento econômico e da participação feminina
empreendedora, constatou que apesar dos avanços, em especial com a criação da
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, há ainda um longo caminho a
percorrer. Tal percurso passa também por uma nova perspectiva de gênero com
recorte étnico-racial, pois os legisladores ainda possuem
[...] uma percepção naturalizada [...], com características modelares hegemônicas da visão masculina ao lidarem no campo político com as desigualdades vivenciadas por essa parcela populacional (NATIVIDADE, 2009, p. 20).
A produção acadêmica brasileira sobre empreendedorismo e gênero está
concentrada nos eventos científicos. Nas 06 edições do Encontro sobre
Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Egepe), foram publicados 13
artigos entre os 245 da área de empreendedorismo. O resultado em termos
quantitativos pode ser visto na Tabela 1.
TABELA 1 - Artigos publicados sobre gênero no Egepe
Edição Total de artigos sobre empreendedorismo
Total sobre gênero
Percentual Aproximado
I 12 01 8% II 32 03 9% III 23 02 8% IV 51 01 2% V 71 03 4% VI 56 03 5% Total 245 13 5%
Fonte: Elaborado pela autora
33
Enquanto a produção sobre empreendedorismo cresce consideravelmente,
os estudos sobre gênero se mantém estáveis ao longo do tempo.
A verificação das publicações mais recentes foi realizada também nos anais
do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Administração (EnAnpad). A busca foi concentrada nas Divisões de Estratégia em
Organizações (2006, 2007, 2008, 2009 e 2010) e Estudos Organizacionais (2009 e
2010). A inclusão na pesquisa da divisão de Estudos Organizacionais se deu em
função da mudança nos temas de interesse do evento a partir de 2009. Nesse ano
foi criada uma área específica para as questões de gênero, novamente alterada no
ano seguinte: Gênero e Diversidade em 2009 e Diversidade e Trabalho em 2010.
Foram encontrados 90 trabalhos sobre empreendedorismo nas divisões
pesquisadas dos quais 10, versavam sobre empreendedorismo e gênero.
TABELA 2 - Artigos publicados sobre gênero e empreendedorismo no Enanpad
Ano Total Sobre Gênero 2006 23 02 2007 21 02 2008 25 01 2009* 12 03 2010* 09 02 Fonte: Elaborado pela autora * Houve mudança na distribuição das áreas temáticas com os artigos sobre gênero indo para a área de Estudos Organizacionais
No evento investigado, a produção de artigos sobre gênero e
empreendedorismo manteve-se estável nos cinco anos analisados.
Os objetivos dos trabalhos publicados e os achados das pesquisas têm, de
certa forma, privilegiado as representações sociais das mulheres sobre a própria
atuação no mundo dos negócios. Outro assunto que parece despertar o interesse
dos pesquisadores é a análise da produção científica dos trabalhos publicados, bem
como desvendar as formas de atuação e perfil das mulheres na gestão das
empresas. A seguir, estão demonstrados os resultados das pesquisas mais recentes
publicadas nos dois eventos.
Gimenez et al. (2000), ao compararem perfis de 66 indivíduos de ambos os
sexos, não encontraram diferença estatisticamente significativa para afirmar que as
mulheres adotavam um modelo a ser seguido. Mesmo assim, do total de mulheres,
79% apontaram pai, mãe, amigos, parentes, empregadores anteriores e professores
34
como referencial de empreendedor, enquanto menos da metade dos homens indicou
possuir tal modelo. Na maioria dos aspectos pesquisados (valores, estrutura da
empresa, processo decisório, entre outros), os dados indicaram semelhança entre
empreendedores e empreendedoras.
Machado, Barros e Palhano (2003) levantaram dados sobre as
empreendedoras do Paraná. A amostra da pesquisa foi de 183 casos provenientes
de cinco cidades do norte paranaense. Na investigação, as autoras perceberam que
a maior parte das empresas geridas por mulheres é formada de pequenas
empresas. Esse dado evidencia, conforme a conclusão das autoras, a necessidade
da criação de políticas públicas que possibilitem o crescimento dessas empresas.
Outro ponto destacado no artigo é que as empresas impactam também na dinâmica
familiar, uma vez que é nesse grupo onde as mulheres buscam as pessoas que
necessitam para gerir o negócio.
Miranda e Silveira (2010) entendem o empreendedorismo como uma
combinação de traços individuais, podendo se manifestar no âmbito das
organizações, sem necessariamente estar ligado à propriedade de empresas. As
autoras buscaram verificar como as gestoras de uma instituição de ensino superior
percebiam o empreendedorismo corporativo, e chegaram à conclusão que iniciativa,
dinamismo, confiança, ousadia, preocupação social, visão de futuro,
responsabilidade, senso de oportunidade, conhecimento, desprendimento e
relacionamento foram mencionados como elementos básicos no processo de
empreendedorismo corporativo.
Machado (2001) investigou a inserção da mulher na atividade
empreendedora em diferentes localidades, verificando as políticas públicas adotadas
para fortalecer os pequenos negócios geridos por mulheres. As evidências
encontradas permitem afirmar que existem dificuldades que são constituídas a partir
da representação social da mulher e seu lugar na sociedade. Para a autora,
[...] mesmo nas sociedades onde a sua representatividade é maior, pode-se perceber que entrelaçar os domínios social e econômico representam uma dificuldade para as mulheres na condição de empreendedoras (MACHADO, 2001, p. 386).
Moraes et al. (2008) procuraram caracterizar a atuação da mulher em
organizações do terceiro setor. Os autores consideram o empreendedorismo como
35
uma característica pessoal ligada a ações sociais. No entanto, apesar de denunciar
que “a questão de gênero no campo organizacional tem produzido atitudes
excludentes com relação às mulheres no exercício de cargos estratégicos sendo
relegadas a elas poucos espaços nas organizações tradicionais” (p. 1), os autores
parecem perpetuar a exclusão. Isso porque no trabalho, eles reservam às mulheres
um espaço que poderia ser típico delas, “dada sua natureza de cuidar do outro”
(MORAES et al., 2008, p. 1).
Machado (2006) investigou a inserção de mulheres herdeiras na gestão da
empresa familiar. A autora analisou as características da empresa familiar e afirma
que as transformações no cenário social, tais como igualdade de gênero e
autonomia individual, afetaram as organizações familiares. O foco dos estudos neste
tipo de organização passou daquele centrado na figura do homem para considerar a
presença de mulheres na gestão, como potenciais sucessores. O preparo dos
herdeiros e as maneiras de realizá-lo são apontados na literatura especializada
como pontos críticos da passagem para a nova geração.
Ao elencar os trabalhos que tratam do lugar das herdeiras na sucessão,
Machado (2006) demonstra uma série de resultados que indicam que a mulher tem
sido colocada em segundo plano em termos de sucessão e gestão. Alguns dos
resultados da pesquisa apontaram que, as mulheres são ignoradas em empresas
brasileiras pertencentes a famílias de origem italiana, exercem papéis subalternos
nas empresas, têm que trabalhar por mais tempo, ganham menos e possuem
dificuldades para ascender profissionalmente.
A pesquisa de Machado (2006) indicou que existem certas limitações às
sucessoras, resultantes daquilo que ela chamou de aspectos culturais, tais como: a
preferência por herdeiros do sexo masculino, barreiras sociais em função da
expectativa de papéis direcionados à mulher como o de mãe, esposa e dona de
casa.
Partindo da análise das representações sociais, Dias et al. (2006) mostram
como a figura da empreendedora aparece na mídia de negócios no Brasil. Para os
autores, as mulheres empreendedoras são retratadas como possuindo
características especiais ditas femininas que permitiriam a elas obter sucesso. Essas
peculiaridades seriam firmeza, objetividade, exigência, dedicação excessiva ao
trabalho, flexibilidade, capacidade de aprender, ouvir e inovar. No entanto, mesmo
possuindo tais atributos elas ainda conservariam os papéis tradicionalmente
36
destinados às mulheres como o de mãe e administradora do lar. Os pesquisadores
percebem que, ao mesmo tempo, são mostradas mulheres de negócios que
possuem características tipicamente relacionadas ao universo masculino como:
dedicação ao trabalho fora do ambiente doméstico, firmeza e força.
O discurso jornalístico acerca das empreendedoras reforça o “individualismo
e personalismo do sujeito, com enfoque no discurso liberal calcado na meritocracia”
(DIAS et al., 2006, p. 13), mas ao mesmo tempo, não se diferencia de outros tipos
de revistas, como aquelas especializadas em moda e beleza, pois retratam a mulher
a partir de referenciais tradicionalistas. “Mesmo quando a própria retratada não
parece enquadrar-se nas exigências das atividades domésticas, é ainda considerada
uma dona-de-casa, só que atípica, ou então, alguém que escapou de seu próprio
destino” (DIAS et al., 2006, p. 13).
Em uma continuidade do trabalho, as mesmas autoras (DIAS et al., 2007)
incluem uma revista americana na análise, com o objetivo de investigar a construção
imagética do sujeito feminino na mídia de negócios brasileira e estrangeira. Elas
partem dos pressupostos que: i) existe dominação masculina e que ela interfere nas
formas de se enunciar a mulher inserida nas relações estabelecidas pelo capital e,
sobretudo, daquelas estabelecidas dentro das organizações; ii) existem
desigualdades de gênero; e iii) a mídia possui um papel articulador e difusor de uma
visão de mundo particular, edificando ideias, comportamentos, projetos econômicos
e políticos.
Os resultados da pesquisa indicam que as executivas retratadas na Revista
Fortune, um dos veículos analisados, aparecem como se fossem parte das
empresas. Em outras palavras, não há menção da trajetória ou vida pessoal das
executivas. Já na Revista Exame, as autoras constataram que aspectos da vida
pública e privada das executivas são levados em consideração. Nas narrativas,
havia certa admiração por aquelas que conseguiam harmonizar a vida doméstica,
com os afazeres profissionais e obter sucesso no mundo do trabalho. Segundo as
reportagens, também eram objeto de nota as mulheres diferentes, no sentido de não
gostar ou não ligar para a vida doméstica, veladamente indicando que este seria seu
lugar natural. Ao concluir o artigo, as autoras afirmam que:
Ao destinar uma série de reportagens elogiosas a proprietárias e executivas “bem sucedidas”, a revista Exame acaba reproduzindo o que a literatura pop-management inaugurou há algumas décadas: com refletores
37
iluminando exclusivamente os sujeitos, deixando de lado as derrotas e, sobretudo, os aspectos sócio-econômicos que incidem em suas trajetórias profissionais, as mulheres retratadas são exemplos de comportamento ideais difundidos para a sociedade como um todo (DIAS et al., 2007, p. 13).
Em uma mesma linha de pensamento, Menezes e Bertucci (2009) buscaram
levantar as representações sociais daquelas que se consideram mulheres de
negócios. As pesquisadoras partem do pressuposto que as concepções de gênero
são formadas em um processo histórico, cultural e social, e que se manifestam por
meio do discurso. Os resultados mostram que as representações contidas nos textos
analisados registram uma representação antagônica, uma vez que as mulheres
possuem uma trajetória de luta constante na busca de conquistas em um espaço
predominantemente masculino. A qualificação profissional aparece como um fator
legitimador do espaço conquistado.
Nesses trabalhos (DIAS et al., 2006, 2007; MENEZES; BERTUCCI, 2009), a
realidade social possui natureza discursiva, cuja manifestação revela como as
representações são incorporadas e retratadas pela sociedade e pelos indivíduos que
dela participam.
As representações sociais sob outras perspectivas e incidindo sobre o papel
da mulher também têm sido estudados como nos trabalhos a seguir..
Cramer, et al. (2001) buscaram compreender qual a representação social da
mulher no mundo dos negócios. Eles perceberam que a socialização na infância
possui grande influência sobre o sistema de representações das empreendedoras
entrevistadas. Os autores identificaram características ditas femininas que foram
sendo constituídas socialmente, além das expectativas de papéis que são atribuídos
à mulher e que geram cobranças delas mesmas e das pessoas a elas ligadas em
relação a estes papéis (mãe e esposa).
Jonathan (2003) realizou um estudo com 16 empreendedoras com o objetivo
de descrever o mundo simbólico das proprietárias de empresas do setor de
tecnologia. Um achado interessante do estudo é a tríplice demanda que recai sobre
as mulheres. A autora relata que as respondentes “enfatizaram sua necessidade de
harmonizar aspectos de sua vida pessoal, profissional e familiar” (JONATHAN, 2003,
p. 46). Tais demandas podem ser reflexo das expectativas sociais que recaem sobre
as mulheres, fazendo com que elas mesmas se vejam obrigadas a agir em acordo
com os papéis a elas designados pela sociedade.
38
Birley e Muzyka (2001) afirmam que as pesquisas mostram que as mulheres
ainda realizam em torno de 70% das tarefas domésticas e que, ao responder
perguntas sobre a quem caberia a responsabilidade pelo cuidado das crianças, elas
acreditam que tal atividade deva ser prioritariamente responsabilidade delas.
Machado et al. (2008) entrevistaram 30 empreendedoras para verificar qual
é o significado de sucesso e fracasso para elas. No trabalho, é admitido que os
significados se transformam ao longo do tempo, mas na pesquisa realizada, as
autoras constataram que os significados atribuídos poderiam ser agrupados em
duas categorias: aspectos pessoais e gerenciais. Dito de outra forma, quando as
empreendedoras falavam de sucesso tanto indicavam características pessoais
quanto se referiam à gestão dos negócios. De igual maneira, elas também
significavam o fracasso nas mesmas categorias.
Algumas pesquisas (FERREIRA; GIMENEZ; RAMOS, 2004; FREITAS et al.,
2009) são realizadas levando-se em conta o gênero como categoria de análise e
não como um processo socialmente instituído. Este tipo de trabalho tenta mostrar
que o empreendedorismo não é afetado pela variável gênero.
Ferreira, Gimenez e Ramos (2004), partindo do pressuposto que todos os
indivíduos são empreendedores variando apenas em intensidade, buscaram
diferenças estatisticamente significativas entre potenciais de homens e mulheres. Os
resultados não indicaram que a variável gênero interferisse na intensidade
empreendedora dos indivíduos. Para eles:
A exploração das relações propostas permite afirmar que o potencial empreendedor dos indivíduos está distribuído normalmente entre a população e independe de gênero. A distribuição normal é peculiar de diversos fenômenos naturais (BARBETTA, 2001) e, ao ser encontrado nesta amostra, pode apontar para o empreendedorismo como uma característica inerente ao ser humano (FERREIRA; GIMENEZ; RAMOS, 2004, p.15).
Esse resultado é corroborado por Freitas et al. (2009), utilizando o
instrumento de medida Carland Entrepreneurship Index em uma amostra de 171
empreendedores, não encontrando diferenças entre homens e mulheres em relação
ao potencial empreendedor.
Na condução dos negócios no ambiente brasileiro, parece que homens e
mulheres enfrentam os mesmos tipos de dificuldades. Esta afirmação é asseverada
por Vale e Serafim (2010), ao constatarem que entre 178 empresas, os problemas
39
sentidos por mulheres e homens no cotidiano eram muito similares. Os autores
perceberam no relato dos empresários que a forte concorrência, a presença de uma
carga tributária elevada e a dificuldade de obter mão de obra qualificada, constituíam
suas principais preocupações.
O empreendedorismo feminino também tem sido utilizado como pano de
fundo para defender determinados métodos de ensino e para mostrar a relevância
de algumas técnicas de coleta de dados como pode ser observado nos trabalhos a
seguir.
Novaes et al. (2008) partem do pressuposto que o empreendedorismo nasce
das inclinações e interesses pessoais e que, por esta razão, pode ser melhor
compreendido a partir dos relatos individuais. Dessa forma, defendem um método de
ensino baseado em história de vida. Para eles, tal método pode representar um
interessante recurso para despertar o interesse pelo empreendedorismo e também é
alternativa aos estudos de caso.
Em um estudo utilizando a técnica de história de vida com a intenção de
identificar os fatores que contribuíram para a escolha da atividade empreendedora
no setor agropecuário, Tóffolo (2001) percebeu que as mulheres entrevistadas
atribuem a sua escolha o traço de personalidade construído ou recebido por parte
dos pais e/ou do marido.
Penaloza et al. (2008), investigando o empreendedorismo como escolha
profissional entre estudantes do sexo feminino, perceberam que elas não estavam
interessadas na atividade. Do total de 202 estudantes da amostra, 14,4% afirmou
que tinha interesse na atividade empreendedora como escolha profissional. A
maioria das respondentes gostaria de ingressar no serviço público (em torno de
35%). A argumentação do artigo parece indicar que os papéis atribuídos à mulher na
sociedade influenciam nas escolhas profissionais. Por isso elas estariam mais
voltadas para o emprego formal do que para a atividade empreendedora. As
limitações impostas por tais papéis estão representadas na baixa taxa de inserção
das mulheres-cônjuges e mães em atividades remuneradas.
Zampier, Takahashi e Teixeira (2010), analisaram como as docentes
desenvolvem a competência empreendedora. Para as autoras, tal competência é um
conjunto formado por características como: capacidade de relacionamento em rede,
habilidades conceituais, capacidade de gestão, facilidade de leitura, posicionamento
em cenários conjunturais e comprometimento com interesses individuais e da
40
organização. As pesquisadoras verificaram que as professoras da amostra
desenvolviam a competência empreendedora por vias formais (cursos) e informais,
utilizando leituras, participação em congressos, realização de orientações e por meio
da rede de relacionamentos e troca de experiências.
Uma continuidade deste trabalho foi publicada por Zampier e Takahashi em
2010, com o objetivo de averiguar como as mulheres lidam com os conflitos oriundos
da relação família-trabalho no desenvolvimento de suas competências. Elas partem
do pressuposto que existem conflitos na relação trabalho-família e que tais
elementos podem ser enquadrados em três dimensões: tempo, tensão e
comportamento. Os resultados apontaram que o tempo é, entre as dimensões,
aquela que possui maior potencialidade de geração de conflito com a família. As
ações realizadas para lidar com tais dimensões vão desde o compartilhamento das
atividades familiares até a opção por não constituir família.
A análise da produção científica sobre o empreendedorismo feminino,
também desperta a atenção dos pesquisadores. Foram encontrados dois artigos
(CASSOL; SILVEIRA; HOELTGEBAUM, 2007; GOMES; SANTANA; ARAÚJO, 2009)
tratando do tema nos últimos cinco anos.
O artigo de Cassol, Silveira e Hoeltgebaum (2007) analisou a produção
científica sobre empreendedorismo feminino publicada nos periódicos da área de
administração e de negócios em Ciências Sociais, indexados na base de dados do
ISI de 1997 a 2006, segundo as dimensões do modelo de Gartner que contempla
quatro dimensões: individual, ambiente, organização e processo. Os resultados
encontrados indicam que a maior parte dos estudos trata da dimensão individual
com 86% dos artigos, buscando identificar diferenças entre homens e mulheres. As
autoras advogam que isso pode ser explicado pelas “curiosidades acerca das
diferenças oriundas de gênero, e muitos fatores considerados influentes sobre a
atividade empreendedora (CASSOL; SILVEIRA; HOELTGEBAUM, 2007, p. 10).” A
dimensão que menos foi analisada, segundo os dados da pesquisa, foi a de
processo. Nesta dimensão foram incluídos os artigos que tratam o
empreendedorismo como um processo social que “também é afetado por
modificações sociais, por fatores como a globalização e, até mesmo, pelos reflexos
como os das ações da China, sobre a instabilidade do mercado internacional”
(CASSOL; SILVEIRA; HOELTGEBAUM, 2007, p. 12).
41
Gomes, Santa e Araújo (2009) também analisaram a produção científica
sobre empreendedorismo feminino. Os autores concentraram a busca em periódicos
nacionais, nos anais do Enanpad, além da base de dados internacional disponível
no Portal de Periódicos da Capes. Foram encontrados 82 artigos que, em sua
maioria, se utilizam de surveys como forma prioritária de coleta de dados, resultando
na apresentação simples dos achados sem avançar em contribuições teóricas. Para
os autores:
[...] a maioria das poucas pesquisas que a analisa [questão de gênero em Administração] prende-se a descrições essencialistas como se as mulheres possuíssem, na sua natureza, características como sensibilidade, perseverança, estilo cooperativo, disposição de trabalhar em equipe, etc. (GOMES; SANTA; ARAÚJO, 2009).
Na conclusão, os autores convocam os pesquisadores a realizar uma
produção mais aprofundada e crítica que, ao ser realizada, demandaria também
uma discussão da pesquisa sobre gênero em toda a área da Administração. No
entanto, eles não especificam a profundidade ou que tipo de discussão resultaria de
tal ação dos pesquisadores.
Em outra seção deste trabalho, foi constatado que a produção sobre
empreendedorismo vem sendo feita mais recentemente, com o apoio de teorias que
estão ligadas à formação de redes. No empreendedorismo feminino, esta influência
ainda não é marcante, pois em apenas um dos artigos (VALE; SERAFIM, 2010) foi
utilizado este referencial para conduzir as análises.
Vale e Serafim (2010), utilizando as reflexões de Granovetter sobre o poder
dos laços fracos e a imersão, compararam o processo de criação de empresas de
homens e mulheres em uma amostra de 178 organizações. As autoras advogam
que homens e mulheres, em função da evolução histórica do papel de cada um na
sociedade, estão imersos em diferentes tipos de relações sociais. Para o homem, as
ligações que sustentam as relações sociais são mais abertas. Já as mulheres estão
imersas em laços mais fortes e são “protegidas por uma rede de relações familiares”
(VALE; SERAFIM, 2010, p. 2).
Em face desses pressupostos, a conclusão defendida pelas autoras é que
os processos de abertura de empresas são desiguais, onde a diferença é fundada
na forma com que elas utilizam suas redes sociais. Para as autoras:
42
Mesmo nos dias de hoje, mulheres e homens encontram-se embeddeded em redes sociais diferentes. Tais diferenças, por sua vez, condicionam ou influenciam a natureza dos empreendimentos que são capazes de construir. Diferentemente dos homens, as mulheres parecem mostrar-se mais sensíveis à influência de terceiros, tanto no que diz respeito à decisão de criar uma empresa, quanto na gestão do dia a dia da empresa. Ao mesmo tempo, no processo de criação de seus empreendimentos, são menos movidas que os homens pela identificação de uma oportunidade de negócios, o que sugere a presença de função objetivo ou motivação mais difusa (VALE; SERAFIM, 2010, p. 13).
Apesar de ser pouco utilizada em empreendedorismo feminino, a teoria de
redes é reconhecida por ser um campo promissor para as futuras investigações
(MACHADO et al., 2010).
Entre os artigos publicados nos eventos, encontram-se os que alertam para
a possibilidade de transformação social por meio da atividade empreendedora
feminina, como é o caso do trabalho de Sousa, Almeida e Paiva Jr. (2010). Os
autores propõem tratar o empreendedorismo de forma mais ampla do que a simples
abertura de empresa, e considerá-lo como um fenômeno social que relaciona
indivíduo, organização e ambiente em uma interação dialógica. Ao analisar o
empreendedorismo feminino utilizando um documentário sobre quatro comunidades
do semiárido nordestino, eles perceberam que as ações das mulheres inseridas no
projeto de conservação e uso sustentável da caatinga, contrariam a visão
hegemônica do empreendedorismo, enfatizando a atuação coletiva e consciência
política (no plano social), e o aumento da autoestima e satisfação pessoal (no plano
individual).
Além das pesquisas já realizadas, encontrou-se também um trabalho
indicando os caminhos para a pesquisa em empreendedorismo feminino. Tal
produção foi elaborada por Machado et al. (2010) que, ao analisar a produção
científica, perceberam o quanto a área carece de estudos longitudinais, e que a
teoria de redes e as diferenças entre mulheres empreendedoras são tópicos ainda a
serem explorados. Para eles, há muito para se conhecer sobre crescimento e
fracasso de empresas administradas por mulheres. A identificação e o impacto das
políticas públicas também fazem parte do rol de assuntos que Machado et al. (2010)
indicam como importantes na pesquisa sobre empreendedorismo feminino.
Ahl (2006), partindo de uma análise feminista que reconhece a subordinação
histórica da mulher ao homem igualmente indica direcionamentos para a pesquisa
com mulheres empreendedoras. A autora denuncia as práticas discursivas que
43
mantêm o homem em posição de poder e afirma que fatores estruturais, históricos e
culturais foram historicamente negligenciados na pesquisa acadêmica.
Em retrospecto, percebe-se uma tendência na produção científica da área
em tratar gênero como um processo socialmente constituído e não mais como uma
variável, em especial utilizando as representações sociais. Pode-se ainda afirmar, na
maioria das produções científicas da área, a predominância de artigos que mostram
dados e estatísticas a respeito da atividade empreendedora de mulheres. Tal
produção é, por vezes, relatada como sendo acrítica e/ou com pouca validade
científica (Gomes, Santana e Araújo, 2009). No entanto, o conhecimento das
características dos negócios e perfil das empreendedoras possui validade científica,
podendo auxiliar no entendimento das condições concretas em que as mulheres
estão inseridas. Essa afirmação é corroborada por Machado et al. (2010), quando
atestam que faltam estatísticas sobre a atividade empreendedora. Isso é
especialmente importante na realidade brasileira, pois podem servir de fundamento
para criação de políticas públicas de incentivo à atividade empreendedora de forma
mais eficaz. Além disso, as estatísticas têm auxiliado na priorização de certos
programas de capacitação.
Tentando uma aproximação com uma produção que permita desvelar as
condições concretas em que se encontram a mulher empreendedora e como são
configuradas as diversas experiências na constituição de sua subjetividade, a
próxima seção trata do sujeito em uma concepção sócio-histórica. Esse tema, como
já justificado, pode dar conta de alguns caminhos indicados e algumas críticas feitas
à produção, em especial a nacional, sobre o empreendedorismo feminino.
2.3 CONCEPÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DE CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E SUBJETIVIDADE
O termo sócio-histórico tem sido utilizado para nominar a teoria formulada
por Vigotski e seus seguidores. No entanto, não é a única expressão encontrada. As
palavras sociocultural e histórico-cultural são igualmente utilizadas para designar os
escritos dos autores que se perfilham ao pensador russo. Para Bock, Gonçalves e
Furtado (2002), “cultural” no Brasil não reflete a tradição Marxista que está na
44
gênese da corrente, e o termo sócio-histórico para estes autores, parece ser mais
coerente e é termo escolhido nesta tese.
A concepção sócio-histórica, relativamente nova no ocidente, vem sendo
utilizada para sustentar um entendimento do homem e sua natureza histórica. Tal
perspectiva traz um entendimento da realidade em que o indivíduo não está
dissolvido, nem fragmentado, nem é determinado pelas condições sociais, mas sim
sujeito ativo na construção da realidade. Segundo Paula e Palassi (2007), essa
proposição se afasta das propostas de construção social da realidade, como
postuladas por Giddens e Bourdieu, porque nestas, o sujeito tem importância
reduzida.
A ideia de um enfoque sócio-histórico, que é caracterizado pelo
entendimento de homem imerso em relações sociais e podendo ser compreendido
somente a partir de tais relações, foi concebida em função da crença de Vigotski na
existência da relação entre conceito científico e realidade concreta. Vigotski (2009)
afirma que existe uma relação intrínseca entre os elementos interno e externo na
constituição da psiquê, pois nela estão incorporados sedimentos da realidade
(material imediato) que, por sua vez, representam a origem do pensamento abstrato.
Portanto, em Vigotski, a relação entre o sujeito e o objeto é socialmente
mediada (MOLON, 2010), ou seja, o conhecimento é mediado. No processo de
mediação social, a interação é elemento relevante e acontece por meio da atividade
(KOZULIN, 1994). Os fenômenos psíquicos não podem ser considerados e
estudados como meros objetos, mas como processos em mudança (SIRGADO,
1990).
Molon (2010) registra que dentre as temáticas derivadas dos escritos de
Vigotski, a subjetividade e a constituição do sujeito se destacam. O uso dos escritos
de Vigotski, para compreender a constituição da subjetividade dos indivíduos,
implica em admitir que exista uma articulação dialética entre interno e externo.
Freitas (2002) corrobora essa ideia dizendo que isso auxilia no entendimento do
indivíduo em sua totalidade, considerando a relação entre o sujeito e a sociedade a
qual ele pertence.
45
2.3.1 Sujeito e subjetividade
Existem várias concepções do processo de subjetivação humana. Silva
(1998) oferece um panorama sobre as diversas concepções dos processos de
subjetivação. O autor aponta que as ideias dicotômicas em relação ao homem
(mente e corpo, objetividade e subjetividade), que nortearam o entendimento sobre a
formação da subjetividade humana, podem ser rastreadas até Platão, com sua
concepção da separação entre corpo e espírito. Tal entendimento, segundo Sawaia
(2010), não tem dado conta da relação complexa existente entre indivíduo e
sociedade, ou entre a constituição das funções psicológicas humanas e sociedade.
Em resumo, a constituição da subjetividade sofreu as implicações das
restrições conceituais impostas pela separação entre mente e espírito. As
características das teorias decorrentes deste pensamento redutor fizeram do “sujeito
cognoscente, um sujeito empírico” (MOLON, 2010, p. 17). Assim como reduziram a
consciência à cognição e a subjetividade à objetividade, fazendo entender que o que
era considerado ciência se resumia ao fenômeno observável.
Gonçalves (2002) afirma que a concepção de sujeito é influenciada por
crenças, valores e conhecimentos resultantes de uma produção humana. Essa por
sua vez, reflete a realidade de um momento histórico. Dessa forma, a noção de
sujeito produzida pela modernidade é a de indivíduo livre, capaz de decidir que lugar
ocupar na sociedade. Essa concepção tem origem, segundo a autora, no liberalismo
econômico, para o qual todos os homens são iguais e dotados de interesses
próprios e individuais.
As diversas formas de entendimento de homem abrem “espaço para uma
nova experiência de individualidade, mais especificamente de subjetividade”
(GONÇALVES, 2002, p. 40). Trata-se de um conceito que, em função do momento
histórico (advento do capitalismo e seu modo de produção) estabelece o homem
como senhor de seu destino. Gonçalves (2002) adverte, no entanto, que a liberdade
subjacente à concepção do sujeito moderno é ilusória e as condições concretas em
que se encontra negam tal liberdade. Nessa linha, novas concepções de sujeito são
demandadas para dar conta de uma perplexidade que abriu caminho para novas
visões de subjetividade.
