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1 JANE MENDES FERREIRA *** A AÇÃO DA MULHER EMPREENDEDORA SOB A PERSPECTIVA SÓCIO- HISTÓRICA DE GONZÁLEZ REY *** Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Administração junto ao Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo (PMDA/UP). Orientador: Prof. Dr. Eloy Eros da Silva Nogueira CURITIBA 2012

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JANE MENDES FERREIRA

*** A AÇÃO DA MULHER EMPREENDEDORA SOB A PERSPECTIVA SÓCIO- HISTÓRICA DE GONZÁLEZ REY ***

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Administração junto ao Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo (PMDA/UP).

Orientador: Prof. Dr. Eloy Eros da Silva Nogueira

CURITIBA

2012

2

3

Dedico esta tese ao meu companheiro Eurípedes e ao meu filho Bruno – razões do meu afeto.

4

AGRADECIMENTOS

A decisão de cursar uma pós-graduação stricto sensu é solitária e, muitas

vezes, egoísta. As pessoas que fazem isso nunca dizem “nosso doutorado”, mas

sempre meu doutorado. No entanto, trata-se de um projeto que não pode ser

executado sem a ajuda de um conjunto de pessoas e instituições que, de forma

voluntária ou pelo próprio processo, estão empenhadas na formação do doutorando.

Esse é o meu caso. Dessa forma, contei com a solidariedade, compreensão e ajuda

de instituições e pessoas que me conduziram nesta árdua tarefa. A qualidade do

meu trabalho é fruto da contribuição das instituições e pessoas que cito aqui. Os

defeitos são responsabilidade exclusivamente minha.

Primeiramente agradeço a Deus que nunca me abandonou nem nos

momentos em que duvidei.

Agradeço à Universidade Positivo por proporcionar-me a oportunidade de

freqüentar um curso, sem nenhuma contrapartida financeira, com um grupo de

professores doutores de altíssima qualidade. Em especial agradeço aos professores:

Ariston Azevedo, Clóvis Machado-da-Silva (in memoriam), Eros Nogueira, José

Henrique de Faria, Luciano Rossoni, Sérgio Bulgacov que participaram mais

diretamente da minha formação ministrando as disciplinas de formação e de

concentração. Uma especial menção à Prof. Yára Bulgacov que, além das aulas,

apresentou-me a teoria do González Rey e indicou as melhores leituras – Prof. Yára,

não tenho palavras para expressar minha gratidão. Uma nota também à Cláudia

Cristina de Lara Stadnick que é exemplo de competência e amizade.

Agradeço aos membros do Grupo de Pesquisa Empreendedorismo e

Estratégia de Empresas de Pequeno Porte da PUCPR, do qual faço parte, e aos

componentes do Grupo de Pesquisa de Prática, Subjetividade e Organizações da

Universidade Positivo, que me receberam gentilmente em suas reuniões e pelas

discussões de alto nível e troca de idéias conduzidas sempre brilhantemente pelas

professoras Yára Bulgacov e Denise Camargo..

Agradeço à banca composta pelos professores Eros Nogueira, Alexandre

Reis Graeml, Queila Matitz, Fernando Antônio Prado Gimenez e Hilka Vier Machado.

Cada um deles, à sua maneira, contribuiu conferindo credibilidade e legitimidade ao

meu trabalho por meio de suas observações e sugestões.

5

Ao meu orientador Eros Nogueira que aceitou a difícil tarefa de guiar-me em

um período muito complicado de minha jornada acadêmica e, com um tempo

reduzido de adaptação, conseguiu conduzir-me neste processo.

Às minhas queridas Cláudia Mônica Ritossa e Marystela Assis Baratter,

aquisições preciosas do doutorado, e Simone Cristina Ramos e Maria Luíza

Trevizan Scherner e Layza Karla Miliorini que sempre me apoiaram e estavam

sempre dispostas a ajudar.

Agradeço a todos da minha família e aos meus amigos que não puderam

contar comigo nos últimos quatro anos e compreenderam a minha falta de tempo.

Às corajosas e ousadas mulheres empreendedoras que aceitaram relatar

suas vidas para que eu pudesse realizar este trabalho – sem elas nada disso seria

possível.

Por último, mas não por menos, ao Eurípedes, meu companheiro de 23

anos, sempre apoiando meus projetos mesmo não entendo as razões de cada um

deles. Ao Bruno, meu filho, que ficou adulto durante os quatro anos em que fiquei

“fora do ar”. Filho, obrigada!

A todos os citados aqui tenho dívida de gratidão que nunca poderei retribuir

de forma adequada.

6

O homem é do tamanho de seu sonho. (Fernando Pessoa)

7

RESUMO

Alguns pesquisadores têm defendido que as diferenças entre a participação do homem e da mulher no mundo dos negócios são, em parte, função de uma condição histórica que relegou à mulher um papel secundário neste ambiente. Além disso, há pouca produção científica sobre o tema, sendo a maior parte concentrada na descrição de características associadas aos empreendedores de forma geral e, entre tais estudos, encontram-se aqueles que buscam definir as peculiaridades das mulheres frente aos negócios. Há, então, espaço para pesquisas que tratem o fenômeno sob novos enfoques. Por tais razões, propõe-se nesta produção acadêmica, apresentar uma pesquisa sobre empreendedorismo feminino utilizando como pano de fundo a subjetividade em uma concepção sócio-histórica. O conceito de subjetividade que norteou a presente tese é aquele adotado por Fernando González Rey e, portanto, fundamentado no trabalho de Lev Vigotski. A subjetividade, para o pensador cubano, é considerada como um sistema complexo e plurideterminado. Dessa forma, os processos de constituição do indivíduo são configurados por meio de diferentes forças e mantêm-se em permanente transformação. Na pesquisa buscou-se verificar como se apresenta a constituição subjetiva da mulher empreendedora a partir de uma concepção sócio-histórica. Para tanto, foram feitas entrevistas com quatro mulheres proprietárias de empresas. Além da entrevista, foi ainda aplicado um instrumento de complementos de frases. A pesquisa pode ser considerada como possuindo um caráter construtivo-interpretativo na qual o pesquisador também é um sujeito da pesquisa porque é ele quem cria espaços de inteligibilidade sobre o tema. O modelo de ciência adotado nesta pesquisa valoriza o singular e a validade da pesquisa concentra-se na capacidade de ampliar as alternativas o conhecimento sobre o fenômeno estudado. Os resultados apontam para o empreendedorismo como um fenômeno social em que a configuração subjetiva das empreendedoras é, cada uma à sua maneira, formada por elementos que reforçam a subjetividade social outros que a desafiam. As empreendedoras vivem o empreendedorismo no seu dia-a-dia, na concretude de sua experiência, e, sem diluir-se em grupos protetores, guardam sua configuração subjetiva de forma única. Dessa forma, pode-se entender que a forma “correta” de ser mulher e empreendedora foi forjada no social. No entanto, o fenômeno somente pode ser entendido a partir do caráter ativo e constituinte das mulheres “que fazem gênero” e que são empreendedoras. Não significa, no entanto, que elas sejam apenas produto do meio, pois tanto são produtos da cultura, como também constituem a cultura no processo de desenvolvimento. A atividade empreendedora que elas desempenham e as representações sociais que a sociedade lhes impõe por meio das diversas vias da subjetividade social são configuradas subjetivamente. No entanto, a empreendedora não expressa somente sua condição de mulher de negócios, mas sua condição social. As experiências e a relação com o outro são subjetivadas e resultam em uma forma específica de empreender. No entanto, não é uma forma estática, não cessa de renovar-se.

8

ABSTRACT

Some researchers have argued that the differences between the participation of men and women in business are partly due to a historical condition attributed to women giving them a secondary role in this environment. In addition, there is little scientific literature on the subject, most of it concentrated on the description of characteristics associated with entrepreneurs in general, and among such studies there are those that seek to define the peculiarities of women in business. Then there is room for researchers to deal with entrepreneurship under new approaches. For these reasons, it is proposed in this thesis, submit a research on female entrepreneurship using the concept of subjectivity in socio-historical bases. The concept of subjectivity that guided this thesis is that adopted by Fernando González Rey, and therefore based on the work of Lev Vygotsky. Subjectivity, to Cuban researcher, is regarded as a complex system with multiples traits. Thus, the constitution of the individual processes is configured by various forces and they remain in permanent transformation. In the survey we sought to verify how is the subjective constitution of the woman entrepreneur from a socio-historical conception. To this purpose, interviews were conducted with four women business owners. Besides the interview, was also applied a questionnaire with phrases to be completed. The research can be considered as having a constructive-interpretive nature in which the researcher is also a subject because it is he who creates spaces of intelligibility on the matter being studied. The science model adopted in this study considers the singular a main issue. The research validity focuses on the ability of the theoretical model to expand intelligibility about the phenomenon. The results point to entrepreneurship as a social phenomenon in which the configuration of the women entrepreneurs is internalized each in its own way, and it is made up of elements that reinforce the social subjectivity and others elements that challenge it. The women live the entrepreneurship in their day-to-day, in the reality of their experience, and, without being lost in protection groups, they retain their configuration unique. Thus, one can understand that the "correct" way of being a woman and the correct way to be an entrepreneur was built in the culture. However, the phenomenon can only be understood from the nature of the active constituent from those women "who do gender" and who are entrepreneurs. It does not mean, however, they are merely a product of the society, but they also are creating culture. The entrepreneurial activity they are performing according with the social representations that society imposes on them through the various avenues of social subjectivity. However, the entrepreneur does not only express their womanhood in business, but their social status. The experiences and relationship with others are internalized and they result in a specific form of enterprise. However, it is not a static form, continues to renew itself.

9

SUMÁRIO

RESUMO ..................................................................................................................... 7

ABSTRACT ................................................................................................................. 8

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................. 14

1.2 OBJETIVOS ..................................................................................................... 14

1.2.1 Objetivo geral ............................................................................................. 15

1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................. 15

1.3 JUSTIFICATIVA TEÓRICA E PRÁTICA ........................................................... 15

1.4 CONTEXTUALIZAÇÃO DA RELAÇÃO PESQUISADOR/PROBLEMA DE

PESQUISA ............................................................................................................. 18

1.5 ESTRUTURA DA TESE.................................................................................... 19

2 QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA ................................................................ 20

2.1 EMPREENDEDORISMO.................................................................................. 20

2.1.1 Estudos sobre empreendedorismo com base na Economia ...................... 21

2.1.2 Estudos sobre empreendedorismo com base na Sociologia ..................... 24

2.1.3 Estudos sobre empreendedorismo com base na Psicologia ..................... 25

2.2 EMPREENDEDORISMO E GÊNERO .............................................................. 29

2.3 CONCEPÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DE CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E

SUBJETIVIDADE ................................................................................................... 43

2.3.1 Sujeito e subjetividade ............................................................................... 45

2.3.2 Atividade .................................................................................................... 58

2.3.3 Representações sociais ............................................................................. 60

3 METODOLOGIA .................................................................................................... 68

3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ......................................... 71

3.1.1 Perguntas de pesquisa .............................................................................. 71

3.1.2 Categorias ................................................................................................. 72

3.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ........................................................................ 74

3.2.1 Informantes ................................................................................................ 74

3.2.2 Delineamento e etapas da pesquisa .......................................................... 75

10

3.2.3 Instrumentos de coleta dos dados ............................................................. 75

3.2.4 Procedimentos de coleta dos dados .......................................................... 77

3.2.5 Procedimentos de análise dos dados ........................................................ 78

4 CONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO ...................................................................... 80

4.1 MARIA .............................................................................................................. 80

4.1.1 Subjetivação do empreendedorismo .......................................................... 82

4.1.2 Subjetivação da condição de mulher ......................................................... 89

4.2 ISIS .................................................................................................................. 94

4.2.1 Subjetivação do empreendedorismo .......................................................... 96

4.2.2 Subjetivação da condição de mulher ....................................................... 102

4.3 EMÍLIA............................................................................................................ 105

4.3.1 Subjetivação do empreendedorismo ........................................................ 106

4.3.2 Subjetivação da condição de mulher ....................................................... 113

4.4 IDA ................................................................................................................. 115

4.4.1 Subjetivação do empreendedorismo ........................................................ 116

4.4.2 Subjetivação da condição de mulher ....................................................... 119

5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 127

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 139

ANEXO I.................................................................................................................. 151

ANEXO II ................................................................................................................. 152

ANEXO III ................................................................................................................ 153

11

1 INTRODUÇÃO

Como se há de verificar, a atuação da mulher no mundo dos negócios vem

se consolidando no Brasil. O Global Entrepreneurship Monitor mostra que a

participação das mulheres nas taxas de empreendedorismo tem se mantido, nos

últimos 10 anos, em torno de 44% (IBPQ, 2008). Esse dado per se seria suficiente

para desencadear uma série de estudos tratando do tema, dada a participação da

mulher no desenvolvimento econômico do país. No entanto, “há pouco

conhecimento sobre a atuação de empreendedoras no país” (MACHADO; GREATTI;

JESUS, 2010, p. 88).

O empreendedorismo feminino é uma das formas pelas quais a Organização

das Nações Unidas percebe que é possível promover a mudança. Para o órgão, é

por meio do fortalecimento da capacidade econômica das mulheres que a

competitividade dos países pode ser melhorada, alcançando um nível maior de

equidade social. Os países que não potencializam a capacidade de metade de sua

população estão alocando seus recursos de forma desequilibrada (NATIVIDADE,

2009).

Embora se perceba a relevância da participação feminina, empreender para

elas não é tarefa fácil. Gimenez (2010) afirma que as mulheres enfrentam maiores

empecilhos no acesso a fontes de financiamento e, muitas vezes, são discriminadas

em processos sucessórios nas empresas familiares. Alguns autores (BRUNI;

GHERARDI; POGGIO, 2004) têm defendido que as diferenças entre a participação

do homem e da mulher no mundo dos negócios são, em parte, função de uma

condição histórica que relegou à mulher um papel secundário neste ambiente.

No Fórum Econômico Mundial de 2005, foi demonstrado o estudo que avalia

a disparidade entre homens e mulheres em duas grandes dimensões: condições

econômicas (de oportunidades e participação) e conquistas sociais (acesso à

educação, saúde e bem-estar). A despeito da liderança da Suécia, o estudo não

conseguiu encontrar igualdade em nenhuma das 58 nações estudas. O Brasil ficou

em 51º lugar no ranking da disparidade entre as condições e conquistas de cada um

dos gêneros. Na avaliação dos organizadores, alcançar a equidade é um processo

lento que requer mudança em todas as áreas da sociedade.

12

Não se pode perder de vista a dificuldade no dia a dia enfrentada pelas

mulheres em relação ao acesso a recursos e no enfrentamento das limitações

sociais. O empreendedorismo feminino também tem sido relegado a um segundo

plano pela academia. São poucas as pesquisas que se ocupam em desvelar as

nuances que cercam o tema. Uma evidência disso pode ser encontrada no trabalho

de Silveira (2010). A autora analisou a produção científica do período de 2006 até

2008 em periódicos da base de dados do Social Sciences Citation e encontrou 179

artigos que tratavam de empreendedorismo, dos quais apenas 0,74% tinham foco

sobre o empreendedorismo feminino. Nos periódicos nacionais com maior

penetração da área de Administração (RAC, RAE, Cadernos Ebape, BAR, RAM), a

proporção é de 0,0277. Nos eventos científicos Egepe (Encontro sobre

empreendedorismo e gestão de pequenas empresas) e EnAnpad (Encontro da

Associação Nacional dos Cursos de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração),

a temática empreendedorismo e gênero gira entre 2 e 3 trabalhos por ano.

Em outras palavras, são escassas as publicações sobre gênero no campo

do empreendedorismo. Bruin, Brush e Welter (2006) declaram que uma das

possíveis causas para isso é que na maior parte das investigações sobre

empreendedorismo as amostras são compostas por homens, assim como as

próprias pesquisas são feitas por homens. Nessa esteira, Gomes, Santana e Araújo

(2009), advogam que as investigações sobre empreendedorismo feminino podem

estar associadas ao desenvolvimento histórico-cultural dos estudos organizacionais,

cujas teorias e modelos teóricos institucionalizados excluíram alguns grupos

minoritários e foram centrados em homens.

Para além da escassez de estudos sobre o tema, a maior parte da produção

científica tem se concentrado na descrição de características associadas aos

empreendedores de forma geral e, entre tais estudos, encontram-se aqueles que

buscam definir as peculiaridades das mulheres frente aos negócios (GUIMARÃES,

2004). Esta conclusão é corroborada por Gomes, Santana e Araújo (2009) que, ao

realizar uma pesquisa sobre a produção acadêmica acerca do empreendedorismo

feminino, constataram que a maior parte dos estudos é realizada por meio de

surveys e limita-se a apresentar dados sem avançar nas explicações teóricas do

fenômeno.

13

Frente a este contexto, os pesquisadores tem advogado que é necessário

estudar o tema sob novos enfoques (SILVEIRA, 2010; BORBA; HOELTGEBAUM;

SILVEIRA, 2011).

Por tais razões, propõe-se nesta produção acadêmica, apresentar uma

pesquisa sobre empreendedorismo feminino utilizando como pano de fundo a

subjetividade em uma concepção sócio-histórica. O conceito de subjetividade que

norteará a presente tese é aquele adotado por González Rey (2003) e, portanto,

fundamentado no trabalho de Vigotski. A subjetividade para o pensador cubano é

considerada como um sistema complexo e plurideterminado. Dessa forma, os

processos de constituição do indivíduo são configurados por meio de diferentes

forças e mantêm-se em permanente transformação.

A importância da subjetividade é que ela permite a articulação dialética do

individual com o social. O pressuposto é que o homem não se constitui no plano

individual ou no social, mas pode modificar o social, transformando-o em psicológico

e, assim, criando a possibilidade do novo (AGUIAR; OZZELA, 2006). Em outras

palavras, o indivíduo não é totalmente determinado pelas condições sociais, mas é

capaz de elaborar sua subjetividade na geração de sentidos e significados em seus

diferentes sistemas de relação. Diante disso é possível que ele também transforme o

contexto em que está inserido, tendo no diálogo um importante elemento nos

processos de configuração subjetiva do sujeito (GONZÁLEZ REY, 2002). Assim, a

configuração subjetiva dos indivíduos também possui caráter constitutivo.

A proposta é inovadora em função do objetivo proposto e da metodologia

utilizada. No entanto, não é inédita na aplicação da teoria sócio-histórica ao campo

do empreendedorismo que já foi feito por Camargo et al. (2010). As autoras

analisaram a participação da mulher nas Taxas de Atividade Empreendedora (TAE)

no Brasil, descritas no relatório do Global Entrepreneurship Monitor, e afirmam a

mulher empreendedora como agente determinante e determinado do mundo no qual

está inserida.

Partindo da concepção sócio-histórica, é necessário adotar o pressuposto

que a atividade empreendedora permite a inserção do indivíduo no mundo de

significados relativos aos negócios. É bem verdade que falar sobre a mulher

empreendedora sob tal concepção é articular uma constituição social relacionada

também com a história (AGUIAR; OZZELA, 2006). Como se observa, a

empreendedora é, ao mesmo tempo, singular e histórica.

14

Dada a proposta, cumpre examinar a elaboração do problema de pesquisa

que norteou a presente investigação.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

O problema de pesquisa proposto é: Como se dá a constituição subjetiva da

mulher empreendedora?

É necessário salientar, para bem da coerência teórico-metodológica, que tal

problema não tem a pretensão de ser preciso. Isso porque a natureza qualitativa da

pesquisa aqui proposta tem o objetivo de fornecer explicações sobre sistemas

complexos. O valor explicativo, porém, não é construído sobre relações de causa e

efeito ou variáveis delimitadas e estáticas. A explicação, segundo González Rey

(2005) deve ser constituída sobre argumentos acerca da organização do sistema

estudado.

A primeira etapa da construção dos argumentos é a constituição da base

teórica que servirá de apoio às análises posteriores. Além da teoria, a experiência

do pesquisador e os dados fornecidos pelas empreendedoras, constituem o triângulo

por meio do qual as zonas de inteligibilidade são constituídas.

Em função da especificação do problema de pesquisa e em coerência com

ele, são estabelecidos os objetivos que servem como delimitadores e norteadores da

presente investigação.

1.2 OBJETIVOS

Os objetivos informam a razão de ser da pesquisa. Por meio deles é

possível traçar uma linha mestra com a qual, em tese, é possível levar a pesquisa a

termo. Nesta produção acadêmica, os objetivos estão divididos em geral e

específicos, e são apresentados a seguir.

15

1.2.1 Objetivo geral

O objetivo deste estudo é conhecer a configuração subjetiva de mulheres

empreendedoras a partir de uma concepção sócio-histórica.

1.2.2 Objetivos específicos

Os objetivos específicos devem possuir estreita relação com o objetivo geral

e constituem basicamente o caminho a ser seguido para a consecução do objetivo

geral. Dessa forma, os objetivos específicos desta produção acadêmica são:

· Verificar o contexto de atuação de empreendedoras;

· Identificar representações sociais da atividade empreendedora para as

mulheres objeto da pesquisa;

· Identificar os significados da atividade empreendedora para as mulheres

objeto da pesquisa;

· Verificar os significados de ser mulher para as informantes da pesquisa;

· Identificar as configurações subjetivas de mulheres empreendedoras;

Depois de estabelecidos os objetivos, serão demonstradas as justificativas

teórica e prática.

1.3 JUSTIFICATIVA TEÓRICA E PRÁTICA

O estudo da produção do empreendedorismo feminino sob o enfoque sócio-

histórico tem sua justificativa tanto do ponto de vista teórico quanto prático.

Nos últimos anos do século XX e ainda no início da primeira década do

século XXI, alguns estudiosos (BRAZEAL; HERBERT, 1999; SHANE, 2000;

FREIRE, 2002) afirmavam que o campo de estudo do empreendedorismo

encontrava-se na sua infância. Ao longo do tempo e com o aumento da quantidade

16

de publicações, pode-se então afirmar, que o empreendedorismo encontra-se em

sua adolescência e como tal, ainda em constituição. Dessa forma, pode-se entender

que, de forma geral, ainda há espaço para avanços teóricos.

A despeito da quantidade de publicações no Brasil e da criação de

entidades, encontros, colóquios e congressos voltados especificamente ao avanço

da ciência na área, as perspectivas que abordam a atividade empreendedora fora do

mainstream ainda são raridade. Assim, Guimarães (2002) afirma que é importante

estudar o empreendedorismo sob novas perspectivas teóricas.

O privilégio do positivismo pode ser decorrente da crença por parte dos

pesquisadores de que a ciência se resume ao método experimental (BERNARDES,

1998). Análises utilizando outras posições teóricas que coloquem o indivíduo como

sujeito do processo empreendedor são pouco exploradas e merecem atenção. Além

da pouca produção teórica com outros referenciais, poucos ainda são os trabalhos

que tratam de gênero e empreendedorismo, especialmente em perióidocos.

Em todas as seis edições do Encontro sobre Empreendedorismo e Gestão

de Pequenas Empresas (Egepe), evento especializado que ocorre a cada dois anos,

dentre os 245 artigos publicados, foram encontrados 13 sobre gênero (5,3%). Já

dentre os 90 trabalhos publicados no Encontro da Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Administração (EnAnpad) no mesmo período, 10

tratavam do fenômeno, especificamente na temática de gênero (11,11%). Já a

produção em periódicos, como já citado fica em torno de 2% da produção sobre o

tema.

Saliente-se ainda que os trabalhos com foco no empreendedorismo feminino

são, de forma geral, concentrados em descrições das características pessoais das

mulheres empreendedoras. Reconhecendo a relevância em tais trabalhos, eles

estão fundamentados, segundo Gomez et al. (2009) na dicotomia indivíduo-

sociedade. A proposta de tratar o tema sob uma concepção sócio-histórica tem o

potencial de desvelar sentidos ocultos da atividade e, segundo Carmargo et al.

(2010), romper com a fragmentação das categorias utilizadas, tais como:

comportamento, motivação, criatividade, desejo, dificuldades, entre outras.

Ao utilizar um novo enfoque, reunindo todas as categorias relevantes na

constituição da subjetividade da mulher empreendedora em configuração única, que

articula aspectos micro e macro sociais da atividade empreendedora, podem-se

revelar novas nuances que perpassam essa atividade.

17

Não se pode perder de vista que muitos estudos têm como sustentação, a

importância da condição social dos empreendedores na opção por empreender

(MACHADO, 2002; SOUZA-NETO, 2003). No entanto, a compreensão do impacto

da condição sócio-histórica do sujeito no desenrolar de sua atividade

empreendedora e as formas simbólicas da consciência, posicionando o social como

relevante no desenvolvimento dos processos psíquicos que concorrem para a

constituição do sujeito empreendedor, ainda necessita ser explicado nos estudos

sobre empreendedorismo. Nesse sentido, o enfoque sócio-histórico pode ser uma

alternativa, cobrindo tal lacuna, uma vez que leva em consideração aspectos micro e

macro na explicação dos fenômenos (PAULA; PALASSI, 2007).

Como justificativa prática, pode-se argumentar que a compreensão da

constituição da subjetividade por meio da atividade empreendedora pode gerar

insights para a mudança. A ação empreendedora é vista por Camargo et al. (2010),

como um processo que transforma identidades e habilidade para participar do

mundo de forma mais ativa e consciente. A compreensão da subjetividade das

empreendedoras pode fornecer elementos para a transformação de condições

adversas como precariedade, exclusão e diferenciação, em condições de maior

igualdade de participação na sociedade. As autoras defendem que o

empreendedorismo permite criar espaço para mudar a vida dessas mulheres em um

processo dialético e de desenvolvimento que conecta a história pessoal com a da

comunidade.

Ao tratar o fenômeno empreendedor sob outras abordagens, novos níveis de

consciência podem ser alcançados revelando dimensões como a subjetividade das

empreendedoras, abrindo possibilidades de entendimento que permitiriam pensar

nas políticas públicas de forma diferenciada. Isso porque a questão do gênero deve

ir além das análises a respeito das questões simbólicas e desembocar ações

efetivas que favoreçam a atividade empreendedora feminina (NATIVIDADE, 2009),

pois o contexto é um elemento relevante para o surgimento de indivíduos

empreendedores. Vale ressaltar que essa questão já é tratada no âmbito das

políticas públicas, pois o incentivo ao empreendedorismo feminino é um dos pilares

do II Plano Nacional de Políticas para Mulheres, instituído através do Decreto 6.387

de 2008 (MACHADO et al., 2008).

Uma das características da pesquisa que envolve a teoria da subjetividade

de González Rey é o papel ativo do pesquisador porque a subjetividade dele

18

também se interpõe ao processo de pesquisa. Dessa forma, ele sugere que a

trajetória do pesquisador também seja exposta. Assim, na próxima seção, está

contida a contextualização do pesquisador frente ao problema de pesquisa.

1.4 CONTEXTUALIZAÇÃO DA RELAÇÃO PESQUISADOR/PROBLEMA DE PESQUISA

Para Freitas (2002), o pesquisador não é um ser humano genérico, mas

também um dos sujeitos da pesquisa e como tal, está implicado no processo de

investigação. As análises empreendidas nas pesquisas não são neutras, mas feitas

a partir de uma condição social e historicamente localizada. Freitas (2002) afirma

que: “é nesse sentido que o pesquisador é um dos principais instrumentos de

pesquisa porque se insere nela e as análises que faz dependem de sua situação

pessoal-social” (p. 29). Então, é necessário que minha experiência com o tema seja

relatada.

Meus estudos com empreendedorismo iniciaram com o mestrado em

Administração na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob orientação de

Fernando Gimenez, cuja disposição e dedicação ao processo de pesquisa, foram

fundamentais em minha trajetória. Comecei fazendo pesquisas de cunho quantitativo

e utilizando instrumentos prontos para identificar características empreendedoras.

Trabalhei com o tema durante cinco anos até ser admitida no Programa de Mestrado

e Doutorado em Administração (PMDA) da Universidade Positivo.

Foi nesta instituição que tive o primeiro contato com os estudos sobre a

concepção sócio-histórica de constituição do sujeito. Isso aconteceu por meio do

grupo de pesquisa coordenado pelos professores: Yára Bulgacov e Eros Nogueira.

Aliando então, minha experiência anterior com empreendedorismo, sendo desde

sempre motivada a pesquisar a condição da mulher nos diversos espaços sociais,

pensei que seria possível e interessante pesquisar a constituição das

empreendedoras sob essa nova perspectiva, não somente para mim, mas também

no próprio campo do empreendedorismo brasileiro.

Para a consecução do empreendimento teórico proposto, esta tese está

estruturada em mais quatro partes, além desta introdução. Tais seções estão

resumidamente expostas a seguir.

19

1.5 ESTRUTURA DA TESE

Esta tese está estruturada, além da introdução, em quatro partes: referencial

teórico, metodologia, apresentação com a análise dos resultados e, por fim, a

conclusão.

No referencial teórico pretendeu-se fundamentar o problema de pesquisa

indicando os principais elementos das teorias sobre empreendedorismo e sobre a

concepção sócio-histórica. A escolha da literatura considerada mais adequada

obedeceu aos critérios de legitimidade, qualidade e profundidade.

O capítulo de metodologia especifica as escolhas feitas em relação à forma

de compreender o processo de pesquisa, coletar os dados e analisá-los. O caminho

escolhido como sendo mais adequado ao problema de pesquisa foi a pesquisa

qualitativa, mais especificamente aquela em acordo com o que González Rey chama

de Epistemologia Qualitativa. Nela, o pressuposto de acumulação é abandonado e

substituído por uma representação de conhecimento construtivo-interpretativo.

Nessa concepção, o conhecimento não é estático, mas dinâmico e transforma-se em

conhecendo, estando a todo o momento sendo construído por um pesquisador que

está implicado no processo e que possui uma atividade pensante e construtiva.

No capítulo destinado à apresentação e análise dos dados, que será

chamado de "Construção da Informação" buscou-se evidenciar os indicadores de

sentidos subjetivos que compõem a configuração subjetiva das empreendedoras,

em conformidade com a técnica proposta por González Rey.

A conclusão da tese versa sobre o fenômeno empreendedor e não pretende

ser exaustivas. Isso porque a proposta de pesquisa aqui empreendida parte da

experiência do pesquisador, que está implicado no processo, que por sua vez, vai

influenciar nas análises e conclusões.

Na continuidade, serão apresentados os elementos aqui citados.

20

2 QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

O referencial teórico ora apresentado tem o objetivo de fundamentar e

sustentar o problema de pesquisa. Para cumprir tal objetivo os temas,

empreendedorismo e sujeito e subjetividade a partir de uma visão sócio-histórica,

serão detalhados nas próximas seções.

2.1 EMPREENDEDORISMO

Empreendedorismo, em geral, se refere à atividade associada com ser

empreendedor. Trata-se de uma definição bastante genérica. No entanto, não há um

significado único que seja aceito pelos vários pesquisadores que se dedicam ao

assunto (AVOLIO, 2011). Tal característica se reflete na produção acadêmica que

define o termo em conformidade com o tipo de teoria adotado para explicar o

fenômeno.

Apesar da falta de concordância, o empreendedorismo tem sido associado à

criação e gestão de negócios (VALE; WILKINSON; AMÂNCIO, 2008; BARROS;

PEREIRA, 2008; SHENG, 2008; SCHMIDT; BOHNENBERGER, 2009; VALE;

GUIMARÃES, 2010; IPIRANGA; FREITAS; PAIVA, 2010; FERREIRA; SANTOS;

SERRA, 2010; SERAFIM; ANDION, 2010). No entanto, trata-se de um fenômeno

complexo que influencia sistemas econômicos, ou seja, possui influência de cada

indivíduo que se engaja na criação e gestão de negócios e que está inserido em um

contexto que permite e delimita a ação do homem.

Segundo Freire (2002), o empreendedorismo pode dar ao sujeito a

oportunidade de realizar trabalho autônomo, pois emprega além da energia, o

controle sobre o que é feito. Para o autor, a autorrealização em função das

condições autoimpostas é uma possibilidade para o empreendedor.

A história do desenvolvimento do empreendedorismo como um campo de

pesquisa começou a tomar corpo a partir do início do século XX, por meio de

estudos que versavam sobre a origem e importância de novas empresas para os

sistemas econômicos (SOUZA-NETO, 2003).

21

Em grande parte dos estudos sobre empreendedorismo vê-se a utilização de

uma multiplicidade de teorias advindas de áreas como a Psicologia, Sociologia e

Economia (BRUIN; BRUSH; WELTER, 2006). A apropriação dos escritos de cada

uma dessas áreas para formar o corpo teórico sobre o empreendedorismo mostra o

esforço de cada grupo de cientistas em constituir um campo de pesquisa. Nesse

sentido, Swedberg (2000) afirma que, apesar desse empenho, pouca unicidade tem

sido alcançada em função dos pressupostos utilizados que, muitas vezes, são

incomensuráveis. Em outros termos, a apropriação de conceitos de diversas áreas

do saber faz com que o empreendedorismo apresente-se como um mosaico de

teorias sustentadas sobre concepções de sujeito que muitas vezes são

contraditórias.

Resumindo, a apropriação dos estudos de outras áreas resulta em grupos

que definem o empreendedorismo ora como elemento da economia, ora como

característica individual e também fenômeno social.

2.1.1 Estudos sobre empreendedorismo com base na Economia

Não se pode olvidar que foi com um referencial da Economia que os estudos

sobre empreendedorismo foram iniciados (GUIMARÃES, 2002; SOUZA-NETO,

2003).

Para os pesquisadores que utilizam esta base, o empreendedorismo é

responsável pelo desenvolvimento das nações que, por sua vez, está ligado ao

crescimento de renda dos indivíduos em função da renda advinda da abertura de

empresas, além do aumento das taxas de emprego. Dessa forma, o aumento das

taxas de empreendedorismo em um país levaria ao aumento do Produto Interno

Bruto, ou da riqueza das nações, em ciclo característico de uma concepção

capitalista de desenvolvimento. Assim, o empreendedorismo aparece com um valor

decisivo para o capitalismo (TRUZZI; SACOMANO-NETO, 2007).

Essa ideia está fundamentada nos trabalhos de Schumpeter. O segundo

capítulo do livro A Teoria do Desenvolvimento Econômico (1934), chamado “O

fenômeno fundamental do desenvolvimento econômico”, traz as ideias advogadas

pelo autor em relação ao empreendedorismo. Na obra, Schumpeter (1982) expõe a

22

noção de “destruição criativa”, que seria o processo resultante da introdução da

inovação nos sistemas econômicos que no curso deste processo elimina as

estruturas e produtos antigos. Para ele, tal produção do novo e eliminação do

antigo aciona e mantém a marcha do motor capitalista, revolucionando a estrutura

econômica que destrói sem cessar a antiga, criando outras continuamente

(SCHUMPETER, 1982).

Para Schumpeter, o agente do empreendedorismo exerce um papel

importante nos sistemas econômicos funcionando como "motor" ao introduzir a

inovação em alguma atividade quando está aproveitando oportunidades de

negócios. Truzzi e Sacomano Neto afirmam que:

Dotados de sensibilidade em detectar tendências e nichos a serem explorados no tecido econômico, empreendedores são os agentes que, na perspectiva schumpeteriana, concebem inovações e organizam a atividade produtiva, impulsionando a economia (2007, p. 38).

Para o autor alemão, o empreendedor não é necessariamente alguém que

investe capital ou inventa o novo produto, mas sim aquele com a ideia do negócio. O

conceito de empreendedor permite que Schumpeter mostre que o capitalismo é

capaz de se perpetuar mesmo apresentando contradições. Para tanto, ele se utiliza

do conceito de destruição criativa (BRUYAT; JULIEN, 2000).

Pode-se perceber que, utilizando o referencial da Economia, os estudos

sobre empreendedorismo recaem sobre os resultados da atividade empreendedora

para os sistemas econômicos. Muitos autores afirmam que tais estudos estão

assentados sobre o pressuposto de que o capitalismo é essencial e forma quase

universal de desenvolvimento (BOAVA; MACEDO, 2009). Isso porque a fórmula

para o desenvolvimento econômico das sociedades ocidentais tem o capitalismo

como o único modo de desenvolvimento.

O empreendedorismo, como importante elemento do desenvolvimento

econômico, ainda está presente nos estudos sobre o tema. Um exemplo disso é o

relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que foi criado em 1997 com o

propósito de investigar o relacionamento do empreendedorismo com o crescimento

econômico entre as nações que aderiram à pesquisa. Isso para que seja possível a

implantação de políticas públicas que promovam a atividade empreendedora e com

isso, alavancar o crescimento econômico. O Brasil, desde seu ingresso no rol de

23

países participantes da pesquisa, tem ocupado posição de destaque ficando entre

os países com população mais empreendedora. Empreendedorismo, em acordo

com os organizadores da pesquisa é:

qualquer tentativa de criação de um novo negócio ou novo empreendimento, como, por exemplo, a atividade autônoma, uma nova empresa ou a expansão de um empreendimento existente, por um indivíduo, grupo de indivíduos ou por empresas já estabelecidas (GEM, 2000).

O relatório GEM está baseado em três premissas: i) que prosperidade

econômica é altamente dependente da atividade empreendedora; ii) que a

capacidade empreendedora requer indivíduos com habilidades e motivação para

iniciar negócios e que isso requer uma percepção positiva da sociedade em relação

ao empreendedor e iii) que altos índices de atividade empreendedora é a chave para

a criação de novos postos de trabalhos e para o aumento das taxas de inovação e

de negócios internacionais (GEM, 2010).

