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texto sobre o discurso pedagogico da clarice. Bom para as aulas pedagogicas para os alunos dos cursos de licenciatura

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QUE DISCURSOS PEDAGGICOS ESCOLARES SO VALIDADOS POR PROFESSORES AO TRATAR DE METODOLOGIAS DE ENSINO

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TRAVERSINI, Clarice S.;BALEM, Nair;COSTA, Zuleika. Que discursos pedaggicos escolares so validados por professores ao tratar de metodologias de ensino? V Congresso Internacional de Educao: Pedagogias (entre) lugares e saberes - 20 a 22 de agosto de 2007. So Leopoldo: UNISINOS, 2007. CDROMQUE DISCURSOS PEDAGGICOS ESCOLARES SO VALIDADOS POR PROFESSORES AO TRATAR DE METODOLOGIAS DE ENSINO?

Autora: Clarice Salete Traversini UFRGS- [email protected]: Nair Maria Balem [email protected]

Zuleika Leonora Schmidt da Costa FACOS/UNISC- [email protected] artigo tem como objetivo evidenciar os discursos pedaggicos predominantes entre os professores quando se trata de metodologias de ensino, particularmente acerca das atividades situadas por eles como produtivas ou no para aprender. Valendo-nos dos Estudos Culturais de inspirao ps-estruturalistas em educao selecionamos as noes de discurso pedaggico (DIAZ, 1998), discutido a partir da compreenso de discurso de Foucault. Para obteno das informaes utilizamos questionrios, os quais foram significado como uma arena de significados, utilizando a noo Silveira (2005), cuja leitura no busca a expresso ntima da verdade, mas os professores pesquisados expem as crenas de seu tempo que lhes oferecem legitimidade ao descrever as metodologias de ensino atualmente em uso. Os questionrios foram respondidos por 120 professores de escolas municipais, estaduais e particulares da regio Oeste de Santa Catarina e Noroeste do Rio Grande do Sul. As informaes obtidas, lidas a partir das noes tericas selecionadas, mostram que a interdio das metodologias centradas no ensino e o predomnio de uma pedagogia do aprendiz constituem-se em verdades pedaggicas em vigor em nosso tempo. Tais verdades, j trazidas por Sommer (2005) e Silveira (2005), ao estudar os discursos das professoras alfabetizadoras e das questes sobre alfabetizao nos concursos pblicos docentes, respectivamente, est sendo reiterado nesta pesquisa. No entanto, no apenas no que tange a alfabetizao que tais discursos vigoram, mas em relao aos ditos dos professores que atuam nas Sries Iniciais e alguns cursos de Licenciatura, como a Educao Fsica. O presente artigo deriva da pesquisa Outros modos de olhar, outras palavras para ver e dizer, diferentes modos de ensinar e aprender: exercitando a docncia na contemporaneidade. A investigao est em desenvolvimento na UFRGS (2005-2007) e integra o Ncleo de Estudos sobre Currculo, Cultura e Sociedade (NECCSO). Objetiva analisar como os professores formados em Cursos de Licenciatura da grande Porto Alegre/RS e do oeste catarinense esto exercitando a docncia no Ensino Fundamental e Mdio na contemporaneidade, considerando os diferentes desafios do cotidiano escolar.

O interesse pela discusso emergiu por trs razes: ter contato com as aes docentes exercidas nas turmas nas quais atuam professores formados nos cursos de licenciatura; subsidiar as disciplinas ministradas nos Cursos de Graduao, pois a investigao no cotidiano problematiza a docncia e viceversa e, discutir as representaes docentes e discentes sobre metodologias de ensino e aprendizagem desenvolvidas nas escolas.