46
O projeto de Vigotski em relação ao conceito de sujeito e subjetividade pode
ser considerado inovador, uma vez que se centrava na busca do entendimento do
homem, considerando, além de sua constituição biológica, também a sua natureza
social. Para Sawaia (2010, p. 9):
Suas reflexões sobre as funções psicológicas inserem, definitivamente, a sociedade no homem, o biológico no psicológico e vice-versa, rompendo com concepções biologicistas, solipsistas ou deterministas de desenvolvimento humano.
A motivação de Vigotski, segundo Sawaia (2010), era compreender a
criatividade humana sob as determinações sociais. A inovação do pensador russo foi
tratar o sujeito como possuindo um caráter ativo e constituinte, cuja construção
somente pode ser entendida a partir do social. Assim, o sistema explicativo de
Vigotski parte do social para o sujeito, sem lhe tirar a consciência crítica (SAWAIA,
2010). Essa peculiaridade da teoria é calcada em uma proposta de historicidade do
homem e dos processos psicológicos (MOLON, 2010).
Vigotski ressaltou o papel ativo do homem e da cultura: o homem constitui a cultura ao mesmo tempo em que é por ela constituído. Entretanto, o desenvolvimento cultural do homem encontra sustentação nos processos biológicos, no crescimento e na maturação orgânica, formando um processo complexo, no qual o biológico e o cultural constituem-se mutuamente no desenvolvimento humano (MOLON, 2010, p. 93).
Constatando aa limitação da ciência de seu tempo, em especial devido ao
que ele chamou de crise metodológica, Vigotski foi levado a elaborar uma teoria que
possibilitasse a compreensão do homem a partir do entendimento da
processualidade que cerca a constituição do sujeito e da subjetividade. Isto é, para
além do desenvolvimento pela maturação biológica, inserindo nesse processo, a
ideia de individuação calcada em uma noção de inserção social e histórica (MOLON,
2010).
A constituição do sujeito, ou seja, como um indivíduo se torna sujeito
consciente de sua história se dá nas relações sociais. Para compreensão da obra
de Vigotski é necessário entender as concepções filosóficas que fundamentam sua
obra. Para Kozulin (1994), o fundamento da obra de Vigotski encontra-se em Hegel
sob dois aspectos:
47
a) Na ciência do homem histórico de Hegel - A dialética hegeliana teria
levado Vigotski a buscar a origem dos processos psicológicos superiores.
b) Na mediação - Fazendo com que Vigotski pensasse em três tipos de
mediação: signos e instrumentos; atividades; relações interpessoais.
Além disso, Marx também aparece na obra de Vigotski por sua ênfase no
trabalho como importante elemento na constituição e transformação da consciência
humana (KOZULIN, 1994). A influência de Marx sobre Vigotski pode ser percebida
na admissão da necessidade de entendimento do homem a partir das relações
sociais, em especial na origem social da consciência (MOLON, 2010). Ao resumir as
influências de toda a produção do pensador russo, Molon afirma que:
Em síntese, pode-se afirmar que, apesar das particularidades, esses comentadores reconhecem que as ideias fundamentais, como a da gênese e natureza social da consciência, a origem social das funções psicológicas superiores, o papel dos instrumentos e da linguagem, e da atividade produtiva nos processos de humanização encontram inspiração em Marx, Hegel, Engels e Lenin (p.78) [...] Mas Vigotski não apenas dialogou com os autores de sua época e com os psicólogos russos, ele teve interlocutores da tradição filosófica, considerando que os principais foram: Hegel, Marx, Espinosa, Humboldt e Potebnia. Estes interlocutores principais estão presentes na ênfase metateórica das reflexões críticas de Vygotski, na importância do método dialético e na crítica ao dualismo subjetivo e objetivo, na postura contra o reducionismo biológico e reducionismo cultural, e na relação entre pensamento e linguagem (2010, p. 79).
Molon (2010) parte do pressuposto que existem dois conceitos fundamentais
na obra de Vigotski que possuem relação com a constituição do sujeito e da
subjetividade: consciência e relação eu-outro. A autora afirma que tais conceitos
foram sofrendo modificações ao longo dos escritos de Vigotski, mas para ele,
tratava-se de fenômeno fundamental que precisava ocupar lugar central nos estudos
sobre o comportamento humano. A consciência aparece como:
1. Um sistema de reflexos reversíveis – no qual já se prenunciava a origem
social da consciência. Ele também defende a unidade entre psiquê e
consciência (MOLON, 2010).
2. Possuindo uma tríplice natureza – a partir da unidade entre psiquê e
consciência, enfatizando a importância do comportamento que possui
tripla natureza: experiência histórica, social e duplicada. A relação entre
48
comportamento e consciência aparece nas palavras de Molon (2010, p.
86):
Desta maneira, a consciência é construída no contato social, é originada social e historicamente, mas como experiência duplicada – já que ela é duplicação do mesmo, tal como acontece com o trabalho – ela é também contato social consigo mesmo, como pode ser observado na fala silenciosa e na fala interior.
Essa tríade vai evidenciar a gênese social da consciência e a importância da
linguagem como elemento do comportamento e da consciência, que está ligada à
capacidade de reflexão sobre si mesmo e dá plasticidade ao ser humano. Em outras
palavras, a capacidade de ter consciência sobre a consciência, possibilitando a
mudança. Possui tripla natureza e uma concepção de homem que afirma o
reconhecimento dele mesmo e do outro (dualidade da consciência). A tripla natureza
da consciência (pensamento, afetos e motivação) é decorrente dessa capacidade de
refletir sobre ela mesma (MOLON, 2010).
3. Como sujeito da atividade - a consciência é responsável pela filtragem da
realidade e apresenta limiares que levam à percepção das coisas de
modo fragmentado. Isso se dá em função dos sentidos que estratificam o
mundo (MOLON, 2010). Para Molon (2010, p. 88), a consciência como
sujeito da atividade evidencia “o sujeito como modelo da sociedade, pois
nele se reflete a totalidade das relações sociais. Conhecer o sujeito
significa conhecer o mundo inteiro [...].”
4. Como um “quase-social” – as funções psicológicas superiores têm
origem no social e vivem por meio de instrumentos psicológicos (signos),
e por isso são quase-sociais. Essa forma de ver a consciência é
desenvolvida no período de 1928-1932. As funções psicológicas
superiores são entrelaçadas e correspondem a operações, tais como:
memória, linguagem, atenção voluntária, formação de conceitos,
pensamento verbal e afetividade (MOLON, 2010). Entre funções
psicológicas, a vontade é a potencializadora das demais. Para Vigotski,
tais funções originam-se das relações sociais e possuem uma maneira
específica de desenvolvimento. O pensador russo evidencia que a
história do desenvolvimento é a análise do processo de mudança e não o
49
estudo de um evento do passado (VIGOTSKI, 2007). Nesse sentido, a
história do desenvolvimento das funções psicológicas inferiores é o
período pré-histórico das funções psicológicas superiores, e tais funções
se processam em meio às relações reais entre indivíduos. As funções
primeiras não são dissolvidas, mas incorporadas nas superiores como
uma dimensão oculta (MOLON, 2010). Ao tratar a consciência como
“quase-social”, Vigotski (Apud MOLON, 2010) defende que o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores se dá por meio do
uso de instrumentos responsáveis pela mediação social. O uso de
instrumentos (como os signos) aparece como um dos fatores essenciais
na teoria Vigotskiana, uma vez que eles fornecem ao homem a
capacidade de criação do mundo da cultura, que por sua vez é o
resultado da vida social e da atividade coletiva do homem. Os signos têm
a função de comunicar (dimensão interpsicológica) e conectar as funções
psicológicas superiores (dimensão intrapsicológica). Nesse contexto, a
atividade também passa a ser considerada, uma vez que ela aparece ao
longo do desenvolvimento humano por meio do uso dos signos.
5. Como estruturação dos sistemas psicológicos – é a consciência como um
sistema de integração e de mútua influência das funções psicológicas
superiores. A consideração de que as funções psicológicas superiores se
desenvolvem por meio de signos, traz à tona a ideia de mediação. Para
Molon (2010), a mediação é um conceito difícil de ser encontrado na obra
de Vigotski, sendo tratado mais como um pressuposto no qual o signo
atua, não somente como condutor da cultura, mas como microcosmo da
consciência. Assim, “desde que a criança nasce ela se relaciona pela
mediação, que acontece de diferentes maneiras, diferentes intensidades
e diferentes formas” (MOLON, 2002, p. 102). A consciência para Molon
(2010) influencia no entrelaçamento que há no desenvolvimento do
pensamento e da palavra por meio do signo.
6. Como multiplicidade e unidade – o sujeito é visto como um ser concreto
cuja experiência faz com que sentimentos, emoções e imaginação sejam
saboreados como reais. No agregado das relações sociais, “ele exige o
reconhecimento do outro para se constituir como sujeito em um processo
de relação dialética” (MOLON, 2010, p. 115). A unidade que o sujeito
50
representa é materializada nas suas diversas dimensões e a
multiplicidade está centrada na relação com o outro e com ele mesmo.
Molon (2010) afirma que o projeto de Vigotski era conceber um novo homem
(como sujeito e objeto do conhecimento) e uma nova sociedade. O pensador russo
enfatiza a natureza social das funções psicológicas superiores e a natureza concreta
desse sujeito, que é captado nessas relações concretas. O fenômeno psicológico
em Vigotski é mediado e não imediato.
A teoria de Vigotski é tratada por muitos autores como sociointeracionista.
Isso porque a intersubjetividade é tratada como uma dimensão da relação com o
outro. Em outras palavras, é na interação social, nas relações das quais faz parte,
que o indivíduo adquire a condição de sujeito. Nesse sentido, a incorporação dos
modos de pensar/agir sociais não se dá pela simples cópia, mas acontece pela
mediação social em que concorrem processos intra e interpsicológicos. Dessa
forma, a contribuição do sujeito para a constituição do social se dá na e pela
interação social, em situações concretas da vida (MOLON, 2010).
Esta concepção de sujeito não ignora a individualidade ou a singularidade,
mas a eles atribui novos significados. A individualidade, nesta perspectiva, seria um
processo socialmente construído e a singularidade envolveria elementos de
conjugação de semelhanças e diferenças, aproximações e distanciamentos
(MOLON, 2010).
Vigotski possui uma obra extensa, mas inacabada. Para Molon (2010) não
há interpretação única que forneça entendimento sobre a constituição do sujeito.
Isso abriu espaço para variadas ideias (GONZALEZ-REY, 2003, 2005; PINO, 2005).
Escolheu-se a obra de González Rey para sustentar o problema de pesquisa,
porque se trata de uma teoria que permite integrar aspectos individuais, sociais e
históricos, por meio de uma relação não linear, não causal, complexa e dialética.
Na proposta de González Rey, objetividade não é oposto de subjetividade,
mas uma característica dos sistemas humanos (PAULA; PALASSI, 2007). De fato,
para González Rey, a teoria da subjetividade trata da relação dialética entre polos
interno-externo, intra-intersubjetivo, trazendo os conceitos de subjetividade individual
e social. Ao fazer isso, o pensador cubano coloca no centro da análise a concepção
de configurações subjetivas.
51
A teoria da subjetividade de Gonzalez Rey é também concebida como teoria
do conhecimento envolvendo uma “nova representação teórica que atuaria como
modelo para gerar novas zonas de sentido na produção do conhecimento
psicológico” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 75). González Rey (2003) defende o caráter
histórico dos processos psicológicos complexos que são, por sua vez, uma produção
subjetiva. Daí a substituição do termo consciência por subjetividade.
Para ele, o desenvolvimento da subjetividade no âmbito da psicologia social
foi possível a partir de duas características utilizadas para apreensão do fenômeno
psicológico, a natureza social, histórica e complexa, “não redutível a nenhum
substrato externo a sua condição ontológica” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 74).
A teoria da subjetividade de Gonzáles Rey tem sua origem nos esforços em
compreender a psicologia social dentro de uma tradição sócio-histórica e a partir de
uma base dialética e complexa.
O autor aponta a subjetividade como uma categoria analítica que se separa
da tendência de investigar temas de natureza social como fenômenos que
apresentam características ora individuais (psicologia social psicológica), ora sociais
(psicologia social sociológica), que somente estimulariam a dicotomia entre indivíduo
e sociedade.
Essa concepção de subjetividade não é única, e o próprio González Rey
(2003), ao defender sua posição, traça as diversas formas de subjetividade que são
admitidas nas correntes e teorias da psicologia, expondo as influências do próprio
pensamento ao revelar a importância de cada uma delas na consideração da
constituição da subjetividade e sujeito nas diversas correntes. Ele mostra o
desenvolvimento do tema nas várias correntes da psicologia desde seu início, e
traça um paralelo entre a psicologia norte-americana, passando pela europeia e as
principais teorias a respeito da formação da subjetividade que marcaram a
psicanálise.
Ao analisar o desenvolvimento do tema, González Rey (2003), afirma que a
psicologia norte-americana foi marcada por estudos de cunho objetivista. Dessa
forma, o estudo de todo o tipo de função psicológica é objetivado e o uso de
experimentos é o meio para comprovar a objetividade das funções psicológicas. Tal
análise leva González Rey a afirmar que a tendência quantificadora norte-americana
vem desde o início do século XX. Tal tendência adquiriu um caráter “dramático
52
quando se tentou quantificar processos de natureza mais complexa como a
personalidade e a motivação” (p. 13).
Tal forma de considerar os processos complexos de formação da
subjetividade teve, como consequência, as provas de inteligência tão difundidas nas
sociedades ocidentais. Essa questão está intimamente ligada à concepção de
ciência que norteava a psicologia da época. Para os defensores dos testes
quantitativos, a ciência seria o resultado da adoção de convenções e processos
técnicos, caracterizando uma episteme positivista. Mesmo o behaviorismo, que mais
tarde influenciou a psicologia, tem o objetivismo como a principal peculiaridade. Nas
palavras de González Rey (2003, p. 15):
O behaviorismo executa o estudo objetivo da conduta, por meio das respostas que aparecem diante da manipulação de estímulos físicos, igualmente objetivos, o que implica a associação estímulo-resposta, princípio essencial na explicação da aprendizagem, parte essencial no desenvolvimento das diferentes funções psíquicas tanto no homem como nos animais, pois compartilham princípios idênticos de aprendizagem.
No behaviorismo, o status metodológico-instrumental da psicologia foi
aprofundado e sua difusão resultou em diversas correntes que partilham o mesmo
substrato: a dicotomia entre o social e individual. Isso tem caracterizado a psicologia
e estado presente nas ciências sociais de forma geral (GONZÁLEZ REY, 2003).
Na Europa, uma tradição de investigações mais teóricas foi mantida. A
gestalt parece como uma das vertentes que pode ser relatada como uma reação
contra o atomismo, defendendo que os fenômenos psicológicos são integrados, e
não fragmentados como preconizado nos diversos estudos norte-americanos. Para
González-Rey (2003), a gestalt criou condições para aceitação de um pensamento
que permitisse considerar sujeito e subjetividade de forma mais complexa. Nas
palavras do pensador cubano, a gestalt escapa de um dualismo na compreensão do
psíquico. Para ele,
Apesar da utilidade que teve a representação social integral e dinâmica dada pela Gestalt para a compreensão do psíquico como sistema subjetivo, os autores desse movimento se afastaram nas posições teóricas assumidas de toda a idéia associadas a um sistema de tal tipo, inscrevendo seus aportes dentro da tese de um funcionamento isomórfico entre o campo das experiências e o cérebro humano, convergindo assim a um reducionismo organicista que os salvou do dualismo (GONZÁLEZREY, 2003, p. 20).
53
A análise da psicanálise empreendida por González Rey tem o objetivo de
mostrar o desenvolvimento do tema subjetividade dentro desta “ramificação
particular do conhecimento” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 48). O autor aponta Freud,
Marx, Jung e Lacan com suas contribuições para o desenvolvimento das
proposições acerca da subjetividade individual e social. Freud tem a prerrogativa de
ter inaugurado uma representação de psiquê como processo constitutivo, não
governado somente pela razão do sujeito. Apresentou ainda, a tensão entre
sociedade e indivíduo e um novo conjunto de funções psicológicas associadas.
Marx, segundo González Rey, atribui uma nova visão de homem que não
está somente ligada à razão, mas que tem na sociedade uma forma de alienação.
Ao analisar o trabalho de Jung, admite que as construções teóricas já são mais
complexas e afirma que ele inaugura uma vertente na psicanálise que busca
compreender a origem histórica, social e cultural dos processos psicológicos. De
Lacan, enfatiza o lugar do simbólico, em especial a função da linguagem na
organização do inconsciente.
No entanto, para González Rey, o sujeito ainda não pode ser encontrado em
nenhuma das teorias analisadas, ora ele aparece como senhor de sua razão, capaz
de realizar todos os intentos, ora aparece com uma capacidade consciente
totalmente alienada, em que pode ser visto somente nas falhas ou em uma “cadeia
infinita de significante e significado” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 50), subordinado,
então, à linguagem e suas estruturas.
A ideia de sujeito que González-Rey defende, e que não pode encontrar nas
diversas correntes e teorias analisadas, é um sujeito que está:
[...] de forma permanente, constituído por configurações subjetivas que não conscientiza. Ao mesmo tempo está produzindo de forma consciente um conjunto de projetos, reflexões e representações com capacidade de subjetivação, as quais são fontes de significado e sentido cujas conseqüências em torno do desenvolvimento de sua subjetividade estão mais além de suas intenções e de sua consciência, mas que passam a ser agentes importantes do desenvolvimento e das transformações produzidos desde sua atividade consciente (GONZÁLEZ-REY, 2003, p.50).
O fenômeno subjetivo, como defendido por González Rey, não é
interiorizado, mas se configura em um ambiente cultural, não físico. O pensador
cubano, ao expor as críticas às diversas correntes teóricas e analisar as proposições
54
dos pensadores mais influentes, defende sua própria consideração da constituição
do sujeito e de sua subjetividade.
Ao criticar as posições que consideram a consciência como uma forma
monolítica, González Rey (2003) indica que ela pode ser configurada de outras
formas. Para ele, o trabalho de Marx aponta que é possível o sujeito se libertar da
alienação constituindo uma instância geradora de sentidos. Em Freud, vê o lugar do
social na formação da psiquê. De Jung, valoriza a consideração de que os
conteúdos inconscientes são variáveis em acordo com a história do sujeito.
Todos esses trabalhos levam González Rey (2003, p. 21) a estabelecer que
“o valor heurístico da construção psicanalítica está em permitir a geração de uma
nova zona de sentido sobre o objeto de estudo da psicologia que, por sua vez, é
fonte de novas práticas”.
A obra de Elliot aparece com especial destaque no pensamento de
González-Rey, em particular com a demanda para as “novas configurações do
imaginário” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 54). Para González Rey, o trabalho de Elliot
permite afirmar que a reconfiguração do imaginário se dá em condições históricas e
isso reforça a condição da subjetividade como potencial geradora de novos sentidos
subjetivos. Assim, o indivíduo ao estar diante de novas condições de vida, configura
novos sentidos de vida e isso evidencia o desenvolvimento infinito da cultura
humana.
Trata-se de uma complexa forma de encarar a constituição individual, uma
vez que os sentidos subjetivos que permeiam toda a constituição teórica de
González Rey (2010) não possuem um substrato que pode ser simplesmente
apreendido. Ao invés disso, a subjetividade deve ser entendida como um sistema
em que diversos fenômenos estão presentes podendo, inclusive, ser contraditórios.
O pensador cubano ressalta que a subjetividade não confere ao caráter
histórico ou simbólico uma posição de determinação sobre o indivíduo. Em outras
palavras, não são as situações que definem o destino do homem pura e
simplesmente. Para González Rey, não se pode atribuir as razões do
comportamento às influências externas, mas elas vão auxiliar na produção de
sentidos subjetivos sobre o vivido.
Sendo assim, o sentido subjetivo é considerado como uma produção
subjetiva individual, e como tal, peculiar e em interação permanente com a
subjetividade social. Isso porque na cultura também podem ser encontrados
55
espaços de produção simbólica que “são vivenciados pelo sujeito nos diferentes
espaços sociais de que participa, e por isso são parte permanente de sua história”
(DOBRÁNSZKY, 2007).
O indivíduo pode se posicionar ativamente e demonstrar capacidade de
decisão em relação à definição de um caminho a seguir. Ao pesquisar a
subjetividade de pacientes com câncer, ele afirma que tais sujeitos possuem
capacidade de decisão. Para ele,
Nessa capacidade de decisão, emerge, em todas as suas nuances, a pessoa como sujeito da doença, sujeito capaz de tomar posições, de elaborar seus medos e dores e de se posicionar de frente aos desafios subjetivamente produzidos (GONZÁLEZ-REY, 2010, p.337).
A subjetividade individual emerge da história das pessoas que estão, por sua
vez, imersas em uma cultura. Paradoxalmente, a subjetividade social é formada
pelos sentidos que caracterizam os espaços sociais dos indivíduos (STANGHERLIM,
2006).
Dobránszky (2007) menciona que os conceitos de subjetividade individual e
social são níveis diferentes de um mesmo processo. Para ele, a subjetivação não é
feita de forma linear e imediata, mas acontece dentro de configurações subjetivas
atuais do sujeito. Essa afirmação de Dobranszky parece resumir todos os trabalhos
recentes de González-Rey, nos quais se pode perceber que os diferentes espaços
sociais em que o sujeito está inserido contribuem para a formação da subjetividade.
González Rey (2003) afirma que sentido e significado aparecem como
elementos importantes na subjetividade, e isso demonstra a origem Vigotskiana de
sua obra. Para ele, o sentido é um ato do homem socialmente mediado e deve ser
entendido como possuindo potencial para subverter o significado, pois não está
sujeito a uma lógica racional externa. O sentido pode se referir a necessidades que
ainda não se realizaram e geram formas de inseri-lo na atividade, destacando a
singularidade do homem.
Ao definir sentido de forma e dar coerência às suas proposições teóricas,
González Rey (2010, p. 6) afirma que: “Quero me referir ao termo sentido subjetivo
como unidade psicológica que expressa o caráter subjetivo dos processos psíquicos
humanos nas condições de cultura”. A caracterização do sentido envolve três
56
condições-chave: i) envolvimento com a subjetividade como sistema; ii) unidade com
o simbólico e o emocional; iii) relacionamento com definição de espaços simbólicos.
Explicando melhor, o sentido subjetivo está na base da subjetividade
individual e social, representando unidade e confrontação entre elas e configurando-
se subjetivamente. Os aspectos simbólicos e emocionais, por sua vez, fazem parte
de uma relação recursiva e não causal. Além disso, os sentidos estão relacionados
aos elementos produzidos pela cultura (tais como as condições de gênero) e
também se constituem no plano individual por meio das emoções configuradas na
história de cada sujeito ao se deparar com tais elementos (GONZÁLEZ REY, 2010).
A apreensão dos sentidos revela expressões do sujeito que são, muitas
vezes, contraditórias. O próprio sujeito pode desconhecer os sentidos, pois não os
articulou ao não se apropriar da totalidade de suas vivências (AGUIAR; OZZELA,
2006). Reconhecendo a complexidade dos fenômenos humanos, Stangherlim
conclui que:
[...] gestos, pensamentos, atitudes, ações são exemplos desses fenômenos que são, por sua vez, responsáveis pela constituição de sentidos subjetivos produzidos por cada um de nós nas relações que estabelecemos em diferentes dimensões de nossa vida ¾ familiar, educacional, profissional e de lazer, por exemplo. (2006, p. 2).
Segundo González-Rey (2010), a categoria sentido subjetivo vai permitir
uma aproximação do afetivo e cognitivo. Ele ressalta, porém, que esta aproximação
não significa fusão, tornando-os indiferenciados, nem tampouco que podem ser
compreendidos separadamente, mas que há uma relação dialética entre estes
elementos. Para González Rey (2010, p.331), “é na relação que Vigotski estabelece
entre o sentido e a personalidade que se abre uma importante perspectiva para nova
definição de subjetividade”.
O sentido subjetivo para González-Rey vai além dos sentidos atribuídos de
forma geral para os demais estudiosos do tema. A inovação dessa concepção está
em considerar o sentido como uma “complexa organização simbólico-emocional que
está além da consciência e das representações atuais do sujeito. Sendo assim, o
sentido subjetivo não é construído, mas produzido pelo sujeito” (DOBRÁNSZKY,
2007, p. 32).
Além de toda variedade de elementos que participam do processo de
formação dos sentidos subjetivos, a motivação dada pelo meio social circundante é
relevante e participa ativamente do desenvolvimento do indivíduo. Dito de outra
57
forma, onde o meio não cria os problemas, o desenvolvimento não atinge seu
máximo potencial (VIGOTSKI, 2009). Assim, a força impulsionadora do
desenvolvimento está localizada fora do indivíduo.
Abandonando a ideia de realidade como um sistema externo, a teoria de
González-Rey pode ajudar a entender os pensamentos e comportamentos a partir
da história do sujeito e a subjetivação da experiência empreendedora. Isso porque
parte-se do pressuposto que toda a atividade de que o sujeito participa enseja uma
produção subjetiva complexa que contempla aspectos culturais, sociais, econômicos
e políticos, que vão ser articulados com a subjetividade individual.
Como já afirmado, para González Rey (2003), o fenômeno subjetivo não é
interiorizado, mas configurado em um ambiente cultural. Nesse sentido, a
subjetividade, ao se mostrar nas representações sociais e nos diferentes espaços da
vida do indivíduo, pode ser considerada uma categoria essencial para a
compreensão da atividade empreendedora.
A ideia de configuração é relevante para compreender o trabalho de
González Rey (2003). Assim, para além do sentido semântico, a configuração é uma
categoria que fornece elementos para dar conta da subjetividade individual. Para
ele, a categoria configuração tem valor teórico “por sua idoneidade para dar conta de
processos organizativos da subjetividade, que tem natureza processual” (2003, p.
55).
A subjetividade como sistema de configurações não aparece para o sujeito
de forma consciente. “Os processos simbólico-emocionais em que aparece
organizada na psiquê a experiência vivida não têm nenhuma relação imediata e
direta com a consciência” (GONZÁLEZ-REY, 2003, p.55). A consciência vai surgir
como consequência das representações que estão presentes na linguagem do
indivíduo.
Ao analisar a representação de subjetividade advogada por González-Rey,
Stangherlin (2006) afirma que as configurações subjetivas correspondem à
integração dos elementos de sentido provenientes de experiências diversas da vida
de um indivíduo que emergem diante do desenvolvimento de uma determinada
atividade. Elas são articuladas em dois níveis que permitem afirmar que a
subjetividade é um:
58
sistema complexo, produzido de forma simultânea no nível social e individual, independentemente de que em ambos os momentos de sua produção reconheçamos sua gênese histórico-social, isto é, não associada somente às experiências atuais de um sujeito ou instância social, mas à forma em que uma experiência atual adquire sentido e significação, que pode ser tanto social como individual (GONZÁLEZ-REY, 2003, p. 197).
O fato de a subjetividade ocorrer simultaneamente no nível individual e
social, traz consequências ontológicas para as ciências sociais, pois aí podem ser
vistos o caráter constitutivo e constituinte da subjetividade que rompem com a ideia
dos processos sociais acontecerem externamente em relação ao indivíduo, ou como
se apresentando para a subjetividade desse indivíduo como um “bloco de
determinantes consolidados, que adquirem status de objetivo” (GONZÁLEZ REY,
2003, p.197).
Ao pensar a subjetividade como uma configuração de sentidos dados pelo
sujeito naquele momento, González Rey busca ultrapassar o nível puramente
descritivo das falas dos sujeitos para revelar os sentidos subjetivos que se
configuram nas experiências desses sujeitos nos diversos espaços sociais em que
se encontra. Dessa forma, pode-se pensar em sentidos subjetivos de ser atleta, de
ser mulher, de ser mulher de negócios, entre outros espaços, nos quais os
indivíduos estão inseridos e desenvolvem suas subjetividades.
De resto, cabe ressaltar que, embora seja desejável do ponto de vista dos
pesquisadores, deve-se admitir que a subjetividade não é algo que pode ser
apreendido em sua totalidade. Muito embora não possa ser captada em sua
totalidade, a subjetividade dos indivíduos é permeada pela atividade que eles
desenvolvem.
2.3.2 Atividade
Sob uma concepção sócio-histórica, a atividade sempre ocupou lugar de
destaque, influenciada pelos escritos de Leontiev, seguidor de Vigotski. Tal
proeminência levou à transformação do termo em uma supra categoria em relação à
qual eram definidas as demais categorias psicológicas. González-Rey (2009) afirma
59
que o conceito de atividade se encaixava na ideologia soviética dominante que
considerava a psiquê como uma categoria objetiva.
Admite-se, com base nos trabalhos de Vigotski, que a atividade é elemento
relevante servindo como princípio explicativo e gerador da consciência humana
(KOZULIN, 1994).
Para o pensador russo, várias são as atividades que podem atuar como
geradoras da consciência. Em primeiro lugar, segundo Kozulin (1994), está a
natureza histórica da experiência.
Os seres humanos usam muitas habilidades, experiências e instrumentos simbólicos que se transmitem, por herança não biológica, de geração em geração. O indivíduo não vive tanto no mundo da sua experiência como em um mundo influenciado por toda história anterior1. (KOZULIN, 1994, p. 25, tradução nossa).
Falar em atividade não é a mesma coisa que falar em trabalho, pois a
primeira vai além daquele significado dado ao trabalho. Para Vigotski, todas as
instâncias da vida social do homem possuem aspectos simbólicos e práticos
(KOZULIN, 1994).
A atividade humana, para ser empreendida em acordo com a concepção
sócio-histórica, necessita de instrumentos psicológicos e meios de comunicação
interpessoais. O homem não atua diretamente no mundo, mas o faz por meio da
atividade, que se realizada socialmente e de maneira a suprir suas necessidades,
pode ser entendida como uma experiência humana (GONÇALVES, 2002).