Muito embora o GEM tente fornecer subsídios para compreender a

motivação, atitudes e aspirações empreendedoras sob a perspectiva econômica, o

fenômeno é abordado a partir de uma visão positivista.

Estudos sobre empreendedorismo com referencial da Economia ainda são

utilizados para explicar o crescimento e desenvolvimento econômico (BARROS;

PEREIRA, 2008; FONTENELE, 2010), além daqueles sustentados por referenciais

ligados à Teoria das Transações (WINK JR.; SHENG; EID JR., 2011) e da

Organização Industrial (ALBUJA et al., 2011).

Além disso, pode-se perceber alguns pesquisadores que se ocupam em

identificar setores econômicos atrativos e a história do desenvolvimento econômico

de regiões por meio do empreendedorismo (ALBUJA et al., 2011; TRUZZI;

SACOMANO-NETO, 2007).

O que há de comum entre os estudos que utilizam referenciais da Economia

é que o empreendedorismo está relacionado com o crescimento econômico. Esta

característica tem feito os governos criarem políticas públicas que estimulem a

atividade empreendedora, entendida como a criação de organizações. No Brasil,

este movimento pode ser evidenciado pela criação de leis de incentivo fiscal como o

SuperSimples que foi concebido com a intenção de fornecer um tratamento

diferenciado e favorecido às microempresas e as de pequeno porte (BRASIL, 2006).

24

Além das teorias econômicas, referenciais buscando entender as relações

sociais no interior da Economia parecem atualmente atrair a atenção dos

pesquisadores. Nesse sentido, autores ligados à Sociologia ou à Sociologia

Econômica são os mais utilizados.

2.1.2 Estudos sobre empreendedorismo com base na Sociologia

Convém ressaltar que as investigações sobre empreendedorismo também

são realizadas aplicando-se as ideias, conceitos e métodos advindos da Sociologia e

da Sociologia Econômica. O trabalho de Max Weber, em especial sua obra A ética

protestante e o espírito do capitalismo é dos mais utilizados para evidenciar que a

escolha da ocupação é influenciada pelo ambiente, principalmente do tipo de

educação recebida no âmbito familiar.

A utilização da Sociologia Econômica tem se destacado nos últimos cinco

anos na academia brasileira. Isso é evidenciado quando se olha para a produção

nacional que, do total de 36 artigos publicados sobre empreendedorismo nos

periódicos: Revista de Administração de Empresas, Revista de Administração

Contemporânea, Cadernos Ebape, Brazilian Administration Review e Revista de

Administração Mackenzie; 09 utilizavam teorias ligadas à formação de redes,

imersão e capital social. O uso destas bases para explicar o empreendedorismo

coincide com o desenvolvimento da Sociologia Econômica nos Estados Unidos que

focaliza a imersão, as redes e a construção social da economia para entender o

impacto das relações sociais nos sistemas econômicos (SWEDBERG, 2004).

Além da emergência do uso da Sociologia Econômica de origem norte-

americana, as relações sociais refletidas por meio dos discursos também aparecem

em um trabalho (COSTA; BARROS; CARVALHO, 2011), juntamente com a

identificação de interfaces entre características culturais da sociedade brasileira e

perfil empreendedor (PEDROSO; MASSUKADO-NAKATANI, 2009).

Infelizmente, nem todos os estudos oferecem uma clara diferenciação das

teorias adotadas para sustentar os argumentos dos artigos publicados. Não

obstante, os estudos que utilizam a Economia, ou os que se servem da Sociologia

para entender o empreendedorismo, também não tratam especificamente do

25

indivíduo empreendedor, como ele se constitui ou quem ele é. Por tais razões, para

entender a dimensão individual do empreendedor, a Psicologia tem sido utilizada

como referencial para estudos de empreendedorismo, como será discutido no

próximo item.

2.1.3 Estudos sobre empreendedorismo com base na Psicologia

Os estudos sobre o empreendedorismo utilizando referenciais da Psicologia

foram projetados a partir de análises de David McClelland que buscavam desvendar

traços característicos do indivíduo empreendedor diferenciando-o dos não

empreendedores (FERREIRA, 2005; BRUIN; BRUSH; WELTER, 2006). Machado

(2002) afirma que estas pesquisas podem ser incluídas no grupo chamado de Teoria

do Traço.

Na Psicologia, boa parte dos primeiros estudos sobre empreendedorismo é

voltada a descobrir instrumentos que permitam identificar as variáveis que marcam o

empreendedor, ou seja, busca o estabelecimento de características definidoras do

empreendedor e a construção de instrumentos e testes que permitam identificar tais

indivíduos. A seguir são destacados os estudos brasileiros mais recentes tentando

identificar caraterísticas empreendedoras.

Mello, Leão e Paiva Jr. (2006) objetivaram identificar as áreas de

competências empreendedoras mais relevantes nos comportamentos de dirigentes

de empresas. Para os autores, o empreendedorismo é uma competência dos

indivíduos associada ao senso de identificação de oportunidades, à capacidade de

relacionamento em rede, às habilidades conceituais, à capacidade de gestão, à

facilidade de leitura, ao posicionamento em cenários conjunturais e ao

comprometimento com interesses individuais e da organização. Os achados dos

autores indicam, na amostra pesquisada, existir a prevalência das competências

conceituais e administrativas. Os autores acrescentaram ainda a competência de

equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

Maciel e Camargo (2010) buscaram relacionar comportamento

empreendedor, lócus de controle e desempenho organizacional, partindo do

pressuposto que lócus interno de controle é uma característica de personalidade que

26

define o empreendedor. Ele estaria associado ao comportamento empreendedor por

que:

[...] a direção e intensidade do lócus de controle influenciam significativamente tal comportamento ou atitude [empreendedora]. Indo além, os efeitos positivos de um lócus interno se associam a maior ambição, motivação, sucesso na carreira profissional, aprendizagem no trabalho e desempenho organizacional (MACIEL; CAMARGO, 2010, p. 173).

Os resultados do estudo colocaram em evidência, segundo os autores, a

importância da competência funcional gestão de recursos humanos na explicação da

heterogeneidade de desempenho das organizações que compuseram a amostra.

Nassif, Ghobril e Silva (2010), dando ênfase a atributos pessoais,

desenvolveram um framework que mostra a importância dos aspectos cognitivos e

afetivos dos empreendedores ao longo do tempo, afirmando que tais aspectos

aparecem em diferentes níveis ao longo do ciclo de vida da organização.

Schmidt e Bohnenberger (2009) propõem um instrumento de mensuração

para o perfil e a intenção empreendedora, por meio de um modelo de equações

estruturais construído sobre os traços: autoeficácia, capacidade para assumir riscos

calculados, planejamento, detecção de oportunidades, persistência, sociabilidade,

inovação e liderança.

Guimarães e Siqueira (2010) reconhecem, no entanto, que os trabalhos que

buscam identificar as características empreendedoras e avaliar a importância das

variáveis demográficas e sociais para o sucesso do negócio, são inconclusivos e

não permitem estabelecer um padrão comportamental para o empreendedor.

Ao analisar este tipo de produção, pode-se perceber que não seria possível

encontrar um indivíduo que apresentasse todas as características encontradas na

literatura para identificar empreendedores. Essa ideia é confirmada por Inácio Júnior

(2002), quando defende que as tipologias fazem parecer que o empreendedor é um

ser com habilidades especiais, dificilmente encontradas em um único indivíduo e que

se encontradas, equivaleriam a um super empreendedor. No Quadro 1 estão

demonstradas as características mais frequentemente associadas ao

empreendedor:

1. Autoconfiante 18. Tolerância à incerteza e à ambiguidade

27

2. Determinado, perseverante 19. Necessidade de poder

3. Enérgico, diligente 20. Orientado ao lucro

4. Propenso ao risco 21. Experiência de trabalho prévia

5. Com necessidade de realização 22. Dinâmico, líder

6. Criativo, inovador 23. Habilidade em se relacionar com os outros

7. Pró-ativo, com iniciativa 24. Sensibilidade para com os outros

8. Flexível 25. Preditor

9. Resposta positiva frente a desafios 26. Egoísta

10. Independente 27. Cooperativo

11. Otimista 28. Preciso, eficaz e eficiente

12. Perceptivo 29. Corajoso

13. Rápido ao tomar decisões 30. Comprometido

14. Versátil 31. Desenvolto

15. Lócus interno de controle 32. Capacidade de descontração

16. Imaginativo, visionário 33. Competente (utiliza bem o tempo)

17. Habilidade para aprender com os erros

34. Resposta positiva a críticas e sugestões

QUADRO 1 - Características frequentemente associadas ao empreendedor Fonte: INÁCIO JUNIOR, (2002).

Vários estudos (BROCKHAUS, 1980; COOPER; WOO; DANKELBURG,

1988; MCGRATH; MACMILLAN; SCHEINBERG, 1992; CHEN; GREENE; CRICK,

1998) foram, e ainda são, desenvolvidos na tentativa de enumerar traços de

personalidade e comportamentos que revelariam os empreendedores. Ao tratar o

empreendedorismo como uma função de vários traços de personalidade do sujeito,

as pesquisas giram em torno da confecção de instrumentos de pesquisa que

permitiriam fornecer um rótulo ao indivíduo: empreendedor; não empreendedor, ou

mesmo para buscar a intensidade do empreendedorismo em cada indivíduo

(FERREIRA, 2005). As investigações sobre as características empreendedoras vêm

perdendo espaço para aquelas que destaca a importância da formação de redes na

criação dos negócios.

Mesmo a Psicologia sendo utilizada para escapar aos modelos racionais da

economia, a teoria do traço e de comportamentos padronizados ainda perpetua o

dilema da Psicologia da cisão entre corpo-mente. Para Sirgado (1990, p.61),

28

tal clivagem parece traduzir, no nível teórico, o velho problema filosófico denominado pelos ingleses de the mind-body problem, problema insolúvel enquanto não for superada toda forma de dualismo, fonte de posições reducionistas.

Tal dualismo ainda é percebido nas teorias que se utilizam da Psicologia

com outras propostas, como aquela que Machado (2002) identifica como teorias

psicodinâmicas. Nelas o inconsciente aparece como uma força motivadora das

ações. Com este referencial, os pesquisadores buscam localizar na infância a causa

do comportamento empreendedor.

Machado (2002) ainda afirma que, em determinado ponto, o contexto passa

a ser relevante para entender a escolha pela atividade empreendedora, utilizando

para isso as teorias sócio-psicológicas.

Apesar da variedade de referenciais utilizados pode-se dizer, de forma geral,

que as pesquisas com base na Economia estão voltadas prioritariamente aos

resultados da atividade empreendedora para os sistemas econômicos. Nela, os

empreendedores aparecem como aqueles que criam novas combinações (novos

mercados, novos produtos, novos processos e sistemas de distribuição). Nos

estudos com base na Sociologia, o empreendedor aparece como aquele que inicia

negócios. No entanto, tais investigações têm excluído o indivíduo reflexivo que está

na base dos processos de criação e manutenção das organizações. Por fim, nas

investigações com base na Psicologia, o empreendedor aparece como um indivíduo

que possui traços específicos (BRUIN; BRUSH; WELTER, 2006). Neste tipo de

investigação, não aparece a condição singular do sujeito concreto e a especificidade

qualitativa das entidades grupais. Em síntese, o tipo de sujeito e de espaço social

nos quais a atividade empreendedora é desenvolvida têm sido ignorados em todas

as vertentes pelas quais o empreendedorismo é estudado.

A partir de cada vertente, o empreendedorismo é estudado em conformidade

com uma concepção de homem específica, levando a entendimentos diferenciados

sobre seu conceito. Na vertente econômica predomina o entendimento do homem

como sendo um ser racional, capaz de tomar decisões ótimas quando está à frente

de negócios. Na vertente psicológica há uma tendência em considerar o homem

como possuindo uma natureza humana universal, capaz de criar e inovar,

independentemente das condições concretas em que está inserido. Na vertente

sociológica predomina a noção de homem determinado pelas condições sociais.

29

Dessa forma, alguém nascido em determinado meio, teria como destino ser

empreendedor.

O que se propõe nesta produção acadêmica é considerar o

empreendedorismo como um fenômeno social, um comportamento, ação e situação,

que é observado na sociedade ocidental moderna. O empreendedorismo é

efetivado pelo indivíduo e afetado pela situação concreta em que ele se encontra. A

constituição do empreendedor não acontece somente no plano individual ou social,

mas em uma combinação em que o indivíduo, sendo capaz de modificar o social,

pode transformá-lo em psicológico e assim, criar a possibilidade do novo.

Uma temática interessante e que igualmente recebe pouca atenção é o

gênero. Estudar gênero, para Strey (1998), é algo importante seja qual for a área de

conhecimento. Para a autora, o conceito abre espaço para uma compreensão

renovadora e transformadora de homens e mulheres, sendo “importante salientar as

interações sociais que influem nos resultados educativos e ocupacionais” (STREY,

1998, p. 184).

No caso das empreendedoras, em particular, as condições de desigualdade

de gênero que permeiam a sociedade incidem sobre a conduta real de mulheres

reais. Para esclarecer melhor a questão de gênero e empreendedorismo, na próxima

seção serão apresentados os aspectos relacionados a estes dois tópicos, mas

especificamente com relação à condição de gênero vista sob uma perspectiva sócio-

histórica.

2.2 EMPREENDEDORISMO E GÊNERO

Até o século XVIII, as diferenças entre masculino e feminino eram

concebidas a partir de uma visão religiosa. Após o advento da era científica, o sexo

passou de uma concepção divina para uma concepção da natureza humana

(SEVERIANO, 2007). Dessa forma,

[...] cabia à natureza nos gerar geneticamente com apenas um dos dois possíveis sexos: o masculino ou o feminino. Na puberdade, essa mesma natureza se encarregaria de evidenciar ainda mais as características físicas do sexo genético que recebemos no nascimento (SEVERIANO, 2007, p. 12).

30

A naturalização leva a considerar os comportamentos como característicos

de cada sexo. Partindo dessa premissa, haveria uma maneira certa de ser homem

ou mulher. Essa concepção naturalista e suas consequências no campo

comportamental influenciavam também o relacionamento entre os sexos, para

aqueles casos em que o relacionamento não fosse considerado normal, onde

deveria haver tratamento, punição e/ou segregação (SEVERIANO, 2007).

O conceito gênero surge na década de 1970 com a finalidade de diferenciar

sexo, que é categoria analítica marcada pelas características biológicas, da

dimensão que engloba características históricas, sociais e políticas, marcando a

lógica de diferenciação entre homem e mulher (MATOS, 2008). Nos diversos ramos

das ciências, os estudos que contemplavam as diferenças entre homens e mulheres

tinham pouca expressão até o quadro ser revertido por conta dos movimentos

feministas que ganharam força especialmente em meados século XX, tratando de

dar sentido e criticar a subordinação da mulher frente aos modelos masculinos

presentes em quase todos os espaços sociais (MATOS, 2008; CERCHIARO;

AYROSA; ZOUAIN, 2009).

Por meio da categoria gênero foi possível distinguir entre as características

físicas, as representações sociais associadas ao masculino e/ou feminino. Portanto,

ser mulher ou homem é mais do que ser do sexo feminino ou masculino, pois as

características anatômicas não determinam em si mesmas:

[...] o desenvolvimento posterior em relação a comportamentos, interesses, estilo de vida, tendências das mais diversas índoles, responsabilidades ou papéis a desempenhar, nem tampouco determina o sentimento ou a consciência de si mesma/o, nem as características de personalidade do ponto de vista afetivo, intelectual ou emocional, ou seja, psicológico. (STREY, 1998, p.183).

Nesse sentido, o movimento feminista permitiu ver que, além de modos de

produção específicos, as sociedades também possuem um conjunto de arranjos

permitindo transformar as características biológicas em produtos da atividade

humana. O sistema de gênero possui componentes tais como, a divisão sexual do

trabalho e definições sociais que comportam, por sua vez, mundos sociais (STREY,

1998). No entanto, as teorias feministas colocam foco sobre o resultado das

diferenças entre os gêneros na ordem social, e não como tais diferenças são

constituídas (AHL, 2006) ou como afetam a subjetividade dos indivíduos.

31

Diversos autores (STREY, 1998; AHL, 2006; SANTOS, 2008; NATIVIDADE,

2009) concordam que as diferenças atribuídas a homens e mulheres se originam no

social e não no biológico. As diferenças de gênero, dessa forma, são constituídas a

partir da cultura, ou seja, tais diferenças referem-se a uma divisão social. Kahhale

(2002) menciona que as transformações ocorridas no corpo são significadas na

cultura, sendo necessário levar em consideração a concepção histórica das

identidades de gênero.

Apesar da universalidade em que são apresentados os processos de

identificação de gênero, ele também é uma constituição subjetiva. González Rey

(2010) afirma que gênero pode ser entendido como um espaço simbólico produzido

pela cultura, alimentando-se das emoções particulares configuradas na história de

cada sujeito.

Assim, pode-se registrar que as questões de gênero funcionam como

produções sociais, configuradas a partir dos significados atribuídos pelo próprio

indivíduo, que lhes confere um sentido único. Tenha-se presente que o significado

dado socialmente acontece também em nível individual. Em outras palavras, gênero

aparece como uma construção social e, como tal, depende em parte de como a

sociedade percebe o macho como homem e a fêmea como mulher, além de ser

configurado individualmente (GONZÁLEZ REY, 2003, 2010). Isso advém da relação

dialética entre a atribuição de determinada classificação social dada a um indivíduo

e o ser reflexivo que interpreta a si mesmo e ao seu ambiente físico e social por

meio da simbolização.

Considerar gênero como uma produção também subjetiva abre

possibilidades para escapar do dualismo masculino/feminino. Isso porque as

questões de gênero não podem ser separadas de questões sociais e significações e

ressignificações no plano individual. A constituição dos indivíduos se dá na junção

entre as forças sociais e ação do sujeito. Dito de outra forma, o sujeito é produtor da

realidade ao mesmo tempo em que reproduz as forças sociais (SEVERIANO, 2007).

Apesar dos movimentos feministas terem auxiliado na luta contra a opressão

presente na divisão social entre homens e mulheres, percebem-se ainda assimetrias

de gênero e a dominação masculina na sociedade ocidental, em especial no mundo

do trabalho e dos negócios. Menezes e Heilborn (2008) afirmam que ainda hoje é

atribuído ao homem o espaço público, trabalho não doméstico e a responsabilidade

de ser provedor. Bruni, Gherardi, e Poggio (2004) suscitam que o discurso da

32

produção acadêmica, quando trata das empreendedoras, ainda reserva à mulher um

lugar subalterno. As autoras esclarecem que, nas investigações sobre o tema, a

mulher aparece como parte de um grupo pequeno e marginalizado: o “outro”.

A posição hegemônica do homem, embora nem sempre declarada na

literatura sobre o empreendedorismo, ainda está presente, pois o ponto básico é

evidenciar aquilo que a mulher não é, utilizando-se das características masculinas

como parâmetro (OGBOR, 2000). Essa percepção é compartilhada por Sousa,

Almeida e Paiva Jr. (2010), que encontram no discurso sobre empreendedorismo um

papel secundário para a mulher. Os autores afirmam que elas ficam circunscritas a

guetos, enquanto os homens são vistos como arquétipos de empreendedores.

Natividade (2009), ao avaliar as diferentes formas de aplicação dos recursos

nacionais, por meio do desenvolvimento econômico e da participação feminina

empreendedora, constatou que apesar dos avanços, em especial com a criação da

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, há ainda um longo caminho a

percorrer. Tal percurso passa também por uma nova perspectiva de gênero com

recorte étnico-racial, pois os legisladores ainda possuem

[...] uma percepção naturalizada [...], com características modelares hegemônicas da visão masculina ao lidarem no campo político com as desigualdades vivenciadas por essa parcela populacional (NATIVIDADE, 2009, p. 20).

A produção acadêmica brasileira sobre empreendedorismo e gênero está

concentrada nos eventos científicos. Nas 06 edições do Encontro sobre

Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Egepe), foram publicados 13

artigos entre os 245 da área de empreendedorismo. O resultado em termos

quantitativos pode ser visto na Tabela 1.

TABELA 1 - Artigos publicados sobre gênero no Egepe

Edição Total de artigos sobre empreendedorismo

Total sobre gênero

Percentual Aproximado

I 12 01 8% II 32 03 9% III 23 02 8% IV 51 01 2% V 71 03 4% VI 56 03 5% Total 245 13 5%

Fonte: Elaborado pela autora

33

Enquanto a produção sobre empreendedorismo cresce consideravelmente,

os estudos sobre gênero se mantém estáveis ao longo do tempo.

A verificação das publicações mais recentes foi realizada também nos anais

do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Administração (EnAnpad). A busca foi concentrada nas Divisões de Estratégia em

Organizações (2006, 2007, 2008, 2009 e 2010) e Estudos Organizacionais (2009 e

2010). A inclusão na pesquisa da divisão de Estudos Organizacionais se deu em

função da mudança nos temas de interesse do evento a partir de 2009. Nesse ano

foi criada uma área específica para as questões de gênero, novamente alterada no

ano seguinte: Gênero e Diversidade em 2009 e Diversidade e Trabalho em 2010.

Foram encontrados 90 trabalhos sobre empreendedorismo nas divisões

pesquisadas dos quais 10, versavam sobre empreendedorismo e gênero.

TABELA 2 - Artigos publicados sobre gênero e empreendedorismo no Enanpad

Ano Total Sobre Gênero 2006 23 02 2007 21 02 2008 25 01 2009* 12 03 2010* 09 02 Fonte: Elaborado pela autora * Houve mudança na distribuição das áreas temáticas com os artigos sobre gênero indo para a área de Estudos Organizacionais

No evento investigado, a produção de artigos sobre gênero e

empreendedorismo manteve-se estável nos cinco anos analisados.

Os objetivos dos trabalhos publicados e os achados das pesquisas têm, de

certa forma, privilegiado as representações sociais das mulheres sobre a própria

atuação no mundo dos negócios. Outro assunto que parece despertar o interesse

dos pesquisadores é a análise da produção científica dos trabalhos publicados, bem

como desvendar as formas de atuação e perfil das mulheres na gestão das

empresas. A seguir, estão demonstrados os resultados das pesquisas mais recentes

publicadas nos dois eventos.

Gimenez et al. (2000), ao compararem perfis de 66 indivíduos de ambos os

sexos, não encontraram diferença estatisticamente significativa para afirmar que as

mulheres adotavam um modelo a ser seguido. Mesmo assim, do total de mulheres,

79% apontaram pai, mãe, amigos, parentes, empregadores anteriores e professores

34

como referencial de empreendedor, enquanto menos da metade dos homens indicou

possuir tal modelo. Na maioria dos aspectos pesquisados (valores, estrutura da

empresa, processo decisório, entre outros), os dados indicaram semelhança entre

empreendedores e empreendedoras.

Machado, Barros e Palhano (2003) levantaram dados sobre as

empreendedoras do Paraná. A amostra da pesquisa foi de 183 casos provenientes

de cinco cidades do norte paranaense. Na investigação, as autoras perceberam que

a maior parte das empresas geridas por mulheres é formada de pequenas

empresas. Esse dado evidencia, conforme a conclusão das autoras, a necessidade

da criação de políticas públicas que possibilitem o crescimento dessas empresas.

Outro ponto destacado no artigo é que as empresas impactam também na dinâmica

familiar, uma vez que é nesse grupo onde as mulheres buscam as pessoas que

necessitam para gerir o negócio.

Miranda e Silveira (2010) entendem o empreendedorismo como uma

combinação de traços individuais, podendo se manifestar no âmbito das

organizações, sem necessariamente estar ligado à propriedade de empresas. As

autoras buscaram verificar como as gestoras de uma instituição de ensino superior

percebiam o empreendedorismo corporativo, e chegaram à conclusão que iniciativa,

dinamismo, confiança, ousadia, preocupação social, visão de futuro,

responsabilidade, senso de oportunidade, conhecimento, desprendimento e

relacionamento foram mencionados como elementos básicos no processo de

empreendedorismo corporativo.

Machado (2001) investigou a inserção da mulher na atividade

empreendedora em diferentes localidades, verificando as políticas públicas adotadas

para fortalecer os pequenos negócios geridos por mulheres. As evidências

encontradas permitem afirmar que existem dificuldades que são constituídas a partir

da representação social da mulher e seu lugar na sociedade. Para a autora,

[...] mesmo nas sociedades onde a sua representatividade é maior, pode-se perceber que entrelaçar os domínios social e econômico representam uma dificuldade para as mulheres na condição de empreendedoras (MACHADO, 2001, p. 386).

Moraes et al. (2008) procuraram caracterizar a atuação da mulher em

organizações do terceiro setor. Os autores consideram o empreendedorismo como

35

uma característica pessoal ligada a ações sociais. No entanto, apesar de denunciar

que “a questão de gênero no campo organizacional tem produzido atitudes

excludentes com relação às mulheres no exercício de cargos estratégicos sendo

relegadas a elas poucos espaços nas organizações tradicionais” (p. 1), os autores

parecem perpetuar a exclusão. Isso porque no trabalho, eles reservam às mulheres

um espaço que poderia ser típico delas, “dada sua natureza de cuidar do outro”

(MORAES et al., 2008, p. 1).

Machado (2006) investigou a inserção de mulheres herdeiras na gestão da

empresa familiar. A autora analisou as características da empresa familiar e afirma

que as transformações no cenário social, tais como igualdade de gênero e

autonomia individual, afetaram as organizações familiares. O foco dos estudos neste

tipo de organização passou daquele centrado na figura do homem para considerar a

presença de mulheres na gestão, como potenciais sucessores. O preparo dos

herdeiros e as maneiras de realizá-lo são apontados na literatura especializada

como pontos críticos da passagem para a nova geração.

Ao elencar os trabalhos que tratam do lugar das herdeiras na sucessão,

Machado (2006) demonstra uma série de resultados que indicam que a mulher tem

sido colocada em segundo plano em termos de sucessão e gestão. Alguns dos

resultados da pesquisa apontaram que, as mulheres são ignoradas em empresas

brasileiras pertencentes a famílias de origem italiana, exercem papéis subalternos

nas empresas, têm que trabalhar por mais tempo, ganham menos e possuem

dificuldades para ascender profissionalmente.

A pesquisa de Machado (2006) indicou que existem certas limitações às

sucessoras, resultantes daquilo que ela chamou de aspectos culturais, tais como: a

preferência por herdeiros do sexo masculino, barreiras sociais em função da

expectativa de papéis direcionados à mulher como o de mãe, esposa e dona de

casa.

Partindo da análise das representações sociais, Dias et al. (2006) mostram

como a figura da empreendedora aparece na mídia de negócios no Brasil. Para os

autores, as mulheres empreendedoras são retratadas como possuindo

características especiais ditas femininas que permitiriam a elas obter sucesso. Essas

peculiaridades seriam firmeza, objetividade, exigência, dedicação excessiva ao

trabalho, flexibilidade, capacidade de aprender, ouvir e inovar. No entanto, mesmo

possuindo tais atributos elas ainda conservariam os papéis tradicionalmente

36

destinados às mulheres como o de mãe e administradora do lar. Os pesquisadores

percebem que, ao mesmo tempo, são mostradas mulheres de negócios que

possuem características tipicamente relacionadas ao universo masculino como:

dedicação ao trabalho fora do ambiente doméstico, firmeza e força.

O discurso jornalístico acerca das empreendedoras reforça o “individualismo

e personalismo do sujeito, com enfoque no discurso liberal calcado na meritocracia”

(DIAS et al., 2006, p. 13), mas ao mesmo tempo, não se diferencia de outros tipos

de revistas, como aquelas especializadas em moda e beleza, pois retratam a mulher

a partir de referenciais tradicionalistas. “Mesmo quando a própria retratada não

parece enquadrar-se nas exigências das atividades domésticas, é ainda considerada

uma dona-de-casa, só que atípica, ou então, alguém que escapou de seu próprio

destino” (DIAS et al., 2006, p. 13).

Em uma continuidade do trabalho, as mesmas autoras (DIAS et al., 2007)

incluem uma revista americana na análise, com o objetivo de investigar a construção

imagética do sujeito feminino na mídia de negócios brasileira e estrangeira. Elas

partem dos pressupostos que: i) existe dominação masculina e que ela interfere nas

formas de se enunciar a mulher inserida nas relações estabelecidas pelo capital e,

sobretudo, daquelas estabelecidas dentro das organizações; ii) existem

desigualdades de gênero; e iii) a mídia possui um papel articulador e difusor de uma

visão de mundo particular, edificando ideias, comportamentos, projetos econômicos

e políticos.

Os resultados da pesquisa indicam que as executivas retratadas na Revista

Fortune, um dos veículos analisados, aparecem como se fossem parte das

empresas. Em outras palavras, não há menção da trajetória ou vida pessoal das

executivas. Já na Revista Exame, as autoras constataram que aspectos da vida

pública e privada das executivas são levados em consideração. Nas narrativas,

havia certa admiração por aquelas que conseguiam harmonizar a vida doméstica,

com os afazeres profissionais e obter sucesso no mundo do trabalho. Segundo as

reportagens, também eram objeto de nota as mulheres diferentes, no sentido de não

gostar ou não ligar para a vida doméstica, veladamente indicando que este seria seu

lugar natural. Ao concluir o artigo, as autoras afirmam que:

Ao destinar uma série de reportagens elogiosas a proprietárias e executivas “bem sucedidas”, a revista Exame acaba reproduzindo o que a literatura pop-management inaugurou há algumas décadas: com refletores

37

iluminando exclusivamente os sujeitos, deixando de lado as derrotas e, sobretudo, os aspectos sócio-econômicos que incidem em suas trajetórias profissionais, as mulheres retratadas são exemplos de comportamento ideais difundidos para a sociedade como um todo (DIAS et al., 2007, p. 13).

Em uma mesma linha de pensamento, Menezes e Bertucci (2009) buscaram

levantar as representações sociais daquelas que se consideram mulheres de

negócios. As pesquisadoras partem do pressuposto que as concepções de gênero

são formadas em um processo histórico, cultural e social, e que se manifestam por

meio do discurso. Os resultados mostram que as representações contidas nos textos

analisados registram uma representação antagônica, uma vez que as mulheres

possuem uma trajetória de luta constante na busca de conquistas em um espaço

predominantemente masculino. A qualificação profissional aparece como um fator

legitimador do espaço conquistado.

Nesses trabalhos (DIAS et al., 2006, 2007; MENEZES; BERTUCCI, 2009), a

realidade social possui natureza discursiva, cuja manifestação revela como as

representações são incorporadas e retratadas pela sociedade e pelos indivíduos que

dela participam.

As representações sociais sob outras perspectivas e incidindo sobre o papel

da mulher também têm sido estudados como nos trabalhos a seguir..

Cramer, et al. (2001) buscaram compreender qual a representação social da

mulher no mundo dos negócios. Eles perceberam que a socialização na infância

possui grande influência sobre o sistema de representações das empreendedoras

entrevistadas. Os autores identificaram características ditas femininas que foram

sendo constituídas socialmente, além das expectativas de papéis que são atribuídos

à mulher e que geram cobranças delas mesmas e das pessoas a elas ligadas em

relação a estes papéis (mãe e esposa).

Jonathan (2003) realizou um estudo com 16 empreendedoras com o objetivo

de descrever o mundo simbólico das proprietárias de empresas do setor de

tecnologia. Um achado interessante do estudo é a tríplice demanda que recai sobre

as mulheres. A autora relata que as respondentes “enfatizaram sua necessidade de

harmonizar aspectos de sua vida pessoal, profissional e familiar” (JONATHAN, 2003,

p. 46). Tais demandas podem ser reflexo das expectativas sociais que recaem sobre

as mulheres, fazendo com que elas mesmas se vejam obrigadas a agir em acordo

com os papéis a elas designados pela sociedade.

38

Birley e Muzyka (2001) afirmam que as pesquisas mostram que as mulheres

ainda realizam em torno de 70% das tarefas domésticas e que, ao responder

perguntas sobre a quem caberia a responsabilidade pelo cuidado das crianças, elas

acreditam que tal atividade deva ser prioritariamente responsabilidade delas.

Machado et al. (2008) entrevistaram 30 empreendedoras para verificar qual

é o significado de sucesso e fracasso para elas. No trabalho, é admitido que os

significados se transformam ao longo do tempo, mas na pesquisa realizada, as

autoras constataram que os significados atribuídos poderiam ser agrupados em

duas categorias: aspectos pessoais e gerenciais. Dito de outra forma, quando as

empreendedoras falavam de sucesso tanto indicavam características pessoais

quanto se referiam à gestão dos negócios. De igual maneira, elas também

significavam o fracasso nas mesmas categorias.

Algumas pesquisas (FERREIRA; GIMENEZ; RAMOS, 2004; FREITAS et al.,

2009) são realizadas levando-se em conta o gênero como categoria de análise e

não como um processo socialmente instituído. Este tipo de trabalho tenta mostrar

que o empreendedorismo não é afetado pela variável gênero.

Ferreira, Gimenez e Ramos (2004), partindo do pressuposto que todos os

indivíduos são empreendedores variando apenas em intensidade, buscaram

diferenças estatisticamente significativas entre potenciais de homens e mulheres. Os

resultados não indicaram que a variável gênero interferisse na intensidade

empreendedora dos indivíduos. Para eles:

A exploração das relações propostas permite afirmar que o potencial empreendedor dos indivíduos está distribuído normalmente entre a população e independe de gênero. A distribuição normal é peculiar de diversos fenômenos naturais (BARBETTA, 2001) e, ao ser encontrado nesta amostra, pode apontar para o empreendedorismo como uma característica inerente ao ser humano (FERREIRA; GIMENEZ; RAMOS, 2004, p.15).

Esse resultado é corroborado por Freitas et al. (2009), utilizando o

instrumento de medida Carland Entrepreneurship Index em uma amostra de 171

empreendedores, não encontrando diferenças entre homens e mulheres em relação

ao potencial empreendedor.

Na condução dos negócios no ambiente brasileiro, parece que homens e

mulheres enfrentam os mesmos tipos de dificuldades. Esta afirmação é asseverada

por Vale e Serafim (2010), ao constatarem que entre 178 empresas, os problemas

39

sentidos por mulheres e homens no cotidiano eram muito similares. Os autores

perceberam no relato dos empresários que a forte concorrência, a presença de uma

carga tributária elevada e a dificuldade de obter mão de obra qualificada, constituíam

suas principais preocupações.

O empreendedorismo feminino também tem sido utilizado como pano de

fundo para defender determinados métodos de ensino e para mostrar a relevância

de algumas técnicas de coleta de dados como pode ser observado nos trabalhos a

seguir.

Novaes et al. (2008) partem do pressuposto que o empreendedorismo nasce

das inclinações e interesses pessoais e que, por esta razão, pode ser melhor

compreendido a partir dos relatos individuais. Dessa forma, defendem um método de

ensino baseado em história de vida. Para eles, tal método pode representar um

interessante recurso para despertar o interesse pelo empreendedorismo e também é

alternativa aos estudos de caso.

Em um estudo utilizando a técnica de história de vida com a intenção de

identificar os fatores que contribuíram para a escolha da atividade empreendedora

no setor agropecuário, Tóffolo (2001) percebeu que as mulheres entrevistadas

atribuem a sua escolha o traço de personalidade construído ou recebido por parte

dos pais e/ou do marido.

Penaloza et al. (2008), investigando o empreendedorismo como escolha

profissional entre estudantes do sexo feminino, perceberam que elas não estavam

interessadas na atividade. Do total de 202 estudantes da amostra, 14,4% afirmou

que tinha interesse na atividade empreendedora como escolha profissional. A

maioria das respondentes gostaria de ingressar no serviço público (em torno de

35%). A argumentação do artigo parece indicar que os papéis atribuídos à mulher na

sociedade influenciam nas escolhas profissionais. Por isso elas estariam mais

voltadas para o emprego formal do que para a atividade empreendedora. As

limitações impostas por tais papéis estão representadas na baixa taxa de inserção

das mulheres-cônjuges e mães em atividades remuneradas.

Zampier, Takahashi e Teixeira (2010), analisaram como as docentes

desenvolvem a competência empreendedora. Para as autoras, tal competência é um

conjunto formado por características como: capacidade de relacionamento em rede,

habilidades conceituais, capacidade de gestão, facilidade de leitura, posicionamento

em cenários conjunturais e comprometimento com interesses individuais e da

40

organização. As pesquisadoras verificaram que as professoras da amostra

desenvolviam a competência empreendedora por vias formais (cursos) e informais,

utilizando leituras, participação em congressos, realização de orientações e por meio

da rede de relacionamentos e troca de experiências.

Uma continuidade deste trabalho foi publicada por Zampier e Takahashi em

2010, com o objetivo de averiguar como as mulheres lidam com os conflitos oriundos

da relação família-trabalho no desenvolvimento de suas competências. Elas partem

do pressuposto que existem conflitos na relação trabalho-família e que tais

elementos podem ser enquadrados em três dimensões: tempo, tensão e

comportamento. Os resultados apontaram que o tempo é, entre as dimensões,

aquela que possui maior potencialidade de geração de conflito com a família. As

ações realizadas para lidar com tais dimensões vão desde o compartilhamento das

atividades familiares até a opção por não constituir família.

