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  • ISABELLE OLIVEIRA SOARES

    (DES)ARTICULAO ENTRE POLTICA URBANA E POLTICA HABITACIONAL: PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA E ZEIS NAS CIDADES MDIAS DE

    MINAS GERAIS

    Dissertao apresentada Universidade Federal de Viosa, como parte das exigncias do Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo, para obteno do ttulo de Magister Scientiae.

    VIOSA MINAS GERAIS BRASIL

    2012

  • Ficha catalogrfica preparada pela Seo de Catalogao e Classificao da Biblioteca Central da UFV

    T Soares, Isabelle Oliveira, 1982- S676d (Des)articulao entre poltica urbana e poltica habitacional 2012 : Programa Minha Casa, Minha Vida e ZEIS nas cidades mdias de Minas Gerais / Isabelle Oliveira Soares. Viosa, MG, 2012. xiii, 126f. : il. ; (algumas color.) ; 29cm. Inclui apndices. Orientador: Aline Werneck Barbosa de Carvalho. Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Viosa. Referncias bibliogrficas: f. 115-123. 1. Poltica habitacional. 2. Habitao popular. 3. Habitao. 4. Poltica urbana. 5. Planejamento urbano. I. Universidade Federal de Viosa. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo. II. Ttulo. CDD 22. ed. 728.1

  • ISABELLE OLIVEIRA SOARES

    (DES) ARTICULAO ENTRE POLTICA URBANA E POLTICA HABITACIONAL: PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA E ZEIS NAS CIDADES MDIAS DE

    MINAS GERAIS

    Dissertao apresentada Universidade Federal de Viosa, como parte das exigncias do Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo, para obteno do ttulo de Magister Scientiae.

    APROVADA: 31 de agosto de 2012.

    Prof. Geraldo Browne Ribeiro Filho (Coorientador)

    Prof. Neide Maria de Almeida Pinto (Coorientadora)

    Prof. Suely de Ftima Ramos Silveira

    Prof. Aline Werneck Barbosa de Carvalho (Orientadora)

  • iii

    SUMRIO

    LISTA DE QUADROS ........................................................................................................... vi

    LISTA DE TABELAS ............................................................................................................ vii

    LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. viii

    LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................ ix

    RESUMO ............................................................................................................................... x

    ABSTRACT ........................................................................................................................... xii

    INTRODUO GERAL ......................................................................................................... 1 1. Consideraes iniciais e problematizao ....................................................................... 1 2. Justificativa e relevncia do tema .................................................................................... 3 3. Objetivos ........................................................................................................................... 4

    3.1. Objetivo geral .......................................................................................................... 4 3.2. Objetivos especficos .............................................................................................. 4

    4. Consideraes sobre a metodologia e organizao geral do trabalho ............................ 5

    CAPTULO 1: A LOCALIZAO DA HABITAO DE INTERESSE SOCIAL .................. 8 1. Introduo ....................................................................................................................... 8 2. Localizao da habitao de interesse social, periferia e excluso socioespacial ........ 10 3. O preo do solo e os agentes que interferem na formao do espao urbano ............. 13

    3.1. O preo do solo ....................................................................................................... 13 3.2. Agentes e estratgias na produo do espao urbano .......................................... 15

    3.2.1. Os proprietrios dos meios de produo ........................................................ 16 3.2.2. Os proprietrios do solo .................................................................................. 17 3.2.3. Os promotores imobilirios e as construtoras ................................................. 18 3.2.4. O poder pblico ............................................................................................... 20 3.2.5. Os grupos sociais excludos ............................................................................ 21

    4. Indicadores de localizao .............................................................................................. 22 5. Consideraes finais ....................................................................................................... 27

    CAPTULO 2: CIDADES MDIAS DE MINAS GERAIS: CONCEITO, IDENTIFICAO E CARACTERIZAO ......................................................................................................... 28 1. Introduo ....................................................................................................................... 28 2. Diferentes definies para cidades mdias .................................................................. 29 3. Identificao e caracterizao das cidades mdias de Minas Gerais ............................ 38 4. Anlise Comparativa das Cidades .................................................................................. 39 5. Consideraes Finais...................................................................................................... 42

  • iv

    CAPTULO 3: AS ZEIS E AS CIDADES MDIAS DE MINAS GERAIS .............................. 43 1. Introduo ....................................................................................................................... 43 2. As ZEIS como instrumentos de poltica urbana e habitacional ...................................... 45 3. As ZEIS nas cidades mdias de Minas Gerais ............................................................... 48

    3.1. Divinpolis ............................................................................................................... 48 3.2. Governador Valadares ............................................................................................ 49 3.3. Pouso Alegre ........................................................................................................... 50 3.4. Tefilo Otoni ............................................................................................................ 51 3.5. Uberaba ................................................................................................................... 51 3.6. Varginha .................................................................................................................. 53

    4. Sntese da instituio de ZEIS nas cidades mdias de MG ........................................... 53 5. Consideraes Finais...................................................................................................... 54

    CAPTULO 4: PANORAMA DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS .......................................................................................................... 56 1. Introduo ....................................................................................................................... 56 2. Viso Geral do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) ...................................... 58

    2.1. O PMCMV em rea urbana (PNHU) ....................................................................... 59 2.1.1. O PMCMV em rea urbana para a menor faixa de renda familiar .................. 60

    2.1.1.1. Recursos do FAR ................................................................................. 60 2.1.1.2. Recursos do FDS ................................................................................. 63

    2.1.2. Fundo Garantidor da Habitao ...................................................................... 65 2.1.3. Localizao dos empreendimentos do PMCMV na rea urbana .................... 66

    3. Panorama de implantao do PMCMV........................................................................... 68 4. Consideraes Finais...................................................................................................... 72

    CAPTULO 5: A (DES) ARTICULAO ENTRE POLTICA URBANA E POLTICA HABITACIONAL: O CASO DAS ZEIS E DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA EM UBERABA, MG .............................................................................................................. 74 1. Introduo ....................................................................................................................... 74 2. Procedimentos Metodolgicos ........................................................................................ 74 3. Uberaba Caractersticas Gerais e Estrutura de Governo para a Habitao de

    Interesse Social ............................................................................................................. 76 3.1. Viso Geral do Municpio ........................................................................................ 76 3.2. A Secretaria Municipal de Planejamento ................................................................ 77 3.3. A COHAGRA Companhia Habitacional do Vale do Rio Grande ......................... 78

    4. As ZEIS vazias em Uberaba ........................................................................................... 80 5. O PMCMV em Uberaba: localizao dos conjuntos e seleo de moradores ............... 84

    5.1. Viso geral da implementao do PMCMV para a populao de baixa renda em Uberaba ................................................................................................................... 84

    5.2. Os Agentes atuantes no PMCMV em Uberaba ...................................................... 86

  • v

    5.3. Empreendimentos do PMCMV Faixa I construdos em Uberaba ........................ 87 5.4. Seleo de moradores ............................................................................................ 88 5.5. Localizao dos conjuntos ...................................................................................... 88

    5.5.1. Residencial Pacaembu II ................................................................................. 90 5.5.2. Residencial Morumbi II .................................................................................... 92 5.5.3. Jardim Copacabana ........................................................................................ 94 5.5.4. Parque dos Girassis I e II .............................................................................. 97 5.5.5. Residencial Jardim Alvorada ........................................................................... 99

    5.6. Avaliao de conjuntos residenciais do PMCMV por meio dos indicadores de localizao .............................................................................................................. 102

    6. A influncia das ZEIS na localizao dos empreendimentos do PMCMV em Uberaba 106 7. Consideraes Finais...................................................................................................... 108

    CONCLUSES GERAIS ...................................................................................................... 110

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................................... 115

    APNDICE A......................................................................................................................... 124

  • vi

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1.1: Indicadores de localizao da HIS .................................................................... 26

    Quadro 2.1: Hierarquia das Cidades Mdias de Minas Gerais 1982 ................................. 31

    Quadro 2.2: Hierarquia das Cidades Mdias de Minas Gerais 1999 ................................. 32

    Quadro 2.3: Hierarquia das Cidades Mdias de Minas Gerais 2006 ................................. 33

    Quadro 3.1: Instituio das ZEIS na legislao das cidades mdias de MG ....................... 54

    Quadro 3.2: Situao das ZEIS vazias nas cidades mdias de MG..................................... 54

    Quadro 5.1: Avaliao dos empreendimentos quanto qualidade da localizao .............. 104

  • vii

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 2.1: Sntese das caractersticas das cidades mdias de Minas Gerais .................... 40

    Tabela 2.2: Nveis de centralidade das cidades mdias de Minas Gerais ........................... 40

    Tabela 4.1: Dficit acumulado e as metas do Programa Minha Casa, Minha Vida em 2009 distribuio do dficit por faixa de renda ................................................................... 57

    Tabela 4.2: Valores mximos atualizados (PMCMV 2) para aquisio de unidades produzidas com recursos do FAR ......................................................................................... 61

    Tabela 4.3: Valores mximos atualizados (PMCMV 2) para a aquisio de unidades produzidas com recursos FDS .............................................................................................. 64

    Tabela 4.4: Nmero de unidades habitacionais contratadas pela CAIXA no PMCMV com recursos FAR e FGTS nas cidades mdias de Minas Gerais, 2009-2012 ................... 71

    Tabela 4.5: Comparao entre a produo habitacional pelo PMCMV e o dficit habitacional nas cidades mdias de Minas Gerais 2007 ................................................... 72

    Tabela 5.1: Resumo de Produo Habitacional sob a gesto da COHAGRA no Perodo 2005 a 2012 ........................................................................................................................... 79

    Tabela 5.2: Empreendimentos do PMCMV contratados com recursos do FAR em Uberaba, no Perodo 2009-2010 ........................................................................................... 88

  • viii

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 2.1: Cidades Mdias de Minas Gerais ....................................................................... 39

    Figura 2.2: PIB per capita das Cidades Mdias de Minas Gerais......................................... 41

    Figura 2.3: Classes de hierarquia para equipamentos e servios das cidades mdias de Minas Gerais .................................................................................................................... 41

    Figura 4.1: Nmero de unidades habitacionais contratadas pela CAIXA no PMCMV. Brasil, 2009-2012 .................................................................................................................. 69