Ao analisar o trabalho de Vigotski, Aguiar e Ozzela (2006) afirmam que a
atividade humana é sempre significada. Para eles, ao agir, o homem realiza uma
atividade interna e outra externa, operando em ambas com significado. Para Lane
(2004), ao conceber o homem como uma manifestação da totalidade histórico-social,
a linguagem aparece como elemento fundamental da consciência social e de si
mesmo. Tal consciência se processa então na linguagem, no pensamento e nas
ações que o homem realiza ao relacionar-se com os outros. Para a autora, se por
um lado os significados são construídos coletivamente, por outro, se processam e se
1 “Los seres humanos emplean muchos conocimientos, experiencias e instrumentos simbólicos que se transmiten, por herencia no biológica, de generación en generación. El individuo no vive tanto en el mundo de su experiencia como en um mundo encaramado en la cima de toda la historia anterior”. (KOZULIN, 1994, p. 25).
60
transformam por meio da atividade e pensamento de indivíduos concretos. Isso abre
possibilidade para a subjetivação.
Para Kozulin (1994), a necessidade é determinante na diferenciação entre
uma atividade instintiva e aquilo que ele chama de “necessidades do ser humano”,
que, por sua vez, depende da atividade de outras pessoas. Dessa forma, a atividade
estaria ligada às necessidades que mobilizam o sujeito para a ação, que acontecem
a partir das relações sociais.
Essa configuração das relações sociais em que estão implicados os
processos de necessidades é, segundo Aguiar e Ozella (2006), um processo único,
singular e histórico. A emoção aparece como elemento importante na constituição do
sujeito em González-Rey, porque é um meio de alcançar os sentidos subjetivos.
González-Rey afirma que “se a emoção diz não, os meios não estão disponíveis [...].
A emoção é que define a disponibilidade dos recursos subjetivos do sujeito para
agir” (2003, p. 245). O fato de estas necessidades estarem inseridas em um meio
social pode fazer com que os sujeitos não as percebam como uma constituição
subjetiva.
A relação da emoção com a atividade dá possibilidade de satisfação da
necessidade, que ao ser satisfeita modifica o sujeito que se vê frente a novas
necessidades e formas de atividade (AGUIAR; OZZELA, 2006).
As atividades desempenhadas diariamente proporcionam ao sujeito
empreendedor, contato com as tensões e contradições existentes na sociedade,
permitindo a compreensão dos discursos e representações existentes na sociedade
acerca da atividade empreendedora e suas possíveis consequências para os
indivíduos que nela estão envolvidos.
As representações sociais também são elementos importantes para a
compreensão da subjetividade. Elas fornecem os elementos presentes na
sociedade. Na próxima seção este assunto será tratado.
2.3.3 Representações sociais
A ideia de representações tem sua origem no pensamento de Durkheim.
Elas referem-se aos conteúdos do pensamento (ou da percepção). Em função disso,
61
elas são produto da mente do sujeito. É uma ordem de fenômenos com traços
distintos dos fenômenos da natureza. As representações são conceitos gerados na
mente dos indivíduos e relacionam-se com o que o homem é capaz de formar e
reproduzir.
Quanto mais a representação se distancia da sensação pura (representação da casa, sem estar numa casa?), tanto mais o movimento motor perde importância e significação positiva (aqueles que acompanham a sensação primeira da casa). As funções intelectuais superiores supõem, sobretudo, inibições de movimentos, como provam o papel capital que tem aí a atenção e a natureza mesma da atenção, que consiste essencialmente numa suspensão, tão completa quanto possível, da atividade física (DURKHEIM, 2004, p. 26).
A ideia de representação como formadora da subjetividade dos indivíduos é
defendida por González-Rey. No entanto, ele parte do pressuposto que tais
representações não concebem simplesmente uma reprodução da realidade, mas
são formadas tanto no âmbito individual quanto no social. Inicialmente, a noção de
representação permite superar a filosofia kantiana e substituí-la por uma sociologia
do conhecimento.
Para Durkheim, “a vida coletiva e a vida mental do indivíduo são feitas de
representações” (2004, p. 10), que seriam então um tipo de ideação superior.
Contudo, essas representações não são comparáveis com o real, mantendo apenas
relação com o mesmo substrato. O que sustenta o argumento é que a consciência
do homem possui traços característicos permitindo que a realidade seja
representável. A memória e a consciência não se apresentam apenas como um
epifenômeno da vida física, pois o indivíduo não conduz suas atividades diárias
apenas por meio de reflexos, mas é capaz de refletir (hesita, tateia, delibera), e isso
acontece antes dos movimentos mecânicos (DUKHEIM, 2004). Para ele, a natureza
humana é dual: biológica e social. Isso porque o homem executa atividades
provenientes de sua natureza biológica e também advindas do espírito, como o
pensamento conceitual e a ação moral (PINHEIRO FILHO, 2004). A concepção de
dualidade é que vai ser a porta de entrada, segundo Pinheiro Filho (2004), para o
sistema de representações.
Durkheim parte do princípio de que a consciência do homem não é fruto
apenas do funcionamento mecânico do cérebro, portanto não é somente um
fenômeno biológico. Assim, as representações não existem apenas quando o estado
62
nervoso as suportam. Para ele, a memória não é um fato puramente biológico, pois
dessa forma negaria a própria realidade. A representação para o autor, em função
da memória não ser puramente um fenômeno físico, pode ser conservada em graus
diferentes de estabilidade. A prova da possibilidade de fixação das representações é
a existência de associações de ideias por semelhança.
Em Durkheim, as representações, além de serem emanadas da mente,
também produzem nela algum efeito (emanam e afetam a mente). No primeiro caso
estão situadas as representações sensíveis que
Encontram-se em fluxo perpétuo; empurram-se umas às outras como as ondas de um rio e também enquanto duram, não permanecem iguais em si mesmas. A representação que emana da mente são os conceitos que se ancoram em representações coletivas, derivadas do fenômeno da associação entre os homens (PINHEIRO FILHO, 2004, p. 142).
As representações coletivas são produtos da coletividade e formam a
história cultural de uma sociedade. Referem-se ao significado social e elementos
funcionais que estão disponíveis. Já as performances individuais não são mais do
que a forma ou expressão dessas representações coletivas individualizadas e
personalizadas com as características de cada um (Durkheim, 2004).
A noção de representações de Durkheim (2004) foi refinada por Moscovici
que afirma que a questão central da investigação das representações sociais
deveria ser como e por que as pessoas partilham conhecimento e, desse modo,
como constituem sua realidade. Para isso é necessário conceber o que é
conhecimento, evidenciando o papel da intermediação na constituição da realidade
que orienta as relações sociais (MOSCOVICI, 2009). Isso faz com que o
conhecimento comum seja entendido como sendo produzido na interação e na
comunicação dos indivíduos e “sua expressão está sempre ligada aos interesses
humanos que estão nele implicados” (DUVEEN, 2009, p. 9).
As representações, como mediadoras, tornam-se senso comum e passam a
ser a realidade da vida cotidiana. Assim, o conhecimento popular é produzido e
sustentado por grupos sociais específicos inseridos em uma conjuntura histórica
peculiar (MOSCOVICI, 2009). O conceito de representação em Moscovici está ligado
ao processo que dá origem às representações e às estruturas de conhecimento que
são estabelecidas na interação. Na articulação entre processo e estrutura encontra-
se a gênese do processo de representação.
63
A subjetividade pode ser compreendida a partir das representações porque é
por meio delas que o sujeito adquire capacidade de definição. A função
subjetividade é uma das maneiras pelas quais as representações expressam seu
valor simbólico. Dessa forma, a análise recai sobre as relações entre processos
sociais e formas psicológicas (MOSCOVICI, 2009).
Em Moscovici (2009), as representações sociais são uma forma distintiva de
conhecimento. O autor mostra-se interessado na mudança social e na introdução da
inovação, ao contrário do Durkheim, preocupado com as forças estruturais na
manutenção da ordem social. Moscovici acredita que a resposta para a origem das
inovações está na formação (constituição) das representações.
As representações possuem duas funções: convencionalizam e prescrevem.
Na primeira função, os objetos, pessoas ou acontecimentos são convencionados.
Em outras palavras, elas os transformam em uma convenção possibilitando
conhecer o quê representa o quê. Quando o indivíduo entra em contato com uma
situação, objeto ou pessoa, ele recorre às representações “que definem suas
fronteiras, distingue mensagens significantes de não significantes e que liga cada
parte como um todo e coloca cada pessoa em uma categoria distinta” (MOSCOVICI,
2009, p. 35). Moscovici (2009) admite a possibilidade de o homem perceber que
está agindo em conformidade com as convenções sociais da realidade e, a partir
daí, é possível escapar de algumas (não de todas) exigências que ela impõe ao
pensamento e percepção. Em segundo lugar, as representações prescrevem o quê
deve ser pensado. Elas estão espalhadas pelos mais diversos campos da
sociedade.
Para Moscovici (2009) existem dois tipos de crenças a respeito da realidade.
A primeira é aquela em que a mente possui um poder ilimitado “em conformar a
realidade, em penetrá-la e ativá-la e em determinar o curso dos acontecimentos”
(MOSCOVICI, 2009, p. 29). A segunda é aquela que se refere a um poder ilimitado
do objeto em moldar o pensamento e de determinar completamente sua evolução e
de ser interiorizado na e pela mente. Na opinião Moscovici (2009, p. 29), “ambas
representam um aspecto real da relação entre nossos mundos internos e externos.”.
Para o autor, o homem experimenta e percebe o mundo em que está
familiarizado, com coisas feitas pelo homem representando outras coisas também
feitas pelo homem. No entanto, o mundo não aparece como ele é realmente. O
homem experimenta e percebe o mundo por meio de substitutos cujos originais
64
nunca verá. Assim, na teoria da representação social, conforme Durkheim e,
posteriormente Moscovici, a realidade e o conhecimento que se tem dela são
separados.
O poder aparece como um construto central na análise de Moscovici. Para
ele, o conhecimento e as crenças na sociedade são regulados por meios legitimados
de poder. As novas formas de comunicação (juntamente com a mudança na
estrutura do poder) são marcos da modernidade. Ela é responsável pela circulação
de ideias. A comunicação aparece como fenômeno moderno e é tido como
responsável pela estruturação e transformação das representações sociais
(MOSCOVICI, 2009).
Em todos os intercâmbios comunicativos, há um esforço para compreender o mundo através das idéias específicas e de projetar essas idéias de maneira a influenciar outros, a estabelecer certas maneiras de criar sentido, de tal modo que as coisas são vistas dessa maneira ao invés daquela (DUVEEN, 2009, p. 28).
Uma distribuição desigual de poder gera heterogeneidade de
representações. As novas representações são formadas em pontos em que a cultura
está clivada. “As representações sociais podem surgir de pontos de conflito dentro
das estruturas representacionais da própria cultura” (DUVEEN, 2009, p. 16).
González Rey (2003) é um dos críticos da teoria das representações,
conforme postulada por Moscovici, e afirma que ela possui o desafio de desenvolver
construções teóricas que reconheçam a interdependência do individual e social por
meio das categorias sujeito e subjetividade.
Para González Rey (2003), a teoria da representação social (RS) carece de
especificação do processo de subjetivação implicado no processo de construção da
representação social, pois para ele, o objeto não é a referência externa que está
presente nos processos de construção, mas refere-se apenas à “delimitação do
espaço da realidade em que a RS se expressa” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 125).
A formação da representação na mente do sujeito não pode ser
desvinculada de uma reflexão a respeito da formação do pensamento. Nesse
sentido, os estudiosos que se afiliam a uma concepção sócio-histórica de
constituição da subjetividade e do sujeito têm recorrido aos escritos de Vigotski para
sustentar seus argumentos de que existe uma relação dialética entre o sujeito e o
65
meio circundante, e que tal relação não acontece de maneira imediata, mas
mediada.
Com crítica às representações sociais, conforme Durkheim e posteriormente
Moscovici, González Rey confirma aquilo que Vigotski já havia postulado: a mente
humana possui uma formação social sem, no entanto, excluir o individual. Para ele,
o sujeito não é reflexo dos processos da realidade nos quais está envolvido e as
representações sociais são:
Uma criação humana, que integrando os diferentes aspectos do mundo em que o sujeito vive, aparecem em cada sujeito ou espaço social concreto de forma única, organizados em seu caráter subjetivo pela história de seus protagonistas (GONZÁLEZ REY, 2003, p. XI).
O conhecimento da realidade não está desvinculado das intenções e valores
dos sujeitos que nela estão inseridos (GONZÁLEZ REY, 2003). Com isso, concorda
Bernardes (1998): os fenômenos psicológicos são construídos por meio de práticas
sociais e históricas, fazendo com que sejam representados em acordo com o
conhecimento que o sujeito produz a respeito dele.
O conceito de representações, no entanto, é importante para compreender a
gênese e desenvolvimento do conhecimento social, pois esta categoria permitiu
“compreender o conhecimento social de natureza simbólica e social, que produz
significações mais além de qualquer objeto concreto que apareça como conteúdo de
uma representação” (GONZÁLEZ-REY, 2003, p. 123-124).
Trata-se de uma superação das teorias da cognição social, mas que ainda
não considera a representação da realidade como uma produção subjetiva que
possui fundamento social, ou seja, não é apenas um reflexo dos objetos externos.
Dito de outra forma, a teoria de representação social, conforme postulada em
Moscovici, tem um compromisso com o real, que é externo. As representações
seriam então, apenas reflexo daquilo que está “lá fora”.
Ao analisar a evolução da pesquisa sócio-histórica no Brasil, Ozella e
Sanchez (2002) elucidam que o conceito de representação social foi redefinido neste
tipo de pesquisa numa tentativa de superar sua concepção estritamente empírica,
passando a ser um meio para analisar os fatos de modo concreto.
Em síntese, as representações sociais (RS) em uma concepção sócio-
histórica não podem considerar o social como um elemento que é dado como
66
acabado, e o ser humano condicionado a ele. Em outras palavras, a atividade não é
determinada pelos conteúdos sociais. Nem mesmo, as RS podem ser consideradas
como um conjunto de conteúdos que são relegados a uma categoria de menor
importância (OLIVEIRA; WERBA, 2005). As representações sociais transformam o
não familiar em familiar.
Em uma discussão sobre o papel das representações sociais na Psicologia
Social, Oliveira e Werba (2005) afirmam que as representações sociais são “teorias”
populares elaboradas coletivamente com a finalidade de interpretar e construir o
real, transformando o não familiar em familiar.
As representações sociais, conforme as considerações de González-Rey,
representam a realidade socialmente construída, possuindo caráter subjetivo em
função da existência de “processos subjetivos que expressam outros registros da
realidade e que são responsáveis por sua produção” (GONZÁLEZ-REY, 2006, p.
70).
Para González-Rey (2006), o ser humano atribui um valor de realidade
àquilo que conhece, de forma a preservar sua subjetividade. Desse modo, a
realidade não é apenas constituída como uma produção simbólica, pois encontra
nexo com outros registros que permitem a definição de processos e fenômenos. Ela
é responsável pela constituição das práticas simbólicas e, portanto, é diferente de
tais práticas. Os diversos processos e fenômenos que constituem a realidade não
são simbólicos em si mesmos, mas são inseparáveis do conjunto das atividades
humanas.
Em retrospecto e finalizando a perspectiva em que se pretende analisar o
empreendedorismo feminino, pode-se afirmar que na base da constituição da mulher
empreendedora está a configuração subjetiva das variadas experiências de vida que
surgem diante da atividade empreendedora dela. O sentido subjetivo está na base
da subjetividade individual e social representando unidade e confrontação entre elas,
organizando-se em configurações subjetivas.
Os aspectos simbólicos e emocionais fazem parte de uma relação recursiva
e não causal. Além disso, os sentidos estão relacionados aos elementos produzidos
pela cultura (tais como as condições de gênero), e também se constituem no plano
individual por meio das emoções configuradas na história de cada sujeito ao se
deparar com esses elementos (GONZÁLEZ REY, 2010).
67
As configurações subjetivas, em acordo com os postulados de González-
Rey, correspondem à integração dos elementos de sentido provenientes de
experiências diversas da vida, que emergem diante do desenvolvimento da atividade
empreendedora. Tais configurações são articuladas tanto no plano individual como
no social. González Rey (2003) afirma ser na atividade que é organizada a
subjetividade individual. Além de organizar a subjetividade, a atividade tem relação
com a emoção.
No plano social, ao associar a teoria da subjetividade à ação
empreendedora, pode-se perceber que “toda ação empreendedora busca uma
finalidade a partir de certos valores” (BOAVA; MACEDO, 2009, p. 1). Tais valores
não são simplesmente reproduzidos, mas compõem a configuração subjetiva. Nesse
sentido, as representações sociais da realidade aparecem como uma produção
subjetiva que possui fundamento social, mas que é elaborada no plano individual.
Assim, as representações não são reflexos da realidade, mas são formadas tanto no
âmbito individual quanto no social. Elas permitem conhecer os significados dos
objetos de conhecimento em dado contexto social e individual.
68
3 METODOLOGIA
As escolhas feitas nesta seção têm estreita relação com o problema de
pesquisa apresentado e as opções teóricas feitas na condução desta investigação. A
opção que se deseja fazer é por uma pesquisa de caráter construtivo-interpretativo
do conhecimento.
A questão ontológica ligada ao caráter construtivo-interpretativo, conforme
defende González Rey (2005), enfatiza que o conhecimento é uma produção
humana. Isso significa dizer que a realidade não pode ser desvendada por meio de
procedimentos ordenados. Sujeito e objeto estão implicados um no outro de maneira
orgânica, podendo o conhecimento ser acessado somente de forma parcial e
limitada por meio das práticas que modificam a realidade. Não há acesso à realidade
última para o autor, mas um sistema que não é possível conhecer totalmente. No
entanto, podem-se estabelecer zonas de sentido que devem ser encaradas como
espaços que fornecem temporariamente conhecimento sobre determinado
fenômeno, “mas não esgotam a questão que significam” (GONZÁLEZ REY, 2003, p.
6). Dessa forma, há somente a possibilidade de criação de espaços de
inteligibilidade produzidos no processo de pesquisa.
González Rey (2005) define as bases epistemológicas da pesquisa sobre a
subjetividade, que vai além de um conceito de “ciência centrado na acumulação de
dados quantificáveis suscetíveis de atos de verificação imediata, por meio de
evidências observáveis” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 1). Dessa forma, trata-se de um
processo de pesquisa que se distancia dos caminhos adotados em pesquisas
positivistas. Para González Rey, a constituição do imaginário da pesquisa ocidental
está arraigada à ideia de que o conhecimento somente possui validade se
constituído a partir de uma “seqüência de instrumentos, cujos resultados parciais
serão fonte do resultado final” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 15).
A influência do positivismo tem feito com que as pesquisas privilegiem os
instrumentos de coleta de dados, elaborados a partir de “categorias universais
através das quais se estabelecem relações diretas e universais entre significados e
formas concretas de expressão do sujeito” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 2), reduzindo
os aspectos metodológicos ao metodologismo. Para o autor, os instrumentos de
pesquisa, neste tipo de pesquisa, são tidos como princípios legítimos que possuem
69
um fim em si mesmo, servindo como meio de sistematização de dados provenientes
de um conjunto de conhecimentos preestabelecidos, que chamou de ideal
verificacionista.
Para compreender os fenômenos em coerência com uma base teórica
complexa, não linear, dialógica e dialética, González Rey (2003, 2005, 2010)
desenvolveu o que chamou de Epistemologia Qualitativa. Trata-se de uma proposta
que está apoiada em três atributos: concepção de conhecimento como um processo
em constante construção, pesquisa como um processo dialógico e valorização do
singular. O primeiro atributo trata da relação entre sujeito cognoscente e o objeto
cognoscido. González Rey considera que o conhecimento é
[...] um processo de construção que encontra sua legitimidade na capacidade de produzir, permanentemente, novas construções no curso da confrontação do pensamento do pesquisador com a multiplicidade de eventos empíricos coexistentes no processo investigativo. Portanto, não há nada que possa garantir, de forma imediata no processo de pesquisa, se nossas construções atuais são adequadas para dar conta do problema que estamos estudando (GONZÁLEZ- REY, 2003, p. 7).
A valorização do caso singular para um processo de pesquisa é justificada
por meio do entendimento do conhecimento como algo dinâmico que não fornece
acesso ilimitado ao real, mas sim em permanente construção, sendo elaborado por
um pesquisador que está constantemente em sua atividade reflexiva e construtiva,
estabelecendo zonas de sentido que não podem ser apoiados em uma noção de
ciência que seja acumulativa e empírica.
O novo modelo de ciência que valoriza o singular na pesquisa para
González Rey (2005) está intimamente ligado a uma opção epistemológica em que
as pesquisas possuem validade científica, não pelo poder de generalização
estatística, mas pela capacidade de ampliar, a partir do singular, as alternativas de
inteligibilidade sobre o fenômeno estudado.
O reconhecimento do processo de pesquisa como um processo dialógico faz
com que a comunicação seja “[...] uma via privilegiada para conhecer as
configurações e os processos de sentido subjetivo que caracterizam os sujeitos
individuais e que permitem conhecer o modo como as diversas condições objetivas
da vida social afetam o homem” (GONZÁLEZ-REY, 2005, p. 13).
O espaço privilegiado da comunicação é condizente com a ideia de
participação ativa que possuem, tanto pesquisador como pesquisado, em um
70
processo de pesquisa. Por meio desta participação ativa é que os pesquisadores
tornam-se sujeitos, implicando-se no problema de pesquisa a partir de seus
interesses, desejos e contradições. Não há a defesa da neutralidade na
Epistemologia Qualitativa, pois a reflexão crítica e criativa é que vai permitir a
superação dos princípios de estímulo-resposta presentes nas concepções de
pesquisa de natureza positivista.
Dessa forma, ao empreender uma pesquisa que adote a Epistemologia
Qualitativa de González Rey, pode-se esperar que se faça a análise dos processos
e não dos objetos, explicando-os ao invés de descrevê-los.
Os processos, por sua vez, devem ser analisados historicamente. Isso não
quer dizer que seja necessário estudar algum evento do passado. “Estudar alguma
coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança.” (VIGOTSKI,
2007, p. 68). Nessa linha, a inteligibilidade da subjetividade das empreendedoras
tem seu ponto de partida no empírico, mas não se esgota na descrição das práticas
dessas mulheres. Ao invés disso, é necessário buscar a compreensão da
constituição da subjetividade em seu processo histórico. Em outras palavras,
analisar o desenvolvimento e não as partes constituintes de um objeto. Isso significa
que a pesquisa deve reconstruir cada estágio do desenvolvimento do processo,
fazendo com que retorne aos estágios iniciais.
Em segundo lugar, uma investigação dessa categoria deve explicar o
processo, ao invés de descrevê-lo. Isso porque para Vigotski (2007), os problemas
deveriam ser estudados em sua gênese, de forma a revelar suas bases dinâmico-
causais. Esse ponto de vista está fundado na consideração de que os fenômenos
não podem ser investigados por sua aparência, pois a essência dos fenômenos não
se revela por meio de sua forma externa. Não significa, no entanto, ignorar a
manifestação externa do fenômeno, mas ir além da descrição. Para Vigotski (2007),
“a análise objetiva inclui uma explicação científica tanto das manifestações externas
quanto do processo em estudo” (VIGOTSKI, 2007, p. 66).
Em terceiro lugar, a Epistemologia Qualitativa de González Rey deve fornecer
elementos para escapar do comportamento fossilizado, ou seja, estático. A análise
psicológica necessita ser cuidadosa ao analisar processos que já foram
incorporados ao comportamento, pois já passaram por um longo processo de
desenvolvimento. Vigotski acreditava que os processos psicológicos fossilizados
perdem a aparência original, criando grandes dificuldades de análise. A única forma
71
de estudar tais processos é entendê-los em todas as suas idiossincrasias e
diferenças, chegando ao processo e não ao produto.
Em síntese, para se estudar os fenômenos em acordo com os princípios
propostos é necessário: i) análise do processo; ii) análise das relações dinâmicas –
análise explicativa -; iii) análise do desenvolvimento - reconstrução de todos os
pontos até retornar a origem de uma determinado comportamento. A pesquisa que é
realizada nesta condição tem a vantagem de superar o nível descritivo das falas dos
sujeitos para penetrar nos sentidos subjetivos, configurados a partir das experiências
dos sujeitos investigados (DOBRÁNSZKY, 2007).
De resto, e em coerência com o método, a subjetividade é um processo, e
como tal, não há a possibilidade de conseguir dar conta desse fenômeno
integralmente. Utilizando-se técnicas apropriadas, é possível apreender ou
compreender como ele se processa naquele momento, na medida em que se
desdobra. Isso porque na construção conjunta o sujeito também se transforma.
3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
O problema de pesquisa proposto: “Como se apresenta a constituição
subjetiva da mulher empreendedora?” Enseja as perguntas de pesquisa que serão
especificados no próximo item.
3.1.1 Perguntas de pesquisa
· Qual o contexto de atuação das empreendedoras?
· Quais as representações sociais da atividade empreendedora para as
mulheres objeto da pesquisa?
· Qual o significado da atividade empreendedora para as mulheres objeto da
pesquisa?
· Qual o significado de ser mulher para as informantes da pesquisa?
· Como está configurada a subjetividade da mulher empreendedora?
72
Em função das perguntas acima, propõe-se a análise das seguintes
categorias analíticas.
3.1.2 Categorias
O objetivo principal ao elaborar esta tese é compreender como se constitui a
subjetividade das empreendedoras. González-Rey (2003) deixa entender que o
espaço da empresa é uma fonte essencial para o estudo de como os sujeitos
concretos constituem a subjetividade social.
Nessa esteira, os esforços de pesquisa estão voltados para compreender e
problematizar criticamente o modo singular pelo qual a atividade empreendedora é
experimentada por estas mulheres. Da mesma forma, o gênero como espaço
simbólico também está sob análise nesta produção acadêmica. Considera-se aqui
que gênero é uma construção social e histórica, mas que é subjetivado de forma
única pelo indivíduo que o experimenta.
As categorias analíticas em um trabalho de cunho socio-histórico não devem
ser entendidas como as categorias das pesquisas positivistas. Dito de outra forma,
elas não devem ser entendidas como categorias fechadas e plenamente definidas.
Para o bem da coerência metodológica e teórica desta investigação, as categorias
são consideradas processos, sendo constituídas na medida em que são
parcialmente apreendidas, possuindo inter-relação entre elas.
As categorias teóricas predominantes nesta tese são: subjetividade e sentido
subjetivo, configuração subjetiva, subjetividade individual e subjetividade social.
· Subjetividade: Entendida de forma literal com a proposição de
González-Rey (2003, p. 197):
Sistema complexo, produzido de forma simultânea no nível social e individual, independentemente de que em ambos os momentos de sua produção reconheçamos sua gênese histórico-social, isto é, não associada somente às experiências atuais de um sujeito ou instância social, mas à forma em que uma experiência atual adquire sentido e significação, que pode ser tanto social como individual.
73
· Sentido subjetivo: A categoria sentido é colocada em um plano que
possibilita expressar o sujeito. Nesta categoria, destaca-se a singularidade
historicamente construída. É importante ressaltar que o sentido subjetivo não
é um reflexo, como acontece na teoria das representações sociais de
Durkheim, mas trata-se de uma produção subjetiva, organizando-se em
configurações subjetivas. Estas por sua vez, representam verdadeiros
sistemas em desenvolvimento (GONZÁLEZ REY, 2010). Segundo González-
Rey (2010), o sentido subjetivo está ancorado nas seguintes premissas:
a) A subjetividade deve ser tomada como sistema.
b) O sentido aparece na atividade do sujeito.
c) Expressar a unidade inseparável do simbólico com o emocional, onde
cada um desses aspectos evoca o outro sem se converter em sua
causa. O emocional e o simbólico se expressam em uma relação
recursiva nos sentidos subjetivos como processos sempre em
desenvolvimento.
d) Os sentidos subjetivos estão relacionados à definição de espaços
simbólicos produzidos pelas representações sociais de gênero e do
mundo de negócios (especificamente no caso desta pesquisa), mas
tais representações se alimentam de emoções singulares
configuradas na história de cada sujeito.
· Configuração subjetiva: organização de sentidos subjetivos. Trata-se de
uma forma ou aspecto que é formada pelos elementos de sentido subjetivo
em que, de forma simultânea, apresentam-se aspectos intencionais e
inconscientes. Ela representa um novo sistema em relação aos sentidos
subjetivos, não é apenas um conjunto, mas uma nova forma (GONZALEZ
REY, 2010).
· Subjetividade social: “Processos sociais implicados dentro de um sistema
complexo do qual o indivíduo é constituinte e, simultaneamente, constituído.
Entretanto, a constituição do indivíduo dentro da subjetividade social não é
um processo que siga uma trajetória universal, definida de forma unilateral
pelas características dos espaços sociais dentro dos quais os indivíduos
vivem. Pelo contrário, a constituição social do indivíduo é um processo
diferenciado, em que as conseqüências para as instâncias sociais
implicadas e para os indivíduos que as formam dependem dos diferentes
74
modos que adquirem as relações entre o indivíduo e o social (GONZÁLEZ
REY, 2003, p. 202).”
· Subjetividade individual: “Representa os processos e formas de organização
subjetiva dos indivíduos concretos. Nela aparece constituída a história única
de cada um dos indivíduos, a qual, dentro de uma cultura, se constitui em
suas relações pessoais (GONZÁLES REY, 2003, p. 241).”
3.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
Neste item, serão especificados os detalhes do desenho da pesquisa, bem
como as etapas programadas para a pesquisa, o delineamento do estudo, a
perspectiva temporal, o nível e unidade de análise, os procedimentos de coleta e a
análise dos dados.
3.2.1 Informantes
Os sujeitos da presente investigação são quatro mulheres empreendedoras
atuantes em Curitiba/PR. Essa quantidade pode ser justificada em função do tipo de
teoria e de pressupostos utilizados para a elaboração desta tese que não está
centrada em uma ideia de ciência baseada em dados quantificáveis e suscetíveis à
verificação imediata. Na teoria da subjetividade, o singular é validado como espaço
privilegiado para a construção do conhecimento científico.
A escolha das depoentes aconteceu aleatoriamente. Inicialmente foi
solicitado via rede social (Facebook) que fossem indicadas mulheres
empreendedoras, ou seja, mulheres proprietárias de empresas que fossem
responsáveis pelo processo decisório, cuja organização tivesse pelo menos dez
funcionários.