A análise da produção científica sobre o empreendedorismo feminino,

também desperta a atenção dos pesquisadores. Foram encontrados dois artigos

(CASSOL; SILVEIRA; HOELTGEBAUM, 2007; GOMES; SANTANA; ARAÚJO, 2009)

tratando do tema nos últimos cinco anos.

O artigo de Cassol, Silveira e Hoeltgebaum (2007) analisou a produção

científica sobre empreendedorismo feminino publicada nos periódicos da área de

administração e de negócios em Ciências Sociais, indexados na base de dados do

ISI de 1997 a 2006, segundo as dimensões do modelo de Gartner que contempla

quatro dimensões: individual, ambiente, organização e processo. Os resultados

encontrados indicam que a maior parte dos estudos trata da dimensão individual

com 86% dos artigos, buscando identificar diferenças entre homens e mulheres. As

autoras advogam que isso pode ser explicado pelas “curiosidades acerca das

diferenças oriundas de gênero, e muitos fatores considerados influentes sobre a

atividade empreendedora (CASSOL; SILVEIRA; HOELTGEBAUM, 2007, p. 10).” A

dimensão que menos foi analisada, segundo os dados da pesquisa, foi a de

processo. Nesta dimensão foram incluídos os artigos que tratam o

empreendedorismo como um processo social que “também é afetado por

modificações sociais, por fatores como a globalização e, até mesmo, pelos reflexos

como os das ações da China, sobre a instabilidade do mercado internacional”

(CASSOL; SILVEIRA; HOELTGEBAUM, 2007, p. 12).

41

Gomes, Santa e Araújo (2009) também analisaram a produção científica

sobre empreendedorismo feminino. Os autores concentraram a busca em periódicos

nacionais, nos anais do Enanpad, além da base de dados internacional disponível

no Portal de Periódicos da Capes. Foram encontrados 82 artigos que, em sua

maioria, se utilizam de surveys como forma prioritária de coleta de dados, resultando

na apresentação simples dos achados sem avançar em contribuições teóricas. Para

os autores:

[...] a maioria das poucas pesquisas que a analisa [questão de gênero em Administração] prende-se a descrições essencialistas como se as mulheres possuíssem, na sua natureza, características como sensibilidade, perseverança, estilo cooperativo, disposição de trabalhar em equipe, etc. (GOMES; SANTA; ARAÚJO, 2009).

Na conclusão, os autores convocam os pesquisadores a realizar uma

produção mais aprofundada e crítica que, ao ser realizada, demandaria também

uma discussão da pesquisa sobre gênero em toda a área da Administração. No

entanto, eles não especificam a profundidade ou que tipo de discussão resultaria de

tal ação dos pesquisadores.

Em outra seção deste trabalho, foi constatado que a produção sobre

empreendedorismo vem sendo feita mais recentemente, com o apoio de teorias que

estão ligadas à formação de redes. No empreendedorismo feminino, esta influência

ainda não é marcante, pois em apenas um dos artigos (VALE; SERAFIM, 2010) foi

utilizado este referencial para conduzir as análises.

Vale e Serafim (2010), utilizando as reflexões de Granovetter sobre o poder

dos laços fracos e a imersão, compararam o processo de criação de empresas de

homens e mulheres em uma amostra de 178 organizações. As autoras advogam

que homens e mulheres, em função da evolução histórica do papel de cada um na

sociedade, estão imersos em diferentes tipos de relações sociais. Para o homem, as

ligações que sustentam as relações sociais são mais abertas. Já as mulheres estão

imersas em laços mais fortes e são “protegidas por uma rede de relações familiares”

(VALE; SERAFIM, 2010, p. 2).

Em face desses pressupostos, a conclusão defendida pelas autoras é que

os processos de abertura de empresas são desiguais, onde a diferença é fundada

na forma com que elas utilizam suas redes sociais. Para as autoras:

42

Mesmo nos dias de hoje, mulheres e homens encontram-se embeddeded em redes sociais diferentes. Tais diferenças, por sua vez, condicionam ou influenciam a natureza dos empreendimentos que são capazes de construir. Diferentemente dos homens, as mulheres parecem mostrar-se mais sensíveis à influência de terceiros, tanto no que diz respeito à decisão de criar uma empresa, quanto na gestão do dia a dia da empresa. Ao mesmo tempo, no processo de criação de seus empreendimentos, são menos movidas que os homens pela identificação de uma oportunidade de negócios, o que sugere a presença de função objetivo ou motivação mais difusa (VALE; SERAFIM, 2010, p. 13).

Apesar de ser pouco utilizada em empreendedorismo feminino, a teoria de

redes é reconhecida por ser um campo promissor para as futuras investigações

(MACHADO et al., 2010).

Entre os artigos publicados nos eventos, encontram-se os que alertam para

a possibilidade de transformação social por meio da atividade empreendedora

feminina, como é o caso do trabalho de Sousa, Almeida e Paiva Jr. (2010). Os

autores propõem tratar o empreendedorismo de forma mais ampla do que a simples

abertura de empresa, e considerá-lo como um fenômeno social que relaciona

indivíduo, organização e ambiente em uma interação dialógica. Ao analisar o

empreendedorismo feminino utilizando um documentário sobre quatro comunidades

do semiárido nordestino, eles perceberam que as ações das mulheres inseridas no

projeto de conservação e uso sustentável da caatinga, contrariam a visão

hegemônica do empreendedorismo, enfatizando a atuação coletiva e consciência

política (no plano social), e o aumento da autoestima e satisfação pessoal (no plano

individual).

Além das pesquisas já realizadas, encontrou-se também um trabalho

indicando os caminhos para a pesquisa em empreendedorismo feminino. Tal

produção foi elaborada por Machado et al. (2010) que, ao analisar a produção

científica, perceberam o quanto a área carece de estudos longitudinais, e que a

teoria de redes e as diferenças entre mulheres empreendedoras são tópicos ainda a

serem explorados. Para eles, há muito para se conhecer sobre crescimento e

fracasso de empresas administradas por mulheres. A identificação e o impacto das

políticas públicas também fazem parte do rol de assuntos que Machado et al. (2010)

indicam como importantes na pesquisa sobre empreendedorismo feminino.

Ahl (2006), partindo de uma análise feminista que reconhece a subordinação

histórica da mulher ao homem igualmente indica direcionamentos para a pesquisa

com mulheres empreendedoras. A autora denuncia as práticas discursivas que

43

mantêm o homem em posição de poder e afirma que fatores estruturais, históricos e

culturais foram historicamente negligenciados na pesquisa acadêmica.

Em retrospecto, percebe-se uma tendência na produção científica da área

em tratar gênero como um processo socialmente constituído e não mais como uma

variável, em especial utilizando as representações sociais. Pode-se ainda afirmar, na

maioria das produções científicas da área, a predominância de artigos que mostram

dados e estatísticas a respeito da atividade empreendedora de mulheres. Tal

produção é, por vezes, relatada como sendo acrítica e/ou com pouca validade

científica (Gomes, Santana e Araújo, 2009). No entanto, o conhecimento das

características dos negócios e perfil das empreendedoras possui validade científica,

podendo auxiliar no entendimento das condições concretas em que as mulheres

estão inseridas. Essa afirmação é corroborada por Machado et al. (2010), quando

atestam que faltam estatísticas sobre a atividade empreendedora. Isso é

especialmente importante na realidade brasileira, pois podem servir de fundamento

para criação de políticas públicas de incentivo à atividade empreendedora de forma

mais eficaz. Além disso, as estatísticas têm auxiliado na priorização de certos

programas de capacitação.

Tentando uma aproximação com uma produção que permita desvelar as

condições concretas em que se encontram a mulher empreendedora e como são

configuradas as diversas experiências na constituição de sua subjetividade, a

próxima seção trata do sujeito em uma concepção sócio-histórica. Esse tema, como

já justificado, pode dar conta de alguns caminhos indicados e algumas críticas feitas

à produção, em especial a nacional, sobre o empreendedorismo feminino.

2.3 CONCEPÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DE CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E SUBJETIVIDADE

O termo sócio-histórico tem sido utilizado para nominar a teoria formulada

por Vigotski e seus seguidores. No entanto, não é a única expressão encontrada. As

palavras sociocultural e histórico-cultural são igualmente utilizadas para designar os

escritos dos autores que se perfilham ao pensador russo. Para Bock, Gonçalves e

Furtado (2002), “cultural” no Brasil não reflete a tradição Marxista que está na

44

gênese da corrente, e o termo sócio-histórico para estes autores, parece ser mais

coerente e é termo escolhido nesta tese.

A concepção sócio-histórica, relativamente nova no ocidente, vem sendo

utilizada para sustentar um entendimento do homem e sua natureza histórica. Tal

perspectiva traz um entendimento da realidade em que o indivíduo não está

dissolvido, nem fragmentado, nem é determinado pelas condições sociais, mas sim

sujeito ativo na construção da realidade. Segundo Paula e Palassi (2007), essa

proposição se afasta das propostas de construção social da realidade, como

postuladas por Giddens e Bourdieu, porque nestas, o sujeito tem importância

reduzida.

A ideia de um enfoque sócio-histórico, que é caracterizado pelo

entendimento de homem imerso em relações sociais e podendo ser compreendido

somente a partir de tais relações, foi concebida em função da crença de Vigotski na

existência da relação entre conceito científico e realidade concreta. Vigotski (2009)

afirma que existe uma relação intrínseca entre os elementos interno e externo na

constituição da psiquê, pois nela estão incorporados sedimentos da realidade

(material imediato) que, por sua vez, representam a origem do pensamento abstrato.

Portanto, em Vigotski, a relação entre o sujeito e o objeto é socialmente

mediada (MOLON, 2010), ou seja, o conhecimento é mediado. No processo de

mediação social, a interação é elemento relevante e acontece por meio da atividade

(KOZULIN, 1994). Os fenômenos psíquicos não podem ser considerados e

estudados como meros objetos, mas como processos em mudança (SIRGADO,

1990).

Molon (2010) registra que dentre as temáticas derivadas dos escritos de

Vigotski, a subjetividade e a constituição do sujeito se destacam. O uso dos escritos

de Vigotski, para compreender a constituição da subjetividade dos indivíduos,

implica em admitir que exista uma articulação dialética entre interno e externo.

Freitas (2002) corrobora essa ideia dizendo que isso auxilia no entendimento do

indivíduo em sua totalidade, considerando a relação entre o sujeito e a sociedade a

qual ele pertence.

45

2.3.1 Sujeito e subjetividade

Existem várias concepções do processo de subjetivação humana. Silva

(1998) oferece um panorama sobre as diversas concepções dos processos de

subjetivação. O autor aponta que as ideias dicotômicas em relação ao homem

(mente e corpo, objetividade e subjetividade), que nortearam o entendimento sobre a

formação da subjetividade humana, podem ser rastreadas até Platão, com sua

concepção da separação entre corpo e espírito. Tal entendimento, segundo Sawaia

(2010), não tem dado conta da relação complexa existente entre indivíduo e

sociedade, ou entre a constituição das funções psicológicas humanas e sociedade.

Em resumo, a constituição da subjetividade sofreu as implicações das

restrições conceituais impostas pela separação entre mente e espírito. As

características das teorias decorrentes deste pensamento redutor fizeram do “sujeito

cognoscente, um sujeito empírico” (MOLON, 2010, p. 17). Assim como reduziram a

consciência à cognição e a subjetividade à objetividade, fazendo entender que o que

era considerado ciência se resumia ao fenômeno observável.

Gonçalves (2002) afirma que a concepção de sujeito é influenciada por

crenças, valores e conhecimentos resultantes de uma produção humana. Essa por

sua vez, reflete a realidade de um momento histórico. Dessa forma, a noção de

sujeito produzida pela modernidade é a de indivíduo livre, capaz de decidir que lugar

ocupar na sociedade. Essa concepção tem origem, segundo a autora, no liberalismo

econômico, para o qual todos os homens são iguais e dotados de interesses

próprios e individuais.

As diversas formas de entendimento de homem abrem “espaço para uma

nova experiência de individualidade, mais especificamente de subjetividade”

(GONÇALVES, 2002, p. 40). Trata-se de um conceito que, em função do momento

histórico (advento do capitalismo e seu modo de produção) estabelece o homem

como senhor de seu destino. Gonçalves (2002) adverte, no entanto, que a liberdade

subjacente à concepção do sujeito moderno é ilusória e as condições concretas em

que se encontra negam tal liberdade. Nessa linha, novas concepções de sujeito são

demandadas para dar conta de uma perplexidade que abriu caminho para novas

visões de subjetividade.

46

O projeto de Vigotski em relação ao conceito de sujeito e subjetividade pode

ser considerado inovador, uma vez que se centrava na busca do entendimento do

homem, considerando, além de sua constituição biológica, também a sua natureza

social. Para Sawaia (2010, p. 9):

Suas reflexões sobre as funções psicológicas inserem, definitivamente, a sociedade no homem, o biológico no psicológico e vice-versa, rompendo com concepções biologicistas, solipsistas ou deterministas de desenvolvimento humano.

A motivação de Vigotski, segundo Sawaia (2010), era compreender a

criatividade humana sob as determinações sociais. A inovação do pensador russo foi

tratar o sujeito como possuindo um caráter ativo e constituinte, cuja construção

somente pode ser entendida a partir do social. Assim, o sistema explicativo de

Vigotski parte do social para o sujeito, sem lhe tirar a consciência crítica (SAWAIA,

2010). Essa peculiaridade da teoria é calcada em uma proposta de historicidade do

homem e dos processos psicológicos (MOLON, 2010).

Vigotski ressaltou o papel ativo do homem e da cultura: o homem constitui a cultura ao mesmo tempo em que é por ela constituído. Entretanto, o desenvolvimento cultural do homem encontra sustentação nos processos biológicos, no crescimento e na maturação orgânica, formando um processo complexo, no qual o biológico e o cultural constituem-se mutuamente no desenvolvimento humano (MOLON, 2010, p. 93).

Constatando aa limitação da ciência de seu tempo, em especial devido ao

que ele chamou de crise metodológica, Vigotski foi levado a elaborar uma teoria que

possibilitasse a compreensão do homem a partir do entendimento da

processualidade que cerca a constituição do sujeito e da subjetividade. Isto é, para

além do desenvolvimento pela maturação biológica, inserindo nesse processo, a

ideia de individuação calcada em uma noção de inserção social e histórica (MOLON,

2010).

A constituição do sujeito, ou seja, como um indivíduo se torna sujeito

consciente de sua história se dá nas relações sociais. Para compreensão da obra

de Vigotski é necessário entender as concepções filosóficas que fundamentam sua

obra. Para Kozulin (1994), o fundamento da obra de Vigotski encontra-se em Hegel

sob dois aspectos:

47

a) Na ciência do homem histórico de Hegel - A dialética hegeliana teria

levado Vigotski a buscar a origem dos processos psicológicos superiores.

b) Na mediação - Fazendo com que Vigotski pensasse em três tipos de

mediação: signos e instrumentos; atividades; relações interpessoais.

Além disso, Marx também aparece na obra de Vigotski por sua ênfase no

trabalho como importante elemento na constituição e transformação da consciência

humana (KOZULIN, 1994). A influência de Marx sobre Vigotski pode ser percebida

na admissão da necessidade de entendimento do homem a partir das relações

sociais, em especial na origem social da consciência (MOLON, 2010). Ao resumir as

influências de toda a produção do pensador russo, Molon afirma que:

Em síntese, pode-se afirmar que, apesar das particularidades, esses comentadores reconhecem que as ideias fundamentais, como a da gênese e natureza social da consciência, a origem social das funções psicológicas superiores, o papel dos instrumentos e da linguagem, e da atividade produtiva nos processos de humanização encontram inspiração em Marx, Hegel, Engels e Lenin (p.78) [...] Mas Vigotski não apenas dialogou com os autores de sua época e com os psicólogos russos, ele teve interlocutores da tradição filosófica, considerando que os principais foram: Hegel, Marx, Espinosa, Humboldt e Potebnia. Estes interlocutores principais estão presentes na ênfase metateórica das reflexões críticas de Vygotski, na importância do método dialético e na crítica ao dualismo subjetivo e objetivo, na postura contra o reducionismo biológico e reducionismo cultural, e na relação entre pensamento e linguagem (2010, p. 79).

Molon (2010) parte do pressuposto que existem dois conceitos fundamentais

na obra de Vigotski que possuem relação com a constituição do sujeito e da

subjetividade: consciência e relação eu-outro. A autora afirma que tais conceitos

foram sofrendo modificações ao longo dos escritos de Vigotski, mas para ele,

tratava-se de fenômeno fundamental que precisava ocupar lugar central nos estudos

sobre o comportamento humano. A consciência aparece como:

1. Um sistema de reflexos reversíveis – no qual já se prenunciava a origem

social da consciência. Ele também defende a unidade entre psiquê e

consciência (MOLON, 2010).

2. Possuindo uma tríplice natureza – a partir da unidade entre psiquê e

consciência, enfatizando a importância do comportamento que possui

tripla natureza: experiência histórica, social e duplicada. A relação entre

48

comportamento e consciência aparece nas palavras de Molon (2010, p.

86):

Desta maneira, a consciência é construída no contato social, é originada social e historicamente, mas como experiência duplicada – já que ela é duplicação do mesmo, tal como acontece com o trabalho – ela é também contato social consigo mesmo, como pode ser observado na fala silenciosa e na fala interior.

Essa tríade vai evidenciar a gênese social da consciência e a importância da

linguagem como elemento do comportamento e da consciência, que está ligada à

capacidade de reflexão sobre si mesmo e dá plasticidade ao ser humano. Em outras

palavras, a capacidade de ter consciência sobre a consciência, possibilitando a

mudança. Possui tripla natureza e uma concepção de homem que afirma o

reconhecimento dele mesmo e do outro (dualidade da consciência). A tripla natureza

da consciência (pensamento, afetos e motivação) é decorrente dessa capacidade de

refletir sobre ela mesma (MOLON, 2010).

3. Como sujeito da atividade - a consciência é responsável pela filtragem da

realidade e apresenta limiares que levam à percepção das coisas de

modo fragmentado. Isso se dá em função dos sentidos que estratificam o

mundo (MOLON, 2010). Para Molon (2010, p. 88), a consciência como

sujeito da atividade evidencia “o sujeito como modelo da sociedade, pois

nele se reflete a totalidade das relações sociais. Conhecer o sujeito

significa conhecer o mundo inteiro [...].”

4. Como um “quase-social” – as funções psicológicas superiores têm

origem no social e vivem por meio de instrumentos psicológicos (signos),

e por isso são quase-sociais. Essa forma de ver a consciência é

desenvolvida no período de 1928-1932. As funções psicológicas

superiores são entrelaçadas e correspondem a operações, tais como:

memória, linguagem, atenção voluntária, formação de conceitos,

pensamento verbal e afetividade (MOLON, 2010). Entre funções

psicológicas, a vontade é a potencializadora das demais. Para Vigotski,

tais funções originam-se das relações sociais e possuem uma maneira

específica de desenvolvimento. O pensador russo evidencia que a

história do desenvolvimento é a análise do processo de mudança e não o

49

estudo de um evento do passado (VIGOTSKI, 2007). Nesse sentido, a

história do desenvolvimento das funções psicológicas inferiores é o

período pré-histórico das funções psicológicas superiores, e tais funções

se processam em meio às relações reais entre indivíduos. As funções

primeiras não são dissolvidas, mas incorporadas nas superiores como

uma dimensão oculta (MOLON, 2010). Ao tratar a consciência como

“quase-social”, Vigotski (Apud MOLON, 2010) defende que o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores se dá por meio do

uso de instrumentos responsáveis pela mediação social. O uso de

instrumentos (como os signos) aparece como um dos fatores essenciais

na teoria Vigotskiana, uma vez que eles fornecem ao homem a

capacidade de criação do mundo da cultura, que por sua vez é o

resultado da vida social e da atividade coletiva do homem. Os signos têm

a função de comunicar (dimensão interpsicológica) e conectar as funções

psicológicas superiores (dimensão intrapsicológica). Nesse contexto, a

atividade também passa a ser considerada, uma vez que ela aparece ao

longo do desenvolvimento humano por meio do uso dos signos.

5. Como estruturação dos sistemas psicológicos – é a consciência como um

sistema de integração e de mútua influência das funções psicológicas

superiores. A consideração de que as funções psicológicas superiores se

desenvolvem por meio de signos, traz à tona a ideia de mediação. Para

Molon (2010), a mediação é um conceito difícil de ser encontrado na obra

de Vigotski, sendo tratado mais como um pressuposto no qual o signo

atua, não somente como condutor da cultura, mas como microcosmo da

consciência. Assim, “desde que a criança nasce ela se relaciona pela

mediação, que acontece de diferentes maneiras, diferentes intensidades

e diferentes formas” (MOLON, 2002, p. 102). A consciência para Molon

(2010) influencia no entrelaçamento que há no desenvolvimento do

pensamento e da palavra por meio do signo.

6. Como multiplicidade e unidade – o sujeito é visto como um ser concreto

cuja experiência faz com que sentimentos, emoções e imaginação sejam

saboreados como reais. No agregado das relações sociais, “ele exige o

reconhecimento do outro para se constituir como sujeito em um processo

de relação dialética” (MOLON, 2010, p. 115). A unidade que o sujeito

50

representa é materializada nas suas diversas dimensões e a

multiplicidade está centrada na relação com o outro e com ele mesmo.

Molon (2010) afirma que o projeto de Vigotski era conceber um novo homem

(como sujeito e objeto do conhecimento) e uma nova sociedade. O pensador russo

enfatiza a natureza social das funções psicológicas superiores e a natureza concreta

desse sujeito, que é captado nessas relações concretas. O fenômeno psicológico

em Vigotski é mediado e não imediato.

A teoria de Vigotski é tratada por muitos autores como sociointeracionista.

Isso porque a intersubjetividade é tratada como uma dimensão da relação com o

outro. Em outras palavras, é na interação social, nas relações das quais faz parte,

que o indivíduo adquire a condição de sujeito. Nesse sentido, a incorporação dos

modos de pensar/agir sociais não se dá pela simples cópia, mas acontece pela

mediação social em que concorrem processos intra e interpsicológicos. Dessa

forma, a contribuição do sujeito para a constituição do social se dá na e pela

interação social, em situações concretas da vida (MOLON, 2010).

Esta concepção de sujeito não ignora a individualidade ou a singularidade,

mas a eles atribui novos significados. A individualidade, nesta perspectiva, seria um

processo socialmente construído e a singularidade envolveria elementos de

conjugação de semelhanças e diferenças, aproximações e distanciamentos

(MOLON, 2010).

Vigotski possui uma obra extensa, mas inacabada. Para Molon (2010) não

há interpretação única que forneça entendimento sobre a constituição do sujeito.

Isso abriu espaço para variadas ideias (GONZALEZ-REY, 2003, 2005; PINO, 2005).

Escolheu-se a obra de González Rey para sustentar o problema de pesquisa,

porque se trata de uma teoria que permite integrar aspectos individuais, sociais e

históricos, por meio de uma relação não linear, não causal, complexa e dialética.

Na proposta de González Rey, objetividade não é oposto de subjetividade,

mas uma característica dos sistemas humanos (PAULA; PALASSI, 2007). De fato,

para González Rey, a teoria da subjetividade trata da relação dialética entre polos

interno-externo, intra-intersubjetivo, trazendo os conceitos de subjetividade individual

e social. Ao fazer isso, o pensador cubano coloca no centro da análise a concepção

de configurações subjetivas.

51

A teoria da subjetividade de Gonzalez Rey é também concebida como teoria

do conhecimento envolvendo uma “nova representação teórica que atuaria como

modelo para gerar novas zonas de sentido na produção do conhecimento

psicológico” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 75). González Rey (2003) defende o caráter

histórico dos processos psicológicos complexos que são, por sua vez, uma produção

subjetiva. Daí a substituição do termo consciência por subjetividade.

Para ele, o desenvolvimento da subjetividade no âmbito da psicologia social

foi possível a partir de duas características utilizadas para apreensão do fenômeno

psicológico, a natureza social, histórica e complexa, “não redutível a nenhum

substrato externo a sua condição ontológica” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 74).

A teoria da subjetividade de Gonzáles Rey tem sua origem nos esforços em

compreender a psicologia social dentro de uma tradição sócio-histórica e a partir de

uma base dialética e complexa.

O autor aponta a subjetividade como uma categoria analítica que se separa

da tendência de investigar temas de natureza social como fenômenos que

apresentam características ora individuais (psicologia social psicológica), ora sociais

(psicologia social sociológica), que somente estimulariam a dicotomia entre indivíduo

e sociedade.

Essa concepção de subjetividade não é única, e o próprio González Rey

(2003), ao defender sua posição, traça as diversas formas de subjetividade que são

admitidas nas correntes e teorias da psicologia, expondo as influências do próprio

pensamento ao revelar a importância de cada uma delas na consideração da

constituição da subjetividade e sujeito nas diversas correntes. Ele mostra o

desenvolvimento do tema nas várias correntes da psicologia desde seu início, e

traça um paralelo entre a psicologia norte-americana, passando pela europeia e as

principais teorias a respeito da formação da subjetividade que marcaram a

psicanálise.

Ao analisar o desenvolvimento do tema, González Rey (2003), afirma que a

psicologia norte-americana foi marcada por estudos de cunho objetivista. Dessa

forma, o estudo de todo o tipo de função psicológica é objetivado e o uso de

experimentos é o meio para comprovar a objetividade das funções psicológicas. Tal

análise leva González Rey a afirmar que a tendência quantificadora norte-americana

vem desde o início do século XX. Tal tendência adquiriu um caráter “dramático

52

quando se tentou quantificar processos de natureza mais complexa como a

personalidade e a motivação” (p. 13).

Tal forma de considerar os processos complexos de formação da

subjetividade teve, como consequência, as provas de inteligência tão difundidas nas

sociedades ocidentais. Essa questão está intimamente ligada à concepção de

ciência que norteava a psicologia da época. Para os defensores dos testes

quantitativos, a ciência seria o resultado da adoção de convenções e processos

técnicos, caracterizando uma episteme positivista. Mesmo o behaviorismo, que mais

tarde influenciou a psicologia, tem o objetivismo como a principal peculiaridade. Nas

palavras de González Rey (2003, p. 15):

O behaviorismo executa o estudo objetivo da conduta, por meio das respostas que aparecem diante da manipulação de estímulos físicos, igualmente objetivos, o que implica a associação estímulo-resposta, princípio essencial na explicação da aprendizagem, parte essencial no desenvolvimento das diferentes funções psíquicas tanto no homem como nos animais, pois compartilham princípios idênticos de aprendizagem.

No behaviorismo, o status metodológico-instrumental da psicologia foi

aprofundado e sua difusão resultou em diversas correntes que partilham o mesmo

substrato: a dicotomia entre o social e individual. Isso tem caracterizado a psicologia

e estado presente nas ciências sociais de forma geral (GONZÁLEZ REY, 2003).

Na Europa, uma tradição de investigações mais teóricas foi mantida. A

gestalt parece como uma das vertentes que pode ser relatada como uma reação

contra o atomismo, defendendo que os fenômenos psicológicos são integrados, e

não fragmentados como preconizado nos diversos estudos norte-americanos. Para

González-Rey (2003), a gestalt criou condições para aceitação de um pensamento

que permitisse considerar sujeito e subjetividade de forma mais complexa. Nas

palavras do pensador cubano, a gestalt escapa de um dualismo na compreensão do

psíquico. Para ele,

Apesar da utilidade que teve a representação social integral e dinâmica dada pela Gestalt para a compreensão do psíquico como sistema subjetivo, os autores desse movimento se afastaram nas posições teóricas assumidas de toda a idéia associadas a um sistema de tal tipo, inscrevendo seus aportes dentro da tese de um funcionamento isomórfico entre o campo das experiências e o cérebro humano, convergindo assim a um reducionismo organicista que os salvou do dualismo (GONZÁLEZREY, 2003, p. 20).

53

A análise da psicanálise empreendida por González Rey tem o objetivo de

mostrar o desenvolvimento do tema subjetividade dentro desta “ramificação

particular do conhecimento” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 48). O autor aponta Freud,

Marx, Jung e Lacan com suas contribuições para o desenvolvimento das

proposições acerca da subjetividade individual e social. Freud tem a prerrogativa de

ter inaugurado uma representação de psiquê como processo constitutivo, não

governado somente pela razão do sujeito. Apresentou ainda, a tensão entre

sociedade e indivíduo e um novo conjunto de funções psicológicas associadas.

Marx, segundo González Rey, atribui uma nova visão de homem que não

está somente ligada à razão, mas que tem na sociedade uma forma de alienação.

Ao analisar o trabalho de Jung, admite que as construções teóricas já são mais

complexas e afirma que ele inaugura uma vertente na psicanálise que busca

compreender a origem histórica, social e cultural dos processos psicológicos. De

Lacan, enfatiza o lugar do simbólico, em especial a função da linguagem na

organização do inconsciente.

No entanto, para González Rey, o sujeito ainda não pode ser encontrado em

nenhuma das teorias analisadas, ora ele aparece como senhor de sua razão, capaz

de realizar todos os intentos, ora aparece com uma capacidade consciente

totalmente alienada, em que pode ser visto somente nas falhas ou em uma “cadeia

infinita de significante e significado” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 50), subordinado,

então, à linguagem e suas estruturas.

A ideia de sujeito que González-Rey defende, e que não pode encontrar nas

diversas correntes e teorias analisadas, é um sujeito que está:

[...] de forma permanente, constituído por configurações subjetivas que não conscientiza. Ao mesmo tempo está produzindo de forma consciente um conjunto de projetos, reflexões e representações com capacidade de subjetivação, as quais são fontes de significado e sentido cujas conseqüências em torno do desenvolvimento de sua subjetividade estão mais além de suas intenções e de sua consciência, mas que passam a ser agentes importantes do desenvolvimento e das transformações produzidos desde sua atividade consciente (GONZÁLEZ-REY, 2003, p.50).

O fenômeno subjetivo, como defendido por González Rey, não é

interiorizado, mas se configura em um ambiente cultural, não físico. O pensador

cubano, ao expor as críticas às diversas correntes teóricas e analisar as proposições

54

dos pensadores mais influentes, defende sua própria consideração da constituição

do sujeito e de sua subjetividade.

Ao criticar as posições que consideram a consciência como uma forma

monolítica, González Rey (2003) indica que ela pode ser configurada de outras

formas. Para ele, o trabalho de Marx aponta que é possível o sujeito se libertar da

alienação constituindo uma instância geradora de sentidos. Em Freud, vê o lugar do

social na formação da psiquê. De Jung, valoriza a consideração de que os

conteúdos inconscientes são variáveis em acordo com a história do sujeito.

Todos esses trabalhos levam González Rey (2003, p. 21) a estabelecer que

“o valor heurístico da construção psicanalítica está em permitir a geração de uma

nova zona de sentido sobre o objeto de estudo da psicologia que, por sua vez, é

fonte de novas práticas”.

A obra de Elliot aparece com especial destaque no pensamento de

González-Rey, em particular com a demanda para as “novas configurações do

imaginário” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 54). Para González Rey, o trabalho de Elliot

permite afirmar que a reconfiguração do imaginário se dá em condições históricas e

isso reforça a condição da subjetividade como potencial geradora de novos sentidos

subjetivos. Assim, o indivíduo ao estar diante de novas condições de vida, configura

novos sentidos de vida e isso evidencia o desenvolvimento infinito da cultura

humana.

Trata-se de uma complexa forma de encarar a constituição individual, uma

vez que os sentidos subjetivos que permeiam toda a constituição teórica de

González Rey (2010) não possuem um substrato que pode ser simplesmente

apreendido. Ao invés disso, a subjetividade deve ser entendida como um sistema

em que diversos fenômenos estão presentes podendo, inclusive, ser contraditórios.

O pensador cubano ressalta que a subjetividade não confere ao caráter

histórico ou simbólico uma posição de determinação sobre o indivíduo. Em outras

palavras, não são as situações que definem o destino do homem pura e

simplesmente. Para González Rey, não se pode atribuir as razões do

comportamento às influências externas, mas elas vão auxiliar na produção de

sentidos subjetivos sobre o vivido.

Sendo assim, o sentido subjetivo é considerado como uma produção

subjetiva individual, e como tal, peculiar e em interação permanente com a

subjetividade social. Isso porque na cultura também podem ser encontrados

55

espaços de produção simbólica que “são vivenciados pelo sujeito nos diferentes

espaços sociais de que participa, e por isso são parte permanente de sua história”

(DOBRÁNSZKY, 2007).

O indivíduo pode se posicionar ativamente e demonstrar capacidade de

decisão em relação à definição de um caminho a seguir. Ao pesquisar a

subjetividade de pacientes com câncer, ele afirma que tais sujeitos possuem

capacidade de decisão. Para ele,

Nessa capacidade de decisão, emerge, em todas as suas nuances, a pessoa como sujeito da doença, sujeito capaz de tomar posições, de elaborar seus medos e dores e de se posicionar de frente aos desafios subjetivamente produzidos (GONZÁLEZ-REY, 2010, p.337).

A subjetividade individual emerge da história das pessoas que estão, por sua

vez, imersas em uma cultura. Paradoxalmente, a subjetividade social é formada

pelos sentidos que caracterizam os espaços sociais dos indivíduos (STANGHERLIM,

2006).

Dobránszky (2007) menciona que os conceitos de subjetividade individual e

social são níveis diferentes de um mesmo processo. Para ele, a subjetivação não é

feita de forma linear e imediata, mas acontece dentro de configurações subjetivas

atuais do sujeito. Essa afirmação de Dobranszky parece resumir todos os trabalhos

recentes de González-Rey, nos quais se pode perceber que os diferentes espaços

sociais em que o sujeito está inserido contribuem para a formação da subjetividade.

González Rey (2003) afirma que sentido e significado aparecem como

elementos importantes na subjetividade, e isso demonstra a origem Vigotskiana de

sua obra. Para ele, o sentido é um ato do homem socialmente mediado e deve ser

entendido como possuindo potencial para subverter o significado, pois não está

sujeito a uma lógica racional externa. O sentido pode se referir a necessidades que

ainda não se realizaram e geram formas de inseri-lo na atividade, destacando a

singularidade do homem.

Ao definir sentido de forma e dar coerência às suas proposições teóricas,

González Rey (2010, p. 6) afirma que: “Quero me referir ao termo sentido subjetivo

como unidade psicológica que expressa o caráter subjetivo dos processos psíquicos

humanos nas condições de cultura”. A caracterização do sentido envolve três

56

condições-chave: i) envolvimento com a subjetividade como sistema; ii) unidade com

o simbólico e o emocional; iii) relacionamento com definição de espaços simbólicos.

Explicando melhor, o sentido subjetivo está na base da subjetividade

individual e social, representando unidade e confrontação entre elas e configurando-

se subjetivamente. Os aspectos simbólicos e emocionais, por sua vez, fazem parte

de uma relação recursiva e não causal. Além disso, os sentidos estão relacionados

aos elementos produzidos pela cultura (tais como as condições de gênero) e

também se constituem no plano individual por meio das emoções configuradas na

história de cada sujeito ao se deparar com tais elementos (GONZÁLEZ REY, 2010).

A apreensão dos sentidos revela expressões do sujeito que são, muitas

vezes, contraditórias. O próprio sujeito pode desconhecer os sentidos, pois não os

articulou ao não se apropriar da totalidade de suas vivências (AGUIAR; OZZELA,

2006). Reconhecendo a complexidade dos fenômenos humanos, Stangherlim

conclui que:

[...] gestos, pensamentos, atitudes, ações são exemplos desses fenômenos que são, por sua vez, responsáveis pela constituição de sentidos subjetivos produzidos por cada um de nós nas relações que estabelecemos em diferentes dimensões de nossa vida ¾ familiar, educacional, profissional e de lazer, por exemplo. (2006, p. 2).

Segundo González-Rey (2010), a categoria sentido subjetivo vai permitir

uma aproximação do afetivo e cognitivo. Ele ressalta, porém, que esta aproximação

não significa fusão, tornando-os indiferenciados, nem tampouco que podem ser

compreendidos separadamente, mas que há uma relação dialética entre estes

elementos. Para González Rey (2010, p.331), “é na relação que Vigotski estabelece

entre o sentido e a personalidade que se abre uma importante perspectiva para nova

definição de subjetividade”.

O sentido subjetivo para González-Rey vai além dos sentidos atribuídos de

forma geral para os demais estudiosos do tema. A inovação dessa concepção está

em considerar o sentido como uma “complexa organização simbólico-emocional que

está além da consciência e das representações atuais do sujeito. Sendo assim, o

sentido subjetivo não é construído, mas produzido pelo sujeito” (DOBRÁNSZKY,

2007, p. 32).

Além de toda variedade de elementos que participam do processo de

formação dos sentidos subjetivos, a motivação dada pelo meio social circundante é

relevante e participa ativamente do desenvolvimento do indivíduo. Dito de outra

57

forma, onde o meio não cria os problemas, o desenvolvimento não atinge seu

máximo potencial (VIGOTSKI, 2009). Assim, a força impulsionadora do

desenvolvimento está localizada fora do indivíduo.

Abandonando a ideia de realidade como um sistema externo, a teoria de

González-Rey pode ajudar a entender os pensamentos e comportamentos a partir

da história do sujeito e a subjetivação da experiência empreendedora. Isso porque

parte-se do pressuposto que toda a atividade de que o sujeito participa enseja uma

produção subjetiva complexa que contempla aspectos culturais, sociais, econômicos

e políticos, que vão ser articulados com a subjetividade individual.