    Figura 4.2: Nmero de unidades contratadas pela CAIXA por fonte de recursos do PMCMV. Brasil, 2009-2012 ................................................................................................... 69

    Figura 4.3: Nmero de unidades habitacionais contratadas pela CAIXA por fonte de recursos do PMCMV em Minas Gerais e no Brasil, 2009-2012 ............................................ 70

    Figura 5.1: Zonas Especiais de Interesse Social - Uberaba/MG .......................................... 81

    Figura 5.2: Mapa de Zoneamento - Uberaba/MG (LEI 456-2011) ........................................ 83

    Figura 5.3: Conjuntos do PMCMV (recursos FAR) e ZEIS em Uberaba/MG ....................... 89

    Figura 5.4: Vista geral do Residencial Pacaembu II (janeiro/2012) ...................................... 90

    Figura 5.5: Localizao do conjunto Pacaembu II ................................................................ 90

    Figura 5.6: Vistas da Avenida Amrico Pessato no interior do conjunto residencial ............ 91

    Figura 5.7: Vistas do canteiro central da Av. Juca Pato, no limite do conjunto residencial Pacaembu II (janeiro/2012) ................................................................................................... 92

    Figura 5.8: Localizao do conjunto residencial Morumbi II ................................................. 93

    Figura 5.9: Vista do Residencial Morumbi II e da Avenida Hamid Mauad a partir da rodovia BR-262 (janeiro/2012) .............................................................................................. 94

    Figura 5.10: Localizao do conjunto Jardim Copacabana (janeiro 2012) ........................... 95

    Figura 5.11: Vista das obras em andamento no conjunto Jardim Copacabana (janeiro/2012)......................................................................................................................... 95

    Figura 5.12: Vista do conjunto Jardim Copacabana (janeiro/2012) ...................................... 96

    Figura 5.13: Vista do conjunto Jardim Copacabana (janeiro/2012) ...................................... 97 Figura 5.14: Vistas dos conjuntos Parque dos Girassis I ( direita) e Parque dos Girassis II ( esquerda) (janeiro/2012) ................................................................................ 98

    Figura 5.15: Localizao do conjunto Jardim Alvorada (janeiro/2012) ................................. 99

    Figura 5.16: Vista do Bairro Jardim Alvorada, nas proximidades do conjunto do PMCMV (janeiro/2012)......................................................................................................................... 100

    Figura 5.17: Vista do conjunto Jardim Alvorada (janeiro/2012) ............................................ 100

  • ix

    LISTA DE SIGLAS

    ACP rea de Concentrao de Populao

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    BNH Banco Nacional de Habitao

    CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano

    COHAB Companhia de Habitao

    COHAGRA Companhia Habitacional do Vale do Rio Grande

    FAR Fundo de Arrendamento Residencial

    FDS Fundo de Desenvolvimento Social

    FGHab Fundo Garantidor da Habitao

    FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Servio

    FJP Fundao Joo Pinheiro

    GIDUR Gerncia de Filial Desenvolvimento Urbano e Rural

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    OGU Oramento Geral da Unio

    PIB Produto Interno Bruto

    PlanHab Plano Nacional de Habitao

    PNHR Programa Nacional de Habitao Rural

    PNHU Programa Nacional de Habitao Urbana

    RMBH Regio Metropolitana de Belo Horizonte

    RMVA Regio Metropolitana do Vale do Ao

    SAS Sistema de Aquecimento Solar

    SEPLAN Secretaria Municipal de Planejamento

    SIDUSCON Sindicato da Indstria da Construo Civil

    ZEIS Zona Especial de Interesse Social

  • x

    RESUMO

    SOARES, Isabelle Oliveira, M.Sc., Universidade Federal de Viosa, agosto de 2012. (Des)articulao entre poltica urbana e poltica habitacional: Programa Minha Casa, Minha Vida e ZEIS nas cidades mdias de Minas Gerais. Orientadora: Aline Werneck Barbosa de Carvalho. Coorientadores: Neide Maria de Almeida Pinto e Geraldo Browne Ribeiro Filho.

    Nesta dissertao, apresenta-se uma discusso sobre a articulao entre a poltica habitacional e a poltica urbana nas cidades mdias de Minas Gerais. O principal objetivo foi analisar a relao entre a instituio de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em reas vazias e a localizao da habitao produzida pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) para a populao com renda at trs salrios mnimos. A pesquisa qualitativa orientou-se por pesquisa bibliogrfica, pesquisa documental e pesquisa de campo. Foram utilizados dados secundrios obtidos a partir da literatura, com a finalidade de conceituar e identificar as caractersticas das ZEIS, das cidades mdias de Minas Gerais e do PMCMV. A pesquisa documental incluiu o levantamento e a anlise da legislao urbanstica dos seis centros urbanos identificados como cidades mdias em Minas Gerais - Divinpolis, Governador Valadares, Pouso Alegre, Tefilo Otoni, Uberaba e Varginha - com a finalidade de identificar os tipos de ZEIS institudas e demarcadas. Finalmente, a pesquisa de campo foi realizada em Uberaba, nica cidade mdia em que se verificaram simultaneamente dois critrios: a demarcao de ZEIS em reas vazias e a implantao de empreendimentos do PMCMV. Para a pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas estruturadas com os principais agentes responsveis pela implementao das polticas urbana e habitacional no municpio, tais como os construtores responsveis pelas obras e os agentes institucionais ligados Prefeitura, Cmara Municipal e ao Conselho Municipal de Habitao. A partir dessas entrevistas, buscou-se investigar nessa localidade se o fato de existir demarcao de ZEIS em reas vazias interferiu na implantao de empreendimentos do PMCMV e, de forma complementar, como os agentes locais associados a esse programa interferiram na definio da localizao desse empreendimento. Tambm foram realizadas entrevistas com moradores de dois conjuntos residenciais j ocupados, alm de visitas a todos os empreendimentos, visando ao levantamento de dados sobre sua localizao. Mediante utilizao de indicadores, avaliou-se a adequao da localizao dos empreendimentos do PMCMV e a influncia da delimitao das ZEIS na sua localizao. Os resultados indicaram que a maior parte dos conjuntos avaliados tem uma localizao inadequada, principalmente pela falta

  • xi

    de atendimento por equipamentos pblicos e pelo comrcio. Alm disso, nenhum dos conjuntos habitacionais construdos em Uberaba pelo PMCMV foi implantado nas ZEIS vazias demarcadas. Os fatores que interferiram na localizao foram: a existncia de terrenos ofertados com baixo valor de mercado e a busca por terrenos com matrculas j individualizadas para dar maior agilidade ao processo. Quanto ao dos agentes pblicos e privados na localizao da habitao produzida pelo PMCMV, concluiu-se que, independentemente da existncia de ZEIS, foi o interesse das construtoras e dos proprietrios dos terrenos que determinou a localizao dos empreendimentos, fato atribudo ao atrelamento do programa ao mercado privado. Concluiu-se, assim, que a existncia de ZEIS vazias institudas por lei municipal no exerceu influncia na localizao da habitao de interesse social do PMCMV em Uberaba e que a simples previso desse tipo de instrumento urbanstico na legislao no garante a incluso social da populao, nem o seu acesso cidade, haja vista a desarticulao existente entre a poltica urbana e a poltica habitacional.

  • xii

    ABSTRACT

    SOARES, Isabelle Oliveira, M.Sc., Universidade Federal de Viosa, August, 2012. (Dis)articulation between the urban politics and habitational politics: Programa Minha Casa, Minha Vida and ZEIS in the medium cities of Minas Gerais. Adviser: Aline Werneck Barbosa de Carvalho. Co-advisers: Neide Maria de Almeida Pinto and Geraldo Browne Ribeiro Filho.

    In this essay, it is presented a discussion about the articulation between housing and urban politics in the medium cities of Minas Gerais. The main objective was to analyze the relation between the creation of Special Zones of Social Interest (Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS) in vacant areas and the location of population produced by Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) for the people with family incomes up to three minimum wages. The qualitative research was driven by bibliographical research, documental research and field research. It was used secondary data obtained from the literature with the objective to denominate and identify the ZEIS characteristics of the medium-sized cities of Minas Gerais and of PMCMV. The documental research includes a survey and an analysis of the urban law of the six urban centers identified as medium-sized cities in Minas Gerais the cities: Divinpolis, Governador Valadares, Pouso Alegre, Tefilo Otoni, Uberaba and Varginha with the aim to identify the kinds of ZEIS instituted and demarcated. Finally, the field research was done in Uberaba, the only medium-sized city where two criteria were identified simultaneously: the demarcation of ZEIS in empty areas and the implementation of PMCMV. For the field research, structured interviews were done with the main agents in charge of implementing the urban and housing politics in the city, such as, the builders responsible for the work and the institutional agents connected to the City Hall, Municipal Council Members, Municipal Housing Board. From these interviews, we tried to investigate in this local if the fact of existing demarcation of ZEIS in empty areas interfered in the implementation of enterprises of PMCMV and in a complementary way, like the local agents associated with this program interfered in the definition of the location enterprise. Interviews with the residents of two residential complexes already occupied were also done besides visiting all the enterprises, aiming to map the data about their locations. By means of the use of indicators, the suitability of the location of the PMCMV enterprises was evaluated and the influence of the demarcation of the ZEIS in its location. The results indicate that the most of the complexes evaluated has an inadequate location, mainly because of the lack of services by public and business facilities. Furthermore, none of the housing complexes built in Uberaba by the PMCMV was implemented in the demarcated empty ZEIS. The facts which interfered were: the existence of given lots

  • xiii

    with low market value and the search of areas with personalized registration to speed up the process. Regarding the work of the public and private agents in locating the housing produced by the PMCMVV, it was concluded that, independently of the existence of ZEIS, it was the building companies and land owners` interests that determined the location of the enterprises, which linked the program to the private market. It was concluded that the existence of empty ZEIS instituted by the municipal law has not influenced in the location of housing of social interest of the PMCMV in Uberaba and that the simple prediction of this kind of urban instrument in the law does not guarantee neither the social inclusion of the population, nor their access to the city, have seen that, the existent disarticulation between the urban and political housing.

