Texto 06 - Paulo Vizentini - Pol+¡tica Externa Independente

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  • 8/13/2019 Texto 06 - Paulo Vizentini - Pol+tica Externa Independente

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    A poltica externa nacionalista e independente do Brasil deve objetivaro interesse nacional do desenvolvimento. Poltica externa para o de-senvolvimento significa que (...) nossa ao diplomtica deve sermotivada principalmente pela preocupao de assegurar os meios erecursos de ordem externa necessrios expanso da economia bra-sileira, com vistas a contribuir para a crescente emancipao polticae social da comunidade nacional.A poltica externa para o desenvolvimento, nacionalista e independen-te, identifica de imediato a posio internacional do Brasil como a deum dos protagonistas de maior responsabilidade no contexto do con-

    flito Norte-Sul, que ope as naes ricas s naes pobres.(Editorial da revista Poltica Externa Independente, nmero 3, 1965.)

    A Poltica Externa Independente, que identificou o discurso diplo-mtico brasileiro de janeiro de 1961 a maro de 1964, tem sido consideradapor muitos como uma experincia perdida entre dois perodos de alinha-mento com os Estados Unidos. Outros a consideram uma mera manobrattica, tanto em termos de poltica interna como externa. No poucos vemnela um exerccio de voluntarismo inconseqente, que teria contribudo parao desencadeamento do golpe de 1964, enquanto alguns a consideram uma

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    tentativa corajosa de buscar autonomia internacional, com base nas neces-sidades do desenvolvimento industrial do Brasil. Provavelmente, todos tmrazo, de uma ou de outra maneira. Mas, talvez, seja necessrio acrescen-tar que ela marcou o ponto de inflexo em nossa histria diplomtica, como incio de uma nova fase da poltica externa brasileira: a mundial e multi-lateral.1Depois de um longo perodo, que se iniciou na colnia e se estendeuat o fim do sculo XIX e foi marcado pela insero voltada para a Europae a construo do espao nacional, houve uma segunda fase, definida pelalgica hemisfrica e pela aliana com os Estados Unidos.

    Os anos 1950 haviam sido marcados por uma crescente politizaoe polarizao da poltica externa, com o antagonismo entre as correntes doamericanismo(entreguismo) e do neutralismo (nacionalismo), segun-do Jos Humberto de Brito Cruz.2A primeira posio seria expressa pelogeneral Golbery do Couto e Silva e pela Escola Superior de Guerra (ESG),enquanto a segunda era inspirada por Hlio Jaguaribe e pelo InstitutoSuperior de Estudos Brasileiros (ISEB). Com base nas tenses e na expe-rincia acumuladas nesse perodo, mas especialmente devido lgicainerente ao processo de industrializao, os limites foram rompidos e o Brasilbuscou explorar a relao com outras regies do planeta e, por meio dessa,renegociar a cooperao com Washington.3A Operao Pan-Americana

    (1958), iniciativa do governo Kubitschek, embora focada ainda no mbitohemisfrico e convergente com os EUA, demonstrou uma nova postura emtermos de protagonismo e de esfera de atuao, a multilateral. Assim, aOPA prenunciava uma mudana de postura diplomtica.

    O crescimento econmico acelerado ocorrido no governo JK trouxeraalgumas conseqncias indesejveis e, em 1961, a crise econmica atingianveis preocupantes. A depreciao dos preos dos produtos primrios

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    exportados pelo Brasil era expressiva, enquanto os EUA j no absorviamum grande volume de exportaes brasileiras. Tratava-se do declnio dacomplementaridade entre as duas economias. A inflao, a dvida externa,as presses do FMI e a falta de investimentos internacionais completavamo quadro. Acentuara-se o dficit provocado por uma sada de capitais su-perior ao seu ingresso. No plano scio-poltico, a realidade nacionalapresentava uma nova faceta. A eleio de Jnio Quadros contou com odobro de sufrgios em relao de 1945, evidenciando quantitativamenteuma mudana que era, em essncia, qualitativa. A urbanizao e a indus-

    trializao haviam alterado o perfil da sociedade brasileira, dando, assim,novo sentido atuao poltica e prtica dos dispositivos da Constituiode 1946, uma e outra sob presso de segmentos populares e das classesmdias. Essa situao refletiu-se na poltica exterior brasileira, que, cada

    vez mais, passou a ser objeto de disputas ideolgicas e galgou posio im-portante no debate poltico nacional.