Como já afirmado, para González Rey (2003), o fenômeno subjetivo não é

interiorizado, mas configurado em um ambiente cultural. Nesse sentido, a

subjetividade, ao se mostrar nas representações sociais e nos diferentes espaços da

vida do indivíduo, pode ser considerada uma categoria essencial para a

compreensão da atividade empreendedora.

A ideia de configuração é relevante para compreender o trabalho de

González Rey (2003). Assim, para além do sentido semântico, a configuração é uma

categoria que fornece elementos para dar conta da subjetividade individual. Para

ele, a categoria configuração tem valor teórico “por sua idoneidade para dar conta de

processos organizativos da subjetividade, que tem natureza processual” (2003, p.

55).

A subjetividade como sistema de configurações não aparece para o sujeito

de forma consciente. “Os processos simbólico-emocionais em que aparece

organizada na psiquê a experiência vivida não têm nenhuma relação imediata e

direta com a consciência” (GONZÁLEZ-REY, 2003, p.55). A consciência vai surgir

como consequência das representações que estão presentes na linguagem do

indivíduo.

Ao analisar a representação de subjetividade advogada por González-Rey,

Stangherlin (2006) afirma que as configurações subjetivas correspondem à

integração dos elementos de sentido provenientes de experiências diversas da vida

de um indivíduo que emergem diante do desenvolvimento de uma determinada

atividade. Elas são articuladas em dois níveis que permitem afirmar que a

subjetividade é um:

58

sistema complexo, produzido de forma simultânea no nível social e individual, independentemente de que em ambos os momentos de sua produção reconheçamos sua gênese histórico-social, isto é, não associada somente às experiências atuais de um sujeito ou instância social, mas à forma em que uma experiência atual adquire sentido e significação, que pode ser tanto social como individual (GONZÁLEZ-REY, 2003, p. 197).

O fato de a subjetividade ocorrer simultaneamente no nível individual e

social, traz consequências ontológicas para as ciências sociais, pois aí podem ser

vistos o caráter constitutivo e constituinte da subjetividade que rompem com a ideia

dos processos sociais acontecerem externamente em relação ao indivíduo, ou como

se apresentando para a subjetividade desse indivíduo como um “bloco de

determinantes consolidados, que adquirem status de objetivo” (GONZÁLEZ REY,

2003, p.197).

Ao pensar a subjetividade como uma configuração de sentidos dados pelo

sujeito naquele momento, González Rey busca ultrapassar o nível puramente

descritivo das falas dos sujeitos para revelar os sentidos subjetivos que se

configuram nas experiências desses sujeitos nos diversos espaços sociais em que

se encontra. Dessa forma, pode-se pensar em sentidos subjetivos de ser atleta, de

ser mulher, de ser mulher de negócios, entre outros espaços, nos quais os

indivíduos estão inseridos e desenvolvem suas subjetividades.

De resto, cabe ressaltar que, embora seja desejável do ponto de vista dos

pesquisadores, deve-se admitir que a subjetividade não é algo que pode ser

apreendido em sua totalidade. Muito embora não possa ser captada em sua

totalidade, a subjetividade dos indivíduos é permeada pela atividade que eles

desenvolvem.

2.3.2 Atividade

Sob uma concepção sócio-histórica, a atividade sempre ocupou lugar de

destaque, influenciada pelos escritos de Leontiev, seguidor de Vigotski. Tal

proeminência levou à transformação do termo em uma supra categoria em relação à

qual eram definidas as demais categorias psicológicas. González-Rey (2009) afirma

59

que o conceito de atividade se encaixava na ideologia soviética dominante que

considerava a psiquê como uma categoria objetiva.

Admite-se, com base nos trabalhos de Vigotski, que a atividade é elemento

relevante servindo como princípio explicativo e gerador da consciência humana

(KOZULIN, 1994).

Para o pensador russo, várias são as atividades que podem atuar como

geradoras da consciência. Em primeiro lugar, segundo Kozulin (1994), está a

natureza histórica da experiência.

Os seres humanos usam muitas habilidades, experiências e instrumentos simbólicos que se transmitem, por herança não biológica, de geração em geração. O indivíduo não vive tanto no mundo da sua experiência como em um mundo influenciado por toda história anterior1. (KOZULIN, 1994, p. 25, tradução nossa).

Falar em atividade não é a mesma coisa que falar em trabalho, pois a

primeira vai além daquele significado dado ao trabalho. Para Vigotski, todas as

instâncias da vida social do homem possuem aspectos simbólicos e práticos

(KOZULIN, 1994).

A atividade humana, para ser empreendida em acordo com a concepção

sócio-histórica, necessita de instrumentos psicológicos e meios de comunicação

interpessoais. O homem não atua diretamente no mundo, mas o faz por meio da

atividade, que se realizada socialmente e de maneira a suprir suas necessidades,

pode ser entendida como uma experiência humana (GONÇALVES, 2002).

Ao analisar o trabalho de Vigotski, Aguiar e Ozzela (2006) afirmam que a

atividade humana é sempre significada. Para eles, ao agir, o homem realiza uma

atividade interna e outra externa, operando em ambas com significado. Para Lane

(2004), ao conceber o homem como uma manifestação da totalidade histórico-social,

a linguagem aparece como elemento fundamental da consciência social e de si

mesmo. Tal consciência se processa então na linguagem, no pensamento e nas

ações que o homem realiza ao relacionar-se com os outros. Para a autora, se por

um lado os significados são construídos coletivamente, por outro, se processam e se

1 “Los seres humanos emplean muchos conocimientos, experiencias e instrumentos simbólicos que se transmiten, por herencia no biológica, de generación en generación. El individuo no vive tanto en el mundo de su experiencia como en um mundo encaramado en la cima de toda la historia anterior”. (KOZULIN, 1994, p. 25).

60

transformam por meio da atividade e pensamento de indivíduos concretos. Isso abre

possibilidade para a subjetivação.

Para Kozulin (1994), a necessidade é determinante na diferenciação entre

uma atividade instintiva e aquilo que ele chama de “necessidades do ser humano”,

que, por sua vez, depende da atividade de outras pessoas. Dessa forma, a atividade

estaria ligada às necessidades que mobilizam o sujeito para a ação, que acontecem

a partir das relações sociais.

Essa configuração das relações sociais em que estão implicados os

processos de necessidades é, segundo Aguiar e Ozella (2006), um processo único,

singular e histórico. A emoção aparece como elemento importante na constituição do

sujeito em González-Rey, porque é um meio de alcançar os sentidos subjetivos.

González-Rey afirma que “se a emoção diz não, os meios não estão disponíveis [...].

A emoção é que define a disponibilidade dos recursos subjetivos do sujeito para

agir” (2003, p. 245). O fato de estas necessidades estarem inseridas em um meio

social pode fazer com que os sujeitos não as percebam como uma constituição

subjetiva.

A relação da emoção com a atividade dá possibilidade de satisfação da

necessidade, que ao ser satisfeita modifica o sujeito que se vê frente a novas

necessidades e formas de atividade (AGUIAR; OZZELA, 2006).

As atividades desempenhadas diariamente proporcionam ao sujeito

empreendedor, contato com as tensões e contradições existentes na sociedade,

permitindo a compreensão dos discursos e representações existentes na sociedade

acerca da atividade empreendedora e suas possíveis consequências para os

indivíduos que nela estão envolvidos.

As representações sociais também são elementos importantes para a

compreensão da subjetividade. Elas fornecem os elementos presentes na

sociedade. Na próxima seção este assunto será tratado.

2.3.3 Representações sociais

A ideia de representações tem sua origem no pensamento de Durkheim.

Elas referem-se aos conteúdos do pensamento (ou da percepção). Em função disso,

61

elas são produto da mente do sujeito. É uma ordem de fenômenos com traços

distintos dos fenômenos da natureza. As representações são conceitos gerados na

mente dos indivíduos e relacionam-se com o que o homem é capaz de formar e

reproduzir.

Quanto mais a representação se distancia da sensação pura (representação da casa, sem estar numa casa?), tanto mais o movimento motor perde importância e significação positiva (aqueles que acompanham a sensação primeira da casa). As funções intelectuais superiores supõem, sobretudo, inibições de movimentos, como provam o papel capital que tem aí a atenção e a natureza mesma da atenção, que consiste essencialmente numa suspensão, tão completa quanto possível, da atividade física (DURKHEIM, 2004, p. 26).

A ideia de representação como formadora da subjetividade dos indivíduos é

defendida por González-Rey. No entanto, ele parte do pressuposto que tais

representações não concebem simplesmente uma reprodução da realidade, mas

são formadas tanto no âmbito individual quanto no social. Inicialmente, a noção de

representação permite superar a filosofia kantiana e substituí-la por uma sociologia

do conhecimento.

Para Durkheim, “a vida coletiva e a vida mental do indivíduo são feitas de

representações” (2004, p. 10), que seriam então um tipo de ideação superior.

Contudo, essas representações não são comparáveis com o real, mantendo apenas

relação com o mesmo substrato. O que sustenta o argumento é que a consciência

do homem possui traços característicos permitindo que a realidade seja

representável. A memória e a consciência não se apresentam apenas como um

epifenômeno da vida física, pois o indivíduo não conduz suas atividades diárias

apenas por meio de reflexos, mas é capaz de refletir (hesita, tateia, delibera), e isso

acontece antes dos movimentos mecânicos (DUKHEIM, 2004). Para ele, a natureza

humana é dual: biológica e social. Isso porque o homem executa atividades

provenientes de sua natureza biológica e também advindas do espírito, como o

pensamento conceitual e a ação moral (PINHEIRO FILHO, 2004). A concepção de

dualidade é que vai ser a porta de entrada, segundo Pinheiro Filho (2004), para o

sistema de representações.

Durkheim parte do princípio de que a consciência do homem não é fruto

apenas do funcionamento mecânico do cérebro, portanto não é somente um

fenômeno biológico. Assim, as representações não existem apenas quando o estado

62

nervoso as suportam. Para ele, a memória não é um fato puramente biológico, pois

dessa forma negaria a própria realidade. A representação para o autor, em função

da memória não ser puramente um fenômeno físico, pode ser conservada em graus

diferentes de estabilidade. A prova da possibilidade de fixação das representações é

a existência de associações de ideias por semelhança.

Em Durkheim, as representações, além de serem emanadas da mente,

também produzem nela algum efeito (emanam e afetam a mente). No primeiro caso

estão situadas as representações sensíveis que

Encontram-se em fluxo perpétuo; empurram-se umas às outras como as ondas de um rio e também enquanto duram, não permanecem iguais em si mesmas. A representação que emana da mente são os conceitos que se ancoram em representações coletivas, derivadas do fenômeno da associação entre os homens (PINHEIRO FILHO, 2004, p. 142).

As representações coletivas são produtos da coletividade e formam a

história cultural de uma sociedade. Referem-se ao significado social e elementos

funcionais que estão disponíveis. Já as performances individuais não são mais do

que a forma ou expressão dessas representações coletivas individualizadas e

personalizadas com as características de cada um (Durkheim, 2004).

A noção de representações de Durkheim (2004) foi refinada por Moscovici

que afirma que a questão central da investigação das representações sociais

deveria ser como e por que as pessoas partilham conhecimento e, desse modo,

como constituem sua realidade. Para isso é necessário conceber o que é

conhecimento, evidenciando o papel da intermediação na constituição da realidade

que orienta as relações sociais (MOSCOVICI, 2009). Isso faz com que o

conhecimento comum seja entendido como sendo produzido na interação e na

comunicação dos indivíduos e “sua expressão está sempre ligada aos interesses

humanos que estão nele implicados” (DUVEEN, 2009, p. 9).

As representações, como mediadoras, tornam-se senso comum e passam a

ser a realidade da vida cotidiana. Assim, o conhecimento popular é produzido e

sustentado por grupos sociais específicos inseridos em uma conjuntura histórica

peculiar (MOSCOVICI, 2009). O conceito de representação em Moscovici está ligado

ao processo que dá origem às representações e às estruturas de conhecimento que

são estabelecidas na interação. Na articulação entre processo e estrutura encontra-

se a gênese do processo de representação.

63

A subjetividade pode ser compreendida a partir das representações porque é

por meio delas que o sujeito adquire capacidade de definição. A função

subjetividade é uma das maneiras pelas quais as representações expressam seu

valor simbólico. Dessa forma, a análise recai sobre as relações entre processos

sociais e formas psicológicas (MOSCOVICI, 2009).

Em Moscovici (2009), as representações sociais são uma forma distintiva de

conhecimento. O autor mostra-se interessado na mudança social e na introdução da

inovação, ao contrário do Durkheim, preocupado com as forças estruturais na

manutenção da ordem social. Moscovici acredita que a resposta para a origem das

inovações está na formação (constituição) das representações.

As representações possuem duas funções: convencionalizam e prescrevem.

Na primeira função, os objetos, pessoas ou acontecimentos são convencionados.

Em outras palavras, elas os transformam em uma convenção possibilitando

conhecer o quê representa o quê. Quando o indivíduo entra em contato com uma

situação, objeto ou pessoa, ele recorre às representações “que definem suas

fronteiras, distingue mensagens significantes de não significantes e que liga cada

parte como um todo e coloca cada pessoa em uma categoria distinta” (MOSCOVICI,

2009, p. 35). Moscovici (2009) admite a possibilidade de o homem perceber que

está agindo em conformidade com as convenções sociais da realidade e, a partir

daí, é possível escapar de algumas (não de todas) exigências que ela impõe ao

pensamento e percepção. Em segundo lugar, as representações prescrevem o quê

deve ser pensado. Elas estão espalhadas pelos mais diversos campos da

sociedade.

Para Moscovici (2009) existem dois tipos de crenças a respeito da realidade.

A primeira é aquela em que a mente possui um poder ilimitado “em conformar a

realidade, em penetrá-la e ativá-la e em determinar o curso dos acontecimentos”

(MOSCOVICI, 2009, p. 29). A segunda é aquela que se refere a um poder ilimitado

do objeto em moldar o pensamento e de determinar completamente sua evolução e

de ser interiorizado na e pela mente. Na opinião Moscovici (2009, p. 29), “ambas

representam um aspecto real da relação entre nossos mundos internos e externos.”.

Para o autor, o homem experimenta e percebe o mundo em que está

familiarizado, com coisas feitas pelo homem representando outras coisas também

feitas pelo homem. No entanto, o mundo não aparece como ele é realmente. O

homem experimenta e percebe o mundo por meio de substitutos cujos originais

64

nunca verá. Assim, na teoria da representação social, conforme Durkheim e,

posteriormente Moscovici, a realidade e o conhecimento que se tem dela são

separados.

O poder aparece como um construto central na análise de Moscovici. Para

ele, o conhecimento e as crenças na sociedade são regulados por meios legitimados

de poder. As novas formas de comunicação (juntamente com a mudança na

estrutura do poder) são marcos da modernidade. Ela é responsável pela circulação

de ideias. A comunicação aparece como fenômeno moderno e é tido como

responsável pela estruturação e transformação das representações sociais

(MOSCOVICI, 2009).

Em todos os intercâmbios comunicativos, há um esforço para compreender o mundo através das idéias específicas e de projetar essas idéias de maneira a influenciar outros, a estabelecer certas maneiras de criar sentido, de tal modo que as coisas são vistas dessa maneira ao invés daquela (DUVEEN, 2009, p. 28).

Uma distribuição desigual de poder gera heterogeneidade de

representações. As novas representações são formadas em pontos em que a cultura

está clivada. “As representações sociais podem surgir de pontos de conflito dentro

das estruturas representacionais da própria cultura” (DUVEEN, 2009, p. 16).

González Rey (2003) é um dos críticos da teoria das representações,

conforme postulada por Moscovici, e afirma que ela possui o desafio de desenvolver

construções teóricas que reconheçam a interdependência do individual e social por

meio das categorias sujeito e subjetividade.

Para González Rey (2003), a teoria da representação social (RS) carece de

especificação do processo de subjetivação implicado no processo de construção da

representação social, pois para ele, o objeto não é a referência externa que está

presente nos processos de construção, mas refere-se apenas à “delimitação do

espaço da realidade em que a RS se expressa” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 125).

A formação da representação na mente do sujeito não pode ser

desvinculada de uma reflexão a respeito da formação do pensamento. Nesse

sentido, os estudiosos que se afiliam a uma concepção sócio-histórica de

constituição da subjetividade e do sujeito têm recorrido aos escritos de Vigotski para

sustentar seus argumentos de que existe uma relação dialética entre o sujeito e o

65

meio circundante, e que tal relação não acontece de maneira imediata, mas

mediada.

Com crítica às representações sociais, conforme Durkheim e posteriormente

Moscovici, González Rey confirma aquilo que Vigotski já havia postulado: a mente

humana possui uma formação social sem, no entanto, excluir o individual. Para ele,

o sujeito não é reflexo dos processos da realidade nos quais está envolvido e as

representações sociais são:

Uma criação humana, que integrando os diferentes aspectos do mundo em que o sujeito vive, aparecem em cada sujeito ou espaço social concreto de forma única, organizados em seu caráter subjetivo pela história de seus protagonistas (GONZÁLEZ REY, 2003, p. XI).

O conhecimento da realidade não está desvinculado das intenções e valores

dos sujeitos que nela estão inseridos (GONZÁLEZ REY, 2003). Com isso, concorda

Bernardes (1998): os fenômenos psicológicos são construídos por meio de práticas

sociais e históricas, fazendo com que sejam representados em acordo com o

conhecimento que o sujeito produz a respeito dele.

O conceito de representações, no entanto, é importante para compreender a

gênese e desenvolvimento do conhecimento social, pois esta categoria permitiu

“compreender o conhecimento social de natureza simbólica e social, que produz

significações mais além de qualquer objeto concreto que apareça como conteúdo de

uma representação” (GONZÁLEZ-REY, 2003, p. 123-124).

Trata-se de uma superação das teorias da cognição social, mas que ainda

não considera a representação da realidade como uma produção subjetiva que

possui fundamento social, ou seja, não é apenas um reflexo dos objetos externos.

Dito de outra forma, a teoria de representação social, conforme postulada em

Moscovici, tem um compromisso com o real, que é externo. As representações

seriam então, apenas reflexo daquilo que está “lá fora”.

Ao analisar a evolução da pesquisa sócio-histórica no Brasil, Ozella e

Sanchez (2002) elucidam que o conceito de representação social foi redefinido neste

tipo de pesquisa numa tentativa de superar sua concepção estritamente empírica,

passando a ser um meio para analisar os fatos de modo concreto.

Em síntese, as representações sociais (RS) em uma concepção sócio-

histórica não podem considerar o social como um elemento que é dado como

66

acabado, e o ser humano condicionado a ele. Em outras palavras, a atividade não é

determinada pelos conteúdos sociais. Nem mesmo, as RS podem ser consideradas

como um conjunto de conteúdos que são relegados a uma categoria de menor

importância (OLIVEIRA; WERBA, 2005). As representações sociais transformam o

não familiar em familiar.

Em uma discussão sobre o papel das representações sociais na Psicologia

Social, Oliveira e Werba (2005) afirmam que as representações sociais são “teorias”

populares elaboradas coletivamente com a finalidade de interpretar e construir o

real, transformando o não familiar em familiar.

As representações sociais, conforme as considerações de González-Rey,

representam a realidade socialmente construída, possuindo caráter subjetivo em

função da existência de “processos subjetivos que expressam outros registros da

realidade e que são responsáveis por sua produção” (GONZÁLEZ-REY, 2006, p.

70).

Para González-Rey (2006), o ser humano atribui um valor de realidade

àquilo que conhece, de forma a preservar sua subjetividade. Desse modo, a

realidade não é apenas constituída como uma produção simbólica, pois encontra

nexo com outros registros que permitem a definição de processos e fenômenos. Ela

é responsável pela constituição das práticas simbólicas e, portanto, é diferente de

tais práticas. Os diversos processos e fenômenos que constituem a realidade não

são simbólicos em si mesmos, mas são inseparáveis do conjunto das atividades

humanas.

Em retrospecto e finalizando a perspectiva em que se pretende analisar o

empreendedorismo feminino, pode-se afirmar que na base da constituição da mulher

empreendedora está a configuração subjetiva das variadas experiências de vida que

surgem diante da atividade empreendedora dela. O sentido subjetivo está na base

da subjetividade individual e social representando unidade e confrontação entre elas,

organizando-se em configurações subjetivas.

Os aspectos simbólicos e emocionais fazem parte de uma relação recursiva

e não causal. Além disso, os sentidos estão relacionados aos elementos produzidos

pela cultura (tais como as condições de gênero), e também se constituem no plano

individual por meio das emoções configuradas na história de cada sujeito ao se

deparar com esses elementos (GONZÁLEZ REY, 2010).

67

As configurações subjetivas, em acordo com os postulados de González-

Rey, correspondem à integração dos elementos de sentido provenientes de

experiências diversas da vida, que emergem diante do desenvolvimento da atividade

empreendedora. Tais configurações são articuladas tanto no plano individual como

no social. González Rey (2003) afirma ser na atividade que é organizada a

subjetividade individual. Além de organizar a subjetividade, a atividade tem relação

com a emoção.

No plano social, ao associar a teoria da subjetividade à ação

empreendedora, pode-se perceber que “toda ação empreendedora busca uma

finalidade a partir de certos valores” (BOAVA; MACEDO, 2009, p. 1). Tais valores

não são simplesmente reproduzidos, mas compõem a configuração subjetiva. Nesse

sentido, as representações sociais da realidade aparecem como uma produção

subjetiva que possui fundamento social, mas que é elaborada no plano individual.

Assim, as representações não são reflexos da realidade, mas são formadas tanto no

âmbito individual quanto no social. Elas permitem conhecer os significados dos

objetos de conhecimento em dado contexto social e individual.

68

3 METODOLOGIA

As escolhas feitas nesta seção têm estreita relação com o problema de

pesquisa apresentado e as opções teóricas feitas na condução desta investigação. A

opção que se deseja fazer é por uma pesquisa de caráter construtivo-interpretativo

do conhecimento.

A questão ontológica ligada ao caráter construtivo-interpretativo, conforme

defende González Rey (2005), enfatiza que o conhecimento é uma produção

humana. Isso significa dizer que a realidade não pode ser desvendada por meio de

procedimentos ordenados. Sujeito e objeto estão implicados um no outro de maneira

orgânica, podendo o conhecimento ser acessado somente de forma parcial e

limitada por meio das práticas que modificam a realidade. Não há acesso à realidade

última para o autor, mas um sistema que não é possível conhecer totalmente. No

entanto, podem-se estabelecer zonas de sentido que devem ser encaradas como

espaços que fornecem temporariamente conhecimento sobre determinado

fenômeno, “mas não esgotam a questão que significam” (GONZÁLEZ REY, 2003, p.

6). Dessa forma, há somente a possibilidade de criação de espaços de

inteligibilidade produzidos no processo de pesquisa.

González Rey (2005) define as bases epistemológicas da pesquisa sobre a

subjetividade, que vai além de um conceito de “ciência centrado na acumulação de

dados quantificáveis suscetíveis de atos de verificação imediata, por meio de

evidências observáveis” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 1). Dessa forma, trata-se de um

processo de pesquisa que se distancia dos caminhos adotados em pesquisas

positivistas. Para González Rey, a constituição do imaginário da pesquisa ocidental

está arraigada à ideia de que o conhecimento somente possui validade se

constituído a partir de uma “seqüência de instrumentos, cujos resultados parciais

serão fonte do resultado final” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 15).

A influência do positivismo tem feito com que as pesquisas privilegiem os

instrumentos de coleta de dados, elaborados a partir de “categorias universais

através das quais se estabelecem relações diretas e universais entre significados e

formas concretas de expressão do sujeito” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 2), reduzindo

os aspectos metodológicos ao metodologismo. Para o autor, os instrumentos de

pesquisa, neste tipo de pesquisa, são tidos como princípios legítimos que possuem

69

um fim em si mesmo, servindo como meio de sistematização de dados provenientes

de um conjunto de conhecimentos preestabelecidos, que chamou de ideal

verificacionista.

Para compreender os fenômenos em coerência com uma base teórica

complexa, não linear, dialógica e dialética, González Rey (2003, 2005, 2010)

desenvolveu o que chamou de Epistemologia Qualitativa. Trata-se de uma proposta

que está apoiada em três atributos: concepção de conhecimento como um processo

em constante construção, pesquisa como um processo dialógico e valorização do

singular. O primeiro atributo trata da relação entre sujeito cognoscente e o objeto

cognoscido. González Rey considera que o conhecimento é

[...] um processo de construção que encontra sua legitimidade na capacidade de produzir, permanentemente, novas construções no curso da confrontação do pensamento do pesquisador com a multiplicidade de eventos empíricos coexistentes no processo investigativo. Portanto, não há nada que possa garantir, de forma imediata no processo de pesquisa, se nossas construções atuais são adequadas para dar conta do problema que estamos estudando (GONZÁLEZ- REY, 2003, p. 7).

A valorização do caso singular para um processo de pesquisa é justificada

por meio do entendimento do conhecimento como algo dinâmico que não fornece

acesso ilimitado ao real, mas sim em permanente construção, sendo elaborado por

um pesquisador que está constantemente em sua atividade reflexiva e construtiva,

estabelecendo zonas de sentido que não podem ser apoiados em uma noção de

ciência que seja acumulativa e empírica.

O novo modelo de ciência que valoriza o singular na pesquisa para

González Rey (2005) está intimamente ligado a uma opção epistemológica em que

as pesquisas possuem validade científica, não pelo poder de generalização

estatística, mas pela capacidade de ampliar, a partir do singular, as alternativas de

inteligibilidade sobre o fenômeno estudado.

O reconhecimento do processo de pesquisa como um processo dialógico faz

com que a comunicação seja “[...] uma via privilegiada para conhecer as

configurações e os processos de sentido subjetivo que caracterizam os sujeitos

individuais e que permitem conhecer o modo como as diversas condições objetivas

da vida social afetam o homem” (GONZÁLEZ-REY, 2005, p. 13).

O espaço privilegiado da comunicação é condizente com a ideia de

participação ativa que possuem, tanto pesquisador como pesquisado, em um

70

processo de pesquisa. Por meio desta participação ativa é que os pesquisadores

tornam-se sujeitos, implicando-se no problema de pesquisa a partir de seus

interesses, desejos e contradições. Não há a defesa da neutralidade na

Epistemologia Qualitativa, pois a reflexão crítica e criativa é que vai permitir a

superação dos princípios de estímulo-resposta presentes nas concepções de

pesquisa de natureza positivista.

Dessa forma, ao empreender uma pesquisa que adote a Epistemologia

Qualitativa de González Rey, pode-se esperar que se faça a análise dos processos

e não dos objetos, explicando-os ao invés de descrevê-los.

Os processos, por sua vez, devem ser analisados historicamente. Isso não

quer dizer que seja necessário estudar algum evento do passado. “Estudar alguma

coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança.” (VIGOTSKI,

2007, p. 68). Nessa linha, a inteligibilidade da subjetividade das empreendedoras

tem seu ponto de partida no empírico, mas não se esgota na descrição das práticas

dessas mulheres. Ao invés disso, é necessário buscar a compreensão da

constituição da subjetividade em seu processo histórico. Em outras palavras,

analisar o desenvolvimento e não as partes constituintes de um objeto. Isso significa

que a pesquisa deve reconstruir cada estágio do desenvolvimento do processo,

fazendo com que retorne aos estágios iniciais.

Em segundo lugar, uma investigação dessa categoria deve explicar o

processo, ao invés de descrevê-lo. Isso porque para Vigotski (2007), os problemas

deveriam ser estudados em sua gênese, de forma a revelar suas bases dinâmico-

causais. Esse ponto de vista está fundado na consideração de que os fenômenos

não podem ser investigados por sua aparência, pois a essência dos fenômenos não

se revela por meio de sua forma externa. Não significa, no entanto, ignorar a

manifestação externa do fenômeno, mas ir além da descrição. Para Vigotski (2007),

“a análise objetiva inclui uma explicação científica tanto das manifestações externas

quanto do processo em estudo” (VIGOTSKI, 2007, p. 66).

Em terceiro lugar, a Epistemologia Qualitativa de González Rey deve fornecer

elementos para escapar do comportamento fossilizado, ou seja, estático. A análise

psicológica necessita ser cuidadosa ao analisar processos que já foram

incorporados ao comportamento, pois já passaram por um longo processo de

desenvolvimento. Vigotski acreditava que os processos psicológicos fossilizados

perdem a aparência original, criando grandes dificuldades de análise. A única forma

71

de estudar tais processos é entendê-los em todas as suas idiossincrasias e

diferenças, chegando ao processo e não ao produto.

Em síntese, para se estudar os fenômenos em acordo com os princípios

propostos é necessário: i) análise do processo; ii) análise das relações dinâmicas –

análise explicativa -; iii) análise do desenvolvimento - reconstrução de todos os

pontos até retornar a origem de uma determinado comportamento. A pesquisa que é

realizada nesta condição tem a vantagem de superar o nível descritivo das falas dos

sujeitos para penetrar nos sentidos subjetivos, configurados a partir das experiências

dos sujeitos investigados (DOBRÁNSZKY, 2007).

De resto, e em coerência com o método, a subjetividade é um processo, e

como tal, não há a possibilidade de conseguir dar conta desse fenômeno

integralmente. Utilizando-se técnicas apropriadas, é possível apreender ou

compreender como ele se processa naquele momento, na medida em que se

desdobra. Isso porque na construção conjunta o sujeito também se transforma.

3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

O problema de pesquisa proposto: “Como se apresenta a constituição

subjetiva da mulher empreendedora?” Enseja as perguntas de pesquisa que serão

especificados no próximo item.

3.1.1 Perguntas de pesquisa

· Qual o contexto de atuação das empreendedoras?

· Quais as representações sociais da atividade empreendedora para as

mulheres objeto da pesquisa?

· Qual o significado da atividade empreendedora para as mulheres objeto da

pesquisa?

· Qual o significado de ser mulher para as informantes da pesquisa?

· Como está configurada a subjetividade da mulher empreendedora?

72

Em função das perguntas acima, propõe-se a análise das seguintes

categorias analíticas.

3.1.2 Categorias

O objetivo principal ao elaborar esta tese é compreender como se constitui a

subjetividade das empreendedoras. González-Rey (2003) deixa entender que o

espaço da empresa é uma fonte essencial para o estudo de como os sujeitos

concretos constituem a subjetividade social.

Nessa esteira, os esforços de pesquisa estão voltados para compreender e

problematizar criticamente o modo singular pelo qual a atividade empreendedora é

experimentada por estas mulheres. Da mesma forma, o gênero como espaço

simbólico também está sob análise nesta produção acadêmica. Considera-se aqui

que gênero é uma construção social e histórica, mas que é subjetivado de forma

única pelo indivíduo que o experimenta.

As categorias analíticas em um trabalho de cunho socio-histórico não devem

ser entendidas como as categorias das pesquisas positivistas. Dito de outra forma,

elas não devem ser entendidas como categorias fechadas e plenamente definidas.

Para o bem da coerência metodológica e teórica desta investigação, as categorias

são consideradas processos, sendo constituídas na medida em que são

parcialmente apreendidas, possuindo inter-relação entre elas.

As categorias teóricas predominantes nesta tese são: subjetividade e sentido

subjetivo, configuração subjetiva, subjetividade individual e subjetividade social.

· Subjetividade: Entendida de forma literal com a proposição de

González-Rey (2003, p. 197):

Sistema complexo, produzido de forma simultânea no nível social e individual, independentemente de que em ambos os momentos de sua produção reconheçamos sua gênese histórico-social, isto é, não associada somente às experiências atuais de um sujeito ou instância social, mas à forma em que uma experiência atual adquire sentido e significação, que pode ser tanto social como individual.

73

· Sentido subjetivo: A categoria sentido é colocada em um plano que

possibilita expressar o sujeito. Nesta categoria, destaca-se a singularidade

historicamente construída. É importante ressaltar que o sentido subjetivo não

é um reflexo, como acontece na teoria das representações sociais de

Durkheim, mas trata-se de uma produção subjetiva, organizando-se em

configurações subjetivas. Estas por sua vez, representam verdadeiros

sistemas em desenvolvimento (GONZÁLEZ REY, 2010). Segundo González-

Rey (2010), o sentido subjetivo está ancorado nas seguintes premissas:

a) A subjetividade deve ser tomada como sistema.

b) O sentido aparece na atividade do sujeito.

c) Expressar a unidade inseparável do simbólico com o emocional, onde

cada um desses aspectos evoca o outro sem se converter em sua

causa. O emocional e o simbólico se expressam em uma relação

recursiva nos sentidos subjetivos como processos sempre em

desenvolvimento.

d) Os sentidos subjetivos estão relacionados à definição de espaços

simbólicos produzidos pelas representações sociais de gênero e do

mundo de negócios (especificamente no caso desta pesquisa), mas

tais representações se alimentam de emoções singulares

configuradas na história de cada sujeito.

· Configuração subjetiva: organização de sentidos subjetivos. Trata-se de

uma forma ou aspecto que é formada pelos elementos de sentido subjetivo

em que, de forma simultânea, apresentam-se aspectos intencionais e

inconscientes. Ela representa um novo sistema em relação aos sentidos

subjetivos, não é apenas um conjunto, mas uma nova forma (GONZALEZ

REY, 2010).

· Subjetividade social: “Processos sociais implicados dentro de um sistema

complexo do qual o indivíduo é constituinte e, simultaneamente, constituído.

Entretanto, a constituição do indivíduo dentro da subjetividade social não é

um processo que siga uma trajetória universal, definida de forma unilateral

pelas características dos espaços sociais dentro dos quais os indivíduos

vivem. Pelo contrário, a constituição social do indivíduo é um processo

diferenciado, em que as conseqüências para as instâncias sociais

implicadas e para os indivíduos que as formam dependem dos diferentes

74

modos que adquirem as relações entre o indivíduo e o social (GONZÁLEZ

REY, 2003, p. 202).”

· Subjetividade individual: “Representa os processos e formas de organização

subjetiva dos indivíduos concretos. Nela aparece constituída a história única

de cada um dos indivíduos, a qual, dentro de uma cultura, se constitui em

suas relações pessoais (GONZÁLES REY, 2003, p. 241).”

3.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

Neste item, serão especificados os detalhes do desenho da pesquisa, bem

como as etapas programadas para a pesquisa, o delineamento do estudo, a

perspectiva temporal, o nível e unidade de análise, os procedimentos de coleta e a

análise dos dados.

3.2.1 Informantes

Os sujeitos da presente investigação são quatro mulheres empreendedoras

atuantes em Curitiba/PR. Essa quantidade pode ser justificada em função do tipo de

teoria e de pressupostos utilizados para a elaboração desta tese que não está

centrada em uma ideia de ciência baseada em dados quantificáveis e suscetíveis à

verificação imediata. Na teoria da subjetividade, o singular é validado como espaço

privilegiado para a construção do conhecimento científico.

A escolha das depoentes aconteceu aleatoriamente. Inicialmente foi

solicitado via rede social (Facebook) que fossem indicadas mulheres

empreendedoras, ou seja, mulheres proprietárias de empresas que fossem

responsáveis pelo processo decisório, cuja organização tivesse pelo menos dez

funcionários.

O primeiro contato com as empreendedoras foi feito via telefone solicitando

a entrevista e explicando o objetivo da pesquisa. Neste primeiro contato, foram

agendadas as entrevistas que duraram em média uma hora e meia. As entrevistas

75

foram realizadas entre os dias 25 de outubro de 2011 e 11 de novembro de 2011.

Os depoimentos foram coletados no ambiente de trabalho (2), casa (1) e espaço

público (1).

No momento da entrevista foi solicitado a cada uma delas a assinatura do

Termo de Consentimento para Coleta de Dados em Pesquisa Científica (ANEXO I),

oportunidade em que lhes foi novamente informado o objetivo da pesquisa,

garantido anonimato e explicada, de forma geral a natureza das perguntas que iriam

ser feitas. Todas as entrevistas foram gravadas e, depois, transcritas.

Os nomes das informantes da pesquisa foram alterados para resguardar

suas identidades. A informante 1 será chamada de Maria cuja transliteração do

hebraico significa rebelião. A segunda será chamada de Isis, cujo significado

representa o espírito maternal. A informante 3 será aqui chamada de Emília que

significa ávida e, por último, a informante 4 será aqui designada de Ida que significa

jovem.

3.2.2 Delineamento e etapas da pesquisa

A natureza desta pesquisa é qualitativa, e a perspectiva temporal é

transversal com análise longitudinal. A unidade de análise são mulheres

empreendedoras que realizam suas atividades no Município de Curitiba/PR.

3.2.3 Instrumentos de coleta dos dados

A coleta de dados representa “o momento mais difícil na realização da

pesquisa qualitativa” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 115). Isso porque a pesquisa

qualitativa de cunho construtivo-interpretativo, conforme proposta por González-Rey

(2005), não trabalha com o tratamento do material empírico, contendo uma verdade

única que a análise dos dados deve revelar. Além disso, o sentido subjetivo não

aparece de forma direta sequer ao sujeito, e o pesquisador deve ter um papel ativo

no processo de construção da informação. Para o autor, a epistemologia qualitativa

76

permite e demanda a construção de zonas de inteligibilidade sobre dado fenômeno

que estão ancoradas nos sentidos e nas configurações subjetivas.