  • 1

    INTRODUO GERAL

    1. Consideraes iniciais e problematizao

    Esta dissertao tem como tema a relao entre poltica urbana e poltica habitacional em cidades mdias de Minas Gerais1, a partir do estudo da influncia da demarcao de Zonas Especiais de Interesse Social na localizao da habitao destinada a famlias cuja renda familiar no ultrapassa trs salrios mnimos.

    A questo da habitao social no Brasil tem sido estudada por diversos autores que apontam a excluso social provocada pela luta desigual por melhores localizaes na cidade (BONDUKI, 2008, 1998; MARICATO, 2005, 1997, 1996, 1987, 1982; VILLAA, 2001; ROLNIK; CYMBALISTA; NAKANO, 2002). Nessa disputa, a populao mais carente no tem acesso cidade de forma plena, pois ocupa as reas perifricas onde, em geral, no h infraestrutura adequada ou transporte pblico eficaz, configurando um quadro de forte segregao socioespacial.

    Diferentemente dos pases europeus, onde a reforma urbana esteve diretamente ligada s tentativas de resoluo da questo da moradia (SILVA, 2008), a poltica habitacional no Brasil esteve continuamente desvinculada da poltica urbana. Mesmo na poca do Banco Nacional de Habitao (BNH), quando, de fato, se estruturou uma poltica habitacional no mbito do governo federal, a poltica urbana esteve a reboque da poltica habitacional (AZEVEDO; ANDRADE, 1982).

    Com a diviso de competncias entre os nveis governamentais, a partir da descentralizao poltico-administrativa prevista na Constituio Federal de 1988, a proviso de moradias para a populao de menor poder aquisitivo passou a ser competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, cabendo a esses trs nveis de governo promover programas de construo de moradias e a melhoria das condies habitacionais e de saneamento bsico (BRASIL, 1988. Art. 23).

    A partir de ento, algumas conquistas polticas e sociais se apresentaram como alternativas importantes reviso da conduo de processos urbanos, tais como: a aprovao do Estatuto das Cidades (2001) e seus instrumentos direcionados funo social da propriedade, dentre eles a instituio de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS); a obrigatoriedade dos Planos Diretores para 1 No mbito deste trabalho, entende-se como cidades mdias os centros regionais que, numa dada rede urbana,

    estabelecem a ligao entre cidades maiores e menores (SPOSITO, 2004, p.126). Conforme conceito delimitado no Captulo 2, foram consideradas cidades mdias de Minas Gerais aquelas cidades que, no trabalho do IBGE intitulado de Regio de Influncia das Cidades 2007 (IBGE, 2008), receberam a classificao Capital Regional C, excluindo-se as cidades integrantes de aglomeraes urbanas ou regies metropolitanas. So elas: Divinpolis, Governador Valadares, Pouso Alegre, Tefilo Otoni, Uberaba e Varginha.

  • 2

    as cidades com mais de 20.000 habitantes; a implementao do oramento participativo em alguns municpios; a criao do Ministrio das Cidades em 2003; a criao do Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social (SNHIS) em 2005, entre outros. Antes disso, a ltima proposta de poltica urbana implantada pelo governo federal se deu no regime militar (1964-1985) (RUBANO, 2008; MARICATO, 2005).

    No que diz respeito s ZEIS, a discusso acerca desse instrumento esteve presente nas aes dos movimentos sociais pela moradia urbana desde 1970. As ZEIS so reas separadas na cidade para viabilizao da moradia para as camadas populares, seja para regularizao fundiria de reas j ocupadas ou para construo de novos empreendimentos em terrenos vazios. Pioneiramente, essas reas foram demarcadas na dcada de 1980, em cidades como Belo Horizonte e Recife. Uma das principais caractersticas dessas zonas especiais a adoo de exigncias urbansticas e jurdicas mais brandas no que tange ao uso e ocupao do solo urbano, quando comparadas a outras reas da cidade.

    A instituio das ZEIS traz para o poder pblico a oportunidade de incluso da populao mais carente nos ncleos urbanos. Na prtica, entretanto, a criao de ZEIS em terrenos vazios no processo de planejamento enfrenta muitas barreiras. De acordo com Rolnik, Cymbalista e Nakano (2002):

    A demarcao desse tipo de ZEIS em locais desocupados mais difcil porque esse tipo de proposta gera conflitos com os proprietrios dos imveis inseridos nesses locais. Com a aplicao desse instrumento, tais proprietrios passam a ter menos possibilidades de aproveitamento do solo urbano. Trata-se de uma restrio de uso que afeta diretamente o valor do imvel. (ROLNIK, CYMBALISTA e NAKANO, 2002, p. 22).

    Alm da dificuldade na demarcao de ZEIS em reas vazias, as caractersticas do programa habitacional que ser implantado tambm podem interferir na localizao da habitao de interesse social. o caso do atual programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), em que a iniciativa do empreendimento deve partir dos prprios incorporadores imobilirios.

    O PMCMV, institudo pela Lei n. 11.977 de 07 de julho de 2009, tem como objetivo o incentivo produo e aquisio de novas unidades habitacionais, requalificao de imveis urbanos e produo ou reforma de habitaes rurais, com o duplo objetivo de reduzir o dficit habitacional e fomentar a economia na gerao de emprego e renda.

    Nesse programa so as construtoras que apresentam os projetos Caixa Econmica Federal (CAIXA), podendo ou no fazer parcerias com os estados e municpios. Quando o programa feito por parcerias (para a populao com renda inferior a R$1.600,00), o poder pblico pode ficar responsvel pela localizao do

  • 3

    empreendimento, disponibilizando terrenos para a construo das habitaes. Contudo, as prefeituras nem sempre dispem dessa reserva de terras, cabendo s incorporadoras disponibilizar os terrenos. Estes, por sua vez, esto quase sempre localizados em glebas distantes dos centros urbanos, onde o baixo valor do solo torna maior a margem de lucro das construtoras, o que acaba originando novos processos de periferizao e segregao socioespacial.

    Esses problemas urbanos relacionados localizao da habitao para a populao de menor renda tm se reproduzido no apenas nas metrpoles, mas tambm nas cidades mdias, em virtude do crescimento delas nas ltimas dcadas.

    Diante disso, neste trabalho procura-se responder a algumas indagaes sobre a produo e a localizao da habitao de interesse social nas cidades mdias, que apesar de, comumente, no apresentarem problemas to complexos quanto os das grandes cidades e regies metropolitanas, fato que, em geral, como nas grandes cidades, as habitaes de interesse social so implantadas nas reas perifricas, distantes dos ncleos urbanos e muitas vezes ainda carentes de infraestrutura e de transporte coletivo.

    Assim, ainda que a instituio de ZEIS possa ser considerada um avano do ponto de vista das polticas urbana e habitacional, tem-se como pressuposto deste trabalho que a simples demarcao dessas reas no tem colaborado substancialmente para a localizao adequada da habitao destinada populao de menor renda nas cidades, tendo em vista que as polticas urbanas muitas vezes no esto articuladas com a poltica habitacional.

    Diante destas consideraes, neste estudo procurou-se responder s seguintes perguntas:

    - Qual a influncia da instituio de ZEIS vazias na localizao da habitao de interesse social do Programa Minha Casa, Minha Vida em cidades mdias?

    - A instituio de ZEIS vazias na legislao urbanstica das cidades mdias de Minas Gerais tem contribudo para a localizao adequada dos empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida destinados s famlias com renda mensal at trs salrios mnimos?

    2. Justificativa e relevncia do tema

    As polticas pblicas e os estudos acadmicos, apesar de recentemente terem se voltado para a questo das cidades mdias, ainda tm dado grande nfase s regies metropolitanas, onde os problemas urbanos apresentam-se em maior escala. Essas questes so fartamente ilustradas pela literatura (BONDUKI, 2008, 1998; MARICATO, 2006, 2005, 1997, 1996, 1987, 1982; VILLAA, 2001;

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    ROLNIK, 1999). Como as cidades mdias tm atrado um nmero cada vez mais significativo

    de habitantes, tem crescido a importncia dada aos estudos sobre esta categoria municipal (ANDRADE e SERRA, 2001; AMORIM FILHO e RIGOTTI, 2002; CASTELLO BRANCO, 2006; SILVA, 1946; SPOSITO, 2004). Entretanto, no h muitos estudos que tratem especificamente da localizao da habitao de interesse social nas chamadas cidades mdias. Por outro lado, os problemas relacionados localizao inadequada da habitao nas cidades brasileiras, de modo geral, apontam a necessidade no apenas da instituio, mas, sobretudo, da aplicao dos instrumentos urbansticos e jurdicos para regular o solo urbano na gesto da poltica habitacional, como as ZEIS. A respeito desses instrumentos e das ZEIS, em particular, destacam-se os estudos realizados pelo Observatrio das Metrpoles, organizados por Santos Junior e Montandon (2011) e a publicao de Rolnik (1999).

    Como a localizao da habitao social est diretamente relacionada ao planejamento e gesto da cidade, evidencia-se tambm a necessidade de se investigar quais so e como atuam os agentes que interferem na deciso sobre a localizao da habitao de interesse social. Sobre a atuao desses agentes na formao do espao urbano so referncias as publicaes de Capel (1974), Corra (1989) e Correia (2002). No programa Minha Casa, Minha Vida, que ainda est sendo implantado e que tem uma participao do mercado de forma direta, ainda h uma carncia de estudos mais aprofundados a respeito desses agentes.

    3. Objetivos

    3.1 Objetivo geral

    Analisar a influncia da demarcao de ZEIS na localizao da habitao de famlias de baixa renda do PMCMV em cidades mdias de Minas Gerais, com a finalidade de compreender a articulao existente entre a poltica habitacional e a poltica urbana.

    3.2 Objetivos especficos

    A pesquisa teve como objetivos especficos: - conceituar e identificar as cidades mdias de Minas Gerais; - investigar o conceito de ZEIS e a incluso deste instrumento na legislao urbanstica das cidades mdias de Minas Gerais, com a finalidade de identificar aquelas onde foram institudas as ZEIS de reas vazias;

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    - compreender o contexto de implantao do PMCMV no Brasil e em Minas Gerais; - analisar as condies de implantao dos empreendimentos habitacionais do PMCMV e sua relao com as ZEIS na(s) cidade(s) mdia(s) de Minas Gerais, onde foram institudas as ZEIS de reas vazias; - investigar o papel dos agentes pblicos e privados e os fatores que interferiram na localizao dos empreendimentos do PMCMV na(s) cidade(s) selecionada(s).

