Textaloud - o Banco Mundial e a Educação No Brasil-convergências Em

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1.3. Ajuste estrutural, neoliberalismo e remodelagem na poltica social em um contexto de globalizao econmica (anos 1980-1990) A importncia e visibilidade que o Banco Mundial comea a assumir nos anos 1980 e 1990, e que se reflete no acalorado debate presente sobre ele nesse perodo, s pode ser compreendida luz do contexto histrico. Se, antes disso, em estudos importantes mas ainda esparsos, o Banco comea a ser criticado por sua ingerncia nos assuntos domsticos dos pases e de ser ligado ao imperialismo norte-americano, a partir da dcada de 1980 essas crticas se juntam a outras e ganham coro, em um momento de implantao de polticas de ajuste estrutural, disseminao de prticas e polticas neoliberais, e acirramento do processo de globalizao econmica. Com a vitria do republicano Ronald Reagan para a presidncia dos Estados Unidos (janeiro 1981 a janeiro 1989), Robert McNamara termina seu mandato na presidncia do Banco Mundial, e substitudo por A.W. (Tom) Clausen (julho 1981 a junho de 1986). O novo presidente do Banco Mundial, Tom Clausen como era conhecido, chegaria j bastante alinhado ao novo contexto e foco ideolgico do governo eleito. Segundo o relato de alguns, quando Reagan abriu o Annual Meeting do Banco Mundial e do FMI em 1980 e falou sobre liberdade de mercado, teria sido ovacionado de p (Wolfensohn, 2010). A mensagem era a de que os pases em desenvolvimento deveriam andar com as suas prprias pernas (Wolfensohn, 2010). De certa forma, a mudana ideolgica j se anunciava com a substituio do economista chefe de McNamara por Anne Krueger. Anne Krueger seria conhecida por ser crtica do financiamento externo ao desenvolvimento e a governos de pases do terceiro mundo dependentes. Assim, no novo contexto, a modalidade de financiamento j anunciada por McNamara os emprstimos de ajuste estrutural serviu como instrumento principal de financiamento do Banco Mundial. Mas, com uma novidade: para a aprovao do recurso, os pases interessados comprometiam-se a implementar um pacote de polticas e reformas baseadas, como j apontaram vrios autores, de orientao neoliberal (Arantes, 2004, Cruz, 2007, Maranho, 2009). Na base, estavam a defesa do livre mercado, privatizao, abertura comercial, conteno de gastos pblicos (sobretudo no setor social), disciplina fiscal e no protecionismo (Maranho, 2009). Como inimigos, tinham-se as polticas de substituio de importaes, com interveno direta do Estado no fortalecimento da economia nacional, e a crena de que a abertura econmica levaria ao aumento das taxas de crescimento nos pases de terceiro mundo foram idias formuladas em oposio ao keynesianismo que, na Amrica Latina, fora colocado em prtica sob a forma do Estado desenvolvimentista. sobretudo a partir desse perodo que o Banco Mundial comea a ser visto, e com frequncia criticado, ao lado do FMI sua instituio irm de quem se aproximaria ainda mais como divulgador maior de prticas e polticas neoliberais, em um contexto de crescente acirramento do processo de globalizao econmica. Como relatam Lichtensztejn e Bauer, em meados dos anos 1980, parece desnecessrio traar uma apresentao do Fundo e do Banco e explicar a importncia que lhes atribumos. Pelo menos no que diz respeito Amrica Latina, os seus nomes de batismo e siglas (especialmente o FMI) adquiriram uma triste popularidade, insuspeitada, se se [sic] considera que h apenas quinze anos o seu conhecimento estava quase reservado a crculos governamentais e acadmicos muito especializados. (Lichtensztejn e Bauer, 1987, p.7). A marca de neoliberal, a partir de ento, acompanhou as duas instituies. Essas medidas tiveram grande impacto na Amrica Latina. como analisarei mais a frente, h uma linha de interpretao, como assinalam Dezalay e Garth (2000), que analisa o papel do FMI e do Banco Mundial na imposio da agenda econmica do governo Reagan, como agentes fundamentais da poltica externa norte-americana, por meio de vrios programas de ajuste estrutural, com o argumento central de que a atuao desses agentes externos seria promotora do neoliberalismo na regio 131 . Haveria ainda, segundo os mesmos autores, uma outra corrente de interpretao que sustenta que as preferncias das elites simplesmente mudaram: em vez de um Estado pesado, elas preferem agora um Estado neoliberal (Dezalay e Garth, 2000, p.163), trazendo, a, uma anlise da importncia dos atores locais na apropriao dessas idias. Na parte III desta tese, proponho uma anlise dessa abordagem a partir da atuao do Banco no Brasil. Do que importa reter por ora, que nesse contexto que, inicialmente com mais nfase o FMI, mas logo tambm o Banco Mundial, assumiram a sua faceta mais intervencionista, que teria nas polticas de ajuste fiscal, com suas condicionalidades que associavam os emprstimos a medidas que os governos implementariam nas suas polticas domsticas, o sinal mais marcante 132 . Essa talvez tenha sido uma das maiores mudanas ocorridas na atuao do Banco Mundial no perodo. De uma atuao relativamente mais restrita, delimitada pela implementao de um projeto em um setor, passa-se a pensar em polticas mais amplas, sendo que as polticas especficas, de certo modo, ficariam em situao subordinada a essa orientao. Os emprstimos de ajustamento estrutural tinham como caracterstica principal, de acordo com Pereira (2010 b, p.271) desembolso rpido e orientado para polticas, e no para projetos, tinha o objetivo de financiar o dficit no balano de pagamentos, sobretudo de pases importadores de petrleo. A autorizao desse tipo de emprstimo estava condicionada realizao, pelo prestatrio, de um programa de estabilizao acordado previamente com o FMI e de um pacote de reformas na poltica macroeconmica, ambos voltados para adequar a economia domstica ao novo ambiente externo e manter o pagamento do servio da dvida externa. As polticas de ajustamento estrutural mudaram a dcada (apesar de continuarem a existir at os dias de hoje), e passaram por algumas fases at que se consolidasse o que ficou conhecido como Consenso de Washington. Seguindo com Pereira (2010b, p.217), no binio 1980-81, o Banco atuou no sentido de firmar o ajustamento estrutural como meio necessrio para adaptar e enquadrar os pases endividados s novas condies da economia internacional, seguindo de perto a nova diviso de trabalho entre Estado e mercado que emergia no Banco, em parte ligada presso neoliberal encabeada pelos governos Thatcher e Reagan 133 . Ainda, conforme o autor (2010b, p. 272), no mbito das polticas macroeconmicas, as medidas de ajustamento versavam em: liberalizar o comrcio, alinhar os preos ao mercado internacional e baixar tarifas de proteo; desvalorizar a moeda; fomentar a atrao de investimento externo e a livre circulao de capitais; promover a especializao produtiva e expandir as exportaes, sobretudo agrcolas. No entanto, tambm havia prescries referentes s polticas sociais e administrao dos Estados, cuja meta central seria a reduo do dficit pblico, especialmente por meio de medidas como: a) o corte de gastos com pessoal e custeio da mquina administrativa; b) a reduo drstica ou mesmo a eliminao de subsdios ao consumo; c) a reduo do custo per capita dos programas, a fim de ampliar o grau de cobertura; d) a reorientao da poltica social para sade e educao primrias, mediante a focalizao do gasto na parcela da populao em condies de pobreza absoluta (Pereira, 2010b, p.272, grifos meus). Essas idias figuravam, de um modo ou de outro, nos relatrios mais importantes do Banco Mundial entre 1978 a 1982 como recomendaes de polticas econmicas e setoriais consideradas responsveis 134 . No que se refere educao, essa orientao j estava explicita no documento de estratgia educacional cunhado em 1980, e o foco na educao primria marcar toda a dcada, como analisarei na Parte II desta tese (World Bank, 1980). Se as medidas j eram consideradas drsticas no incio da dcada, com o seu avano, a situao s se complicaria. Um dos primeiros pontos de maior tenso nesse perodo teria sido quando o governo mexicano declarou moratria, em agosto de 1982, e a crise da dvida externa dos pases latino-americanos estourou (Maranho, 2009; Pereira, 2010). Esse seria o topo do processo de endividamento praticado exaustivamente durante as duas dcadas anteriores. Quando a crise estourou, as autoridades monetrias dos EUA e da Inglaterra, o FMI e o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS) teriam se reunido para traar a estratgia de gesto da dvida e concludo que a crise seria um problema de liquidez, e no de solvncia, apontando como soluo o pagamento do servio da dvida, que seria viabilizada atravs de algumas medidas, como, reorientao da produo para bens exportveis e atravs da reduo e do redirecionamento do gasto pblico (Pereira 2010b, p. 272), o que teve um impacto enorme nos pases. Ainda de acordo com Pereira (2010b, p.272), ao FMI caberia outorgar pacotes de socorro em troca da execuo de programas de estabilizao de curto prazo e da estatizao das dvidas privadas esperava-se que em trs, ou cinco anos, as medidas reativassem o crescimento e sustentassem o pagamento do servio da dvida e o Banco Mundial logo se juntou como fora auxiliar do FMI. Seriam tempos difceis, de muita crtica e disputa dentro e fora do Banco. As crticas ao Banco, antes mais marginais, comeam a ganhar mais flego ao longo da dcada. Internamente, o Banco Mundial comea a estreitar as possibilidades de reas e temas a serem financiados, definindo nfases em cada setor diante da reduo de recursos, e tambm comearia a realizar uma srie de parcerias de co-financiamento com outros bancos comerciais 135 . Se os financiamentos em educao, meio ambiente, populao e at agricultura comeados nas gestes anteriores continuaram a existir, as temticas tornaram-se mais restritas, e todas embaladas pela crena de que os pases deveriam abrir seus mercados para enfrentar o crescente e competitivo mercado internacional. As polticas setoriais todas perdiam a autonomia, sendo pensadas em funo das orientaes macroeconmicas mais amplas. At mesmo o texto sobre o ex-presidente disponvel na pgina do Arquivo do Banco Mundial d o tom do perodo. Clausen teria assumido a presidncia do Banco em um dos momentos de pior recesso desde o ps-guerra e, nesse contexto, alm da recesso, uma mudana poltica importante teria lugar o pensamento liberal que focava na necessidade de abordar as desigualdades sociais atravs de aes promovidas pelo governo havia dado lugar a um novo conservadorismo nas polticas econmicas que enfatizava o papel do setor privado