Os instrumentos utilizados foram: entrevista e teste de complemento de

frases.

A entrevista é uma técnica eminentemente qualitativa cujo propósito é

entender como os sujeitos estudados vêem o mundo de forma a apreender a

terminologia e os julgamentos que utilizam. Tal técnica foi eleita para o presente

estudo por ser adequada para capturar as complexidades da experiência e

percepção dos sujeitos analisados (CORBETTA, 2003).

O tipo de entrevista utilizado foi o semiestruturado. Nele, o entrevistador

possui alguns tópicos que devem ser cobertos durante a entrevista (podem conter

vários graus de especificações e detalhes). Esse tipo de entrevista fornece, tanto ao

entrevistador quanto ao entrevistado, ampla liberdade e, ao mesmo tempo, assegura

que os temas relevantes sejam tratados (FONTANA; FREY, 2002).

A utilização da entrevista, segundo Fontana e Frey (2002), não pressupõe

uma objetividade per se, pois os dados coletados são provenientes da interação

entre pesquisador e pesquisado. Nas palavras dos autores:

Cada vez mais, pesquisadores qualitativos estão percebendo que as entrevistas não são instrumentos neutros de coleta de dados, mas sim, instrumentos ativos e de interações entre duas (ou mais) pessoas, conduzindo-a com resultados negociados baseados no contexto. Assim, o foco das entrevistas está se movendo para abranger “os comos” na vida das pessoas (o trabalho construtivo envolvido na produção de ordem na vida cotidiana), tanto quanto os tradicionais “o quês” 2 (FONTANA; FREY, 2002, p. 646, tradução nossa).

Essa característica da entrevista alerta para o entendimento da técnica, não

como uma ferramenta objetiva de coleta de dados utilizada de forma neutra.

O teste de complemento de frases foi utilizado como elemento auxiliar na

coleta de dados. Isso foi feito para facilitar expressões do sujeito e permitir uma

construção mais ampla dos sentidos subjetivos e processos simbólicos que

constituem a sua configuração subjetiva.

2 “Increasingly, qualitative researchers are realizing that interviews are not neutral tools of data gathering but active interactions between two (or more) people leading to negotiated, contextually based results. Thus the focus of interviews is moving to encompass the hows of people's lives (the constructive work involved in producing order in everyday life) as well as the traditional whats” (FONTANA; FREY, 2002, p. 646).

77

Trata-se de um instrumento de pesquisa que é recomendado por González

Rey (2005) e caracteriza-se pela proposição de início de uma frase (que funciona

como indutor de uma resposta) que é complementada pelo respondente com aquilo

que considera apropriado naquele momento. O instrumento coaduna-se com a

pesquisa de cunho sócio-histórico porque parte-se do pressuposto que o

pensamento se concretiza na palavra (VYGOTSKI, 2009). Isso não quer dizer, no

entanto, que a palavra seja a expressão total do pensamento ou da consciência. O

pensamento nunca é igual ao significado direto das palavras, mas o significado

desempenha a função de intermediário entre o pensamento e seu processo rumo à

expressão verbal. Em outros termos, o caminho entre pensamento e palavra é

indireto, inteiramente mediado pelo significado.

Para González Rey (2005) o complemento de frases é suscetível de

múltiplas opções de análise. No entanto, na pesquisa qualitativa sócio-histórica, ele

deve ser utilizado para captar os sentidos subjetivos que não estão explicitamente

expressos nos conteúdos. O pesquisador busca o contexto da informação no qual o

conteúdo foi elaborado para auxiliar na construção do modelo de inteligibilidade das

diferentes formas de expressão do sujeito em seus diferentes espaços sociais.

3.2.4 Procedimentos de coleta dos dados

Foram realizadas seis entrevistas. No entanto, duas delas foram

descartadas. Uma porque a depoente não permitiu a gravação o que limitaria a

análise uma vez que o relato seria contado a partir da memória do pesquisador ao

invés de contar com a fala integral da depoente. A segunda entrevista não foi

utilizada. Durante a entrevista a depoente utilizava monossílabos para responder às

questões o que dificultou sobremaneira a análise da subjetividade da respondente.

Ao encontrar com as depoentes, procurou-se criar um ambiente favorável.

Mantinha-se conversação sobre variados temas até que se percebesse que a

empreendedora estava prontas para a entrevista.

Por trabalhar com depoimentos, teve-se o cuidado de preservar as

identidades e manter a privacidade das entrevistadas.

78

O instrumento de complemento de palavras foi deixado com as

empreendedoras no momento da entrevista e coletado mais tarde, em torno de três

semanas. Como é instrumento livre, algumas das respondentes registraram apenas

uma palavra de complemento, enquanto outras escreveram diversas frases a partir

dos indutores. A interpretação dos dados foi feito de forma conjunta com as

entrevistas.

3.2.5 Procedimentos de análise dos dados

A análise dos dados coletados foi feita a partir do pressuposto que tal

análise é construtiva e interpretativa.

Os procedimentos para empreender a análise foram adaptados a partir dos

procedimentos sugeridos por Aguiar e Ozzela (2006) que são: i) leitura do material

transcrito. O procedimento sugerido pelos autores é uma leitura flutuante, mas neste

caso, foram feitas várias leituras e; ii) levantamento de indicadores que são criados a

partir das questões que aparecem com maior ênfase ou importância, revelando o

envolvimento dos sujeitos em acordo com o objetivo da pesquisa.

Os indicadores de sentido subjetivo são, nas palavras de González Rey

(2010, p. 335),

Significados que o pesquisador vai gerando perante certos trechos de informação. A concorrência de indicadores diferentes em relação a um mesmo significado permite a definição de hipóteses que, na sua inter-relação, definem o modelo teórico.

Nesse processo, e conforme a proposta de González Rey (2002, 2005), o

próprio pesquisador é também um instrumento de pesquisa, na medida em que sua

subjetividade também se interpõe ao processo, pois é ele quem vai criar o modelo

de inteligibilidade sobre o tema da pesquisa. González Rey (2005) afirma que as

representações teóricas mais gerais que o investigador assume integram o sistema

teórico criado a partir do momento empírico gerado no contexto da pesquisa. Nesse

sentido, o empírico não é divorciado da teoria. Nas palavras de González Rey: “As

teorias existem no pensamento e na reflexão dos pesquisadores, sem os quais uma

teoria se transforma em um conjunto de categorias estáticas e naturalizadas que

impedem o contato com os problemas a serem pesquisados” (2005, p. 31).

79

Assim, os conjuntos de indicadores encontrados na fala dos sujeitos formam

hipóteses. Para González Rey (2010) tais hipóteses norteiam o pesquisador na

constituição do sistema composto de informações, ideias e reflexões. Essas

hipóteses não podem ser confundidas com aquelas que precisam ser testadas

estatisticamente. Ou seja, elas “representam construções em andamento, que não

têm como objetivo a verificação empírica” (GONZÁLEZ REY, 2010, p. 335).

Para González Rey (2005), a legitimação do conhecimento a ser alcançado

com a pesquisa é necessariamente processual. Com isso, ele quer dizer que não há

expectativa de alcance da verdade última, mas momentos de inteligibilidade sobre o

fenômeno estudado, momentos tais que, estando em um processo, estão

conectados à posição ativa do pesquisador (DOBRÁNSZKY, 2007).

González Rey (2005) advoga que as conclusões não podem ser

circunscritas à descrição dos dados coletados, mas que deve ser construída a partir

dos significados que aparecem na informação empírica.

A generalização a ser alcançada nos resultados da pesquisa não pode ser

pareada com o tipo de generalização encontrada em pesquisas de cunho objetivista.

Aqui, ela está associada à qualidade do modelo teórico “formado pelas hipóteses

que vão se legitimando no curso da pesquisa, pelos sistemas de informação que

ganham visibilidade” (GONZÁLEZ REY, 2010).

80

4 CONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO

Importante ressaltar que a análise ora realizada tem no pesquisador o seu

ponto de partida. Em outras palavras, essa é minha interpretação que foi feita em

momento específico de minha trajetória acadêmica e à luz daquilo que venho

estudando no período de pesquisa para a tese. Na análise do relato das

empreendedoras, há que se considerar que toda a explanação é aberta, conflitiva e,

portanto, sujeita a novas interpretações. Além disso, o relato das mulheres que

fizeram parte da pesquisa está voltado às experiências que elas julgam importantes

em relação ao empreendimento e de sua atuação no mundo dos negócios. De forma

evidente, ao serem declaradas empreendedoras, por serem proprietárias de

negócios, não lhes foi negada a multiplicidade de atividades simultâneas que

desenvolvem.

Optou-se por fazer a apresentação dos dados a partir da idade das

informantes. Da mais velha para a mais nova. Dessa forma, a primeira

empreendedora a ter sua subjetividade analisada é Maria (60 anos), a segunda Isis

(44 anos), seguida por Emília (44 anos) e finalizando com Ida (24 anos). Os relatos

delas foram transcritos a partir das entrevistas e também foram utilizadas as

respostas delas no instrumento de complementos de frases.

4.1 MARIA

Maria é uma mulher de 60 anos, nascida em Londrina. A mãe era baiana e o

pai um paulista que foi atraído para o norte do Paraná pela facilidade oferecida aos

trabalhadores pela Companhia de Terras do Norte do Paraná, subsidiária de uma

empresa inglesa. Sua infância é vivida no sítio onde seu pai plantava café e a mãe

era responsável pelo cuidado da casa e dos 15 filhos.

Ela recorda que a mãe plantava verduras, tirava leite e costurava as roupas

dos filhos. A mãe de Maria ordenava que ela saísse para vender os produtos

cultivados na horta e o dinheiro arrecadado era utilizado para fazer frente às

despesas extras com roupas e sapatos da criançada. Não que fosse uma

necessidade de complementar renda, mas ela lembra que o pai, apesar do sucesso

81

em seus empreendimentos, era homem econômico que, por depender de safras e

clima, não era de permitir gastos considerados por ele como supérfluos.

Da infância, Maria se recorda de brincar com as filhas dos empregados do

pai no próprio sítio, das obrigações com os cuidados com os irmãos mais novos e

das viagens à casa da tia em Guararapes no interior de São Paulo. Lembra-se

também que, em tenra idade, por volta dos cinco anos, falava para o pai que queria

ser advogada.

Aos quatorze anos desafiou os interditos do pai e buscou o primeiro

emprego como auxiliar de correntista em um banco, depois foi secretária em uma

indústria e, ao terminar o curso de Direito, abandonou a advocacia por causa de

uma decepção com o mentor. Então, decidiu tornar-se professora após prestar

concurso público, mais ou menos na mesma época em que se casou.

Aos 20 anos perdeu a mãe e, aos 22, o pai comprou um casarão no centro

da cidade e a família deixou o sítio. Casou-se aos 25 e oito anos mais tarde mudou-

se com as três filhas para Porto Alegre acompanhando o marido recém promovido.

Lá começou a vender bijuterias e semijoias como forma de ocupar o tempo e ter

rendimento para custear suas próprias despesas até que o desemprego do marido

mostrou-se uma oportunidade para mudar de cidade e ela optou por Curitiba para

iniciar a nova fase em sua vida.

Em Curitiba, com a dificuldade do marido em ganhar o mesmo tipo de

rendimento com o qual a família estava habituada até então, ela se vê na

“obrigação” de empreender. Começou vendendo roupas de couro e o negócio foi

evoluindo até que culminar na abertura da primeira loja. O financiamento do

empreendimento, que consistiu na compra de estoque inicial e pagamento do ponto

comercial, foi feito em parte com empréstimo feito por um dos irmãos e pela entrega

de todas as joias que possuía e que tinham sido presenteadas pelo marido e

compradas por ela até aquele momento.

Atualmente ela possui duas lojas de roupas femininas, com variedade de

peças que vão desde roupas casuais até vestidos de gala. As três filhas, com 34, 30

e 27 anos, trabalham com ela assumindo diversas funções. Ela iniciou um negócio

com capital relativamente pequeno e hoje ela é a principal provedora do lar.

Consegue, com o fruto do empreendimento, manter um padrão de vida superior à

média nacional.

82

Os indicadores de sentido subjetivo surgiram a partir da entrevista e do

instrumento de complemento de frases.

4.1.1 Subjetivação do empreendedorismo

A atuação no ramo de varejo de moda pode ser bastante complexa, uma vez

que a competição é acirrada e o setor possui poucas barreiras de entrada. Em

outras palavras, é relativamente fácil abrir uma loja de roupas femininas o que faz

com que a quantidade de empresas desse setor seja maior, aumentando a disputa

por clientes (BARKI; TERZIAN, 2008). Além dos aspectos econômicos, o varejo de

roupas femininas no Brasil vem se desenvolvendo a partir de uma sociedade de

consumo (SIQUEIRA, 2003). Não se trata apenas de uma transação comercial, pois

a moda está relacionada também com o mundo simbólico. Não se consome apenas

algo para cobrir o corpo, mas se declara um modo de vida, ou se defende uma

causa, mostra-se que se pertence a determinada classe de renda ou ainda se busca

a aprovação social. Pontes (2006), ao analisar a obra de Gilda Mello e Souza sobre

a moda do século XIX, afirma que:

Após mostrar que as mulheres no século XIX desenvolveram ao infinito as artes relacionadas com sua pessoa, criando um estilo de vida que se expressava simbolicamente por meio da moda, Gilda chama atenção para a experiência das mulheres que embaralharam esse esquema dualista. Entre elas, as sufragettes que, aspirando a uma existência diversa e vendo na carreira uma fonte de realização pessoal, obrigavam-se ao desinteresse pelo adorno, pela vestimenta rebuscada, pela preocupação com a moda (p. 171).

O mundo de negócios em que Maria atua não parece ter sido escolhido

aleatoriamente. A trajetória de vida dela pode dar indicações de que a escolha tenha

sido também feita em decorrência de sua experiência com o mentor ao tentar a

incursão no “mundo masculino” da advocacia. Aquela experiência, subjetivada de

modo único, resulta em uma mulher que escolhe apenas negócios voltados ao

universo simbólico que ela considera feminino.

Maria cresceu em uma cidade do interior do Paraná e desde pequena

lembra-se de desenvolver atividades relativas ao comércio.

83

Olha. Eu não me esqueço. [...] A gente morava num sítio e ela [a mãe] fazia plantações de verduras, legumes, essas coisas e eu era encarregada de vender. Eu devia ter sete ou oito anos de idade, já saía com minha irmã mais velha, a Elza, para vender.

A interpretação de Maria sobre a atividade que desenvolvia quando menina

facilita a produção de sentidos subjetivos que são expressos em forma de

características pessoais. No seu relato, Maria indica que possui coragem e ousadia.

Isto é reforçado no instrumento de complemento de frases quando ela afirma que

“medo é um termo que não existe em meu vocabulário.” O que pode ser associado

às qualidades que compõem a identidade dela enquanto mulher e empresária: “sou

corajosa e enfrento todos os desafios tanto pessoais quanto financeiros”.

A mãe ocupa lugar especial na vida dela. Ela atribui à figura materna grande

parte de suas características: corajosa, ousada, cuidadosa, criteriosa, exigente,

educada, simpática e amiga. São todas características positivas. Dessa forma, a

mãe tem um papel importante quando ela identifica a si mesma e se atribui

características que ela crê lhe sejam favoráveis ao empreender. Ela é agradecida à

mãe pelo sucesso nos negócios hoje, pois acredita que este aconteça em função de

suas características pessoais. Ao preencher o complemento de frases afirma:

Eu gostaria de poder falar que sou uma mulher de muita sorte, realizada no que faço, procurando fazer o que há de melhor dentro das minhas condições. Obrigada, minha mãe!! Obrigada!!

As ações frente aos negócios são feitas em um sentido de corroborar tais

traços. Ao completar as frases ela afirma: “sou muito ousada para fazer as

aquisições para as lojas, depois corro atrás para que tudo seja vendido”.

É possível também destacar o indicador de sentido subjetivo necessidade.

Ela se viu na “obrigação de continuar”. No início, com vendas de porta em porta.

Depois, também, se vê impelida pela necessidade de abrir a empresa.

Essa necessidade é que o (nome do marido) estava desempregado e eu tinha que ter meios de continuar mantendo minhas filhas com o mesmo padrão de vida que elas tinham antes. Com estudos e tudo. Então, eu continuei, me esforcei cada vez mais para que eu conseguisse cumprir esse objetivo e superar a fase das meninas não passarem necessidade.

Destaca-se aqui o tipo de necessidade que a levou a abrir a empresa. Não

se trata de abrir uma empresa norteada pela falta de opção de subsistência, pois a

família já possuía imóveis que lhe proporcionavam renda, além da ocupação do

84

marido como corretor de imóveis. Também não aparece no relato dela que a

abertura do negócio se deu pela visualização de uma oportunidade como é

preconizado pelo Relatório Global Monitor Entrepreneurship (GEM). Dessa forma,

na pesquisa realizada pelo GEM, Maria não poderia ser classificada em nenhuma

das opções como motivadoras para a abertura de negócios. A necessidade aqui é

de ordem diferente. Este elemento de sentido subjetivo foi socialmente constituído.

Desde jovem, ela se envolve com pessoas de classes sociais com alta renda que lhe

imprimem uma visão específica de mundo e a noção do que seria necessidade.

Aí passamos a morar ali nesse casarão, no centro da cidade. E ali foi um lugar bom porque concretizou o meu desejo de morar na cidade. Eu sempre tive vontade realmente é de morar na cidade. Eu tinha amigas da mais alta sociedade. Então tudo isso também ajuda você a ter uma perspectiva melhor das coisas. Ajuda bastante. Porque naquela época eu não precisava trabalhar, mas eu me sentia bem com aquilo que eu fazia. Porque eu tinha que ajudar em casa, manter a casa e foi aí que surgiu a idéia da loja.

Pode-se aqui estabelecer como indicador de sentido subjetivo do lócus

interno de controle. A utilização do pronome pessoal EU dá indícios de que ela

acredita ser o principal responsável por sua vida e seu empreendimento

E reformei toda a escola com o meu dinheiro, com o dinheiro que eu consegui das doações, não envolvi nada da prefeitura, pintei toda a escola... Então ficou assim parecendo um palácio em comparação ao que era. As crianças eu me dedicava assim inteiramente. Dava cursos... Eu mesma fazia cursos, treinamentos, levava médico, levava fisioterapeuta pra dar cursos... Tinha um barracão perto da escola, ali no bairro mesmo e a gente emprestava esse barracão e dava curso para os pais. Como educar os filhos, como tratar os filhos, como cuidar... Tinha muito piolho naquela época assim, era exorbitante o piolho assim, os professores morriam de medo de dar aula e a gente também, porque tinha que sentar junto com a criança na carteira, dar uma atenção... Eu mesma confeccionava todos os painéis. Até não sei de onde vinha tanta inspiração. “Tudo o que você faz você faz bem feito.” Aí eu fazia aquelas flores, como se fossem umas flores vivas mesmo. Colocava... Na primavera, fazia toda florida a parede inteira da escola, na entrada. No dia das crianças, fazia sobre as crianças. Dia dos pais... Então, todas as datas comemorativas eu fazia assim uma decoração na parede toda.

Outros episódios relacionados ao desempenho de atividades negociais

também são marcados pela responsabilidade pela própria vida. Quando, já casada,

85

se vê obrigada a deixar a cidade de sua infância e seguir para Porto Alegre com o

marido recém-promovido:

Meu marido foi transferido pra Porto Alegre como diretor de previdência privada no (nome do banco). Chegando lá eu ia continuar com escola, mas como era muito longe eu achei que não valia muito à pena ficar me desgastando. E aí eu comecei a comprar bijuterias. Havia muitos atacados de semijóias, bijuterias e aí eu comecei a comprar algumas bijuterias para meu uso no atacado e as que sobravam eu vendia. Então eu ia ao salão de beleza e vendia e aquilo deu muito certo para mim. Eu não precisava, mas como eu comprava barato e vendia barato também, foi crescendo, crescendo, crescendo e quando eu fui ver eu estava já quase como empresária das bijuterias. Aí eu comecei a vender de porta em porta, fazia isso nas grandes empresas em Porto Alegre.

A responsabilidade pelos rumos da própria vida também aparece quando ela

toma a decisão de mudar-se para Curitiba, de abrir a loja, de abrir filiais, de comprar

grandes quantidades de estoque e tantas outras que aparecem no relato de Maria.

O indicador orgulho associado com a responsabilidade pela própria trajetória

também é evidenciado quando escolhe o próprio nome para a loja que viria abrir

Como o meu nome é (nome da entrevistada) e aí eu pensei “que nome eu vou pôr na loja? Que nome eu vou pôr?”. Aí eu falei “ah, pra todo mundo saber que a loja é minha eu vou colocar ______Modas, porque eu trabalho com moda: (nome da entrevistada)” Por isso surgiu o nome _______ Modas, porque todo mundo já me conhecia. Aí eu divulguei entre as minhas clientes que eu iria montar essa loja. A maioria continuou comprando ali na loja.

A responsabilidade pelas ações parece também quando decide abrir a

própria empresa:

Eu achei melhor vir pra Curitiba e chegando aqui ele [o marido] não conseguia emprego à altura do que ele estava acostumado e o que ele conseguia dava para pagar só o aluguel do apartamento onde vivíamos. Aqui nós não tínhamos apartamento. Foi aí que eu peguei e me senti na obrigação de continuar buscando alguma coisa em Porto Alegre. Eu vendia roupas de couro lá também. Algumas pessoas que já conheciam minhas roupas aqui em Curitiba pediram para eu voltar e buscar mais. E aí fui aumentando. Fui buscando couro, buscando as bijuterias... Aí eu já comecei a pensar... Aí foi quando eu comecei a vender no Tribunal de Justiça também, passava o dia inteiro lá. Eu fiquei três anos vendendo ali.

A empresa dá alegria e prazer em condições específicas: “quando está tudo

bem, da forma como idealizo.” No registro da condição de prazer aparece o

elemento idealizado que pode ser entendido como algo que é desejado e exaltado

86

pelo sujeito. Estar tudo bem significa que o outro (funcionários, filhas, marido) está

realizando aquilo que ela deseja. Em outras palavras, eles estariam (ou deveriam

estar) fazendo aquilo que ela tem em sua mente e isso mostra-se um problema, pois

pertence somente a ela. A idealização é uma negação da condição real atribuída por

ela ao trabalho dos outros.

A idealização da perfeição no atendimento, no empreender evidencia mais

uma vez as exigências subjetivadas desde menina. Maria percebe a cobrança da

mãe: “Isso, principalmente das mulheres ela cobrava bastante”. As lembranças

evocadas durante a entrevista indicam que exigência pode ser um indicador de

produção de sentidos subjetivos. As exigências dos pais, parentes próximos em

relação ao comportamento considerado feminino é subjetivado e resulta em uma

empreendedora também exigente com seus funcionários, filhas e marido. No

complemento de frases ela indica que a atividade que menos gosta ao empreender

é a orientação das funcionárias para o atendimento que considera adequado. Para

ela “é desgastante orientar funcionários e conseguir ficar da maneira que eu gosto”.

Reforçado pelo depoimento dela a respeito das atividades que desenvolve na loja:

Não é assim também, com moleza, que você consegue as coisas. É trabalhando com afinco, acompanhando e dando continuidade em tudo o que você faz, acompanhando a venda, a clientela, acompanhando as vendedoras. Até hoje eu faço isso. Se estou aqui na loja, estou acompanhando. Isso porque deixar só por conta de vendedor ou por conta de funcionário, as coisas não fluem tão bem, no meu parecer. Logicamente que elas vendem, mas não à altura que eu gostaria que vendessem, à altura que eu gostaria que atendessem as clientes. Sempre tem um “porém” com funcionário. Se você deixar à vontade ou elas não mostram aquela peça que realmente acho que ia ser bacana para a cliente, uma peça que vai ficar bem, que ela vai sair satisfeita; ou então não dão atenção suficiente, como servir alguma coisa para a cliente.

As relações familiares (marido, filhas, irmão) estão sempre presentes na fala

e na atividade empreendedora.

As três filhas trabalham com ela atualmente e representam o incentivo e a

necessidade que a motivam a continuar a empreender. A filha mais velha aparece

com maior freqüência no relato de Maria.

Nessa época o (nome do marido) sempre me acompanhava bastante para me ajudar. Eu não tinha funcionários, trabalhava eu e a (nome da filha). No final de semana eu lavava calçada. Então eu me esforcei muito pra que as

87

coisas dessem certo. Não ter muitos gastos assim e poder ir crescendo também. A princípio ela [a filha mais velha] sempre me ajudou. Inclusive quando eu vendia particular ela sempre me ajudou, sempre gostou também. Além de me ajudar, ela via a minha necessidade de ter alguém para me ajudar e ela gostava também. Ela me acompanha até hoje. Sempre me dá apoio em tudo o que eu preciso, ela está sempre à disposição. [nome das outras duas filhas] elas nunca gostaram muito. Me ajudavam, mas não gostavam. Faziam por necessidade também, porque viam que eu precisava de alguém. A [nome da filha do meio] sempre me ajudava depois do almoço, depois que saía do colégio. E a [filha mais nova] agora há pouco tempo começou a trabalhar comigo.

Ao mesmo tempo em que a subjetividade de Maria é afetada pelas relações

familiares, ela também influencia na constituição subjetiva daqueles que estão à sua

volta.

Pode-se destacar também o uso do pronome possessivo MEU/MINHA em

todo relato de Maria. A posse fornece a motivação para empreender. Isto pode ser

notado na frase: “precisava continuar a sustentar minhas filhas da maneira como

elas estavam acostumadas”. O sentimento de posse expresso por Maria se reflete

em sua conduta ao intervir na carreira das filhas e na parceria nos negócios com o

marido. Ela não demonstra um tipo de possessão em que predomina a confiança no

outro – a confiança de que as filhas podem tomar conta da própria carreira, pois

para ela sua intervenção é necessária a fim de garantir uma atividade de maior

renda para as filhas.

A influência dela na escolha da carreira das filhas é evidente. A filha mais

velha sempre esteve ao lado dela no empreendimento, mas as outras duas

buscaram outras profissões. No entanto, não tiveram tempo suficiente para construir

carreiras, pois a pressão da mãe para a entrada delas nos negócios parece que foi

acentuada. Maria relata que as outras filhas foram trabalhar em suas áreas de

formação, mas ganhavam muito pouco e não fazia sentido para ela que as filhas

construíssem suas vidas profissionais fora da loja.

Porque deu certo, eu acho que seria interessante. Às vezes o [nome do marido] fala “deixa as meninas trabalharem com o que elas querem. Fazer o que elas querem.” Eu falo: “mas elas ganham tão pouco fora.” A [nome de uma das filhas] tentou na área dela. O que ela ganhava não dava um quinto do que ela ganha hoje na empresa. A [nome de outra filha] tentou também. Ganhava tão pouco. Eu falei “por que não ganhar mais e trabalhar pra família? Uma coisa que é da família.” Então, a família toda cresce junto. Não só eu. Todas crescem junto, porque eu crescendo elas também crescem. Então elas ganham comissão sobre as minhas vendas, então eu acho que é uma coisa que eu estou crescendo e elas estão crescendo. O meu objetivo é que a família também cresça, não só eu.

88

Eu acho que quando você trabalha com a família, com a união da família, eu acho que tudo cresce mais. Na minha opinião, parece que fortalece mais os vínculos de negócios, fortalece mais a amizade da família. Acho que cresce mais, em minha opinião. Porque a gente está sempre junto, mais unido, troca idéia junto. Eu acho que cresce, a gente cresce junto. Acho que em todos os setores a gente cresce.

Ela consegue que as filhas abandonem o projeto de carreira em detrimento

de projeto comum à família elaborado por Maria. Isso não acontece quando se trata

do marido, que é relatado como tendo uma percepção diferente da dela “ele pensa

de uma maneira e eu penso de outra”. A imposição de sua vontade não parece ser

consciente, ela parece que instaura uma moral que é fundadora da subjetividade

dela, das filhas e também do marido. Dito de outra forma, o fato de Maria ter feito as

filhas abandonarem o projeto de carreira individual é tido como a coisa certa a ser

feita. A justificativa é que é bom para elas e para a família. O marido, por pensar

diferente (então errado), inclusive em relação à participação das filhas, não pode

participar do projeto. Em nenhum momento ela relata o que as filhas pensam ou a

expressão da vontade das filhas.

No relato de Maria, ela se vê como principal personagem de seu

empreendimento. Tudo gira em torno dela. Na percepção dela, o empreendedorismo

é um fenômeno individual influenciado pelas características pessoais que são, por

sua vez, formadas na infância. Tanto que ela atribui à criação recebida da mãe, o

motivo do sucesso em seus negócios, pois na percepção dela é a mãe que lhe

incute obrigações e exigências que são utilizadas hoje ao empreender.

Ao atribuir peculiaridades que a identificam enquanto empreendedora, ela

fornece a representação social sobre o empreendedorismo que está presente na

sociedade e que foi por ela subjetivado. Isso pode ser evidência que o

empreendedorismo é uma construção social que atribui ao indivíduo determinadas

características que são supostamente responsáveis pelo sucesso nos negócios.

As características pessoais que são evidenciadas em seu relato mostram

que ela sente orgulho de si mesma em função de ser empreendedora bem sucedida.

Isso também é encontrado no complemento de frases quando expressa satisfação

pelos elogios que recebe de clientes, afirmando que “isso faz muito bem para o ego.”

89

4.1.2 Subjetivação da condição de mulher

Os temas exigência, desafio e esforço são recorrentes no relato de Maria e

se articulam resultando na forma como ela pensa sua própria identidade de mulher e

de empresária. As primeiras memórias fazem-na lembrar-se da vida em família que

é marcada por exigências de comportamentos “corretos” que uma mulher deveria

apresentar.

A memória dos afazeres cotidianos da mãe e pai em sua lida diária a faz se

emocionar, seus olhos se enchem de lágrimas e relembra o relacionamento

carinhoso que tinha com os seus pais.

O relacionamento com os meus pais sempre foi muito bom. Eu sempre respeitei minha mãe, sempre ajudei bastante, ela não tinha empregada, então eu chegava do colégio, almoçava e ia lavar a roupa com ela. Eu sempre estava junto dela ou lavando roupa ou se ela estivesse cortando uma roupa eu estava junto. Eu estava sempre acompanhando minha mãe. Eu era muito amiga.

Ela não diz que mantinha conversações com a mãe ou que trocava

impressões, mas que a ajudava naquilo que ela acredita que era a tarefa da mãe

como mulher. Ser amiga da mãe está associado ao fato de ajudar nos afazeres

domésticos que eram muitos. A proximidade que possui com a mãe está baseada no

trabalho conjunto, indicando que talvez a mãe não tivesse proximidade com os filhos

em função dos diversos afazeres que possuía.

O trabalho incessante da mãe feito sem auxílio de empregados não é uma

condição financeira imposta, mas um cuidado do pai com o futuro incerto até em

função dos 15 filhos.

É que meu pai tinha muitos filhos e eu acho que ele tinha medo de faltar alguma coisa. Então, nesse medo de faltar alguma coisa, ele sempre segurava o dinheiro. Roupa ele comprava uma ou duas vezes no ano, sapato duas vezes por ano... Então a gente não tinha condições de se vestir bem, andar bem vestido... Esse dinheiro [das vendas de verdura] normalmente a mãe comprava tecido e fazia roupa pra gente, então eu ajudava nessa parte. Não que a gente precisasse, passasse necessidade, mas ele dava o suficiente pra você não andar sem roupa ou não andar descalça... Nesse sentido, porque o resto ele realmente não dava. [...] Eu confeccionava roupas pra... A gente tinha os colonos que trabalhavam no sítio... Eu era nova, tinha onze ou doze anos, me lembro que eu cortava o cabelo das meninas, fazia roupinha, fazia roupinha pra boneca... Então tudo isso a gente fazia manual, não tinha máquina, nada. Quando a minha mãe costurava pra gente, eu estava sempre junto ali prestando atenção, vendo como ela fazia, como não fazia, como ela bordava... Então tudo isso sempre

90

foi assim... Tinha sempre uma atenção exclusiva naquela parte. Sempre gostei.

Ao mesmo tempo em que ela atribui ao fato de ter obrigação de vender,

afirma que a mãe cobrava “comportamentos femininos” das filhas. Reforçado pelos

parentes próximos que também procuram ensinar como uma mulher deveria se

comportar.

Meu pai não deixava a gente sair muito. Então com doze anos mais ou menos eu começava a viajar pra Guararapes na casa da minha tia Rosalina e da minha prima Maria. Lá também elas davam bastante orientação pra gente, como se portar, como devia ser. Que mulher tinha que ser feminina, que tinha que gostar disso, gostar daquilo, que tinha que bordar, que tinha que aprender a fazer as coisas... Então tinha não só a minha mãe, minha tia também, minha prima, sempre tinha essa parte feminina, essa parte de que a mulher devia fazer e ela sempre ensinava decoração assim, orientava, sempre tinha arranjos em casa e tal e ela falava “tem que ser... A casa...”, ela sempre dava umas orientações. Talvez tudo isso tenha contribuído pra que hoje eu goste de toda essa parte de decoração, de roupas...

O pai de Maria era o responsável pela imposição de um padrão de

comportamento socialmente construído em relação ao papel da mulher, pois para

ele, existiam algumas atividades que não podiam ser desempenhadas pelas filhas

pela simples condição de gênero.

Os homens normalmente saíam fora para trabalhar e as mulheres os pais não gostavam que saíssem pra trabalhar. Mas eu desafiei. Com quatorze anos eu saí e fui procurar meu primeiro emprego. Fui escondida e procurei meu primeiro emprego. A princípio meu pai ficou hiper aborrecido, porque mulher não podia trabalhar fora, mas eu bati o pé e continuei trabalhando. “Eu quero pagar meus estudos, eu quero fazer uma faculdade e não quero

ficar dependendo.”.

O que concretamente cerca Maria é o trabalho de casa feito exclusivamente

por mulheres e também restrições impostas em função do gênero. Mesmo as

possibilidades que se mostravam para ela eram limitadas, apesar de as mulheres do

século XX, em especial aquelas das décadas de 1930-1950, terem adquirido

teoricamente igualdade de direitos sociais. A subjetividade social em seus diversos

meios, também lhes impunha uma série de comportamentos bem pouco alinhados

às conquistas do movimento feminista. Isso é compatível com as análises que

Mestre (2004) faz ao investigar as representações sociais da mulher paranaense no

século XX. Para a autora, em especial para as mulheres de classe média, ser dócil e

91

responsável pela constituição, manutenção e aderência dos membros do núcleo

central: pai-mãe, como cuidadores da prole, era considerado adequado e normal.

No relato de Maria a respeito do trabalho da mãe, das proibições do pai e

dos ensinamentos dos parentes próximos, a subjetividade individual vai emergindo

em sua história.

A trajetória de Maria não acontece isolada no tempo e espaço. Está imersa

em uma cultura que é (re)construída constantemente pelos indivíduos. A

subjetividade social ao encontrar em Maria um sujeito capaz de refletir sobre a

própria condição faz com que os elementos sejam por ela subjetivados de forma

única. Assim, a representação do papel de mulher que estava sendo a ela passada

não lhe servia. A subjetivação das experiências vividas por Maria a fez desafiar o

papel tradicional que lhe era dado. Assim, ela busca outro tipo de vida e vê no

trabalho e estudo a possibilidade de romper com as condições que lhe eram dadas.

No entanto, isso não é uma tarefa fácil porque algumas atividades eram negadas às

mulheres de seu tempo ou então estavam restritas a profissões tais como as de

professora.

A limitação das atividades que podiam ser desempenhadas em função do

gênero foi processada subjetivamente por Maria, surgindo daí o indicador de

produção de sentidos subjetivos expresso na palavra “esforço” que é recorrente na

fala dela e também no complemento de palavras. A palavra esforço pode significar

ação enérgica do corpo ou do espírito. A energia pareceu sempre necessária à

respondente. Isso pode ser evidenciado quando ela desafia o familiar pelo não

familiar ao buscar emprego. Ela faz diferente, rompe com o núcleo simbólico e de

sentido da representação social que lhe está sendo transmitida.

Além da ação enérgica (esforço), pode-se destacar outro indicador de

produção subjetiva que está interrelacionado: desafio.

O avanço pretendido pelo movimento feminista não atinge igualmente todas

as mulheres, especialmente aquelas que residem no interior, como é o caso de

Maria Para escapar ao controle do pai, comportava-se obedientemente como

estratégia inconsciente e assim ia lidando com as limitações impostas às mulheres

de seu tempo. Com isso podia “viajar com os colegas da escola” sem a presença

dos pais, privilégio que foi negado às irmãs que não utilizavam a mesma estratégia.

A reivindicação de espaço no mercado de trabalho, também para Maria, se

deu não com naturalidade, mas com teimosia. O gênero como um elemento

92

constitutivo das relações sociais privilegiava, naquele caso, o poder patriarcal que foi

desafiado. O “desvio de conduta”, no entanto, não é radical, mas feito aos poucos,

utilizando o poder de persuasão e limitado pelas representações sociais do que é

ser mulher. Esse tipo de comportamento provoca pequenas fissuras nos modelos

tradicionais, como afirma Mestre (2004), o que acaba por modificar as

representações sociais.

Ao entrar no mundo do trabalho, não mais retorna às atividades de casa.