    4. Consideraes sobre a metodologia e organizao geral do trabalho

    O desenvolvimento do tema proposto foi realizado por meio de um estudo de carter descritivo e exploratrio.

    Em virtude das caractersticas da pesquisa, o trabalho foi dividido em etapas. Os resultados obtidos em cada etapa direcionaram a forma de organizao do texto, que foi apresentado em captulos. Nesse formato, em cada captulo, uma das fases do trabalho foi apresentada com a respectiva metodologia e reviso de literatura. A partir da concluso de cada etapa, chegou-se a um resultado que pudesse ser utilizado nas etapas seguintes.

    No primeiro captulo procurou-se discutir conceitos como periferizao e segregao socioespacial, apresentando-se o problema da localizao da habitao de interesse social no Brasil relacionada ao valor da terra, bem como aos agentes que interferem na produo do espao urbano. Com base na pesquisa bibliogrfica, foram propostos os indicadores de localizao para a avaliao dos empreendimentos de habitao de interesse social produzidos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, e utilizados, mais diante, no captulo cinco.

    No segundo captulo, e tambm fundamentada em pesquisa bibliogrfica, foi realizada a discusso do conceito de cidade mdia, fazendo-se uma diferenciao do termo cidade de mdio porte. A partir do conceito e dos critrios necessrios para definir esta tipologia de cidades, foram identificadas as cidades mdias de Minas Gerais, que foram o foco da pesquisa nas etapas subsequentes.

    No terceiro captulo, alm da reviso de literatura sobre o tema das ZEIS, foi analisada a legislao urbanstica das cidades classificadas como mdias, de modo a identificar se e como esse instrumento foi institudo nas cidades analisadas. O foco, nesse caso, foi identificar cidade(s) mdia(s) com ZEIS vazias demarcadas, para que fosse realizada a anlise da influncia das ZEIS na Habitao de Interesse Social (HIS) dessa(s) cidade(s).

    O quarto captulo contm a reviso de literatura sobre o PMCMV, alm de pesquisa documental e levantamento de dados que ajudaram a construir um panorama sobre a implantao do PMCMV no Brasil, no estado de Minas Gerais e, em especial, nas cidades mdias que foram indicadas na pesquisa. Os dados foram

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    coletados na Caixa Econmica Federal, por meio do portal de acesso interno denominado INFOVIGOV. Tambm foram usados dados publicados pela Fundao Joo Pinheiro (FJP) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Da mesma forma que na etapa anterior, o foco esteve voltado para a(s) cidade(s) mdia(s) com PMCMV implantado para a populao de baixa renda.

    O quinto e ltimo captulo contm os resultados do estudo de caso de Uberaba. A pesquisa que inicialmente poderia se estender a todas as cidades mdias de Minas Gerais foi realizada em forma de estudo de caso, porque Uberaba foi a nica cidade que atendeu simultaneamente a dois critrios: ter ZEIS vazias institudas na legislao municipal e ter o PMCMV implantado.

    Para levantamento dos dados referentes a essa parte do trabalho, foi realizada, primeiramente, uma pesquisa documental sobre a cidade, pela qual foi feita sua caracterizao e o levantamento da localizao das ZEIS vazias institudas pelo Plano Diretor. Os dados foram obtidos nos stios eletrnicos da Prefeitura, da Cmara Municipal, do IBGE e da FJP. Posteriormente, realizou-se uma pesquisa na Gerncia de Filial Desenvolvimento Urbano e Rural (GIDUR - Uberlndia) da Caixa Econmica Federal. Por meio dessa pesquisa, foram identificados os conjuntos habitacionais do PMCMV faixa I, implantados na cidade.

    Em seguida, foram realizadas entrevistas com os construtores responsveis pelas obras, com agentes institucionais ligados Secretaria de Planejamento da Prefeitura, com funcionrios da Companhia Habitacional do Vale do Rio Grande (COHAGRA), com o presidente da Cmara Municipal e com um membro do Conselho Municipal de Habitao, que representa o Movimento Uberabense de Luta pela Moradia. Foram realizadas, tambm, entrevistas com moradores de dois conjuntos que j haviam sido ocupados. O objetivo das entrevistas foi identificar os agentes que atuaram na implantao do PMCMV e na produo do espao urbano em Uberaba, alm de buscar mais informaes sobre os conjuntos habitacionais.

    Para o levantamento de dados sobre a localizao dos conjuntos habitacionais, foram realizadas visitas em todos os empreendimentos. Todas as etapas do trabalho de campo foram realizadas no ms de janeiro de 2012 e as informaes coletadas referem-se a esse limite temporal.

    A partir da pesquisa documental, da pesquisa de campo e das informaes coletadas em entrevistas, reuniram-se informaes suficientes para a caracterizao do processo de implantao dos conjuntos habitacionais do PMCMV em Uberaba. Mediante a utilizao dos indicadores de localizao, avaliou-se a adequao da localizao dos empreendimentos do PMCMV em Uberaba e a influncia da delimitao das ZEIS nessa localizao.

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    Finalmente, foram apresentadas as concluses gerais da pesquisa, ressaltando-se que em cada captulo possvel identificar uma estrutura completa que permite sua leitura de forma isolada, sem prejuzo de entendimento.

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    CAPTULO 1

    A LOCALIZAO DA HABITAO DE INTERESSE SOCIAL NO BRASIL

    1. Introduo

    Neste captulo, apresenta-se uma discusso acerca da localizao da habitao no Brasil, abordando o processo de periferizao da habitao de interesse social e o papel dos agentes que atuam na formao do espao urbano e do preo do solo, num contexto de produo e reproduo da segregao socioespacial. Ao final, apresenta-se uma proposta de indicadores para avaliao da qualidade da localizao da habitao de interesse social provida pelo Estado, elaborada a partir da reviso de literatura.

    O problema habitacional no Brasil est relacionado rpida urbanizao pela qual passou a sociedade brasileira (CYMBALISTA, 2005). O inchamento das cidades trouxe, juntamente com um dficit quantitativo de habitaes, ms condies de moradia para a populao mais carente. Alm disso, o acesso ao solo urbanizado por meio do mercado formal esteve fora do alcance da populao pobre, especialmente nas grandes cidades, dando origem a ocupaes irregulares e favelas (ABRAMO, 2003).

    Esse processo ocorre de modo muito semelhante nas cidades latino-americanas e nos pases em desenvolvimento. Segundo Abramo (2003), a terra urbana, requisito indissocivel da moradia, representa em toda a Amrica Latina uma barreira social (ABRAMO, 2003). As cidades cresceram com a ocupao de reas desprovidas de urbanizao e com a invaso de terrenos geralmente situados prximos aos locais de trabalho, o que deu origem aos aglomerados de sub-habitao (MENDES, 2002). O acentuado descompasso entre o crescimento da populao nas cidades e a capacidade de instalao da infraestrutura urbana comprometeu a qualidade do ambiente urbano pela falta de saneamento bsico, por problemas de trfego e deficincia nos transportes pblicos, pela ocupao desordenada do solo e pela expanso contnua das periferias (MARICATO, 1982, 1996, 1997, 2000; MENDES, 2002; WERNA, 2001; ROLNIK, 1999, 2010). Ao relatar o rpido processo de urbanizao da Amrica Latina, Fernandes (2008, p. 64) afirma que de modo geral a urbanizao tem gerado processos renovados de excluso social, crise habitacional, segregao espacial, violncia urbana e degradao ambiental.

    Na sociedade capitalista, a propriedade privada do solo transforma a terra urbana em mercadoria e a torna um bem acumulvel, que pode ser monopolizado por quem detm recursos para tal. O solo mais valorizado, portanto mais caro, foge

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    s possibilidades das pessoas menos abastadas, resultando na busca por alternativas que passam pela ocupao do solo urbanizado informal e pela ocupao ilegal de reas de riscos, de proteo ambiental ou reas distantes, sem infraestrutura ou qualquer investimento pblico. Essas reas so as que sobram populao que expulsa do campo ou atrada para a cidade, mas no cabe nela (MARICATO, 2011, s/p.).

    A renda fundiria, que alimenta a especulao, vista ainda hoje como um direito do proprietrio e representa uma das principais, seno a principal causa do alto custo do solo urbanizado formal. Os preos dos terrenos urbanos variam conforme a localizao na cidade e a especulao se expressa por um movimento crescente na valorizao do solo em determinadas reas.

    De acordo com Maricato (2011),

    H uma luta surda e ferrenha pelas melhores localizaes, assim como pela orientao dos investimentos pblicos que causam aumento dos preos e valorizao dos imveis em determinadas reas da cidade (MARICATO, 2011, s/p.).

    Nessa disputa, distintos agentes atuam na formao das cidades, buscando valorizar e modelar o espao urbano em funo de interesses prprios. De acordo com Santos (2004, p.79) os atores mais poderosos se reservam os melhores pedaos do territrio e deixam o resto para os outros.

    O poder pblico, agente com competncia para barrar esse processo de excluso socioespacial, historicamente tambm no produziu resultado diferente, tendo atuado a partir dos interesses das classes dominantes. A prpria poltica habitacional, de acordo com Rolnik (2006, p. 201), tem reforado a excluso dos mais pobres ao destin-los para conjuntos precrios em periferias distantes. Como resultado, atualmente, grande parte dos domiclios urbanos brasileiros est em ms condies, como favelas, cortios, loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais em locais precrios (ROLNIK, 2010, p.10).

    Para Bonduki (1998), a atuao do poder pblico no processo de periferizao pelo qual as cidades brasileiras passaram no foi ingnua.

    Com a expanso perifrica garantia-se dois objetivos h dcadas buscados pela elite: desadensar e segregar. Deste modo, os investimentos pblicos poderiam ser concentrados nas reas habitadas pela classe mdia e alta e, por outro, seria viabilizada uma alternativa de baixssimo custo para que os trabalhadores tivessem acesso casa prpria, sem onerar o poder pblico e o setor privado (BONDUKI, 1998, p.288).

    Com a finalidade de reorientar as aes governamentais no sentido de reduzir a excluso social, nas ltimas dcadas tem crescido a importncia do estabelecimento de processos de avaliao e acompanhamento de polticas

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    pblicas (ALVIM, 2007). A conjuno de interesses e preocupaes cada vez mais centrados no monitoramento das cidades e da crescente expanso dos aglomerados urbanos tem dado origem formulao de indicadores sociais e ambientais relacionados qualidade de vida urbana (NAHAS, 2005).

    De acordo com Frana (2005), o uso de indicadores pode servir como uma base objetiva para dar apoio aos tcnicos, polticos e populao em geral para decidirem as prioridades de investimento em cada rea da cidade. Assim, a avaliao de polticas pblicas e, entre essas, as polticas habitacionais, requer a construo de um conjunto de indicadores que possam apoiar a anlise e interpretao dos fenmenos estudados.

    Diversos autores tm apresentado indicadores que visam dar suporte a avaliaes de polticas habitacionais e outras polticas urbanas em aspectos relacionados sustentabilidade ambiental, qualidade de vida urbana e ao desempenho espacial (BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2006; ESTEVES, 2005; FRANA, 2005; KOWALTOWSKI, 2006; NAHAS, 2005; ROMERO et al., 2005; SILVEIRA; ROMERO, 2005). Contudo, no h estudos sistematizados que apresentem indicadores para a avaliao de polticas habitacionais exclusivamente sob a tica da localizao.

    Diante dessas consideraes, ao final deste captulo apresenta-se um quadro-sntese contendo indicadores de localizao construdos a fim de oferecer uma base para a avaliao da localizao da habitao de interesse social provida pelo Estado, em especial a produzida pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, que objeto de estudo desta pesquisa. Embora nesse programa habitacional seja exigida a construo em terrenos com completa infraestrutura urbana e contguos malha urbana j existente, buscou-se ampliar o elenco de indicadores visando aprofundar a anlise/avaliao da qualidade da localizao dos conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado nas cidades mdias.

    2. Localizao da habitao de interesse social, periferia e excluso socioespacial

    A habitao social no Brasil tem como caracterstica a localizao perifrica em relao cidade. Ao longo da histria das cidades brasileiras, grandes reas no entorno dos centros urbanos foram ocupadas por populao de baixa renda, sendo caracterizadas como reas populares (BONDUKI, 1998, 2008; MARICATO, 1982, 1996, 1997, 2000; RIBEIRO, 1997; ROLNIK, 1999, VILAA, 2001).

    O processo de periferizao das cidades expressa a maneira pela qual, no sistema capitalista, as distintas classes sociais se apropriaram e ainda se apropriam do espao urbano. A populao com maior poder econmico e com poder de

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    escolha apropria-se das reas consideradas mais nobres e paga um preo alto por elas. Aqueles que no podem pagar por essa mercadoria, ocupam o espao fsico da cidade em que o solo no valorizado, por tratar-se de rea inadequada ocupao urbana ou distante dos centros urbanos e desprovida de infraestrutura.

    Tratar do termo periferizao, contudo, requer uma ateno especial ao seu significado, pois traz tona processos distintos de produo do espao urbano nas cidades brasileiras. A oposio dos conceitos centro e periferia, que permearam a produo acadmica sobre a questo urbana, no mais suficiente para a compreenso do fenmeno da periferizao, j que existem diferentes periferias (DIAS e VIDAL, 2009).

    A origem da ocupao das reas populares tambm varivel. Algumas foram ocupadas por meio da interveno do Estado na proviso de habitao, sendo formadas, a princpio, por grandes conjuntos habitacionais. Outras foram ocupadas a partir de invases de terrenos pela populao mais pobre, que vinda da zona rural ou expulsa de outras reas da cidade pela falta de recursos, encontrou nessas reas sua nica opo de moradia. Alm dessas, por meio do mercado imobilirio, formal ou informal, aqueles com algum recurso para comprar terrenos ocuparam na periferia inmeros loteamentos populares que surgiram para atender essa demanda. Em grande parte deles, h uma enorme carncia de infraestrutura, servios, transportes, comrcio e empregos (BONDUKI, 1998; DIAS; VIDAL, 2009).

    A ocupao de reas perifricas, contudo, no foi de exclusividade da populao pobre. Em busca de maiores lucros em suas operaes, os agentes imobilirios criaram uma nova estratgia: a ocupao da periferia pela populao de alta renda. Valendo-se dos discursos do aumento da violncia urbana em reas centrais e mais contato com a natureza, os promotores imobilirios atraram classes mais abastadas para ocupar amplos lotes afastados da cidade. Assim, estabeleceram-se diferentes periferias na cidade: a periferia como espao popular e a periferia enobrecida (DIAS; VIDAL, 2009).

    Portanto, ao se falar de periferia, preciso refletir sobre o que , ou onde , a periferia da cidade. Para essa reflexo, a contribuio terica de Bourdieu (1997) sobre habitao e espao social tem um papel muito significativo. As pesquisas realizadas por esse socilogo francs evidenciaram conflitos e experincias de pessoas que sofrem com a estigmatizao2 de pertencerem a espaos sociais inferiorizados, que so objetivados no espao fsico. Para Bourdieu, o espao fsico refere-se ao lugar ou ao ponto geogrfico onde um agente ou uma coisa se

    2 O conceito de estigmatizao trabalhado por Patrick Champagne no livro coordenado por Pierre Bourdieu

    (1997). Para esses autores a estigmatizao resultado de um processo que evoca a diferena, reforando uma suposta inferioridade de um grupo. Nesse contexto, o grupo estigmatizado ou marcado no capaz de alterar o seu estigma, ou a percepo que outros grupos tm a seu respeito.

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    encontra situado. J o espao social corresponde ao lugar ocupado ou apropriado pelos agentes sociais em uma estrutura social, caracterizado pela posio ocupada em uma hierarquia. Essa posio sempre vista de forma relacional com outras posies, o que cria situaes de superioridade ou inferioridade. Nesse sentido, o espao social manifesta-se no espao fsico, refletindo as hierarquias sociais. Para esse autor: No h espao, em uma sociedade hierarquizada, que no seja hierarquizado e que no exprima as hierarquias e as distncias sociais (...) (BOURDIEU, 1997, p.160).

    A objetivao do espao fsico no espao social tende a aproximar os iguais, ou seja, aqueles que detm o mesmo capital3, sob diferentes espcies. Essa aproximao dos iguais resulta em uma excluso mtua da diferena (BOURDIEU, 1997, p.165).

    A partir das ideias de Bourdieu, possvel considerar que o isolamento da populao pobre em reas de difcil acesso aos centros urbanos consequncia dessa excluso mtua e necessria para tambm se manter distante o espao social ocupado. Essa separao, ou segregao socioespacial, viabilizada no sistema capitalista pela manuteno de uma classe com reduzido capital econmico em um determinado lugar.

    Nesse processo, diversos agentes e estratgias contribuem para manter o preo do solo diferente entre reas de uma mesma cidade. Sendo invivel para a populao de baixa renda acessar terrenos muito valorizados, resta-lhes ocupar as reas sem infraestrutura urbana, sem transporte adequado, em reas de risco, onde investimentos pblicos e privados no chegam para proporcionar boas condies de habitao: a chamada periferia.

    Ainda nesse sentido, a ocupao ilegal de terras, a precariedade em que vivem inmeras famlias, a falta de investimentos nas reas ocupadas e a excluso social evidente que sofre a populao residente, mesmo quando tais reas esto prximas a centros urbanos, como por exemplo, nas favelas do Rio de Janeiro, tambm as caracterizam como periferia.

    Para se chegar a uma definio mais clara de periferia, preciso ainda fazer a contraposio entre esse conceito e o conceito de centro urbano. Os centros urbanos seriam aqueles dotados de infraestrutura, servios, transportes e fcil acesso aos equipamentos pblicos. Com o crescimento das cidades, os servios urbanos podem at se estender ou deslocar, formando, ento, novos centros urbanos, que acabam atraindo investimentos pblicos e privados. A proximidade a 3 Um dos conceitos que permeiam a produo acadmica de Bourdieu a existncia de diversos tipos de capital

    (social, cultural, lingustico, simblico, etc.). Para o autor, a noo de capital se estende muito alm daquela apresentada por Karl Marx, ou seja, a do capital econmico. A ideia de distintos capitais facilita o entendimento das relaes de trocas, incluindo as trocas simblicas, que existem em cada campo, ou seja, no espao social ocupado.

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    esses centros faz com que algumas reas sejam mais valorizadas. Essas reas, mesmo no estando dentro dos centros urbanos, pela facilidade de acesso, por possurem adequada infraestrutura e por serem muitas vezes prioritrias nos investimentos pblicos no podem ser consideradas reas perifricas, pois constituem espaos atrativos para a populao de maior renda.

    Os condomnios fechados, mesmo aqueles distantes dos centros urbanos, em geral, so produzidos para as classes mdia e alta. Em sua maioria, dotados de excelente infraestrutura, de reas de lazer e equipamentos exclusivos para os moradores, so objetos de desejo pela qualidade de vida que prometem proporcionar. Nesses condomnios moram apenas aqueles que possuem capital econmico suficiente para arcar com os custos do transporte individual e com o alto preo dos lotes. Sendo esses espaos desejados e bem estruturados, tambm no so considerados, aqui, como periferia.

    Neste trabalho, ento, consideram-se periferia os espaos fsicos dos excludos sociais. So espaos desprezados inclusive pelo poder pblico, carentes de adequada infraestrutura, com precrio acesso aos servios oferecidos na cidade, com grande propenso em serem estigmatizados pela violncia urbana e criminalidade e que renem aqueles que ocupam campos inferiores na estrutura social, que no tm alternativa para a localizao de suas moradias.

    3. O preo do solo e os agentes que interferem na formao do espao urbano

    3.1. O preo do solo

    O solo tem um papel nico e diferente em todos os aspectos da vida econmica, social e poltica. um recurso originariamente natural, finito e fixo quanto localizao. Para a Geografia Fsica, o solo o suporte fsico dos estabelecimentos humanos e da produo de alimentos. Para a Economia, um recurso que, a princpio, no tem custos de produo. Mas quando do ponto de vista dos direitos conferidos posse, comum se associar ao solo um custo, valor e preo4, pois se consideram os bens e servios de consumo implantados no solo, que no podem ser tratados separadamente, uma vez que as duas coisas so utilizadas em conjunto (CORREIA, 2002).

    4 Neste trabalho considera-se uma diferenciao entre os termos custo, valor e preo do solo urbano. O custo,

    comparando-se a um processo produtivo, o que se gasta para se produzir o solo urbano, como por exemplo, os investimentos em benfeitorias. O valor dado pelo uso ou qualificao especial que a apropriao dessa mercadoria proporciona, sendo composto tanto pela disponibilidade de benfeitorias quanto status de pertencer a uma determinada rea da cidade. Enfim, o preo composto tanto pelo custo, como pelo valor, somado renda ou o lucro suplementar obtido a partir dessa mercadoria particular (CORREIA, 2002).

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    De acordo com Ribeiro (1997), a terra no um bem produzido e, portanto, no tem valor, mas adquire um preo. A tese do autor que a terra urbana somente adquire um preo porque seu uso permite aos agentes econmicos obterem ganhos extraordinrios nos investimentos que realizam na cidade (RIBEIRO, 1997, p. 40).

    Snchez (2003, p. 411) complementa esta ideia ao afirmar que: O urbano uma das constituies mais significativas do processo de acumulao de capital no Brasil. Para os agentes que atuam na produo do espao urbano, o uso e transformao do solo so o prprio objeto do lucro. Por isso atribudo a esse solo um valor de uso, que potencializado pela irreprodutibilidade dessa mercadoria, possibilitando situaes de monoplio, conforme salientado por Gonzales (1985).

    A condio de raridade do solo urbano (objeto de propriedade privada), aliada s qualidades extraordinrias adquiridas atravs dos diferentes status dos diferentes setores da cidade, transforma o solo urbano como mercadoria rara, com condies especiais, particularmente favorveis, de produzir, em quantidades limitadas, alojamentos com preos superiores ao valor de sua produo, principalmente nas cidades em processo de crescimento significativo. Esta condio lhe permite obter preos de monoplio, no mercado cuja diferena com o preo de produo do alojamento confere ao produtor um lucro suplementar extra, fonte de Renda de Monoplio [RM]. Ela , em ltima instncia, a determinante da medida dos preos do solo urbano. (GONZALES, 1985, p. 104).

    Vrios fatores interferem na formao do preo do solo urbano. Singer (1978) afirma que o capital imobilirio, o qual considera que um falso capital, um valor que se valoriza, mas a origem dessa valorizao justamente a monopolizao do acesso a uma condio indispensvel para o desenvolvimento das atividades produtivas. Assim, o valor da propriedade imobiliria, na economia capitalista, no passa da renda que ela proporciona (...) (SINGER, 1978, p.22). Diferentemente dos mercados de produtos do trabalho humano, em que a relao oferta-demanda determina o preo do produto, os preos no mercado imobilirio tendem a ser determinados pelo que a demanda estiver disposta a pagar (SINGER, 1978, p.23), e no necessariamente pelo custo e pelo preo corrente nesse mercado.

    Para Correia (2002, p. 91), a indissociabilidade da propriedade imobiliria (solo e benfeitorias) torna difcil uma distino entre mercado imobilirio e mercado de solos, uma vez que o solo tem sempre uma ocupao e frequentemente uma utilizao. Da a tendncia em se tratar, no contexto do solo urbano, o mercado de solos como sendo parte do prprio mercado imobilirio.

    A demanda de solo urbano para habitao cria vantagens locacionais em algumas reas, em detrimento de outras. Essas demandas so determinadas tanto

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    pelo maior ou menor acesso a servios urbanos, como transporte, servios de esgoto e gua, escolas, comrcio, quanto pelo prestgio social da vizinhana.

    Como solo-suporte o valor do solo urbano certamente funo das relaes sociedade-territrio e das formas em que estas relaes se traduzem: regulamentos (de uso e ocupao do solo), sistema fiscal, nveis de estruturao e de equipamento social (de promoo pblica) e dinmica do sector privado em cada rea urbana (CORREIA, 2002, p. 43-44).

    Correia (2002) alerta que considerar o valor do solo-suporte apenas em funo do valor que a sociedade lhe atribui uma posio demasiadamente simplista e apresenta diferentes teorias existentes sobre o valor do solo. Contudo, o foco deste trabalho no conhecer essas teorias, clssicas ou contemporneas, de avaliao de terrenos ou de formao do preo do solo urbano. At mesmo porque as diversas teorias e propostas de modelos surgidas, alm de insuficientemente testadas, apenas permitem determinar os preos de terrenos em termos mdios e no ao nvel de cada parcela (CORREIA, 2002, p.91). O que importa, aqui, a identificao dos agentes que atuam na formao desse preo e as estratgias por eles utilizadas para obterem vantagens sobre a propriedade do solo, vantagens essas que se refletem na segregao socioespacial da cidade.

    3.2. Agentes e estratgias na produo do espao urbano

    O crescimento das reas urbanas corresponde, em grande parte, ao das foras de mercado e do papel do Estado. A compreenso do funcionamento do mercado de solos, que como j foi dito, indissocivel do mercado imobilirio, passa pela compreenso dos agentes e dos mecanismos e efeitos que em conjunto atuam na formao e transformao do solo urbano.

    Capel (1974), ao fazer uma leitura dos agentes que interferem na produo do espao urbano espanhol, afirma que em uma sociedade capitalista, a cidade e o espao no pertencem aos habitantes e no so modelados em funo de seus interesses, mas, sim, de acordo com interesses (muitas vezes contraditrios) de uma srie de agentes. Os agentes apresentados pelo autor so: os proprietrios dos meios de produo, os proprietrios do solo, os promotores imobilirios e as construtoras, e por fim, os organismos pblicos, que desempenham tambm papel de rbitros nesse processo de produo.

    Corra (1989, p. 11) afirma que o espao urbano capitalista um produto social, resultado de aes acumuladas atravs do tempo e engendradas por agentes que produzem e consomem o espao. Esses agentes so agentes sociais concretos e no um mercado invisvel ou processos aleatrios atuando sobre um

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    espao abstrato. Alm daqueles agentes j identificados por Capel (1974), o autor acrescentou os grupos sociais excludos, dos quais fazem parte grande parcela da populao que no possui renda para pagar o aluguel de uma habitao decente e, muito menos, comprar um imvel (CORRA, 1989, p. 29).

    Correia (2002), estudando o espao urbano portugus, chega a concluses semelhantes s de Capel (1974) sobre a identificao desses agentes e afirma que a importncia do solo urbano na sociedade vem do poder poltico associado posse, utilizao, jurisdio e administrao, e que as relaes sociedade-territrio geram inmeras situaes de conflito. O autor diferencia os agentes pelas reas de interveno: agentes intervenientes em reas centrais e agentes intervenientes em periferia, com diferentes estratgias empregadas em cada local.

    De acordo com Silva (1991, p. 134), para a realizao do solo urbano como modo de produo preciso que os capitalistas detenham o poder poltico como classe. Por isso, precisam obter o controle do Estado. Chegar at o Estado seria, ento, apropriar-se no s de poder sobre o espao, mas, tambm, do espao j existente que permitiria produzi-lo e reproduzi-lo maneira que conviesse a esse grupo. A luta de interesses, ento, consolidada pelo maior ou menor poder de se interferir nas aes do Estado, nos processos de administrao e tambm na execuo das leis.

    Esse aspecto apontado por Silva (1991) evidenciado por Rolnik (1999), ao analisar o mercado imobilirio em So Paulo e a interferncia da legislao urbana na valorizao imobiliria.

    Nos tpicos seguintes, apresentam-se as estratgias utilizadas pelos diferentes agentes que atuam no espao urbano, na luta por vantagens em funo de seus interesses.

    3.2.1. Os proprietrios dos meios de produo

    Os grandes proprietrios industriais, e de grandes empresas comerciais e de servios so participantes na organizao e evoluo da rede urbana. Em virtude da dimenso das atividades desenvolvidas, so grandes consumidores de espao, necessitando de extensas parcelas de solo e localizao estratgica prximo a portos, a vias frreas ou em locais de ampla acessibilidade populao. Contudo, a relao entre proprietrios do meio de produo e a terra urbana bem complexa e a especulao imobiliria sobre essa atividade tem duplo efeito: de um lado onera os custos de expanso e do outro, com o aumento dos preos dos imveis, atinge e

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    eleva os salrios das foras de trabalho, alterando as taxas de lucro (CAPEL, 1974; CORRA, 1989).

    Assim, a especulao imobiliria no de interesse dos proprietrios dos meios de produo (CORRA, 1989, p. 14) que, pela grande dificuldade que tm de encontrar solo urbanizado pelo preo se dispem a pagar, buscam se instalar em terrenos no urbanizados, mais baratos, e pressionam os setores pblicos a realizar a desapropriao de reas; implantar a infraestrutura que necessitam e oferecer vantagens administrativas e legais. No que diz respeito habitao, a presso ao Estado para a criao de facilidades com a construo de casas baratas para a fora de trabalho. Nessas situaes o poder econmico dessas empresas traduzido em poder poltico (CAPEL, 1974; CORRA, 1989).

    Esses conflitos, entretanto, no so to absolutos, pois a abolio da propriedade privada da terra (que de certa forma poderia beneficiar esses agentes) poderia levar a que se demandasse a abolio da propriedade capitalista. Alm disso, a propriedade de terra fundamental para a construo civil, que amortece reas da atividade industrial, e a propriedade fundiria passou a exercer um significativo papel no processo de acumulao e no controle da organizao do espao. Ainda com a ideologia da casa prpria, que inclui a terra, seria possvel minimizar as contradies entre capital e trabalho.

    Assim, a ao desses agentes modela a cidade, levando a criao de amplas reas fabris em setores distintos de reas residenciais nobres, porm prximas s reas proletrias e interferindo decisivamente na localizao de outros usos da terra (CORRA, 1989).

    3.2.2. Os proprietrios do solo

    Os proprietrios de terras intervm no mercado de diversas maneiras e muitas vezes esse papel se confunde com o dos promotores imobilirios. Para aqueles que atuam em reas centrais, uma das estratgias em busca de maiores lucros a tentativa de influenciar o poder pblico no sentido de alterar a legislao que regula os usos e as intensidades de uso do solo urbano. Aqueles que intervm na periferia podem ser divididos em trs grupos: os proprietrios rurais, que esperam a elevao do preo de mercado para venderem ou lotearem; os proprietrios que compram e retm o solo no urbanizado, que no do qualquer utilizao ao solo, visando obter deles apenas um lucro amplo ou o conservam como aplicao segura de capital; e os proprietrios que promovem a urbanizao e o parcelamento em lotes sendo eles mesmos os promotores da venda, ou recorrendo a intermedirios (CORREIA, 2002).

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    vlido ressaltar que o poder pblico, aqui, tambm, est envolvido, e dele depende em grande parte a valorizao de determinadas reas em detrimento de outras. Por meio da legislao ou de investimentos em infraestrutura, a atuao do setor pblico determinante nesse processo. Por isso, h uma busca desses agentes em intervir nas decises polticas. Como tratado anteriormente, a mercadoria solo especial, rara e possibilita a monopolizao, tendo em vista que no pode ser reproduzida; ela finita. Assim, detm maior poder poltico aqueles proprietrios que possuem maior capacidade de monoplio nesse mercado to competitivo.

    3.2.3. Os promotores imobilirios e as construtoras

    O papel dos agentes imobilirios e das construtoras muitas vezes se confunde com o papel dos proprietrios do solo. Essa confuso gerada porque, em grande parte, empresas de construo civil e incorporadoras detm, tambm, o monoplio do solo urbano.

    A atuao desses agentes ocorre tanto no parcelamento (formal ou informal) de reas no urbanizadas, como na renovao de reas urbanizadas desvalorizadas. Essa atuao gera uma oscilao do preo do solo urbano que favorece os incorporadores medida que esses compram terrenos mais baratos para, aps a valorizao da rea, a venderem, obtendo-se, assim, o lucro sobre a operao.

    Como a demanda por solo urbano muda frequentemente, dependendo, em ltima anlise, do prprio processo de ocupao do espao pela expanso do tecido urbano, o preo de determinada rea deste espao est sujeito a oscilaes violentas, o que torna o mercado imobilirio essencialmente especulativo. Quando um promotor imobilirio resolve agregar determinada rea ao espao urbano, ele visa a um preo que pouco ou nada tem a ver com o custo imediato da operao. A valorizao da gleba antecipada em funo de mudanas na estrutura urbana que ainda esto por acontecer e por isso o especulador se dispe a esperar um certo perodo, que pode ser bastante longo, at que as condies propcias se tenham realizado (SINGER, 1978, p.23-24).

    A valorizao de reas urbanizadas tem sido apontada por muitos autores que estudam o processo chamado de gentrificao. A gentrificao a valorizao e o enobrecimento de determinadas reas, j ocupadas e, antes, desvalorizadas, aps uma mudana do uso que se d ao solo, implicando no deslocamento de antigos ocupantes das reas e trazendo grandes lucros aos agentes imobilirios. Construtoras e incorporadoras investem na renovao ou recuperao dessas reas, atingindo tanto os edifcios de uso privado, quanto as reas e os equipamentos de uso coletivo (SMITH, 2006).

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    De acordo com Smith (2006), o processo de gentrificao em cada cidade exprime as particularidades da constituio de seu espao urbano, mas revela que esse fenmeno tem sido generalizado, tendo o Estado um importante papel no processo.

    A gentrificao um fenmeno essencialmente segregador e expressa as relaes sociais, econmicas e polticas na cidade. Como grande estratgia, o discurso do equilbrio sociolgico tem sido utilizado. Parte-se do princpio que a ocupao de centros vazios ou a valorizao de reas decadentes positiva e necessria. Mas falta no discurso levar em conta o destino das pessoas deslocadas. Assim, o lucro do capital imobilirio, movimentando a economia, ganha adeptos e segue reestruturando o espao urbano. Conforme apontado por Smith (2006, p. 85), o desenvolvimento imobilirio urbano a gentrificao em sentido amplo tornou-se agora um motor central da expanso econmica da cidade, um setor central da economia urbana.

    Outra estratgia utilizada pelos agentes imobilirios o parcelamento informal do solo. De acordo com Smolka (2003), o alto custo da terra urbanizada (formal) tem sido atribudo regulao excessiva do uso do solo que faz com que as condies de ocupao definidas pela legislao vigente sejam inalcanveis para os setores de baixa renda (SMOLKA, 2003. p. 120). Assim, os agentes do mercado imobilirio atuam no parcelamento e venda de terras urbanizadas ou no (variando, nesse caso, da espcie do empreendimento) para obter lucros no mercado informal. Contudo, o autor aponta que o preo da terra urbanizada escandalosamente alto nas periferias das cidades latino-americanas, inclusive no Brasil.

    Nesse caso, o que os loteadores oferecem para tornar os lotes acessveis populao o parcelamento de reas em lotes com tamanho menor que o mnimo estabelecido na legislao, o que ocasiona uma crescente ilegalidade nas cidades brasileiras. O preo inalcanvel do lote formal, aliado falta de crdito, acaba dando fora crena popular de que a opo pela aquisio de lote informal mais barata.

    De acordo com Abramo (2002), no caso de loteamentos ilegais ainda existe a estratgia do loteador de oferecer financiamento de lote com um valor superior ao das prestaes, porm com o menor nmero possvel de parcelas. Essa estratgia acabaria conduzindo a um alto grau de inadimplncia e consequente retomada dos lotes pelos loteadores, o que produziria um aumento da mobilidade residencial.

    As causas da ilegalidade nas cidades brasileiras vo alm dessas situaes, tendo em vista que existem tambm as invases de terras pela populao de baixa renda e o mercado informal de terrenos tambm para a populao mais rica, muitas

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    vezes ocupando reas de proteo ambiental na formao de condomnios de luxo, ocupao, muitas vezes, associada a uma qualidade de vida superior por estar localizada prxima natureza ou em locais valorizados para o uso turstico.

    Alm das estratgias aqui apresentadas, muitas outras so utilizadas pelos agentes imobilirios, e grande parte dessas depende diretamente da ao do poder pblico. Assim, na luta de interesses, ganham aqueles que mais conseguem atuar em parceria com o setor pblico, influenciando as decises deste.

    3.2.4. O poder pblico

    Como dito anteriormente, o poder pblico, em todas suas instncias, um dos principais agentes na produo do espao urbano e, portanto, da segregao espacial.

    Sempre que o poder pblico dota uma zona qualquer da cidade de um servio pblico, gua encanada, escola pblica ou linha de nibus, por exemplo, ele desvia para esta zona demandas de empresas e moradores que, anteriormente, devido falta do servio em questo, davam preferncia a outras localizaes. Estas novas demandas, deve-se supor, esto preparadas a pagar pelo uso do solo, em termos de compra ou aluguel, um preo maior do que as demandas que se dirigiam mesma zona quando esta ainda no dispunha do servio. Da a valorizao do solo nesta zona, em relao s demais (SINGER, 1978, p.34).

    As transformaes do preo do solo acarretadas por essa ao so aproveitadas, ento, pelos especuladores, quando estes podem antecipar os lugares em que os servios urbanos sero expandidos. Por isso, a especulao imobiliria tenta influenciar as decises do poder pblico quanto s reas que sero beneficiadas.

    Capel (1974) afirma que os diversos agentes tambm atuam na regulao do preo do solo a partir da influncia na elaborao das normas jurdicas. O autor analisou o espao urbano espanhol onde, aparentemente, em relao legislao vigente na poca, os agentes imobilirios atuaram na regulao do solo de forma mais direta que no Brasil. Contudo, em ambos os casos (Brasil e Espanha), falta neutralidade na legislao. O poder pblico atua favorecendo os proprietrios dos meios de produo, os proprietrios do solo e os agentes imobilirios, de acordo com o poder poltico que cada agente exerce, em detrimento do interesse coletivo e, principalmente, da populao mais carente.

    O verdadeiro papel do poder pblico deveria ser o de atuar em benefcio da populao, visando garantir o acesso ao solo urbanizado, no segregado, necessrio habitao digna. O Estado no pode ser o promotor da segregao socioespacial, articulando em favor dos interesses individuais e especficos de grupos. Contudo, ao invs de garantir os direitos sociais da populao de baixa

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    renda, o poder pblico tem favorecido proprietrios de terra e capitalistas da produo imobiliria e construo, que so os agentes que efetivamente exercem o poder de influenciar a definio das realizaes oramentrias.

    Assim, mesmo quando a legislao avana e traz formas e instrumentos para a garantia do acesso terra, ela ineficaz quando contraria os interesses de proprietrios imobilirios, pois no aplicada. Reafirma-se, ento, o direito de propriedade como direito individual, em contraposio sua funo social. Essa realidade percebida diante da dificuldade de aplicao dos instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001). A valorizao imobiliria vista como um direito do proprietrio.

    Como tradicional no Brasil, imposto sobre a propriedade dificilmente aplicado. A relao entre terra e poder se mantm estreita. A lei se aplica conforme as circunstncias numa sociedade marcada pelas relaes de favor e privilgios (MARICATO, 2000. p.162).

    Dessa forma, a partir das discusses aqui desenvolvidas, fica evidente a importncia do papel desempenhado pelo poder pblico na produo do espao urbano, por ser o nico capaz de promover o controle social da ocupao e uso do solo, a fim de assegurar que, pelo menos, parte das mais-valias que de direito pertencem sociedade, que paga o preo da especulao imobiliria, no sejam apropriadas individualmente.

    3.2.5. Os grupos sociais excludos

    Na sociedade de classes, existem grandes diferenas sociais no que se refere ao acesso aos bens e servios produzidos socialmente. A habitao um desses bens cujo acesso seletivo. Esse um dos mais significativos sintomas de excluso e no ocorre isoladamente. Correlatos a essa excluso esto a subnutrio, as doenas, o baixo nvel de escolaridade, o desemprego e/ou o emprego mal remunerado (CORRA, 1989).

    Os grupos sociais excludos tm como possibilidades de moradia os cortios e as favelas, localizados prximos ao centro da cidade, ou a casa construda pelo sistema de autoconstruo e os conjuntos habitacionais produzidos, via de regra, em reas perifricas. Com exceo da favela, as trs outras possibilidades pressupem uma vinculao a um agente social como o proprietrio de imveis, o proprietrio fundirio da periferia ou o Estado. Apenas na produo da favela, em terrenos pblicos ou privados invadidos, os grupos sociais excludos tornaram-se, efetivamente, agentes modeladores, tendo produzido o prprio espao at mesmo de forma independente de outros agentes. A produo desse espao teria sido uma

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    forma de resistncia e sobrevivncia, que se traduziu na ocupao de reas usualmente inadequadas para outros agentes por serem ngremes ou alagadias, mas que corresponderam soluo de um duplo problema: o da habitao e do acesso ao local de trabalho (CORRA, 1989).

    4. Indicadores de localizao

    A identificao dos indicadores que determinam uma localizao adequada da habitao partiu da reviso de literatura acerca do processo de periferizao, das estratgias dos agentes na produo do solo urbano e dos problemas apontados por diversos autores nos diferentes tipos de habitao produzida para a populao de baixa renda (BONDUKI, 1998, 2008; KOWALTOWSKI, 2004; MARICATO, 1987; MENDES, 2002; SOUZA, 2006; ROLNIK, 2010; ROMRO; BRUNA, 2010; WERNA, 2001).

    Bonduki (1998), em seu trabalho sobre a origem da habitao social no Brasil, aponta que o problema habitacional instaura-se, na cidade de So Paulo, a partir do final do sculo XIX. At a dcada de 1870, quase no havia diferenas funcionais na cidade. As residncias de pessoas ricas e da classe mdia localizavam-se prximas ao prprio comrcio e s oficinas. Porm, a partir de meados dos anos de 1880, com a industrializao e a ocupao da cidade pela populao vinda das reas rurais, h uma diversificao das funes, distinguindo-se os bairros operrios e os bairros residenciais finos. A crise urbana decorrente da falta de moradia para abrigar o novo contingente populacional passa a conformar uma cidade segregada, na medida em que no tem os mesmos efeitos nos diferentes estratos sociais, pois as elites, alm de se apropriarem de forma diferenciada dos investimentos pblicos, tinham garantidas reas de uso exclusivo, livres da deteriorao.

    Posteriormente, a grande expanso da autoconstruo da moradia popular em loteamentos perifricos, iniciada na dcada de 1940, veio intensificar esse processo de excluso social, pois o modelo que difundiu a pequena propriedade urbana para a ampla camada de trabalhadores de baixa e mdia renda deu-se com uma significativa perda de qualidade de vida dos segmentos sociais envolvidos (BONDUKI, 1998).

    Ao apontar os inmeros problemas ocasionados por esse tipo de habitao, Bonduki (1998; 2008) enumera, alm da prpria precariedade da habitao e da ilegalidade dos loteamentos, fatores associados localizao, quais sejam: grande distncia de reas urbanizadas; descontinuidade da malha urbana; grande distncia dos loteamentos ao local de trabalho; precariedade ou ausncia de transporte

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    pblico; precariedade de vias de acesso; carncia de infraestrutura mnima (gua, luz, esgoto); e carncia de equipamentos sociais.

    Essas caractersticas e o modelo de construo na periferia foram repetidos, com algumas diferenciaes, em diversas cidades brasileiras5. O prprio poder pblico contribuiu para o modelo segregador das cidades. Segundo Rolnik (2010):

    Sob a justificativa de diminuir custos para permitir o acesso casa prpria, a habitao popular produzida pelo poder pblico historicamente foi erguida fora dos centros urbanos, geralmente em terrenos desprovidos de infraestrutura, equipamentos pblicos, servios essenciais e oferta de emprego, ou seja, na no-cidade (ROLNIK, 2010, p. 12).

    Assim, muitos conjuntos habitacionais construdos distanciaram as reas de habitao das reas de trabalho, demandando uma estrutura de transportes urbanos cara e extensa. Esse processo potencializa problemas de deslocamentos e de vulnerabilidade social (ROLNIK, 2010, p. 12).

    Para Maricato (1987), alm dos problemas j apontados, os governos municipais e estaduais ainda desviaram sua ateno dos vazios urbanos, com potencial para abrigar habitaes, e colocaram a populao em reas completamente inadequadas, penalizando os seus moradores e tambm todos os contribuintes, j que ao estender a infraestrutura urbana, preciso arcar com as redes que cortam os vazios urbanos, onerando os oramentos pblicos e valorizando, muitas vezes, reas privadas.

    Kowaltowski (2004), ao realizar um estudo sobre a habitao de interesse social produzida pelo estado de So Paulo, estabeleceu diretrizes de implantao para os conjuntos habitacionais de interesse social construdos pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de So Paulo). Entre os indicadores gerais apontados pela autora, aqueles relacionados localizao do conjunto incluram a disposio de moradias, mercados, escritrios, escolas, parques e servios pblicos prximos uns dos outros, de tal forma que possam ser percorridos a p. Essa realidade, contudo, muito difcil de ser encontrada, principalmente nas grandes e mdias cidades, onde os moradores mais carentes ainda dependem muito do transporte pblico coletivo para ter acesso a tais servios.

    Nesse mesmo estudo, ainda no que diz respeito localizao, Kowaltowski (2004) aponta problemas que podem estar relacionados ocupao de reas perifricas como: a proximidade dos conjuntos habitacionais a indstrias poluentes ou que produzem forte odor; a proximidade a plantaes de cana-de-acar (isso 5 O processo de formao das favelas no Rio de Janeiro, por exemplo, distingue-se do de So Paulo. Porm, as

    caractersticas dos loteamentos perifricos se repetem de modo muito semelhante na maioria das cidades brasileiras.

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    pode causar grande desconforto aos moradores com a fuligem carregada pelo vento na poca de queima da cana), e a presena de forte poeira suspensa no ar. Ainda foi apontada pela autora a ocupao de reas prximas a terrenos baldios ou esgotos a cu aberto, propiciando o surgimento de insetos e outros animais nos conjuntos habitacionais (KOWALTOWSKI, 2004).

    O problema da localizao da habitao, entretanto, no est relacionado apenas a uma distncia fsica dos centros urbanos ou servios oferecidos. Exemplo clssico dessa condio so as favelas, ocupaes ilegais que ao longo de muitos anos foram se consolidando nas grandes cidades brasileiras, muito prximas s reas centrais, e que se instalaram tambm nas pequenas e mdias cidades. Como uma alternativa de moradia para a populao mais pobre, foram ocupadas reas de mata, encostas ngremes, de risco geolgico (alagadias e passveis de deslizamento) e reas de reposio de bacias, todas elas consideradas imprprias para moradia.

    Sobre a cidade de So Paulo, Mendes (2002) aponta que:

    Segundo relatrio internacional do Banco Mundial, durante a crise econmica da dcada de 80 a populao de baixa renda ocupou regies ecologicamente frgeis, vizinhas s bacias, o que levou progressiva deteriorao dos reservatrios por elas abastecidos. Ao mesmo tempo, houve ocupao de encostas ngremes e plancies, aumentando a vulnerabilidade de tais reas aos desastres naturais. O efeito de edifcios e ruas e estacionamentos alteraram as caractersticas de drenagem natural, diminuindo a permeabilidade do solo. Grandes extenses correm um alto risco de acidentes devido a deslizamentos de terra. Mais de 400 reas da cidade foram identificadas como reas de perigo, e aproximadamente 75 mil pessoas principalmente moradores de favelas so afetadas periodicamente por inundaes (MENDES, 2002, p. 43-44).

    Essa realidade tambm existe em diversas outras cidades brasileiras e por isso no so raras as notcias relacionadas a deslizamentos de terra e outros desastres que so tragdias anunciadas, j que as reas ocupadas so inadequadas para a construo de moradias.

    Assim, ao se considerar a adequao de um lugar para a moradia, aspectos diversos relacionados no s infraestrutura ou proximidade fsica a determinados locais precisam ser ponderados. Ao se destinar reas para a habitao de interesse social no zoneamento de uma cidade, Souza (2006, p. 265) afirma que essencial, por exemplo, considerar conjuntamente as Zonas de Preservao Ambiental e as Zonas de Especial Interesse Social, a fim de que sejam evitadas situaes de flagrante conflito entre objetivos de usos do solo.

    Sobre o que representa risco populao, no apenas questes ambientais ou de infraestrutura tm afetado comunidades mais carentes. As favelas, bem como alguns conjuntos habitacionais de proviso estatal, tornaram-se, nas ltimas

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    dcadas, territrios marcados pela violncia urbana, pois as descontnuas aes dos governos contriburam com o aumento da pobreza e da criminalidade. Assim, essas reas trazem ainda consigo outros fatores associados questo da localizao. Muitos moradores numa condio socialmente frgil, isolados do restante da cidade, seja pela ilegalidade ou pela distncia fsica, acabaram delimitando tambm territrios fsicos que traduzem o espao social ocupado.

    Por meio de um breve retrospecto do processo de urbanizao das cidades brasileiras, possvel reconhecer as formas de apropriao do espao urbano, que hoje refletem a segregao socioespacial. At o final do sculo XIX, o problema fundirio urbano no era muito significativo. Ele emergiu com o acentuado crescimento urbano e, no sculo XX, foi consolidado por um excludente processo de modernizao que, de acordo com Maricato (1997, p.30), representado pelo investimento nas reas que constituem o cenrio da cidade hegemnica ou oficial, com a consequente segregao e diferenciao acentuada na ocupao do solo e na distribuio dos equipamentos urbanos. Dessa forma, nas comunidades carentes, alm da falta de infraestrutura de saneamento e da falta de acesso a transportes pblicos, ainda faltam escolas, postos de sade, centros comunitrios, espaos para prtica de