e de mercados desobstrudos (sem obstculos) 136 . Segundo a mesma fonte, as relaes do Banco Mundial com o seu maior acionista estavam tensas; o governo dos Estados Unidos percebia a ajuda externa e tambm a ao do Banco Mundial nesse sentido com ceticismo. O alvio da pobreza era entendido como aes ligadas s ideias (e ao programa) do Estado de bem-estar social, e os Estados Unidos no estariam mais dispostos a assumir tais responsabilidades nesse sentido. Ainda, Reagan declararia que os EUA se oporiam ao apoio tradicional do Banco Mundial aos governos dos pases em desenvolvimento, bem como a qualquer tipo de promoo de desenvolvimento econmico calcada na ao estatal, instituindo uma reviso abrangente daparticipao dos EUA nos bancos multilaterais de desenvolvimento, tendo um olhar particularmente duro para a AID, brao que atendia os pases mais pobres. Alm de no ter o apoio direto do governo norte-americano, o Banco Mundial seria tambm criticado, naquele contexto, por polticos liberais que acreditavam que as polticas de ajustamento estrutural do Banco teriam prejudicado pases em desenvolvimento, resgatando, igualmente, bancos comerciais. Os pases em desenvolvimento, da sua parte, pressionavam o Banco Mundial por mais recursos, sobretudo devido ao declnio nos fluxos lquidos de capital para eles. A crise da dvida, como era chamada, ameaava a solvncia da economia mundial e trazia tona a efetividade da assistncia ao desenvolvimento. No Banco Mundial, foi um perodo de predominncia de um discurso contra ineficincias, onde prioridades tinham que ser definidas, decises re-examinadas, buscando novas formas para dar continuidade ao seu trabalho no que se refere ao tema do desenvolvimento em uma economia internacional ameaada 137 . No entanto, os emprstimos de ajuste estrutural, como hoje se sabe ainda melhor, dado o distanciamento histrico e as anlises crticas j realizadas, no seriam capazes de resolver problemas que, obviamente, foram se mostrando mais profundos e menos passageiros. Assim, nesse perodo, mais do que nos anteriores, o Banco enfrentou todos os tipos de crticas, iniciadas sobretudo pelo questionamento das difceis reformas econmicas advogadas para os pases em desenvolvimento. Apesar das suas iniciativas, o presidente Clausen e o Banco teriam sido bastante criticados por no reagir de forma mais ativa para conteno da crise denominada frequentemente de crise da dvida. De sua parte, o governo americano estaria relutante em fornecer fundos da AID e tambm em apoiar um aumento de capital para o Banco. Contam alguns autores que apenas quando James A. Baker tornou-se o novo secretrio do Tesouro dos EUA, em 1985, assumindo a liderana na produo de um plano para lidar coma crise da dvida, houve a percepo de que o Banco Mundial deveria desempenhar um papel importante 138 . De acordo com Maranho, o Plano Baker seria apresentado pelo secretrio na reunio anual conjunta do Banco Mundial e do FMI, em outubro do mesmo ano, em Seul/Coria, e resumiria em trs pontos uma tendncia crescente desde o incio da dcada: enfatiza a necessidade de adoo de polticas macroeconmicas de ajuste e de mudanas estruturais como garantia do pagamento das dvidas; prescreve pela articulao entre FMI, Banco Mundial e bancos transnacionais como o mecanismo central de concesso de emprstimos; e sublinha a permanncia do papel desempenhado pelo Banco Mundial de apoio a expanso de bancos e de empresas transnacionais nos pases do terceiro mundo (Lichtensztejn e Baer, 1987, p.9-10, apud Maranho 2009, p.39). Nesse clima de crticas ao Banco, um novo presidente assume, Barber Conable (1986-1991), anteriormente congressista republicano. Esse seria o primeiro presidente da organizao oriundo da esfera poltica. O conhecimento da poltica muito lhe ajudou como defensor do Banco Mundial nesse perodo 139 . Diante de tantas reprimendas ao Banco Mundial, o discurso de Conable seria o de que a nfase do seu antecessor nas polticas de ajuste estrutural teriam deixado de lado uma dimenso importante do Banco, de luta contra a pobreza. Apesar do tema da pobreza no ter conseguido se fortalecer muito na sua gesto, sobretudo por causa da distncia entre o discurso e a prtica no organismo, teria sido nela que o Banco abraaria novos e resgataria velhos temas importantes, sobretudo, para a elevao da legitimidade da organizao, bastante em baixa: meio ambiente; (novamente) programas de controle do crescimento populacional; o papel da mulher no debate sobre o desenvolvimento; frica, continente com vrios problemas e com uma dvida enorme. Paralelamente, durante a gesto de Conable, o Banco Mundial teria vivido uma das suas maiores reestruturaes organizacionais (Kapur et al, 1997a). Quando assumira a presidncia da organizao, Conable descobriria que os cinco maiores acionistas do Banco (pases membros) teriam se recusado a aprovar o oramento que o seu antecessor deixara dos custos da organizao. Em ambiente de intensa crtica, o Banco Mundial era acusado, agora tambm por seus pases membros, de ser uma organizao inchada, com uma burocracia alm da necessria. Nesse cenrio, Conable, em meados da dcada de 1986, contratara uma consultoria externa para promover as mudanas no sentido de cortar custos e tambm recuperar a eficincia do Banco Mundial. As mudanas internas, que se alongaram por alguns anos, foram sentidas intensamente pelos funcionrios do Banco, entre os anos de 1986/1989. Elas foram consideradas drsticas, causando tenso dentro do ambiente organizacional, com a demisso de cerca de 400 pessoas e necessidade de realocao dos funcionrios restantes em novas posies (Kapur et al, 1997a). A conduo da reorganizao de forma abrupta tambm reforou crticas dentro e fora do Banco 140 . Como se no bastassem todas as censuras de que era alvo, o Banco Mundial estava, justamente no final da dcada, construindo o prdio da nova sede, na qual os custos altos e mudanas no oramento, bem como os atrasos de cronograma, s ajudaram a aumentar as vozes dissonantes. Enquanto a reorganizao ocorria, Conable teria outros desafios, como o das renegociaes de recursos para a AID, sempre difceis. Mas, graas a sua habilidade poltica, encontrou um governo mais sensvel s suas demandas. A chamada crise da dvida continuava e o Plano Baker tambm estaria sendo implementado, principalmente instando instituies financeiras e financiadores comerciais para que novos recursos fossem emprestados para os pases que se engajassem em reformas estruturais aceitveis. No entanto, logo aps o incio do plano, j se comeava a perceber que ele no alcanaria os resultados desejados: os fluxos de capital do setor privado continuavam a diminuir, os recursos locais eram transferidos para investimentos tidos como mais seguros, e a comunidade financeira internacional parecia ctica de que o plano regeneraria os fluxos de capital privado. Nesse contexto, demandas diversas para que as dvidas dos pases de Terceiro Mundo fossem perdoadas comeariam a ser pronunciadas por acadmicos, jornalistas e parlamentares. O governo de Reagan, no entanto, resistiu idia, e Conable seguiu na mesma linha, insistindo que a manuteno das polticas de ajuste iriam, em ltima instncia, promover o crescimento de um fluxo renovado de capital privado. Mas no Annual Meeting de 1987, Conable teve que reconhecer que o processo de ajuste estrutural e a retomada do crescimento estavam ocorrendo mais devagar do que o aceitvel, e assim seria anunciado que o Banco Mundial, junto do FMI, iria oferecer pacotes especiais de reestruturao da dvida. A poltica de ajuste estrutural, de acordo com Pereira (2010b, p.272), passaria a requerer a criao de programas paliativos de compensao social para aliviar, de maneira seletiva e no curto prazo, o impacto regressivo sobre as parcelas da populao mais golpeadas ou mais suscetveis a apoiarem a oposio. Entre as vrias iniciativas, que por sua vez eram bastante contraditrias, operaes comearam a ser organizadas por meio de fundos sociais de emergncia 141 , voltados conformao de redes de segurana (safety nets), palavra que entrou para o lxico do Banco. Nessa linha, aumentaram os desembolsos para financiamentos nos setores sociais (Mundy, 2002). Aqueles para educao e sade primrias, sobretudo aumentaram aps 1987-89. nfase que contribuiu para legitimar essas reas como prioritrias, em detrimento dos demais segmentos da educao e da sade, como veremos na Parte II deste trabalho. Porm, mesmo com os investimentos compensatrios em segmentos do setor social, a situao dos pases, ao longo de 1988, parecia no melhorar, e chamavam a ateno as grandes dificuldades da Argentina e do Brasil para cumprir o servio da dvida 142 . Ainda, tambm fazendo coro s crticas gerais, surgiram algumas advindas de dentro do prprio sistema da Organizao das Naes Unidas (ONU) em relao austeridade monetria e fiscal exigida pelos programas de ajustamento do Banco Mundial e do FMI (Pereira 2010b, p.273). Finalmente, um relatrio da UNICEF intitulado ajuste com rosto humano alcanou grande repercusso no final dos anos 1980 143 . O texto apontava que os programas de ajuste estrutural promovidos pelo Banco Mundial e FMI seriam responsveis pelos nveis reduzidos de investimentos nas reas sociais (sade, educao, nutrio) e que milhes de crianas no mundo todo, sobretudo na sia, na Amrica Latina e na frica estariam sofrendo as consequncias dessas polticas. Como o ttulo sugere, solicitava-se que o ajuste fosse feito de uma forma mais branda. Em um primeiro momento, como j se podia imaginar, economistas do Banco Mundial refutaram o relatrio, afirmando a necessidade de se distinguir entre os custos sociais decorrentes das medidas corretivas e os custos gerados pelo desequilbrio macroeconmico per si (Pereira, 2010b, p. 274). Porm, vindo a crtica de dentro do sistema das Naes Unidas, a partir daquele momento, os altos expoentes do Banco deixaram de dizer em pblico que o ajuste simplesmente era bom para os pobres (Pereira 2010b, p.274). Adicionalmente, grupos de ativistas comeavam a criticar tambm o impacto das aes do Banco com relao ao meio ambiente, focando, em particular, em dois projetos: o programa Polonoroeste, na Amaznia, Brasil, a Barragem de Sardar Savorar no Rio Narmada, na India, e o projeto de transmigrao e barragem Kedung Ombo, na Indonsia (Toussaint, 2008), entre outros 144 . O Banco, que antes se via orgulhoso com um discurso contra a pobreza (evitando ter em conta as contradies desse discurso com as medidas de ajuste fiscal e reduo dos gastos sociais), tornou-se alvo de crticas, de vrias frentes. Mas foi justamente nessa temtica, do meio ambiente, que o Banco encontrou espao para