Para concretizar tal interesse, a investigao foi organizada em dois momentos com o objetivo de: a) Identificar as representaes culturais produzidas pelos alunos e professores acerca dos processos de ensinar e aprender e do prprio exerccio cotidiano da docncia; b) Analisar as narrativas do conjunto de docentes indicados pelos alunos como sendo uma referncia no processo de ensino e aprendizagem escolar, percebendo como constroem sua identidade docente no decorrer da trajetria acadmica e profissional. O primeiro momento j concludo, registrado e apresentado centrou-se em conhecer as representaes dos alunos sobre atividades propostas que geravam ou no aprendizagem, envolvendo estudantes da rede pblica e particular da grande Porto Alegre/RS, predominantemente de Ensino Fundamental e Mdio. A leitura das informaes coletadas possibilitou-nos dizer que: a) a mesma atividade foi classificada como geradora ou no de aprendizagem, dependendo da representao e do efeito da sua utilizao no decorrer da experincia discente; b) o aluno reconhece uma atividade como boa para aprender quando ele consegue dar conta da tarefa proposta e se auto-reconhece como algum competente e capaz, que atingiu sucesso na escola. Ambas as consideraes mostram que, independente do tempo, do espao e das condies de desenvolvimento das atividades propostas no possvel vincular a metodologia desenvolvida a uma postura progressista ou conservadora do professor (Gore, 1995).

Na continuidade, estudamos as representaes dos professores sobre metodologias de ensino e aprendizagem, particularmente no que tange as atividades por eles propostas. Para tanto utilizamos questionrios com perguntas abertas respondidos por 120 professores do Noroeste gacho e Extremo Oeste catarinense, selecionados pela disponibilidade e viabilidade de coleta de informaes pelo grupo de pesquisa. No texto Formas de ensinar produzem o aprender? Algumas representaes culturais de professores contendo anlises iniciais da pesquisa (Traversini; Balem, 2006), constatamos haver o predomnio de uma representao que parece fortalecer a onipotncia do professor quando se trata de ensinar e aprender. Os registros mostram que difcil para o professor acreditar que as atividades propostas no possibilitam a aprendizagem desejada para o aluno. Tal representao pode fortalecer a responsabilizao do aluno pela sua no aprendizagem e a noo de que o ensino naturalmente produz a aprendizagem. Esse estudo inicial possibilitou aprofundar as problematizaes e orientar a investigao para buscar os discursos pedaggicos predominantes entre os professores pesquisados quando se trata de metodologias de ensino, particularmente as atividades situadas por eles como geradoras ou no de aprendizagem, sobre esse vis que se debrua o presente texto.

Aproximando noes dos Estudos Culturais com os estudos ps-estruturalistas em educao agrupamos as informaes obtidas e apresentamos algumas consideraes a partir do estudo realizado. Este texto, ento, est dividido em duas partes. Inicialmente, destacamos alguns conceitos que foram significativos nos diferentes momentos da investigao e o caminho metodolgico percorrido. No segundo momento, apresentamos alguns discursos pedaggicos recorrentes nas informaes fornecidas pelos professores, quais sejam: a interdio das metodologias centradas no ensino e o predomnio de uma pedagogia do aprendiz.

Dos caminhos que orientaram a investigao

A pesquisa ora desenvolvida compartilha da crena de que o conhecimento no algo preexistente em algum lugar do mundo espera para ser descoberto ou desvelado. A vontade de conhecer est imbricada com a vontade de poder, portanto, o processo de conhecimento, do mesmo modo que a pesquisa e a escrita consiste em uma ao de nomear, atribuir sentido, caracterizar algo em determinado momento e espao a partir de certa posio de poder (professor, pesquisador, escritor) e, por isso, autorizar a dizer algo que funciona como verdade. Dizer isso considerar que o conhecimento produzido est situado temporal e historicamente e depende da linguagem que o produz. Desse modo, quando vinculamos as respostas dos professores pesquisados nesse ou naquele discurso pedaggico, o fazemos por meio de uma construo discursiva. No entanto, ao dizermos que a realidade uma construo, isso no quer dizer que no existe um mundo fora da linguagem mas sim que o acesso a esse mundo se d pela significao mediada pela linguagem (Costa, 2002, p. 107).