Trabalhou em banco como auxiliar de correntista, em empresa de tecidos como

secretária. Ao mesmo tempo em que trabalha, Maria estuda. Desde pequena deseja

ser advogada:

Eu tinha cinco ou quatro aninhos. Eu me lembro que um dia eu estava chupando laranja no quintal com o meu pai e falei pra ele que eu queria ser... Eu não sabia nem falar... Queria ser advogada. Eu falei “pai, eu quero ser avogada.” Eu não sabia nem falar direito a palavra e queria ser avogada. Não sei por que também, mas eu falava... Desde pequena eu falava que ia ser advogada. E, no entanto eu fiz o curso e achei melhor continuar na área do comércio. Não me interessei. Fiz o curso, mas não me interessei.

O sonho de criança revela-se decepção. A experiência com o curso de

Direito é permeada por emoções contraditórias. A princípio, gosta e admira os

professores. No entanto, tais sentimentos logo são substituídos por mágoa e

decepção. O mentor lhe faz propostas em seu primeiro dia de trabalho que a fazem

desistir do sonho de infância:

Eu fiquei um pouco decepcionada, porque eu tinha... Os professores eram super bacanas na faculdade... O professor em quem eu mais me espelhei, de quem eu gostava muito, convidou-me para trabalhar com ele. Eu terminei o curso e no dia seguinte ele me chamou pra trabalhar com ele e no primeiro dia ele me cantou. Eu fiquei muito decepcionada. Eu sou uma pessoa que gosta de tudo muito certo, tudo muito correto e não aceito coisas erradas. Então eu acho que isso me deixou assim bem aborrecida e foi onde eu desisti.

A decepção e o aborrecimento que até hoje marcam o relato de Maria são

evidência de que o episódio não foi efetivamente superado. Depois de mais de trinta

anos, ainda se lembra do tipo de emoção vivida. Pode-se aqui conjecturar que o

papel destinado às mulheres da década de 1970, em especial em cidades

interioranas, ainda não havia alcançado os avanços pretendidos pelos movimentos

feministas. O tratamento dado a ela pelo mentor que pode ter sido interpretado por

ela como relativo à sua condição de mulher pode ter sido subjetivado e resultado no

93

abandono da profissão. Assim, ela não quis mais incursões em um mundo

“masculino”. A experiência ruim a fez desistir de ser advogada e voltar à função

destinada às mulheres de seu tempo: professora.

Exigência, desafio e esforço agora já subjetivados estão presentes na

trajetória profissional como docente, que é marcada por diversas funções assumidas

pela competência demonstrada: professora, secretária e diretora. As atividades

laborais são marcadas por elogios à sua capacidade de “fazer bem feito” o que

reforça também o orgulho como indicador de sentidos subjetivos.

Eu trabalhei no banco, nessa empresa, depois trabalhei como professora. Aí fui professora, fui secretária, fui diretora de escola e sempre fui bastante elogiada no que eu fazia e procurava sempre fazer o melhor. [...] Eu sempre gostei de fazer uma coisa bem feita, então tudo o que eu fiz realmente eu fui crescendo dentro do meu serviço. [...] As pessoas sempre elogiam bastante o meu trabalho e desempenho das minhas lojas.

Ser mulher para Maria exige dela comportamentos específicos que têm

relação com a perfeição. A exigência que lhe foi cobrada agora subjetivada é

também elemento que constitui sua ação como empreendedora representando um

desafio que somente pode ser vencido por meio de esforço.

A representação social sobre o empreendedorismo é associada a um

indivíduo que faz monta um negócio sozinho e o faz prosperar. Assim, o fenômeno é

individual e influenciado pelas características pessoais que são, por sua vez,

formadas na infância. Tanto que ela atribui à criação recebida da mãe, o motivo do

sucesso em seus negócios, pois na percepção dela é a mãe que lhe incute

obrigações e exigências que são utilizadas hoje ao empreender .

Na configuração subjetiva de Maria, a porção mulher se insere na porção

empreendedora que se expressa em suas diversas ações.

94

4.2 ISIS

Isis é uma mulher de 44 anos gaúcha de Gravataí e é mãe de uma jovem de

21 anos que atualmente passa temporada de estudos nos Estados Unidos. Isis é

loira, alta e tem olhos azuis. Ela é filha de pai empreendedor e já cresce em uma

família acostumada a falar de negócios. Ela lembra-se que desde pequena desejava

ter o próprio negócio. Recorda com graça da insistência que tinha com a mãe para

vender os bonecos feitos em gesso que ela pintava sem muito jeito aos oito anos.

Mais tarde, já uma jovem adulta via oportunidades de negócios e oferecia ao pai,

mas ele sempre as recusava, coisa que ela imagina era proveniente de medo do pai

em aventurar-se fora de sua área de especialidade.

Entrou no magistério – “era isso ou estudar contabilidade”-. Então, formou-se

professora e trabalhou em banco. Gostava da atividade. Ficou neste trabalho dos 18

aos 21 anos quando se casa.

Ainda recém-casada decidiu com o marido mudar de cidade para aproveitar

uma oportunidade de emprego oferecida a ele. A adaptação à nova vida não se

mostrou muito fácil. Os planos eram como o de todo casal jovem: construir casa, se

firmar na profissão e, depois, ter filhos. No entanto, a ordem foi invertida. Poucos

meses depois do casamento, ela estava grávida e com o marido ganhando pouco.

Voltaram para a cidade natal esperando uma condição melhor. Os planos não dão

certo e o que estava ruim “ficou ainda pior”. Os ganhos do marido, a criança

pequena e a moradia com a sogra não condiziam com os desejos daquela jovem. O

marido lhe consultou sobre a possibilidade de mudança para Curitiba e eles

decidiram novamente deixar Gravataí. Quando se estabeleceram em Curitiba, o

marido estava em um bom emprego, mas recebeu a proposta de abrir uma empresa.

Novamente consultada sobre o que fazer, Isis fez com que o marido aceitasse a

proposta e abrisse a empresa em sociedade com colegas de trabalho.

Cinco anos mais tarde e com a filha crescida, decidiu aproveitar o tempo

livre na empresa da qual o marido era sócio. Lá aprendeu a administrar uma

empresa metalúrgica. Ela enxergou possibilidades de crescimento, mas foi impedida

de tomar decisões porque não era sócia. Começou então a campanha de Isis para

que o marido deixasse a sociedade e abrisse uma empresa com ela. Para conseguir

95

persuadir o marido ela argumentava que eles estavam estagnados e que ela mesma

deixaria de trabalhar lá:

A gente tem que pegar mais clientes [nome do marido]! E ele responde: - Pois é, mas tudo que eu vou fazer ele [o sócio majoritário] acha ruim, ele acha que não é assim. Verifique bem. Acho que nós estamos nadando sem sair do lugar. - Eu vou sair. E aí acabei saindo. Ai eu disse: [nome do marido] porque a gente não monta uma empresa? Aí ele disse: - Montar uma empresa não é bem assim.

A comunicação entre ela e o marido aprece ser orientada pelo ímpeto dela

para os negócios, especificamente para o enfrentamento de situações

desconhecidas como pode ser percebido em várias ocasiões na trajetória do casal.

Na trajetória de Isis, o risco é algo que parece não assustá-la. Uma frase

que foi bastante dita por ela em seu relato e que marcava cada decisão que o casal

tomava: “Nós não temos nada a perder [nome do marido], então podemos tentar”

O marido resolveu seguir o conselho de Isis e abrir a empresa em 1997

fabricando roletes para laminação de roscas para atender a indústria de embalagens

metálicas. Na inauguração da Y, a empresa contava com apenas uma máquina de

usinagem. Isis propôs a venda da casa que o casal tinha adquirido ao longo dos seis

anos da antiga sociedade, mas o conhecimento do marido e a boa relação com um

fornecedor possibilitou a compra da máquina, que possibilitaria a abertura da

empresa, em um prazo de 36 meses. Em 2001, a Y mudou o foco de atuação e

passou a fabricar peças para a indústria petroleira. Até o ano de 2010, a

organização experimentou crescimento expressivo e atualmente é uma das

melhores empresas do ramo possuindo sete máquinas de grande porte para

usinagem das peças que fabrica. A Y possui processos de qualidade que a fazem

ser única no ramo. No entanto, passa pelo seu primeiro revés porque o cliente

responsável por 90% do faturamento diminuiu as encomendas em função do

desentendimento do marido de Isis com o novo diretor de compras do cliente.

Isis viu a gravidade da situação, mas também enxergou uma oportunidade

de ir em busca de novos clientes. Atualmente a Y tem a possibilidade de fazer

negócios com outras três grandes empresas atuantes no mesmo ramo do, até então,

único cliente. Apesar do revés sofrido, existe a possibilidade de triplicar o tamanho

da Y. Outro fator marcante é o interesse de uma companhia inglesa em comprar a

empresa de Isis. Apesar do amor declarado por ela pela organização criada, Isis

96

deseja profundamente a venda. Problemas no casamento a fazem repensar a

sociedade e desejar abrir negócio em outro ramo sem ter o marido como sócio.

4.2.1 Subjetivação do empreendedorismo

O setor de atuação de Isis é o metal-mecânico. Ela abriu a empresa em uma

época de um forte movimento de industrialização do Paraná ocorrido na década de

1990, especialmente de Curitiba e região Metropolitana, que atualmente responde

por 34% do total de indústrias do ramo no Estado.

O setor metalúrgico está dividido entre as empresas de transformação de

metais que vão desde a produção de bens até serviços intermediários. A empresa

de Isis é responsável pela usinagem de peças usadas na fabricação de peças para a

indústria de petróleo e gás.

A especialização da empresa que montou em 1997 faz com que os clientes

potenciais sejam poucos, em torno de seis no Brasil. A empresa está implantando

sistema da qualidade ISO e tem reputação de ser uma das melhores em seu ramo.

Isis afirma que sempre teve desejo de ser dona de seu próprio negócio. As

razões do desejo aparecem no instrumento de complemento de frases quando se

olha a totalidade das respostas. Em várias questões aparece o elemento financeiro

que é indicador de sentido subjetivo na configuração dessa empreendedora. O

ganho financeiro para ela aparece como medida de sucesso. Inclusive escreve que

a ambição dela como empreendedora é ter “$uce$$o”. Esse elemento de sentido

subjetivo vai se alterando ao longo da trajetória dela como empreendedora, como se

verá mais adiante.

Quando ela informa seu conceito do que é ser empreendedora, informa

características dela mesma: “não ter medo.” A partir da representação social do que

é um indivíduo empreendedor, ela constrói a sua própria identidade e suas ações

são realizadas de forma a corroborar essa característica. Dessa forma, a cada

decisão a ser tomada, a coragem é que deveria prevalecer.

A coragem aliada ao conhecimento compõem a configuração subjetiva desta

mulher. Pode-se, em diferentes situações, constatar que ela atribui ao conhecimento

97

a forma de justificar a superação do medo que poderia advir com a atividade

empreendedora.

Ser empreendedora significa não ter medo de assumir riscos de fazer algo, mas que conheça.

Quando dá conselhos a uma mulher que queira começar a atividade

empreendedora, ela afirma que conhecimento é imprescindível.

Se ela for montar algo, em primeiro lugar, ela tem que montar algo que ela domine. Jamais, ela pode [fazer] assim: “eu não sei vender nada, vou abrir

uma loja de roupa, ou eu não seu administrar e eu vou montar algo que eu vou ter que administrar.” Então eu acho assim, tem que ter muito cuidado. Tem que estudar bastante. Não estudar no sentido de ir para faculdade, mas estudar muito bem o que ela quer fazer.

A passagem do tempo para Isis é marcada pela evolução da empresa que,

por sua vez, é lembrada pela compra de máquinas, pela mudança de prédio e pelos

episódios que influenciaram o crescimento da empresa, como a sugestão de

construírem uma sala de teste – proposta pelo principal cliente. Esses

acontecimentos não obedecem a uma ordem cronológica de dias, meses e anos,

mas eventos significativos ligados à empresa.

Ela também considera cada um desses acontecimentos como um “sinal de

que estava no caminho certo”.

Aquilo era um sinal que estava dando certo. Cada ano que passava era um sinal que qualquer movimento que a gente fazia, a empresa ia crescer. Era um sinal que nós estávamos no caminho certo. Então eu acho que estamos nesse prédio há 6 ou 7 anos, foi quando a gente montou a sala de teste. Nesses 14 anos adquirimos 7 máquinas.

Esse “sinal” é utilizado como uma estratégia para justificar os investimentos

tanto emocionais quanto financeiros feitos na empresa. Cada um desses sinais

indicava então que ela podia continuar investindo suas emoções naquele

empreendimento. A emoção está presente na sua fala constantemente ao se referir

à empresa. O processo de pensamento que ela utiliza para tomar decisões, para

pensar os rumos da empresa, não está de modo algum dissociado das suas

necessidades e dos seus interesses pessoais. Ao decidir, ao aprender, ao agir na

empresa no curso de suas emoções, ela aprende. Dessa forma, não se pode pensar

o aprendizado sem levar em consideração as emoções que perpassam tal processo.

98

Nota-se que ela busca constantemente o crescimento da empresa, mas isso é

limitado pela preocupação de Isis com o outro. Na única ocasião em que se mostrou

receosa foi quando percebeu que poderia colocar a vida de seus funcionários em

risco.

Nós estávamos nos barracões aqui no Bairro Alto e fomos procurados pela “X’’[cliente] para montarmos uma sala de teste. Só que essa sala de teste vai pressão, vai gás. Então é assim um teste em 3 mil psi então e algo que tem que ter muito cuidado com os funcionários porque se estourar pode levar corte. Então no primeiro momento eu fiquei com medo. Eu disse: “Ai

[nome do marido] não quero botar ninguém em risco.” Então, claro que

fomos analisar, estudar. E chegamos à conclusão de que poderíamos fazer essa sala, que era seguro. O teste iria ocorrer em uma sala bem fechada, bem protegida. E os funcionários estariam do lado de fora e não ia ter perigo se por acaso explodisse [..] não ia ter perigo para funcionário nenhum. Mudamos para Pinhais, para um barracão de 400m². Então isso também, além das compras das máquinas, teve mais essa evolução, essa mudança de espaço.

Dessa forma, a emoção está na base dos processos de pensamento, de

tomada de decisão. Isso pode ser evidenciado quando fala do medo do risco sobre a

vida das pessoas.

Ao falar de sua relação com os funcionários parece ser consciente que ela e

os funcionários perseguem objetivos diferentes, mas isso não a impede de oferecer

um ambiente de trabalho que seja bom para ela e para os funcionários, admitindo a

relação de troca, mas abraçando também a dimensão humana que está envolvida.

Novamente aqui aparece a emoção como norteadora de práticas empresariais. Para

ela:

Eu te digo assim que a gente tem uma relação muito boa. Não é aquela coisa assim: a Isis é dona, ela está num pedestal. A gente faz toda semana, toda terça-feira, uma reunião onde a gente põe os pontos que têm que melhorar; o que aconteceu de uma semana para a outra; os cuidados que têm que ter. Então minha relação com os funcionários é nota 10. É uma equipe muito boa. Tenho alguns funcionários novos, mas o mais novo está com três anos, temos funcionários com 10, 14 e 7 anos. Procuramos fazer um ambiente muito bom para trabalhar, um ambiente familiar, um ambiente em que um ajuda o outro.

Um sentido subjetivo que surge no relato de Isis é o orgulho. Em várias

ocasiões ela informa que sente orgulho por ter criado a empresa, por ter prosperado,

porque seus funcionários aprovam a maneira como os trata, porque a família a tem

99

em grande consideração em função de ter empreendido e vencido. Enfim, a

atividade empreendedora representa para ela uma forma de realização que se

concretiza na forma de orgulho.

Eu sinto orgulho. Tem um mezanino na fábrica e eu fico olhando e penso: Nossa! Para quem começou do nada.

O indicador de sentido subjetivo de orgulho aparece também na relação com

os parentes fora de seu círculo restrito (marido e filha). A ação empreendedora dela

também afeta a subjetividade de outros indivíduos.

Hoje, hoje, eu sinto que eu sou uma referência para minha família, para meu pai, para minhas irmãs. Até agora, não faz muito tempo, a minha irmã me disse: - Nossa Isis, tu és uma mulher empreendedora. Tu és uma pessoa, uma mulher de sucesso. Achei tão bonito ela dizer aquilo, sabe? Então, para a família hoje eu sinto que a minha opinião tem um peso maior.

No complemento de frases ela acredita que a família sente admiração pela

atividade que desempenha. O papel que desempenha para a família, aliado ao

orgulho indica que ser empreendedora interfere na sua subjetividade e passa a

defini-la como sujeito.

As experiências diversas que emergiram da atividade empreendedora são

articuladas e resultam em transformações na sua configuração subjetiva. Ao relatar

sua trajetória que culmina nos dias atuais, a situação da empresa reflete-se na forma

como ela relata agora a relação com o marido. No início, relato de trajetória

conjunta, o marido aparece como um complemento importante de sua ação

empreendedora que, caminhando juntos na criação da empresa – que lhe é motivo

de orgulho. No início da entrevista, quando ela nomeia a empresa, explica que a

empresa é ela e o marido. Com a estabilidade, a organização passa a ter vida

própria e a empreendedora se relaciona com ela como “um filho” e como tal, ela

investe lá suas emoções:

Na verdade, um dos pontos que fez a Y dar certo é que a gente coloca toda nossa emoção lá. Até pouco tempo atrás eu dizia que a Y era mais um filho ou filha pela nossa dedicação por ela. Não sei te dizer [qual atividade mais gosta na empresa] porque eu gosto de tudo. Se tu fores lá e me observar, tu vais ver que a Isis se envolve com a produção, com a parte administrativa, a Isis se envolve com tudo.

100

A gente tem tanto amor pela empresa. Nesses 14 anos a gente procurou sempre investir na empresa. Muitas vezes a gente até esquecia da gente, do nosso lado pessoal e era na empresa que estávamos focados.

Depois do crescimento da empresa, Isis, em sua fala se afasta da empresa e

a trata como ente separado. Agora não é mais a empresa e refere-se a si mesma

com o nome próprio, executando atividades para nutrir aquele filho e orgulhando-se

dele, tendo que tomar precauções para protegê-lo.

Nós temos que separar a Y pessoa jurídica e nós somos pessoa física. E outra, eu sou sócia e tu também és. Então, o correto é: chegar lá no final do ano a gente fazer a divisão. Tu pega o teu valor e eu pego o meu. Mas aí acabava misturando tudo. Aí foi indo, foi indo, eu consegui então separar: o comercial era dele e ele então começou a respeitar o lado financeiro e o lado administrativo.

Evidencia-se que os espaços em que vivem não estão dissociados. Para a

compreensão desses espaços é relevante entender o significado da atividade

empreendedora. Depois de 14 anos de empresa, crescimento e finalmente o

sucesso financeiro alcançado, ela agora vê no marido uma ameaça. Ela relata que:

Bom, eu vou ter que ser sincera (ela ri). Chega um ponto em que o financeiro começa a ser um problema para os sócios. Porque quando tu não tens, não tens e quando tu tens, vai ter que ter um sócio que vai ter que ser o bicho papão que diz assim: não dá. E eu e o meu marido, nós temos um diferencial muito grande. Eu sou muito econômica. Ah! Tem que adquirir essa máquina, então. Ele já é de comprar uma BMW, mas a BM vai te levar num lugar que um fusquinha também te leva. Só que a BM vai custar 100 mil e o fusquinha custa 20. E na empresa não precisa ser a BM, o fusquinha dá bem. Então dá esses atritos e a parte também de ter que separar a pessoa física e pessoa jurídica e ele mistura tudo. Então já tive muitas discussões. Muito atrito e ele acha que pode sair aí e comprar e depois só chegar para mim e dizer assim: “Olha, eu quero 10 mil”. Então eu digo:

“não, não. Não é assim”. Então eu acabei passando para outra pessoa.

Porque aí eu não estou ali diretamente e o estresse fica um pouco menor porque eu divido um pouco essa responsabilidade. Aí quando chega nessa pessoa, ela já diz: “não não dá, não pode. Olhe é assim”. Quando chega

pra mim a coisa já está um pouco mais tranquila.

A relação dela com a empresa é permeada de emoções que estão, por sua

vez, conectados com os diversos espaços de produção subjetiva, como o

casamento. O emocional e o simbólico se expressam em uma relação recursiva nos

sentidos subjetivos como processos sempre em desenvolvimento. Dessa forma,

questão financeira que, para ela, foi motivadora da abertura da empresa, é agora

101

razão de atritos entre ela e o marido. Para ela, o marido é a representação da

mistura da vida pessoal e profissional e que pode ser vista na afirmação: “Eu e o

...[nome do marido] estamos num atrito muito grande por causa da empresa. Não sei

se a palavra certa é certa, mas é a ganância, sabe? É uma pena, mas isso

acontece.”

Da mesma forma como a empresa impacta no casamento, o momento pelo

qual ela e o marido estão passando tem reflexos na forma como lidam com a

empresa. Isis parece não se dar conta desse momento, mas busca ajuda terapêutica

para superar a crise pela qual passa e parece se preparar para o momento seguinte,

não só admitindo, mas desejando a venda da empresa que foi depositária de tantas

emoções.

E então, tem uma empresa interessada, uma empresa da Inglaterra que tem 125 anos no mercado e ela está interessada em comprar a Y. Aí deu mais um atrito porque eu vi aí uma grande oportunidade. Nós venderíamos a empresa e ele, claro, pode continuar e montar uma empresa de usinagem e prosseguir no mesmo segmento que ele gosta. E eu sim, com um segmento meu. Isso para separarmos essa sociedade que hoje estaria saturada.

O momento de transformações é permeado por emoções que, por vezes,

parecem contraditórias: a motivação para empreender não pode mais ser justificada

pela questão financeira, que está resolvida para o casal.

Na verdade assim, o que me levou foi ter uma vida mais estável, ter uma vida mais tranquila financeiramente, foi isso que foi o gás pra fazer a gente tomar essa decisão de abrir a empresa.

A venda da empresa lhes daria renda suficiente para viver sem restrições.

No entanto, ainda acalenta o desejo de abrir outra empresa, agora no ramo de

alimentação. A atividade empreendedora se apresenta para esta mulher como um

meio de satisfação de seu desejo de liberdade.

Os sócios possuem uma oportunidade única de triplicar o tamanho da

empresa, em pouco tempo, com o investimento já feito e mesmo assim existe a

possibilidade de venda da empresa que é influenciada pelos processos que estão

em curso na trajetória de vida dos sócios. Isso evidencia a complexidade presente

no crescimento das pequenas empresas.

Além de marcar a passagem do tempo, o empreendedorismo parece lhe dar

possibilidade de gerenciar o seu tempo, ter flexibilidade para poder fazer o horário

102

que melhor lhe convém. No entanto, isso não acontece sem que tenha que se

justificar para exercer as atividades em horário que lhe agrada, como pode ser visto

na afirmação: “Tudo bem que eu não chego às oito da manhã, mas eu chego nove,

nove e meia, mas não tenho horário para sair.”

A flexibilidade de horários tem um preço que é a maior quantidade de horas

trabalhadas. A possibilidade em trabalhar em horários em que se sente melhor é

acompanhada por certo sentimento de culpa que deve ser compensado com algum

sacrifício.

Por diversas vezes, ela relata que no mundo dos negócios é necessário

“batalhar”, “buscar um sonho”, “ir atrás”. No complemento de frases, ela afirma que

enquanto empreendedora é “uma pessoa que corre atrás e coloca a mão na massa”.

Estar atrás de algo sempre, nunca alcançar plenamente – o trabalho na empresa

parece destinado a não ter fim – trata-se de um fim em si mesmo. Talvez, por isso

ela tenha tanto receio de que o dinheiro que o marido gostaria de usufruir não lhe

permita continuar lutando em busca do sucesso. Além disso, o empreendedorismo

parece exigir um sacrifício para ser recompensador. Existe sempre uma “batalha”,

mas não há nunca vencedor porque é uma atividade sem fim.

4.2.2 Subjetivação da condição de mulher

A representação social que possui da mulher é naturalizada. Em outras

palavras, ela acredita que as diferenças entre os gêneros são decorrentes de

alguma característica inata que deixa mulheres e homens diferentes entre si. Isso é

expresso quando ela fala que “mulher é assim”, atribuindo a ela mesma

peculiaridades supostamente femininas. Ela parece não se dar conta que tais

características foram passadas a ela a partir da subjetividade social. Apesar de ser

um fenômeno social, tais características são subjetivadas de modo único resultando

em uma configuração que, para Isis, tanto a iguala a diversas mulheres de seu

tempo, como também a torna uma empreendedora única, com capacidade para abrir

novo negócio em ramo de alimentação em função de ser mulher. Para ela:

103

Eu acho assim que ser mulher para mim é algo maravilhoso. A mulher tem uma capacidade de administrar várias coisas ao mesmo tempo, ela tem um jeito meigo de fazer as coisas. A mulher para mim é algo maravilhoso. A parte de alimentação, eu escolhi porque qual a mulher que não sabe administrar a parte da cozinha? A alimentação? Então eu pensei muito e achei que era o segmento que eu iria ser bem sucedida. Isso é coisa da mulher. A mulher se preocupa. A coisa tá pegando fogo e eu estou ali [na empresa].

Um indicador de sentido subjetivo importante também que aparece no relato

de Isis é que ela não se refere às situações vividas com o prenome pessoal EU.

Aqui ela utiliza o pronome NÓS. Em várias partes do relato da trajetória, ela se põe

em conjunto. O elemento conjunto é importante na subjetivação dos negócios para

Isis. Para ela, os negócios e a família, e ela mesma são parte do mesmo conjunto e

é difícil se ver separadamente.

Um indicador de sentido subjetivo que é recorrente na fala pode ser

resumido na palavra desprendimento. Nas decisões que marcaram a trajetória dela

e do marido ela afirma que eles “não tinham nada a perder”. Essa frase é recorrente

em quase todas as decisões que tomam. Quando de fato se olha para as situações,

pode-se notar que há perdas: uma situação conhecida a ser trocada por outra

totalmente incerta e em cidade estranha. Mais tarde ele tem o algo a perder: o

emprego. Então, ela o incentiva de outra forma informando que é necessário que se

aproveitem oportunidades falando: “[nome do marido] cavalo encilhado somente

passa uma vez na vida. Tu não podes perder essa oportunidade.”.

Isis não se preocupa com os sentidos subjetivos que suas decisões têm para

o marido. O marido parece sempre se apoiar nela. Extrai dela o ímpeto para seguir.

Cada um possui um papel definido que perpassa a relação dela com o marido: ela

como a destemida e ele como o seguidor.

Em todas as decisões mais importantes da família e, mais tarde com a

empresa, Isis não teme a mudança, pois o que têm a perder não é tão importante

(emprego, casa, sociedade). Quando se esgota o argumento de “não ter nada a

perder”, ela utiliza outras formas de persuasão como os argumentos a seguir

indicados.

Os argumentos mudam e passam a ser focados na possibilidade de ganhos

financeiros em função do aprendizado dela, adquirido ao trabalhar na antiga

empresa. O marido, nesta dinâmica de comunicação, parece querer ser convencido.

104

Isso que nós já tínhamos comprado nossa casa aqui no Bairro Alto. Um sobrado. Eu disse: [nome do marido] vendemos a casa e damos entrada numa máquina. Porque a máquina é cara. Nós não tínhamos nada, sabe o que é não ter dinheiro guardado, não ter nada. Ele me disse: Isis, tu achas? E eu disse: - pensa nisso. Tu tens conhecimentos, eu aprendi muito lá na empresa. Ele sempre com medo. Eu dizendo: Vamos montar [nome do marido]. Comecei a dizer: vamos, vamos. Ai ele disse: tu achas? E eu: colocamos a casa à venda, Eu até te digo [nome do marido]: eu não ganhei salário, mas o que eu ganhei de conhecimento, não tem dinheiro nenhum que pague.

A forma de enfrentar o desconhecido pode ser associada também ao

conhecimento e à importância que dá àquilo que poderiam perder podem formar

indicadores de sentido subjetivo. Parece que o que ela quer dizer é que não há nada

de importante a perder. As decisões são feitas com base na importância de cada

coisa. Nem agora, quando possui uma empresa de sucesso, ela teme a mudança e

até deseja que a Y seja vendida.

O sentido subjetivo das emoções que estão ligadas ao desejo de mudança

representa a expressão do sentido que não se evidencia somente pela ação do

marido, ao acatar seus argumentos e seguir na direção por ela desejada, mas

também pelo que a empreendedora gera a partir da ação do marido.

O período que vive atualmente é de transformações. A filha não requer mais

cuidados, pois é adulta. A empresa, que sempre foi um elemento importante do

casamento em função de ter sido o espaço de sentimentos e emoções, tem seu

primeiro revés. O casamento que parece nunca ter sido objeto de reflexão, agora

precisa ser encarado sem que tenham a filha ou a empresa como mediadores da

relação.

Então, Isis secretamente deseja “romper com a sociedade empresarial”. Ela

relata que seu momento de maior tensão atualmente é o fato de ser sócia do marido.

Durante a entrevista a relação com o marido é constantemente lembrada e

ressentida.

Toda a trajetória e os elementos presentes nesse momento se articulam

resultando em uma nova configuração subjetiva. Surge daí uma mulher que sabe de

seu potencial. O conhecimento, agora de si mesma, decorrente da atividade

empreendedora, fornece a ela um sentido subjetivo em que a confiança em si

mesma é elemento central. Ela resume:

105

O que vai acontecer? Não sei. Eu fiquei com a [nome da filha], e cuidando da casa, até os cinco anos da [nome da filha]. Eu tinha esse sonho de montar alguma coisa, mas eu não me conhecia, eu não sabia do potencial e da capacidade que eu tinha. Hoje, eu já não tenho medo de montar alguma coisa sozinha, eu sei a capacidade e as condições que eu tenho para empreender.

Isis passa por momento único em que o processo de transformação está em

curso. A configuração subjetiva desta mulher foi sendo formada pelos elementos de

sentido subjetivo de empreendedora como a busca pelo conhecimento, orgulho,

forte investimento emocional na empresa e pela noção de sucesso financeiro. No

entanto, ela desponta para uma nova configuração em que descobre o potencial que

tem e se vê diante de muitas possibilidades em torno das quais o marido talvez não

esteja presente.

4.3 EMÍLIA

Emília é uma mulher de 44 anos com dois filhos e se diz muito satisfeita com

a atividade empreendedora. Ela nasceu e cresceu em Curitiba e relata que teve

uma infância “normal”. Não é filha de pais empreendedores. De fato, o pai acha a

atividade empreendedora muito arriscada e preferiria que os filhos fossem também

funcionários públicos em função da garantia de uma aposentadoria tranquila.

Ele é funcionário público, o meu pai é daqueles que tem que ser certinho. A melhor carreira, por exemplo, é ser funcionário público, que você tem emprego garantido, aposentadoria certinha, você tem que guardar vinte por cento do teu salário para o teu futuro. Isso ele é totalmente diferente.

É a mais velha entre os quatro filhos e tem diagnóstico de hiperatividade. Na

adolescência começou os estudos em Engenharia Eletrônica juntamente com o

curso de Direito. No entanto, a Engenharia foi abandonada no último ano.

Eu passei com dezesseis. Daí eu comecei a trabalhar e fazia Engenharia. Só que eu não gostava de Engenharia, queria largar [...] meu pai não admitia de forma nenhuma que eu largasse a Engenharia Eletrônica, o curso, CEFET, que era uma coisa chique... Quando eu fiz, na época, era quarenta pra um, eu era a única mulher da sala. Assim, já era outra realidade. Só que eu não gostava. Só que todo mundo me dizia que Engenharia ia ficar bom no final. No começo é chato,

106

fica bom no final. Aí eu fui até o quinto ano, daí no quinto eu larguei, porque não ficou bom e aí eu fui fazer Direito.

Eu fazia faculdade de Direito, faculdade de Engenharia e trabalhava na prefeitura, porque meu pai só pagava a Católica se eu continuasse na Engenharia.

Na fase adulta, mudou-se da casa dos pais para ter independência. Ela

disse naquele ambiente “tinha muito cacique para pouco índio”. Morou sozinha por

um tempo, época em que teve um filho e, mais tarde, casou-se para, em seguida,

tornar-se mãe de uma menina.

Hoje seus filhos têm treze e oito anos. Ela é a principal provedora do lar. O

marido se divide entre o cuidado da casa e o trabalho como gerente financeiro da

empresa de Emília. Esse arranjo parece lhe satisfazer.

Sua trajetória profissional formal começa na Prefeitura de Curitiba, passa por

uma empresa de fabricação de cozinhas, ao mesmo tempo em que iniciou a

atividade de advogada.

A empresa de Emília foi aberta em função da aceitação de oferta de um

investidor que viu no negócio de fabricação de cozinhas planejadas uma

oportunidade. Inicialmente, quatro pessoas faziam parte do quadro social: o

investidor, Emília e dois colegas do antigo emprego. Hoje a empresa é formada por

ela e um sócio remanescente da sociedade inicial. Ela é responsável pela gerência

geral e pela área de projetos. O outro sócio cuida da área comercial da empresa.

Os indicadores de sentido subjetivo presentes na configuração subjetiva de

Emília foram se materializando não apenas com a entrevista, mas também com o

instrumento de complemento de frases.

4.3.1 Subjetivação do empreendedorismo

Emília atua no ramo de fabricação de móveis. Trata-se de um setor

dominado por pequenas e médias empresas que atuam em um mercado

segmentado e intensivo em mão de obra. A atividade é caracterizada pela produção

de mobiliário de forma mecanizada em pequena escala. Os aspectos técnicos e

mercadológicos fazem com que as empresas do setor optem pela especialização. A

107

empresa de Emília é especializada em cozinhas para residências. A procura por

móveis é dependente do nível de renda da população e do comportamento da

construção civil. O gasto das famílias com produtos como o da empresa de Emília

limita-se entre 1% a 2% da renda disponível. Além da renda, contribuem para a

formação da demanda: mudanças no estilo de vida, aspectos culturais, ciclo de

reposição e investimento em marketing que são baixos nessa indústria. Dessa

forma, com os investimentos do governo federal por meio do programa de

Aceleração do Crescimento na indústria da construção civil, o aumento de renda e a

mudança nos padrões de consumo da população brasileira, o setor moveleiro tem

experimentado expressivo crescimento. Além disso, os investimentos em Curitiba

para a preparação da Copa do Mundo em 2014 têm mostrado a Emília um cenário

não muito favorável. Contrariamente, ela vê riscos no futuro em função do

encarecimento da mão de obra e na impossibilidade de vender mais por causa a

excessiva carga tributária. Crescer, para ela, representa um passo desnecessário e

que ela tem evitado.

A configuração subjetiva do empreendedorismo para Emília está apoiada em

sentidos subjetivos associados à sua trajetória, ao contexto atual e à cultura dentro

da qual a atividade é desenvolvida. Dessa forma, todos os aspectos se conectam de

forma única na formação da subjetividade dessa mulher empreendedora.

Nota-se que, na fala de Emília, o pai aparece como sendo alguém que é

diferente por desejar a estabilidade. A atividade empreendedora, para o pai dela, é

arriscada por não fornecer uma garantia de renda no futuro. Em outras palavras, o

empreendedorismo pode não trazer uma aposentadoria tranquila. Apesar de o

empreendedorismo ser considerado pela sociedade como uma característica

individual que é transmitida aos filhos por pais empreendedores, quando se olha

para a experiência Emília, percebe-se que o comportamento do pai é subjetivado de

modo único, resultando não na conformidade ao padrão, mas no desafio. O

empreendedorismo representa a ruptura com o sentido que lhe foi passado pelo pai

em relação aos negócios.

Por segurança do meu pai [...] “Você no futuro você vai ver. A tua aposentadoria vai ser terrível. Uma hora você vai ter que parar de trabalhar”, ou então ele quer que você faça um pé de meia agora. Então ele diz “você tem que guardar. Você não tem aposentadoria.” A [aposentadoria] dele é assim. Você não tem, vai trabalhar o resto da vida? A minha mãe até que não liga.

108

A partir da fala de Emília pode-se perceber que a atividade empreendedora

é utilizada como meio de desafiar o status quo. A atividade empreendedora para

Emília não é “certinha”, é algo que gera enfrentamento, certo risco que ela encara e

que parece lhe trazer satisfação e orgulho.

Apesar de garantir que não havia nada de diferente em seu histórico, ela

relata que possui diagnóstico de hiperatividade.

Eu tenho o diagnóstico de hiperatividade, que naquela época não existia, isso é uma coisa nova. As crianças de agora que têm. Na minha época não tinha.

A subjetivação do diagnóstico de hiperatividade faz com que os

comportamentos desde a infância sejam relatados de modo a justificar seu

comportamento frente às várias situações da vida.

Desde aquela época eu tenho que fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo. Minha mãe que dizia que eu assistia televisão, fazia crochê, tocava flauta e lia livro, tudo ao mesmo tempo.

Ela relaciona em uma mesma informação a justificativa de sua necessidade

de fazer várias coisas ao mesmo tempo e a relação da mãe que parece também

reforçar o seu comportamento que a direciona a realizar “coisas produtivas”.

Eu acho que desde que eu tinha uns seis ou sete anos eu fazia, por exemplo, roupa de crochê para boneca Susi e vendia na escola. Isso era normal. Pintava gesso e vendia. Então essa parte de coisa assim eu fazia desde muito criança. É porque eu tinha que fazer, tinha que fazer alguma coisa e aí acabava fazendo alguma coisa produtiva. Daí fazia as roupinhas da Susi, embalava pra vender.