alguma manobra iniciando, a tambm, algumas aes. A partir de ento, o Banco assumiria uma posio no de evitar projetos com implicaes ambientais, mas de se tornar totalmente empenhado em fortalecer as salvaguardas ambientais 145 . No entanto, precisaria de mais elementos para convencer os ativistas mais crticos, visto que o seu histrico no era nada bom nesse sentido: apenas na India, o Banco Mundial teria financiado 32 projetos envolvendo o desalojamento de 600.000 pessoas de 1978 a 1990, conforme afirmara Toussaint (2008). As repercusses sobre as crticas ao Banco, nesse contexto, tambm tornavam-se cada vez mais mundiais. Em 1988, a Assemblia Anual do Banco Mundial e do FMI em Berlim Ocidental foi acompanhada por cerca de 80.000 manifestantes que denunciavam as suas polticas anti-sociais, e a repercusso desses eventos na mdia de fato abalava a imagem do Banco Mundial. Seria essa a primeira demonstrao de massa contra as Instituies de Bretton Woods (Toussaint, 2008, p.181). As maiores crticas referiam-se s polticas de ajuste estrutural e consequente deteriorao do padro de vida das pessoas ajustadas nos pases em desenvolvimento (Toussaint, 2008, p.181). Mas mesmo dentro do Banco j havia vozes dissonantes. Em 1989 o escritrio africano do BIRD publicaria um relatrio de avaliao crtico (Sub-saharan Africa: from crisis to sustainable growth) dos fracassos da implementao das reformas na frica na dcada anterior, que ganhara grande repercusso. Com a mudana de governo e entrada da nova administrao de George H. W. Bush (1989-1993), o seu novo secretrio do tesouro, Nicholas Brady, anunciou uma nova iniciativa que reverteria, em parte, a posio do governo norte-americano, e proporia algum mecanismo atravs do qual pases especficos, previamente selecionados, pudessem trabalhar com programas de alvio da dvida 147 . At o final da gesto de Conable, cinco pases tiveram planos de reduo da dvida elaborados, e o Banco estava totalmente alinhado com o governo norte-americano com relao temtica da crise da dvida. At meados da dcada de 1980, a posio do governo norte-americano seria sobretudo de no intervir na negociao das dvidas externas, mas os dois Planos formulados pelo tesouro do Estados Unidos, a partir desse perodo, dariam incio a revises analticas sobre a crise da dvida (Maranho, 2009, p.41) 148 Porm, um acontecimento histrico de importncia mpar marcaria o perodo, transformaria profundamente o Banco Mundial e, mais uma vez, lhe daria novo flego: a dissoluo da URSS em 1989 e, consequentemente, o fim da Guerra Fria. Em termos mais amplos, como disse Phillip Jones (1997), a possibilidade real do fim do comunismo daria lugar a um discurso ainda mais incisivo com relao defesa de uma economia global. Mais ainda: o Banco participara diretamente de toda a movimentao poltica no Leste Europeu, atuando no processo de uma avaliao das necessidades da economia sovitica; abriria, ainda, um escritrio em Moscou em 1991, e a maioria dos Estados da antiga URSS se tornaria membro do Banco Mundial em 1992, com a denominao reveladora de economias em transio . Aproveitando o novo clima a favor da integrao econmica mundial, o presidente Conable termina a sua gesto pensando em uma economia integrada, na qual se poderiam reduzir gastos militares e investir recursos em aspectos da governana que impediriam o desenvolvimento e prejudicariam a qualidade de vida: accountability, transparncia, previsibilidade, aderncia a rule of law, temas que vieram a dominar o discurso do banco nas dcadas seguintes. No pano de fundo, parece que integrao econmica e paz mundial, como nos primrdios, so novamente mobilizadas como possveis e essenciais para a manuteno do capitalismo. Com as economias em transio (27 novos pases-membros) ao seu lado, o Banco Mundial e o FMI puderam se dar ao luxo de descrever com clareza, conforme relata Jones (1997, p.126), a sua agenda global para a transformao econmica, qual seja, a adoo e a consolidao mundial de um modelo particular para guiar polticas econmicas, polticas e sociais, um modelo para o qual a disciplina do mercado aberto era mais confivel que o planejamento e responsabilidade pblicas, cujo papel precisava ser definido em termos de como economias orientadas para o mercado deveriam idealmente funcionar. Para Jones (2007), o final da Guerra Fria possibilitaria ao Banco Mundial explicitar suas posies sobre polticas econmicas e sociais e assim ele, que por muito tempo evitava prescries polticas ousadas, no podia mais esconder sua agenda: enquanto nada de fundamental mudava, os fundamentos estavam agora mais visveis (Jones, 1997, p.126). Com a necessidade de integrar as economias em transio no sistema econmico global, as estratgias de ajuste estrutural se tornaram mais explicitamente conhecidas como uma maneira de garantir a menor variao possvel nos fundamentos econmicos, e consequentemente polticos, mundiais. O final da dcada de 1980, na esteira dos acontecimentos que vinham ocorrendo desde o inicio da dcada de 1970, seria marcado por mudanas de propores to incrveis que o historiador Eric Hobsbawm tomaria esse perodo como o que marcaria o final do breve sculo XX: no h como duvidar seriamente de que em fins da dcada de 1980 e incio da dcada de 1990 uma era se encerrou e outra nova comeou (1995, p.15). Aps aproximadamente trs decnios de extraordinrio crescimento econmico e transformao social, anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro perodo de brevidade comparvel [referindo-se, como mencionado anteriormente, ao que chamou de Era dourada] , a ltima parte do sculo XX seria como uma nova era de decomposio, incerteza e crise e, com efeito, para grandes reas do mundo, como a frica, a ex-URSS e as partes anteriormente socialistas da Europa, de catstrofe. medida que a dcada de 1980 dava lugar de 1990, o estado de esprito dos que refletiam sobre o passado e o futuro do sculo era de crescente melancolia fin-de-sicle (Hobsbawm, 1995, p.15-16). Apesar de o colapso do socialismo sovitico e suas enormes conseqncias serem assuntos dramticos das dcadas de crise que se seguiram Era de Ouro, essas iriam ser dcadas de crise universal ou global (1995, p.19). Isso porque a crise afetou as vrias partes do mundo de maneiras e em graus diferentes, mas afetou a todas elas, fossem quais fossem suas configuraes polticas, sociais e econmicas, porque pela primeira vez na histria a Era de Ouro criara uma economia mundial nica, cada vez mais integrada e universal, operando em grande medida por sobre as fronteiras de Estado (transnacionalmente) e, 123portanto, tambm, cada vez mais, por sobre as barreiras da ideologia de Estado (1995, p.19). Nesse contexto, o processo de globalizao econmica se consolidava. Devido a isso, idias e crenas consagradas nas instituies de todos os regimes e sistemas, ficariam solapadas (Hobsbawm, 1995, p.19). Como escreveu Hobsbawm, se inicialmente se achava que a crise seria pontual e temporria, aos poucos foi ficando cada vez mais claro que se tratava de uma era de problemas de longo prazo, para os quais os pases capitalistas buscaram solues radicais, muitas vezes ouvindo telogos seculares do livre mercado irrestrito, que rejeitavam as polticas que to bem haviam servido economia mundial durante a Era de Ouro e que agora pareciam estar falhando. Os fanticos do laissez-faire tiveram tanto xito quando os demais. Na dcada de 1980 e incio da de 1990, o mundo capitalista viu-se novamente s voltas com problemas da poca do entreguerras que a Era de Ouro parecia ter eliminado: desemprego em massa, depresses cclicas severas, contraposio cada vez mais espetacular de mendigos sem teto a luxo abundante, em meio a rendas limitadas de Estado e despesas ilimitadas de Estado. Os pases socialistas, agora com suas economias desabando, vulnerveis, foram impelidos a realizar rupturas igualmente ou at mais radicais com seu passado e, como sabemos, rumaram para o colapso. (Hobsbawm, 1995, p.19). Nesse clima, outro evento importante seria anunciado, e que no apenas repercutiria nos prximos anos, mas marcaria, junto das polticas de ajuste estrutural, a histria do Banco: um encontro com representantes do Departamento do Tesouro, do Banco Mundial, do FMI, do BID, da USAID e dos principais think tanks 150 estadunidenses para uma avaliao das medidas em vigor, no qual, segundo Pereira, registrou-se entre eles o acordo amplo sobre o pacote de reformas de poltica econmica em curso em praticamente todos os pases da Amrica Latina e do Caribe, bem como a necessidade de se acelerar a sua execuo dentro e fora da regio. As prescries receiturio, publicadas em 1990, ficaram conhecidas como Consenso de Washington. importante relembrar, como assinala Maranho (2009, p.40), que reformas orientadas por esse iderio que tinham como base a austeridade fiscal, privatizao, e liberalizao da economia j estavam em andamento no mundo anglo-saxo e tinham sido aplicadas de modo disperso na Amrica Latina (do que o caso do Chile sempre paradigmtico, mas, aps a crise de 1982, o Mxico tambm seria um exemplo), alm de estarem presentes na base dos emprstimos concedidos pelo FMI aos pases endividados 151 . Ainda, recomendava-se o fim da poltica de substituio de importaes, a reduo do gasto pblico (em geral, mas com efeito especial no setor social), e reformas fiscais para a abertura da economia) (Cf. Stiglitiz, 2002, apud Maranho, 2009, p.40). O Consenso de Washington consistiria, em termos gerais, na desregulamentao do mercado, da reduo do Estado a um tamanho e funes mnimas, com a privatizao de organizaes estatais. Em meio discusso sobre a mudana no papel do Estado, e suas relaes com o mercado e a sociedade, algumas questes de fundo, nem sempre explicitadas, eram fundamentais: quem seria responsvel pelo financiamento de que tipo de servio? O que deveria ser provido pelo Estado? O que deveria ser delegado ao mercado? Segundo Pereira, Elaborado sobre os escombros do muro de Berlim e embalado pelo discurso do fim da histria, o declogo rapidamente ganhou o status de paradigma nico do capitalismo triunfante, servindo para enquadrar os governos dos pases da periferia a um programa poltico cujos pilares eram a liberalizao da economia mundial ao fluxo de bens, servios e capitais e a reorientao e remodelagem do Estado como provedor de um marco normativo que garantisse a segurana e a rentabilidade dos negcios privados. No conjunto, o consenso sintetizava o fim da tolerncia de Washington com o nacionalismo econmico pelo mundo afora e o ataque do capital contra o conjunto de direitos sociais e trabalhistas forjados no ps-guerra. O fato de que o declogo no tivesse coerncia