    O contexto mundial, por seu turno, apresentava transformaes sig-nificativas, no incio dos anos 60. A Comunidade Econmica Europia eo Japo haviam completado sua recuperao econmica e se voltado com-petio econmica, em algumas reas, com os EUA, rearticulando certaclivagem entre os pases desenvolvidos. O processo de descolonizao ao

    estender o sistema westfaliano ao conjunto do planeta, com a emergnciade dezenas de novos Estados independentes mudava significativamen-te a face do sistema mundial. A atuao poltica desses pases alteravasensvel e progressivamente o equilbrio da ONU e encontrava expressoe continuidade no nascente Movimento dos Pases No-Alinhados. Pode-se afirmar que, s ento, o Terceiro Mundo materializava-se como realidadeinfluente nas relaes internacionais, tendendo a esboar uma terceiraposio. O campo socialista, sob hegemonia sovitica, consolidava-se noplano econmico e diplomtico, tornando-se uma nova alternativa dentrodo sistema mundial, enquanto a Revoluo Cubana produzia um forteimpacto na Amrica Latina e obrigava a poltica norte-americana a uma

    importante mudana de perspectiva.

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    ses aspectos, a Poltica Externa Independente empregou o nacionalismocomo forma ideolgica de integrao dos esforos para promover a indus-trializao brasileira, que, paralelamente, tanto carreava apoio internodurante os momentos de crise, quanto articulava foras polticas visando aresistir s presses dos EUA, que contribuam para a obstruo do desen-

    volvimento nacional. Nesse sentido, a postura de converter a poltica externanum instrumento para a concretizao de um projeto nacional de desenvol-

    vimento, j esboada pelos governos dos anos 50, amadurece.Alm disso, a situao de crise aguda fez com que as vacilaes an-

    teriores fossem deixadas de lado. Finalmente, h que salientar a influnciada concepo nacionalista de De Gaulle nessa poltica, a qual consideravaindispensvel a auto-afirmao dentro da aliana ocidental, criticando asubordinao ao Estado hegemnico na luta contra o adversrio comum.Quadros apresentava a PEI no como uma terceira, mas, sim, como umaquarta posio nas relaes internacionais, j que a tinha no como neu-tralista ou no-alinhada, apesar do seu evidente parentesco com estas duasatitudes. Em seu modo de ver, ela se caracterizava, pragmaticamente, peladefesa da independncia em relao aos blocos, pelo estabelecimento derelaes econmicas com todos os Estados, mantendo, entretanto, os prin-cpios democrticos e cristos. Ou seja, como quase neutralismo.

    Apesar de seu curto governo (sete meses), Jnio Quadros revolucionouas relaes exteriores do Brasil. A heterodoxia diplomtica contrapunha-se,entretanto, ortodoxia poltico-econmica interna, a qual visava a conquis-tar a confiana da comunidade financeira internacional. O programa deausteridade recebeu aplausos do FMI, o que permitiu um melhor trata-mento para a dvida externa e um relativo sucesso no plano econmicoexterno, mas que se revelou apenas um alvio temporrio. O Itamaratypassou por uma ampla reestruturao, ampliando-se sua capacidade deao e criando-se setores especializados em assuntos africanos e leste-europeus.

    Os poucos meses de governo Quadros foram bastante movimenta-

    dos no campo da poltica exterior. No tocante s relaes com o camposocialista, iniciaram-se as providncias para o reatamento diplomtico coma URSS e foi enviada a misso Joo Dantas Europa Oriental, para tratar

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    do estreitamento de vnculos comerciais, particularmente com a Repbli-ca Democrtica Alem. Repblica Popular da China, dirigiu-se umamisso oficial, encabeada pelo vice-presidente Joo Goulart. A incluso,na agenda da ONU, da questo sobre o ingresso da Repblica Popular daChina naquela organizao recebeu apoio brasileiro. Alm disso, o presi-dente condecorou o cosmonauta Iuri Gagarin e os integrantes da Missode Boa-Vontade da Unio Sovitica. A oposio a essa poltica foi ferrenhapor parte dos grupos conservadores, mas Jnio no pareceu se intimidar.