Esse comentário representa um sentido subjetivo central na configuração

subjetiva do empreendedorismo na vida de Emília. Sentido esse que tem sua

expressão principal do modo como age atualmente.

Parada, por exemplo, até hoje eu não fico. Eu fico no note, eu faço tricô ao mesmo tempo e eu assisto televisão. Quando eu chego de noite, são as três coisas que eu faço para sentar, para relaxar. Se eu ficar com uma só delas não dá certo.

Justifica a atividade empreendedora como um resultado de sua ânsia por

fazer várias coisas ao mesmo tempo. A confiança de que, de qualquer maneira, vai

conseguir, por poder fazer muitas coisas, o que indica a confiança que possui na

109

própria capacidade. Não há menção de outra pessoa também trabalhar para

conseguir o sustento, pois ela afirma:

- Não tenho esse medo de que eu não vá conseguir sustentar, que eu não vá conseguir sustentar [...]. Por exemplo, eu fiquei de licença-maternidade, foi bem na época que surgiu o cachecol feito com aquelas lãs importadas. Eu fazia quatro cachecóis por dia, minha mãe tinha uma barraquinha na feirinha hippie. Todo domingo de manhã eu chegava, largava lá vinte, trinta cachecóis e vendia. Não entendo que você não consiga ganhar dinheiro. Não acho uma dificuldade. Alguma coisa eu vou conseguir fazer, alguma coisa eu vou aprender. De algum lugar vai sair dinheiro.

O uso da expressão “não entendo que você não consiga” dá indícios de que

ela não se vê nessa situação, não faz empatia com a insegurança demonstrada por

outras pessoas em não conseguir o sustento.

A confiança também está centrada na capacidade que ela acredita possuir.

Ela acredita que possui capacidade para aprender e extrair do aprendizado algo útil.

A segurança baseada na crença em sua própria capacidade é elemento que compõe

a configuração subjetiva de Emília. Ela se considera capaz e suas ações são

direcionadas de modo a corroborar este comportamento (morar sozinha, não

terminar o curso de engenharia, abrir a empresa, entre outros).

Um indicador de sentido subjetivo que surge na entrevista e no complemento

de frases está relacionado com a palavra realizar. Por meio da atividade ela pode

realizar. Aliado ao sentido subjetivo dado à hiperatividade, o empreendedorismo

para ela é a possibilidade de fazer algo produtivo e na velocidade que ela considera

adequada. Emília se vê como alguém que não se prende a tarefas desnecessárias e

vagarosas. Para Emília, ela é alguém que “deve” fazer várias coisas ao mesmo

tempo. Assim, com a atividade empreendedora ela pode fazer aquilo que

supostamente deve fazer respeitando seu próprio tempo. No complemento de frases

ela relata que tem medo do ócio. Pode-se imaginar que o medo do ócio esteja

relacionado com a imagem que ela tem dela mesma. Ao não realizar, ao não fazer,

ela não se reconheceria. Aparentemente, o que ela teme com o ócio é perder a

identidade de realizadora.

Ela tem o dever de assumir responsabilidades, de estar no controle e isso

não está livre de contradições e desejos que indiquem outros caminhos. O dever se

une a outra palavra que pode também fazer parte da configuração subjetiva da

empreendedora: depender.

110

Quem eu realmente sou enquanto empreendedora: uma pessoa executiva. O que eu mais detesto ao dirigir minha empresa é depender da mão de obra alheia.

Como ela tem que estar no controle e realizar muitas atividades, isso fica

comprometido quando tem que contar com a colaboração de outros o que a deixa

em situação desconfortável.

É que eu odeio pedir. Se eu pedir pra você e você não fizer e eu tiver que ficar te cobrando é mais fácil eu mesma fazer. Eles eram vendedores da [nome do antigo empregador] junto comigo, eles já sabiam que eu era assim, então todo mundo se folga. É bem melhor deixar para a Emília, porque se não ela vai ter um ataque. Melhor deixar que ela vai fazendo. E foi fazendo assim. Tanto é que hoje nós só somos em dois. Um dos vendedores, a gente comprou uma parte três anos atrás e o sócio investidor a gente comprou a parte ano passado.

O desconforto aparece também quando lhe é solicitado relatar a situação

mais marcante da vida da empresa. Imediatamente ela afirma que foi a falta de

conhecimento do negócio:

Eu era funcionária, sempre fui funcionária, sempre fazia minhas coisas, mas quando a gente resolveu abrir aqui nós éramos quatro sócios. Um fazia o administrativo financeiro, projeto era meu e eu tinha dois que eram do comercial. Então pra mim projeto era meu. Projeto. Então eu ia viabilizar projeto, fazer medição e atividades relacionadas. Quando caiu aqui, o pessoal do comercial não sabe fazer, não sabe que existe funcionário, lei de trabalho. Não sabe nada. E o [responsável] administrativo financeiro não ficava aqui, porque ele era investidor, sócio investidor. Ele não aparecia aqui. E aí eu descobri que eu ganhei... O que é você ter um negócio. Resolver como é que liga o esgoto... A SANEPAR, como é que junta, porque aqui eram três lojas, como é que tem que juntar, porque o funcionário tem que ser registrado, porque o computador tem que funcionar, tem que fazer um contrato com a empresa de sistemas de informação. Tudo isso, é claro, como eu era advogada eu tinha uma visão, só que o que eu abracei era muito maior do que eu imaginei que eu iria abraçar.

O saber sempre esteve associado com poder. Saber é uma das formas de

controlar e ter poder sobre diversas situações. A falta de experiência a incomoda e a

impele a assumir o controle da situação. O desconforto com a falta de experiência

funciona aqui como motivo para o desenvolvimento de novas habilidades. Emília, ao

se deparar com a falta de conhecimento, é impelida a tomar o controle novamente

da situação, o que a faz aprender, buscar o conhecimento que lhe permita voltar ao

controle.

111

Ela relata que o que mais detesta na atividade é depender da mão de obra

de outras pessoas. Esse relato quando adicionado com a motivação para

empreender (“decidir minha vida”) dá indícios do indicador de sentido subjetivo na

configuração subjetiva de Emília que pode ser resumido na palavra: poder. A vida

de um indivíduo é experimentada em sociedade e mesmo as decisões mais íntimas

são feitas em determinado cenário e afetam toda uma rede de relacionamentos. No

entanto, para Emília, isso não parece ser algo confortável ou desejável. Quando se

vê na posição de necessitar dos outros (mão de obra de trabalhadores) ela afirma

que “detesta” por não poder controlar. O empreendedorismo para Emília é

configurado como algo que lhe dá poder. Por meio da atividade ela satisfaz o seu

ímpeto realizador. Na análise do conjunto das respostas do complemento de frases

o elemento realização aliado com o poder parecem constituir elementos centrais na

configuração subjetiva do empreendedorismo para Emília.

Emília relata como uma característica sua a lógica e essa característica, na

opinião dela, a ajuda na tomada de decisão a respeito de negócios.

Eu sou uma pessoa extremamente lógica. Extremamente lógica. E número é número. Então você tem que me provar. “Se eu vender tanto, quanto que

é meu imposto?” “No Simples é tanto, se eu for para o Real [sistema de

tributação] é tanto, se eu for para o presumido é tanto. Para render tanto então eu tenho que aumentar o meu Markup, para aumentar o meu Markup eu tenho que ter mais clientes, pra ter mais clientes eu vou ter que ter mais projetista, eu vou ter que ter outros elementos. E hoje não existe mão de obra. Eu vou ter que ter mais um vendedor. Hoje eu transporto e monto um caminhão por semana. Se eu quiser vender mais eu tenho que ter mais um caminhão, eu tenho que ter mais montador. Eu tenho vaga de montador aberta há seis meses e não consigo preencher. Então vale? Não. Não vale. Aumento o meu Markup, vendo menos e tenho igual. Então as minhas decisões são extremamente lógicas, por isso que dificilmente a pessoa consegue [convencer]. Primeiro que eu não gosto. Dificilmente alguém consegue tirar essa decisão, porque ela é muito lógica.

A subjetividade social sobre o empreendedorismo aparece delineando o

fenômeno como sendo um espaço simbólico ligado à racionalidade. A emoção não

tem espaço no ambiente de trabalho, somente a lógica e a razão. As relações

emocionais são deixadas para outro espaço de constituição subjetiva e aqui

substituídas por relações de negócios, lógicas e racionais, palavras que se juntam

para formar um indicador de sentido subjetivo que compõe a configuração presente

no ser empreendedora.

112

A atividade, para ela, também lhe permite trabalhar sem que tenha que

respeitar o horário comercial que é um tempo imposto pela sociedade – um relógio

social. A atividade empreendedora lhe dá flexibilidade, que ela relata como lhe

dando sentimento de liberdade, mas que lhe permite respeitar o tempo de seu corpo.

Do que eu gosto? Da liberdade. Eu não gosto de trabalhar pela manhã. Se você me pega às sete horas da manhã eu sou um zero. Se você me pega às sete horas da noite eu estou começando o meu dia. Pra mim, se você me diz “Emília, agora vamos trabalhar até as duas da manhã?” “Vamos! “Emília, vamos chegar as sete pra trabalhar?” Não adianta. Minha cabeça não funciona. Só que isto aqui eu consigo. Eu consigo chegar aqui as dez, dez e meia, sentar e ficar aqui até nove e meia, dez horas fazendo o meu serviço. Eu consigo. Eu entendo que se eu estou de noite em casa com o meu notebook, assistindo televisão e eu estou lá vendo o Simples [sistema de tributação], porque, descobrindo, analisando, eu estou lá pensando, eu estou trabalhando. Eu não preciso estar aqui sentada e um chefe me olhando, dizendo “nossa, ela está lá fingindo que está escrevendo.” Então isso pra mim é o que mais importante. Essa liberdade.

Flexibilidade aparece como um elemento que é subjetivado na forma de

liberdade. O empreendedorismo aparece como algo que lhe dá liberdade. No

entanto, ao analisar a fala de Emília percebe-se que a possibilidade de respeito ao

seu relógio biológico como pode ser notado na frase: “Eu não gosto de trabalhar

pela manhã” é fator relevante – as horas que trabalha são muitas, mas Emília tem a

possibilidade de executar suas atividades em horários que lhe são mais

convenientes. A função de homogeinização do tempo social, determinando que as

pessoas trabalhem das 08h as 18h, não respeita os interesses ou o tipo de

constituição biológica dos sujeitos. O tempo social – marcado pelo relógio - é

diferente do tempo biológico e não o respeita. O tempo destinado ao trabalho na

sociedade moderna não leva em consideração se o indivíduo não se sente disposto

pela manhã ou precisa de algumas horas de descanso durante a tarde.

Pode-se perceber que ao empreender, Emília firma-se como sujeito da

própria história, com possibilidade de trabalhar em acordo com o seu tempo e suas

características.

113

4.3.2 Subjetivação da condição de mulher

Ser mulher significa responsabilidade que não pode ser transferida a outros.

No complemento de frases, a junção de algumas frases pode dar indicação dos

elementos que compõem o sentido subjetivo de gênero para esta mulher:

Ser mulher significa não ter opção de não assumir responsabilidades. Eu gostaria de poder falar que faça você mesmo. Eu secretamente gostaria de, às vezes, não me importar.

A palavra responsabilidade pode significar ônus, carga ou dolo. Na fala de

Emília, esse sentido de ônus pode ser também evidenciado quando ela diz que em

algumas ocasiões, gostaria de passar um pouco de responsabilidade para os outros

e, ainda, secretamente, ela queria não se importar. No entanto, a responsabilidade,

o peso de ser mulher está presente e é ela quem assume tudo. Esse sentido dado

ao gênero pode ser visto também quando ela afirma que é provedora do lar, que

trouxe o marido para trabalhar com ela, mas é dela sempre a decisão final. Essa

percepção que ela possui a respeito da condição de mulher pode não ser diferente

daquilo que qualquer pessoa que é responsável pelo provimento da família. No

entanto, a subjetivação da condição de mulher para ela representa a condição de

responsabilidade intransferível.

Emília considera-se uma mulher diferente, pertencente a um grupo

específico – mulheres de sucesso. Não são todas as mulheres que pertencem a

essa confraria, apenas aquelas que desfrutam de sucesso profissional, como ela

própria. Elas falam a mesma língua e por isso compreendem uma à outra.

Por exemplo, todas as clientes mulheres que têm dinheiro, normalmente elas são minhas clientes. Quando a decisão é feminina, normalmente ela acaba virando minha cliente, não do meu sócio, mesmo que ela tenha entrado por ele. Até porque a comunicação é mais fácil. Quem sabe por ela ser uma empreendedora, ela entender, tipo assim, quando você fala que não dá, não dá, ela sabe que no negócio dela também tem coisa que não dá pra ser feito. E o primeiro impacto comigo é complicado, porque como eu falo alto, eu falo rápido, eu digo: “Não dá pra fazer, não tem como fazer nesse prazo”. A pessoa às vezes fica assim, mas depois com o tempo ela percebe que eu digo “não dá pra fazer, mas vamos tentar fazer assim”, porque se eu falar que vai fazer, vai fazer. Então no final meus clientes voltam sempre pra mim. Eu acho que é um relacionamento... Depois que aprende, porque a primeira vez, no telefone assim quando cai de pára-quedas no meu colo, nunca dá certo.

114

O sentido subjetivo de gênero ao mesmo tempo em que é configurado pela

responsabilidade é também motivo de orgulho quando se alcança sucesso

profissional. A definição do espaço simbólico de gênero, uma produção cultural,

além das emoções particulares, como neste caso, o orgulho de pertencer a uma

classe especial (mulheres de sucesso), estão configurados na história de Emília. Em

outras palavras, a configuração de gênero, além da concretude de sua vivência,

sempre integrada a processos emocionais está ligada às ações do sujeito – o falar a

mesma língua e reconhecer-se no outro e ao ter o ônus por tudo que acontece à sua

volta.

As relações familiares atuais aparecem pouco no relato de Emília. Parece

que a empresa e a casa são meticulosamente separadas. O marido não toma parte

no processo decisório. Ele foi contratado com uma descrição de cargo bem

específica que parece executar sem problemas. Ele também é o responsável pelo

cuidado da casa.

Então eu precisava de alguém de confiança pra fazer isso, daí veio o meu marido pra cá. Então hoje o meu marido é funcionário aqui. Ele fica com o administrativo financeiro, mas o administrativo financeiro operacional, não é o administrativo financeiro.

Mesmo em relação aos filhos ela não espera, ou melhor não quer, que eles trabalhem com ela:

Eu já falei para os meus filhos que eles têm o melhor estudo que eu posso dar. O melhor que eles podem ter, o problema é deles. Depois dos dezoito, dezenove eu não tenho que deixar nada pra eles. Eles tiveram toda condição pra ir pra frente. Vão fazer a vida deles. Espero que eles não fiquem sob as minhas asas. Não sei se com um negócio ou se com um emprego. Não sei. Mas não vão ficar dependendo do que eu vou fazer. A minha filha fala “ah, eu vou fazer arquitetura e vou ficar aqui na loja.” Eu falo “o primeiro emprego? Você vai vir pra cá quando eu me aposentar.” Não tem como ter filho e filha aqui como o primeiro emprego. O primeiro emprego na loja da mãe. Não tem. Não vai aprender nunca a fazer nada.

Todas essas experiências foram subjetivadas e compõem a configuração

subjetiva de gênero para esta empreendedora em que prevalecem os sentidos de

dever, controle e racionalidade.

115

4.4 IDA

Ida é uma jovem de 24 anos. Muito bonita, de estatura mediana, sorriso

largo, cabelos negros e longos que mantêm soltos. Usa roupas alinhadas com a

moda atual e saltos altíssimos. Não usa jóias pesadas, apenas pequenas peças

elegantes. Ela me recebeu na sede da construtora que fica em um edifício no bairro

Batel, em Curitiba.

Ela é administradora, casou-se aos 16 e com 18 anos já havia se tornado

mãe de duas crianças.

Ela conta que teve uma infância difícil marcada pela condição financeira

instável que o pai tinha. Relatou que viu seus pais perderem, aos poucos, os bens

materiais que possuíam. Esse fato fez com que a família tivesse que se mudar para

a casa dos avós quando ela tinha oito anos. Lá ela devia pedir autorização para abrir

a geladeira e os tios diziam que ela e os irmãos eram “maloqueiros”. Para superar

os problemas que via nessa condição, ela começou a frequentar e participar

ativamente das atividades da Igreja Católica. Quando completou 14 anos conheceu

o marido e começaram a namorar. Aos 16 anos se viu grávida do primeiro filho, uma

menina. Casou-se e mudou-se para Porto Alegre, cidade na qual começou a

frequentar a universidade. O marido resolveu aceitar uma proposta de trabalho no

Rio de Janeiro, lá nasceu o segundo filho, um menino. Nessa ocasião ela tinha 18

anos e não frequentava mais a universidade em função da mudança de cidade.

Logo em seguida a família voltou a Curitiba também em função do trabalho do

marido. Ele resolveu abrir uma empresa e Ida voltou a estudar, agora em um curso à

distância e que demandou dela a ida, uma vez por semana, ao pólo da Ulbra em

Curitiba.

A empresa foi montada quando ela tinha 19 anos, começou muito pequena,

experimentou um bom crescimento, mas logo apresentaria problemas financeiros.

Ida percebeu a gravidade da situação e intimidou-se diante das dificuldades, Nessa

época ela deixou o marido, que ficou responsável pelo cuidado dos filhos,

resolvendo “viver um pouco da juventude que não havia experimentado”. Começou a

trabalhar como corretora de imóveis, que a princípio não lhe trouxe os rendimentos

esperados. Ela então passou a observar os melhores vendedores e agir de forma

semelhante. Os resultados foram imediatos e ela começou a ter bom rendimento

116

financeiro. No período de dois anos em que esteve separada do marido ela

experimentou a vida de solteira que desejava: namorava, frequentava a noite

curitibana e, na mesma época, adquiriu o hábito de fumar. Depois de um tempo e

alguma reflexão, ela percebeu que a vida que estava levando não a agradava e

resolveu retomar o casamento, o cuidado com os filhos e a empresa.

Hoje ela relata novamente problemas financeiros e também desajustes no

casamento. Ela não tem vontade de viver longe do marido, mas admite que algo

precisa ser mudado.

4.4.1 Subjetivação do empreendedorismo

O ramo de atuação da empresa de Ida é a construção civil. Ele tem

tradicionalmente sido ocupado por homens e isso está refletido na participação das

mulheres nos cursos de engenharia. Rotsen e Resende (2007) afirmam que entre

1991 e 2002 a participação feminina cresceu passando de 17 para 20% do total de

estudantes, mas ainda é pequeno se comparado com outros cursos.

Trata-se de setor industrial que responde por cerca de 10% do Produto

Interno Bruto (PIB) brasileiro e é intensivo em mão de obra, inclusive não

qualificada. Além da participação econômica no PIB, o setor da construção civil,

segundo Abiko, Gonçalves e Pino (2005), tem importância social em função de dois

aspectos: geração de empregos proporcionada pelo setor e possibilidade de atender

ao elevado déficit habitacional no Brasil. Os investimentos previstos para o

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal para os anos de

2011 até 2014 chegam a 137 bilhões de reais. O PAC foi o grande impulsionador do

setor nos dois últimos anos e as projeções com a Copa de Mundo de 2014 também

irão movimentar o setor em Curitiba.

Ida não escolheu a construção civil, mas foi levada pelo marido que é

formado em Engenharia da Produção Civil e resolveu montar a empresa em função

de sua experiência no ramo.

117

Valorização, desafio e superação são temas que se articulam na fala de Ida.

O empreendedorismo é visto como uma redenção da infância difícil que deve ser

superada. No entanto, ela ainda luta por sua valorização como empreendedora.

Ela fornece um indicador de sentido subjetivo do que considera importante

que é a superação das dificuldades vividas na infância. A situação financeira é

recorrente no relato de Ida e isso foi entendido como um fator que contribui para a

subjetivação da atividade empreendedora que é desenvolvida atualmente por ela:

É difícil falar da minha infância. Eu tive uma infância muito conturbada. Acho que essa é a palavra correta para falar sobre isso [...] Meu pai perdeu o emprego e entrou em depressão [...] e ele veio a perder tudo. Então, eu vivi com dificuldade financeira[...] Então meu pai resolveu montar uma empresa de programação, mas pelo estado dele de depressão, muita irresponsabilidade, então. A minha infância, a partir dos seis, sete anos, eu lembro dela assim: eu tendo as coisas, eu estudando em colégio particular, eu tinha uma situação financeira estável e dali a pouquinho já não tinha a casa. Eu lembro a primeira vez que eu fui para um colégio público. Eu lembro que foi traumático para mim porque o que os professores estavam apresentando eu já tinha aprendido e eu como criança cheguei em casa e falei: eu não quero ir mais para a escola porque já sei tudo. Isso era mais ou menos com oito anos de idade....as coisas não estavam bem porque era muita briga, discussão dos meus pais, eles entravam no quarto, brigando, discutindo e falando. Ai foi o momento que eles venderam a casa, a gente saiu da onde a gente morava e fomos para uma casa alugada. Ali eu já senti, né? Mesmo eu sendo criança, eu já sabia que isso daqui já não é mais meu...sabia que a casa não era nossa...aí meu pai vendeu o carro e aí ele comprou computador [para a empresa própria] Então, aí ele comprou vários computadores para começar a empresa de programação.[...]. Foi aí que meu pai começou a se desfazer de cada máquina, aí eu comecei a perceber que não estava bem novamente..Minha mãe chorava e nesse momento ela engravidou do caçula.

No complemento de frases, a motivação para empreender é também

associada à questão financeira. Esse tema parece ser a grande força

impulsionadora da atividade empreendedora desenvolvida por Ida. A

empreendedora, ao falar dos motivos que a levam a empreender, atribui ao desejo

de ganhar dinheiro. Isso pode ter possibilitado o desenvolvimento de seu potencial

como empreendedora. Quando ela enfatiza o ganho financeiro, existe um sentido

subjetivo sobre a atividade empreendedora e o que espera que tal atividade lhe

proporcione hoje.

118

Eu abri a empresa porque eu queria ganhar dinheiro! A verdade que todos começamos com um sonho e ele está ligado ao nosso lado profissional, mas sempre o principal objetivo é arrecadação de lucros, dinheiro está relacionado à saúde e bem estar do indivíduo.

Em relação ao gênero e ao mundo dos negócios percebe-se ainda certa

discriminação. Ela entra no mundo dos negócios em 2005, no início do século XXI,

em uma sociedade que supostamente não estranha a presença de mulheres no

espaço de negócios. No entanto, o cotidiano dessa mulher não corresponde à

evolução pretendida pelo movimento feminista. Destaca-se aqui a seguinte fala que

evidencia o que ela mesma parece pensar a respeito da atuação no ramo da

construção civil:

Às vezes, eu pego os operários conversando e rindo de arquiteta: ...aha...fica se achando, pensa que sabe alguma coisa de construção civil..... [...] acabo vendo que existe mesmo preconceito [contra mulher].

Ela sente a desvalorização e a atribui ao ramo em que atua. Fala da minha

formação e imagina que, por ser professora, a situação seja diferente:

Acho que professora sempre foi assim: meu Deus, né? Professora sempre se sobressaiu sobre professor. Eu acredito nisso. [...] Acredito que existem atividades em que a mulher é mais valorizada.

A palavra valorizar significa reconhecer o mérito. Aqui parece que, por mais

que deseje ver seu mérito reconhecido, ela percebe que isso ainda está para ser

concretizado. Outra informação em relação à participação e reconhecimento do

valor como empreendedora é reforçado quando Ida fala da relação que mantém com

o marido/sócio:

Eu posso falar assim que os colaboradores me olham como profissional e o meu sócio, meu esposo, me olha muito como mulher. E essa é a minha briga constante dentro da empresa.

Ao exercer a atividade, ela se descobre empreendedora e gosta. Relata que

ficou “alucinada” pela empresa.

Eu fiquei alucinada porque eu nunca tinha trabalhado. [...] Eu achei o máximo. Eu adorava, até porque eu estava fazendo junto com a faculdade. Tudo que eu aprendia eu queria implantar na empresa. Eu fiquei bem louca. Mas o que eu não queria era deixar também o (nome do filho).

119

As emoções de amor pela atividade empreendedora se misturam com a culpa

por deixar o filho pequeno em casa para poder trabalhar. Amor e culpa, associados

com renúncia e apego tomaram forma na configuração subjetiva sobre a

maternidade e o empreendedorismo que pode ser resumido no indicador de sentido

subjetivo desafio.

- Posso dizer que meus filhos fazem literalmente eu acordar todos os dias e receber meus dias sempre com sorriso em meus lábios, eles são o motivo da minha superação diária! - Meu futuro como empreendedora é trabalho, criatividade e persistência. - Tenho medo de falhar! - Eu secretamente tenho vontade de sumir, quando encontro obstáculos, mas não posso recuar.

Essa análise é reforçada quando se olha para o complemento de frases no

qual Ida relata:

Ser empreendedora significa amar desafios! É saber estar no comando, sem deixar a razão superar o coração! É confiar no sexto sentindo em seus negócios!

Na constituição da subjetividade de Ida, ser mulher e empreendedora são

dois espaços simbólicos que não estão separados. O espaço simbólico produzido

pela cultura em relação ao gênero é subjetivado juntamente com o espaço simbólico

associado ao empreendedorismo. A subjetivação da porção mulher interfere na

atividade empreendedora que, por sua vez, está constantemente sendo subjetivada.

4.4.2 Subjetivação da condição de mulher

O processo de produção subjetiva de um indivíduo do mundo dos negócios

em que o gênero parece contar como elemento importante pode dificultar a atuação

da mulher porque pode impedir que ela apresente comportamentos/sentimentos que

sejam considerados por meio da subjetividade social como “femininos”.

Ida utiliza símbolos de feminilidade representados pela maquiagem, jóias e

roupas. Trata-se de indicador de que a aparência é elemento que compõe sua

configuração subjetiva. Ela, sendo ainda muito jovem, já passou por uma cirurgia

plástica e deseja outras. Quando pensa no futuro, é sobre aparência que reflete:

120

Eu já estou começando a ter umas crisezinhas de idade. De olhar no espelho e falar “Meus Deus estou envelhecendo. Isso daqui eu não tinha, isso daqui eu também não tinha.” Eu acho nos próximos cinco anos eu vou estar crescendo e também envelhecendo, que é fato.

O gosto pela atividade empreendedora é evidente, mas isso não está livre

de contradições e renúncias, pois para empreender é obrigada a deixar o filho

pequeno aos cuidados de outras pessoas. Isso entra em conflito com a atividade

que a jovem empreendedora descobre e que lhe traz emoções positivas (como a

alegria) e de orgulho como é evidenciado na frase: “A verdade é que precisamos de

aceitação e empresa é uma equipe e quando vemos as peças todas alinhadas e

girando com a sua capacidade trazendo elogios não tem como não se rejubilar!”. Tal

emoção associada ao fato de que ela teve que deixar o filho pequeno, ainda bebê,

aos cuidados de terceiros, lhe traz emoções conflitantes. Ao mesmo tempo em que

deixar a criança lhe traz possibilidade de dedicação ao negócio – o que gosta - lhe

impõe culpa pela exigência feita tanto pelas pessoas mais próximas, como pelas

vias da subjetividade social.

Daí o (nome do marido) falou: - Olha, eu vou montar a empresa e preciso que você me ajude. Então minha vida virou trabalho, faculdade, filho. Essa é uma das coisas assim na minha cabeça que pesa - como mulher. Eu ficava com eles [os filhos] mais nos finais de semana. Chegava em casa com os peitos cheios de leite (ela ri). Ia amamentar e pegar meu filho. Assim, contato mesmo, era mais à noite depois de voltar da aula (mostra emoção - chora). Mas foi bem difícil assim pra mim, eu chorava, eu não queria.

A trajetória de Ida, que deseja uma vida diferente daquela que foi levada

pelos pais, evidencia a sociedade de consumo atual e a trajetória de vida como

elementos sociais e individuais que se configuram na sua subjetividade. A sociedade

de consumo em que vivemos a faz desejar coisas que somente podem ser

adquiridas quando se tem dinheiro. A possibilidade de repetir a história dos pais a

assusta e a leva a sair da empresa e do casamento.

No começo [quando resolve sair da empresa e arrumar um emprego formal] eu não sentia nenhuma saudade [da empresa], eu estava meio traumatizada. A empresa estava com muitas coisas pendentes. Clientes que não pagavam, começou a gerar dívidas. [...] vende carro para pagar dívida....eu senti como estivesse acontecendo como na minha infância. Exatamente igual a quando meu pai foi perdendo as coisas. E eu não queria passar por aquilo. Foi até uma decisão de ir embora porque eu não queria passar por aquilo. Eu não queria perder as coisas.

121

O empreendedorismo aparece para Ida como uma forma de redenção da

vida que levou quando criança e também como possibilidade de atender às

necessidades de consumo impostas pelas diversas vias da subjetividade social. No

entanto, ao perceber sua trajetória, pode-se conjecturar que o que realmente

acontece é a repetição da trajetória dos pais.

As relações familiares se interpõem ao negócio, juntamente com a

representação social do papel de esposa. Ela mesma, sem perceber, também se vê

como esposa e, em certos momentos utiliza isso como estratégia de convencimento.

Às vezes até eu chego a conversar com o meu sócio. [nome do marido] é que é meu sócio (ela ri) [...] Eu já cheguei a falar: olha eu não quero o engenheiro. Ou o engenheiro ou eu. Porque ele não tomava a decisão de mandar a pessoa embora. Então, a gente usa o lado mulher/esposa.

A contradição entre querer ser tratada como sócia e, ao mesmo tempo, usar

como estratégia/manipulação é elemento que constitui a subjetividade dela. Como

um sistema que contempla diversos fenômenos inclusive contraditórios não define o

indivíduo, mas auxilia na produção de sentidos subjetivos.

A representação que possui a respeito da mulher no mundo dos negócios

evidencia o conteúdo que lhe foi socialmente transmitido a respeito do que é ser

mulher. Ela relata que existem características associadas ao feminino que, por

vezes, são contraditórias àquelas representações sociais do indivíduo no mundo dos

negócios, em que a emoção não é uma peculiaridade bem vinda. Ida acredita que,

por ser mulher, sofre discriminação, mas, ao mesmo tempo, parece lhe trazer

alguma vantagem. Para ela, a mulher apresenta características diferentes dos

homens porque é indivíduo que expõe suas emoções. Ela ainda relata que tal

peculiaridade a torna uma pessoa diferente/melhor. Aqui ela parece não perceber

que tais diferenças são socialmente constituídas:

Eu acho que é o grande salto em relação ao homem. É exatamente isso o que eu vou falar agora. Mulher não é só razão. Ela tem muito a emoção. Por a gente ter esse lado emocional, eu transmito isso aos meus funcionários, eu me envolvo com eles emocionalmente. [...] Eu acho que isso foi o grande salto da mulher no mercado de trabalho porque eu acredito que alguns negócios precisavam mais de emoção do que só razão. Acho que essa é nossa diferença, esse é o nosso toque.

A forma como ela percebe a representação social da mulher é contraditória

àquela que lhe foi socialmente passada como correta para um empreendedor,

122

gerando sentimentos conflitantes. Ao mesmo tempo em que acha que a emoção é

algo positivo, percebe que elas devem ser suprimidas no mundo dos negócios:

Eu tenho muito essa questão da misericórdia, de me colocar no lugar, de...tenho uma paciência, as vezes, excessiva. Mas eu já estou começando a administrar. Eu tive muitas decepções, já fui pra casa chorando por causa de questão funcionário que eu vejo assim.... ...não vai rolar...vou ter que mandar embora. Não tem como.

[A emoção] É benéfica em algumas coisas. Sou nova e tenho muitas coisas pra aprender. Eu já vi que tem algumas coisas que eu vou ter que saber administrar porque não estão totalmente corretas. Então, como um ser humano que está crescendo, [...], eu tenho ainda muita coisa pra aprender. Eu vejo que 50% é bacana e 50% ainda tem de ser trabalhado porque eu sofro.

Cabe destacar a expressão “administrar os sentimentos”. Indicador de

sentido subjetivo. Ela acredita que, por ser mulher, tem sentimentos e por ser

empreendedora deve aprender a administrá-los. Em outras palavras, no mundo dos

negócios, os sentimentos devem ser planejados, controlados, comandados e

organizados. Ao serem administrados, os sentimentos podem, então, ser utilizados

para os negócios.

Destaque também pode ser dado ao fato de ela chorar por um funcionário.

O choro pode ter vários significados. Nesse caso, parece que o choro de Ida advém

de uma emoção e não de uma estratégia ou necessidade biológica. Aliado com o

complemento de frases, entrevista e impressões antes e depois da entrevista, é

possível conjecturar que o choro de Ida é de frustração. O funcionário não age em

acordo com o que ela esperava dele – uma dedicação maior ao trabalho e,

consequentemente, uma possibilidade maior de ganho financeiro para ela, trazendo-

lhe então desgosto ao perceber os resultados negativos de sua ação. O desgosto

que Ida enfrenta ao não obter o resultado que ela espera com sua “bondade”, que

não é valorizada se expressa também no sofrimento que é por ela relatado. Uma

das evidências de que ela chora por estar frustrada está na necessidade de

administrar os sentimentos. Ela precisa evitar que situações parecidas com esta se

repitam. Tal comportamento pode ser associado a uma das formas típicas de lidar

com frustração que é a esquivança de situações frustrantes.

As condições concretas em que Ida vive e as experiências que teve

evidenciam os momentos de transformação pelos quais a jovem empreendedora

passa. Isso mostra que a subjetividade não é estática e, ao modificar-se, carrega

123

consigo os elementos já subjetivados que servem como ponto de partida para a

transformação. No complemento de frases, quando Ida afirma que “Eu aprendo a

cada dia que tudo aquilo que eu pensava que sabia pode ser modificado e

transforma-se em algo totalmente diferente do que eu via.”, destaca-se a palavra

aprendo como um indicador subjetivo. Aprender pode ser associado a conhecer que,

por sua vez, pode significar provar, experimentar, saborear. Ao voltar à trajetória de

vida de Ida, percebe-se que, quando ela vê que a atividade empreendedora que não

corresponde aos desejos de superação da trajetória familiar, ela se separa do

marido por um período de dois anos, época em que também refletiu sobre ela

mesma e sua relação com os outros. Existe aí uma transformação da mulher, que

julga os outros com base em sua crença religiosa, para outra que é capaz de

aprender a complexidade do ser humano.

Acho que eu sou uma (usa o próprio nome) mais humana. Porque o que acontecia? Na minha adolescência eu era muito religiosa (ênfase em muito). Até eu me separar do meu esposo eu era totalmente religiosa. Então dentro desse quadro de trabalho intenso, eu ainda cantava na igreja, participava de aulas de canto na igreja, fazia teologia. Então era aquele mundo de religião e eu condenava as pessoas que traiam, fumavam, bebiam. A todos eu condenava. Nesse período [em que estava separada] é que eu comecei a fumar. Ansiedade, trabalho, eu estava comendo muito, então comecei a fumar. Aí comecei a sair com o pessoal, comecei a viver de uma forma diferente. Então eu fui vendo que as pessoas não mudavam porque elas tinham vícios. [Antes desse período] eu achava que este tipo de pessoa, com vícios, tinha que “desencapetar” (ela ri). Eu achava que elas possuíam algum espírito maligno do vício. Então [a experiência vivida] resultou em uma (nome próprio) que percebeu que era imatura. Eu achava que eu era muito responsável, mas aí eu vi que eu era bem criança.[...] Claro a gente vai se desenvolvendo, né? [...] O que eu pude perceber é que eu não era o centro do mundo. Eu deixei de ser o centro do mundo e eu comecei a ver que as minhas verdades não eram as verdades dos outros.

A constituição da subjetividade por meio da aprendizagem se une à

precocidade na compreensão do jogo da vida indicando momentos de

transformação. De uma pessoa muito religiosa que julga o outro com base naquilo

que ela considera como verdade absoluta, nasce outra mulher, mais humana. O que

significa então tornar-se mais humano? Ela mesma parece admitir que seria

incorporar a contradição e a complexidade de ser humano. Ela percebe agora que

ter hábitos ruins, como, por exemplo, fumar, pode acompanhar pessoas que são por

ela consideradas boas em outros aspectos. Ela admite a imaturidade que tinha para

compreender a complexidade da condição humana, mas mostra-se aberta para as

124

transformações que acompanham tal compreensão. Trata-se de mulher que

aproveita a experiência para se transformar.

A subjetividade social também está presente naquilo que ela imagina que

uma mulher deva ser/fazer:

Não sou dona de casa...(ela ri)...é uma vergonha...eu sei que para os pais...minha mãe.... agora ela já enche a boca assim: Ahhh... minha filha é empresária, não é dona de casa, mas no começo.....