do ponto de vista lgico em nada diminuiu a sua fora normativa. Na Amrica Latina, ao longo de toda a dcada de 1990, as idias e prticas neoliberais deram o tom do debate poltico, sendo disseminadas e, em parte, incorporadas em vrios pases 153 . Apesar das diferenas entre os pases na forma e profundidade das reformas, foi um perodo em que todos os debates passavam pela discusso da reforma do Estado e das suas relaes com o mercado, numa convergncia incrvel em prol das economias de mercado. No que se refere ao Banco Mundial, suas idias se disseminavam em seus relatrios e documentos. Ainda, como assinala Maranho (2009, p.42-3), no momento de difuso mundial do receiturio neoliberal, as instituies financeiras internacionais em especial o Banco Mundial, com seu alto financiamento a programas de pesquisa tornaram-se importantes porta-vozes da reflexo de uma suposta comunidade internacional e se transformaram no principal espao de formulao de polticas econmicas e sociais. Contudo, diante das crticas intensas e das mobilizao social contras as polticas de ajuste, o Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial de 1990 aps quase 10 anos de silencio sobre a temtica da pobreza (Toussaint, 2008) traz novamente o tema da pobreza como central. Ele foi lido por alguns como emblemtico da forma como o Banco Mundial concebia as mudanas em voga: a partir da separao entre a poltica econmica e a social, previa-se um modelo de alvio compensatrio da pobreza que se consolidaria como marco de referncia para os Estados clientes, vinculado neoliberalizao do Estado e das polticas sociais (Arantes, 2004). O diagnstico era de que para os pobres desses pases, os anos 1980 foram uma dcada perdida (WDR, 1990, p.iii). O texto, ainda assinado por Barber Conable, continua: Uma reviso da experincia de desenvolvimento mostra que a forma mais efetiva de alcanar melhorias sustentveis rpidas e sustentveis na qualidade de vida para os pobres tem sido atravs de uma estratgia em duas partes. A primeira parte da estratgia a busca de um padro de crescimento que garanta o uso produtivo do bem mais precioso do pobre trabalho. O segundo elemento e a proviso aos pobres dos servios sociais bsicos, especialmente educao primria, cuidados bsicos de sade, e planejamento familiar. O primeiro componente prov oportunidades; o segundo aumenta a capacidade do pobre de aproveitar essas oportunidades. A estratgia deve ser complementada por transferncias bem orientadas, para ajudar aqueles que no so capazes de se beneficiarem dessas polticas, e por redes de segurana, para proteger aqueles que esto expostos a choques. Apesar de as polticas domsticas serem crticas na reduo da pobreza, a assistncia internacional necessria para dar apoio aos esforos dos pases. Simplesmente aumentar os recursos, no entanto, no resolver o problema. O auxlio mais eficaz quando ele complementa os esforos dos destinatrios. A alocao do auxlio deveria ser mais estreitamente ligada ao compromisso de um pas de prosseguir programas de desenvolvimento voltados para a reduo da pobreza (WDR, 1990, p.iii, grifos meus) 154 . A partir desse relatrio, ficaria mais claro que, na poltica do Banco Mundial, a nova poltica social, alm de ser vista como um gasto, visaria impedir uma deteriorao ainda maior de suas condies de vida, assumindo um carter compensatrio e assistencialista (em vez de incorporar os estratos mais pobres da populao em condies satisfatrias de emprego e renda) (Pereira, 2010b, p. 275; Arantes, 2004). No mesmo perodo, ganhou fora a tese de que a eficcia da gesto pblica dependia da parceria com organizaes sociais e a participao da sociedade civil (ONGs e associaes voluntrias) Entre os anos de 1980 e 1994, a quantidade de projetos que tinham a cooperao de ONGs cresceu de 6% para quase 50% (Pereira 2010 b, p.275), mudando radicalmente a configurao do Banco 155 . Tambm seria Conable quem comea a se referir boa governana, sinalizando j algumas mudanas na poltica de Washington no final dos anos 1980 (Toussaint, 2008, p.181). Vale, aqui, um breve apontamento. O fato de todos esses acontecimentos terem ocorrido em um contexto de acirramento do processo de globalizao econmica possibilitou que ele fosse, muitas vezes, confundido e limitado ao prprio neoliberalismo, e no compreendido como um processo social mais amplo. De um lado, evidente que entre globalizao e neoliberalismo h vrios vnculos, principalmente de ordem ideolgica, pois seus caminhos insistiram em se cruzar. O fato de agentes da esfera econmica serem os mais nitidamente interessados e ativos e tambm os divulgadores mais entusiastas prova disso. De outro, h importantes diferenas entre os dois termos 156 . O problema seria limitar o processo de globalizao sua dimenso ideolgica, visto que um processo social, e como tal tem uma dimenso histrica 157 . Ainda, no nunca homogneo, tampouco harmonioso, isento de conflitos. Nele se inserem interesses e instituies (Ortiz, 2009, p.248). E nesse contexto, o processo de globalizao estava em andamento, e trazia caractersticas especficas. A gesto de Lewis Preston (1991-1995) na presidncia do Banco Mundial ainda acompanharia tempos difceis na instituio: como no perodo anterior, uma srie de crticas externas e tambm internas surgiam e ganhavam cada vez mais repercusso. Preston, indicado por George H. W. Bush, sairia do cargo de CEO da J.P.Morgan & Co, onde teria feito carreira na direo (Toussaint, 2008), para uma instituio bastante diferente. O clima interno, no Banco Mundial, no era dos melhores. Externamente, em um novo cenrio, com um enorme crescimento de recursos privados no mercado financeiro internacional, comearia a emergir um debate em torno do papel do Banco Mundial, com questionamentos, vindos at mesmo de dentro do governo, sobre a necessidade da sua manuteno. O Banco Mundial, por sua vez, graas a sua capacidade de absoro dos temas e problemas econmicos, polticos e sociais mais amplos, e de adaptao mpar do seu discurso, o que pode ser condensado na palavra porosidade que usei no incio do texto, mobilizaria mais uma vez uma srie de mecanismos para demonstrar a sua relevncia. Embalado pelo Consenso de Washington, mas sobretudo por conta da dissoluo da URSS, esse foi um dos momentos de maior expanso da histria do organismo 158 . Como mencionaria Preston, no seu primeiro discurso como presidente do Banco Mundial, no Encontro Anual do FMI e Banco Mundial de 1991, A reduo da pobreza, com o que eu pessoalmente estou profundamente comprometido, continua sendo o objetivo primordial do Grupo Banco Mundial.[...] O Banco Mundial leva em conta o interesse dos pobres para que o crescimento seja equitativo; aspectos ambientais para que o desenvolvimento seja sustentvel... e o papel das mulheres que so vitais para o esforo do desenvolvimento. O futuro promissor, visto que o mundo agora apenas um aps a queda do Muro de Berlim (citado em Toussaint, 2008, p.182). Um mundo novo, de economia integrada, como mencionei anteriormente, parecia enfim surgir como possibilidade concreta para o Banco e domina o seu discurso. Com o desaparecimento da URSS e o esgotamento da diviso bipolar do mundo, os limites para a sua consolidao estariam eliminados. O entusiasmo com a esperada integrao econmica despontava nos discursos e documentos do perodo. O desafio do Banco parecia ser o de integrar os pases do Leste Europeu no mundo globalizado (Toussaint, 2008). A entrada dos pases em transio como membros do Banco era uma grande conquista, e demandaria mudanas internas para acomodar os novos membros e futuros clientes, com a criao inclusive de uma nova vice-presidncia regional para atend-los. O BIRD aumentaria em 24 pases membros e a AID em 20 novos pases 159 . Durante essa gesto, muitos pases do Leste Europeu teriam recebido o seu primeiro financiamento do Banco Mundial, e a quase totalidade dos emprstimos estariam ligados transio das economias socialistas para economias de mercado, envolvendo componentes de assistncia tcnica, importaes crticas, emprstimos de reabilitao, construo institucional e recuperao econmica, novos temas. Ainda nesse perodo, o Banco aumentou a sua presena nos pases membros estabelecendo misses residentes nos pases, como em Moscou, Nicargua, Egito, Bulgria, Romnia, Budapeste, Albnia, Uzbequisto, Jamaica, e frica do Sul. O rpido crescimento do nmero de pases membros, como a histria do Banco j ensinava, demandava um novo aumento no quadro de funcionrios, e, mais uma vez, outra reorganizao parcial do Banco. Ainda, foi nessa gesto que se renegociou a retomada de emprstimos ao Vietn, o retorno ps-apartheid da frica do Sul para a carteira do Banco (em negociao com Nelson Mandela), a instituio de um programa de apoio entre o West Bank e Gaza, a negociao do primeiro emprstimo para o Lbano, entre outros. Paralelamente, podia-se perceber o investimento do Banco em iniciativas que pudessem melhorar a sua imagem, como seria exemplo o fato de ter tornado pblicas algumas das suas deficincias expostas atravs de uma investigao interna que ele mesmo promovera sobre a eficcia da sua carteira de crdito 160 , e a criao de um Painel de Inspeo em 1993, que permitiria que qualquer pessoa afetada por qualquer projeto financiado pelo Banco fizesse reclamaes sobre o mesmo. Seria uma porta de entrada para o questionamento da aderncia institucional s suas prprias regras e processos operacionais, agora possveis de escrutnio (Woods, 2006, p.9) 161 . Ainda, dando continuidade ao incio da atuao com relao temtica do meio ambiente, o organismo se engajaria ao Global Environment Facility (GEF), um programa cooperativo entre o Grupo Banco Mundial, a UNDP (United Nations Development Program), e a UNEP (United Nations Environment Programme) 162 , buscando estreitar relaes do Banco Mundial com algumas agncias das Naes Unidas o que tambm ocorreria na rea de educao, com o Educao para todos, que analisarei na Parte II desta tese. O Banco assumiria posio de destaque na reunio ECO 92 (1992 Rio Conference on Environment and Development, the "Earth Summit"), e o seu WDR de 1992 foi sobre o tema do meio ambiente. Da mesma forma, relaes entre pobreza e meio ambiente, reassentamento de terras, populaes indgenas comearam a fazer parte de alguns documentos do Banco, e ele se juntou Assemblia Geral das Naes Unidas, em 1993, na promoo de 1993 como o Ano Internacional dos Povos Indgenas do Mundo (International Year of the World's Indigenous Peoples). Crescia fortemente o estabelecimento de programas para criar parcerias com outras organizaes internacionais, com governos, com organizaes no-governamentais e organizaes indgenas