O primeiro contato com as empreendedoras foi feito via telefone solicitando
a entrevista e explicando o objetivo da pesquisa. Neste primeiro contato, foram
agendadas as entrevistas que duraram em média uma hora e meia. As entrevistas
75
foram realizadas entre os dias 25 de outubro de 2011 e 11 de novembro de 2011.
Os depoimentos foram coletados no ambiente de trabalho (2), casa (1) e espaço
público (1).
No momento da entrevista foi solicitado a cada uma delas a assinatura do
Termo de Consentimento para Coleta de Dados em Pesquisa Científica (ANEXO I),
oportunidade em que lhes foi novamente informado o objetivo da pesquisa,
garantido anonimato e explicada, de forma geral a natureza das perguntas que iriam
ser feitas. Todas as entrevistas foram gravadas e, depois, transcritas.
Os nomes das informantes da pesquisa foram alterados para resguardar
suas identidades. A informante 1 será chamada de Maria cuja transliteração do
hebraico significa rebelião. A segunda será chamada de Isis, cujo significado
representa o espírito maternal. A informante 3 será aqui chamada de Emília que
significa ávida e, por último, a informante 4 será aqui designada de Ida que significa
jovem.
3.2.2 Delineamento e etapas da pesquisa
A natureza desta pesquisa é qualitativa, e a perspectiva temporal é
transversal com análise longitudinal. A unidade de análise são mulheres
empreendedoras que realizam suas atividades no Município de Curitiba/PR.
3.2.3 Instrumentos de coleta dos dados
A coleta de dados representa “o momento mais difícil na realização da
pesquisa qualitativa” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 115). Isso porque a pesquisa
qualitativa de cunho construtivo-interpretativo, conforme proposta por González-Rey
(2005), não trabalha com o tratamento do material empírico, contendo uma verdade
única que a análise dos dados deve revelar. Além disso, o sentido subjetivo não
aparece de forma direta sequer ao sujeito, e o pesquisador deve ter um papel ativo
no processo de construção da informação. Para o autor, a epistemologia qualitativa
76
permite e demanda a construção de zonas de inteligibilidade sobre dado fenômeno
que estão ancoradas nos sentidos e nas configurações subjetivas.
Os instrumentos utilizados foram: entrevista e teste de complemento de
frases.
A entrevista é uma técnica eminentemente qualitativa cujo propósito é
entender como os sujeitos estudados vêem o mundo de forma a apreender a
terminologia e os julgamentos que utilizam. Tal técnica foi eleita para o presente
estudo por ser adequada para capturar as complexidades da experiência e
percepção dos sujeitos analisados (CORBETTA, 2003).
O tipo de entrevista utilizado foi o semiestruturado. Nele, o entrevistador
possui alguns tópicos que devem ser cobertos durante a entrevista (podem conter
vários graus de especificações e detalhes). Esse tipo de entrevista fornece, tanto ao
entrevistador quanto ao entrevistado, ampla liberdade e, ao mesmo tempo, assegura
que os temas relevantes sejam tratados (FONTANA; FREY, 2002).
A utilização da entrevista, segundo Fontana e Frey (2002), não pressupõe
uma objetividade per se, pois os dados coletados são provenientes da interação
entre pesquisador e pesquisado. Nas palavras dos autores:
Cada vez mais, pesquisadores qualitativos estão percebendo que as entrevistas não são instrumentos neutros de coleta de dados, mas sim, instrumentos ativos e de interações entre duas (ou mais) pessoas, conduzindo-a com resultados negociados baseados no contexto. Assim, o foco das entrevistas está se movendo para abranger “os comos” na vida das pessoas (o trabalho construtivo envolvido na produção de ordem na vida cotidiana), tanto quanto os tradicionais “o quês” 2 (FONTANA; FREY, 2002, p. 646, tradução nossa).
Essa característica da entrevista alerta para o entendimento da técnica, não
como uma ferramenta objetiva de coleta de dados utilizada de forma neutra.
O teste de complemento de frases foi utilizado como elemento auxiliar na
coleta de dados. Isso foi feito para facilitar expressões do sujeito e permitir uma
construção mais ampla dos sentidos subjetivos e processos simbólicos que
constituem a sua configuração subjetiva.
2 “Increasingly, qualitative researchers are realizing that interviews are not neutral tools of data gathering but active interactions between two (or more) people leading to negotiated, contextually based results. Thus the focus of interviews is moving to encompass the hows of people's lives (the constructive work involved in producing order in everyday life) as well as the traditional whats” (FONTANA; FREY, 2002, p. 646).
77
Trata-se de um instrumento de pesquisa que é recomendado por González
Rey (2005) e caracteriza-se pela proposição de início de uma frase (que funciona
como indutor de uma resposta) que é complementada pelo respondente com aquilo
que considera apropriado naquele momento. O instrumento coaduna-se com a
pesquisa de cunho sócio-histórico porque parte-se do pressuposto que o
pensamento se concretiza na palavra (VYGOTSKI, 2009). Isso não quer dizer, no
entanto, que a palavra seja a expressão total do pensamento ou da consciência. O
pensamento nunca é igual ao significado direto das palavras, mas o significado
desempenha a função de intermediário entre o pensamento e seu processo rumo à
expressão verbal. Em outros termos, o caminho entre pensamento e palavra é
indireto, inteiramente mediado pelo significado.
Para González Rey (2005) o complemento de frases é suscetível de
múltiplas opções de análise. No entanto, na pesquisa qualitativa sócio-histórica, ele
deve ser utilizado para captar os sentidos subjetivos que não estão explicitamente
expressos nos conteúdos. O pesquisador busca o contexto da informação no qual o
conteúdo foi elaborado para auxiliar na construção do modelo de inteligibilidade das
diferentes formas de expressão do sujeito em seus diferentes espaços sociais.
3.2.4 Procedimentos de coleta dos dados
Foram realizadas seis entrevistas. No entanto, duas delas foram
descartadas. Uma porque a depoente não permitiu a gravação o que limitaria a
análise uma vez que o relato seria contado a partir da memória do pesquisador ao
invés de contar com a fala integral da depoente. A segunda entrevista não foi
utilizada. Durante a entrevista a depoente utilizava monossílabos para responder às
questões o que dificultou sobremaneira a análise da subjetividade da respondente.
Ao encontrar com as depoentes, procurou-se criar um ambiente favorável.
Mantinha-se conversação sobre variados temas até que se percebesse que a
empreendedora estava prontas para a entrevista.
Por trabalhar com depoimentos, teve-se o cuidado de preservar as
identidades e manter a privacidade das entrevistadas.
78
O instrumento de complemento de palavras foi deixado com as
empreendedoras no momento da entrevista e coletado mais tarde, em torno de três
semanas. Como é instrumento livre, algumas das respondentes registraram apenas
uma palavra de complemento, enquanto outras escreveram diversas frases a partir
dos indutores. A interpretação dos dados foi feito de forma conjunta com as
entrevistas.
3.2.5 Procedimentos de análise dos dados
A análise dos dados coletados foi feita a partir do pressuposto que tal
análise é construtiva e interpretativa.
Os procedimentos para empreender a análise foram adaptados a partir dos
procedimentos sugeridos por Aguiar e Ozzela (2006) que são: i) leitura do material
transcrito. O procedimento sugerido pelos autores é uma leitura flutuante, mas neste
caso, foram feitas várias leituras e; ii) levantamento de indicadores que são criados a
partir das questões que aparecem com maior ênfase ou importância, revelando o
envolvimento dos sujeitos em acordo com o objetivo da pesquisa.
Os indicadores de sentido subjetivo são, nas palavras de González Rey
(2010, p. 335),
Significados que o pesquisador vai gerando perante certos trechos de informação. A concorrência de indicadores diferentes em relação a um mesmo significado permite a definição de hipóteses que, na sua inter-relação, definem o modelo teórico.
Nesse processo, e conforme a proposta de González Rey (2002, 2005), o
próprio pesquisador é também um instrumento de pesquisa, na medida em que sua
subjetividade também se interpõe ao processo, pois é ele quem vai criar o modelo
de inteligibilidade sobre o tema da pesquisa. González Rey (2005) afirma que as
representações teóricas mais gerais que o investigador assume integram o sistema
teórico criado a partir do momento empírico gerado no contexto da pesquisa. Nesse
sentido, o empírico não é divorciado da teoria. Nas palavras de González Rey: “As
teorias existem no pensamento e na reflexão dos pesquisadores, sem os quais uma
teoria se transforma em um conjunto de categorias estáticas e naturalizadas que
impedem o contato com os problemas a serem pesquisados” (2005, p. 31).
79
Assim, os conjuntos de indicadores encontrados na fala dos sujeitos formam
hipóteses. Para González Rey (2010) tais hipóteses norteiam o pesquisador na
constituição do sistema composto de informações, ideias e reflexões. Essas
hipóteses não podem ser confundidas com aquelas que precisam ser testadas
estatisticamente. Ou seja, elas “representam construções em andamento, que não
têm como objetivo a verificação empírica” (GONZÁLEZ REY, 2010, p. 335).
Para González Rey (2005), a legitimação do conhecimento a ser alcançado
com a pesquisa é necessariamente processual. Com isso, ele quer dizer que não há
expectativa de alcance da verdade última, mas momentos de inteligibilidade sobre o
fenômeno estudado, momentos tais que, estando em um processo, estão
conectados à posição ativa do pesquisador (DOBRÁNSZKY, 2007).
González Rey (2005) advoga que as conclusões não podem ser
circunscritas à descrição dos dados coletados, mas que deve ser construída a partir
dos significados que aparecem na informação empírica.
A generalização a ser alcançada nos resultados da pesquisa não pode ser
pareada com o tipo de generalização encontrada em pesquisas de cunho objetivista.
Aqui, ela está associada à qualidade do modelo teórico “formado pelas hipóteses
que vão se legitimando no curso da pesquisa, pelos sistemas de informação que
ganham visibilidade” (GONZÁLEZ REY, 2010).
80
4 CONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO
Importante ressaltar que a análise ora realizada tem no pesquisador o seu
ponto de partida. Em outras palavras, essa é minha interpretação que foi feita em
momento específico de minha trajetória acadêmica e à luz daquilo que venho
estudando no período de pesquisa para a tese. Na análise do relato das
empreendedoras, há que se considerar que toda a explanação é aberta, conflitiva e,
portanto, sujeita a novas interpretações. Além disso, o relato das mulheres que
fizeram parte da pesquisa está voltado às experiências que elas julgam importantes
em relação ao empreendimento e de sua atuação no mundo dos negócios. De forma
evidente, ao serem declaradas empreendedoras, por serem proprietárias de
negócios, não lhes foi negada a multiplicidade de atividades simultâneas que
desenvolvem.
Optou-se por fazer a apresentação dos dados a partir da idade das
informantes. Da mais velha para a mais nova. Dessa forma, a primeira
empreendedora a ter sua subjetividade analisada é Maria (60 anos), a segunda Isis
(44 anos), seguida por Emília (44 anos) e finalizando com Ida (24 anos). Os relatos
delas foram transcritos a partir das entrevistas e também foram utilizadas as
respostas delas no instrumento de complementos de frases.
4.1 MARIA
Maria é uma mulher de 60 anos, nascida em Londrina. A mãe era baiana e o
pai um paulista que foi atraído para o norte do Paraná pela facilidade oferecida aos
trabalhadores pela Companhia de Terras do Norte do Paraná, subsidiária de uma
empresa inglesa. Sua infância é vivida no sítio onde seu pai plantava café e a mãe
era responsável pelo cuidado da casa e dos 15 filhos.
Ela recorda que a mãe plantava verduras, tirava leite e costurava as roupas
dos filhos. A mãe de Maria ordenava que ela saísse para vender os produtos
cultivados na horta e o dinheiro arrecadado era utilizado para fazer frente às
despesas extras com roupas e sapatos da criançada. Não que fosse uma
necessidade de complementar renda, mas ela lembra que o pai, apesar do sucesso
81
em seus empreendimentos, era homem econômico que, por depender de safras e
clima, não era de permitir gastos considerados por ele como supérfluos.
Da infância, Maria se recorda de brincar com as filhas dos empregados do
pai no próprio sítio, das obrigações com os cuidados com os irmãos mais novos e
das viagens à casa da tia em Guararapes no interior de São Paulo. Lembra-se
também que, em tenra idade, por volta dos cinco anos, falava para o pai que queria
ser advogada.
Aos quatorze anos desafiou os interditos do pai e buscou o primeiro
emprego como auxiliar de correntista em um banco, depois foi secretária em uma
indústria e, ao terminar o curso de Direito, abandonou a advocacia por causa de
uma decepção com o mentor. Então, decidiu tornar-se professora após prestar
concurso público, mais ou menos na mesma época em que se casou.
Aos 20 anos perdeu a mãe e, aos 22, o pai comprou um casarão no centro
da cidade e a família deixou o sítio. Casou-se aos 25 e oito anos mais tarde mudou-
se com as três filhas para Porto Alegre acompanhando o marido recém promovido.
Lá começou a vender bijuterias e semijoias como forma de ocupar o tempo e ter
rendimento para custear suas próprias despesas até que o desemprego do marido
mostrou-se uma oportunidade para mudar de cidade e ela optou por Curitiba para
iniciar a nova fase em sua vida.
Em Curitiba, com a dificuldade do marido em ganhar o mesmo tipo de
rendimento com o qual a família estava habituada até então, ela se vê na
“obrigação” de empreender. Começou vendendo roupas de couro e o negócio foi
evoluindo até que culminar na abertura da primeira loja. O financiamento do
empreendimento, que consistiu na compra de estoque inicial e pagamento do ponto
comercial, foi feito em parte com empréstimo feito por um dos irmãos e pela entrega
de todas as joias que possuía e que tinham sido presenteadas pelo marido e
compradas por ela até aquele momento.
Atualmente ela possui duas lojas de roupas femininas, com variedade de
peças que vão desde roupas casuais até vestidos de gala. As três filhas, com 34, 30
e 27 anos, trabalham com ela assumindo diversas funções. Ela iniciou um negócio
com capital relativamente pequeno e hoje ela é a principal provedora do lar.
Consegue, com o fruto do empreendimento, manter um padrão de vida superior à
média nacional.
82
Os indicadores de sentido subjetivo surgiram a partir da entrevista e do
instrumento de complemento de frases.
4.1.1 Subjetivação do empreendedorismo
A atuação no ramo de varejo de moda pode ser bastante complexa, uma vez
que a competição é acirrada e o setor possui poucas barreiras de entrada. Em
outras palavras, é relativamente fácil abrir uma loja de roupas femininas o que faz
com que a quantidade de empresas desse setor seja maior, aumentando a disputa
por clientes (BARKI; TERZIAN, 2008). Além dos aspectos econômicos, o varejo de
roupas femininas no Brasil vem se desenvolvendo a partir de uma sociedade de
consumo (SIQUEIRA, 2003). Não se trata apenas de uma transação comercial, pois
a moda está relacionada também com o mundo simbólico. Não se consome apenas
algo para cobrir o corpo, mas se declara um modo de vida, ou se defende uma
causa, mostra-se que se pertence a determinada classe de renda ou ainda se busca
a aprovação social. Pontes (2006), ao analisar a obra de Gilda Mello e Souza sobre
a moda do século XIX, afirma que:
Após mostrar que as mulheres no século XIX desenvolveram ao infinito as artes relacionadas com sua pessoa, criando um estilo de vida que se expressava simbolicamente por meio da moda, Gilda chama atenção para a experiência das mulheres que embaralharam esse esquema dualista. Entre elas, as sufragettes que, aspirando a uma existência diversa e vendo na carreira uma fonte de realização pessoal, obrigavam-se ao desinteresse pelo adorno, pela vestimenta rebuscada, pela preocupação com a moda (p. 171).
O mundo de negócios em que Maria atua não parece ter sido escolhido
aleatoriamente. A trajetória de vida dela pode dar indicações de que a escolha tenha
sido também feita em decorrência de sua experiência com o mentor ao tentar a
incursão no “mundo masculino” da advocacia. Aquela experiência, subjetivada de
modo único, resulta em uma mulher que escolhe apenas negócios voltados ao
universo simbólico que ela considera feminino.
Maria cresceu em uma cidade do interior do Paraná e desde pequena
lembra-se de desenvolver atividades relativas ao comércio.
83
Olha. Eu não me esqueço. [...] A gente morava num sítio e ela [a mãe] fazia plantações de verduras, legumes, essas coisas e eu era encarregada de vender. Eu devia ter sete ou oito anos de idade, já saía com minha irmã mais velha, a Elza, para vender.
A interpretação de Maria sobre a atividade que desenvolvia quando menina
facilita a produção de sentidos subjetivos que são expressos em forma de
características pessoais. No seu relato, Maria indica que possui coragem e ousadia.
Isto é reforçado no instrumento de complemento de frases quando ela afirma que
“medo é um termo que não existe em meu vocabulário.” O que pode ser associado
às qualidades que compõem a identidade dela enquanto mulher e empresária: “sou
corajosa e enfrento todos os desafios tanto pessoais quanto financeiros”.
A mãe ocupa lugar especial na vida dela. Ela atribui à figura materna grande
parte de suas características: corajosa, ousada, cuidadosa, criteriosa, exigente,
educada, simpática e amiga. São todas características positivas. Dessa forma, a
mãe tem um papel importante quando ela identifica a si mesma e se atribui
características que ela crê lhe sejam favoráveis ao empreender. Ela é agradecida à
mãe pelo sucesso nos negócios hoje, pois acredita que este aconteça em função de
suas características pessoais. Ao preencher o complemento de frases afirma:
Eu gostaria de poder falar que sou uma mulher de muita sorte, realizada no que faço, procurando fazer o que há de melhor dentro das minhas condições. Obrigada, minha mãe!! Obrigada!!
As ações frente aos negócios são feitas em um sentido de corroborar tais
traços. Ao completar as frases ela afirma: “sou muito ousada para fazer as
aquisições para as lojas, depois corro atrás para que tudo seja vendido”.
É possível também destacar o indicador de sentido subjetivo necessidade.
Ela se viu na “obrigação de continuar”. No início, com vendas de porta em porta.
Depois, também, se vê impelida pela necessidade de abrir a empresa.
Essa necessidade é que o (nome do marido) estava desempregado e eu tinha que ter meios de continuar mantendo minhas filhas com o mesmo padrão de vida que elas tinham antes. Com estudos e tudo. Então, eu continuei, me esforcei cada vez mais para que eu conseguisse cumprir esse objetivo e superar a fase das meninas não passarem necessidade.
Destaca-se aqui o tipo de necessidade que a levou a abrir a empresa. Não
se trata de abrir uma empresa norteada pela falta de opção de subsistência, pois a
família já possuía imóveis que lhe proporcionavam renda, além da ocupação do
84
marido como corretor de imóveis. Também não aparece no relato dela que a
abertura do negócio se deu pela visualização de uma oportunidade como é
preconizado pelo Relatório Global Monitor Entrepreneurship (GEM). Dessa forma,
na pesquisa realizada pelo GEM, Maria não poderia ser classificada em nenhuma
das opções como motivadoras para a abertura de negócios. A necessidade aqui é
de ordem diferente. Este elemento de sentido subjetivo foi socialmente constituído.
Desde jovem, ela se envolve com pessoas de classes sociais com alta renda que lhe
imprimem uma visão específica de mundo e a noção do que seria necessidade.
Aí passamos a morar ali nesse casarão, no centro da cidade. E ali foi um lugar bom porque concretizou o meu desejo de morar na cidade. Eu sempre tive vontade realmente é de morar na cidade. Eu tinha amigas da mais alta sociedade. Então tudo isso também ajuda você a ter uma perspectiva melhor das coisas. Ajuda bastante. Porque naquela época eu não precisava trabalhar, mas eu me sentia bem com aquilo que eu fazia. Porque eu tinha que ajudar em casa, manter a casa e foi aí que surgiu a idéia da loja.
Pode-se aqui estabelecer como indicador de sentido subjetivo do lócus
interno de controle. A utilização do pronome pessoal EU dá indícios de que ela
acredita ser o principal responsável por sua vida e seu empreendimento
E reformei toda a escola com o meu dinheiro, com o dinheiro que eu consegui das doações, não envolvi nada da prefeitura, pintei toda a escola... Então ficou assim parecendo um palácio em comparação ao que era. As crianças eu me dedicava assim inteiramente. Dava cursos... Eu mesma fazia cursos, treinamentos, levava médico, levava fisioterapeuta pra dar cursos... Tinha um barracão perto da escola, ali no bairro mesmo e a gente emprestava esse barracão e dava curso para os pais. Como educar os filhos, como tratar os filhos, como cuidar... Tinha muito piolho naquela época assim, era exorbitante o piolho assim, os professores morriam de medo de dar aula e a gente também, porque tinha que sentar junto com a criança na carteira, dar uma atenção... Eu mesma confeccionava todos os painéis. Até não sei de onde vinha tanta inspiração. “Tudo o que você faz você faz bem feito.” Aí eu fazia aquelas flores, como se fossem umas flores vivas mesmo. Colocava... Na primavera, fazia toda florida a parede inteira da escola, na entrada. No dia das crianças, fazia sobre as crianças. Dia dos pais... Então, todas as datas comemorativas eu fazia assim uma decoração na parede toda.
Outros episódios relacionados ao desempenho de atividades negociais
também são marcados pela responsabilidade pela própria vida. Quando, já casada,
85
se vê obrigada a deixar a cidade de sua infância e seguir para Porto Alegre com o
marido recém-promovido:
Meu marido foi transferido pra Porto Alegre como diretor de previdência privada no (nome do banco). Chegando lá eu ia continuar com escola, mas como era muito longe eu achei que não valia muito à pena ficar me desgastando. E aí eu comecei a comprar bijuterias. Havia muitos atacados de semijóias, bijuterias e aí eu comecei a comprar algumas bijuterias para meu uso no atacado e as que sobravam eu vendia. Então eu ia ao salão de beleza e vendia e aquilo deu muito certo para mim. Eu não precisava, mas como eu comprava barato e vendia barato também, foi crescendo, crescendo, crescendo e quando eu fui ver eu estava já quase como empresária das bijuterias. Aí eu comecei a vender de porta em porta, fazia isso nas grandes empresas em Porto Alegre.
A responsabilidade pelos rumos da própria vida também aparece quando ela
toma a decisão de mudar-se para Curitiba, de abrir a loja, de abrir filiais, de comprar
grandes quantidades de estoque e tantas outras que aparecem no relato de Maria.
O indicador orgulho associado com a responsabilidade pela própria trajetória
também é evidenciado quando escolhe o próprio nome para a loja que viria abrir
Como o meu nome é (nome da entrevistada) e aí eu pensei “que nome eu vou pôr na loja? Que nome eu vou pôr?”. Aí eu falei “ah, pra todo mundo saber que a loja é minha eu vou colocar ______Modas, porque eu trabalho com moda: (nome da entrevistada)” Por isso surgiu o nome _______ Modas, porque todo mundo já me conhecia. Aí eu divulguei entre as minhas clientes que eu iria montar essa loja. A maioria continuou comprando ali na loja.
A responsabilidade pelas ações parece também quando decide abrir a
própria empresa:
Eu achei melhor vir pra Curitiba e chegando aqui ele [o marido] não conseguia emprego à altura do que ele estava acostumado e o que ele conseguia dava para pagar só o aluguel do apartamento onde vivíamos. Aqui nós não tínhamos apartamento. Foi aí que eu peguei e me senti na obrigação de continuar buscando alguma coisa em Porto Alegre. Eu vendia roupas de couro lá também. Algumas pessoas que já conheciam minhas roupas aqui em Curitiba pediram para eu voltar e buscar mais. E aí fui aumentando. Fui buscando couro, buscando as bijuterias... Aí eu já comecei a pensar... Aí foi quando eu comecei a vender no Tribunal de Justiça também, passava o dia inteiro lá. Eu fiquei três anos vendendo ali.
A empresa dá alegria e prazer em condições específicas: “quando está tudo
bem, da forma como idealizo.” No registro da condição de prazer aparece o
elemento idealizado que pode ser entendido como algo que é desejado e exaltado
86
pelo sujeito. Estar tudo bem significa que o outro (funcionários, filhas, marido) está
realizando aquilo que ela deseja. Em outras palavras, eles estariam (ou deveriam
estar) fazendo aquilo que ela tem em sua mente e isso mostra-se um problema, pois
pertence somente a ela. A idealização é uma negação da condição real atribuída por
ela ao trabalho dos outros.
A idealização da perfeição no atendimento, no empreender evidencia mais
uma vez as exigências subjetivadas desde menina. Maria percebe a cobrança da
mãe: “Isso, principalmente das mulheres ela cobrava bastante”. As lembranças
evocadas durante a entrevista indicam que exigência pode ser um indicador de
produção de sentidos subjetivos. As exigências dos pais, parentes próximos em
relação ao comportamento considerado feminino é subjetivado e resulta em uma
empreendedora também exigente com seus funcionários, filhas e marido. No
complemento de frases ela indica que a atividade que menos gosta ao empreender
é a orientação das funcionárias para o atendimento que considera adequado. Para
ela “é desgastante orientar funcionários e conseguir ficar da maneira que eu gosto”.
Reforçado pelo depoimento dela a respeito das atividades que desenvolve na loja:
Não é assim também, com moleza, que você consegue as coisas. É trabalhando com afinco, acompanhando e dando continuidade em tudo o que você faz, acompanhando a venda, a clientela, acompanhando as vendedoras. Até hoje eu faço isso. Se estou aqui na loja, estou acompanhando. Isso porque deixar só por conta de vendedor ou por conta de funcionário, as coisas não fluem tão bem, no meu parecer. Logicamente que elas vendem, mas não à altura que eu gostaria que vendessem, à altura que eu gostaria que atendessem as clientes. Sempre tem um “porém” com funcionário. Se você deixar à vontade ou elas não mostram aquela peça que realmente acho que ia ser bacana para a cliente, uma peça que vai ficar bem, que ela vai sair satisfeita; ou então não dão atenção suficiente, como servir alguma coisa para a cliente.
As relações familiares (marido, filhas, irmão) estão sempre presentes na fala
e na atividade empreendedora.
As três filhas trabalham com ela atualmente e representam o incentivo e a
necessidade que a motivam a continuar a empreender. A filha mais velha aparece
com maior freqüência no relato de Maria.
Nessa época o (nome do marido) sempre me acompanhava bastante para me ajudar. Eu não tinha funcionários, trabalhava eu e a (nome da filha). No final de semana eu lavava calçada. Então eu me esforcei muito pra que as
87
coisas dessem certo. Não ter muitos gastos assim e poder ir crescendo também. A princípio ela [a filha mais velha] sempre me ajudou. Inclusive quando eu vendia particular ela sempre me ajudou, sempre gostou também. Além de me ajudar, ela via a minha necessidade de ter alguém para me ajudar e ela gostava também. Ela me acompanha até hoje. Sempre me dá apoio em tudo o que eu preciso, ela está sempre à disposição. [nome das outras duas filhas] elas nunca gostaram muito. Me ajudavam, mas não gostavam. Faziam por necessidade também, porque viam que eu precisava de alguém. A [nome da filha do meio] sempre me ajudava depois do almoço, depois que saía do colégio. E a [filha mais nova] agora há pouco tempo começou a trabalhar comigo.
Ao mesmo tempo em que a subjetividade de Maria é afetada pelas relações
familiares, ela também influencia na constituição subjetiva daqueles que estão à sua
volta.
Pode-se destacar também o uso do pronome possessivo MEU/MINHA em
todo relato de Maria. A posse fornece a motivação para empreender. Isto pode ser
notado na frase: “precisava continuar a sustentar minhas filhas da maneira como
elas estavam acostumadas”. O sentimento de posse expresso por Maria se reflete
em sua conduta ao intervir na carreira das filhas e na parceria nos negócios com o
marido. Ela não demonstra um tipo de possessão em que predomina a confiança no
outro – a confiança de que as filhas podem tomar conta da própria carreira, pois
para ela sua intervenção é necessária a fim de garantir uma atividade de maior
renda para as filhas.
A influência dela na escolha da carreira das filhas é evidente. A filha mais
velha sempre esteve ao lado dela no empreendimento, mas as outras duas
buscaram outras profissões. No entanto, não tiveram tempo suficiente para construir
carreiras, pois a pressão da mãe para a entrada delas nos negócios parece que foi
acentuada. Maria relata que as outras filhas foram trabalhar em suas áreas de
formação, mas ganhavam muito pouco e não fazia sentido para ela que as filhas
construíssem suas vidas profissionais fora da loja.
Porque deu certo, eu acho que seria interessante. Às vezes o [nome do marido] fala “deixa as meninas trabalharem com o que elas querem. Fazer o que elas querem.” Eu falo: “mas elas ganham tão pouco fora.” A [nome de uma das filhas] tentou na área dela. O que ela ganhava não dava um quinto do que ela ganha hoje na empresa. A [nome de outra filha] tentou também. Ganhava tão pouco. Eu falei “por que não ganhar mais e trabalhar pra família? Uma coisa que é da família.” Então, a família toda cresce junto. Não só eu. Todas crescem junto, porque eu crescendo elas também crescem. Então elas ganham comissão sobre as minhas vendas, então eu acho que é uma coisa que eu estou crescendo e elas estão crescendo. O meu objetivo é que a família também cresça, não só eu.
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Eu acho que quando você trabalha com a família, com a união da família, eu acho que tudo cresce mais. Na minha opinião, parece que fortalece mais os vínculos de negócios, fortalece mais a amizade da família. Acho que cresce mais, em minha opinião. Porque a gente está sempre junto, mais unido, troca idéia junto. Eu acho que cresce, a gente cresce junto. Acho que em todos os setores a gente cresce.
Ela consegue que as filhas abandonem o projeto de carreira em detrimento
de projeto comum à família elaborado por Maria. Isso não acontece quando se trata
do marido, que é relatado como tendo uma percepção diferente da dela “ele pensa
de uma maneira e eu penso de outra”. A imposição de sua vontade não parece ser
consciente, ela parece que instaura uma moral que é fundadora da subjetividade
dela, das filhas e também do marido. Dito de outra forma, o fato de Maria ter feito as
filhas abandonarem o projeto de carreira individual é tido como a coisa certa a ser
feita. A justificativa é que é bom para elas e para a família. O marido, por pensar
diferente (então errado), inclusive em relação à participação das filhas, não pode
participar do projeto. Em nenhum momento ela relata o que as filhas pensam ou a
expressão da vontade das filhas.