Nesse sentido, as metodologias utilizadas pelos professores para ensinar, na expectativa que produzam aprendizagens para os alunos e outras rechaadas por no gerar tal efeito, adquirem sentidos validados por discursos pedaggicos vigentes e que adquirem um estatuto de verdade. Discurso utilizado, neste estudo, a partir da compreenso que objetos e aes no se constituem naturalmente com seus nomes, mas utilizando classificaes e categorias da linguagem que os nomeamos. Conforme Foucault (1995), o discurso constitui-se de conjuntos de enunciados sustentados em formaes discursivas que pertencem a um mesmo conjunto de regras e leis. Concebido assim, discurso consiste em uma prtica ou conjunto de prticas que definem e formam os objetos de que falam, ou seja, so as palavras que fornecem significados s coisas. Portanto, por meio de nomeaes, descries e concepes que construmos conhecimentos e podemos agir sobre ns mesmos e sobre os outros.

A partir dessa noo, Daz (1998) argumenta que o discurso do professor no constitui um projeto deliberado de um falante autnomo a partir de uma inteno comunicativa, mas, continua o autor, assumido a partir de uma ordem, a partir de um sistema de produo do discurso, a partir de princpios de controle, seleo e excluso que atuam sobre suas (re)produes de significados e sobre suas prticas especificas (Daz, 1998, p. 15). Desse ponto de vista, o professor, considerado aqui como um sujeito pedaggico constitudo, formado e regulado, no discurso pedaggico, pela ordem, pelas posies e diferenas que esse discurso estabelece (Daz, 1998, p. 15).

Por sua vez, a formao docente operacionalizada por um conjunto de discursos composto por textos, regras e prticas que pretendem assujeitar ou subjetivar o indivduo, interpelando-o a tornar-se determinado tipo professor: crtico, reflexivo, cooperativo, autnomo, automotivado, dentre tantos outros. Os discursos acerca da formao docente, por mais diferentes e variados que possam ser, interpelam os sujeitos a fabricarem determinadas identidades para si mesmos (Garcia, 2002, p. 139). Assim, nas instituies formadoras, nas politicas curriculares e de regulao da educao, no cotidiano das escolas, so validados discursos pedaggicos que mudam histrica e culturalmente.

Ao estudar metodologias de ensino, as entendemos como prticas pedaggicas operacionalizadas por meio de conjuntos de atividades escolares propostas pelos professores com vistas a alcanar a aprendizagem de determinados conhecimentos, valores e comportamentos. Significadas pela linguagem, as atividades escolares so classificadas como geradoras ou no de aprendizagem vinculadas a diferentes discursos pedaggicos (nomeados de tradicionais, tecnicistas e construtivistas, por exemplo) validados em determinadas pocas, bem como relacionadas aos efeitos das experincias vivenciadas pelos professores e alunos como sujeitos e assujeitados pelas verdades institudas nesses discursos pedaggicos.

Nesse sentido, a anlise de Silveira (2005) sobre os discursos dominantes existentes nas provas de ingresso para o magistrio na rede pblica (p. 1), em particular no campo discursivo da alfabetizao e leitura, mostra que h embate de tendncias pedaggicas, cuja correo pode variar de acordo com a hegemonia dos discursos que atravessam os distintos concursos pblicos (p.7). A autora sublinha o poder de tais discursos em ratificar verdades pedaggicas e produzir o/a professor/a de sucesso aquele que soube identificar, no momento exato, tais verdades. Na mesma perspectiva, a investigao de Sommer (2005) evidencia que as prticas discursivas da escola obedecem a um ordenamento prvio, que os enunciados obedecem a regras de formao especficas, que alguns ditos so sancionados e outros interditados (p. 4). Ainda, para o autor, o que se diz na escola somente repercute porque referendado por uma ordem mais ampla, porque est na ordem do discurso (p.7). Tais estudos nos mostram que para alm de centrar o processo de formao de professores apenas no carter prescritivo, validando por um discurso pedaggico sobre a didtica e as metodologias de ensino e aprendizagem, na reproduo dos conhecimentos tidos como universais para dar boas aulas, a problematizao trazida por Sommer (2005), Silveira (2005), dentre outros, incita-nos a questionar que discursos priorizamos nos processos de formao de professores, que ordem do discurso pedaggico valorizamos e qual interditamos. Ao atuarmos nas faculdades de educao, ao nos envolvermos com a formao de professores, podemos alimentar a insatisfao com o j sabido, praticado e dito como professores e pesquisadores porque j no podemos mais receber e aceitar conhecimentos, linguagens, formas de raciocnio, tcnicas normativas, tipos de experincia da docncia moderna...sem question-los (Corazza, 2002, p.59).