para melhorar as condies de vida dos ndios. O Banco patrocinou uma srie de eventos para realar o tema, e instituiu polticas ligadas ao discurso de proteo dos povos indgenas. Temas antigos, como sade, educao (com nfase na educao de meninas buscando trazer a questo da mulher para o debate sobre desenvolvimento), planejamento familiar e outros servios sociais encontravam tambm o seu espao na agenda. Estabeleceram-se novas unidades nas reas de recursos humanos, desenvolvimento ambientalmente sustentvel e promoo do setor privado. A partir dessa gesto, tambm, algumas palavras comeariam a fazer parte, mais frequentemente, do lxico do Banco Mundial, como seria o caso de transparncia. Foi nesse perodo que uma nova poltica sobre divulgao das informaes do Banco foi elaborada, e o primeiro Centro de Informaes Pblicas do Banco Mundial foi aberto. Alm disso, estabeleceu-se um programa para aperfeioar o uso interno da tecnologia da informao, e em breve, com o avano da internet, o Banco comearia a se utilizar tambm desse meio para expandir sua possibilidade de comunicao externa, apesar de todas as limitaes dessas iniciativas. Com relao aos funcionrios, o discurso destacava uma maior insero das mulheres nas funes de gesto, dialogando com os debates sobre gnero. Em paralelo a todas as mudanas que comeavam a ser sinalizadas, mais uma mudana, dessa vez no sentido totalmente literal do termo, seria encampada com a finalizao da construo da nova sede do Banco: mais de 4.000 funcionrios mudaram para o novo prdio em um perodo de seis meses (Kapur et al, 1997a). Em resposta a todas as controvrsias geradas pela construo do novo prdio e seus altos custos, Preston criaria um time para investigar e examinar os problemas e relatar os resultados aos seus acionistas (shareholders, termo cada vez mais em uso). Os esforos realizados no perodo, alguns deles bastante distintos dos realizados em perodos anteriores, pareciam querer sinalizar, na verdade marcar, uma imagem de um Banco distinto daquele que levantou tantas crticas nos ltimos anos: um Banco menos autoritrio e impositivo, mais flexvel e aberto. Todos os investimentos iam no sentido de resgatar a sua legitimidade. No entanto, a memria recente da dcada anterior e ainda a repercusso das reformas nos pases em desenvolvimento, todas na direo de uma abertura de mercado e reviso do papel do Estado, cunhadas de neoliberais, no possibilitavam que os nimos das crticas se acomodassem. Com a aproximao do aniversrio de cinquenta anos do Banco Mundial, uma campanha ganha enorme visibilidade mundial, Fifty years is enough! 163 , e grandes protestos comearam a ocorrer, culminando nas manifestaes que ocorreram na comemorao do aniversrio no Encontro Anual (Annual Meetings) em Madrid (Toussaint, 2008) 164 . 1.4. O Banco em crise: descentralizao, discurso de promoo de uma globalizao no excludente e busca por legitimidade (ps-1995). A estrutura bsica da economia global crescentemente separada de e atravessa as fronteiras da estrutura poltica do mundo. O que ns temos atualmente , de fato, um sistema dual: o oficial das economias nacionais dos Estados, e o real mas em grande medida no oficial das unidades e instituies transnacionais como o FMI e o Banco Mundial, que so ambos globais em termos de referncias, mas ainda dependentes do sistema de Estados, ou melhor, dos Estados mais ricos dentro dele, e em especial dos Estados Unidos. (Eric Hobsbawm, 1998, p.5, traduo livre da autora). Com a sada de Preston, o democrata Bill Clinton, ento presidente dos Estados Unidos, indicaria James D. Wolfensohn, outro banqueiro de Nova York, para a presidncia do Banco Mundial 165 . Wolfensohn, nascido na Austrlia e naturalizado americano, ficaria no cargo pelos prximos dez anos (1995-2005) 166 . Seria na sua presidncia que o Banco Mundial investiria, novamente depois um certo interregno aps a gesto de McNamara mais fortemente no discurso do combate pobreza 167 . Wolfensohn torna-se presidente do Banco em um perodo no qual a organizao deveria restaurar a sua imagem pblica (Toussaint, 2008, p.185). Alm de as polticas de ajuste fiscal serem alvo de notcias crticas nos jornais, das crticas vindas dos movimentos sociais e ONGs e tambm das crticas internas, o Banco ainda sofria crticas da ultradireita. Segundo Pereira (2010a, p.336), seus partidrios argumentavam que, diante da globalizao financeira, o Banco deixara de ser relevante como emprestador para o setor pblico. Isso porque, se em 1995 o Banco teria movimentado cerca de US$22,5 bilhes em emprstimos, um valor considervel se comparado a outras IFIs e agncias bilaterais de ajuda, o fluxo financeiro de capital privado para os pases da periferia, no mesmo ano, teria sido em torno de US$206 bilhes (Pereira, 2010, p.336) . Paralelamente, uma nova srie de crises financeiras comeava a alcanar os pases em desenvolvimento. Seria necessrio ao Banco, no sentido de garantir a sua existncia, que fosse possvel mobilizar, de alguma forma, algo que resgatasse o sentido da sua preservao e recuperasse a legitimidade da instituio com fora. Seria necessrio, dentro da sua lgica, defender a sua imagem. Nesse contexto, a gesto de Wolfensohn retomou temas que promoveriam o valor da instituio e tirassem o foco das reprimendas. Seria necessrio conduzir o Banco em novos termos. Assim, nesse sentido e nesse contexto, o tema, novamente, da reduo da pobreza seria recuperado com nfase, agora acompanhado de todo um corolrio da boa governana e seus apndices, mobilizados e reforados para mostrar a importncia do Banco no mundo. Em sua autobiografia, com o interessante ttulo A global life: my journey among rich and poor, from Sydney to Wall Street to the World Bank (Wolfensohn, 2010), Wolfensohn, j ex-presidente do Banco Mundial, recupera momentos importantes da sua vida, e dedica vrios captulos sua experincia no organismo. D a sua chegada na prestigiosa posio de presidente do Banco o valor de uma misso que ainda lhe faltava enfrentar. Termina a sua jornada com uma atividade de carter mais humanitrio, buscando identificar as razes da pobreza no mundo. Em meio s inmeras crticas que o Banco sofria no perodo, Wolfensohn projeta uma imagem de algum que viajaria o mundo tentando promover a misso de combater a pobreza e de ajudar os mais pobres a forjar uma vida melhor. Apesar de, como os outros ex-presidentes do Banco, Wolfensohn ter tambm passado pelo setor financeiro de Wall Street 170 antes de chegar ao cargo, chama a ateno, se o comparamos os seus antecessores, algumas diferenas. Elas comeariam pelo perfil mais ecltico 171 , de quem se orgulha de ter dirigido o Washingtons Kennedy Center e ser msico amador (tocava violoncelo), mas no to amador que no pudesse fazer suas apresentaes pblicas, como descreve 172 . Alm disso, parece ter sido um presidente que tentou gerir o Banco Mundial com alguma autonomia, como, alis, geria os seus prprios negcios antes do cargo no Banco Mundial. Seus esforos, apesar da sua auto-avaliao otimista, encontraram vrias barreiras (Toussaint, 2008). O seu relato interessante por apontar vrias mudanas e tambm algumas permanncias na conduo dos negcios do Banco. Antes de assumir a presidncia do Banco, Wolfensohn teria feito uma visita ao seu antecessor, Preston, de quem teria recebido alguns conselhos: um primeiro seria relacionado aos feudos presentes na burocracia do Banco, que funcionariam com certa independncia das definies do presidente da organizao e que dificultaria a implantao de mudanas; um segundo e valioso conselho, seria o de que ele no deveria deixar que os interesses dos Estados Unidos influenciassem indevidamente as tomadas de deciso do Banco Mundial (Wolfensohn, 2010). Preston teria lhe dito que, apesar dos Estados Unidos ainda serem o maior acionista do Banco (com aproximados 16% dos votos na poca), o nmero de pases membros teria expandido enormemente com a entrada dos pases antes pertencentes ao bloco comunista, e outros pases em desenvolvimento como a ndia, a China e o Brasil, alm de pases em rpido desenvolvimento na frica estariam ficando cada vez mais insatisfeitos com o Banco. Enquanto se achava que o maior desafio teria vindo das ONGs, Preston dizia que eram os ministros das finanas dos pases em desenvolvimento quem mais lhe desafiaram: convocaram um encontro na periferia da cidade para protestar contra a dominao dos pases ricos do G7 173 e demandar mais voz no financiamento multilateral 174 . Eis o conselho final de Preston, nas palavras de Wolfensohn: parte do meu trabalho, ele disse, seria trabalhar com os outros principais acionistas (shareholders) do Banco para desenvolver um contrapeso efetivo para a influncia dos Estados Unidos. (Wolfensohn, 2010, p.263). Logo que assumiu, o Banco teve que se defrontar, e de forma direta, com mais uma crtica. Wolfenshon, gestor experiente no setor privado, parecia ter um diagnstico dessa organizao bastante similar ao que muitos faziam dos corpos dos Estados nacionais: de que ali havia uma burocracia fechada, acomodada e auto-interessada. Assumindo o novo cargo, Wolfensohn logo anunciou as suas prioridades: precisavam transformar o Banco em uma organizao que, embora consciente da sua gesto financeira, estivesse motivada e dirigida por ideais, e a pobreza seria o centro da agenda, demandando que os funcionrios olhassem para fora e no apenas para dentro da organizao Wolfensohn menciona ter sido inequvoco e direto, atacando a complacncia e a insularidade da organizao 175 . Anunciava que seria essencial que o Banco Mundial financiasse com prudncia e continuasse sendo rentvel/lucrativo, mas, nas suas palavras, ns todos trabalhamos no Banco porque nos preocupamos com o mundo. (...) Ns nos preocupamos com a pobreza, com o meio ambiente, com justia social e outras questes que constituem os sonhos dessa organizao. Eles deveriam ser nossas luzes de orientao (Wolfensohn, 2010, p.267-8). Em um contexto no qual, como mencionado, as crticas ao Banco j eram bastante intensas, Wolfensohn descreve que os funcionrios estavam apreensivos com a sua chegada, pois, internamente, tambm havia um histrico recente de mudanas e reorganizaes a cada troca de presidente. Aps deixar no ar consideraes sobre possveis demisses e mudanas internas (avisando que s se pronunciaria aps conhecer melhor o Banco internamente, o que lhe tomaria ao menos uns seis meses), e apontar que a organizao estava vivendo uma atmosfera interna venenosa 176 , Wolfensohn percebeu que sua primeira fala no fora bem recebida: alm de os funcionrios temerem por seus trabalhos confortveis, muitos dos seus colegas, principalmente os mais antigos, acreditavam