No relato de Maria, ela se vê como principal personagem de seu
empreendimento. Tudo gira em torno dela. Na percepção dela, o empreendedorismo
é um fenômeno individual influenciado pelas características pessoais que são, por
sua vez, formadas na infância. Tanto que ela atribui à criação recebida da mãe, o
motivo do sucesso em seus negócios, pois na percepção dela é a mãe que lhe
incute obrigações e exigências que são utilizadas hoje ao empreender.
Ao atribuir peculiaridades que a identificam enquanto empreendedora, ela
fornece a representação social sobre o empreendedorismo que está presente na
sociedade e que foi por ela subjetivado. Isso pode ser evidência que o
empreendedorismo é uma construção social que atribui ao indivíduo determinadas
características que são supostamente responsáveis pelo sucesso nos negócios.
As características pessoais que são evidenciadas em seu relato mostram
que ela sente orgulho de si mesma em função de ser empreendedora bem sucedida.
Isso também é encontrado no complemento de frases quando expressa satisfação
pelos elogios que recebe de clientes, afirmando que “isso faz muito bem para o ego.”
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4.1.2 Subjetivação da condição de mulher
Os temas exigência, desafio e esforço são recorrentes no relato de Maria e
se articulam resultando na forma como ela pensa sua própria identidade de mulher e
de empresária. As primeiras memórias fazem-na lembrar-se da vida em família que
é marcada por exigências de comportamentos “corretos” que uma mulher deveria
apresentar.
A memória dos afazeres cotidianos da mãe e pai em sua lida diária a faz se
emocionar, seus olhos se enchem de lágrimas e relembra o relacionamento
carinhoso que tinha com os seus pais.
O relacionamento com os meus pais sempre foi muito bom. Eu sempre respeitei minha mãe, sempre ajudei bastante, ela não tinha empregada, então eu chegava do colégio, almoçava e ia lavar a roupa com ela. Eu sempre estava junto dela ou lavando roupa ou se ela estivesse cortando uma roupa eu estava junto. Eu estava sempre acompanhando minha mãe. Eu era muito amiga.
Ela não diz que mantinha conversações com a mãe ou que trocava
impressões, mas que a ajudava naquilo que ela acredita que era a tarefa da mãe
como mulher. Ser amiga da mãe está associado ao fato de ajudar nos afazeres
domésticos que eram muitos. A proximidade que possui com a mãe está baseada no
trabalho conjunto, indicando que talvez a mãe não tivesse proximidade com os filhos
em função dos diversos afazeres que possuía.
O trabalho incessante da mãe feito sem auxílio de empregados não é uma
condição financeira imposta, mas um cuidado do pai com o futuro incerto até em
função dos 15 filhos.
É que meu pai tinha muitos filhos e eu acho que ele tinha medo de faltar alguma coisa. Então, nesse medo de faltar alguma coisa, ele sempre segurava o dinheiro. Roupa ele comprava uma ou duas vezes no ano, sapato duas vezes por ano... Então a gente não tinha condições de se vestir bem, andar bem vestido... Esse dinheiro [das vendas de verdura] normalmente a mãe comprava tecido e fazia roupa pra gente, então eu ajudava nessa parte. Não que a gente precisasse, passasse necessidade, mas ele dava o suficiente pra você não andar sem roupa ou não andar descalça... Nesse sentido, porque o resto ele realmente não dava. [...] Eu confeccionava roupas pra... A gente tinha os colonos que trabalhavam no sítio... Eu era nova, tinha onze ou doze anos, me lembro que eu cortava o cabelo das meninas, fazia roupinha, fazia roupinha pra boneca... Então tudo isso a gente fazia manual, não tinha máquina, nada. Quando a minha mãe costurava pra gente, eu estava sempre junto ali prestando atenção, vendo como ela fazia, como não fazia, como ela bordava... Então tudo isso sempre
90
foi assim... Tinha sempre uma atenção exclusiva naquela parte. Sempre gostei.
Ao mesmo tempo em que ela atribui ao fato de ter obrigação de vender,
afirma que a mãe cobrava “comportamentos femininos” das filhas. Reforçado pelos
parentes próximos que também procuram ensinar como uma mulher deveria se
comportar.
Meu pai não deixava a gente sair muito. Então com doze anos mais ou menos eu começava a viajar pra Guararapes na casa da minha tia Rosalina e da minha prima Maria. Lá também elas davam bastante orientação pra gente, como se portar, como devia ser. Que mulher tinha que ser feminina, que tinha que gostar disso, gostar daquilo, que tinha que bordar, que tinha que aprender a fazer as coisas... Então tinha não só a minha mãe, minha tia também, minha prima, sempre tinha essa parte feminina, essa parte de que a mulher devia fazer e ela sempre ensinava decoração assim, orientava, sempre tinha arranjos em casa e tal e ela falava “tem que ser... A casa...”, ela sempre dava umas orientações. Talvez tudo isso tenha contribuído pra que hoje eu goste de toda essa parte de decoração, de roupas...
O pai de Maria era o responsável pela imposição de um padrão de
comportamento socialmente construído em relação ao papel da mulher, pois para
ele, existiam algumas atividades que não podiam ser desempenhadas pelas filhas
pela simples condição de gênero.
Os homens normalmente saíam fora para trabalhar e as mulheres os pais não gostavam que saíssem pra trabalhar. Mas eu desafiei. Com quatorze anos eu saí e fui procurar meu primeiro emprego. Fui escondida e procurei meu primeiro emprego. A princípio meu pai ficou hiper aborrecido, porque mulher não podia trabalhar fora, mas eu bati o pé e continuei trabalhando. “Eu quero pagar meus estudos, eu quero fazer uma faculdade e não quero
ficar dependendo.”.
O que concretamente cerca Maria é o trabalho de casa feito exclusivamente
por mulheres e também restrições impostas em função do gênero. Mesmo as
possibilidades que se mostravam para ela eram limitadas, apesar de as mulheres do
século XX, em especial aquelas das décadas de 1930-1950, terem adquirido
teoricamente igualdade de direitos sociais. A subjetividade social em seus diversos
meios, também lhes impunha uma série de comportamentos bem pouco alinhados
às conquistas do movimento feminista. Isso é compatível com as análises que
Mestre (2004) faz ao investigar as representações sociais da mulher paranaense no
século XX. Para a autora, em especial para as mulheres de classe média, ser dócil e
91
responsável pela constituição, manutenção e aderência dos membros do núcleo
central: pai-mãe, como cuidadores da prole, era considerado adequado e normal.
No relato de Maria a respeito do trabalho da mãe, das proibições do pai e
dos ensinamentos dos parentes próximos, a subjetividade individual vai emergindo
em sua história.
A trajetória de Maria não acontece isolada no tempo e espaço. Está imersa
em uma cultura que é (re)construída constantemente pelos indivíduos. A
subjetividade social ao encontrar em Maria um sujeito capaz de refletir sobre a
própria condição faz com que os elementos sejam por ela subjetivados de forma
única. Assim, a representação do papel de mulher que estava sendo a ela passada
não lhe servia. A subjetivação das experiências vividas por Maria a fez desafiar o
papel tradicional que lhe era dado. Assim, ela busca outro tipo de vida e vê no
trabalho e estudo a possibilidade de romper com as condições que lhe eram dadas.
No entanto, isso não é uma tarefa fácil porque algumas atividades eram negadas às
mulheres de seu tempo ou então estavam restritas a profissões tais como as de
professora.
A limitação das atividades que podiam ser desempenhadas em função do
gênero foi processada subjetivamente por Maria, surgindo daí o indicador de
produção de sentidos subjetivos expresso na palavra “esforço” que é recorrente na
fala dela e também no complemento de palavras. A palavra esforço pode significar
ação enérgica do corpo ou do espírito. A energia pareceu sempre necessária à
respondente. Isso pode ser evidenciado quando ela desafia o familiar pelo não
familiar ao buscar emprego. Ela faz diferente, rompe com o núcleo simbólico e de
sentido da representação social que lhe está sendo transmitida.
Além da ação enérgica (esforço), pode-se destacar outro indicador de
produção subjetiva que está interrelacionado: desafio.
O avanço pretendido pelo movimento feminista não atinge igualmente todas
as mulheres, especialmente aquelas que residem no interior, como é o caso de
Maria Para escapar ao controle do pai, comportava-se obedientemente como
estratégia inconsciente e assim ia lidando com as limitações impostas às mulheres
de seu tempo. Com isso podia “viajar com os colegas da escola” sem a presença
dos pais, privilégio que foi negado às irmãs que não utilizavam a mesma estratégia.
A reivindicação de espaço no mercado de trabalho, também para Maria, se
deu não com naturalidade, mas com teimosia. O gênero como um elemento
92
constitutivo das relações sociais privilegiava, naquele caso, o poder patriarcal que foi
desafiado. O “desvio de conduta”, no entanto, não é radical, mas feito aos poucos,
utilizando o poder de persuasão e limitado pelas representações sociais do que é
ser mulher. Esse tipo de comportamento provoca pequenas fissuras nos modelos
tradicionais, como afirma Mestre (2004), o que acaba por modificar as
representações sociais.
Ao entrar no mundo do trabalho, não mais retorna às atividades de casa.
Trabalhou em banco como auxiliar de correntista, em empresa de tecidos como
secretária. Ao mesmo tempo em que trabalha, Maria estuda. Desde pequena deseja
ser advogada:
Eu tinha cinco ou quatro aninhos. Eu me lembro que um dia eu estava chupando laranja no quintal com o meu pai e falei pra ele que eu queria ser... Eu não sabia nem falar... Queria ser advogada. Eu falei “pai, eu quero ser avogada.” Eu não sabia nem falar direito a palavra e queria ser avogada. Não sei por que também, mas eu falava... Desde pequena eu falava que ia ser advogada. E, no entanto eu fiz o curso e achei melhor continuar na área do comércio. Não me interessei. Fiz o curso, mas não me interessei.
O sonho de criança revela-se decepção. A experiência com o curso de
Direito é permeada por emoções contraditórias. A princípio, gosta e admira os
professores. No entanto, tais sentimentos logo são substituídos por mágoa e
decepção. O mentor lhe faz propostas em seu primeiro dia de trabalho que a fazem
desistir do sonho de infância:
Eu fiquei um pouco decepcionada, porque eu tinha... Os professores eram super bacanas na faculdade... O professor em quem eu mais me espelhei, de quem eu gostava muito, convidou-me para trabalhar com ele. Eu terminei o curso e no dia seguinte ele me chamou pra trabalhar com ele e no primeiro dia ele me cantou. Eu fiquei muito decepcionada. Eu sou uma pessoa que gosta de tudo muito certo, tudo muito correto e não aceito coisas erradas. Então eu acho que isso me deixou assim bem aborrecida e foi onde eu desisti.
A decepção e o aborrecimento que até hoje marcam o relato de Maria são
evidência de que o episódio não foi efetivamente superado. Depois de mais de trinta
anos, ainda se lembra do tipo de emoção vivida. Pode-se aqui conjecturar que o
papel destinado às mulheres da década de 1970, em especial em cidades
interioranas, ainda não havia alcançado os avanços pretendidos pelos movimentos
feministas. O tratamento dado a ela pelo mentor que pode ter sido interpretado por
ela como relativo à sua condição de mulher pode ter sido subjetivado e resultado no
93
abandono da profissão. Assim, ela não quis mais incursões em um mundo
“masculino”. A experiência ruim a fez desistir de ser advogada e voltar à função
destinada às mulheres de seu tempo: professora.
Exigência, desafio e esforço agora já subjetivados estão presentes na
trajetória profissional como docente, que é marcada por diversas funções assumidas
pela competência demonstrada: professora, secretária e diretora. As atividades
laborais são marcadas por elogios à sua capacidade de “fazer bem feito” o que
reforça também o orgulho como indicador de sentidos subjetivos.
Eu trabalhei no banco, nessa empresa, depois trabalhei como professora. Aí fui professora, fui secretária, fui diretora de escola e sempre fui bastante elogiada no que eu fazia e procurava sempre fazer o melhor. [...] Eu sempre gostei de fazer uma coisa bem feita, então tudo o que eu fiz realmente eu fui crescendo dentro do meu serviço. [...] As pessoas sempre elogiam bastante o meu trabalho e desempenho das minhas lojas.
Ser mulher para Maria exige dela comportamentos específicos que têm
relação com a perfeição. A exigência que lhe foi cobrada agora subjetivada é
também elemento que constitui sua ação como empreendedora representando um
desafio que somente pode ser vencido por meio de esforço.
A representação social sobre o empreendedorismo é associada a um
indivíduo que faz monta um negócio sozinho e o faz prosperar. Assim, o fenômeno é
individual e influenciado pelas características pessoais que são, por sua vez,
formadas na infância. Tanto que ela atribui à criação recebida da mãe, o motivo do
sucesso em seus negócios, pois na percepção dela é a mãe que lhe incute
obrigações e exigências que são utilizadas hoje ao empreender .
Na configuração subjetiva de Maria, a porção mulher se insere na porção
empreendedora que se expressa em suas diversas ações.
94
4.2 ISIS
Isis é uma mulher de 44 anos gaúcha de Gravataí e é mãe de uma jovem de
21 anos que atualmente passa temporada de estudos nos Estados Unidos. Isis é
loira, alta e tem olhos azuis. Ela é filha de pai empreendedor e já cresce em uma
família acostumada a falar de negócios. Ela lembra-se que desde pequena desejava
ter o próprio negócio. Recorda com graça da insistência que tinha com a mãe para
vender os bonecos feitos em gesso que ela pintava sem muito jeito aos oito anos.
Mais tarde, já uma jovem adulta via oportunidades de negócios e oferecia ao pai,
mas ele sempre as recusava, coisa que ela imagina era proveniente de medo do pai
em aventurar-se fora de sua área de especialidade.
Entrou no magistério – “era isso ou estudar contabilidade”-. Então, formou-se
professora e trabalhou em banco. Gostava da atividade. Ficou neste trabalho dos 18
aos 21 anos quando se casa.
Ainda recém-casada decidiu com o marido mudar de cidade para aproveitar
uma oportunidade de emprego oferecida a ele. A adaptação à nova vida não se
mostrou muito fácil. Os planos eram como o de todo casal jovem: construir casa, se
firmar na profissão e, depois, ter filhos. No entanto, a ordem foi invertida. Poucos
meses depois do casamento, ela estava grávida e com o marido ganhando pouco.
Voltaram para a cidade natal esperando uma condição melhor. Os planos não dão
certo e o que estava ruim “ficou ainda pior”. Os ganhos do marido, a criança
pequena e a moradia com a sogra não condiziam com os desejos daquela jovem. O
marido lhe consultou sobre a possibilidade de mudança para Curitiba e eles
decidiram novamente deixar Gravataí. Quando se estabeleceram em Curitiba, o
marido estava em um bom emprego, mas recebeu a proposta de abrir uma empresa.
Novamente consultada sobre o que fazer, Isis fez com que o marido aceitasse a
proposta e abrisse a empresa em sociedade com colegas de trabalho.
Cinco anos mais tarde e com a filha crescida, decidiu aproveitar o tempo
livre na empresa da qual o marido era sócio. Lá aprendeu a administrar uma
empresa metalúrgica. Ela enxergou possibilidades de crescimento, mas foi impedida
de tomar decisões porque não era sócia. Começou então a campanha de Isis para
que o marido deixasse a sociedade e abrisse uma empresa com ela. Para conseguir
95
persuadir o marido ela argumentava que eles estavam estagnados e que ela mesma
deixaria de trabalhar lá:
A gente tem que pegar mais clientes [nome do marido]! E ele responde: - Pois é, mas tudo que eu vou fazer ele [o sócio majoritário] acha ruim, ele acha que não é assim. Verifique bem. Acho que nós estamos nadando sem sair do lugar. - Eu vou sair. E aí acabei saindo. Ai eu disse: [nome do marido] porque a gente não monta uma empresa? Aí ele disse: - Montar uma empresa não é bem assim.
A comunicação entre ela e o marido aprece ser orientada pelo ímpeto dela
para os negócios, especificamente para o enfrentamento de situações
desconhecidas como pode ser percebido em várias ocasiões na trajetória do casal.
Na trajetória de Isis, o risco é algo que parece não assustá-la. Uma frase
que foi bastante dita por ela em seu relato e que marcava cada decisão que o casal
tomava: “Nós não temos nada a perder [nome do marido], então podemos tentar”
O marido resolveu seguir o conselho de Isis e abrir a empresa em 1997
fabricando roletes para laminação de roscas para atender a indústria de embalagens
metálicas. Na inauguração da Y, a empresa contava com apenas uma máquina de
usinagem. Isis propôs a venda da casa que o casal tinha adquirido ao longo dos seis
anos da antiga sociedade, mas o conhecimento do marido e a boa relação com um
fornecedor possibilitou a compra da máquina, que possibilitaria a abertura da
empresa, em um prazo de 36 meses. Em 2001, a Y mudou o foco de atuação e
passou a fabricar peças para a indústria petroleira. Até o ano de 2010, a
organização experimentou crescimento expressivo e atualmente é uma das
melhores empresas do ramo possuindo sete máquinas de grande porte para
usinagem das peças que fabrica. A Y possui processos de qualidade que a fazem
ser única no ramo. No entanto, passa pelo seu primeiro revés porque o cliente
responsável por 90% do faturamento diminuiu as encomendas em função do
desentendimento do marido de Isis com o novo diretor de compras do cliente.
Isis viu a gravidade da situação, mas também enxergou uma oportunidade
de ir em busca de novos clientes. Atualmente a Y tem a possibilidade de fazer
negócios com outras três grandes empresas atuantes no mesmo ramo do, até então,
único cliente. Apesar do revés sofrido, existe a possibilidade de triplicar o tamanho
da Y. Outro fator marcante é o interesse de uma companhia inglesa em comprar a
empresa de Isis. Apesar do amor declarado por ela pela organização criada, Isis
96
deseja profundamente a venda. Problemas no casamento a fazem repensar a
sociedade e desejar abrir negócio em outro ramo sem ter o marido como sócio.
4.2.1 Subjetivação do empreendedorismo
O setor de atuação de Isis é o metal-mecânico. Ela abriu a empresa em uma
época de um forte movimento de industrialização do Paraná ocorrido na década de
1990, especialmente de Curitiba e região Metropolitana, que atualmente responde
por 34% do total de indústrias do ramo no Estado.
O setor metalúrgico está dividido entre as empresas de transformação de
metais que vão desde a produção de bens até serviços intermediários. A empresa
de Isis é responsável pela usinagem de peças usadas na fabricação de peças para a
indústria de petróleo e gás.
A especialização da empresa que montou em 1997 faz com que os clientes
potenciais sejam poucos, em torno de seis no Brasil. A empresa está implantando
sistema da qualidade ISO e tem reputação de ser uma das melhores em seu ramo.
Isis afirma que sempre teve desejo de ser dona de seu próprio negócio. As
razões do desejo aparecem no instrumento de complemento de frases quando se
olha a totalidade das respostas. Em várias questões aparece o elemento financeiro
que é indicador de sentido subjetivo na configuração dessa empreendedora. O
ganho financeiro para ela aparece como medida de sucesso. Inclusive escreve que
a ambição dela como empreendedora é ter “$uce$$o”. Esse elemento de sentido
subjetivo vai se alterando ao longo da trajetória dela como empreendedora, como se
verá mais adiante.
Quando ela informa seu conceito do que é ser empreendedora, informa
características dela mesma: “não ter medo.” A partir da representação social do que
é um indivíduo empreendedor, ela constrói a sua própria identidade e suas ações
são realizadas de forma a corroborar essa característica. Dessa forma, a cada
decisão a ser tomada, a coragem é que deveria prevalecer.
A coragem aliada ao conhecimento compõem a configuração subjetiva desta
mulher. Pode-se, em diferentes situações, constatar que ela atribui ao conhecimento
97
a forma de justificar a superação do medo que poderia advir com a atividade
empreendedora.
Ser empreendedora significa não ter medo de assumir riscos de fazer algo, mas que conheça.
Quando dá conselhos a uma mulher que queira começar a atividade
empreendedora, ela afirma que conhecimento é imprescindível.
Se ela for montar algo, em primeiro lugar, ela tem que montar algo que ela domine. Jamais, ela pode [fazer] assim: “eu não sei vender nada, vou abrir
uma loja de roupa, ou eu não seu administrar e eu vou montar algo que eu vou ter que administrar.” Então eu acho assim, tem que ter muito cuidado. Tem que estudar bastante. Não estudar no sentido de ir para faculdade, mas estudar muito bem o que ela quer fazer.
A passagem do tempo para Isis é marcada pela evolução da empresa que,
por sua vez, é lembrada pela compra de máquinas, pela mudança de prédio e pelos
episódios que influenciaram o crescimento da empresa, como a sugestão de
construírem uma sala de teste – proposta pelo principal cliente. Esses
acontecimentos não obedecem a uma ordem cronológica de dias, meses e anos,
mas eventos significativos ligados à empresa.
Ela também considera cada um desses acontecimentos como um “sinal de
que estava no caminho certo”.
Aquilo era um sinal que estava dando certo. Cada ano que passava era um sinal que qualquer movimento que a gente fazia, a empresa ia crescer. Era um sinal que nós estávamos no caminho certo. Então eu acho que estamos nesse prédio há 6 ou 7 anos, foi quando a gente montou a sala de teste. Nesses 14 anos adquirimos 7 máquinas.
Esse “sinal” é utilizado como uma estratégia para justificar os investimentos
tanto emocionais quanto financeiros feitos na empresa. Cada um desses sinais
indicava então que ela podia continuar investindo suas emoções naquele
empreendimento. A emoção está presente na sua fala constantemente ao se referir
à empresa. O processo de pensamento que ela utiliza para tomar decisões, para
pensar os rumos da empresa, não está de modo algum dissociado das suas
necessidades e dos seus interesses pessoais. Ao decidir, ao aprender, ao agir na
empresa no curso de suas emoções, ela aprende. Dessa forma, não se pode pensar
o aprendizado sem levar em consideração as emoções que perpassam tal processo.
98
Nota-se que ela busca constantemente o crescimento da empresa, mas isso é
limitado pela preocupação de Isis com o outro. Na única ocasião em que se mostrou
receosa foi quando percebeu que poderia colocar a vida de seus funcionários em
risco.
Nós estávamos nos barracões aqui no Bairro Alto e fomos procurados pela “X’’[cliente] para montarmos uma sala de teste. Só que essa sala de teste vai pressão, vai gás. Então é assim um teste em 3 mil psi então e algo que tem que ter muito cuidado com os funcionários porque se estourar pode levar corte. Então no primeiro momento eu fiquei com medo. Eu disse: “Ai
[nome do marido] não quero botar ninguém em risco.” Então, claro que
fomos analisar, estudar. E chegamos à conclusão de que poderíamos fazer essa sala, que era seguro. O teste iria ocorrer em uma sala bem fechada, bem protegida. E os funcionários estariam do lado de fora e não ia ter perigo se por acaso explodisse [..] não ia ter perigo para funcionário nenhum. Mudamos para Pinhais, para um barracão de 400m². Então isso também, além das compras das máquinas, teve mais essa evolução, essa mudança de espaço.
Dessa forma, a emoção está na base dos processos de pensamento, de
tomada de decisão. Isso pode ser evidenciado quando fala do medo do risco sobre a
vida das pessoas.
Ao falar de sua relação com os funcionários parece ser consciente que ela e
os funcionários perseguem objetivos diferentes, mas isso não a impede de oferecer
um ambiente de trabalho que seja bom para ela e para os funcionários, admitindo a
relação de troca, mas abraçando também a dimensão humana que está envolvida.
Novamente aqui aparece a emoção como norteadora de práticas empresariais. Para
ela:
Eu te digo assim que a gente tem uma relação muito boa. Não é aquela coisa assim: a Isis é dona, ela está num pedestal. A gente faz toda semana, toda terça-feira, uma reunião onde a gente põe os pontos que têm que melhorar; o que aconteceu de uma semana para a outra; os cuidados que têm que ter. Então minha relação com os funcionários é nota 10. É uma equipe muito boa. Tenho alguns funcionários novos, mas o mais novo está com três anos, temos funcionários com 10, 14 e 7 anos. Procuramos fazer um ambiente muito bom para trabalhar, um ambiente familiar, um ambiente em que um ajuda o outro.
Um sentido subjetivo que surge no relato de Isis é o orgulho. Em várias
ocasiões ela informa que sente orgulho por ter criado a empresa, por ter prosperado,
porque seus funcionários aprovam a maneira como os trata, porque a família a tem
99
em grande consideração em função de ter empreendido e vencido. Enfim, a
atividade empreendedora representa para ela uma forma de realização que se
concretiza na forma de orgulho.
Eu sinto orgulho. Tem um mezanino na fábrica e eu fico olhando e penso: Nossa! Para quem começou do nada.
O indicador de sentido subjetivo de orgulho aparece também na relação com
os parentes fora de seu círculo restrito (marido e filha). A ação empreendedora dela
também afeta a subjetividade de outros indivíduos.
Hoje, hoje, eu sinto que eu sou uma referência para minha família, para meu pai, para minhas irmãs. Até agora, não faz muito tempo, a minha irmã me disse: - Nossa Isis, tu és uma mulher empreendedora. Tu és uma pessoa, uma mulher de sucesso. Achei tão bonito ela dizer aquilo, sabe? Então, para a família hoje eu sinto que a minha opinião tem um peso maior.
No complemento de frases ela acredita que a família sente admiração pela
atividade que desempenha. O papel que desempenha para a família, aliado ao
orgulho indica que ser empreendedora interfere na sua subjetividade e passa a
defini-la como sujeito.
As experiências diversas que emergiram da atividade empreendedora são
articuladas e resultam em transformações na sua configuração subjetiva. Ao relatar
sua trajetória que culmina nos dias atuais, a situação da empresa reflete-se na forma
como ela relata agora a relação com o marido. No início, relato de trajetória
conjunta, o marido aparece como um complemento importante de sua ação
empreendedora que, caminhando juntos na criação da empresa – que lhe é motivo
de orgulho. No início da entrevista, quando ela nomeia a empresa, explica que a
empresa é ela e o marido. Com a estabilidade, a organização passa a ter vida
própria e a empreendedora se relaciona com ela como “um filho” e como tal, ela
investe lá suas emoções:
Na verdade, um dos pontos que fez a Y dar certo é que a gente coloca toda nossa emoção lá. Até pouco tempo atrás eu dizia que a Y era mais um filho ou filha pela nossa dedicação por ela. Não sei te dizer [qual atividade mais gosta na empresa] porque eu gosto de tudo. Se tu fores lá e me observar, tu vais ver que a Isis se envolve com a produção, com a parte administrativa, a Isis se envolve com tudo.
100
A gente tem tanto amor pela empresa. Nesses 14 anos a gente procurou sempre investir na empresa. Muitas vezes a gente até esquecia da gente, do nosso lado pessoal e era na empresa que estávamos focados.
Depois do crescimento da empresa, Isis, em sua fala se afasta da empresa e
a trata como ente separado. Agora não é mais a empresa e refere-se a si mesma
com o nome próprio, executando atividades para nutrir aquele filho e orgulhando-se
dele, tendo que tomar precauções para protegê-lo.
Nós temos que separar a Y pessoa jurídica e nós somos pessoa física. E outra, eu sou sócia e tu também és. Então, o correto é: chegar lá no final do ano a gente fazer a divisão. Tu pega o teu valor e eu pego o meu. Mas aí acabava misturando tudo. Aí foi indo, foi indo, eu consegui então separar: o comercial era dele e ele então começou a respeitar o lado financeiro e o lado administrativo.
Evidencia-se que os espaços em que vivem não estão dissociados. Para a
compreensão desses espaços é relevante entender o significado da atividade
empreendedora. Depois de 14 anos de empresa, crescimento e finalmente o
sucesso financeiro alcançado, ela agora vê no marido uma ameaça. Ela relata que:
Bom, eu vou ter que ser sincera (ela ri). Chega um ponto em que o financeiro começa a ser um problema para os sócios. Porque quando tu não tens, não tens e quando tu tens, vai ter que ter um sócio que vai ter que ser o bicho papão que diz assim: não dá. E eu e o meu marido, nós temos um diferencial muito grande. Eu sou muito econômica. Ah! Tem que adquirir essa máquina, então. Ele já é de comprar uma BMW, mas a BM vai te levar num lugar que um fusquinha também te leva. Só que a BM vai custar 100 mil e o fusquinha custa 20. E na empresa não precisa ser a BM, o fusquinha dá bem. Então dá esses atritos e a parte também de ter que separar a pessoa física e pessoa jurídica e ele mistura tudo. Então já tive muitas discussões. Muito atrito e ele acha que pode sair aí e comprar e depois só chegar para mim e dizer assim: “Olha, eu quero 10 mil”. Então eu digo:
“não, não. Não é assim”. Então eu acabei passando para outra pessoa.
Porque aí eu não estou ali diretamente e o estresse fica um pouco menor porque eu divido um pouco essa responsabilidade. Aí quando chega nessa pessoa, ela já diz: “não não dá, não pode. Olhe é assim”. Quando chega
pra mim a coisa já está um pouco mais tranquila.
A relação dela com a empresa é permeada de emoções que estão, por sua
vez, conectados com os diversos espaços de produção subjetiva, como o
casamento. O emocional e o simbólico se expressam em uma relação recursiva nos
sentidos subjetivos como processos sempre em desenvolvimento. Dessa forma,
questão financeira que, para ela, foi motivadora da abertura da empresa, é agora
101
razão de atritos entre ela e o marido. Para ela, o marido é a representação da
mistura da vida pessoal e profissional e que pode ser vista na afirmação: “Eu e o
...[nome do marido] estamos num atrito muito grande por causa da empresa. Não sei
se a palavra certa é certa, mas é a ganância, sabe? É uma pena, mas isso
acontece.”
Da mesma forma como a empresa impacta no casamento, o momento pelo
qual ela e o marido estão passando tem reflexos na forma como lidam com a
empresa. Isis parece não se dar conta desse momento, mas busca ajuda terapêutica
para superar a crise pela qual passa e parece se preparar para o momento seguinte,
não só admitindo, mas desejando a venda da empresa que foi depositária de tantas
emoções.