    Com relao ao Terceiro Mundo, Quadros apoiou explicitamente o

    processo de descolonizao, particularmente da frica portuguesa. A fir-meza do presidente frente a Lisboa evidenciou-se, por exemplo, quandocontrariou Salazar no incidente do navio portugus Santa Maria. O apoio descolonizao da frica lusitana possua objetivos materiais bem defi-nidos, pois a manuteno de vnculos entre as colnias (concorrentes daproduo primria brasileira) e suas metrpoles dificultava as exportaesnacionais, alm do que as jovens naes constituam um mercado alterna-tivo (troca de produtos industriais pouco sofisticados por petrleo). Quadrosconsiderava que o Brasil, por sua dupla origem europia e africana e pelofato de no haver sido uma potncia colonial, poderia servir de ponte parafrica. No mundo afro-asitico, foram criadas vrias embaixadas e consu-

    lados. Foram enviados, tambm, observadores diplomticos ConfernciaNeutralista do Cairo e Conferncia dos No-Alinhados, em Belgrado.Essa postura terceiro-mundista representava uma alterao sem preceden-tes dentro da poltica exterior brasileira.

    No tocante ao subsistema regional, as tenses no foram menos gra-ves. A Revoluo Cubana adquirira tal repercusso continental que levouos EUA a alterar sua poltica latino-americana, transitando do descaso dosanos 50, em relao aos pedidos de ajuda ao desenvolvimento, implan-tao de um vasto programa de auxlio externo, de ntido contedoreformista a Aliana para o Progresso, que esvaziou o que restava daOperao Pan-Americana. Tal aliana era, claramente, uma resposta da

    administrao democrata de Kennedy ao desafio representado por Hava-na. O Brasil a considerava insuficiente, mas necessria, pois a ALPRO eraafinada ideologia da Poltica Externa Independente em seu chamadoreformista. Afinal, segundo o discurso oficial, esta buscava o interesse do

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    Brasil, visto como um pas que aspira ao desenvolvimento e emancipa-o econmica e conciliao histrica entre o regime democrticorepresentativo e uma reforma social capaz de suprimir a opresso da clas-se trabalhadora pela classe proprietria.5Apesar dessa alterao naconduta de Washington, a diplomacia brasileira acabou defendendo a no-interveno e a autodeterminao em relao a Cuba.

    Em abril de 1961, fracassava o desembarque contra-revolucionrioapoiado pela CIA na Baa dos Porcos. O Brasil preocupava-se sobrema-neira com os rumos dos acontecimentos e aproveitava a situao para

    implementar uma aproximao com a Argentina. Alguns dias depois dofracasso da Playa Girn, foi assinado o Tratado de Uruguaiana, prevendoconsultas mtuas no campo das relaes exteriores, o intercmbio de infor-maes e a aproximao econmica Brasil-Argentina, esta aberta aosdemais pases latino-americanos. Logo em seguida, Quadros condecorouo ministro da Economia, Che Guevara, quando este retornava de Puntadel Este, onde fora lanada a Aliana para o Progresso. Tratava-se daafirmao da autonomia brasileira face aos EUA, embora de forma teatral.

    Obviamente, a linha de Quadros na poltica exterior despertou fer-renha oposio. Premido por contradies crescentes, o presidenterenunciou, na esperana de receber poderes excepcionais; mas, o golpe de

    Estado falhou e teve incio uma crise poltica que teria seu desfecho somenteem 1964. Os militares e os setores conservadores negaram-se a permitir oregresso do vice-presidente Joo Goulart, que se encontrava na China. Foipreciso que o Movimento pela Legalidade, deflagrado a partir do sul pelogovernador Leonel Brizola com suporte do III Exrcito, contando comapoio da esquerda e de amplos segmentos populares garantisse a possede Goulart, embora com poderes limitados pela adoo do parlamentaris-mo, que vigorou at janeiro de 1963. O governo Goulart teria,permanentemente, um carter improvisado, gastando boa parte de seuesforo na tentativa de ocupar o espao institucional que lhe era devido, paraenfrentar a crise que se agravava perigosamente.