j saber qual era a misso do Banco e estavam engajados com questes importantes a cada dia de trabalho, sem precisar que um novo chefe entusiasmado lhes dissesse onde ir. Conforme descreve, Wolfensohn sabia que estava jogando uma granada em uma cultura arraigada (Wolfensohn, 2010, p.268). Acostumado a dirigir grandes empresas privadas sobretudo a sua, onde certamente tinha bastante autonomia de deciso , Wolfensohn parecia se ver em uma misso especial, totalmente dentro do jargo corporativo disponvel nos best sellers empresariais. Dizia-se consciente do que estava fazendo e queria incutir um sentido de misso antes que decidisse qual rumo de ao especfico gostaria de dar organizao: eu sabia que a maior parte das pessoas que trabalhava no Banco tinha um profundo sentido de misso e desejava explorar esse reservatrio (Wolfensohn, 2010, p.269). Ele queria, nas suas palavras, mais humanidade e menos sentimento de que estavam numa mquina burocrtica. Eu no queria ser figura decorativa e sim um lder de um time de gesto (Wolfensohn, 2010, p.269). Via pessoas mais jovens e em incio de carreira com mais vontade de desviar de prticas aceitas, contrapondo o perfil dos funcionrios mais antigos, acomodados s velhas prticas. Porm, a percepo de Wolfensohn seria distinta e, conforme narra, teve que se adaptar a uma organizao grande e com muitos feudos 177 . Cada uma das instituies separadas que comporiam o Banco Mundial teria grupos (o autor usa constantemente a palavra feudos) que teriam evoludo ao longo dos anos. Dentro do Banco, cada diviso regional teria a sua prpria viso, abordagem, especialistas e funcionrios, sendo presidida por um vice-presidente diferente. Outros departamentos da matriz trabalhariam quase que autonomamente, sob chefes poderosos, e na conduo de pesquisa e desenvolvimento em reas como educao, sade, infra-estrutura, meio ambiente, macroeconomia e comrcio. Com dezenas de especialistas em cada regio e disciplina, alguns dos mais renomados do mundo, o Grupo do Banco Mundial seria de longe a maior instituio de desenvolvimento do mundo, superando agora tambm em nmero de pessoas, mas ainda mais em profundidade da especialidade, a UNDP e os bancos regionais (como o Banco de Desenvolvimento da sia, o BID, o Banco de desenvolvimento da frica, entre outros) 178 . Mas lhe faltaria um foco, uma misso primordial, fruto da desconexo entre o Conselho de Diretores Executivos, o prprio Banco e o presidente (Wolfensohn, 2010, p.272). O Banco seria conduzido por um corpo de funcionrios permanente, pelos vice-presidentes a partir dos seus feudos individuais; esses, por sua vez, no falariam muito uns com os outros e teriam poucas reunies, e as que ocorriam no seriam fruns para trocas abertas. Mas, segundo Wolfensohn, eles partilhariam uma concepo, que seria a de manter tanto o Conselho quanto os presidentes do Banco relativamente distantes. Esses vice-presidentes teriam visto presidentes e diretores executivos entrarem e sarem da organizao; e como burocratas de carreira eles saberiam que sempre podiam durar mais do que as pessoas com cargo de indicao, ento se tinha pouca accountability para o Conselho e mesmo para o presidente, para alm do momento de aprovao dos projetos nas reunies do Conselho (Wolfensohn, 2010, p.272). Nesse sentido, no deixa de ser interessante aproveitar as impresses descritas por Wolfensohn para fazer uma reflexo: ao mesmo tempo em que o prprio Banco Mundial, que a essa altura j h alguns anos estava embalado em crticas aos seus clientes, Estados nacionais, e proposio de polticas para reformar as suas prticas e melhorar a sua eficincia, acaba por ter um presidente que, oriundo do mercado financeiro, no deixa de dirigir ao Banco algumas crticas semelhantes as que este dirigira aos pases: o Banco Mundial, para os padres de Wolfensohn, era grande (j com seus 10.000 funcionrios) 179 , complexo, tinha uma burocracia auto-interessada, acomodada a velhas prticas. Seu interesse seria, primeiro, tornar a pobreza o foco do Banco, e, segundo, no recorrer a intermedirios para compreender as questes no campo, diretamente nos pases (2010, p.274). Assim, tentou criar um padro de viagem em que encontrava os lderes dos pases e funcionrios do governo, alm de outros que trabalhassem com desenvolvimento, mas, em geral, somente aps alguma visita de campo, para conhecer os projetos e funcionrios locais (Wolfensohn, 2010, p.274). No seu discurso, Wolfensohn pretendia aprender com todos os nveis do staff local do Banco, para que pudesse se engajar diretamente com os que servia (2010, p.274). Mas, na sua misso, seria na frica, descreve Wolfensohn (2010, p.274), que a sua educao teria se iniciado verdadeiramente. Numa primeira visita a Mali, o chefe da vila lhe teria dado presentes e lhe falado dos desafios da vila: falta de gua, caminhadas longas que as mulheres faziam para encontrar madeira para fazer o fogo, instalaes frgeis para sade e educao. Muita pobreza e uma declarao percebida por Wolfensohn como honesta do presidente do pas de que tudo o que entrava de recurso era utilizado para pagar a dvida externa. A, Wolfensohn explicita a posio que fica evidente em todo o livro, de algum que est avaliando e julgando o que encontra a partir dos seus prprios parmetros morais. Seu olhar demasiadamente etnocntrico ficaria mais explcito, no entanto, na visita seguinte. Na Costa do Marfim, a situao de pobreza era similar, mas um contraste com a situao de Mali. Sado de Washington para visitar a Costa do Marfim, Wolfensohn teria se chocado com a vida prdiga dos reis e governantes, e com a festa suntuosa que esses teriam lhe oferecido no palcio em Abidjan (com champanhe importado e relgios de ouro). Wolfensohn descreve como chocante a situao dos dois pases, e outros pases pobres da frica, com relao situao da dvida (o que os economistas chamariam, segundo ele, de overhanging debt). Cito na ntegra um pargrafo de Wolfensohn: Eles [pases pobres da frica] comearam a tomar emprstimos pesadamente no incio dos anos 1970 com base na teoria de que desenvolvendo a sua economia e vendendo commodities para o mundo industrializado, eles iriam aumentar o seu padro de vida e posteriormente reembolsar as suas dvidas. O colapso dos preos das commodities no fim nos anos 1970 e incio dos anos 1980, combinado com as desvalorizaes cambiais e m disciplina fiscal, tinha destrudo aquele modelo. Pas aps pas pediu moratria nas suas obrigaes e teve que ser refinanciado por novos emprstimos; a inflao explodiu, e a pobreza se espalhou. Nos anos 1980, tanto o FMI quanto o Banco Mundial teriam respondido com programas de ajuste estrutural desenhados para restaurar a disciplina fiscal e monetria e para lutar contra a inflao atravs da implementao de polticas de livre mercado. Isso foi a era de Thatcher e Reagan. Atravs do equilbrio dos oramentos e permitindo que as foras do mercado definisse os preos, a teoria pregava, as naes endividadas poderiam retomar a estabilidade, atrair investimentos externos e reativar o crescimento. Mas, em muitos casos, a imposio da austeridade econmica apenas tornou a sorte dos pobres pior; por razes polticas, as despesas mais provveis de serem cortadas eram aquelas que financiavam os j limitados servios de sade e educao dos pobres sem voz. Enquanto isso, as economias em dificuldades continuaram atoladas em dvidas. Distantes de aprenderem como ser mais responsveis na execuo dos seus negcios, muitos lderes africanos passaram a ver os programas de ajustamento estrutural como uma responsabilidade inescapvel e alguns usaram esses programas como uma desculpa para no lutar contra a pobreza com vigor. Quando cheguei no Banco, os pases pobres deviam tanto dinheiro que a maior parte dos seus emprstimos eram devorados pela necessidade de fazer pagamentos (Wolfensohn, 2010, p.278-9). Em meio a sua visita frica, Wolfensohn (2010, p.279) teria interpelado um funcionrio local para entender para onde ia o dinheiro do Banco, j que no se via nenhum investimento em sade ou educao; no faria sentido, argumentaria ele, fazer novos projetos se era para os governos pagarem velhos emprstimos ou ainda usar o que sobrasse para dar apoio a um estilo de vida prdigo dos governantes manifestando a sua surpresa com a festa na Costa do Marfim ao que o funcionrio teria respondido: we were in the business of adjustment!. O funcionrio, segundo ele descreve, pacientemente lhe explicou que o Banco Mundial tinha uma quantidade restrita de recursos a emprestar e, nesse caso, o que o Banco podia fazer no perodo era recarregar o oramento do pas. Isso idiotice!, disse Wolfensohn, insanidade fingir que os pases mais fragilizados podem enfrentar esse tipo de dvida (Wolfensohn, 2010, p.280). O funcionrio seguiu lhe arrolando as polticas de no perdoar a dvida, descrevendo todas as formas pelas quais o Banco e outros doadores tinham tratado a questo da dvida, sem nunca enfrent-la diretamente (Wolfensohn, 2010, p.280). Wolfensohn, numa expresso que, se verdadeira, misturaria surpresa, ingenuidade e, talvez, certo cinismo, relata que no poderia aceitar que os emprstimos fossem dados com uma mo e tirados com outra concomitantemente. Seria na mesma viagem, descreve ele, que teria lugar mais uma experincia importante. A sua prxima parada seria Uganda, e l ele diz ter quebrado com os precedentes do Banco Mundial, ao comear a encontrar diretamente com pessoas das ONGs. Na esteira das manifestaes em Madrid, vrias pessoas dentro do Banco, segue a narrativa, questionariam a legitimidade das ONGs, que por sua vez preferiam pressionar o Banco Mundial na mdia ou via lobby, do que trabalhar em parceria com ele. Um encontro seria arriscado e poderia lhes dar mais legitimidade, mas, agindo com cautela, o encontro em Uganda teria riscos reduzidos de publicidade para os dois lados. O encontro foi com Tony Burdon, da Oxfam em Uganda, descrito como um dos mais difceis feitos pelo ento presidente do Banco: um dos mais surpreendentes fatos mostrados pelo representante da Oxfam foi que o governo da Uganda gastava U$3 por cidado por ano com sade, e aproximadamente U$17 por cidado ano para pagar a dvida. Wolfensohn conclui: eu disse a mim mesmo. Esta a economia do hospcio? Ela foi a priso do devedor. Nossos emprstimos do Banco Mundial foram arrastando para baixo as mesmas naes que queramos ajudar. (Wolfensohn, 2010, p.283). 