As noes tericas selecionadas para este estudo inspiraram tambm o modo como coletamos as informaes para serem analisadas. Silveira (2002), ao discutir um dos instrumentos largamente utilizado nas pesquisas em educao as entrevistas mostra que elas so uma arena de significados. Compartilhando da perspectiva da autora, significamos desse modo tambm os questionrios utilizados nesta pesquisa. Em outras palavras, consideramos que as respostas registradas pelos professores no trazem revelaes intimas ou estabelecimento de verdades. Assim como as entrevistas, os questionrios so embebidas[os] nos discursos de seu tempo, de situao vivida, das verdades institudas para os grupos sociais dos membros dos grupos (Silveira, 2002, p. 130).

Os questionrios foram respondidos por 120 professores que atuam nas escolas municipais, estaduais e particulares da regio Oeste de Santa Catarina e Noroeste do Rio Grande do Sul, conforme anunciado anteriormente. Tal investigao realizou-se nessas regies em virtude da atuao de uma das pesquisadoras em cursos de especializao, o que facilitou a coleta de dados. Ainda, ter cursado licenciatura consiste em um dos critrios de seleo dos pesquisados na investigao proposta. J de inicio informamos aos participantes o destino que daramos ao material coletado e a garantia do anonimato de suas declaraes e com isso estabelecemos com os mesmos uma relao de colaborao.

Solicitamos aos participantes a resposta de perguntas abertas, semelhantes quelas feitas aos alunos nas conversas informais que caracterizaram o primeiro momento da pesquisa, quais sejam: a) No seu fazer pedaggico que atividades de ensino e aprendizagem so propostas aos alunos e considera que eles aprendem? Justifique; b) Em quais atividades propostas considerou que o aluno no aprendeu? Justifique. Essas perguntas foram respondidas por professores que atuam ou no nas escolas.

Consideramos importante descrever alguns aspectos que caracterizam os sujeitos pesquisados. Quanto a formao, no momento da realizao dos questionrios, todos concluram licenciatura e em sua maioria cursadas nas Instituies de Ensino Superior da regio. Dentre eles, h predomnio de docentes com Curso de Pedagogia e de Educao Fsica (80%), em menor proporo, Licenciatura em Letras e em Matemtica (13%) e apenas um professor das Licenciaturas de Geografia, de Histria, de Filosofia e de Biologia (7%). Todos os pesquisados cursavam Especializao na rea da Educao. Em relao a experincia, os professores tem em mdia doze anos de atuao e aproximadamente 15% possuem apenas experincia de estgio realizado durante seu Curso de Licenciatura.

A interdio de metodologias centradas no ensino Nas respostas da questo sobre as atividades propostas pelos professores e que os alunos no aprendem, encontramos, num primeiro conjunto de respostas, aquelas consideradas descontextualizadas, sem significao, repetitivas, cansativas, muito conteudistas, como podemos observar em alguns registros: atividades com assuntos que eles desconhecem, que est longe da realidade deles (Prof. 45); exerccios de fixao (decoreba) de normas e regras com repetio do exerccio, ou cpia do que j foi feito (Prof.53); Quando voc quer correr com o contedo dando bastante atividades, e as mesmas so propostas mais numa linha tradicional, o aluno cansa e acaba fazendo as atividades pela metade, no aprende e o professor v o seu trabalho fracassado ( Prof. 47). Ficou perfeitamente claro que quando uso algumas atividades da cartilha as crianas no gostam e no aprendem pois fica muito distante da sua realidade (Prof. 59).