E então, tem uma empresa interessada, uma empresa da Inglaterra que tem 125 anos no mercado e ela está interessada em comprar a Y. Aí deu mais um atrito porque eu vi aí uma grande oportunidade. Nós venderíamos a empresa e ele, claro, pode continuar e montar uma empresa de usinagem e prosseguir no mesmo segmento que ele gosta. E eu sim, com um segmento meu. Isso para separarmos essa sociedade que hoje estaria saturada.
O momento de transformações é permeado por emoções que, por vezes,
parecem contraditórias: a motivação para empreender não pode mais ser justificada
pela questão financeira, que está resolvida para o casal.
Na verdade assim, o que me levou foi ter uma vida mais estável, ter uma vida mais tranquila financeiramente, foi isso que foi o gás pra fazer a gente tomar essa decisão de abrir a empresa.
A venda da empresa lhes daria renda suficiente para viver sem restrições.
No entanto, ainda acalenta o desejo de abrir outra empresa, agora no ramo de
alimentação. A atividade empreendedora se apresenta para esta mulher como um
meio de satisfação de seu desejo de liberdade.
Os sócios possuem uma oportunidade única de triplicar o tamanho da
empresa, em pouco tempo, com o investimento já feito e mesmo assim existe a
possibilidade de venda da empresa que é influenciada pelos processos que estão
em curso na trajetória de vida dos sócios. Isso evidencia a complexidade presente
no crescimento das pequenas empresas.
Além de marcar a passagem do tempo, o empreendedorismo parece lhe dar
possibilidade de gerenciar o seu tempo, ter flexibilidade para poder fazer o horário
102
que melhor lhe convém. No entanto, isso não acontece sem que tenha que se
justificar para exercer as atividades em horário que lhe agrada, como pode ser visto
na afirmação: “Tudo bem que eu não chego às oito da manhã, mas eu chego nove,
nove e meia, mas não tenho horário para sair.”
A flexibilidade de horários tem um preço que é a maior quantidade de horas
trabalhadas. A possibilidade em trabalhar em horários em que se sente melhor é
acompanhada por certo sentimento de culpa que deve ser compensado com algum
sacrifício.
Por diversas vezes, ela relata que no mundo dos negócios é necessário
“batalhar”, “buscar um sonho”, “ir atrás”. No complemento de frases, ela afirma que
enquanto empreendedora é “uma pessoa que corre atrás e coloca a mão na massa”.
Estar atrás de algo sempre, nunca alcançar plenamente – o trabalho na empresa
parece destinado a não ter fim – trata-se de um fim em si mesmo. Talvez, por isso
ela tenha tanto receio de que o dinheiro que o marido gostaria de usufruir não lhe
permita continuar lutando em busca do sucesso. Além disso, o empreendedorismo
parece exigir um sacrifício para ser recompensador. Existe sempre uma “batalha”,
mas não há nunca vencedor porque é uma atividade sem fim.
4.2.2 Subjetivação da condição de mulher
A representação social que possui da mulher é naturalizada. Em outras
palavras, ela acredita que as diferenças entre os gêneros são decorrentes de
alguma característica inata que deixa mulheres e homens diferentes entre si. Isso é
expresso quando ela fala que “mulher é assim”, atribuindo a ela mesma
peculiaridades supostamente femininas. Ela parece não se dar conta que tais
características foram passadas a ela a partir da subjetividade social. Apesar de ser
um fenômeno social, tais características são subjetivadas de modo único resultando
em uma configuração que, para Isis, tanto a iguala a diversas mulheres de seu
tempo, como também a torna uma empreendedora única, com capacidade para abrir
novo negócio em ramo de alimentação em função de ser mulher. Para ela:
103
Eu acho assim que ser mulher para mim é algo maravilhoso. A mulher tem uma capacidade de administrar várias coisas ao mesmo tempo, ela tem um jeito meigo de fazer as coisas. A mulher para mim é algo maravilhoso. A parte de alimentação, eu escolhi porque qual a mulher que não sabe administrar a parte da cozinha? A alimentação? Então eu pensei muito e achei que era o segmento que eu iria ser bem sucedida. Isso é coisa da mulher. A mulher se preocupa. A coisa tá pegando fogo e eu estou ali [na empresa].
Um indicador de sentido subjetivo importante também que aparece no relato
de Isis é que ela não se refere às situações vividas com o prenome pessoal EU.
Aqui ela utiliza o pronome NÓS. Em várias partes do relato da trajetória, ela se põe
em conjunto. O elemento conjunto é importante na subjetivação dos negócios para
Isis. Para ela, os negócios e a família, e ela mesma são parte do mesmo conjunto e
é difícil se ver separadamente.
Um indicador de sentido subjetivo que é recorrente na fala pode ser
resumido na palavra desprendimento. Nas decisões que marcaram a trajetória dela
e do marido ela afirma que eles “não tinham nada a perder”. Essa frase é recorrente
em quase todas as decisões que tomam. Quando de fato se olha para as situações,
pode-se notar que há perdas: uma situação conhecida a ser trocada por outra
totalmente incerta e em cidade estranha. Mais tarde ele tem o algo a perder: o
emprego. Então, ela o incentiva de outra forma informando que é necessário que se
aproveitem oportunidades falando: “[nome do marido] cavalo encilhado somente
passa uma vez na vida. Tu não podes perder essa oportunidade.”.
Isis não se preocupa com os sentidos subjetivos que suas decisões têm para
o marido. O marido parece sempre se apoiar nela. Extrai dela o ímpeto para seguir.
Cada um possui um papel definido que perpassa a relação dela com o marido: ela
como a destemida e ele como o seguidor.
Em todas as decisões mais importantes da família e, mais tarde com a
empresa, Isis não teme a mudança, pois o que têm a perder não é tão importante
(emprego, casa, sociedade). Quando se esgota o argumento de “não ter nada a
perder”, ela utiliza outras formas de persuasão como os argumentos a seguir
indicados.
Os argumentos mudam e passam a ser focados na possibilidade de ganhos
financeiros em função do aprendizado dela, adquirido ao trabalhar na antiga
empresa. O marido, nesta dinâmica de comunicação, parece querer ser convencido.
104
Isso que nós já tínhamos comprado nossa casa aqui no Bairro Alto. Um sobrado. Eu disse: [nome do marido] vendemos a casa e damos entrada numa máquina. Porque a máquina é cara. Nós não tínhamos nada, sabe o que é não ter dinheiro guardado, não ter nada. Ele me disse: Isis, tu achas? E eu disse: - pensa nisso. Tu tens conhecimentos, eu aprendi muito lá na empresa. Ele sempre com medo. Eu dizendo: Vamos montar [nome do marido]. Comecei a dizer: vamos, vamos. Ai ele disse: tu achas? E eu: colocamos a casa à venda, Eu até te digo [nome do marido]: eu não ganhei salário, mas o que eu ganhei de conhecimento, não tem dinheiro nenhum que pague.
A forma de enfrentar o desconhecido pode ser associada também ao
conhecimento e à importância que dá àquilo que poderiam perder podem formar
indicadores de sentido subjetivo. Parece que o que ela quer dizer é que não há nada
de importante a perder. As decisões são feitas com base na importância de cada
coisa. Nem agora, quando possui uma empresa de sucesso, ela teme a mudança e
até deseja que a Y seja vendida.
O sentido subjetivo das emoções que estão ligadas ao desejo de mudança
representa a expressão do sentido que não se evidencia somente pela ação do
marido, ao acatar seus argumentos e seguir na direção por ela desejada, mas
também pelo que a empreendedora gera a partir da ação do marido.
O período que vive atualmente é de transformações. A filha não requer mais
cuidados, pois é adulta. A empresa, que sempre foi um elemento importante do
casamento em função de ter sido o espaço de sentimentos e emoções, tem seu
primeiro revés. O casamento que parece nunca ter sido objeto de reflexão, agora
precisa ser encarado sem que tenham a filha ou a empresa como mediadores da
relação.
Então, Isis secretamente deseja “romper com a sociedade empresarial”. Ela
relata que seu momento de maior tensão atualmente é o fato de ser sócia do marido.
Durante a entrevista a relação com o marido é constantemente lembrada e
ressentida.
Toda a trajetória e os elementos presentes nesse momento se articulam
resultando em uma nova configuração subjetiva. Surge daí uma mulher que sabe de
seu potencial. O conhecimento, agora de si mesma, decorrente da atividade
empreendedora, fornece a ela um sentido subjetivo em que a confiança em si
mesma é elemento central. Ela resume:
105
O que vai acontecer? Não sei. Eu fiquei com a [nome da filha], e cuidando da casa, até os cinco anos da [nome da filha]. Eu tinha esse sonho de montar alguma coisa, mas eu não me conhecia, eu não sabia do potencial e da capacidade que eu tinha. Hoje, eu já não tenho medo de montar alguma coisa sozinha, eu sei a capacidade e as condições que eu tenho para empreender.
Isis passa por momento único em que o processo de transformação está em
curso. A configuração subjetiva desta mulher foi sendo formada pelos elementos de
sentido subjetivo de empreendedora como a busca pelo conhecimento, orgulho,
forte investimento emocional na empresa e pela noção de sucesso financeiro. No
entanto, ela desponta para uma nova configuração em que descobre o potencial que
tem e se vê diante de muitas possibilidades em torno das quais o marido talvez não
esteja presente.
4.3 EMÍLIA
Emília é uma mulher de 44 anos com dois filhos e se diz muito satisfeita com
a atividade empreendedora. Ela nasceu e cresceu em Curitiba e relata que teve
uma infância “normal”. Não é filha de pais empreendedores. De fato, o pai acha a
atividade empreendedora muito arriscada e preferiria que os filhos fossem também
funcionários públicos em função da garantia de uma aposentadoria tranquila.
Ele é funcionário público, o meu pai é daqueles que tem que ser certinho. A melhor carreira, por exemplo, é ser funcionário público, que você tem emprego garantido, aposentadoria certinha, você tem que guardar vinte por cento do teu salário para o teu futuro. Isso ele é totalmente diferente.
É a mais velha entre os quatro filhos e tem diagnóstico de hiperatividade. Na
adolescência começou os estudos em Engenharia Eletrônica juntamente com o
curso de Direito. No entanto, a Engenharia foi abandonada no último ano.
Eu passei com dezesseis. Daí eu comecei a trabalhar e fazia Engenharia. Só que eu não gostava de Engenharia, queria largar [...] meu pai não admitia de forma nenhuma que eu largasse a Engenharia Eletrônica, o curso, CEFET, que era uma coisa chique... Quando eu fiz, na época, era quarenta pra um, eu era a única mulher da sala. Assim, já era outra realidade. Só que eu não gostava. Só que todo mundo me dizia que Engenharia ia ficar bom no final. No começo é chato,
106
fica bom no final. Aí eu fui até o quinto ano, daí no quinto eu larguei, porque não ficou bom e aí eu fui fazer Direito.
Eu fazia faculdade de Direito, faculdade de Engenharia e trabalhava na prefeitura, porque meu pai só pagava a Católica se eu continuasse na Engenharia.
Na fase adulta, mudou-se da casa dos pais para ter independência. Ela
disse naquele ambiente “tinha muito cacique para pouco índio”. Morou sozinha por
um tempo, época em que teve um filho e, mais tarde, casou-se para, em seguida,
tornar-se mãe de uma menina.
Hoje seus filhos têm treze e oito anos. Ela é a principal provedora do lar. O
marido se divide entre o cuidado da casa e o trabalho como gerente financeiro da
empresa de Emília. Esse arranjo parece lhe satisfazer.
Sua trajetória profissional formal começa na Prefeitura de Curitiba, passa por
uma empresa de fabricação de cozinhas, ao mesmo tempo em que iniciou a
atividade de advogada.
A empresa de Emília foi aberta em função da aceitação de oferta de um
investidor que viu no negócio de fabricação de cozinhas planejadas uma
oportunidade. Inicialmente, quatro pessoas faziam parte do quadro social: o
investidor, Emília e dois colegas do antigo emprego. Hoje a empresa é formada por
ela e um sócio remanescente da sociedade inicial. Ela é responsável pela gerência
geral e pela área de projetos. O outro sócio cuida da área comercial da empresa.
Os indicadores de sentido subjetivo presentes na configuração subjetiva de
Emília foram se materializando não apenas com a entrevista, mas também com o
instrumento de complemento de frases.
4.3.1 Subjetivação do empreendedorismo
Emília atua no ramo de fabricação de móveis. Trata-se de um setor
dominado por pequenas e médias empresas que atuam em um mercado
segmentado e intensivo em mão de obra. A atividade é caracterizada pela produção
de mobiliário de forma mecanizada em pequena escala. Os aspectos técnicos e
mercadológicos fazem com que as empresas do setor optem pela especialização. A
107
empresa de Emília é especializada em cozinhas para residências. A procura por
móveis é dependente do nível de renda da população e do comportamento da
construção civil. O gasto das famílias com produtos como o da empresa de Emília
limita-se entre 1% a 2% da renda disponível. Além da renda, contribuem para a
formação da demanda: mudanças no estilo de vida, aspectos culturais, ciclo de
reposição e investimento em marketing que são baixos nessa indústria. Dessa
forma, com os investimentos do governo federal por meio do programa de
Aceleração do Crescimento na indústria da construção civil, o aumento de renda e a
mudança nos padrões de consumo da população brasileira, o setor moveleiro tem
experimentado expressivo crescimento. Além disso, os investimentos em Curitiba
para a preparação da Copa do Mundo em 2014 têm mostrado a Emília um cenário
não muito favorável. Contrariamente, ela vê riscos no futuro em função do
encarecimento da mão de obra e na impossibilidade de vender mais por causa a
excessiva carga tributária. Crescer, para ela, representa um passo desnecessário e
que ela tem evitado.
A configuração subjetiva do empreendedorismo para Emília está apoiada em
sentidos subjetivos associados à sua trajetória, ao contexto atual e à cultura dentro
da qual a atividade é desenvolvida. Dessa forma, todos os aspectos se conectam de
forma única na formação da subjetividade dessa mulher empreendedora.
Nota-se que, na fala de Emília, o pai aparece como sendo alguém que é
diferente por desejar a estabilidade. A atividade empreendedora, para o pai dela, é
arriscada por não fornecer uma garantia de renda no futuro. Em outras palavras, o
empreendedorismo pode não trazer uma aposentadoria tranquila. Apesar de o
empreendedorismo ser considerado pela sociedade como uma característica
individual que é transmitida aos filhos por pais empreendedores, quando se olha
para a experiência Emília, percebe-se que o comportamento do pai é subjetivado de
modo único, resultando não na conformidade ao padrão, mas no desafio. O
empreendedorismo representa a ruptura com o sentido que lhe foi passado pelo pai
em relação aos negócios.
Por segurança do meu pai [...] “Você no futuro você vai ver. A tua aposentadoria vai ser terrível. Uma hora você vai ter que parar de trabalhar”, ou então ele quer que você faça um pé de meia agora. Então ele diz “você tem que guardar. Você não tem aposentadoria.” A [aposentadoria] dele é assim. Você não tem, vai trabalhar o resto da vida? A minha mãe até que não liga.
108
A partir da fala de Emília pode-se perceber que a atividade empreendedora
é utilizada como meio de desafiar o status quo. A atividade empreendedora para
Emília não é “certinha”, é algo que gera enfrentamento, certo risco que ela encara e
que parece lhe trazer satisfação e orgulho.
Apesar de garantir que não havia nada de diferente em seu histórico, ela
relata que possui diagnóstico de hiperatividade.
Eu tenho o diagnóstico de hiperatividade, que naquela época não existia, isso é uma coisa nova. As crianças de agora que têm. Na minha época não tinha.
A subjetivação do diagnóstico de hiperatividade faz com que os
comportamentos desde a infância sejam relatados de modo a justificar seu
comportamento frente às várias situações da vida.
Desde aquela época eu tenho que fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo. Minha mãe que dizia que eu assistia televisão, fazia crochê, tocava flauta e lia livro, tudo ao mesmo tempo.
Ela relaciona em uma mesma informação a justificativa de sua necessidade
de fazer várias coisas ao mesmo tempo e a relação da mãe que parece também
reforçar o seu comportamento que a direciona a realizar “coisas produtivas”.
Eu acho que desde que eu tinha uns seis ou sete anos eu fazia, por exemplo, roupa de crochê para boneca Susi e vendia na escola. Isso era normal. Pintava gesso e vendia. Então essa parte de coisa assim eu fazia desde muito criança. É porque eu tinha que fazer, tinha que fazer alguma coisa e aí acabava fazendo alguma coisa produtiva. Daí fazia as roupinhas da Susi, embalava pra vender.
Esse comentário representa um sentido subjetivo central na configuração
subjetiva do empreendedorismo na vida de Emília. Sentido esse que tem sua
expressão principal do modo como age atualmente.
Parada, por exemplo, até hoje eu não fico. Eu fico no note, eu faço tricô ao mesmo tempo e eu assisto televisão. Quando eu chego de noite, são as três coisas que eu faço para sentar, para relaxar. Se eu ficar com uma só delas não dá certo.
Justifica a atividade empreendedora como um resultado de sua ânsia por
fazer várias coisas ao mesmo tempo. A confiança de que, de qualquer maneira, vai
conseguir, por poder fazer muitas coisas, o que indica a confiança que possui na
109
própria capacidade. Não há menção de outra pessoa também trabalhar para
conseguir o sustento, pois ela afirma:
- Não tenho esse medo de que eu não vá conseguir sustentar, que eu não vá conseguir sustentar [...]. Por exemplo, eu fiquei de licença-maternidade, foi bem na época que surgiu o cachecol feito com aquelas lãs importadas. Eu fazia quatro cachecóis por dia, minha mãe tinha uma barraquinha na feirinha hippie. Todo domingo de manhã eu chegava, largava lá vinte, trinta cachecóis e vendia. Não entendo que você não consiga ganhar dinheiro. Não acho uma dificuldade. Alguma coisa eu vou conseguir fazer, alguma coisa eu vou aprender. De algum lugar vai sair dinheiro.
O uso da expressão “não entendo que você não consiga” dá indícios de que
ela não se vê nessa situação, não faz empatia com a insegurança demonstrada por
outras pessoas em não conseguir o sustento.
A confiança também está centrada na capacidade que ela acredita possuir.
Ela acredita que possui capacidade para aprender e extrair do aprendizado algo útil.
A segurança baseada na crença em sua própria capacidade é elemento que compõe
a configuração subjetiva de Emília. Ela se considera capaz e suas ações são
direcionadas de modo a corroborar este comportamento (morar sozinha, não
terminar o curso de engenharia, abrir a empresa, entre outros).
Um indicador de sentido subjetivo que surge na entrevista e no complemento
de frases está relacionado com a palavra realizar. Por meio da atividade ela pode
realizar. Aliado ao sentido subjetivo dado à hiperatividade, o empreendedorismo
para ela é a possibilidade de fazer algo produtivo e na velocidade que ela considera
adequada. Emília se vê como alguém que não se prende a tarefas desnecessárias e
vagarosas. Para Emília, ela é alguém que “deve” fazer várias coisas ao mesmo
tempo. Assim, com a atividade empreendedora ela pode fazer aquilo que
supostamente deve fazer respeitando seu próprio tempo. No complemento de frases
ela relata que tem medo do ócio. Pode-se imaginar que o medo do ócio esteja
relacionado com a imagem que ela tem dela mesma. Ao não realizar, ao não fazer,
ela não se reconheceria. Aparentemente, o que ela teme com o ócio é perder a
identidade de realizadora.
Ela tem o dever de assumir responsabilidades, de estar no controle e isso
não está livre de contradições e desejos que indiquem outros caminhos. O dever se
une a outra palavra que pode também fazer parte da configuração subjetiva da
empreendedora: depender.
110
Quem eu realmente sou enquanto empreendedora: uma pessoa executiva. O que eu mais detesto ao dirigir minha empresa é depender da mão de obra alheia.
Como ela tem que estar no controle e realizar muitas atividades, isso fica
comprometido quando tem que contar com a colaboração de outros o que a deixa
em situação desconfortável.
É que eu odeio pedir. Se eu pedir pra você e você não fizer e eu tiver que ficar te cobrando é mais fácil eu mesma fazer. Eles eram vendedores da [nome do antigo empregador] junto comigo, eles já sabiam que eu era assim, então todo mundo se folga. É bem melhor deixar para a Emília, porque se não ela vai ter um ataque. Melhor deixar que ela vai fazendo. E foi fazendo assim. Tanto é que hoje nós só somos em dois. Um dos vendedores, a gente comprou uma parte três anos atrás e o sócio investidor a gente comprou a parte ano passado.
O desconforto aparece também quando lhe é solicitado relatar a situação
mais marcante da vida da empresa. Imediatamente ela afirma que foi a falta de
conhecimento do negócio:
Eu era funcionária, sempre fui funcionária, sempre fazia minhas coisas, mas quando a gente resolveu abrir aqui nós éramos quatro sócios. Um fazia o administrativo financeiro, projeto era meu e eu tinha dois que eram do comercial. Então pra mim projeto era meu. Projeto. Então eu ia viabilizar projeto, fazer medição e atividades relacionadas. Quando caiu aqui, o pessoal do comercial não sabe fazer, não sabe que existe funcionário, lei de trabalho. Não sabe nada. E o [responsável] administrativo financeiro não ficava aqui, porque ele era investidor, sócio investidor. Ele não aparecia aqui. E aí eu descobri que eu ganhei... O que é você ter um negócio. Resolver como é que liga o esgoto... A SANEPAR, como é que junta, porque aqui eram três lojas, como é que tem que juntar, porque o funcionário tem que ser registrado, porque o computador tem que funcionar, tem que fazer um contrato com a empresa de sistemas de informação. Tudo isso, é claro, como eu era advogada eu tinha uma visão, só que o que eu abracei era muito maior do que eu imaginei que eu iria abraçar.
O saber sempre esteve associado com poder. Saber é uma das formas de
controlar e ter poder sobre diversas situações. A falta de experiência a incomoda e a
impele a assumir o controle da situação. O desconforto com a falta de experiência
funciona aqui como motivo para o desenvolvimento de novas habilidades. Emília, ao
se deparar com a falta de conhecimento, é impelida a tomar o controle novamente
da situação, o que a faz aprender, buscar o conhecimento que lhe permita voltar ao
controle.
111
Ela relata que o que mais detesta na atividade é depender da mão de obra
de outras pessoas. Esse relato quando adicionado com a motivação para
empreender (“decidir minha vida”) dá indícios do indicador de sentido subjetivo na
configuração subjetiva de Emília que pode ser resumido na palavra: poder. A vida
de um indivíduo é experimentada em sociedade e mesmo as decisões mais íntimas
são feitas em determinado cenário e afetam toda uma rede de relacionamentos. No
entanto, para Emília, isso não parece ser algo confortável ou desejável. Quando se
vê na posição de necessitar dos outros (mão de obra de trabalhadores) ela afirma
que “detesta” por não poder controlar. O empreendedorismo para Emília é
configurado como algo que lhe dá poder. Por meio da atividade ela satisfaz o seu
ímpeto realizador. Na análise do conjunto das respostas do complemento de frases
o elemento realização aliado com o poder parecem constituir elementos centrais na
configuração subjetiva do empreendedorismo para Emília.
Emília relata como uma característica sua a lógica e essa característica, na
opinião dela, a ajuda na tomada de decisão a respeito de negócios.
Eu sou uma pessoa extremamente lógica. Extremamente lógica. E número é número. Então você tem que me provar. “Se eu vender tanto, quanto que
é meu imposto?” “No Simples é tanto, se eu for para o Real [sistema de
tributação] é tanto, se eu for para o presumido é tanto. Para render tanto então eu tenho que aumentar o meu Markup, para aumentar o meu Markup eu tenho que ter mais clientes, pra ter mais clientes eu vou ter que ter mais projetista, eu vou ter que ter outros elementos. E hoje não existe mão de obra. Eu vou ter que ter mais um vendedor. Hoje eu transporto e monto um caminhão por semana. Se eu quiser vender mais eu tenho que ter mais um caminhão, eu tenho que ter mais montador. Eu tenho vaga de montador aberta há seis meses e não consigo preencher. Então vale? Não. Não vale. Aumento o meu Markup, vendo menos e tenho igual. Então as minhas decisões são extremamente lógicas, por isso que dificilmente a pessoa consegue [convencer]. Primeiro que eu não gosto. Dificilmente alguém consegue tirar essa decisão, porque ela é muito lógica.
A subjetividade social sobre o empreendedorismo aparece delineando o
fenômeno como sendo um espaço simbólico ligado à racionalidade. A emoção não
tem espaço no ambiente de trabalho, somente a lógica e a razão. As relações
emocionais são deixadas para outro espaço de constituição subjetiva e aqui
substituídas por relações de negócios, lógicas e racionais, palavras que se juntam
para formar um indicador de sentido subjetivo que compõe a configuração presente
no ser empreendedora.
112
A atividade, para ela, também lhe permite trabalhar sem que tenha que
respeitar o horário comercial que é um tempo imposto pela sociedade – um relógio
social. A atividade empreendedora lhe dá flexibilidade, que ela relata como lhe
dando sentimento de liberdade, mas que lhe permite respeitar o tempo de seu corpo.
Do que eu gosto? Da liberdade. Eu não gosto de trabalhar pela manhã. Se você me pega às sete horas da manhã eu sou um zero. Se você me pega às sete horas da noite eu estou começando o meu dia. Pra mim, se você me diz “Emília, agora vamos trabalhar até as duas da manhã?” “Vamos! “Emília, vamos chegar as sete pra trabalhar?” Não adianta. Minha cabeça não funciona. Só que isto aqui eu consigo. Eu consigo chegar aqui as dez, dez e meia, sentar e ficar aqui até nove e meia, dez horas fazendo o meu serviço. Eu consigo. Eu entendo que se eu estou de noite em casa com o meu notebook, assistindo televisão e eu estou lá vendo o Simples [sistema de tributação], porque, descobrindo, analisando, eu estou lá pensando, eu estou trabalhando. Eu não preciso estar aqui sentada e um chefe me olhando, dizendo “nossa, ela está lá fingindo que está escrevendo.” Então isso pra mim é o que mais importante. Essa liberdade.
Flexibilidade aparece como um elemento que é subjetivado na forma de
liberdade. O empreendedorismo aparece como algo que lhe dá liberdade. No
entanto, ao analisar a fala de Emília percebe-se que a possibilidade de respeito ao
seu relógio biológico como pode ser notado na frase: “Eu não gosto de trabalhar
pela manhã” é fator relevante – as horas que trabalha são muitas, mas Emília tem a
possibilidade de executar suas atividades em horários que lhe são mais
convenientes. A função de homogeinização do tempo social, determinando que as
pessoas trabalhem das 08h as 18h, não respeita os interesses ou o tipo de
constituição biológica dos sujeitos. O tempo social – marcado pelo relógio - é
diferente do tempo biológico e não o respeita. O tempo destinado ao trabalho na
sociedade moderna não leva em consideração se o indivíduo não se sente disposto
pela manhã ou precisa de algumas horas de descanso durante a tarde.
Pode-se perceber que ao empreender, Emília firma-se como sujeito da
própria história, com possibilidade de trabalhar em acordo com o seu tempo e suas
características.
113
4.3.2 Subjetivação da condição de mulher
Ser mulher significa responsabilidade que não pode ser transferida a outros.
No complemento de frases, a junção de algumas frases pode dar indicação dos
elementos que compõem o sentido subjetivo de gênero para esta mulher:
Ser mulher significa não ter opção de não assumir responsabilidades. Eu gostaria de poder falar que faça você mesmo. Eu secretamente gostaria de, às vezes, não me importar.
A palavra responsabilidade pode significar ônus, carga ou dolo. Na fala de
Emília, esse sentido de ônus pode ser também evidenciado quando ela diz que em
algumas ocasiões, gostaria de passar um pouco de responsabilidade para os outros
e, ainda, secretamente, ela queria não se importar. No entanto, a responsabilidade,
o peso de ser mulher está presente e é ela quem assume tudo. Esse sentido dado
ao gênero pode ser visto também quando ela afirma que é provedora do lar, que
trouxe o marido para trabalhar com ela, mas é dela sempre a decisão final. Essa
percepção que ela possui a respeito da condição de mulher pode não ser diferente
daquilo que qualquer pessoa que é responsável pelo provimento da família. No
entanto, a subjetivação da condição de mulher para ela representa a condição de
responsabilidade intransferível.
Emília considera-se uma mulher diferente, pertencente a um grupo
específico – mulheres de sucesso. Não são todas as mulheres que pertencem a
essa confraria, apenas aquelas que desfrutam de sucesso profissional, como ela
própria. Elas falam a mesma língua e por isso compreendem uma à outra.
Por exemplo, todas as clientes mulheres que têm dinheiro, normalmente elas são minhas clientes. Quando a decisão é feminina, normalmente ela acaba virando minha cliente, não do meu sócio, mesmo que ela tenha entrado por ele. Até porque a comunicação é mais fácil. Quem sabe por ela ser uma empreendedora, ela entender, tipo assim, quando você fala que não dá, não dá, ela sabe que no negócio dela também tem coisa que não dá pra ser feito. E o primeiro impacto comigo é complicado, porque como eu falo alto, eu falo rápido, eu digo: “Não dá pra fazer, não tem como fazer nesse prazo”. A pessoa às vezes fica assim, mas depois com o tempo ela percebe que eu digo “não dá pra fazer, mas vamos tentar fazer assim”, porque se eu falar que vai fazer, vai fazer. Então no final meus clientes voltam sempre pra mim. Eu acho que é um relacionamento... Depois que aprende, porque a primeira vez, no telefone assim quando cai de pára-quedas no meu colo, nunca dá certo.
114
O sentido subjetivo de gênero ao mesmo tempo em que é configurado pela
responsabilidade é também motivo de orgulho quando se alcança sucesso
profissional. A definição do espaço simbólico de gênero, uma produção cultural,
além das emoções particulares, como neste caso, o orgulho de pertencer a uma
classe especial (mulheres de sucesso), estão configurados na história de Emília. Em
outras palavras, a configuração de gênero, além da concretude de sua vivência,
sempre integrada a processos emocionais está ligada às ações do sujeito – o falar a
mesma língua e reconhecer-se no outro e ao ter o ônus por tudo que acontece à sua
volta.