142Aps essa viagem, vrias outras vieram na seqncia, e para outras regies 180 . Wolfensohn teria feito 24 viagens nos seis primeiros meses, e ele teria conhecido 44 pases diferentes nos primeiros 16 meses no cargo de presidente do Banco Mundial. Wolfensohn desejava ver, pessoalmente, o que estava acontecendo na Amrica Latina, China e ndia. Como ele relata, sua inteno era sinalizar para o time do Banco que essa no seria uma instituio de Washington, e sim com sede em Washington, cuja organizao estaria em mais de cem pases, e que igualmente teriam importncia e proeminncia (Wolfensohn, 2010). Na bagagem da viagem frica, Wolfensohn afirma ter trazido algumas decises: 1) que ONGs como a Oxfam deveriam ser mais parceiros do que inimigos do Banco; 2) que o Banco deveria estar mais prximo das pessoas que servia e uma quantidade maior de decises deveriam ocorrer no campo; 3) o alvio da dvida, mais do que a corrupo, era uma questo a ser endereada mais urgentemente (2010, p.283). Seus planos seriam, de fato, anunciados na reunio anual conjunta entre o Banco Mundial e o FMI, ocasio que, a essa altura, j tinha se tornado a ocasio mais importante e de maior visibilidade para qualquer presidente do Banco Mundial, ocorrendo entre setembro e outubro todos os anos (Wolfensohn, 2010). Nessa ocasio, o Conselho de Governadores, com ministros das finanas e do desenvolvimento de todo o mundo se renem. Tambm seria esse momento em que o presidente se dirige a muitas pessoas importantes no campo internacional do desenvolvimento e das finanas dirigentes dos Bancos centrais, banqueiros comerciais e investidores dos mais importantes bancos, especialistas em desenvolvimento, alm das vrias centenas de jornalistas e emissoras de todo o mundo. Wolfensohn comenta ter aprendido, assistindo McNamara e sucessores, que a reunio anual das instituies de Bretton Woods tornara-se um plpito, uma plataforma para elevar questes centrais e colocar novas iniciativas para a comunidade mundial (Wolfensohn, 2010) 181 . No seu primeiro discurso, segundo relata Wolfensohn (2010) retroativamente, ele queria trazer uma mensagem que no entediasse a platia e que trouxesse algo de novo. Uma mensagem que fosse humana, e no burocrtica, e queria convencer as pessoas da notoriedade e capacidade das pessoas que queria ajudar 182 . Sua estratgia foi comear relacionando exemplos dos vrios pases que trabalhavam com seriedade para acabar com a pobreza: Desenvolvimento pode ser medido no pela aprovao burocrtica de um processo mas pelo sorriso na face de uma criana quando um projeto bem sucedido (2010, p.285), proferiu ele, numa frase que acabaria por ganhar grande repercusso. Wolfensohn (2010, p.285) conta que teria listado vrios temas, passando pela pobreza, tecnologia para educao, conhecimento, meio ambiente e revitalizao do Banco, mas o alvio da dvida externa seria o que mais chamaria a ateno do auditrio. O tema era polmico, e um desafio ao status quo, especialmente no Capitlio, onde havia as maiores resistncias para mudar regras para o pagamento da dvida. Para concluir com a nossa excurso pelos argumentos de Wolfensohn, umas ltimas palavras: algumas pessoas acharam que isso era um discurso sentimental, mas eu entendia isso como um desafio. Tnhamos que ultrapassar as camadas escuras da obstruo burocrtica e nos concentrar no aspecto humano do nosso trabalho. (Wolfensohn, 2010, p.285). Wolfensohn narra que, com a questo do alvio da dvida, pretendia achar algo em comum entre os crticos do Banco e os prprios funcionrios: queria promover uma causa comum que talvez talvez criasse uma 'onda' de apoio popular e poltico para superar os que no gostariam de ver nenhuma mudana no status quo. (Wolfensohn, 2010, p.288). As grandes linhas que marcaram a gesto de Wolfensohn j teriam sido anunciadas no seu primeiro discurso, de acordo com Pereira (2010, p.332-3): 1) o Banco reforaria a relao com seus clientes, por meio de projetos de alta qualidade, o que demandaria a construo de capacidade (capacity-building) dos Estados, a redefinio de sistemas legais e o fortalecimento dos direitos de propriedade; 2) O Banco se engajaria na articulao de novas associaes (partnerships) com o setor privado, instituies multilaterais, bancos regionais de desenvolvimento, governos, ONGs e outros atores sociais; 3) trabalharia em programas de desenvolvimento econmico ps-conflito, 4) trabalharia com o FMI e outros credores para encontrar meios que aliviassem a dvida multilateral cerca de um quarto da dvida total dos pases mais endividados em troca da realizao de polticas slidas e implementao efetiva e transparente. Alm disso, o Banco empreenderia esforos para realizar um pacto internacional em prol do financiamento externo aos pases pobres que estivessem fora do circuito privado de investimentos; e empreenderia uma reforma para mudar a cultura do Banco, de uma cultura de aprovao de projetos, para uma cultura com foco nos resultados (consecuo de resultados tangveis e coerentes com os fins estratgicos estabelecidos) (Pereira, 2010, p. 332-3). Na concepo de Wolfensohn, tamanho empreendimento demandaria que o Banco se convertesse em um bom parceiro, o que s seria possvel se a instituio aprendesse a ouvir crticas e tivesse capacidade para respond-las de maneira mais construtiva (Pereira, 2010, p.333). A partir dessa entrada, Wolfensohn abriria uma janela, uma possibilidade de dilogo e cooperao com ONGs, algumas delas bastante crticas da instituio, e comearia a sua gesto, como teria planejado, conseguindo chamar a ateno para a diferena no seu discurso. Para que todas essas estratgias fossem viabilizadas, foi promovida uma nova reforma administrativa, que tinham na sua pauta, citando Pereira (2010a, p.339): a) a melhoria da qualidade tcnica dos projetos financiados, mediante um novo sistema interno de controle e avaliao; b) a criao de uma nova estrutura de 145incentivos para o staff que substitusse a cultura de aprovao por uma cultura de resultados, orientada para a satisfao das necessidades dos clientes; c) a descentralizao da estrutura operacional do Banco, com o propsito de aprofundar o dilogo poltico com os pases e fomentar a associao entre as partes envolvidas pela atuao do Banco (governos, empresrios, ONGs, fundaes, mdia, academia) em prol de uma agenda comum de polticas, programas, projetos cujo sentido de propriedade (ownership) fosse assumido pelos prprios atores locais, pblicos e privados; d) melhoria da prestao de contas e da responsabilizao ante acionistas e clientes, mediante uma poltica de abertura gradual e seletiva de informaes e a criao dos centros de informao ao pblico; e) a criao de meios polticos e tcnicos que assegurassem a liderana intelectual do Banco em todas as reas relativas ao desenvolvimento, de modo a torn-lo um banco de conhecimento por excelncia, capaz de criar, estimular, disseminar, promover e aplicar idias que orientassem todo o arco de polticas pblicas nos pases clientes e guiassem o estabelecimento de ligaes entre governos, empresrios, ONGs e demais setores sociais (Pereira, 2010a, p.339). O conjunto de iniciativas daria consistncia a um enfoque mais integrado de desenvolvimento voltado para os fundamentos sociais e institucionais necessrios. A reforma administrativa seria iniciada em 1996, e uma das medidas mais importantes, em termos de efeito sobre a estrutura organizacional do Banco, teria sido a criao de quadro redes temticas setoriais que agrupariam a maior parte do staff, e estariam orientadas a prestar servios segundo as demandas dos departamentos nacionais. Conforme descreve Pereira (2010, p.341), o objeto de trabalho de cada uma delas coincidia com as prioridades oficiais do Banco: i) desenvolvimento humano, ii) reduo da pobreza e gesto econmica, iii) finanas, desenvolvimento do setor privado e infraestrutura; e iv) desenvolvimento social e ambientalmente sustentvel 183 . Nessa nova configurao, ainda segundo Pereira (2010a, p.341), essas grupos (redes) se subdividiriam em unidades setoriais, grupos regionais e nacionais, essas fortalecidas num esquema em que os departamentos nacionais, mesmo com poucos funcionrios, ficariam responsveis pelos projetos do ponto de vista gerencial e financeiro, controlando os recursos, O que acabaria por colocar o controle dos projetos sob a responsabilidade dos gerentes de pases (country managers) e os demais funcionrios competiriam entre si, individualmente e em grupo, pela venda de servios e obteno de contratos com os departamentos nacionais, podendo ser demitidos funcionrios com baixo rendimento . Outras iniciativas, ligadas a esses pressupostos, tiveram grande repercusso nesse perodo. Uma das primeiras iria, em parte, ao encontro de uma das maiores crticas ao Banco: o endividamento dos pases. Em 1996 seria dado incio a uma iniciativa denominada Highly Indebted Poor Countries (HIPC ), tendo como objetivo dar algum retorno s crescentes demandas pelo cancelamento da dvida dos pases em desenvolvimento 185 . A iniciativa seria de fato indita no escopo das atividades do Banco Mundial e atrairia muita ateno. Contudo seus resultados foram bastante controversos. Dentro do Banco, Wolfensohn (2010) relata que teria sido um pesadelo, significara ir contra dcadas de histria dentro do Banco e a incluso das ONGs, seria um ponto de tenso, com o qual nem todos concordavam. Mas a sua campanha direcionada, sobretudo, para ganhar apoio dos governos, teria ganhado bastante com o fato de ter uma onda de apoio grande dos movimentos sociais de fora dos Estados Unidos, se espalhando por todo o mundo, com o lema da perdoar a dvida dos pases pobres em 2000, o ano do milnio 186 . Durante esse perodo, Wolfensohn seria acusado, conforme narra (Wolfensohn, 2010), de dar pouca ateno aos especialistas do Banco e de buscar ajuda fora da organizao. A repercusso fora do Banco no seria melhor. Mas, apesar da boa recepo da idia, logo no incio, no entanto, j havia muita crtica a respeito das regras criadas pelo Banco para selecionar os pases que poderiam se candidatar, e, mais tarde os pases que efetivamente teriam a sua dvida revista (Pereira, 2010, Toussaint, 2008) 187 . As regras para que um pas pudesse se habilitar a ter a dvida revista eram tantas que muitos teriam dificuldades de participar, o que causou tambm vrios questionamentos e censuras (Pereira, 2010) . Ao final do mandato de Wolfensohn a iniciativa seria vista ainda mais criticamente: em vez de 42 pases que deveriam supostamente ser beneficiados por cerca de 80% do cancelamento da dvida como anunciado em 1996, ou at 90% como se mencionaria no encontro do G8 em Cologne em 1999, 18 pases veriam, de fato, a reduo da sua dvida (Toussaint, 2008,p.186) 189 . Seria criado, tambm, durante a sua gesto, um programa denominado Programas de Estratgia de Reduo da Pobreza, que substituiria os Programas de Ajuste Estrutural (conhecidos pela