As respostas aqui mencionadas podem ser classificadas no conjunto de discursos pedaggicos tradicionais, rechaados nos ltimos 20 anos. Nesse aspecto preciso considerar que o discurso construtivista, cuja acepo do aprender defende a ao do aluno sobre o objeto de aprendizagem, institui-se advogando pela ineficincia dos discursos tradicionais. Essa fora do discurso construtivista se visualiza pela oposio do binmio de mtodo construtivista/tradicional, sendo o primeiro plo significado como mais importante e por isso pode apresentar-se como uma verdade.

Um segundo conjunto de respostas tambm nos chamou ateno: aquelas que se referem a linguagem dos professores utilizadas em sala de aula. Vejamos algumas: Quando falo uma linguagem que no seja do entendimento do aluno, sinto que tenho que explicar de novo (Prof. 51); Quando sinto que estou falando sozinho, sem dilogo, que no esto interagindo porque no esto entendendo (Prof. 90). Outros docentes referiram-se a dificuldades dos alunos no entendimento do que o professor est explicando. Parece vincular-se a esta questo, outros registros bastante freqentes: o distanciamento entre o contedo exposto pelo professor com coisas e situaes do cotidiano dos alunos e da prpria sociedade. (...) Distanciamento da realidade, no consegue fazer um elo com o cotidiano ou a vida prtica (Prof. 57); Ao realizar uma atividade com uma poesia, a qual no tinha nada a ver com o cotidiano da criana, algo muito distante e atraente para ela(Prof. 98). Ainda, o uso excessivo de materiais didticos apostilas e livros didticos pode ser vinculado com a linguagem, pois os materiais no traduzidos pelos professores, so utilizados, muitas vezes, sem um debate, sem clareza do objetivo a ser alcanado, o fazer por fazer, o ler por ler, como mencionam as respostas a seguir: quando o professor distribui apostilas manda ler e apresentar. No h envolvimento da turma. Fica montono cansativo. o fazer sem sentido(Prof. 65); trabalhar s com livro ou material impresso, fica muito no abstrato, ento fica mais difcil compreender (Prof 81).

Lulkin (2004) chama ateno que nos processos de ensinar e aprender nossa ateno precisa voltar-se a um dos aspectos fundamentais na relao entre o sujeito que fala e o sujeito que escuta: a no-transparncia da linguagem. O autor compartilha da compreenso de representao trazida por Silva (1999, p. 37), na qual, o vnculo que se estabelece entre significante e significado sempre resultado de uma construo social. Lulkin (2004, p. 44 chama ateno que ao assumir o uso da lngua portuguesa (ou outra) em sala de aula como no sendo cristalina admitir que nem tudo o que eu digo compreendido como eu gostaria, justamente porque os cdigos so mediados pela cultura e cada um pode interpretar de maneira diversa o que est sendo dito, ainda que se busque sentidos comuns. Considerar a no-transparncia da linguagem na proposio de atividades escolares e nos vocabulrios utilizados por professores e alunos tem sido um indicativo para problematizar a efetivao do processo de ensino aprendizagem.

H ainda um terceiro conjunto de registros que consideramos significativos para abordar, os quais j havia nos interessado nas anlises preliminares, que neste momento foi possvel retomar e ampliar algumas reflexes, so eles: Tudo gera aprendizagem (Prof. 52); Sempre o aluno aprende algo (Prof. 70). A resposta seguinte mereceu um olhar mais atento:No tenho lembrana [fazendo referncia as atividades que no geravam aprendizagem] pois foi h alguns anos atrs que trabalhei (Prof. 79). Observamos que o Prof. 79 no atuava em 2006 em sala de aula, no entanto, j vivenciou a docncia. Chamou nossa ateno que os professores 78 e 80 no responderam a questo, mas, so professores que atuam em sala de aula e tem experincia docente. Mesmo no sendo objetivo da discusso no presente texto, podemos adiantar que nas entrevistas que estamos realizando no segundo momento do atual projeto de pesquisa, parece que os professores lembram primeiro daquelas atividades que ofereceram aos alunos e no geram aprendizagem do que ao contrrio. No responder a questo sobre as atividades improdutivas para aprender seria um indicativo que o professor no consegue identificar se a atividade produz alguns efeito no aluno?