O papel de mulher como dona de casa e, portanto, responsável pelo cuidado

da casa é reforçado pelo marido e por ela mesma. Ele “ajuda” em casa. Ajudar é um

verbo que significa socorrer, facilitar. Não há divisão, igualdade. O marido toma

conta de algumas coisas dele e não há menção de outras atividades que ele faça

para assumir o cuidado da casa. Ela mesma crê que é responsável por isso, apesar

de sua fala, ela não admite explicitamente. Quando fala da empregada diz “eu estou

com uma empregada”. Mesmo quando fala que transfere a responsabilidade do

cuidado da casa e das ordens à empregada ela pede à mãe, outra mulher, que faça

isso por ela. Na fala de Ida, por diversas vezes, ela mostra a emoção associada à

pressão sofrida por não querer ou não poder desempenhar determinados papéis que

são a ela atribuídos pelas diversas vias da subjetividade social:

O (nome do marido) ajuda. Ele passa a roupa dele. Porque eu estou com uma empregada muito ruinzinha assim, a gente proibiu ela de passar porque as nossas camisas são caras e ela já queimou uma duas e aí ela deu um prejuízo significativo. [...] Toda mulher tem essa questão que ela precisa também ser dona de casa....enfim a gente precisa ser tanta coisa, nesse mundo moderno, tem que ser mãe, tem que ser dona de casa, claro que eu fico chateada. Não vou dizer assim, ahhh ...eu não queria. Não, eu quero, eu quero aprender a ser uma boa dona de casa, mas eu fico pensando só quando e como que vai ser....porque...eu não vou dizer que meu foco está nisso. Eu tenho tantas coisas que estão na minha lista de prioridades. Ser dona de casa está na minha listinha, mas ela tá lá no finalzinho. Mas está na lista do que eu gostaria de mudar, de melhorar. [...] eu sempre tive dificuldade com essa história de casa, acho por causa de ter assumido muita responsabilidade: crianças, faculdade e mais a casa e não conseguia dar conta dos três. Então eram crianças e faculdade. A casa tinha que ter uma empregada.....ahh é complicado. Eu sou uma péssima dona de casa. Eu não sei nem orientar a empregada. Eu gosto que as minhas coisas estejam limpas, que eu chegue e encontre as coisas...mas enfim eu não falo: oh tem que fazer assim, acho tão bonitinho a minha mãe, porque eu a trago para orientar [a empregada].

As representações sociais de mulher parecem se impor àquelas de

empreendedora. Isso é evidenciado quando se olham as explicações e justificações

que ela fornece quando fala das obrigações supostamente que a mulher deve

125

desempenhar. Quando as atividades desenvolvidas por ela não estão em acordo

com as representações sociais, ela as justifica afirmando que “um dia” ela agirá em

acordo com tais representações.

A memória dos acontecimentos significativos marca a divisão do tempo para

a Ida, e a empresa é um desses eventos na vida dela. Em outras palavras, o tempo

é dividido não por dias, meses ou anos, mas por eventos marcantes. Assim, na

infância foi a brusca mudança de condição de vida, fazendo-a mudar de casa e

morar com os avós onde já não possui mais um quarto somente para ela e a

situação na nova escola que, pública, já não lhe oferece desafios porque já “sabe

tudo” em função da educação recebida até então em colégio privado. Na

adolescência foi o encontro com a religião, com o marido e o nascimento dos filhos.

Na idade adulta, a abertura da empresa. Com isso, a eminência de repetir a história

dos pais que se vêem obrigados a vender posses para cobrir dívidas e a

deterioração das relações familiares. Agora, o fato de deixar os filhos com a sogra

para poder exercer novamente a atividade empreendedora.

As transformações da vida levaram a configurar-se de forma diferente a

cada período. Na infância, a que sabe tudo; na adolescência, a religiosa, julgadora.

Na fase adulta, a mãe; depois aquela que compreende os outros e hoje a

empreendedora equilibrista. A configuração subjetiva de Ida não é algo estático e foi

se alterando em conformidade com a trajetória de vida e contexto. Isso é compatível

com o que González Rey (2005) afirma sobre a subjetividade ser um sistema em

constante transformação.

A subjetividade social e individual estão expressas em diversos momentos

na configuração subjetiva da jovem empreendedora. Por um lado, ela considera que

o pai, em função de sua experiência empreendedora, lhe transmitiu essa

característica. Por outro, a motivação para empreender aparece com as dificuldades

que a vida lhe impõe. O processo de subjetividade se processa com as crenças que

permitem que ela continue a “enfrentar desafios”. Para ela, trata-se de um dever. Ela

deve continuar mesmo frente a grandes dificuldades. Isso é evidenciado quando

complementa a frase: Eu secretamente “tenho vontade de sumir, quando encontro

obstáculos, mas não posso recuar”.

A constituição subjetiva desta empreendedora carrega todas as contradições

que um indivíduo experimenta no cotidiano. A compreensão dela a respeito do que é

126

ser mulher, esposa e mãe alimenta uma visão de conflito de papéis. Esse elemento

conflitante é subjetivado e aparece na atividade empreendedora realizada: confiar ou

não nas pessoas, mostrar ou não emoções, agir como sócia ou esposa, administrar

sentimentos.

A contradição não pode ser considerada um elemento negativo. Trata-se

apenas de evidência da complexidade da experiência de vida dos indivíduos, da sua

singularidade; a complexidade de lidar com a subjetividade social e individual. Na

jovem Ida, existe uma maneira singular de lidar com as demandas diárias de

sobrevivência, pois ela possui uma maneira pessoal de adotar valores e crenças

religiosas e relacioná-los ao mundo dos negócios. As suas emoções e sua atenção

estão voltadas atualmente à atividade empreendedora mais do que às suas relações

familiares. Confrontada com tais contradições ela ainda consegue dar sentido à sua

subjetividade empreendedora que é revelado na expressão Empreender é fazer a

diferença, é mudar o mundo para melhor!

O modelo conceitual da constituição subjetiva de Ida a partir do seu relato,

do complemento de frases e apoiado na base teórica, permite dizer que o

empreendedorismo na vida desta jovem é uma configuração de sentidos subjetivos

em que se sobressai a superação, com sacrifícios e contradições associados à sua

trajetória de vida. Trajetória esta que, de início, é de dificuldades e incompreensão

dos outros a respeito de sua identidade e missão na vida. Mas sua narrativa também

é de lutas, de ousadia e de superação.

127

5 CONCLUSÃO

A contribuição das mulheres que fizeram parte desta pesquisa no campo do

empreendedorismo se dá em função do pressuposto de que nenhuma ciência social

pode ser vista sob um único ponto de vista, pois a ciência é um exercício de

reflexão. Dessa forma, não há que se considerar a verdade como sendo um sistema

de significados prontos e acabados. A ciência está em movimento. Dessa forma,

respeitando as demais correntes de pensamento e suas contribuições, optou-se por

olhar para o empreendedorismo feminino a partir de uma concepção sócio-histórica.

Tal concepção possui suas raízes no trabalho de Lev Vigotski que advogou

por uma psicologia marcada pela interdisciplinaridade. O seu argumento principal

era de que o homem também cria o ambiente e, assim, pode fornecer novas formas

de consciência. Para o pensador russo, o psiquismo possui uma natureza cultural e

se desenvolve a partir da passagem do biológico para o simbólico. Em acordo com

os escritos de Vigotski, o homem é propenso para a experiência cultural para um

devir ou vir a ser humano.

O trabalho de Vigotski é fundamento, por sua vez, da teoria da subjetividade

de González Rey (2003, 2005), psicólogo cubano radicado no Brasil. Em coerência

como trabalho de Vigotsky, a subjetividade não é algo que possa ser apreendido em

sua totalidade, pois não se tem como pressuposto uma visão essencialista. Em

outras palavras, na teoria da subjetividade, o ser humano não possui uma “natureza

humana”, mas se faz humano no processo social, histórico e a partir de suas

condições concretas. Como pesquisadores, o que se pode fazer é compreender

como a subjetividade se processa naquele momento. González Rey esclarece que

sua teoria é oposta ao estruturalismo porque este último representa a morte da

subjetividade. Para ele, no estruturalismo, apesar de se partir da linguagem para

explicar a estrutura, o sujeito está diluído no discurso.

Na teoria da subjetividade de González Rey (2003, 2005) são trabalhadas

categorias que não ficam estagnadas, a subjetividade para ele é formada

simultaneamente no individual e no social. Dito de outra forma, a subjetividade é

formada no indivíduo e na família, no indivíduo e nas instituições.

128

A inovação de González Rey foi a percepção de que cada indivíduo, ao ser

participante do projeto humano de sociedade, contém uma configuração singular de

sentidos subjetivos. O conceito de sentido subjetivo enfatiza a relação entre o

simbólico e o emocional e não apenas do intelectual e do afetivo como em sua

leitura da obra de Vigotski. As configurações subjetivas surgem a partir de um

sistema composto de diversos elementos que estão presentes naquele momento

que podem, inclusive, ser contraditórios.

O ser humano se constitui no social, mas os elementos que são a ele

apresentados pelas diversas vias de subjetivação social, são também subjetivados

individualmente. Dessa forma, representações sociais, sentido subjetivo e atividade

não podem ser encarados como categorias separadas. Isso porque no processo de

produção humana não há relação de causa e efeito. Dessa forma, pode-se entender

a atividade empreendedora como estando orientada para a produção de sentidos

subjetivos porque ela não emerge da racionalidade, mas está entremeada de

sentidos.

A teoria de González Rey retoma o caráter dialético da constituição do

sujeito. A subjetividade social e a individual estão em constante movimento

formando a configuração subjetiva. A subjetividade social perpassa a individual e

está representada no contexto no qual se organiza a subjetividade individual. Não se

trata de um processo mimético, não está na palavra, mas na tensão da palavra com

o mundo subjetivo. A subjetividade individual, por sua vez, se produz em espaços

sociais constituídos historicamente (GONZÁLEZ REY, 2003).

Como se trata de uma teoria complexa, os métodos para empreender

pesquisas deste tipo não podem estar alinhados àqueles que buscam relações de

causa e efeito. Ciente dessa peculiaridade, González Rey propôs a epistemologia

qualitativa. As características do método proposto pelo pensador cubano são:

· Papel ativo do pesquisador sendo também considerado um sujeito da

pesquisa.

· Sujeito e objeto de pesquisa estão implicados um no outro.

· Não há realidade última, mas zonas de sentido, pois o conhecimento é um

processo em constante construção.

· O singular é espaço privilegiado para a construção do conhecimento

científico, pois o indivíduo carrega em si elementos do todo.

129

· A validade da pesquisa está na capacidade de ampliar as alternativas de

inteligibilidade sobre o fenômeno estudado.

De forma mais concreta, o método não estabelece categorias fechadas e

plenamente definidas, pois são consideradas processos. Os instrumentos de coleta

de dados utilizados para alcançar o objetivo desta pesquisa foram entrevista

semiestruturada e complementos de frases. Já a análise foi feita com a busca de

indicadores de sentido subjetivo. Esta técnica é recomendada por vários

pesquisadores que tratam do tema (AGUIAR; OZZELA, 2006; DOBRÁNSZKY,

2007).

A legitimação do conhecimento alcançado é processual. Dito de outra forma,

não deve haver expectativa de alcance da essência, mas de momentos de

inteligibilidade sobre empreendedorismo e gênero a partir do relato das mulheres e

da interpretação do pesquisador.

A escolha dos instrumentos está ligada ao pressuposto de que, ao relatar a

própria história, as empreendedoras tiveram a oportunidade de refletir sobre a

atividade empreendedora e a própria vida. Isso porque a narração de si pode ser via

privilegiada para o pensamento reflexivo.

Por meio da análise das histórias destas mulheres procurou-se identificar o

que era realidade para elas. Isso se deu por meio da palavra que fornece os

significados, que são por sua vez, concebidos na interação do sujeito com a

sociedade.

Procurou-se ao longo da entrevista dar possibilidade para que as mulheres

manifestassem livremente, até onde foi possível, seus desejos, emoções e

experiências contidas na representação delas mesmas. Isso possibilitou a captação

daquilo que Alves (1997) chamou de “encruzilhada“ entre o individual e o social.

Isso porque as configurações subjetivas são formadas pelos sentidos subjetivos, que

por sua vez, são constituídos individualmente, mas estão em constante interação

com a subjetividade social. Espaços de produção simbólica podem ser encontrados

na atividade empreendedora assim como em outros dos quais as mulheres

participam, passando a fazer parte da história delas.

Viver em um mesmo tempo e lugar e estar sob uma mesma cultura não

significa que a subjetividade social seja vivenciada por estas mulheres da mesma

forma. A categoria de sentido subjetivo permite incorporar as emoções do sujeito ao

130

processo de constituição da configuração subjetiva. Dessa forma, a experiência com

o empreendedorismo, embora vivido por todas as mulheres que empreendem têm

um valor emocional totalmente peculiar a cada sujeito segundo sua história de vida,

crenças e valores.

Analisar a constituição subjetiva da mulher empreendedora não foi uma

tarefa fácil. A teoria de González Rey, utilizada como fundamento teórico desta

empreitada, além de complexa é pouco explorada nas ciências sociais aplicadas.

As entrevistas efetuadas não resultam em modelos de generalização estatística para

a população de mulheres empreendedoras de Curitiba ou do Brasil. No entanto, a

partir do pressuposto que o indivíduo carrega em si elementos do todo, é possível

pensar o fenômeno empreendedor propiciado pelo relato destas mulheres. Na

análise procurou-se fazer uma síntese da biografia das respondentes enfatizando os

momentos em que as emoções, a atividade e representações sociais afloravam

reconstruídas pela memória. O relato delas foi feito pelas respondentes à luz de

suas representações atuais. Assim, mesmo ao falar de eventos do passado, tais

eventos passaram pelos filtros atuais, com justificações do sistema de

representações que elas possuem nos dias de hoje.

O empreendedorismo pode ser considerado uma das zonas que fornecem

sentidos subjetivos. Ele está presente em experiências sociais concretas que afetam

a subjetividade individual e os sujeitos, a partir destas experiências e (re)constroem

a subjetividade social. No entanto, não se pode chegar à configuração subjetiva do

empreendedorismo porque não existe somente uma configuração, mas muitas e

cada uma com suas especificidades. Dessa forma, a generalização que se pretende

aqui está associada à qualidade da informação coletada e das conclusões

alcançadas a partir das análises que foram sendo feitas.

As mulheres sem dúvida vêm ampliando, desde o início do século XX, sua

participação na sociedade, especialmente na esfera econômica. Na vida corporativa,

apesar de terem participação em quantidade bastante semelhante à dos homens, os

postos de comando ainda não são tão expressivos em quantidade (RAGO, 2003). O

empreendedorismo pode ser uma opção para aquelas que sentem as limitações do

ambiente de trabalho, impedindo suas conquistas. Assim, não é incomum encontrar

mulheres atuando como empresárias.

131

As empreendedoras entrevistadas são mulheres com idades entre 24 e 60

anos. Os ramos em que atuam são indústria metalúrgica, construção civil, indústria

moveleira e comércio. Cada uma das mulheres entrevistadas possui uma trajetória

ímpar.

Maria é uma mulher de 60 anos que se engaja na atividade empreendedora

como forma de suprir necessidades familiares que foram socialmente constituídas.

Nasceu em uma cidade do interior do Paraná, na qual os ideais do movimento

feministas chegaram com suavidade, fazendo com que ela se utilizasse de diversas

estratégias para conseguir fazer sua própria trajetória. Não se rebela totalmente

contra o sistema, mas utiliza meios para desafiar o que lhe é dado como certo, mas

que não lhe serve. É uma mulher de realização.

O modelo conceitual da constituição subjetiva de Maria a partir do seu relato,

do complemento de frases e apoiado na base teórica, permite dizer que o

empreendedorismo na trajetória desta mulher ao mesmo tempo em que concretiza o

desafio de menina, também é limitado pelas representações sociais relativas ao

papel de mulher. Dessa forma, desde o início de sua trajetória, a ruptura e a

reprodução de padrões estão presentes. Primeiramente foi o abandono da profissão

sonhada por que foi objeto de investidas do professor, e, mais tarde, ela reproduz

padrões ao optar por trabalhar com algo que é ligado ao universo dito “feminino”

como a mãe e as tias a ensinaram. A opção por trabalho como professora e depois

como vendedora de produtos considerados femininos não é aleatória, mas resultado

dos elementos que foram sendo subjetivados ao longo de sua trajetória. O

empreendedorismo para ela reflete aquilo que ela subjetivou como mulher e se

concretiza na expressão: empreender é fazer bem feito.

Isis é uma empreendedora de 44 anos que passa por momento de

transformação. Ela é filha de empreendedor, estudou para ser professora, trabalhou

em banco e tornou-se mãe. Cuidou da filha durante cinco anos e resolveu então

trabalhar, já que o marido possuía uma sociedade com ex-colegas de trabalho.

Aprendeu e incentivou o marido a sair da sociedade em que estava para abrir uma

empresa com ela. A empresa que criou com o marido prosperou, a filha cresceu e

ficou adulta e ela se descobriu na atividade empreendedora. Teve sucesso

financeiro, investiu suas emoções na empresa e agora se vê em momento decisivo

132

de sua trajetória empreendedora: vender a empresa. É uma mulher de coragem.

Empreender para ela é orgulho.

Emília, 44 anos, advogada, quase engenheira, gosta de fazer várias coisas

ao mesmo tempo e vê na atividade empreendedora um canal para sua

hiperatividade. É mãe, provedora do lar e empresária bem sucedida. Tudo isso lhe

dá sentimento de realização e orgulho. Empreender para ela é realização.

Ida começou a atividade empreendedora aos 19 anos ao mesmo tempo em

que recomeçava a vida universitária. Formou-se e hoje exerce atividade

empreendedora na construtora que criou com o marido. Em suas atividades diárias

na empresa ela executa tarefas que vão desde a administração até ir à obra conferir

o que lá está sendo feito. Para ela, a infância instável e conturbada tem influência

direta sobre o desejo de se firmar financeiramente na vida. Ela vê na atividade

empreendedora um meio de redenção da sua infância. Apesar de ser um fenômeno

criado na cultura, transmitido pelas diversas vias da subjetividade social e, portanto,

sofrendo influência do sistema econômico adotado no Brasil, o empreendedorismo

aparece como uma característica que é constituída na infância e pertence somente a

um indivíduo para Ida. Empreender para ela é superação.

Diferentemente da experiência das empreendedoras que viviam fora da

Capital, Emília, com 44 anos, relata que exercia atividades profissionais desde cedo

e não se referiu a nenhum tipo de proibição dos pais. Ela teve filho fora do

casamento, morou sozinha e hoje mantém união estável, coisas que pareciam

impensáveis para mulheres da geração de Maria que nasceu e foi criada no interior

do Paraná.

Maria e Ida utilizam símbolos de feminilidade e preocupam-se com a

aparência. Elas não se dão conta que possuir corpo magro e aparência impecável

são exigências sociais que o tornam também um objeto de consumo, um acessório

que deve obedecer a certo padrão. O padrão de beleza relega àqueles que não se

encaixam no padrão à exclusão social. A exigência social é re-significada na história

de cada uma delas e elas também ajudam a perpetuar tais padrões considerando-os

“normais” e também demandando dos outros.

Todas atribuem à providência divina a explicação do seu

sucesso/sobrevivência no mundo dos negócios. No entanto, apesar da confiança no

transcendente, elas assumem responsabilidade por seus atos. Elas agradecem à

133

providência divina, mas indicam que tomam conta da própria vida. Cada uma delas

faz sua própria história na medida em que subjetiva as experiências do cotidiano e a

partir destes elementos, que podem ser a infância difícil, a distância dos pais e/ou a

solidão, formam a configuração com a qual dão sentido e significado a novas

experiências. Todos esses elementos são subjetivados de forma única. Dessa

forma, para entender a entrada no mundo dos negócios não se pode desprezar a

história dos empreendedores, embora não se possa também fazer afirmações do

tipo: uma infância difícil leva a empreender ou pais empreendedores têm filhos

empreendedores.

O empreendedorismo não apareceu na pesquisa como um fenômeno

isolado na vida daqueles que empreendem. Ele é perpassado pela vida e, por

conseguinte, pelas transformações que nela ocorrem. Da mesma forma com que o

empreendedorismo é afetado pela trajetória de vida dos indivíduos, ele afeta

sobremaneira a vida da empreendedora e sua dinâmica familiar. Dito de outra

forma, a família interfere na dinâmica dos negócios, assim como os negócios estão

presentes na casa dos empreendedores. Algumas com maior ênfase, como no caso

de Ida e Isis, outras com o isolamento dos familiares para que não “atrapalhem” o

andamento dos negócios. Os problemas da empresa vão para casa, assim como os

problemas de relacionamento familiar aparecem no cotidiano da organização. Por

outro lado, as empreendedoras também se transformam no processo ao subjetivar

as experiências da empresa interferindo em seu lar e vice-versa.

Em todos os relatos, a abertura da empresa marca com tamanha força a

trajetória das empreendedoras que este fato não pode ser negado como constituinte

da subjetividade delas. Assim, pode-se concluir que o empreendedorismo se insere

na vida das pessoas, fazendo parte delas e não pode ser pensado como um

fenômeno com existência própria.

Os elementos que surgiram como indicadores de sentido subjetivo formaram

uma configuração única para cada uma das mulheres que fizeram parte da

pesquisa. Tal dado permite afirmar que os elementos que compõem a configuração,

apesar de serem socialmente constituídos, são subjetivados de maneira singular.

Cada uma delas, de seu modo único, é parte de um fenômeno social sem

que se dêem conta disso ou mesmo sem que elas estejam preocupadas com isso.

Ao viver, ao agir de forma empreendedora constroem suas identidades, quebram

alguns padrões e reforçam outros e, ao viverem suas vidas, se constituem sujeitos

134

da própria história. Com sua trajetória singular e forma específica de apreender a

realidade, elas deram origem a sentidos subjetivos particulares, apesar das palavras

que expressaram significados generalizados.

A configuração das mulheres, produto dos sentidos subjetivos, não

representa uma organização subjetiva universal e padronizada. O sentido subjetivo

da atividade empreendedora é distinto em cada empresária concreta. Cada trajetória

confere um caráter totalmente singular à atividade desenvolvida pelas mulheres.

Não há que se falar em característica de mulheres empreendedoras porque isso iria

contra o pressuposto adotado aqui de que o homem não traz dentro de si, ao

nascer, uma essência que o destinaria a certa atividade (a empreendedora, por

exemplo). Ao invés disso, cada empreendedora pode ser considerada uma

complexa síntese em que a universalidade se concretiza social e historicamente por

meio da atividade empreendedora que, por sua vez, é uma atividade social.

As trajetórias de vida das mulheres investigadas foram ímpares, mas

aconteceram sob um mesmo tempo e local. Assim, elas empreendem em uma

sociedade que, apesar das lutas de tantas mulheres por maior igualdade de gênero,

teve na industrialização o grande impulsionador senão da igualdade, pelo menos, da

abertura de opções para as mulheres.

A forma como elas empreendem é marcada por um tempo específico e local

determinado. Elas são mulheres e empreendem no século XXI, no Brasil. Isso

influencia a atividade desenvolvida. Dessa forma, o empreendedorismo é um sentido

subjetivo produzido na relação complexa entre as diversas formas de constituição

subjetiva (social e individual) e os cenários atuais dentro do qual essas mulheres

empreendem.

As representações sociais sobre o que é o empreendedorismo e o que é ser

uma mulher empreendedora não se impõem de forma absoluta, pois encontram um

indivíduo capaz de refletir e formular “teorias” próprias a partir das quais elas

justificam suas ações no cotidiano. As “teorias” que sustentam a atividade

empreendedora foram sendo incorporadas e, ao mesmo tempo,b delimitadas pelas

condições concretas em que viveram/vivem. A subjetivação acontece mesmo sem

que essas empreendedoras se dêem conta disso.

Sendo assim, quando se fala em essência empreendedora nada mais está

se referindo do que a um produto sócio-histórico e, portanto, não biológico. A

atividade empreendedora é apropriada e subjetivada por cada mulher singular ao

135

longo de sua vida em sociedade. E, portanto, nesse devir social e histórico que é

criado o humano.

Partindo do pressuposto que a universalidade pode ser alcançada se

mediada pela particularidade, pode-se chegar a algumas conclusões a respeito do

empreendedorismo.

O empreendimento como fonte de sucesso e de liberdade apresenta

aspectos contraditórios uma vez que, à primeira vista, permite que as pessoas se

sintam bem, orgulhosas de seus feitos. No entanto, exige delas certa dose de

sacrifícios (deixar os filhos aos cuidados de outros, ter que estar constantemente

cuidando de funcionários, ter que controlar o ímpeto perdulário do marido, trabalhar

12 horas por dia).

O empreendedorismo é um fenômeno social que no Brasil está, em sua

grande parte, ligado à lógica capitalista e tem sido colocado pelas diversas vias da

subjetividade social como medida de sucesso e riqueza e que deve ser preservado e

passado às gerações futuras. Todas as informantes da pesquisa mostraram

satisfação com a atividade empreendedora.

O empreendedorismo pode ser considerado um fenômeno social. Trata-se

de uma ação legítima em nossa sociedade. Apesar de ser um fenômeno relacional,

sua representação social é de processo individual. Em outras palavras, apesar ser

uma ação que se desenrola na sociedade e tem impacto sobre ela e, ainda,

considerando-se quando uma empresa é iniciada, em geral, isso é feito com

empenho de muitas pessoas, o empreendedorismo é visto como ação de um

indivíduo que possui características específicas – e, assim, ele é o único

responsável pelo sucesso nos negócios. O empreendedorismo foi subjetivado por

todas as mulheres como um fenômeno individual; como algo que possui conexão

estrita com o indivíduo. Elas relatam características pessoais quando perguntadas

sobre o que é ser empreendedor. Essa tendência individualista é também reflexo da

sociedade competitiva e individualista em que se vive no momento.

O sacrifício associado ao fenômeno empreendedor pode ser também tratado

como uma forma de justificativa para o sucesso alcançado. Elas têm sucesso e

dinheiro, mas isso deve ser justificado com certa dose de sacrifício, como se fosse

um preço a ser pago para justificar o sucesso alcançado.

As jornadas de trabalho impostas socialmente atribuem aos indivíduos uma

homogeneidade que eles efetivamente não possuem. O tempo para cada indivíduo

136

possui um sentido que lhe é peculiar. No caso de Emília, a manhã é sempre horrível

de mal humor. Para Ida, a noite traz produtividade, é o horário que mais trabalha.

Cada período do dia tem durações diferentes para as empreendedoras. O tempo

mecânico contado em horas da manhã até a tarde não respeita o ritmo de sono, de

fome, de vida de cada sujeito. O empreendedorismo pode permitir a volta de um

tempo marcado pela necessidade biológica e não aquela imposta pelos ponteiros do

relógio. A despeito de ser referido como uma possibilidade de liberdade, não tira a

responsabilidade pelo trabalho diário, inclusive com muitas horas despendidas. As

mulheres relataram que trabalham mais de oito horas por dia em suas empresas. As

férias, quando tiradas, são divididas em períodos mais curtos para que a empresa

possa ser adequadamente cuidada. Dessa forma, o que o empreendedorismo

parece proporcionar é flexibilidade. Diferentemente de uma jornada operária

obedecendo ao relógio social – aquele que impõe um horário regular de 08h as 18h -

elas podem trabalhar em horários que lhes pareçam mais adequados.

O empreendedorismo não tem por trás uma série de motivos específicos e

universais. Assim, não há como se falar em abertura de empresas por necessidade

ou por oportunidade e delimitar tais conceitos. Cada necessidade, não obstante ser

constituída no social, é subjetivada individualmente resultando em motivos que se

organizam de forma única no contexto do empreendedorismo fazendo parte de um

processo de produção de sentido. No caso de Maria, ela relata que abriu a empresa

por necessidade. No entanto, tal necessidade em nada se parece com o conceito de

necessidade preconizado pelo Relatório GEM.

A emoção aparece em todos os depoimentos, mesmo Emília que se diz

absolutamente racional, procura isolar o marido das decisões para que ela não

tenha que lidar com as emoções que isso ocasionaria. A emoção está na base dos

processos de pensamento. Portanto, não há que se pensar em empreendedorismo

como um fenômeno do mundo dos negócios sem que a emoção seja levada em

consideração. A empresa, como resultado de uma série de decisões em seus

diversos níveis hierárquicos, está permeada de emoções. Isso porque a

emocionalidade do sujeito é fundamento de suas ações. Ao admitir isso, ao

conhecer o tipo de emoção que está na base dos processos de pensamento, pode-

se entender melhor o empreendimento e suas limitações. Além disso, admitir a

emoção como participante do mundo empresarial pode dar ao indivíduo a

oportunidade de conhecer a si mesmo e, ao fazer isso, emancipá-lo.

137

Pode-se também afirmar que as empreendedoras posicionam-se ativamente

frente às situações relativas aos negócios. Elas enfrentam as situações mesmo

diante de sentimentos de insegurança. González Rey (2010) afirma que um

posicionamento ativo frente à vida pode permitir criar sistemas de apoio para

situações difíceis e pode fazer com que os sujeitos desenvolvam uma identidade a

partir dessa situação. Em todos os relatos pode-se perceber que as

empreendedoras sentem orgulho que funciona como uma forma de elevação de si

mesmas. Uma forma de reconhecimento daquilo que elas se tornaram ao longo de

sua trajetória.

As questões de gênero também podem ser consideradas como construções

sociais e como espaço simbólico produzido pela cultura. Tais questões se nutrem

das emoções particulares configuradas na história de cada sujeito. Se o indivíduo

nasce com uma constituição biológica específica de ver, falar e agir é na relação

com o outro que vai “olhar”, comunicar-se e desempenhar atividades que tanto

reforçam como desafiam o que está posto. Os padrões que estão disponíveis na

sociedade e são transmitidos culturalmente são subjetivados de maneira única. A

partir do relato das mulheres, percebe-se que o que prevalece ainda na sociedade

brasileira é uma visão naturalizada dos gêneros. As pessoas ainda pensam que ser

mulher é uma condição biológica e não social. Em todos os relatos elas se referiam

à mulher como tendo características específicas – peculiares do ser mulher - ou

ônus a ser carregado. No entanto, em todas as trajetórias investigadas o que se

pode perceber é que as mulheres envolvidas não estavam engajadas em fazer

gênero de forma consciente. Não estão ocupadas em perpetuar ou não as

diferenças entre os sexos. As mulheres empreendedoras desta pesquisa estão

constantemente se firmando como sujeitos de sua própria história.

Dessa forma, pode-se entender que a forma “correta” de ser mulher e

empreendedora foi forjada no social. No entanto, o fenômeno somente pode ser

entendido a partir do caráter ativo e constituinte das mulheres “que fazem gênero” e

que são empreendedoras. Não significa que elas sejam apenas produto do meio,

pois tanto são produtos da cultura, como também constituem a cultura no processo

de desenvolvimento. A atividade empreendedora que elas desempenham e as

representações sociais que a sociedade lhes impõe por meio das diversas vias da

subjetividade social são configuradas subjetivamente. No entanto, a empreendedora

138

não expressa somente sua condição de mulher de negócios, mas sua condição

social.

O modelo de configuração subjetiva do empreendedorismo para as mulheres

desta pesquisa mostra um caráter contraditório e processual do fenômeno. Em

outras palavras, o empreendedorismo na vida destas mulheres tanto é um elemento

que traz emoções e sentimentos desfavoráveis, como também lhes proporciona

satisfação. Cada uma destas facetas do empreendedorismo pode se sobressair em

determinados momentos da trajetória destas mulheres, aliando-se, inclusive, com

outros espaços de sentido subjetivo que estão presentes na vida delas.

A teoria da subjetividade de González Rey (2003) permite que o sujeito não

seja tratado como um objeto. Mesmo quando o sujeito fala de si mesmo e quando

atua no mundo concreto ele é capaz de modificá-lo e ao fazer isso modifica a si

mesmo. Cada sujeito é único e representado por sua configuração subjetiva formada

por elementos de sentido subjetivo. Assim, cada configuração é singular e altera-se

com a trajetória de vida dos sujeitos. Dessa forma, a configuração subjetiva das

empreendedoras é, cada uma à sua maneira, formada por elementos que reforçam

a subjetividade social e por outros que a desafiam. Elas vivem o empreendedorismo

no seu dia-a-dia, na concretude de sua experiência, e, sem diluir-se em grupos

protetores, guardam sua configuração subjetiva de forma única. As experiências e a

relação com o outro são subjetivadas e resultam em uma forma específica de

empreender. No entanto, não é uma forma estática, não cessa de se renovar.

Nas pesquisas realizadas sobre mulheres empreendedoras, a teoria da

subjetividade de González Rey (2003, 2005) foi raramente utilizada. Talvez seja esta

a maior contribuição deste trabalho. No entanto, como todo trabalho acadêmico, ele

possui restrições, entre as quais uma é mais evidente: a não recorrência das

entrevistas. Pesquisas futuras utilizando entrevistas recorrentes poderiam ser

empreendidas resultando em melhor compreensão do tema e na possibilidade de

emancipação dos sujeitos da pesquisa ao permitir a autoanálise.

Finalmente, não se pode deixar de apontar que as discussões sobre gênero

na área de ciências sociais aplicadas têm tratado muito marginalmente da

emancipação do sujeito. Dessa forma, trabalhos futuros tratando da subjetividade de

mulheres no meio acadêmico, como estudantes de administração e professoras

também parecem ser uma opção para melhorar o uso da teoria e ampliar o

conhecimento sobre o tema.

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150

151

ANEXO I

Termo de consentimento para coleta de dados

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA COLETA DE DADOS EM PESQUISA CIENTÍFICA

Eu, __________________________________________________________

,brasileira, estado civil: ____________, empresária, AUTORIZO a pesquisadora

Jane Mendes Ferreira a realizar entrevista comigo a fim de obter informações a

respeito de minha atuação como mulher empreendedora

Declaro que fui informada do objetivo da pesquisa que é: conhecer a

constituição subjetiva da mulher empreendedora.

Declaro que fui informada que os dados obtidos não serão utilizados de forma

individualizada e que eu não serei, de modo algum, identificada em relatórios de

pesquisa, artigos científicos ou de opinião ou ainda em qualquer outro meio de

divulgação dos resultados da presente pesquisa para tese de doutoramento em

Administração.

Por ser a expressão da verdade, firmo o presente termo de consentimento.

Curitiba, ______________________

___________________________________

Assinatura da entrevistada

152

ANEXO II

Roteiro preliminar de entrevista Infância e Adolescência

1. Como foi sua infância? Descreva os fatos marcantes dessa época 2. Você passou a juventude na mesma cidade? Descreva um pouco esse período 3. Que tipo de adolescente era? 4. Quais as suas atividades nessa época? 5. Participou de alguma atividade de trabalho nessa época? Movimento político ou social? 6. O que você queria ser quando crescesse?

Trabalho 1. Qual seu primeiro emprego? 2. Com que idade começou a trabalhar? 3. Porque veio para Curitiba? 4. Como foi sua adaptação aqui?

Atividade Empreendedora

(memória, emoção, práticas)

1. Como iniciou sua atividade empreendedora? 2. Quais os fatos mais marcantes da sua atividade empreendedora? 3. Por que você escolheu a atividade empreendedora? 4. O que você mais gosta da atividade empreendedora e o que você menos gosta? 5. Como você financiou a abertura do negócio? Qual a origem dos recursos para abertura daempresa? 6. O que você faz efetivamente enquanto empreendedora? 7. Como você lida com seus funcionários? 8. Como você lida com seus fornecedores? 9. Como você lida com seus clientes? 10. Como você lida com seus concorrentes? 11. Como você lida com o governo?

Representação social sobre empreendedorismo

1. O que é uma pessoa empreendedora para você? 2. Qual a forma correta de ser empreendedora para

você?

Representação social de gênero

1. O que é ser mulher para você? 2. Você considera que ser mulher interfere (positiva ou

negativamente) com a atividade empreendedora? 3. Como sua família encara sua atividade

empreendedora? 4. Como sua família lida com as atividades relativas ao

cuidado da casa/espaço doméstico? Futuro 1. O que você acha que vai acontecer com você nos

próximos cinco anos? 2. O que você acha que vai acontecer com sua empresa

nos próximos cinco anos? 3. Que conselho você daria à mulher que pretendesse

iniciar um negócio hoje?

153

ANEXO III

Instrumento de complemento de frases Informante nr.:__

1. Idade:___________

2. Estado Civil: ( ) Solteira ( ) Casada ( ) Viúva ( ) Divorciada ( ) União estável

3. Escolaridade: ( ) Ensino fundamental incompleto ( ) Ensino fundamental completo ( ) Ensino médio incompleto ( ) Ensino médio completo ( ) Ensino superior incompleto ( ) Ensino superior completo ( ) Pós-graduação

4. Possui filhos? ( ) Sim ( ) Não

5. Qual a idade deles?

6. Quantas horas você trabalha por dia? ( ) menos de 6 horas ( ) de 6 a 8 horas ( ) de 8 a 10 ( ) de 10 a 12 horas ( ) mais de 12 horas

7. Você está satisfeita com a sua atividade empreendedora? ( ) Um pouco satisfeita ( ) Satisfeita ( ) Muito satisfeita

8. Complete as seguintes frases:

Ser mulher significa:

Ser empreendedora significa:

Eu empreendo porque:

Eu amo:

Eu detesto:

Meus marido:

Meus filhos:

154

Meus empregados:

Meu maior desejo:

O que me motiva para empreender:

O que os outros pensam sobre mim:

Quem eu realmente sou:

Meu futuro:

Tenho medo:

Minha ambição:

Não consigo:

Orgulho-me:

Eu secretamente:

Eu aprendo:

Meu momento de maior tensão: