Upload
josiane-cecilia
View
13
Download
4
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Políticas Sociais
Citation preview
POLTICAS SOCIAIS
Muitos avanos, mas ainda poucoConstituio de 1988 permitiu ao Brasil criar uma ampla rede de proteo social, com forte impacto na reduo da pobreza e na distribuio de renda. Mas ainda necessrio melhorar a qualidade dos
servios oferecidos populao e facilitar o acesso a alguns direitos
20 ANOS DE
64 Desenvolvimento setembro/outubro de 2009
Foto
: Ag
ncia
Bra
sil
Desenvolvimento setembro/outubro de 2009 65
O Brasil deu um grande salto nas pol-ticas sociais a partir da Constituio de 1988. Mas falta muito ainda a fazer para reduzir as desigualdades e acabar com a misria no pas. As conquistas resultaram na consolidao de uma ampla rede de proteo, formada pela Previdncia Social com cobertura para o trabalhador rural, seguro desemprego, assistncia social e programas de transferncia de renda, e tambm pela universalizao do acesso aos servios de sade e educao bsi-ca. A Constituio de 1988 foi um marco ins-titucional muito avanado na rea social, visu-alizando grandes possibilidades de construo de um sistema de proteo e promoo social no pas. Ela indicou possibilidades que o mo-vimento social e o Estado brasileiro acabaram consagrando, afirma Jorge Abraho, diretor de Estudos Sociais do Ipea. Em 20 anos, o Brasil estruturou um eficiente sistema de transferncia de renda, que atinge a populao mais pobre. Os pontos negativos recaem sobre a qualidade, ain-da em muitos casos insatisfatria, dos servios oferecidos populao, principalmente nas re-as da sade e da educao, e aos estreitos limites estabelecidos pelos critrios de renda domiciliar per capita que so utilizados como condio de elegibilidade aos benefcios. A mais recente do peridico Polticas Sociais: acompanhamento e anlise apresenta uma avaliao da trajetria das polticas sociais brasileiras aps a Constituio
de 1988. Fruto do trabalho dos tcnicos e pes-quisadores da Diretoria de Estudos de Estudos Sociais do Ipea, a publicao aborda 12 reas de atuao do Estado brasileiro.
Para Jorge Abraho, um importante avan-o da Constituio foi estabelecer princpios para assegurar o poder de compra do salrio mnimo, que passou a ser referncia no s para os trabalhadores do mercado formal, mas tambm o piso dos benefcios previdencirios e assistenciais a idosos e portadores de deficincia carentes. Isso um avano enorme, porque no permite que benefcios sociais sejam vilipendia-dos na boca do caixa. Nos anos 80 isso foi feito sem parcimnia, afirma Jos Aparecido, tcnico de planejamento e pesquisa do Ipea, atualmen-te editor do peridico. O princpio permitiu ao governo instituir a prtica de reajustes anu-ais acima da inflao, consolidada na Poltica Nacional de Recuperao do Valor do Salrio Mnimo. O dispositivo constitucional contri-buiu para manter e recuperar - o valor real do salrio do trabalhador, com repercusso direta nos benefcios previdencirios e assistenciais. Em 1991, o salrio mnimo era de R$ 130,00, em valores corrigidos para 2009. Hoje est em R$ 465,00, valor mnimo tambm dos mais de 22 milhes de benefcios pagos mensalmente pela Previdncia Social e dos quase 3 milhes de benefcios de prestao continuada da As-sistncia Social.
A combinao de polticas sociais e cresci-mento econmico refletiu na reduo da desi-gualdade de renda no pas, embora as enormes disparidades ainda persistam. O ndice de Gini caiu de 0,58 para 0,55, entre 1980 e 2007. Segun-do estudo do Ipea, a desigualdade nas grandes regies metropolitanas continuou caindo em 2009: o ndice de Gini para essas regies ficou em 0,49 no ms de junho deste ano, 9,5% abaixo do registrado em dezembro de 2002. Estima-se que a ao da Previdncia Social contribua em 12% para a reduo da pobreza no Brasil, comenta Jorge Abraho. Em 1980, a pobreza atingia 39% da populao. Em 2007, 22%. Alm da Previdncia, o diretor ressalta a importncia dos programas assistenciais e de transferncia de renda e do prprio crescimento da economia nos ltimos anos. Outro avano constitucional importante no mbito da Previdncia foi a nova regra de incluso e de manuteno dos benef-cios dos trabalhadores rurais. Atualmente, cerca de 8 milhes de trabalhadores rurais aposenta-dos recebem mensalmente o valor de um salrio mnimo da Previdncia Social. Antes da Cons-tituio, os trabalhadores rurais idosos eram precariamente atendidos pelo Funrural, que pagava meio salrio mnimo aos aposentados, ressalta Jos Aparecido. Alm disso, s tinha acesso ao benefcio o trabalhador rural chefe de famlia as mulheres s poderiam receber o benefcio como pensionistas em caso de viuvez.
Foto
s: Ag
nci
a Br
asil
66 Desenvolvimento setembro/outubro de 2009
Aps a Constituio, um enorme contingente de trabalhadoras rurais passou a ter seu direito aposentadoria reconhecido.
Porm, mesmo com a incluso dos traba-lhadores rurais, ainda h um grande nmero de trabalhadores sem cobertura previdenciria. So os trabalhadores informais que no contribuem para a Previdncia Social e, portanto, no tm direito a benefcio na velhice ou em caso de
necessidade, como no da perda temporria da capacidade de trabalho, como doena ou mater-nidade. O condicionamento dos benefcios contribuio prvia fragiliza muito a poltica de cobertura previdenciria, afirma Jorge Abraho.
Paralelamente, na rea de assistncia, o bene-fcio de prestao continuada (BPC) significou um avano para assegurar renda aos deficientes e aos idosos pobres. O sistema existente antes de 1988, a renda mensal vitalcia, impunha como condio para acesso ao benefcio a comprova-o do pagamento de um mnimo de 12 contri-buies Previdncia Social, o que exclua uma grande massa de trabalhadores idosos, alm das crianas e jovens portadores de deficincia.. Com a Constituio de 1988, a RMV substituda pelo BPC, que assistencial e prescinde de contribui-es: o nmero de beneficirios salta de 800 mil para 3 milhes. Jos Aparecido ressalta, entretan-to, que ainda h problemas de cobertura: os par-metros para definir quem tem direito ao BPC so muito excludentes, e muitos idosos e portadores de deficincia que no so considerados pobres, pelos critrios legais, esto desprotegidos.
Apesar dos problemas, o fato que a assis-tncia social teve uma evoluo indita, afirma Luciana Jaccoud, tcnica de planejamento e pes-quisa do Ipea. Antes da Constituio de 1988, a assistncia social existia de forma marginal. A Constituio instituiu uma poltica pblica de assistncia social, que est tendo um impacto importante, acrescenta. A taxa de pobreza entre idosos, por exemplo, era de 12% em 2007, con-
siderando os que vivem com menos da metade de um salrio mnimo. A situao de indigncia atinge 1,4% dos idosos, uma das menores taxas entre os pases em desenvolvimento, afirma Lu-ciana Jaccoud. So resultados da combinao de previdncia e assistncia social, com o BPC e programas como o Bolsa Famlia.
Do ponto de vista da estruturao institu-cional, o Brasil est equiparado com os pases desenvolvidos, ressalta Jorge Abraho. Para Luciana Jaccoud, o sistema tem a vantagem de envolver as trs esferas de governo no cum-
primento da Poltica Nacional de Assistncia Social, instituda em 2004. Atualmente, h di-versas aes especficas para as faixas etrias da populao. Temos assistido a uma efetiva regulamentao na oferta de servios assisten-ciais, afirma. Entretanto, em algumas polticas no chegamos a uma cobertura total. Em outras atingimos a universalizao, mas com servios de baixa qualidade ou de forma inadequada, comenta Jorge Abraho. Como mais da metade dos trabalhadores brasileiros est na informali-dade, uma parcela expressiva da populao no tem acesso a diversos benefcios. um n que precisa ser desatado, afirma. O seguro desem-prego, por exemplo, assegurado pela Constitui-o, limita-se, por definio, aos trabalhadores com carteira assinada.
Embora tenha havido expanso da assistn-cia social e da Previdncia, ainda h problemas de cobertura; as reas de educao e sade convivem com a falta de qualidade no servio prestado e de recursos. Na sade, temos um sis-tema para todos, mas que padece de uma srie de problemas, principalmente de financiamento e de gesto. Desta forma no consegue dar uma ateno satisfatria s pessoas, afirma Abraho. No entanto, comparada com a situao anterior Constituio, houve um grande avano: antes a assistncia mdica era vinculada ao sistema previdencirio, o que significava que s tinham direito a ela os trabalhadores com carteira as-sinada, contribuintes da Previdncia Social. A partir da Constituio, houve a universalizao do direito sade, com a ampliao do acesso a todos os brasileiros, independentemente de condicionalidades. Outra grande vantagem, segundo Jos Aparecido, foi a descentralizao dos servios de sade a partir da implantao do Sistema nico de Sade (SUS). Enquanto existiu o Inamps, a assistncia estava concentrada nos centros urbanos e restrita aos contribuintes da Previdncia Social. Agora, o servio chega cada vez mais aos pequenos municpios e zonas ru-rais, em programas como o Sade da Famlia e Sade Bucal. Hoje temos mais de 29 mil equipes de atendimento sade da famlia no pas, co-menta Abraho.
Com a universalizao da educao fundamental, o nmero de matrculas saltou de 70% para 98% das crianas, em 20 anos. Na dcada de 1960, 45% da populao com mais de 15 anos era analfabeta
Desenvolvimento setembro/outubro de 2009 67
Com o SUS, aumentou a preocupao em reforar a promoo da sade e as ati-vidades preventivas por meio da estrat-gia da ateno bsica, de forma a reduzir a assistncia hospitalar, mais cara. Tanto em termos de custos quanto de qualidade de vida, preciso incrementar o atendi-mento nos postos e centros de sade e em programas tipo mdico de famlia para evitar a complicao da doena que leve a pessoa ao hospital, afirma Aparecido. O caminho perseguido correto, mas falta melhor articulao entre os programas de ateno bsica e os de alta complexidade. O atendimento nos hospitais, com hon-rosas excees, continua precrio, mas Aparecido ressalta a dificuldade para sair de um sistema que atendia pouco mais da metade da populao, para outro que pretende atender a todos. Com o SUS mi-lhes de brasileiros, antes no atendidos, ou atendidos pela filantropia, passaram a ter direito a atendimento, sem nenhuma discriminao, nos servios pblicos. O fato que, apesar dos inmeros proble-mas, o nmero de consultas per capita aumentou a proporo de mes atendi-das em consultas pr-natal triplicou, por exemplo -, houve melhora nos indicado-res de mortalidade infantil e de expecta-tiva de vida.
O Brasil avanou muito tambm na rea de educao, com a universalizao da educao fundamental o nmero de ma-trculas salta de 70% para 98% das crianas, em 20 anos. No temos mais problema de acesso educao fundamental, comenta Abraho. Na dcada de 1960, 45% da popu-lao com mais de 15 anos era analfabeta e em todo o pas havia apenas 60 mil estudan-tes universitrios. Hoje a criana pobre tem acesso escola, diz. H ainda problemas de acesso a creches, no ensino mdio e univer-sitrio, constata Aparecido. Apenas 13% da populao chegam ao curso superior. Outra dificuldade o alto ndice de evaso escolar e a defasagem entre idade do aluno e srie:
grande quantidade dos estudantes est cur-sando sries atrasadas para sua idade. Alm disso, o pas ainda convive com enormes dis-paridades regionais e intrarregionais na qua-lidade dos servios pblicos de educao e sade, com prejuzo para a populao pobre.
Os mais pobres so os mais depen-dentes dos benefcios sociais, das transfe-rncias e dos servios. Eles sofrem muito com o fato de no ter uma escola de boa qualidade ou um acesso mais oportuno e regular aos servios de assistncia sa-
de, afirma Abraho. As camadas de ren-da mais alta matriculam seus filhos nas melhores escolas particulares, com bom padro de ensino. Com isso, perpetua-se o modelo discriminatrio: quem teve aces-so educao de qualidade ter melhores oportunidades no mercado de trabalho. A promoo social dela (da criana pobre) vai ser mais difcil. A expectativa que se consiga melhorar esses servios e assegurar as mesmas oportunidades para todos, co-menta Abraho. A questo que tambm
no adianta ter escola, se a criana est do-ente, subnutrida e no tem o que comer.
Jos Aparecido aponta uma contradio no modelo institudo pela Constituio, que deu ampla liberdade de ao inicia-tiva privada na prestao de servios. De um lado, os investimentos do setor pblico nesses servios ficaram aqum do necess-rio, enquanto o setor privado expandiu sua oferta de servios de sade e educao. A participao privada no ensino superior j era bastante forte antes da Constituio, e aumenta enormemente nos ltimos anos, afirma. Na sade, isso ainda mais grave do que na educao. Surgiram grandes re-des que passaram a explorar a educao e a sade de forma empresarial. O paradoxo,
A assistncia social teve uma evoluo indita: antes da Constituio de 1988, ela existia de forma marginal. A Constituio a transformou em uma poltica pblica de assistncia social, com resultados significativos: a taxa e indigncia entre os idosos caiu para 1,4% em 2007 .
68 Desenvolvimento setembro/outubro de 2009
para ele, que o Estado co-financiador dos servios particulares de sade e edu-cao: as pessoas que utilizam servios privados de sade e educao abatem os gastos no imposto de renda, ento so par-cialmente ressarcidas pelo fundo pblico. As instituies que fornecem esses servios muitas vezes gozam de incentivos e isen-es fiscais, com destaque para a questo da filantropia. Ao mesmo tempo, o Estado pressionado pelos servidores pblicos a patrocinar assistncia mdica e previdn-
cia privada para o funcionalismo. uma coisa esquizofrnica, tem princpios pbli-cos que esto incoerentes. Mas o Estado tem que lidar com isso. O desafio tentar tornar essa coexistncia entre sistemas p-blicos e privados menos catica., comenta.
Enquanto a educao e a sade con-tabilizaram avanos, a poltica social no saiu do lugar nas reas de habitao e sa-neamento bsico. A estrutura urbana altamente problemtica, com ocupaes irregulares, falta de saneamento bsico, dficit habitacional alto, e pouca ao do Estado nas trs esferas de poder. Hoje se tem uma calamidade habitacional. E uma estrutura residencial e sanitria precria, afirma Jorge Abraho. S recentemen-
te, lembra, o governo comeou a adotar aes efetivas nessas reas. H muita coi-sa a fazer porque a desigualdade brasileira muito forte, comenta. Para Aparecido, a Constituio falhou ao no dar mais ins-trumentos para uma desconcentrao na questo do patrimnio e da propriedade, o que dificulta a reforma agrria e a insti-tuio de poltica urbana mais ampla.
Outra questo no resolvida a da segurana pblica: mesmo depois da democratizao, no houve ruptura e o
pas manteve estruturas policiais com os mesmos vcios da poca da Ditadura, diz Aparecido. A segurana pblica est mais preocupada em reprimir do que em pro-teger o cidado, em detrimento de uma articulao necessria entre aes de re-presso e de preveno da violncia. Isto deveria ocorrer dentro de uma perspecti-va de servio pblico dirigido proteo dos cidados e da sociedade. O problema que a perpetuao dessas idias focadas na represso e no uso excessivo da fora para combater a criminalidade faz com que a prpria sociedade sempre pea mais truculncia, como se isso fosse su-ficiente para resolver o problema da vio-lncia e insegurana.
Na rea de igualdade racial e de g-nero, a Constituio abriu espao para grandes avanos, um dos mais impor-tantes, para Luciana Jaccoud, foi o reco-nhecimento pelo governo da necessida-de de um conjunto de esforos para su-perar a desigualdade racial. O combate ao racismo e s desigualdades raciais deve ser enfrentado com polticas am-plas, defende. Embora a definio cons-titucional de racismo como crime seja um marco, h uma grande dificuldade
na justia brasileira para condenar os in-fratores. O Brasil, lembra ela, tem sido reiteradamente condenado nas instn-cias internacionais por essa deficincia. Para ser superada, a desigualdade racial exige medidas para uma melhor inser-o social do negro. As polticas univer-sais cumpriram um papel importante nessa questo. Reconhecer isso no sig-nifica achar que ser suficiente. Polticas universais combatem as desigualdades de raa, de gnero, regionais. Mas no esgotam a tarefa, afirma Jos Aparecido. Para alm dessa base fundamental das polticas universais, defende ele, perma-nece a necessidade de aliar polticas afir-mativas com as universais.
Estima-se que a ao da Previdncia Social contribua em 12% para a reduo da pobreza no Brasil. Em 1980, a pobreza atingia 39% da populao. Em 2007, 22%
Foto
: Ag
ncia
Bra
sil
Desenvolvimento setembro/outubro de 2009 69