Nas anlises iniciais recortamos e analisamos os registros dos professores afirmando que sempre o aluno aprende alguma coisa do que ensinado (Prof.03), ou ainda, por mais frustrante que seja a aula para o professor, o aluno sempre aprende de uma forma ou outra o que foi planejado para aquele dia de aula (Prof. 33). Tais registros nos remeteram a uma leitura constatando haver o predomnio de uma representao que parece fortalecer a onipotncia do professor quando se trata de ensinar e aprender. As leituras dos 120 questionrios realizados nos fez levantar outros questionamentos: sob um primeiro prisma podemos dizer que h uma banalizao do termo aprendizagem, ou seja, qualquer atividade proposta pelo professor atinge o objetivo esperado: aprender algo, mesmo que seja, aprender a no bagunar ocupando o tempo da aula com qualquer coisa. Ou ento, situar como aprendizagem qualquer ao do aluno em relao a atividade proposta, tendo em vista uma das crenas difundidas pelo discurso construtivista que a aprendizagem ocorre a partir da iniciativa e da ao do aluno.

Sob um segundo prisma, localizamos os registros mencionados neste ultimo conjunto como pertencentes a um discurso apriorista, conforme denomina Becker (2000). Na descrio do autor, modelos pedaggicos e modelos epistemolgicos embasados nos princpios aprioristas defendem que o aluno possui um conhecimento a priori, o aluno que aprende por si. Nessa abordagem o professor entendido como um auxiliar, que deve interferir o mnimo possvel na aprendizagem do aluno, assim como sua crena que: ningum ensina ningum. No presente texto no se est identificando quais discursos so os verdadeiros e que devem ser seguidos pelos professores para obter sucesso na escola. Nosso objetivo propor algumas leituras e questionamentos acerca de alguns possveis efeitos que podem gerar tais discursos para as prticas pedaggicas na contemporaneidade.

A pedagogia centrada no aprendizAs respostas da questo acerca das atividades de ensino e aprendizagem propostas e que os professores indicam como produtivas para aprender foram organizadas em trs agrupamentos,com nfase: no aprender fazendo, na relao do contedo com a realidade do aluno e nas atividades com caractersticas ldicas.

Quanto a nfase no aprender fazendo so mencionadas aquelas atividades que prevem o uso de materiais concretos e que trabalham a teoria na prtica como observamos nos registros a seguir: Atividades relacionadas a seu cotidiano com material concreto que instiga a curiosidade do educando. Eles aprendem porque tema que faz parte do seu dia a dia (Prof. 45); Ao trabalhar com algo significativo, que faa parte do meio deles, como por exemplo:conhecer um pomar, colher frutas, estudar sobre suas utilidades, aproveitamento, fazer experincias na prtica (Prof. 100); As atividades que esto relacionadas a prticas pedaggicas, pois conseguimos fazer a relao prtica X teoria transformaremos a realidade que est a colocada (Prof. 69); O ensino ativo, para usar a expresso de Popkewitz (2001), consiste em uma forma de desenvolver os raciocnios escolares por intermdio da proposio de atividades que lidam com a aprendizagem de conhecimentos classificados como teis e prticos. Como uma metodologia que incentiva o aprender fazendo, no diz respeito apenas ao conhecimento a ser aprendido, mas tambm ao eu. Isso porque, nesse tipo de pensamento, o prazer e a participao no esto associados apenas ao que aprendido, mas ao fazer para aprender (POPKEWITZ, 2001).

Os discursos acerca do carter emancipatrio da educao so largamente fortalecidos nas respostas que caracterizam como produtivas as atividades que relacionam o contedo escolar com a realidade do aluno, como os exemplificados: (...) depois de trabalhar o assunto gua com a 3 srie este ano [2006], ns fomos conhecer a nascente do Rio do Mel, que abastece os municpios de Planalto e Alpestre e a CORSAN. Assim partimos da teoria para a prtica e houve o entendimento de todo o processo que a gua passa e com certeza as crianas se conscientizaram da importncia de preservar o meio ambiente (Prof. 58); no trabalho que desenvolvi com jovens que freqentam as casas familiares, no que se refere a aprendizagem, o importante partir da realidade de cada um, assim o tema passa a ter sentido, a aula se torna mais atrativa, pois o assunto de interesse (Prof. 92); so atividades do conhecimento cotidiano do aluno, ou seja, o conjunto de significados sobre a vida que nos rodeia (Prof. 111). Partindo da classificao de Mizukami (1986), os registros selecionados referem-se a que a autora denomina de abordagem scio-cultural, cujas caractersticas do processo de ensinar e aprender concentram-se a superar a relao entre opressor-oprimido (cujo um dos entendimentos o professor como opressor e o aluno como oprimido), desenvolvendo a conscincia crtica por meio de prticas pedaggicas que valorizam a realidade do aluno e priorizam atividades com os chamados temas geradores. Nas prticas pedaggicas propostas principalmente para as crianas, aps a dcada de 80 no Brasil, com a difuso das perspectivas construtivistas, a abordagem scio-cultural tem se aliado com as metodologias ativas, discutidas anteriormente. Possivelmente, a aliana fortaleceu a o argumento de que crianas, jovens e adultos aprendem fazendo e no ouvindo e nem realizando atividades mecnicas. Com isso, as formas de ensinar e aprender no-centradas na atividade e no fazer do aluno so situadas como metodologias tradicionais e seu uso no recomendado.

O terceiro conjunto de registros acentuam como produtivas as atividades com caractersticas ldicas, cuja nfase recai nos jogos e brincadeiras, como os selecionados: Atividades ldicas, jogos, teatros, expresses orais, trabalhos em grupo e atividades que o aluno precisa pensar, interagir e construir sua aprendizagem, sempre com a liberdade de criar, porm sob a orientao do professor que faz um papel de mediador entre o aluno e os saberes (prof. 49). Trabalho de maneira ldica, onde a participao da criana esteja interando em todo momento e fazendo com que a aprendizagem acontece de forma divertida e prazerosa (Prof. 81); Atuando com crianas pequenas entendo que o fazer pedaggico jamais acontece desassociado de brincar, ningum ensina, ambos (professores e crianas) construmos conceitos e conhecimentos juntos (Prof.97). Se por um lado as atividades caracterizadas como tradicionais, tais como a repetio, a decoreba, a cpia, so tratadas como enfadonhas, cansativas e posicionadas como desinteressantes para os alunos, por outro, parece haver um imperativo do prazer para aprender. A partir dessa hiptese, a identidade docente exigida para operacionalizar as prticas pedaggicas se caracteriza por um conjunto de aes, nas quais o professor concebido como algum que: orienta mais do que ensina, prioriza o ritmo individual do aluno com possibilidade de haver diminuio de contedos trabalhados e enfatiza a participao do aluno e nas atividades de grupo. Essa verdade pedaggica centralizada no aprender ldico composta por um conjunto de discursos largamente conhecidas no campo da Pedagogia, tais como a Escola Nova, a pedagogia Freinet, o personalismo, as prticas rogerianas (PALAMIDESSI, 1996, p. 203). Portanto, os registros mostram reiteradamente que as metodologias de ensino centradas no professor no ocupam mais o centro da ao docente. O centro do processo educativo escolar, nas ltimas dcadas est centrado no aluno, ou melhor, no seu processo de aprendizagem. Sommer (2005) evidencia essa centralidade do aluno e tambm o deslocamento da preocupao do ensino para a aprendizagem, nos discursos docentes sobre alfabetizao. Tambm nesta investigao com professores das Sries Iniciais, de Educao Fsica e um pequeno nmero que atuam nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Mdio, tal discurso mantm sua vitalidade. Em outras palavras, os discursos pedaggicos construtivistas, dominantes nas ltimas dcadas, no produzem apenas a pedagogia centrada na criana, como evidencia Walkerdine (1998), mas uma pedagogia centrada no aprendiz seja qual for sua faixa etria. Para finalizar.... algumas verdades pedaggicas de nosso tempo A leitura das informaes nos possibilitou perceber um predomnio do discurso pedaggico centrado na aprendizagem do aluno, descrevendo com caractersticas passivas e de pouco interesse dos alunos atividades que, anteriormente a dcada de 80, ocupavam a centralidade do discurso pedaggico da escola. Em resumo, para os professores questionados a aprendizagem ocorre desde que sejam propostas atividades que o aluno aprenda fazendo, interessem e despertem nele o prazer de aprender e relacionem experincias anteriores, vivncias pessoais e situaes da realidade aos contedos a serem aprendidos. J, as atividades desaconselhadas para produzir o aprender podem ser enumeradas como aquelas que no fazem relao com o contexto ou comunidade do aluno, repetitivas, cansativas e conteudistas. Os professores tambm advertem para no fazer uso de uma linguagem distante daquela do aluno e evitar o uso excessivo de materiais didticos.

Na leitura realizada, reconhecemos a importncia e necessidade de oferecer atividades e acompanhar o seu desenvolvimento para evidenciar o efeito na aprendizagem do aluno. No advogamos aqui o retorno saudosista dos discursos pedaggicos classificados como tradicionais ou tecnicistas. Reconhecemos a importncia de propor outras crenas no que tange a produo de outras formas de ensinar e aprender. No entanto, problematizamos a naturalizao dos discursos pedaggicos predominantes, os quais classificamos como construtivista, scio-cultural e ldico, como redentores da aprendizagem do aluno e profticos quanto a obteno da desejada qualidade na educao. Questionamos as razes para que outros discursos com carter diretivo, centrado nos processos de ensino e no de aprendizagem so posicionados como ineficientes. A hiptese apontada por Silva (1998), Walkerdine (1998), Palamidessi (1996) e por ns reiterada, qual seja: a universalizao dos discursos centrados na aprendizagem do aluno, de predomnio construtivista, validados cientificamente, ao invs de promover a desejada cidadania e autonomia do aluno (como se sua aquisio ocorresse apenas na escola!) constituem-se em condies educacionais para viabilizar a racionalidade poltica em curso na contemporaneidade. Uma racionalidade caracterizada, por exemplo, pela responsabilizao do aluno pelo seu sucesso e fracasso escolar e flexibilizao regulada das polticas curriculares. Entretanto, precisamos lembrar que nestes tempos de economia e poltica globalizadas, mais autonomia relaciona-se com o aumento do controle da conduta dos sujeitos, sejam alunos ou professores, bem como mais cidadania significa tambm mais regulao (Silva, 1998, p. 8).

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Doutora em Educao (UFRGS) e professora da Linha de Pesquisa Estudos Culturais do Programa de Ps- Graduao em Educao e Didtica Geral nos Cursos de Licenciatura da UFRGS.

Mestre em Educao (UNISINOS), professora de cursos de Licenciatura e Cursos de Especializao

Mestre em Educao (UFRGS) docente em diferentes cursos de licenciatura, coordenadora de Cursos de Especializao em Gesto e Superviso Educacional e Orientao Educacional.

Ver Traversini;Costa (2006).

Na abordagem scio-cultural, compreende-se como tema gerador um assunto, um tema ou um problema da comunidade ou sociedade e em torno do qual desenvolvem-se um conjunto de conhecimentos afins, por meio de estudos, discusses e produo de saberes. Freire (1996) acentua a importncia do processo de escolha desses assuntos, problemas ou temas geradores, pois eles no devem ser impostos. So resultado de aes mediadores que incluem as responsabilidades docentes e os interesses dos alunos.