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    Durante o gabinete Tancredo Neves, San Tiago Dantas ocupou oMinistrio das Relaes Exteriores, levando a PEI ao seu auge e concre-tizando algumas providncias iniciadas no governo Quadros, como, porexemplo, o reatamento com a URSS. A animosidade americana para como governo brasileiro e sua diplomacia intensificou-se com a posse de Goularte agravou-se, em janeiro de 1962, durante a Reunio dos ChanceleresAmericanos em Punta del Este. Nela, o Brasil defendeu a negociao deum acordo de obrigaes negativas com Havana, para evitar a adeso da ilhaao campo sovitico, bem como a possibilidade de interveno americana.

    Cuba foi expulsa da OEA, com a absteno do Brasil e de outros pases.Alm disso, a encampao de empresas estrangeiras, promovida por Brizolae outros governadores, e a aprovao da lei limitando a remessa de lucrosao exterior levaram Braslia rota de coliso com Washington. O FMI in-terrompeu seus emprstimos ao Brasil, obrigando Goulart a retomar ocaminho latino-americano esboado por Quadros em Uruguaiana. Um dosresultados dessa poltica, alm de maior acercamento Argentina, foi a

    viagem presidencial ao Mxico.A escalada do antagonismo Brasil-EUA aprofundava-se, com atitu-

    des como a condenao implcita do Brasil poltica nuclear americana e ovoto contra as exploses atmicas na atmosfera, ambas assumidas duran-

    te a Conferncia sobre Desarmamento em Genebra. Embora o fato, em si,no fosse decisivo, a conjuntura regional e o estado das relaes bilateraisconferiam-lhe certa gravidade. Mais srio fora, sem dvida, a questo daremessa de lucros e as encampaes promovidas por Leonel Brizola (e outrosgovernadores), cuja audcia irritava profundamente o governo americano.Uma ltima possibilidade de acordo deu-se com a ida de San Tiago Dantasa Washington, ento na qualidade de ministro da Fazenda. O regimeparlamentarista e a instabilidade poltico-social levaram o governo a pro-mover vrias reformas ministeriais. Em julho de 62, Dantas foi substitudopor Afonso Arinos na chancelaria, que, em setembro, passou a ser ocupa-da por Hermes Lima. Em junho de 63, Evandro Cavalcanti Lins e Silva

    tornava-se titular do cargo e, em agosto, Arajo Castro, permanecendo esteat a derrubada do governo, em 64. O presidencialismo, por seu turno, fora

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    restabelecido em decorrncia da emenda constitucional baseada no plebis-cito de janeiro de 1963.

    As concesses feitas por Dantas aos americanos visavam liberaode recursos para o Brasil. Descontente com o que qualificou de negocia-ta, quanto s encampaes, Brizola ocupou uma cadeia de rdio,denunciando os acordos que iam ser assinados por Goulart. As profundasrepercusses polticas levaram queda de San Tiago Dantas, a qual elimi-nou a possibilidade de qualquer acordo com Washington. Signo dessaatitude foi a renncia de Roberto Campos, embaixador nos EUA. Estes

    fatos coroaram um processo de inviabilizao da PEI, iniciado com a Crisedos Msseis de outubro de 1962, quando a argumentao at ento defen-dida pela diplomacia brasileira perdeu sua sustentao material.

    A partir desse momento, a ingerncia americana na poltica internabrasileira, concretamente na preparao da derrubada do governo JooGoulart, passou a ser decisiva. Todavia, no se pode afirmar que a PEIexecutada por Goulart no tenha procurado acordos com Kennedy, comquem tinha boas relaes e, at, adotado certa postura conservadora. Eleacatou a negao de vistos de entrada a personalidades mundiais quedesejavam participar do Congresso Internacional da Solidariedade a Cuba,em abril de 1963, e demonstrou certa frieza para com os movimentos de

    libertao da frica portuguesa, que buscavam a solidariedade do Brasil.A CIA intensificou o apoio a setores conservadores, que articulavam

    a formao de grupos paramilitares, e a entidades como o IPES e o IBAD,alm de infiltrar agentes no nordeste brasileiro, temendo as Ligas Campone-sas. Afinaram-se os contatos conspiratrios entre os norte-americanos e oscivis e militares, assim como com os governos estaduais anti-Goulart, con-cedendo a estes ltimos recursos da Aliana para o Progresso, sem quesatisfaes fossem dadas ao governo central. Os EUA, pouco antes humi-lhados em Cuba, reagiam tentando evitar o que consideravam umarevoluo (ou uma desintegrao) em marcha no Brasil e enfrentando onacionalismo populista em todo o continente. Paralelamente, a Casa Branca

    ampliava seu grau de envolvimento no Vietn, embora numa ao de ou-tra natureza. O assassinato de Kennedy, em novembro de 1963, tambmfez parte muito provavelmente dessa ampla reao.

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    Preparava-se o golpe de Estado, com o apoio americano, enquanto opas mergulhava na bancarrota econmico-financeira e na radicalizaopoltica. Este quadro levou o governo a uma quase imobilidade e falta dereao quanto s investidas de Lacerda, ao contrabando de armas vindasdo exterior, ao de propaganda ideolgica dos institutos, ao adestramentodas polcias estaduais pelos EUA atravs do Ponto IV, um programa deassistncia tcnica criado por Truman e atuao aberta da embaixadaamericana (que obtivera uma quota exagerada para a entrada de cidadosamericanos), dentre tantos outros incidentes. O prprio Estado nacional e

    a burocracia federal pareciam desconectar-se, com So Paulo, Minas Ge-rais, Guanabara e outros estados atuando revelia do governo central noestabelecimento de contatos internacionais.

    O marechal Castelo Branco pressionava o governo a renovar o Acor-do Militar com os EUA, vigente desde 1952 e que Goulart protelava. Elefoi revalidado em 30 de janeiro de 1964. Os fatos se precipitaram, culmi-nando com a deposio de Goulart, em 2 de abril. A mudana operada napoltica externa do pas, a partir de ento alinhada com Washington, evi-dencia a averso americana Poltica Externa Independente. Mas, essasituao caracterizou apenas os primeiros governos militares, pois a linharelativamente autnoma da diplomacia voltada para o mbito mundial da

    PEI, retornaria cena com o Pragmatismo Responsvel, na primeira me-tade dos anos 70, embora de forma menos politizada.6

    A Poltica Externa Independente interpretada de forma diferentepelos diversos estudiosos. Para fins acadmicos, essas interpretaes po-dem ser agrupadas em trs abordagens: diplomtica, econmica e social. Aabordagem diplomtica constituda por trs teses: uma considera a PEI

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    como uma resposta da poltica externa brasileira s aceleradas transforma-es internacionais, em particular o surgimento de novos atores, ou amodificao do carter de alguns, cujas necessidades e anseios estavam forados centros dominantes; outra tese, derivada da anterior, v a PEI comouma poltica conscientemente utilizada para questionar o status quoe ne-gociar uma nova forma de insero internacional para o pas, ou, dito maisclaramente, renegociar a forma de subordinao; a terceira tese centra a aten-o nas relaes Brasil-EUA e sua crescente deteriorao, entendendo a PEIcomo uma forma de reao nacionalista hegemonia norte-americana.

    A abordagem econmica, por sua vez, tambm se desdobra em trsteses. A primeira delas considera a PEI como uma reao deteriorao dostermos do comrcio exterior, devida sobretudo queda continua dos pre-os das matrias-primas, da a busca constante de novos mercados. Asegunda tese , de certa forma, um aprofundamento e ampliao da ante-rior, e entende a PEI como instrumento diplomtico dointeresse nacional,isto , como elemento do processo de desenvolvimento industrial brasileiro.A terceira tese considera a PEI uma poltica de pas capitalista dependen-te que esboa j traos de um subimperialismo, o qual reage potnciadominante, mas procura garantir sua prpria rea de influncia.

    Finalmente, a abordagem sociolgica expressa por uma tese que

    interpreta a PEI primordialmente como resultado das transformaes in-ternas da sociedade brasileira, tais como o surgimento de novos segmentossociais, em funo da acelerada urbanizao e industrializao do pas, e dosefeitos polticos da decorrentes.

    Na perspectiva deste ensaio, os diferentes enfoques acima apresen-tados no so excludentes entre si. Bem ao contrrio. Considera-se queabarcam distintos aspectos de uma mesma realidade histrica, produzidospela observao a partir de ngulos e interesses tericos especficos. Nessesentido, trata-se de segmentos de uma mesma totalidade, a qual no cons-titui, entretanto, mera soma ou simples interao entre diferentes fatoresigualmente importantes. Existe um enfoque que, em ltima instncia,

    confere razo de ser aos demais e constitui o fio condutor do processo his-trico.

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    A partir desses elementos tericos e dessa realidade histrica, consi-dera-se que a Poltica Externa Independente constituiu umprojeto coerente,articulado e sistemtico, visando a transformar a atuao internacional do

    Brasil. At ento, a diplomacia brasileira havia sido basicamente o reflexoda posio que o pas ocupava no cenrio mundial. Assim, a poltica ex-terna para o desenvolvimento, que Vargas ensaiou nos anos 30, era aindaparte de uma conjuntura especfica, que se alterou a partir da guerra.Durante os anos 50, entretanto, devido ao processo de industrializaobrasileiro e progressiva alterao do contexto internacional, e sobretudo

    a partir da passagem dos anos 50 e 60, a poltica externa procurou tornar-se um instrumento indispensvel para a realizao de projetos nacionais, nocaso, a industrializao e o desenvolvimento de um capitalismo moderno.Este constitui o elemento dinmico da PEI, dentro do qual os demais fa-tores devem ser entendidos. este o plano que confere sentido aonacionalismo que marcou o perodo. Sem dvida, a emergncia e a concre-tizao deste projeto foram marcadas por tenses e at contradies, visveisem todos os governos entre 1951 e 1964, e especialmente no seu fracasso.

    Tendo em considerao este elemento primordial, torna-se maisobjetiva a aglutinao dos mltiplos fatores que interagiram na formulaodaquela linha para as relaes exteriores do Brasil. A postura diplomtica

    que atingiu o seu ponto culminante na Poltica Externa Independentedecorreu, em larga medida, de alguns fenmenos internos da sociedadebrasileira. Esses foram tanto de natureza econmico-social como poltico-ideolgica. Quanto ao primeiro aspecto, fundamental a relao existenteentre a poltica exterior executada pelo Brasil e as necessidades, tanto t-ticas quanto estratgicas, de seu projeto de desenvolvimento industrialsubstitutivo de importaes. Pode-se salientar que a prpria implementa-o do desenvolvimento industrial nacional entrava em choque, em muitospontos, com os interesses da potncia hegemnica. A esse marco mais geral,pode-se acrescentar que estes choques ampliavam-se e explicitavam-secom intensidade nos momentos de crise econmica, especialmente quan-

    do do estrangulamento do setor externo. Neste contexto, a diplomaciabrasileira reagiu de forma ousada, colocando em prtica muitos elementosde sua retrica nacionalista.

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    Ao lado dos aspectos materiais, ligados tentativa de uma naoperifrica de barganhar a reformulao de sua relao de dependncia,deve-se considerar os fatores poltico-sociais internos. Os anos 50 consti-turam a dcada da emergncia dos setores populares e segmentos mdiosno quadro de um regime democrtico-liberal e de uma sociedade em ace-lerada urbanizao. Esta base social ampliada, qual se acrescentou umaarticulada burguesia nativa (ligada, sobretudo, produo de bens deconsumo populares), daria razo de ser ao nacionalismo, que, a partir de1951, constituiu uma espcie de ideologia oficial do populismo brasileiro.

    O nacionalismo agregava ao Estado maior legitimidade, como representa-o dos interesses coletivos, coroando certos interesses convergentes entreo operariado e este setor da burguesia brasileira.

    A Poltica Externa Independente tambm estava vinculada aos fe-nmenos externos, numa poca de grandes transformaes no sistemainternacional. A orientao diplomtica da PEI respondia atitude dosEUA com relao Amrica Latina, percebida como de descaso at aRevoluo Cubana. Esse fenmeno caracterizava-se pela ausncia de in-

    vestimentos pblicos norte-americanos para a rea de infra-estrutura. Odescaso transformava-se em forte presso poltica e econmica quandoas naes latino-americanas tomavam qualquer atitude visando a modifi-

    car, ainda que parcialmente, as relaes de dependncia, para lograr odesenvolvimento nacional.

    Igualmente importante foi a adaptao da poltica exterior brasileiras transformaes do sistema internacional em fins dos anos 50 e incio dos60, tais como: a recuperao econmica da Europa Ocidental e Japo, comoalternativas comerciais e de financiamento do desenvolvimento; a desco-lonizao, particularmente da frica, que, ao tornar-se independente,perdia vantagens tarifrias como concorrente brasileira e tornava-se ummercado alternativo de produtos industriais; a consolidao do campo so-cialista, em especial a emergncia da URSS condio de potncia mundial,constituindo elemento de barganha brasileira com os EUA e mercado

    potencial; o surgimento do Movimento dos Pases No-Alinhados, decor-rente da emergncia do Terceiro Mundo no cenrio mundial, movimentocujas posturas no campo poltico e econmico interessavam diplomacia

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    brasileira; e a Revoluo Cubana, cujo impacto na Amrica Latina iriaredefinir a estratgia americana. O novo contexto internacional repercutiuno Brasil, permitindo ao pas transitar de uma diplomacia voltada primor-dialmente ao subsistema regional, para o mbito de uma diplomaciarealmente mundial.

    Jos Humberto de Brito Cruz tambm introduz um elemento impor-tante na anlise da PEI sua diviso em trs fases bem demarcadas:

    Na primeira, dominada pela personalidade enigmtica de Jnio Qua-

    dros cujas simpatias por De Gaulle, Nasser e Tito so bemconhecidas , a diplomacia brasileira opera num quadro conceitual que, no essencial, o mesmo do neutralismo, distinguindo-se deste ape-nas por motivos concernentes estratgia de obteno, para o Brasil,de uma posio de liderana no Terceiro Mundo. Numa segunda fase(agosto de 1961 outubro de 1962), verifica-se uma certa continui-dade da linha anterior, mas a polarizao ideolgica no plano internotende a relegar a PEI para um plano secundrio da vida nacional. medida que evolui a crise interna, a diplomacia independente torna-se um peso para o governo parlamentarista, que se via, ainda, nacontingncia de ter que abrandar o tom no relacionamento com os

    EUA, a fim de aplacar a gritaria conservadora interna. Na fase final(19631964), sob a influncia de Arajo Castro, a PEI revigora-se e,valendo-se de um cenrio internacional propcio, abandona definiti-vamente toda afinidade com o neutralismo, encontrando na questodo desenvolvimento um veio diplomtico que j se revelava riqussimoquando a experincia foi interrompida pelo golpe militar o que noimpediu, diga-se de passagem, que o mesmo veio fosse retomado,posteriormente, pelos prprios governos militares.7

    O fracasso da Poltica Externa Independente est associado que-da do populismo no Brasil. Desde a segunda metade de seu governo, Joo

    Goulart no conseguia mais controlar a situao interna e foi empurrado

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    pelos setores esquerdistas para uma radicalizao, o que acirrou perigosa-mente as contradies do regime. O agravamento dos confrontos sociais epolticos, alm de paralisar a economia e levar os EUA a uma reao semprecedentes, ameaou as prprias bases capitalistas do projeto populista,deixando o governo sem alternativas, o que explica sua paralisia nos mo-mentos finais. Sem um mnimo de consenso interno, a poltica exteriorpassou a atuar no vazio e s palavras no correspondiam os atos.

    Tanto no plano interno como externo, a PEI esteve no cerne do con-texto que levou reao conservadora e seu fracasso tem de ser relativizado.

    Tratava-se de uma experincia indita, que tirava a diplomacia brasileirade suas modestas perspectivas regionais e reativas, arrojando-a a umadimenso internacional e a uma postura ativa. Essa mudana estava asso-ciada s necessidades do desenvolvimento econmico, mas sofreu umretrocesso durante os primeiros anos do regime militar, o qual adotou umaorientao ideolgica de segurana nacional e alinhamento com os EUA.Entretanto, a Poltica Externa Independente revelou-se muito mais pre-coce, do que equivocada, pois alguns de seus postulados foram retomadospela diplomacia dos militares, ao final da primeira metade dos anos 70, como chamado Pragmatismo Responsvel (embora j tivesse sido encaminha-da nos governos Costa e Silva e Mdici). Nessa ocasio, o Brasil voltou a

    buscar maior margem de manobra no plano internacional, retornando a umapoltica exterior realmente de dimenses mundiais e destinada consecu-o de objetivos econmicos internos, embora usando uma linguagemmenos ideolgica.

    Porto Alegre, 14 de julho de 2008.

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