As relações familiares atuais aparecem pouco no relato de Emília. Parece
que a empresa e a casa são meticulosamente separadas. O marido não toma parte
no processo decisório. Ele foi contratado com uma descrição de cargo bem
específica que parece executar sem problemas. Ele também é o responsável pelo
cuidado da casa.
Então eu precisava de alguém de confiança pra fazer isso, daí veio o meu marido pra cá. Então hoje o meu marido é funcionário aqui. Ele fica com o administrativo financeiro, mas o administrativo financeiro operacional, não é o administrativo financeiro.
Mesmo em relação aos filhos ela não espera, ou melhor não quer, que eles trabalhem com ela:
Eu já falei para os meus filhos que eles têm o melhor estudo que eu posso dar. O melhor que eles podem ter, o problema é deles. Depois dos dezoito, dezenove eu não tenho que deixar nada pra eles. Eles tiveram toda condição pra ir pra frente. Vão fazer a vida deles. Espero que eles não fiquem sob as minhas asas. Não sei se com um negócio ou se com um emprego. Não sei. Mas não vão ficar dependendo do que eu vou fazer. A minha filha fala “ah, eu vou fazer arquitetura e vou ficar aqui na loja.” Eu falo “o primeiro emprego? Você vai vir pra cá quando eu me aposentar.” Não tem como ter filho e filha aqui como o primeiro emprego. O primeiro emprego na loja da mãe. Não tem. Não vai aprender nunca a fazer nada.
Todas essas experiências foram subjetivadas e compõem a configuração
subjetiva de gênero para esta empreendedora em que prevalecem os sentidos de
dever, controle e racionalidade.
115
4.4 IDA
Ida é uma jovem de 24 anos. Muito bonita, de estatura mediana, sorriso
largo, cabelos negros e longos que mantêm soltos. Usa roupas alinhadas com a
moda atual e saltos altíssimos. Não usa jóias pesadas, apenas pequenas peças
elegantes. Ela me recebeu na sede da construtora que fica em um edifício no bairro
Batel, em Curitiba.
Ela é administradora, casou-se aos 16 e com 18 anos já havia se tornado
mãe de duas crianças.
Ela conta que teve uma infância difícil marcada pela condição financeira
instável que o pai tinha. Relatou que viu seus pais perderem, aos poucos, os bens
materiais que possuíam. Esse fato fez com que a família tivesse que se mudar para
a casa dos avós quando ela tinha oito anos. Lá ela devia pedir autorização para abrir
a geladeira e os tios diziam que ela e os irmãos eram “maloqueiros”. Para superar
os problemas que via nessa condição, ela começou a frequentar e participar
ativamente das atividades da Igreja Católica. Quando completou 14 anos conheceu
o marido e começaram a namorar. Aos 16 anos se viu grávida do primeiro filho, uma
menina. Casou-se e mudou-se para Porto Alegre, cidade na qual começou a
frequentar a universidade. O marido resolveu aceitar uma proposta de trabalho no
Rio de Janeiro, lá nasceu o segundo filho, um menino. Nessa ocasião ela tinha 18
anos e não frequentava mais a universidade em função da mudança de cidade.
Logo em seguida a família voltou a Curitiba também em função do trabalho do
marido. Ele resolveu abrir uma empresa e Ida voltou a estudar, agora em um curso à
distância e que demandou dela a ida, uma vez por semana, ao pólo da Ulbra em
Curitiba.
A empresa foi montada quando ela tinha 19 anos, começou muito pequena,
experimentou um bom crescimento, mas logo apresentaria problemas financeiros.
Ida percebeu a gravidade da situação e intimidou-se diante das dificuldades, Nessa
época ela deixou o marido, que ficou responsável pelo cuidado dos filhos,
resolvendo “viver um pouco da juventude que não havia experimentado”. Começou a
trabalhar como corretora de imóveis, que a princípio não lhe trouxe os rendimentos
esperados. Ela então passou a observar os melhores vendedores e agir de forma
semelhante. Os resultados foram imediatos e ela começou a ter bom rendimento
116
financeiro. No período de dois anos em que esteve separada do marido ela
experimentou a vida de solteira que desejava: namorava, frequentava a noite
curitibana e, na mesma época, adquiriu o hábito de fumar. Depois de um tempo e
alguma reflexão, ela percebeu que a vida que estava levando não a agradava e
resolveu retomar o casamento, o cuidado com os filhos e a empresa.
Hoje ela relata novamente problemas financeiros e também desajustes no
casamento. Ela não tem vontade de viver longe do marido, mas admite que algo
precisa ser mudado.
4.4.1 Subjetivação do empreendedorismo
O ramo de atuação da empresa de Ida é a construção civil. Ele tem
tradicionalmente sido ocupado por homens e isso está refletido na participação das
mulheres nos cursos de engenharia. Rotsen e Resende (2007) afirmam que entre
1991 e 2002 a participação feminina cresceu passando de 17 para 20% do total de
estudantes, mas ainda é pequeno se comparado com outros cursos.
Trata-se de setor industrial que responde por cerca de 10% do Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro e é intensivo em mão de obra, inclusive não
qualificada. Além da participação econômica no PIB, o setor da construção civil,
segundo Abiko, Gonçalves e Pino (2005), tem importância social em função de dois
aspectos: geração de empregos proporcionada pelo setor e possibilidade de atender
ao elevado déficit habitacional no Brasil. Os investimentos previstos para o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal para os anos de
2011 até 2014 chegam a 137 bilhões de reais. O PAC foi o grande impulsionador do
setor nos dois últimos anos e as projeções com a Copa de Mundo de 2014 também
irão movimentar o setor em Curitiba.
Ida não escolheu a construção civil, mas foi levada pelo marido que é
formado em Engenharia da Produção Civil e resolveu montar a empresa em função
de sua experiência no ramo.
117
Valorização, desafio e superação são temas que se articulam na fala de Ida.
O empreendedorismo é visto como uma redenção da infância difícil que deve ser
superada. No entanto, ela ainda luta por sua valorização como empreendedora.
Ela fornece um indicador de sentido subjetivo do que considera importante
que é a superação das dificuldades vividas na infância. A situação financeira é
recorrente no relato de Ida e isso foi entendido como um fator que contribui para a
subjetivação da atividade empreendedora que é desenvolvida atualmente por ela:
É difícil falar da minha infância. Eu tive uma infância muito conturbada. Acho que essa é a palavra correta para falar sobre isso [...] Meu pai perdeu o emprego e entrou em depressão [...] e ele veio a perder tudo. Então, eu vivi com dificuldade financeira[...] Então meu pai resolveu montar uma empresa de programação, mas pelo estado dele de depressão, muita irresponsabilidade, então. A minha infância, a partir dos seis, sete anos, eu lembro dela assim: eu tendo as coisas, eu estudando em colégio particular, eu tinha uma situação financeira estável e dali a pouquinho já não tinha a casa. Eu lembro a primeira vez que eu fui para um colégio público. Eu lembro que foi traumático para mim porque o que os professores estavam apresentando eu já tinha aprendido e eu como criança cheguei em casa e falei: eu não quero ir mais para a escola porque já sei tudo. Isso era mais ou menos com oito anos de idade....as coisas não estavam bem porque era muita briga, discussão dos meus pais, eles entravam no quarto, brigando, discutindo e falando. Ai foi o momento que eles venderam a casa, a gente saiu da onde a gente morava e fomos para uma casa alugada. Ali eu já senti, né? Mesmo eu sendo criança, eu já sabia que isso daqui já não é mais meu...sabia que a casa não era nossa...aí meu pai vendeu o carro e aí ele comprou computador [para a empresa própria] Então, aí ele comprou vários computadores para começar a empresa de programação.[...]. Foi aí que meu pai começou a se desfazer de cada máquina, aí eu comecei a perceber que não estava bem novamente..Minha mãe chorava e nesse momento ela engravidou do caçula.
No complemento de frases, a motivação para empreender é também
associada à questão financeira. Esse tema parece ser a grande força
impulsionadora da atividade empreendedora desenvolvida por Ida. A
empreendedora, ao falar dos motivos que a levam a empreender, atribui ao desejo
de ganhar dinheiro. Isso pode ter possibilitado o desenvolvimento de seu potencial
como empreendedora. Quando ela enfatiza o ganho financeiro, existe um sentido
subjetivo sobre a atividade empreendedora e o que espera que tal atividade lhe
proporcione hoje.
118
Eu abri a empresa porque eu queria ganhar dinheiro! A verdade que todos começamos com um sonho e ele está ligado ao nosso lado profissional, mas sempre o principal objetivo é arrecadação de lucros, dinheiro está relacionado à saúde e bem estar do indivíduo.
Em relação ao gênero e ao mundo dos negócios percebe-se ainda certa
discriminação. Ela entra no mundo dos negócios em 2005, no início do século XXI,
em uma sociedade que supostamente não estranha a presença de mulheres no
espaço de negócios. No entanto, o cotidiano dessa mulher não corresponde à
evolução pretendida pelo movimento feminista. Destaca-se aqui a seguinte fala que
evidencia o que ela mesma parece pensar a respeito da atuação no ramo da
construção civil:
Às vezes, eu pego os operários conversando e rindo de arquiteta: ...aha...fica se achando, pensa que sabe alguma coisa de construção civil..... [...] acabo vendo que existe mesmo preconceito [contra mulher].
Ela sente a desvalorização e a atribui ao ramo em que atua. Fala da minha
formação e imagina que, por ser professora, a situação seja diferente:
Acho que professora sempre foi assim: meu Deus, né? Professora sempre se sobressaiu sobre professor. Eu acredito nisso. [...] Acredito que existem atividades em que a mulher é mais valorizada.
A palavra valorizar significa reconhecer o mérito. Aqui parece que, por mais
que deseje ver seu mérito reconhecido, ela percebe que isso ainda está para ser
concretizado. Outra informação em relação à participação e reconhecimento do
valor como empreendedora é reforçado quando Ida fala da relação que mantém com
o marido/sócio:
Eu posso falar assim que os colaboradores me olham como profissional e o meu sócio, meu esposo, me olha muito como mulher. E essa é a minha briga constante dentro da empresa.
Ao exercer a atividade, ela se descobre empreendedora e gosta. Relata que
ficou “alucinada” pela empresa.
Eu fiquei alucinada porque eu nunca tinha trabalhado. [...] Eu achei o máximo. Eu adorava, até porque eu estava fazendo junto com a faculdade. Tudo que eu aprendia eu queria implantar na empresa. Eu fiquei bem louca. Mas o que eu não queria era deixar também o (nome do filho).
119
As emoções de amor pela atividade empreendedora se misturam com a culpa
por deixar o filho pequeno em casa para poder trabalhar. Amor e culpa, associados
com renúncia e apego tomaram forma na configuração subjetiva sobre a
maternidade e o empreendedorismo que pode ser resumido no indicador de sentido
subjetivo desafio.
- Posso dizer que meus filhos fazem literalmente eu acordar todos os dias e receber meus dias sempre com sorriso em meus lábios, eles são o motivo da minha superação diária! - Meu futuro como empreendedora é trabalho, criatividade e persistência. - Tenho medo de falhar! - Eu secretamente tenho vontade de sumir, quando encontro obstáculos, mas não posso recuar.
Essa análise é reforçada quando se olha para o complemento de frases no
qual Ida relata:
Ser empreendedora significa amar desafios! É saber estar no comando, sem deixar a razão superar o coração! É confiar no sexto sentindo em seus negócios!
Na constituição da subjetividade de Ida, ser mulher e empreendedora são
dois espaços simbólicos que não estão separados. O espaço simbólico produzido
pela cultura em relação ao gênero é subjetivado juntamente com o espaço simbólico
associado ao empreendedorismo. A subjetivação da porção mulher interfere na
atividade empreendedora que, por sua vez, está constantemente sendo subjetivada.
4.4.2 Subjetivação da condição de mulher
O processo de produção subjetiva de um indivíduo do mundo dos negócios
em que o gênero parece contar como elemento importante pode dificultar a atuação
da mulher porque pode impedir que ela apresente comportamentos/sentimentos que
sejam considerados por meio da subjetividade social como “femininos”.
Ida utiliza símbolos de feminilidade representados pela maquiagem, jóias e
roupas. Trata-se de indicador de que a aparência é elemento que compõe sua
configuração subjetiva. Ela, sendo ainda muito jovem, já passou por uma cirurgia
plástica e deseja outras. Quando pensa no futuro, é sobre aparência que reflete:
120
Eu já estou começando a ter umas crisezinhas de idade. De olhar no espelho e falar “Meus Deus estou envelhecendo. Isso daqui eu não tinha, isso daqui eu também não tinha.” Eu acho nos próximos cinco anos eu vou estar crescendo e também envelhecendo, que é fato.
O gosto pela atividade empreendedora é evidente, mas isso não está livre
de contradições e renúncias, pois para empreender é obrigada a deixar o filho
pequeno aos cuidados de outras pessoas. Isso entra em conflito com a atividade
que a jovem empreendedora descobre e que lhe traz emoções positivas (como a
alegria) e de orgulho como é evidenciado na frase: “A verdade é que precisamos de
aceitação e empresa é uma equipe e quando vemos as peças todas alinhadas e
girando com a sua capacidade trazendo elogios não tem como não se rejubilar!”. Tal
emoção associada ao fato de que ela teve que deixar o filho pequeno, ainda bebê,
aos cuidados de terceiros, lhe traz emoções conflitantes. Ao mesmo tempo em que
deixar a criança lhe traz possibilidade de dedicação ao negócio – o que gosta - lhe
impõe culpa pela exigência feita tanto pelas pessoas mais próximas, como pelas
vias da subjetividade social.
Daí o (nome do marido) falou: - Olha, eu vou montar a empresa e preciso que você me ajude. Então minha vida virou trabalho, faculdade, filho. Essa é uma das coisas assim na minha cabeça que pesa - como mulher. Eu ficava com eles [os filhos] mais nos finais de semana. Chegava em casa com os peitos cheios de leite (ela ri). Ia amamentar e pegar meu filho. Assim, contato mesmo, era mais à noite depois de voltar da aula (mostra emoção - chora). Mas foi bem difícil assim pra mim, eu chorava, eu não queria.
A trajetória de Ida, que deseja uma vida diferente daquela que foi levada
pelos pais, evidencia a sociedade de consumo atual e a trajetória de vida como
elementos sociais e individuais que se configuram na sua subjetividade. A sociedade
de consumo em que vivemos a faz desejar coisas que somente podem ser
adquiridas quando se tem dinheiro. A possibilidade de repetir a história dos pais a
assusta e a leva a sair da empresa e do casamento.
No começo [quando resolve sair da empresa e arrumar um emprego formal] eu não sentia nenhuma saudade [da empresa], eu estava meio traumatizada. A empresa estava com muitas coisas pendentes. Clientes que não pagavam, começou a gerar dívidas. [...] vende carro para pagar dívida....eu senti como estivesse acontecendo como na minha infância. Exatamente igual a quando meu pai foi perdendo as coisas. E eu não queria passar por aquilo. Foi até uma decisão de ir embora porque eu não queria passar por aquilo. Eu não queria perder as coisas.
121
O empreendedorismo aparece para Ida como uma forma de redenção da
vida que levou quando criança e também como possibilidade de atender às
necessidades de consumo impostas pelas diversas vias da subjetividade social. No
entanto, ao perceber sua trajetória, pode-se conjecturar que o que realmente
acontece é a repetição da trajetória dos pais.
As relações familiares se interpõem ao negócio, juntamente com a
representação social do papel de esposa. Ela mesma, sem perceber, também se vê
como esposa e, em certos momentos utiliza isso como estratégia de convencimento.
Às vezes até eu chego a conversar com o meu sócio. [nome do marido] é que é meu sócio (ela ri) [...] Eu já cheguei a falar: olha eu não quero o engenheiro. Ou o engenheiro ou eu. Porque ele não tomava a decisão de mandar a pessoa embora. Então, a gente usa o lado mulher/esposa.
A contradição entre querer ser tratada como sócia e, ao mesmo tempo, usar
como estratégia/manipulação é elemento que constitui a subjetividade dela. Como
um sistema que contempla diversos fenômenos inclusive contraditórios não define o
indivíduo, mas auxilia na produção de sentidos subjetivos.
A representação que possui a respeito da mulher no mundo dos negócios
evidencia o conteúdo que lhe foi socialmente transmitido a respeito do que é ser
mulher. Ela relata que existem características associadas ao feminino que, por
vezes, são contraditórias àquelas representações sociais do indivíduo no mundo dos
negócios, em que a emoção não é uma peculiaridade bem vinda. Ida acredita que,
por ser mulher, sofre discriminação, mas, ao mesmo tempo, parece lhe trazer
alguma vantagem. Para ela, a mulher apresenta características diferentes dos
homens porque é indivíduo que expõe suas emoções. Ela ainda relata que tal
peculiaridade a torna uma pessoa diferente/melhor. Aqui ela parece não perceber
que tais diferenças são socialmente constituídas:
Eu acho que é o grande salto em relação ao homem. É exatamente isso o que eu vou falar agora. Mulher não é só razão. Ela tem muito a emoção. Por a gente ter esse lado emocional, eu transmito isso aos meus funcionários, eu me envolvo com eles emocionalmente. [...] Eu acho que isso foi o grande salto da mulher no mercado de trabalho porque eu acredito que alguns negócios precisavam mais de emoção do que só razão. Acho que essa é nossa diferença, esse é o nosso toque.
A forma como ela percebe a representação social da mulher é contraditória
àquela que lhe foi socialmente passada como correta para um empreendedor,
122
gerando sentimentos conflitantes. Ao mesmo tempo em que acha que a emoção é
algo positivo, percebe que elas devem ser suprimidas no mundo dos negócios:
Eu tenho muito essa questão da misericórdia, de me colocar no lugar, de...tenho uma paciência, as vezes, excessiva. Mas eu já estou começando a administrar. Eu tive muitas decepções, já fui pra casa chorando por causa de questão funcionário que eu vejo assim.... ...não vai rolar...vou ter que mandar embora. Não tem como.
[A emoção] É benéfica em algumas coisas. Sou nova e tenho muitas coisas pra aprender. Eu já vi que tem algumas coisas que eu vou ter que saber administrar porque não estão totalmente corretas. Então, como um ser humano que está crescendo, [...], eu tenho ainda muita coisa pra aprender. Eu vejo que 50% é bacana e 50% ainda tem de ser trabalhado porque eu sofro.
Cabe destacar a expressão “administrar os sentimentos”. Indicador de
sentido subjetivo. Ela acredita que, por ser mulher, tem sentimentos e por ser
empreendedora deve aprender a administrá-los. Em outras palavras, no mundo dos
negócios, os sentimentos devem ser planejados, controlados, comandados e
organizados. Ao serem administrados, os sentimentos podem, então, ser utilizados
para os negócios.
Destaque também pode ser dado ao fato de ela chorar por um funcionário.
O choro pode ter vários significados. Nesse caso, parece que o choro de Ida advém
de uma emoção e não de uma estratégia ou necessidade biológica. Aliado com o
complemento de frases, entrevista e impressões antes e depois da entrevista, é
possível conjecturar que o choro de Ida é de frustração. O funcionário não age em
acordo com o que ela esperava dele – uma dedicação maior ao trabalho e,
consequentemente, uma possibilidade maior de ganho financeiro para ela, trazendo-
lhe então desgosto ao perceber os resultados negativos de sua ação. O desgosto
que Ida enfrenta ao não obter o resultado que ela espera com sua “bondade”, que
não é valorizada se expressa também no sofrimento que é por ela relatado. Uma
das evidências de que ela chora por estar frustrada está na necessidade de
administrar os sentimentos. Ela precisa evitar que situações parecidas com esta se
repitam. Tal comportamento pode ser associado a uma das formas típicas de lidar
com frustração que é a esquivança de situações frustrantes.
As condições concretas em que Ida vive e as experiências que teve
evidenciam os momentos de transformação pelos quais a jovem empreendedora
passa. Isso mostra que a subjetividade não é estática e, ao modificar-se, carrega
123
consigo os elementos já subjetivados que servem como ponto de partida para a
transformação. No complemento de frases, quando Ida afirma que “Eu aprendo a
cada dia que tudo aquilo que eu pensava que sabia pode ser modificado e
transforma-se em algo totalmente diferente do que eu via.”, destaca-se a palavra
aprendo como um indicador subjetivo. Aprender pode ser associado a conhecer que,
por sua vez, pode significar provar, experimentar, saborear. Ao voltar à trajetória de
vida de Ida, percebe-se que, quando ela vê que a atividade empreendedora que não
corresponde aos desejos de superação da trajetória familiar, ela se separa do
marido por um período de dois anos, época em que também refletiu sobre ela
mesma e sua relação com os outros. Existe aí uma transformação da mulher, que
julga os outros com base em sua crença religiosa, para outra que é capaz de
aprender a complexidade do ser humano.
Acho que eu sou uma (usa o próprio nome) mais humana. Porque o que acontecia? Na minha adolescência eu era muito religiosa (ênfase em muito). Até eu me separar do meu esposo eu era totalmente religiosa. Então dentro desse quadro de trabalho intenso, eu ainda cantava na igreja, participava de aulas de canto na igreja, fazia teologia. Então era aquele mundo de religião e eu condenava as pessoas que traiam, fumavam, bebiam. A todos eu condenava. Nesse período [em que estava separada] é que eu comecei a fumar. Ansiedade, trabalho, eu estava comendo muito, então comecei a fumar. Aí comecei a sair com o pessoal, comecei a viver de uma forma diferente. Então eu fui vendo que as pessoas não mudavam porque elas tinham vícios. [Antes desse período] eu achava que este tipo de pessoa, com vícios, tinha que “desencapetar” (ela ri). Eu achava que elas possuíam algum espírito maligno do vício. Então [a experiência vivida] resultou em uma (nome próprio) que percebeu que era imatura. Eu achava que eu era muito responsável, mas aí eu vi que eu era bem criança.[...] Claro a gente vai se desenvolvendo, né? [...] O que eu pude perceber é que eu não era o centro do mundo. Eu deixei de ser o centro do mundo e eu comecei a ver que as minhas verdades não eram as verdades dos outros.
A constituição da subjetividade por meio da aprendizagem se une à
precocidade na compreensão do jogo da vida indicando momentos de
transformação. De uma pessoa muito religiosa que julga o outro com base naquilo
que ela considera como verdade absoluta, nasce outra mulher, mais humana. O que
significa então tornar-se mais humano? Ela mesma parece admitir que seria
incorporar a contradição e a complexidade de ser humano. Ela percebe agora que
ter hábitos ruins, como, por exemplo, fumar, pode acompanhar pessoas que são por
ela consideradas boas em outros aspectos. Ela admite a imaturidade que tinha para
compreender a complexidade da condição humana, mas mostra-se aberta para as
124
transformações que acompanham tal compreensão. Trata-se de mulher que
aproveita a experiência para se transformar.
A subjetividade social também está presente naquilo que ela imagina que
uma mulher deva ser/fazer:
Não sou dona de casa...(ela ri)...é uma vergonha...eu sei que para os pais...minha mãe.... agora ela já enche a boca assim: Ahhh... minha filha é empresária, não é dona de casa, mas no começo.....
O papel de mulher como dona de casa e, portanto, responsável pelo cuidado
da casa é reforçado pelo marido e por ela mesma. Ele “ajuda” em casa. Ajudar é um
verbo que significa socorrer, facilitar. Não há divisão, igualdade. O marido toma
conta de algumas coisas dele e não há menção de outras atividades que ele faça
para assumir o cuidado da casa. Ela mesma crê que é responsável por isso, apesar
de sua fala, ela não admite explicitamente. Quando fala da empregada diz “eu estou
com uma empregada”. Mesmo quando fala que transfere a responsabilidade do
cuidado da casa e das ordens à empregada ela pede à mãe, outra mulher, que faça
isso por ela. Na fala de Ida, por diversas vezes, ela mostra a emoção associada à
pressão sofrida por não querer ou não poder desempenhar determinados papéis que
são a ela atribuídos pelas diversas vias da subjetividade social:
O (nome do marido) ajuda. Ele passa a roupa dele. Porque eu estou com uma empregada muito ruinzinha assim, a gente proibiu ela de passar porque as nossas camisas são caras e ela já queimou uma duas e aí ela deu um prejuízo significativo. [...] Toda mulher tem essa questão que ela precisa também ser dona de casa....enfim a gente precisa ser tanta coisa, nesse mundo moderno, tem que ser mãe, tem que ser dona de casa, claro que eu fico chateada. Não vou dizer assim, ahhh ...eu não queria. Não, eu quero, eu quero aprender a ser uma boa dona de casa, mas eu fico pensando só quando e como que vai ser....porque...eu não vou dizer que meu foco está nisso. Eu tenho tantas coisas que estão na minha lista de prioridades. Ser dona de casa está na minha listinha, mas ela tá lá no finalzinho. Mas está na lista do que eu gostaria de mudar, de melhorar. [...] eu sempre tive dificuldade com essa história de casa, acho por causa de ter assumido muita responsabilidade: crianças, faculdade e mais a casa e não conseguia dar conta dos três. Então eram crianças e faculdade. A casa tinha que ter uma empregada.....ahh é complicado. Eu sou uma péssima dona de casa. Eu não sei nem orientar a empregada. Eu gosto que as minhas coisas estejam limpas, que eu chegue e encontre as coisas...mas enfim eu não falo: oh tem que fazer assim, acho tão bonitinho a minha mãe, porque eu a trago para orientar [a empregada].
As representações sociais de mulher parecem se impor àquelas de
empreendedora. Isso é evidenciado quando se olham as explicações e justificações
que ela fornece quando fala das obrigações supostamente que a mulher deve
125
desempenhar. Quando as atividades desenvolvidas por ela não estão em acordo
com as representações sociais, ela as justifica afirmando que “um dia” ela agirá em
acordo com tais representações.
A memória dos acontecimentos significativos marca a divisão do tempo para
a Ida, e a empresa é um desses eventos na vida dela. Em outras palavras, o tempo
é dividido não por dias, meses ou anos, mas por eventos marcantes. Assim, na
infância foi a brusca mudança de condição de vida, fazendo-a mudar de casa e
morar com os avós onde já não possui mais um quarto somente para ela e a
situação na nova escola que, pública, já não lhe oferece desafios porque já “sabe
tudo” em função da educação recebida até então em colégio privado. Na
adolescência foi o encontro com a religião, com o marido e o nascimento dos filhos.
Na idade adulta, a abertura da empresa. Com isso, a eminência de repetir a história
dos pais que se vêem obrigados a vender posses para cobrir dívidas e a
deterioração das relações familiares. Agora, o fato de deixar os filhos com a sogra
para poder exercer novamente a atividade empreendedora.
As transformações da vida levaram a configurar-se de forma diferente a
cada período. Na infância, a que sabe tudo; na adolescência, a religiosa, julgadora.
Na fase adulta, a mãe; depois aquela que compreende os outros e hoje a
empreendedora equilibrista. A configuração subjetiva de Ida não é algo estático e foi
se alterando em conformidade com a trajetória de vida e contexto. Isso é compatível
com o que González Rey (2005) afirma sobre a subjetividade ser um sistema em
constante transformação.
A subjetividade social e individual estão expressas em diversos momentos
na configuração subjetiva da jovem empreendedora. Por um lado, ela considera que
o pai, em função de sua experiência empreendedora, lhe transmitiu essa
característica. Por outro, a motivação para empreender aparece com as dificuldades
que a vida lhe impõe. O processo de subjetividade se processa com as crenças que
permitem que ela continue a “enfrentar desafios”. Para ela, trata-se de um dever. Ela
deve continuar mesmo frente a grandes dificuldades. Isso é evidenciado quando
complementa a frase: Eu secretamente “tenho vontade de sumir, quando encontro
obstáculos, mas não posso recuar”.
A constituição subjetiva desta empreendedora carrega todas as contradições
que um indivíduo experimenta no cotidiano. A compreensão dela a respeito do que é
126
ser mulher, esposa e mãe alimenta uma visão de conflito de papéis. Esse elemento
conflitante é subjetivado e aparece na atividade empreendedora realizada: confiar ou
não nas pessoas, mostrar ou não emoções, agir como sócia ou esposa, administrar
sentimentos.
A contradição não pode ser considerada um elemento negativo. Trata-se
apenas de evidência da complexidade da experiência de vida dos indivíduos, da sua
singularidade; a complexidade de lidar com a subjetividade social e individual. Na
jovem Ida, existe uma maneira singular de lidar com as demandas diárias de
sobrevivência, pois ela possui uma maneira pessoal de adotar valores e crenças
religiosas e relacioná-los ao mundo dos negócios. As suas emoções e sua atenção
estão voltadas atualmente à atividade empreendedora mais do que às suas relações
familiares. Confrontada com tais contradições ela ainda consegue dar sentido à sua
subjetividade empreendedora que é revelado na expressão Empreender é fazer a
diferença, é mudar o mundo para melhor!
O modelo conceitual da constituição subjetiva de Ida a partir do seu relato,
do complemento de frases e apoiado na base teórica, permite dizer que o
empreendedorismo na vida desta jovem é uma configuração de sentidos subjetivos
em que se sobressai a superação, com sacrifícios e contradições associados à sua
trajetória de vida. Trajetória esta que, de início, é de dificuldades e incompreensão
dos outros a respeito de sua identidade e missão na vida. Mas sua narrativa também
é de lutas, de ousadia e de superação.
127
5 CONCLUSÃO
A contribuição das mulheres que fizeram parte desta pesquisa no campo do
empreendedorismo se dá em função do pressuposto de que nenhuma ciência social
pode ser vista sob um único ponto de vista, pois a ciência é um exercício de
reflexão. Dessa forma, não há que se considerar a verdade como sendo um sistema
de significados prontos e acabados. A ciência está em movimento. Dessa forma,
respeitando as demais correntes de pensamento e suas contribuições, optou-se por
olhar para o empreendedorismo feminino a partir de uma concepção sócio-histórica.
Tal concepção possui suas raízes no trabalho de Lev Vigotski que advogou
por uma psicologia marcada pela interdisciplinaridade. O seu argumento principal
era de que o homem também cria o ambiente e, assim, pode fornecer novas formas
de consciência. Para o pensador russo, o psiquismo possui uma natureza cultural e
se desenvolve a partir da passagem do biológico para o simbólico. Em acordo com
os escritos de Vigotski, o homem é propenso para a experiência cultural para um
devir ou vir a ser humano.