sigla em ingls, SAPs Structural Adjustment Programmes), abordagem central do Banco e do FMI, como visto, a partir dos anos 1980. Porm, vrios crticos apontaram que a mudana teria sido apenas do nome da iniciativa, pois a concepo macroeconmica de privatizao e liberalizao teria permanecido a mesma a por vezes com condies ainda mais restritas, aps ambos terem comeado a trabalhar em contato com a Organizao Mundial do Comrcio (Toussaint, 2008, p.186) . Alm disso, outra iniciativa teria sido o SAPRI (Structural Adjustment Participatory Review), lanado em 1997, e que seria uma avaliao conjunta, tripartite (Banco, governos e sociedade civil), para desenvolver uma metodologia transparente e com participao global a respeito dos programas de ajustamento estrutural no nvel local e nacional em sete pases . Iniciativas com relao promoo da boa governana, para contrapor as acusaes de que o Banco apoiava governos ditadores e corruptos, tambm foram realizadas . Nesse perodo, o Banco j se engajava em iniciativas globais, com outras organizaes internacionais, e a Comisso Mundial em Barragens (World Comission on Dams) que deveria fazer uma avaliao global ampla e independente dos projetos relacionados construo de barragens , seria mais um exemplo nesse sentido. parei aqui (ouvir agora, daqui pra baixo) Mas, vrias dessas iniciativas, e a forma de abord-las, seriam incrementadas devido a um outro marco da gesto de Wolfensohn, e que reforaria o seu discurso. Houve, ento, a entrada de um outro conjunto de teorias e idias, alm de um vocabulrio renovado, ligados nova economia institucional, que no apenas ofereceu as bases tericas do discurso central da gesto de Wolfensohn, mas tambm facilitou que esse momento fosse de vrias convergncias (Schneider e Doner, 2000) 194 . Uma primeira delas seria, mais uma vez, a convergncia entre o discurso do Banco Mundial e o discurso de parte da academia, ou, mais pontualmente, com um corpo terico dentro da economia. De acordo com Schneider e Doner (2000), a convergncia entre a nova economia institucional e os bancos multilaterais de desenvolvimento teria comeado de forma relativamente isolada / desconexa 195 . Mas, alguns eventos teria ajudado a traz-los para o mainstream do pensamento sobre polticas de desenvolvimento, envolvendo os pioneiros dessa abordagem: Coase e North ganhariam o Prmio Nobel em 1991 e 1993, a USAID teria auxiliado Olson a criar o IRIS (Center for Institutional Reform and the Informal Sector,), devotado especificamente para o estudos dos problemas de citando o caso da Indonsia. 193 Para uma crtica nesse sentido, ver Toussaint (2008, p.188). 194 O texto de Schneider e Doner (2000) dedicado a demonstrar como, aps o que chamaram de morte da economia do desenvolvimento em 1970, a disciplina acadmica da economia tinha pouca teorizao disponvel sobre desenvolvimento para oferecer aos praticantes e proferiram as panacias universais e liberais ligadas ao livre comrcio e livre mercado, que desembocariam, no final da dcada de 1980 no Consenso de Washington. Esses consistiram, como j mencionado, na defesa da urgncia de reformas orientadas ao mercado nos pases em desenvolvimento. O argumento dos autores de que nos anos 1990 teria comeado uma nova conexo a partir de um subgrupo emergente da economia, de orientao institucionalista, que daria visibilidade para um novo consenso em Washington, porm orientado para outros princpios. 195 Ronald Coase, Mancur Olson, Douglass North, e Oliver Williamson, tidos como os mentores da nova economia institucional, trabalhariam isoladamente tanto uns dos outros, da economia mainstrem, e tambm da comunidade do desenvolvimento. 149desenvolvimento nessa perspectiva, e, ainda, possivelmente, alguns dos estudantes desses mentores teriam trabalhado em posies chaves em alguns bancos multilaterais (Schneider e Doner, 2000, p.39-40). Assim, no final dos anos 1990, os economistas ligados ao novo institucionalismo econmico eram regularmente convidados s conferncias do Banco Mundial e a sua presena seria decisiva para que os documentos e relatrios do Banco comeassem a difundir o credo institucionalista. A nova economia institucional forneceria os instrumentos tericos que balizariam uma segunda gerao de reformas ligadas ao desenvolvimento. (Schneider e Doner, 2000). Dentre os novos princpio, os desafios do desenvolvimento, estariam o reforo dos direitos de propriedade, a regulao dos mercados para promover a competio, a reduo da corrupo, o reforo da credibilidade poltica, o reforo da capacidade administrativa das agncias de governo em nome do provimento dos servios sociais essenciais, e a criao da infra-estrutura institucional necessria para fazer com que os mercados funcionem da melhor forma possvel (Schneider e Doner, 2000, p.40). No lugar de advogar que os Estados parassem de intervir nos mercados, o discurso daria uma volta: seria responsabilidade dos Estados, agora, prover instituies pr-mercado (Schneider e Doner, 2000, p.40). Um dos exemplos da mudana do discurso do Banco j podia ser percebido no Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial de 1997, intitulado The State in a changing world 196 . Ele vinha em um outro tom, defendendo a importncia do papel do estado para a preservao do ambiente institucional que estava em torno da economia, isto , a sua habilidade de reforar a rule of law para apoiar/ sustentar as transaes, o que seria vital para que os governos contribussem mais efetivamente para o desenvolvimento. 196 Esse documento, dedicado mormente importncia estratgica da reforma do Estado, teve grande relevncia e repercusso: teria custado US$ 3 milhes e contado com uma distribuio de 150 mil cpias traduzidas do ingls para oito idiomas (chins, alemo, francs, espanhol, portugus, japons, russo e vietnamita) (Pereira, 2010a, p.373. E, posteriormente, nas publicaes do grupo ligado Amrica Latina intitulado Beyond the Washington consensus: Institutions matter, em 1998 (Burki e Perry, 1998). Esse seria um dos primeiros textos do Banco a tratar de public goods. Em setembro de 1999, a abertura do terceiro encontro anual da Sociedade Internacional para a Nova Economia Institucional (em ingls, International Society for New Institutional Economics, ISNIE) na sede do Banco Mundial em Washington simbolizaria a nova conexo. 150O argumento contrapunha o discurso do Estado mnimo tanto defendido anteriormente pelo prprio Banco , e pressupunha que o desenvolvimento requereria um Estado efetivo que tivesse o papel de facilitador ao encorajar e complementar as atividades dos negcios privados e indivduos. Seria a defesa, ento, da reforma dos Estados para que esses fossem ativos, eficientes, e instituies pblicas revigoradas. Como assinalam Schneider e Doner (2000), esse seria um contexto de convergncia de economistas teoricamente motivados, interessados em anlises comparativas, empricas e institucionais, que tiveram inventivos crescentes para se unirem com economistas de orientao prtica dos bancos multilaterais de desenvolvimento, que estariam vidos por reformas institucionais prticas para melhorar a performance econmica. Entre as novidades tambm incorporadas da nova economia institucional, estariam tambm a superao das imperfeies de mercado e o provimento de public goods no nvel macroeconmico (regulao, direitos de propriedade, educao, servios judiciais), entendendo o Estado como um dos atores centrais atravs da regulao do mercado e demais instancias e instituies. Governana 197 , reforma do setor pblico, transparncia, accountability, empowerment foram temas que ganharam espao na agenda. A indicao de Joseph Stiglitz como economista-chefe do Banco, talvez um dos mais heterodoxos da histria da organizao, tambm seria um dos sinalizadores das mudanas no discurso do Banco. Stiglitz seria um crtico da ortodoxia que influenciou as decises do Banco Mundial e do FMI na dcada de 1980. Conforme relata Maranho (2009, p.43), enquanto economista-chefe do Banco (1997-2000), tomou parte na operao que alterou (novamente) o rumo da agenda internacional na segunda metade da dcada de 1990 em direo estratgia de reduo da pobreza (poverty reduction strategy), que se consolidaria como o ponto de convergncia das organizaes internacionais na dcada de 2000, como parte do que a autora chamou de modulaes feitas na agenda das reformas do ajuste estrutural aps as crticas dos anos 1980 e 1990. O argumento da autora interessante: foram necessrias vrias modulaes na agenda das reformas do ajuste 197 Sobre Governana e governabilidade, ver Maranho (2009). 151estrutural, em meio a um campo de controvrsias em torno da melhor conduo dessas reformas, levando construo de um novo consenso poltico de estabilizao do capitalismo cuja forma seria dada pela garantia de oportunidades para que todos participem dos benefcios da globalizao. No caso do Banco Mundial, no seio dos seus novos argumentos no perodo, constri-se um discurso em torno da credibilidade das reformas econmicas neoliberais, que poderiam ser alcanadas atravs de tticas que reduziriam os seus efeitos sociais negativos; e, tambm, na outra ponta, haveria um reforo dos laos sociais fundados na convergncia de interesses ou valores (e no de laos comunitrios tradicionais), ligados sociedade civil organizada. Nessas mudanas, ainda que o Banco Mundial continue tendo uma agenda considerada pelos crticos como neoliberal (Arantes, 2004; Pereira, 2010; Maranho, 2009; Toussaint, 2008), e que o desenvolvimento continue sendo formulado, no interior do Banco, como resultado do comportamento do mercado, a sua nova preocupao com as condies necessrias para a melhor implementao das reformas neoliberais possibilitou que essa organizao se aproximasse dos argumentos de autores que reivindicam a centralidade do Estado no processo de desenvolvimento. Em um contexto de mobilizao social em vrios pases, que contavam com uma expresso internacional por meio das ONGs e de agncias da ONU (dentre as quais destaca-se o UNICEF, o PNUMA e o PNUD), ocorre uma virada para uma fase mais humana no ajuste (Maranho, 2009, p.50) 198 . A nova doutrina da boa governana (good governance) e o novo consenso (consenso das oportunidades), partilhado entre o Banco Mundial e as agncias ligadas s Naes Unidas, seriam o maior resultado disso, num cenrio de convergncias entre essas organizaes e uma srie de conferncias e eventos conjuntos (Maranho, 2009). Ainda, no sentido interno do Banco Mundial, seria possibilitado pelo declnio da Equipe de Pesquisa Econmica (Economic Research Staff) que at 1987 ocuparia uma posio central nas definies das linhas de 198 Os primeiros anos da dcada