O trabalho de Vigotski é fundamento, por sua vez, da teoria da subjetividade
de González Rey (2003, 2005), psicólogo cubano radicado no Brasil. Em coerência
como trabalho de Vigotsky, a subjetividade não é algo que possa ser apreendido em
sua totalidade, pois não se tem como pressuposto uma visão essencialista. Em
outras palavras, na teoria da subjetividade, o ser humano não possui uma “natureza
humana”, mas se faz humano no processo social, histórico e a partir de suas
condições concretas. Como pesquisadores, o que se pode fazer é compreender
como a subjetividade se processa naquele momento. González Rey esclarece que
sua teoria é oposta ao estruturalismo porque este último representa a morte da
subjetividade. Para ele, no estruturalismo, apesar de se partir da linguagem para
explicar a estrutura, o sujeito está diluído no discurso.
Na teoria da subjetividade de González Rey (2003, 2005) são trabalhadas
categorias que não ficam estagnadas, a subjetividade para ele é formada
simultaneamente no individual e no social. Dito de outra forma, a subjetividade é
formada no indivíduo e na família, no indivíduo e nas instituições.
128
A inovação de González Rey foi a percepção de que cada indivíduo, ao ser
participante do projeto humano de sociedade, contém uma configuração singular de
sentidos subjetivos. O conceito de sentido subjetivo enfatiza a relação entre o
simbólico e o emocional e não apenas do intelectual e do afetivo como em sua
leitura da obra de Vigotski. As configurações subjetivas surgem a partir de um
sistema composto de diversos elementos que estão presentes naquele momento
que podem, inclusive, ser contraditórios.
O ser humano se constitui no social, mas os elementos que são a ele
apresentados pelas diversas vias de subjetivação social, são também subjetivados
individualmente. Dessa forma, representações sociais, sentido subjetivo e atividade
não podem ser encarados como categorias separadas. Isso porque no processo de
produção humana não há relação de causa e efeito. Dessa forma, pode-se entender
a atividade empreendedora como estando orientada para a produção de sentidos
subjetivos porque ela não emerge da racionalidade, mas está entremeada de
sentidos.
A teoria de González Rey retoma o caráter dialético da constituição do
sujeito. A subjetividade social e a individual estão em constante movimento
formando a configuração subjetiva. A subjetividade social perpassa a individual e
está representada no contexto no qual se organiza a subjetividade individual. Não se
trata de um processo mimético, não está na palavra, mas na tensão da palavra com
o mundo subjetivo. A subjetividade individual, por sua vez, se produz em espaços
sociais constituídos historicamente (GONZÁLEZ REY, 2003).
Como se trata de uma teoria complexa, os métodos para empreender
pesquisas deste tipo não podem estar alinhados àqueles que buscam relações de
causa e efeito. Ciente dessa peculiaridade, González Rey propôs a epistemologia
qualitativa. As características do método proposto pelo pensador cubano são:
· Papel ativo do pesquisador sendo também considerado um sujeito da
pesquisa.
· Sujeito e objeto de pesquisa estão implicados um no outro.
· Não há realidade última, mas zonas de sentido, pois o conhecimento é um
processo em constante construção.
· O singular é espaço privilegiado para a construção do conhecimento
científico, pois o indivíduo carrega em si elementos do todo.
129
· A validade da pesquisa está na capacidade de ampliar as alternativas de
inteligibilidade sobre o fenômeno estudado.
De forma mais concreta, o método não estabelece categorias fechadas e
plenamente definidas, pois são consideradas processos. Os instrumentos de coleta
de dados utilizados para alcançar o objetivo desta pesquisa foram entrevista
semiestruturada e complementos de frases. Já a análise foi feita com a busca de
indicadores de sentido subjetivo. Esta técnica é recomendada por vários
pesquisadores que tratam do tema (AGUIAR; OZZELA, 2006; DOBRÁNSZKY,
2007).
A legitimação do conhecimento alcançado é processual. Dito de outra forma,
não deve haver expectativa de alcance da essência, mas de momentos de
inteligibilidade sobre empreendedorismo e gênero a partir do relato das mulheres e
da interpretação do pesquisador.
A escolha dos instrumentos está ligada ao pressuposto de que, ao relatar a
própria história, as empreendedoras tiveram a oportunidade de refletir sobre a
atividade empreendedora e a própria vida. Isso porque a narração de si pode ser via
privilegiada para o pensamento reflexivo.
Por meio da análise das histórias destas mulheres procurou-se identificar o
que era realidade para elas. Isso se deu por meio da palavra que fornece os
significados, que são por sua vez, concebidos na interação do sujeito com a
sociedade.
Procurou-se ao longo da entrevista dar possibilidade para que as mulheres
manifestassem livremente, até onde foi possível, seus desejos, emoções e
experiências contidas na representação delas mesmas. Isso possibilitou a captação
daquilo que Alves (1997) chamou de “encruzilhada“ entre o individual e o social.
Isso porque as configurações subjetivas são formadas pelos sentidos subjetivos, que
por sua vez, são constituídos individualmente, mas estão em constante interação
com a subjetividade social. Espaços de produção simbólica podem ser encontrados
na atividade empreendedora assim como em outros dos quais as mulheres
participam, passando a fazer parte da história delas.
Viver em um mesmo tempo e lugar e estar sob uma mesma cultura não
significa que a subjetividade social seja vivenciada por estas mulheres da mesma
forma. A categoria de sentido subjetivo permite incorporar as emoções do sujeito ao
130
processo de constituição da configuração subjetiva. Dessa forma, a experiência com
o empreendedorismo, embora vivido por todas as mulheres que empreendem têm
um valor emocional totalmente peculiar a cada sujeito segundo sua história de vida,
crenças e valores.
Analisar a constituição subjetiva da mulher empreendedora não foi uma
tarefa fácil. A teoria de González Rey, utilizada como fundamento teórico desta
empreitada, além de complexa é pouco explorada nas ciências sociais aplicadas.
As entrevistas efetuadas não resultam em modelos de generalização estatística para
a população de mulheres empreendedoras de Curitiba ou do Brasil. No entanto, a
partir do pressuposto que o indivíduo carrega em si elementos do todo, é possível
pensar o fenômeno empreendedor propiciado pelo relato destas mulheres. Na
análise procurou-se fazer uma síntese da biografia das respondentes enfatizando os
momentos em que as emoções, a atividade e representações sociais afloravam
reconstruídas pela memória. O relato delas foi feito pelas respondentes à luz de
suas representações atuais. Assim, mesmo ao falar de eventos do passado, tais
eventos passaram pelos filtros atuais, com justificações do sistema de
representações que elas possuem nos dias de hoje.
O empreendedorismo pode ser considerado uma das zonas que fornecem
sentidos subjetivos. Ele está presente em experiências sociais concretas que afetam
a subjetividade individual e os sujeitos, a partir destas experiências e (re)constroem
a subjetividade social. No entanto, não se pode chegar à configuração subjetiva do
empreendedorismo porque não existe somente uma configuração, mas muitas e
cada uma com suas especificidades. Dessa forma, a generalização que se pretende
aqui está associada à qualidade da informação coletada e das conclusões
alcançadas a partir das análises que foram sendo feitas.
As mulheres sem dúvida vêm ampliando, desde o início do século XX, sua
participação na sociedade, especialmente na esfera econômica. Na vida corporativa,
apesar de terem participação em quantidade bastante semelhante à dos homens, os
postos de comando ainda não são tão expressivos em quantidade (RAGO, 2003). O
empreendedorismo pode ser uma opção para aquelas que sentem as limitações do
ambiente de trabalho, impedindo suas conquistas. Assim, não é incomum encontrar
mulheres atuando como empresárias.
131
As empreendedoras entrevistadas são mulheres com idades entre 24 e 60
anos. Os ramos em que atuam são indústria metalúrgica, construção civil, indústria
moveleira e comércio. Cada uma das mulheres entrevistadas possui uma trajetória
ímpar.
Maria é uma mulher de 60 anos que se engaja na atividade empreendedora
como forma de suprir necessidades familiares que foram socialmente constituídas.
Nasceu em uma cidade do interior do Paraná, na qual os ideais do movimento
feministas chegaram com suavidade, fazendo com que ela se utilizasse de diversas
estratégias para conseguir fazer sua própria trajetória. Não se rebela totalmente
contra o sistema, mas utiliza meios para desafiar o que lhe é dado como certo, mas
que não lhe serve. É uma mulher de realização.
O modelo conceitual da constituição subjetiva de Maria a partir do seu relato,
do complemento de frases e apoiado na base teórica, permite dizer que o
empreendedorismo na trajetória desta mulher ao mesmo tempo em que concretiza o
desafio de menina, também é limitado pelas representações sociais relativas ao
papel de mulher. Dessa forma, desde o início de sua trajetória, a ruptura e a
reprodução de padrões estão presentes. Primeiramente foi o abandono da profissão
sonhada por que foi objeto de investidas do professor, e, mais tarde, ela reproduz
padrões ao optar por trabalhar com algo que é ligado ao universo dito “feminino”
como a mãe e as tias a ensinaram. A opção por trabalho como professora e depois
como vendedora de produtos considerados femininos não é aleatória, mas resultado
dos elementos que foram sendo subjetivados ao longo de sua trajetória. O
empreendedorismo para ela reflete aquilo que ela subjetivou como mulher e se
concretiza na expressão: empreender é fazer bem feito.
Isis é uma empreendedora de 44 anos que passa por momento de
transformação. Ela é filha de empreendedor, estudou para ser professora, trabalhou
em banco e tornou-se mãe. Cuidou da filha durante cinco anos e resolveu então
trabalhar, já que o marido possuía uma sociedade com ex-colegas de trabalho.
Aprendeu e incentivou o marido a sair da sociedade em que estava para abrir uma
empresa com ela. A empresa que criou com o marido prosperou, a filha cresceu e
ficou adulta e ela se descobriu na atividade empreendedora. Teve sucesso
financeiro, investiu suas emoções na empresa e agora se vê em momento decisivo
132
de sua trajetória empreendedora: vender a empresa. É uma mulher de coragem.
Empreender para ela é orgulho.
Emília, 44 anos, advogada, quase engenheira, gosta de fazer várias coisas
ao mesmo tempo e vê na atividade empreendedora um canal para sua
hiperatividade. É mãe, provedora do lar e empresária bem sucedida. Tudo isso lhe
dá sentimento de realização e orgulho. Empreender para ela é realização.
Ida começou a atividade empreendedora aos 19 anos ao mesmo tempo em
que recomeçava a vida universitária. Formou-se e hoje exerce atividade
empreendedora na construtora que criou com o marido. Em suas atividades diárias
na empresa ela executa tarefas que vão desde a administração até ir à obra conferir
o que lá está sendo feito. Para ela, a infância instável e conturbada tem influência
direta sobre o desejo de se firmar financeiramente na vida. Ela vê na atividade
empreendedora um meio de redenção da sua infância. Apesar de ser um fenômeno
criado na cultura, transmitido pelas diversas vias da subjetividade social e, portanto,
sofrendo influência do sistema econômico adotado no Brasil, o empreendedorismo
aparece como uma característica que é constituída na infância e pertence somente a
um indivíduo para Ida. Empreender para ela é superação.
Diferentemente da experiência das empreendedoras que viviam fora da
Capital, Emília, com 44 anos, relata que exercia atividades profissionais desde cedo
e não se referiu a nenhum tipo de proibição dos pais. Ela teve filho fora do
casamento, morou sozinha e hoje mantém união estável, coisas que pareciam
impensáveis para mulheres da geração de Maria que nasceu e foi criada no interior
do Paraná.
Maria e Ida utilizam símbolos de feminilidade e preocupam-se com a
aparência. Elas não se dão conta que possuir corpo magro e aparência impecável
são exigências sociais que o tornam também um objeto de consumo, um acessório
que deve obedecer a certo padrão. O padrão de beleza relega àqueles que não se
encaixam no padrão à exclusão social. A exigência social é re-significada na história
de cada uma delas e elas também ajudam a perpetuar tais padrões considerando-os
“normais” e também demandando dos outros.
Todas atribuem à providência divina a explicação do seu
sucesso/sobrevivência no mundo dos negócios. No entanto, apesar da confiança no
transcendente, elas assumem responsabilidade por seus atos. Elas agradecem à
133
providência divina, mas indicam que tomam conta da própria vida. Cada uma delas
faz sua própria história na medida em que subjetiva as experiências do cotidiano e a
partir destes elementos, que podem ser a infância difícil, a distância dos pais e/ou a
solidão, formam a configuração com a qual dão sentido e significado a novas
experiências. Todos esses elementos são subjetivados de forma única. Dessa
forma, para entender a entrada no mundo dos negócios não se pode desprezar a
história dos empreendedores, embora não se possa também fazer afirmações do
tipo: uma infância difícil leva a empreender ou pais empreendedores têm filhos
empreendedores.
O empreendedorismo não apareceu na pesquisa como um fenômeno
isolado na vida daqueles que empreendem. Ele é perpassado pela vida e, por
conseguinte, pelas transformações que nela ocorrem. Da mesma forma com que o
empreendedorismo é afetado pela trajetória de vida dos indivíduos, ele afeta
sobremaneira a vida da empreendedora e sua dinâmica familiar. Dito de outra
forma, a família interfere na dinâmica dos negócios, assim como os negócios estão
presentes na casa dos empreendedores. Algumas com maior ênfase, como no caso
de Ida e Isis, outras com o isolamento dos familiares para que não “atrapalhem” o
andamento dos negócios. Os problemas da empresa vão para casa, assim como os
problemas de relacionamento familiar aparecem no cotidiano da organização. Por
outro lado, as empreendedoras também se transformam no processo ao subjetivar
as experiências da empresa interferindo em seu lar e vice-versa.
Em todos os relatos, a abertura da empresa marca com tamanha força a
trajetória das empreendedoras que este fato não pode ser negado como constituinte
da subjetividade delas. Assim, pode-se concluir que o empreendedorismo se insere
na vida das pessoas, fazendo parte delas e não pode ser pensado como um
fenômeno com existência própria.
Os elementos que surgiram como indicadores de sentido subjetivo formaram
uma configuração única para cada uma das mulheres que fizeram parte da
pesquisa. Tal dado permite afirmar que os elementos que compõem a configuração,
apesar de serem socialmente constituídos, são subjetivados de maneira singular.
Cada uma delas, de seu modo único, é parte de um fenômeno social sem
que se dêem conta disso ou mesmo sem que elas estejam preocupadas com isso.
Ao viver, ao agir de forma empreendedora constroem suas identidades, quebram
alguns padrões e reforçam outros e, ao viverem suas vidas, se constituem sujeitos
134
da própria história. Com sua trajetória singular e forma específica de apreender a
realidade, elas deram origem a sentidos subjetivos particulares, apesar das palavras
que expressaram significados generalizados.
A configuração das mulheres, produto dos sentidos subjetivos, não
representa uma organização subjetiva universal e padronizada. O sentido subjetivo
da atividade empreendedora é distinto em cada empresária concreta. Cada trajetória
confere um caráter totalmente singular à atividade desenvolvida pelas mulheres.
Não há que se falar em característica de mulheres empreendedoras porque isso iria
contra o pressuposto adotado aqui de que o homem não traz dentro de si, ao
nascer, uma essência que o destinaria a certa atividade (a empreendedora, por
exemplo). Ao invés disso, cada empreendedora pode ser considerada uma
complexa síntese em que a universalidade se concretiza social e historicamente por
meio da atividade empreendedora que, por sua vez, é uma atividade social.
As trajetórias de vida das mulheres investigadas foram ímpares, mas
aconteceram sob um mesmo tempo e local. Assim, elas empreendem em uma
sociedade que, apesar das lutas de tantas mulheres por maior igualdade de gênero,
teve na industrialização o grande impulsionador senão da igualdade, pelo menos, da
abertura de opções para as mulheres.
A forma como elas empreendem é marcada por um tempo específico e local
determinado. Elas são mulheres e empreendem no século XXI, no Brasil. Isso
influencia a atividade desenvolvida. Dessa forma, o empreendedorismo é um sentido
subjetivo produzido na relação complexa entre as diversas formas de constituição
subjetiva (social e individual) e os cenários atuais dentro do qual essas mulheres
empreendem.
As representações sociais sobre o que é o empreendedorismo e o que é ser
uma mulher empreendedora não se impõem de forma absoluta, pois encontram um
indivíduo capaz de refletir e formular “teorias” próprias a partir das quais elas
justificam suas ações no cotidiano. As “teorias” que sustentam a atividade
empreendedora foram sendo incorporadas e, ao mesmo tempo,b delimitadas pelas
condições concretas em que viveram/vivem. A subjetivação acontece mesmo sem
que essas empreendedoras se dêem conta disso.
Sendo assim, quando se fala em essência empreendedora nada mais está
se referindo do que a um produto sócio-histórico e, portanto, não biológico. A
atividade empreendedora é apropriada e subjetivada por cada mulher singular ao
135
longo de sua vida em sociedade. E, portanto, nesse devir social e histórico que é
criado o humano.
Partindo do pressuposto que a universalidade pode ser alcançada se
mediada pela particularidade, pode-se chegar a algumas conclusões a respeito do
empreendedorismo.
O empreendimento como fonte de sucesso e de liberdade apresenta
aspectos contraditórios uma vez que, à primeira vista, permite que as pessoas se
sintam bem, orgulhosas de seus feitos. No entanto, exige delas certa dose de
sacrifícios (deixar os filhos aos cuidados de outros, ter que estar constantemente
cuidando de funcionários, ter que controlar o ímpeto perdulário do marido, trabalhar
12 horas por dia).
O empreendedorismo é um fenômeno social que no Brasil está, em sua
grande parte, ligado à lógica capitalista e tem sido colocado pelas diversas vias da
subjetividade social como medida de sucesso e riqueza e que deve ser preservado e
passado às gerações futuras. Todas as informantes da pesquisa mostraram
satisfação com a atividade empreendedora.
O empreendedorismo pode ser considerado um fenômeno social. Trata-se
de uma ação legítima em nossa sociedade. Apesar de ser um fenômeno relacional,
sua representação social é de processo individual. Em outras palavras, apesar ser
uma ação que se desenrola na sociedade e tem impacto sobre ela e, ainda,
considerando-se quando uma empresa é iniciada, em geral, isso é feito com
empenho de muitas pessoas, o empreendedorismo é visto como ação de um
indivíduo que possui características específicas – e, assim, ele é o único
responsável pelo sucesso nos negócios. O empreendedorismo foi subjetivado por
todas as mulheres como um fenômeno individual; como algo que possui conexão
estrita com o indivíduo. Elas relatam características pessoais quando perguntadas
sobre o que é ser empreendedor. Essa tendência individualista é também reflexo da
sociedade competitiva e individualista em que se vive no momento.
O sacrifício associado ao fenômeno empreendedor pode ser também tratado
como uma forma de justificativa para o sucesso alcançado. Elas têm sucesso e
dinheiro, mas isso deve ser justificado com certa dose de sacrifício, como se fosse
um preço a ser pago para justificar o sucesso alcançado.
As jornadas de trabalho impostas socialmente atribuem aos indivíduos uma
homogeneidade que eles efetivamente não possuem. O tempo para cada indivíduo
136
possui um sentido que lhe é peculiar. No caso de Emília, a manhã é sempre horrível
de mal humor. Para Ida, a noite traz produtividade, é o horário que mais trabalha.
Cada período do dia tem durações diferentes para as empreendedoras. O tempo
mecânico contado em horas da manhã até a tarde não respeita o ritmo de sono, de
fome, de vida de cada sujeito. O empreendedorismo pode permitir a volta de um
tempo marcado pela necessidade biológica e não aquela imposta pelos ponteiros do
relógio. A despeito de ser referido como uma possibilidade de liberdade, não tira a
responsabilidade pelo trabalho diário, inclusive com muitas horas despendidas. As
mulheres relataram que trabalham mais de oito horas por dia em suas empresas. As
férias, quando tiradas, são divididas em períodos mais curtos para que a empresa
possa ser adequadamente cuidada. Dessa forma, o que o empreendedorismo
parece proporcionar é flexibilidade. Diferentemente de uma jornada operária
obedecendo ao relógio social – aquele que impõe um horário regular de 08h as 18h -
elas podem trabalhar em horários que lhes pareçam mais adequados.
O empreendedorismo não tem por trás uma série de motivos específicos e
universais. Assim, não há como se falar em abertura de empresas por necessidade
ou por oportunidade e delimitar tais conceitos. Cada necessidade, não obstante ser
constituída no social, é subjetivada individualmente resultando em motivos que se
organizam de forma única no contexto do empreendedorismo fazendo parte de um
processo de produção de sentido. No caso de Maria, ela relata que abriu a empresa
por necessidade. No entanto, tal necessidade em nada se parece com o conceito de
necessidade preconizado pelo Relatório GEM.
A emoção aparece em todos os depoimentos, mesmo Emília que se diz
absolutamente racional, procura isolar o marido das decisões para que ela não
tenha que lidar com as emoções que isso ocasionaria. A emoção está na base dos
processos de pensamento. Portanto, não há que se pensar em empreendedorismo
como um fenômeno do mundo dos negócios sem que a emoção seja levada em
consideração. A empresa, como resultado de uma série de decisões em seus
diversos níveis hierárquicos, está permeada de emoções. Isso porque a
emocionalidade do sujeito é fundamento de suas ações. Ao admitir isso, ao
conhecer o tipo de emoção que está na base dos processos de pensamento, pode-
se entender melhor o empreendimento e suas limitações. Além disso, admitir a
emoção como participante do mundo empresarial pode dar ao indivíduo a
oportunidade de conhecer a si mesmo e, ao fazer isso, emancipá-lo.
137
Pode-se também afirmar que as empreendedoras posicionam-se ativamente
frente às situações relativas aos negócios. Elas enfrentam as situações mesmo
diante de sentimentos de insegurança. González Rey (2010) afirma que um
posicionamento ativo frente à vida pode permitir criar sistemas de apoio para
situações difíceis e pode fazer com que os sujeitos desenvolvam uma identidade a
partir dessa situação. Em todos os relatos pode-se perceber que as
empreendedoras sentem orgulho que funciona como uma forma de elevação de si
mesmas. Uma forma de reconhecimento daquilo que elas se tornaram ao longo de
sua trajetória.
As questões de gênero também podem ser consideradas como construções
sociais e como espaço simbólico produzido pela cultura. Tais questões se nutrem
das emoções particulares configuradas na história de cada sujeito. Se o indivíduo
nasce com uma constituição biológica específica de ver, falar e agir é na relação
com o outro que vai “olhar”, comunicar-se e desempenhar atividades que tanto
reforçam como desafiam o que está posto. Os padrões que estão disponíveis na
sociedade e são transmitidos culturalmente são subjetivados de maneira única. A
partir do relato das mulheres, percebe-se que o que prevalece ainda na sociedade
brasileira é uma visão naturalizada dos gêneros. As pessoas ainda pensam que ser
mulher é uma condição biológica e não social. Em todos os relatos elas se referiam
à mulher como tendo características específicas – peculiares do ser mulher - ou
ônus a ser carregado. No entanto, em todas as trajetórias investigadas o que se
pode perceber é que as mulheres envolvidas não estavam engajadas em fazer
gênero de forma consciente. Não estão ocupadas em perpetuar ou não as
diferenças entre os sexos. As mulheres empreendedoras desta pesquisa estão
constantemente se firmando como sujeitos de sua própria história.
Dessa forma, pode-se entender que a forma “correta” de ser mulher e
empreendedora foi forjada no social. No entanto, o fenômeno somente pode ser
entendido a partir do caráter ativo e constituinte das mulheres “que fazem gênero” e
que são empreendedoras. Não significa que elas sejam apenas produto do meio,
pois tanto são produtos da cultura, como também constituem a cultura no processo
de desenvolvimento. A atividade empreendedora que elas desempenham e as
representações sociais que a sociedade lhes impõe por meio das diversas vias da
subjetividade social são configuradas subjetivamente. No entanto, a empreendedora
138
não expressa somente sua condição de mulher de negócios, mas sua condição
social.
O modelo de configuração subjetiva do empreendedorismo para as mulheres
desta pesquisa mostra um caráter contraditório e processual do fenômeno. Em
outras palavras, o empreendedorismo na vida destas mulheres tanto é um elemento
que traz emoções e sentimentos desfavoráveis, como também lhes proporciona
satisfação. Cada uma destas facetas do empreendedorismo pode se sobressair em
determinados momentos da trajetória destas mulheres, aliando-se, inclusive, com
outros espaços de sentido subjetivo que estão presentes na vida delas.
A teoria da subjetividade de González Rey (2003) permite que o sujeito não
seja tratado como um objeto. Mesmo quando o sujeito fala de si mesmo e quando
atua no mundo concreto ele é capaz de modificá-lo e ao fazer isso modifica a si
mesmo. Cada sujeito é único e representado por sua configuração subjetiva formada
por elementos de sentido subjetivo. Assim, cada configuração é singular e altera-se
com a trajetória de vida dos sujeitos. Dessa forma, a configuração subjetiva das
empreendedoras é, cada uma à sua maneira, formada por elementos que reforçam
a subjetividade social e por outros que a desafiam. Elas vivem o empreendedorismo
no seu dia-a-dia, na concretude de sua experiência, e, sem diluir-se em grupos
protetores, guardam sua configuração subjetiva de forma única. As experiências e a
relação com o outro são subjetivadas e resultam em uma forma específica de
empreender. No entanto, não é uma forma estática, não cessa de se renovar.
Nas pesquisas realizadas sobre mulheres empreendedoras, a teoria da
subjetividade de González Rey (2003, 2005) foi raramente utilizada. Talvez seja esta
a maior contribuição deste trabalho. No entanto, como todo trabalho acadêmico, ele
possui restrições, entre as quais uma é mais evidente: a não recorrência das
entrevistas. Pesquisas futuras utilizando entrevistas recorrentes poderiam ser
empreendidas resultando em melhor compreensão do tema e na possibilidade de
emancipação dos sujeitos da pesquisa ao permitir a autoanálise.
Finalmente, não se pode deixar de apontar que as discussões sobre gênero
na área de ciências sociais aplicadas têm tratado muito marginalmente da
emancipação do sujeito. Dessa forma, trabalhos futuros tratando da subjetividade de
mulheres no meio acadêmico, como estudantes de administração e professoras
também parecem ser uma opção para melhorar o uso da teoria e ampliar o
conhecimento sobre o tema.
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151
ANEXO I
Termo de consentimento para coleta de dados
TERMO DE CONSENTIMENTO PARA COLETA DE DADOS EM PESQUISA CIENTÍFICA
Eu, __________________________________________________________
,brasileira, estado civil: ____________, empresária, AUTORIZO a pesquisadora
Jane Mendes Ferreira a realizar entrevista comigo a fim de obter informações a
respeito de minha atuação como mulher empreendedora
Declaro que fui informada do objetivo da pesquisa que é: conhecer a
constituição subjetiva da mulher empreendedora.
Declaro que fui informada que os dados obtidos não serão utilizados de forma
individualizada e que eu não serei, de modo algum, identificada em relatórios de
pesquisa, artigos científicos ou de opinião ou ainda em qualquer outro meio de
divulgação dos resultados da presente pesquisa para tese de doutoramento em
Administração.
Por ser a expressão da verdade, firmo o presente termo de consentimento.
Curitiba, ______________________
___________________________________
Assinatura da entrevistada
152
ANEXO II
Roteiro preliminar de entrevista Infância e Adolescência
1. Como foi sua infância? Descreva os fatos marcantes dessa época 2. Você passou a juventude na mesma cidade? Descreva um pouco esse período 3. Que tipo de adolescente era? 4. Quais as suas atividades nessa época? 5. Participou de alguma atividade de trabalho nessa época? Movimento político ou social? 6. O que você queria ser quando crescesse?
Trabalho 1. Qual seu primeiro emprego? 2. Com que idade começou a trabalhar? 3. Porque veio para Curitiba? 4. Como foi sua adaptação aqui?
Atividade Empreendedora
(memória, emoção, práticas)
1. Como iniciou sua atividade empreendedora? 2. Quais os fatos mais marcantes da sua atividade empreendedora? 3. Por que você escolheu a atividade empreendedora? 4. O que você mais gosta da atividade empreendedora e o que você menos gosta? 5. Como você financiou a abertura do negócio? Qual a origem dos recursos para abertura daempresa? 6. O que você faz efetivamente enquanto empreendedora? 7. Como você lida com seus funcionários? 8. Como você lida com seus fornecedores? 9. Como você lida com seus clientes? 10. Como você lida com seus concorrentes? 11. Como você lida com o governo?
Representação social sobre empreendedorismo
1. O que é uma pessoa empreendedora para você? 2. Qual a forma correta de ser empreendedora para
você?
Representação social de gênero
1. O que é ser mulher para você? 2. Você considera que ser mulher interfere (positiva ou
negativamente) com a atividade empreendedora? 3. Como sua família encara sua atividade
empreendedora? 4. Como sua família lida com as atividades relativas ao
cuidado da casa/espaço doméstico? Futuro 1. O que você acha que vai acontecer com você nos
próximos cinco anos? 2. O que você acha que vai acontecer com sua empresa
nos próximos cinco anos? 3. Que conselho você daria à mulher que pretendesse
iniciar um negócio hoje?
153
ANEXO III
Instrumento de complemento de frases Informante nr.:__
1. Idade:___________
2. Estado Civil: ( ) Solteira ( ) Casada ( ) Viúva ( ) Divorciada ( ) União estável
3. Escolaridade: ( ) Ensino fundamental incompleto ( ) Ensino fundamental completo ( ) Ensino médio incompleto ( ) Ensino médio completo ( ) Ensino superior incompleto ( ) Ensino superior completo ( ) Pós-graduação
4. Possui filhos? ( ) Sim ( ) Não
5. Qual a idade deles?
6. Quantas horas você trabalha por dia? ( ) menos de 6 horas ( ) de 6 a 8 horas ( ) de 8 a 10 ( ) de 10 a 12 horas ( ) mais de 12 horas
7. Você está satisfeita com a sua atividade empreendedora? ( ) Um pouco satisfeita ( ) Satisfeita ( ) Muito satisfeita
8. Complete as seguintes frases:
Ser mulher significa:
Ser empreendedora significa:
Eu empreendo porque:
Eu amo:
Eu detesto:
Meus marido:
Meus filhos: