Texto Para Minha Dihistória da sciplina

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  • RECIIS R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Sade. Rio de Janeiro, v5, n.4, p. 32-44, Dez., 2011[www.reciis.icict.fiocruz.br] e-ISSN 1981-6278

    * Artigo Original

    O Livro DOuro do Povo - O Sistema Mdico de Raspail emPortugal no Sculo XIX

    Dulce PomboMestre em Sociologia da Sade e da Doena, Instituto Universitrio de Lisboa - ISCTE/IUL , [email protected]

    DOI:10.3395/reciis.v5i4.555pt

    ResumoEste artigo pretende apresentar o sistema ou mtodo de Raspail, uma teraputica em voga emmeados do Sculo XIX em Portugal, que se apresentava como alternativo s prticas teraputicasoficiais, oferecendo um manual prtico e acessvel a todas as pessoas. Numa poca em que a arte decurar oscilava entre as concepes dominantes que j vinham de perodos histricos anteriores e aMedicina Experimental, esse mtodo entrou na casa e na vida dos portugueses, contribuindo parauma alternativa ineficcia da assistncia prestada pela Medicina e Farmcia clssicas. A suautilizao foi assimilada no cotidiano e chega aos dias de hoje assumindo mltiplas formas eprocessos de orientao das prticas teraputicas classificadas como saberes tradicionais. Recorrendoa fontes histricas, pretendemos analisar a sua importncia, descrever e compreender o seu alcanceenquanto instrumento heurstico de discusso da sade e da doena no Sculo XIX.

    Palavras-chave: Sociologia; Sade; Sculo XIX; Histria; Modelos Teraputicos; Raspail

    Introduo

    Para compreendermos o presente, consideramos fundamental recorrer histria enquantoinstrumento que nos permite uma aproximao maior com os contextos de criao de lgicasexplicativas para os fenmenos: nesse caso, a sade e a doena. O Sculo XIX foi, sem dvida, umtempo histrico povoado por mltiplos sistemas explicativos sobre a sade e a doena, marcando umperodo de lutas e de poderes entre a Medicina Cientfica, que almejava dominar esse campo, e asoutras medicinas e teraputicas que povoavam o cotidiano das prticas.

    Anteriormente quele sculo, a viso holstica dominava no s a viso dos prticos como dosacadmicos, e os curandeiros estavam preocupados em restituir o funcionamento normal doorganismo como um todo. At finais do Sculo XVIII, a doena era interpretada numa mistura deambientalismo e de humores. As terapias preventivas que normalizavam e reajustavam osdesequilbrios, obrigavam drenagem de um humor que tivesse aumentado muito, recorrendo sangria, purga, vmito ou outras.

    Na Medicina Humoral, a profilaxia ou preveno era to importante como a teraputica. A melhormaneira de manter a sade passava pela moderao do que se comia e bebia, do que se vestia, daqualidade do ar que se respirava, do exerccio e do descanso, das excrees e retenes e dasemoes ou paixes (LINDEMANN, 2002).

    Apesar de esses princpios terem passado por vrias adaptaes ao longo do tempo, apareciam, naprimeira metade do Sculo XIX, como referncia para os que estudavam Medicina, servindo de basea muitas doutrinas teraputicas que surgiam. Ao longo do Sculo XIX, vrios eram os mtodos emanuais que difundiam as prticas teraputicas e as regras de higiene que foram tornandoindispensveis as sangrias, as purgas, os vomitrios, os suadouros, entre outros. Sacks (2003)acrescentou que as teorias heroicas, baseadas na sangria e na purga, eram ainda muito utilizadaspelos mdicos ingleses do Sculo XIX e que, mesmo com os avanos das tcnicas de assepsia eanestesia, no eram aplicados de uma forma significativa antes de 1858.

    Com a escassez de mdicos, com qualificao por vezes duvidosa, havia maior probabilidade dedeterminados manuais de medicina caseira ou popular penetrarem nas casas das famlias quebuscavam remdio para as mais diversas maleitas. Foi assim que o Manual de Raspail surgiu no reinode Portugal e se reproduziu na sua verso original, assim como em partes, para mais bem informaros leitores de peridicos e revistas:

  • () Tiveram estes livrinhos s vezes cruis, sempre cintilantes e de um entrainimprevisto, um salutar efeito nos costumes sociais e domsticos de nossa gente. Comeles entrou em muita casa a abundncia de ar e de gua e a luz que at ali eraconsiderada suprflua. As Farpas contriburam com Raspail e Pasteur na obra dedesinfeco aplicada aos mnage portugueses. A influncia moral foi tambm enorme.(Maria Amlia Vaz de Carvalho, As Farpas, apud. Viana Moog, Ea de Queirs e o sculoXIX, cit. Mrian 2007, p. 216, Revista Convergncia Lusada, n 24)

    Esse manual oferecia teraputicas menos dolorosas, alternativas s que vinham sendo divulgadas epraticadas at ento. A teraputica de Raspail, a par com a homeopatia, era apresentada no SculoXIX em Portugal como um sistema ou medicina alternativa perante a ortodoxia teraputica que seinstitua. Porter (1994) defendeu que a denominao de medicina alternativa um termo usado paradeterminar praticantes de medicina que adquiriram o poder de desenhar a fronteira entre o sistemamdico e os desviantes, por meio de uma autoridade legalmente profissionalizada.

    () Os outros praticantes que ofereciam mtodos alternativos de tratamento nas curasmilagrosas - definidos como charlates -, sero objecto de denncia continuada, tantomais que o cdigo penal estipulava ser passvel de pena de priso o exerccio damedicina sem ttulo ()(Medicina Contempornea, I Anno, n 9, 4-III-1883, p. 69).Tratava-se de lutar contra os charlates, os empricos e as pessoas sem credenciao esem capacidade reconhecida, que exerciam a medicina (FOCAULT, 2006).

    Essa corporao mdica, evocando a manuteno dos padres profissionais, foi fechando o exerccioprofissional, mantendo um baixo nmero de praticantes. Esse fato favoreceu a marginalizao e aestigmatizao de outros profissionais mdicos (PORTER, 1994), obrigando esses praticantes deoutras medicinas a um lugar a que eles prprios apelidavam de charlates.

    () A distino entre charlatanismo e ortodoxia essencialmente social. Os charlatesso aqueles mdicos que foram excludos do poder e do privilgio profissionais. () Aolongo do sculo XIX foram concedidos aos mdicos ortodoxos ainda mais poderes nasade pblica no seio do estado () (PORTER, 1994, P.64-65).

    Para haver uma medicina alternativa, tem que existir uma ortodoxia reconhecida ou pelo menosestvel, relativamente qual se contraponham. Foi preciso esperar pelo Sculo XIX para que talortodoxia emergisse no campo da sade e da doena ocidental (BIVINS, 2007).

    Este artigo pretende apresentar a importncia que o Livro dOuro ou mtodo Raspail teve no meiosocial e teraputico da poca. Assim como convidar os leitores a uma anlise sociolgica dediferentes sistemas teraputicos, que podero contribuir para a melhor compreenso dasracionalidades subjacentes em torno da sade e da doena e as pluralidades teraputicas no SculoXIX em Portugal.

    Mtodos e fontes utilizadas

    Este artigo integra parcialmente um estudo efetuado no mbito do mestrado em Sociologia da Sadee da Doena do ISCTE do Instituto Universitrio de Lisboa, Portugal, onde se pesquisaram os ModelosTeraputicos em Movimento no Portugal do Sculo XIX, procurando debelar os atores, os discursos eas controvrsias. O sistema ou mtodo Raspail foi um dos 13 sistemas teraputicos inventariados napesquisa documental realizada.

    Numa tentativa de melhor mapear esses modelos teraputicos, recorremos a registros e anlise dedocumentos referentes ao espao temporal do Sculo XIX em Portugal. Dos peridicos, destacamosas Gazetas Homeopticas Portuense e Lisbonense, Gazetas Mdicas, O Jornal das Cincias Mdicas deLisboa, o Jornal do Mdico, o jornal O Instituto de Coimbra, o jornal O Mdico e as revistas MedicinaContempornea, Universal Lisbonense e a Mdica Portuguesa de Lisboa, entre outros. Foramconsultados alguns almanaques, folhetos e literatura, assim como livros mdicos editados na mesmapoca histrica.

    A leitura desse tipo de textos teve como principal objetivo aceder a uma leitura do seu tempo deforma a melhor compreender os palcos e os atores desses movimentos. Os livros de histria demedicina que tivemos a oportunidade de ler, na sua maioria escritos por mdicos, apenas pincelarammuito parcialmente esses sistemas e, na maioria dos casos, com crticas mordazes aos sistemasalternativos medicina oficial que se ensinava nas escolas. Por essa razo, mergulhar nos registrosempoeirados do tempo permitiu-nos, de uma forma mais realista, traar as vrias racionalidadesmdicas no Portugal de oitocentos.

  • A histria portuguesa das teraputicas poder ser escrita de vrias formas. Uma possvel a derelatar as histrias dos progressos da medicina escrita pelos mdicos da poca e dos historiadoresque relataram esses feitos; a outra a de entrar no passado e trazer os relatos que algum seesqueceu de relatar por pensar que eram menores. Entrar no passado com um olhar sociolgico,respeitando todos os heris da poca, no dever pressupor relatar apenas o desenvolvimento damedicina mas tambm trazer os gnios, os iluminados e os esquecidos. Atores que, na poca, maisou menos acreditados ou isolados, tiveram o seu palco e que, como atores sociais, estiveramdispostos a contribuir para a histria da cincia.

    A histria considerada uma arma preciosa para esta libertao intelectual a respeitodas categorias de pensamento institudas. No que os socilogos tenham que serhistoriadores, mas devem saber analisar essa dimenso histrica dos fenmenos queestudam, de forma a perceber claramente que a(s) sua(as) configuraes so plurais,relacionam-se intimamente com os contextos onde se inserem e ganham sentido eformas. (ALVES, 2011, p. 96)

    Marc Bloch falava na Sociologia como um satlite da Histria, e Norbert Elias (2001) da importnciada interdisciplinaridade entre Histria e Sociologia, discutindo a relao entre a Sociologia e aHistria, em que a Sociologia se ocuparia das sociedades e a histria, por sua vez, se ocuparia dosindivduos. No queremos partir da ideia de medicina ou no medicina. Nesta pesquisa, queremosapenas trazer os relatos que foram proferidos, os manuais que foram publicados, os sentidos nelesrelatados e as aes neles baseadas. Trata-se de nos aproximarmos da Histria que ns noconhecemos, que no est analisada, que no-histria ainda. No nos norteou a ideia de conflitoou oposio entre sistemas mdicos, seno apenas apresentar acontecimentos:

    () Todos os acontecimentos, descobertas e ideias acabam um dia por ser contestados,mas at os perdedores a histria referncia () esta histria tambm revisionista. Fazparte do que agora se chama a nova histria da medicina e igualmente, da recentehistria social da medicina (...) durante muito tempo a histria da medicina podia sercorretamente descrita como iatrocentrica, Isto , os mdicos escreviam a histria damedicina () concentrando-se em biografias e bibliografias, teoria e praticas damedicina. Estas histrias eram essencialmente subjectivas () produzia crnicasexultantes do progresso mdico e inflamadas biografias dos mdicos pioneiros ().(LINDEMANN, 1999, p. 1-2)

    Durante sculos, assistimos ao fato de as teorias holsticas e a medicina alternativa terem entradoem conflito, por oposio, com as teorias mecnicas da doena, postulando que a sade e a doenaenvolvem a pessoa como um todo. A doena uma molstia no apenas do corpo e que esse tem acapacidade de se regenerar com mudanas de estilos de vida. Pessoas leigas que, descontentes coma medicina corrente e com a forma como a igreja via a doena como uma punio, procuraramconstruir uma filosofia de vida saudvel.

    () Todas entraram em conflito com a medicina convencional. Cada uma falava a suaprpria linguagem, a de que todo o sistema da medicina aloptica estava radicalmenteerrado. Caracteristicamente elas acusaram o ortodoxo de lutar contra as doenascorriqueiras com drogas venenosas. Cada uma delas oferecia um novo plano de vidabaseado nas tendncias da natureza defendendo o uso de mtodos naturais de cura ().(PORTER, 2001, p.116)

    Cada uma declarava investir no indivduo, com um novo controle sobre a sua sade. O holismoestava novamente na moda, prometendo no a abordagem da plula para todos os males, mas, emvez disso, uma sade mais positiva. Teorias e posturas que no foram vistas com bons olhos porparte de uma profisso mdica em ascenso ao longo do Sculo XIX. Sem querer criar assimetrias dequem est certo ou errado, se cientistas ou charlates, procuraremos apresentar a sua luta em prolda sade. a nossa obrigao, ao estudar o passado. No julgar, mas tentar perceber os filamentosda teia dos movimentos teraputicos que persistiam em querer contribuir para a teia da sade emPortugal.

    Sade portuguesa at meados do Sculo XIX

    No incio do Sculo XIX, no era risonho o estado da sade em Portugal. Era uma poca de grandescarncias humanas, s quais as Misericrdias faziam o possvel e o impossvel para minimizar osofrimento e bem cumprir a sua misso de assistncia.

    O flagelo das invases francesas deixara em completa pobreza milhares de famlias. Por todo o lado,aumentou o nmero de indigentes e era elevado o nmero de crianas expostas doena.

  • (OLIVEIRA, 1992, p. 36). Acreditava-se que a deciso entre a vida e a morte estava nas mos deDeus e que no cabia cincia interferir nesse processo. Foi o que sucedeu a Dom Jos, herdeiro dotrono e irmo mais velho do prncipe regente Dom Joo, que morreu de varola porque a sua me,Dona Maria I, tinha proibido os mdicos de lhe aplicar uma vacina, por acreditar que s Deus poderiadispor da vida do seu filho (CALMON, 1959).

    Quando, no primeiro quartel do Sculo XIX, muitas povoaes ficaram sujeitas ao flagelo da peste, ospoucos clnicos e cirurgies no chegavam, e os meios ao dispor das populaes eram reduzidos. Aausncia de um corpo clnico satisfatrio contribuiu para a grande mortandade que ocorreu em 1837,quando a varola entrou pelo pas, e o rei foi na altura informado de que nas ruas de Lisboa osguardas noturnos encontravam pessoas doentes, (SERRO, 1989).

    Alm da falta de mdicos e da vaga de epidemias que assolava a Europa, outras causas contribuampara o agravamento da sade em Portugal na primeira metade do Sculo XIX. A falta de assepsiacontribuiu para que as doenas proliferassem:

    () As cidades do reino continuavam com graves problemas de insalubridade, cheias delixo um pouco por todo o lado, () Eram espaos naturalmente conspurcados ()animais que se passeavam pelas ruas, nomeadamente ces vadios, vacas e cabras dosleiteiros, a par de animais de transporte como cavalos, burros e bois (). Para estequadro contribuam os muitos rebanhos que atravessavam as cidades na poca datransumncia, agravando ainda mais a falta de limpeza das ruas nopavimentadas.(BRAGA, 2001, p.129, in MADUREIRA, 1990 p.53).

    Com os poluentes que emitiam, as fbricas, os matadouros, tripeiros e fressureiros, com o abate etratamento de vsceras dos animais, faziam com que nas cidades proliferasse a sujeira e o maucheiro. O fato de que as guas sujas podiam contaminar a sade pblica fez com que, em 1837, oConselho de Sade comeasse a formular pareceres negativos, tendo em conta a necessidade deafastar tais atividades do centro das cidades, (BRAGA 2001).

    Se a higiene urbana do Sculo XIX era deficiente, quanto higiene pessoal muito havia a fazer. Asroupas de casa, assim como as de uso pessoal, s eram mudadas quando se apresentavam muitosujas. A regularidade dos banhos caseiros surgira como uma grande novidade apenas no findar dosculo, com os tratados de hidroterapia que reclamavam a excelncia dos tratamentos das guas(AIRIS, 1990). Era frequente o recurso queima do vesturio e da roupa de cama dos enfermos,especialmente em tempo de epidemias. O mdico Jos Pinheiro de Freitas Soares (1769-1831)props, em 1818, uma tcnica para lavar as roupas de pessoas doentes, tcnica essa que passariapor vrias fases, de forma a garantir a no propagao do mal s lavadeiras (LEMOS, 1991).

    Alm das epidemias, os portugueses oitocentistas padeciam de um vasto leque de doenasinfecciosas e doenas de nutrio. Destacavam-se as lceras e outras maleitas gstricas; doenasvenreas; doenas de pele; bronquites; reumatismo; febres; pneumonias; alienao mental; lesesde corao e contuses que, em muitos casos, levavam morte e a vrios padecimentos,(CARVALHO, 1929).

    Os tratamentos mais comuns continuavam a ser as frices, os vomitrios, os purgantes, a quina, oter, a sangria, e era muito comum o uso de sanguessugas. Um sculo ainda profundamenteimpregnado de ambientalismo e de humores na interpretao das doenas e que se manteve at aoltimo quartel numa situao de penria mdica, pois muitas populaes na raia de Espanhacostumavam chamar os mdicos vizinhos (LINDEMANN, 2002,). Nas zonas rurais, a medicinadomstica ocupava um lugar de destaque, e a sade passou, no s pelas mos de pessoasqualificadas, como tambm pelas dos curandeiros, que eram alheios medicina moderna e farmcia qumica. Na sua maioria, as pessoas preferiam curar-se em casa ou recorrer aos barbeiros ecurandeiros, sendo o hospital o ltimo de uma variada lista de socorros (BRAGA, 2001).

    Em quase todos os conselhos do reino, os facultativos se queixavam por ver prejudicados os seusinteresses e desconsideradas as suas habilitaes cientficas (Gazeta Mdica de Lisboa, de16/8/1859). No ano de 1822, as Cortes Constituintes discutiam a existncia de impostores que seapelidavam de mdicos:

    () Disto mesmo se esto queixando todos os estrangeiros escritores de teraputica,porque em todas as naes tem havido o mesmo desmazelo (). Necessidade daextraco da classe dos impostores ou homens que curam de Medicina sem seremmdicos () proibir-se inteira e absolutamente, o poder de receitas de, em toda e paraqualquer molstia, a todos os que no forem legtimos facultativos de Medicina isto : atodos os que no so bacharis formados em Medicina pela Universidade de Coimbra, ou

  • por alguma outra acreditada (), Discusso nas Cortes Constituintes de 1822.(OLIVEIRA, 1992, p.119)

    As denncias foram continuadas por parte dos facultativos, contra os outros praticantes queofereciam mtodos alternativos, at ao fim do Sculo XIX:

    () A insistncia dos mdicos neste domnio demonstrava alguma incapacidade doestado, que ainda em 1912, se diziam incapaz de fazer cumprir as leis; e mostraigualmente as dificuldades dos facultativos para assegurarem a exclusividadeprofissional numa sociedade em que a evocao da cincia e a posse do diploma aindano bastavam. que longos estratos da populao portuguesa pareciam mais confiantesem mtodos tradicionais (). (GARNEL, 2003, p. 219)

    Apesar dos esforos, o uso de medicamentos elaborados em casa, ou por algum que se sabia capaz,no era prtica apenas de alguns, atingia as camadas mais elevadas da sociedade da poca, como arainha, Dona Maria I, que, em 1844, por se sentir definhar , mandou chamar um curandeiro deFamalico, porque os seus mdicos no a conseguiam libertar do incmodo. Os boticrios eramvalorizados pelo seu conhecimento qumico, realizavam consultas e confeccionavam as drogassecretas. (LEMOS, 1974).

    Relativamente ao melhor mtodo teraputico, at meados do Sculo XIX, os mdicos ou facultativos,oscilavam entre as concepes dominantes do sculo anterior e a cincia, cada vez mais experimental(MIRA, 1947). Parecia viver-se num reino onde todos podiam chegar perante as incertezasteraputicas que a medicina ortodoxa da poca oferecia. Foi nesse ambiente que surgiu o sistema oumtodo Raspail em Portugal.

    O Manual de Sade de Raspail

    O qumico francs Franois Vicente Raspail (1794-1878), membro da Academia da Faculdade deMedicina de Paris, editou em 1845 o Manual de Sade, ou medicina e farmcia domsticas, uma obraque teve grande aceitao no apenas na Frana, mas tambm no resto da Europa.

    Tratava-se de um livro de fcil consulta e no qual o leitor ia aprendendo pgina a pgina areorganizar todo o seu espao fsico, aprendendo a gerir a sua dieta alimentar e a ter cuidado com oselementos externos agressivos ou nefastos sua sade. Alm das regras de higiene, forneciatambm os elementos necessrios e as frmulas ideais para a elaborao dos medicamentos dosistema Raspail.

    Com esse Manual de Sade, o autor pretendia ensinar a todas as pessoas os mtodos de cura e deconservao da boa sade sem recurso a mdicos e farmacuticos, prescindindo da medicao e detodos os venenos. Os mdicos franceses da poca tudo fizeram para provar que o seu livro era umatentado sade pblica, acusando-o por vrias vezes de exerccio ilegal da medicina. Apesar devrias denncias, apenas foi multado por se ter recusado receber o diploma de mdico que afaculdade lhe tinha oferecido.

    () Tenho visto, nos hospitais, casos de applicao de causticos que me faziam arrepiar,e creio que a estas sortes de espectculos das barbaras aberraes da medicina, quesou devedor de nunca me querer matricular em medicina. No me sentia com coragemde fazer nisto como todos, e no tinha ainda descoberto o meio de o fazer de outromodo e de uma maneira menos revoltante, Ento era muito cedo, hoje muito tarde. Oque tenho descoberto to simples que todos o podero fazer por mim; como poderiaeu chamar-me doutor, quando todos vo ver, sem muita difficuldade, to doutos comoeu? () (RASPAIL, 1884, P. 105)

    Raspail reduziu as causas das doenas a nove classes: asfixiantes, que resultavam da falta ouimpureza do ar, ou envenenamento miasmtico; trmicas, resultantes do excesso continuado de calorou de frio, ou a passagem repentina de uma a outra; traumticas, que tinham a ver com contuses,fraturas, esmagamento de ossos, chagas e feridas de qualquer natureza causadas por instrumentoscontundentes, perfurantes ou cortantes; acantognicas, quando acontecia a introduo nos tecidoscorporais de espinhas, arestas, p de celeiros, plos vegetais e pequenos corpos que respiramoslevantados pelo vento; phimatognicas, resultantes da introduo nas diversas cavidades dos nossosrgos de sementes ou substncias que incham com a umidade e podem causar obstrues;entomognicas ligadas ao parasitismo interno de ovos aquticos, vermes, larvas, moscas, lagartas,insetos, piolhos, pulgas, percevejos, lombrigas intestinais, que se apoderam do homem no bero;txicas, pela ingesto ou aspirao de venenos; dietticas, que provinham da privao, do excesso,da insuficincia ou da m qualidade dos alimentos ingeridos e, por ltimo, as doenas por causas

  • morais.

    Para ajudar a combater os problemas de sade relacionados com essas nove classes, Raspailrecomendava o uso de algumas substncias e vegetais, como o lcool a 40; alos; amonaco lquidoa 22; calomelanos (subcloreto de mercrio protocloreto, usado como purgativo; cnfora purificada;banha de porco; feto macho (raiz em p); ruiva dos tintureiros em p (tambm conhecida por granzae usada nas tintureiras); alcatro da Noruega; romeira (casca da raiz); rom; leo de rcinos e alos.

    A teraputica de Raspail

    Toda a teraputica, procedimentos e elaborao da mesma constava do Manual de Sade ou Medicinae Farmcia Domstica. Estava dividido em trs partes, com 40 captulos e duas sees. A primeiraparte dedicava dez captulos s causas das doenas; a segunda parte compreendia mais 30 captulossobre a farmcia domstica, a preparao e o emprego dos medicamentos segundo o mtodo deRaspail; e a terceira parte dividia-se em duas sees dedicadas aos tratamentos das molstias maiscomuns.

    Ao longo dos captulos, da primeira parte, o leitor ia aprendendo sobre o cuidado a ter na higiene dacasa em geral:

    () Escolhei uma habitao exposta ao sol, ao abrigo das emanaes das lagoas, dosrios, das fbricas, e estabelecimentos insalubres. No habiteis nas lojas, nem nosquartos rentes ao cho, por causa da sua humidade, nem nas sobrelojas ou stos, enas guas-furtadas, por causa da sua pouca elevao ou p direito, que vos expe ano respirar outro ar seno aquelle que j tem sahido dos nossos pulmes; mas sim emcasas com chamin, com tecto elevado, com largas janelas abertas ao nascente, aomeio dia ou pelo menos ao ponte (). (RASPAIL, 1850, Capitulo II, p. 23)

    A decorao da casa, principalmente o quarto de dormir, deveria ser isenta de elementos quepudessem atrair insetos ou cheiros. As paredes no deveriam ter outra decorao a no ser boapintura a leo, ou um papel pintado e colado com cola de peles aromatizadas sob o fogo compimenta preta, cnfora e aloes. A l dos colches deveria ser misturada com pimenta preta, oubocados de cnfora e, nas reas usadas pelas crianas, aconselhava folhas escolhidas do feto dasmatas. Os assoalhos dos quartos deveriam ser encerados em vez de lavados, e a cama deveria serexposta ao ar.

    Eram tambm ensinadas tcnicas para construir as chamins para que os fumos e gases no seconcentrassem nas cozinhas, a fim de evitar a contaminao dos restantes cmodos. Seguiam-se asinstrues sobre como desinfetar as latrinas e os cuidados a ter com a roupa pessoal dos adultos edas crianas:

    () Mudae a mido de roupa branca tendo uma de dormir e outra para o dia. Vesti-voslargamente, amplamente e com simplicidade. O que basta abriga, e o que demaisfatiga; a largura multiplica a fora prestando-se flexibilidade; a estreitesa enerva easphyxia () Cobri os vossos filhos na primeira edade, no os aperteis: a faixa devevesti-los e no encarcera-los. Logo que faz calor deixai-os mover no sao ar e luz ()(RASPAIL, 1850, Capitulo III, p. 27)

    Raspail dedicou dez pginas a receitas de confeccionar carnes para curar gastrites, assim como paramanter uma boa sade. A alimentao, qualidade dos alimentos assim como na sua confeco ehigiene com que deveriam ser preparados, eram tambm contemplados:

    () A arte da cozinha para a hygiene o que a farmcia para a medicina: uma boacozinha previne a doena () Regulae vossas comidas, pezae quasi vosso nutrimento,variai vossas iguarias () No vos sirvaes, quanto gua de beber, e para a cosinha,seno de gua de fonte, mas bem clarificada. Nos campos no vos sacieis com a dospoos, ou dos charcos; podem-se ingulir at pequenas sanguessugas sem o perceber (.)O vinho simples mil vezes prefervel ao mais deliciosos vinhos do comrcio ().(RASPAIL, 1850, Capitulo III, p. 30)

    Ensinava a confecionar os melhores acepipes para a digesto, os molhos e os condimentos, ideiaspara peixes carnes e sobremesas. As saladas eram aconselhadas para facilitar as digestes.

    Prevenia contra os envenenamentos, e os cuidados a ter com remdios prescritos pela medicina eusados na indstria. Como o mercrio, os venenos vegetais e animais, cido prssico, estricnina,morfina, meimendro, beladonas e digitalis.

  • As mudanas de temperatura tambm estavam contempladas com uma srie de recomendaes,assim como alguns conselhos de higiene de vesturio:

    () No saiaes nunca de inverno das vossas habitaes sem vos cobrirdes com maisalguma cousa, e no entreis sem ter menos alguma cousas sobre o corpo. () Imitaenossas aldeas; ellas vo ao mercado em todas as estaes, e a toda a hora da noite, econstipam-se menos vezes () O uso de trazer flanela sobre a pelle, to til no inverno, indispensvel no vero () evitae correntes de ar (). (RASPAIL, 1850, Capitulo V, p.52).

    Raspail tambm recomendava mtodos de higiene e limpeza dos quartos em colgios, quartis,hospitais e prises.

    No Manual de Sade, os espinhos, as lascas, as arestas e os ps-irritantes foram tidos comoelementos altamente nocivos para a sade. E dava instrues para evitar o parasitismo interno ouexterno de insetos, como os caros, os percevejos e as pulgas, e de parasitas, como as lombrigas, atnia ou solitria.

    O primeiro captulo terminava com as doenas morais, aconselhando a estudar bem o mecanismo detodos os males fsicos que resultassem de causas morais, tais como o deboche, a libertinagem, avergonha, o medo e os remorsos.

    Na segunda, apresentava mais 28 captulos com a preparao e uso da farmcia domstica dosistema Raspail. Ensinava a preparar a famosa gua sedativa em trs frmulas possveis, a ordinria,a sedativa mdia e a sedativa muito forte, e a forma como se manuseavam os compostos eradescrita de uma forma clara e passo a passo. Era vendida e recomendada para variados tratamentos,principalmente para as febres, devido a suas propriedades alcalinas.

    Outras guas eram tambm usadas na teraputica de Raspail. A gua salgada, a gua de ostras, elimonada salgada, mais indicadas para os problemas de garganta, e a gua de alcatro, quefavorecia as urinas e era muito recomendada para tratamentos ginecolgicos.

    O alos ou soccotrino, tambm muito usado, no era caro e comprava-se para dissolver em gua ouem lcool ou para ser tomado em p. Alm da via oral, era muito usado em clsteres e para favoreceras digestes.

    Os banhos eram muito importantes na teraputica de Raspail, principalmente ou banhos sedativos oualcalino frreos. Eram indicados para febres, dores reumticas, curvaturas da espinha, paralisia dosmembros; doenas do fgado, dos rins, do tero, das vias urinrias; da raiva e manias furiosas, daembriaguez, apoplexia fulminante e delrio. Os banhos sedativos eram aconselhados, de formaprudente, na maneira, no tempo e na quantidade de banhos a tomar. Deveriam ser tomados poradultos ou crianas de seis em seis dias at desaparecer completamente o problema a tratar.

    Eram tambm muito recomendados nessa teraputica de Raspail os banhos de sangue contra aparalisia, os desvios da coluna vertebral e para os problemas de excesso de mercrio no corpo. Essesbanhos obedeciam a um ritual especfico e, geralmente, eram tomados no matadouro:

    () Coloca-se todo o corpo de individuo, se a doena geral, ou to somente osmembros doentes, se parcial, debaixo do jorro quente que sae da veia do animal. Apessoa embrulha-se num lenol e expe-se ao sol, ou perto delle, se faz muito calor, elogo que o sangue forma crosta, limpa-se a pele com uma escova macia, e depois lava-se com gua e lcool camphorado, ou gua de colonia e gua comum. () ( Annaes deMedicina pelo Systema Raspail, 1865, N 17, p.103)

    Era recomendado que fossem realizados todos os dias at que a doena desaparecesse, e quem nose pudesse deslocar ao matadouro poderia realizar o banho em casa usando sangue de frango,coelho, pombo ou de outro animal.

    De todos as substncias usadas, a mais popular era a cnfora, que, aliada ao lcool, era usadaexternamente como antissptico e cauterizante, mas tambm era usada internamente. O p decnfora era usado para cheirar ou para fumar. Para a sua melhor utilizao, Raspail explicava no livroas trs diferentes frmulas de obter o p que seria usado para tratar dores de cabea e enxaqueca epara cobrir as feridas de forma a suspender a formao de escaras, o pus de m natureza e agangrena. Era usado tambm para tratamentos nas partes genitais.

  • O p era usado para fabricar artesanalmente as famosas cigarrilhas de cnfora de Raspail, usadaspara fazer chegar o tratamento s superfcies pulmonares.

    A rom era indicada para problemas de tnia nos intestinos e eram tambm aconselhadas chapas,placas, sondas e pessrios galvnicos, de cobre ou zinco para tirar do organismo o mercrio, oarsnico e outros males.

    Os clsteres variavam na sua composio como o alos, sementes de linho em gro, rosas rubras etabaco:

    () Acontece algumas vezes, principalmente s mulheres, que o clyster com tabacoproduz por um instante narcotismo e embriaguez. No o caso de assustar; deitar unsinstantes sobre a cama, e cheirar vinagre; e logo se ficar inteiramente restabelecido, elivre de effeitos do mal e dos do remdio (). (RASPAIL, 1884, p. 85)

    Ensinou como se realizavam e aplicavam os curativos de chagas, de feridas e de ulceraes; como sepreparavam os gargarejos a que Raspail chamava de clysteres da boca.

    As infuses, decoctos ou tisnas e as maceraes faziam parte dos remdios da natureza, e asinjees serviam para a limpeza realizar os clsteres genitais, dos ouvidos, do nariz, das fstulas, daschagas. Entre as substncias usadas para o fabrico de remdios destacavam-se o iodoreto depotssio e a mostarda do comrcio para tratar males de pele; o leo de ricnio para as nuseas,cido de potassa e bergamota para pastilhas para mau hlito; o p de raiz de feto-macho paraproblemas do aparelho digestivo; p de raiz de ruiva de tintureiro para problemas de ossos, a raiz deromeira e vinho branco granatisado (com romeira), contra a tnia, e o vinagre canforado parapurificar o ar dos quartos, em casos de desmaio, em gargarejos, em carbnculos de peste, molstiascontagiosas. Seguiam-se os quatro xaropes, as suas composies e indicaes.

    No ltimo captulo da segunda parte, Raspail dedicou trs pginas a explicar aos leitores as razespelas quais suprimiu da sua teraputica uma grande lista de tratamentos e medicaes que era usoser praticada pela medicina da poca:

    () Supprimimos a sangria, local ou geral, quer seja pelas sanguessugas, pelasventosas escarificadas ou pela lanceta () evacuando-se os vasos sos, no sedesobstruem os vasos doentes (9 se o sangue estava viciado, tanto estar o que fica,como estava o que se extrahiu () para que recorrer as estes meios sanguinrios eviolentos? () Eu suprimo os visicatrios e os cautrios () a natureza no creou umadoena para curar outras; foi a medicina escholastica que criou este absurdo () osvisicatrios offerecem outra qualidade de perigo () um envenenamento endermico, ()Suprimo a polypharmacia, porque com poucos remdios posso occorrer a todos osmales. O mdico no recorre multiplicidade dos remdios seno quando tem esgotadoos seus recursos, ensaia e tacta custa do restante da sade e das economias dodoente; () () a fome complica horrivelemente toda a espcie de doenas. ()Suprimo com os ses venenosos, o emprego de sulphato de quinina, este grande logromedico () que se algumas vezes triumpha da febre, a custa de gastrite e deinflamaes nos intestinos. () Suprimo() todo o meio violento, porque o fim da artede tratar os doentes de lhes dar o mais prompto allivio, e porque a medicao nodeve nunca parecer uma tortura, uma vingana, uma punio. () Suprimo asapplicaes da neve, principalmente sobre o craneo, () Suprimimos igualmente, e demaneira mais severa, o emprego das aspiraes do ether, e mormente do chlorofrmio,os quais np conjuram a dor seno com o perigo de fazer perder a vida. ( RASPAIL,1884, P. 103-104-105-106)

    A terceira parte dividia-se em duas sees, sendo que na primeira aconselhava mais detalhadamenteporque que algumas doenas se formavam dando indicaes para manter uma boa sade. Opropsito era que cada leitor aprendesse a ser o mdico de si prprio e, para tal, deu exemplosvariados e exortou que fosse sempre seguido o regime higinico da primeira parte do livro.

    Seguiam-se 16 conselhos para manter a sade, como os conselhos a ter com o frio e as correntes dear, a altura que o teto das casas deveria ter para evitar os efeitos nocivos dos foges de lenha; oscuidados a ter com a mudana de roupa pessoal; as horas ideais para as refeies e os descansosaps as mesmas; quais os melhores vinhos e como tomar; o bom tempero para combater problemasde sade; conselhos para estudantes; conselhos para ter uma noite descansada e a importncia dosono; cuidados a ter com as crianas de peito; o cuidado a ter com os excessos de fadiga do corpo eprazeres; conselhos sobre uma vida regrada, honesta, exortando lealdade na famlia, no trabalho enas amizades; a verdade como um valor essencial para a tranquilidade interior, () O mentiroso e o

  • velhaco soffrem ainda mais dos que os que elles fazem sofrer. No se pode viver tranquillo e bemseno com a verdade (). (RASPAIL, 1884, pp. 110)

    Na segunda seo, ao longo de 110 pginas, era apresentada uma longa lista de molstias e asindicaes teraputicas para cada uma em particular. E terminava com 19 pginas intituladas Manualde Veterinria ou arte de curar as molstias animais, onde explicava as teraputicas para vrios tiposde problemas que podiam fazer padecer os animais domsticos.

    O sistema ou mtodo Raspail em Portugal

    A meados do Sculo XIX no existia consenso relativamente ao nmero de sistemas mdicos oumedicinas praticadas em Portugal. Em 1843, no Jornal da Sociedade das Cincias Mdicas de Lisboa,discutiam-se e analisavam-se as doutrinas mdicas que dominavam noutras escolas da Europa efaltava consenso relativamente ao nmero de sistemas mdicos que estavam em voga e sepraticavam no Reino de Portugal. Em 1859, escrevia-se sobre a existncia de vrios sistemasmdicos ou medicinas: () Treze medicinas se encontram em campo, na epocha actual (),(SINES, 1859,p.3), cada uma com as suas pretenses excelncia sobre as outras.

    No ano anterior, em 1858, o Marechal Duque de Saldanha, num opsculo dedicado ao Rei Dom PedroV, fizera uma exposio de sete sistemas em que a medicina da altura se achava dividida. Nessessete sistemas estava includo o Sistema Raspail mais conhecido pela medicina racional. Pelas leiturasrealizadas, situamos a chegada desse sistema a Lisboa por volta de 1822, atravs de FranciscoAugusto Nogueira da Silva, um homem das artes.

    Depois de lhe ter sido diagnosticada uma horrvel doena de olhos, em que esgotou todos os recursosda medicina escolstica e caseira, tentou, ento, curar-se com a medicina de Raspail. Comprou ummanual, leu com grande dificuldade algumas pginas onde encontrou remdio para a sua doena,tendo recuperado a viso. Mais tarde, usou o manual para tratar doentes, tendo ficado conhecidocomo o Mdico de Entre Muros por habitar naquela artria de Lisboa. Foi alcunhado de curandeiropelos farmacuticos vizinhos, fato esse que o obrigou a mudar de casa. (MORENO,1997)

    De que se tenha conhecimento, o primeiro livro de Vicente Raspail foi editado em Lisboa com o ttuloManual Annuario da Sade para 1849, ou medicina e Pharmacia. A segunda traduo editada em1850, em Lisboa, com a inteno que chegasse a todos os que, precisando tratar-se, no dispunhamde meios financeiros para tal:

    () todos sabem que em Portugal, como em outro qualquer paiz, nem todos tmdinheiro para pagar a um facultativo, e muitas vezes o abandono das doenasordinrias, faz que ellas se tornem chronicas, ou incurveis pelo decurso do tempo ()(RASPAIL, 1850, p. IV).

    Naquele mesmo ano, o Jornal das Cincias Mdicas de Lisboa edita um artigo sobre esse sistema. Eraum jornal que tinha como funo a discusso das novas ideias mdicas. Em 1856, o mesmo jornalvolta a publicar um artigo sobre o mesmo sistema.

    Em 1851, surgiu a terceira edio em Lisboa. Na cidade do Porto foi editado mais um Manual,mencionando na capa que seria a quinta edio, mas, na pesquisa realizada aparece na ordemcronolgica como a quarta edio. Na mesma cidade surgiram mais trs edies, duas em 1863 euma em 1867. No ano de 1884, tambm na cidade do Porto, foi editado este manual pela oitava veze intitulado o Livro dOuro do Povo, Mannual de Sade ou Medicina e Pharmcia Domsticas.

    A primeira edio foi a nica que apresentou um resumo sobre a histria da Medicina ao longo de 91pginas, assim como uma crtica ao estado de anarquia e caos em que se encontrava a Medicina e aarte de curar. Essa seria a razo invocada para que os leitores percebessem o sucesso editorial destemanual:

    () aquelle Manual teve este anno sua 3 edio, tendo tido grande consumo na lnguafranceza, e tendo sido trazudido em varias outras lnguas. Ente ns ve j lavrando omesmo enthusiasmo como o original, e muito se fazia sentir a necessidade de suatraduo na nossa lngua () (RASPAIL, 1849, em Advertncia ao leitor, I-II- III)

    A partir da primeira edio, esse sistema comeou a adquirir vulto entre o povo da capital portuguesacomo a Medicina salvadora, humanitria e milagrosa a que se recorria in extremis.

    () Espalha-se, na capital, que existe uma medicina salvadora, e todos querem, porexperiencia prpria, conhece-la. Em 1851, abriu um consultrio em Lisboa onde asconsultas eram gratuitas para ricos e para pobres. A Sociedade Humanitria

  • Raspailhista promovia a clnica externa, tanto em Lisboa como fora desta (). (SINES,1859, p. 42-44)

    Raspail abriu o primeiro consultrio em Lisboa em 1853, na Rua do Arco da Bandeira 112, segundoandar, e pertencia a uma farmcia situada na Rua da Vitria 90-92. Esse consultrio se manteveaberto ao pblico at 1867 com o mesmo programa teraputico acolhendo toda a sorte de doentesque se encontravam sem apoio mdico. Ao iniciar a atividade, editou um jornal, at 1857, com afinalidade de informar publicamente de todos os resultados mdicos obtidos atravs do sistemaRaspail. Por razes no apuradas, essa publicao foi encerrada, tendo mais tarde sido reaberta emoutubro de 1865, passando a editar em Lisboa o jornal mensal Annaes de Medicina pelo SystemaRaspail. Nele era exposta a filosofia teraputica desse sistema, com demonstrao de casos prticosdas curas realizadas.

    Escrevia-se da importncia que a teraputica de Raspail tinha tido no tratamento e preveno daclera

    () Quando a cholera apareceu, pela primeira vez em 1833, o tratamento ento emvoga era o facultativo fazer quantos disparates lhe suggeria a imaginao exaltada. Unssangravam, outros bichavam. Alguns havia que punham sobre o estmago do pacientefortes synapismos ou o fustigavam com urtigas. Outros colocavam ao longo da espinhadorsal do desgraado doente uma tira de panno de trs polgadas de largura, untadocom therebentina. Com um ferro quente fazia-se secar e aderir o pano epiderme;depois o facultativo arrancava com fora o apposito, e trazia agarrada tira a pelle domiservel, que era victima de semelhantes barbaridades. O resultado foi morreremquasi todos que foram atacados. Ora, em 1856, quando a cholera nos visitou pelasegunda vez, a mortalidade foi muito mais diminuta, no foi isso por certo devido mudana de teorias ou emenda do tratamento que a medicina adoptasse; porquemutatis mutandis, achava-se ainda no mesmo estado em que se estava h trinta e doisanos, () Em 1833 havia uma nica medicina em pratica, que extenuava o enfermo,prohibindo-lhe tudo o que podia habilitar para resistir molstia. Em 1856 havia outrosystema a fazer concorrncia, que fundado em diferentes bases, aconselhavainteiramente o contrario (). (Annaes de Medicina pelo Systema Raspail, 1865, N 1,p.12-13)

    O Duque de Saldanha mostrou-se um adepto e grande dinamizador desse sistema tendo-lhededicado, no opsculo ao Rei Dom Pedro V, mais de seis pginas. Considerou-o um benefcio para ahumanidade, tendo em conta que veio suprimir todos os meios teraputicos martyrisantes, assimcomo a polypharmcia, permitindo que todos se vissem livres de tantas drogas no caso de maleitassimples, como as afeces de peito, garganta ou outras mais complexas.

    Os defensores desse sistema valiam-se das estatsticas das curas realizadas no combate clerapara poderem conseguir uma enfermaria:

    () a eficcia dos meios aconselhados pelo sbio Raspail foi posta em evidencia ante osolhos de toda a gente, e demonstrada pelas estatsticas que ento publicamos.Enquanto pelo methodo das botijas, dos narcticos e da dieta, morriam metade ou doisteros dos atacados, no perdamos ns uns nicos doentes, tratado imediatamente, eque ficasse debaixo das nossas visitas, morrendo apenas um por nove, daquelles que jse achavam em tratamento, ou onde havamos chegado tarde () Nessa epochapedimos ns ao governo, que destinasse uma enfermaria no hospital, para nella seremtratados os cholericos pelo systema de Raspail; a fim de que, comparadas as duasmedicinas, se reconhecesse de qual dellas a humanidade tiraria mais proveito, e seressa a que ficasse em exerccio; mas o governo ficou mudo e quedo perante o nossopedido. Empenhamos para o mesmo fim o Duque de Saldanha, que acabava derecuperar a sade com os nossos remedios, depois de ningum lhe dar cura; essemesmo nada poude conseguir, e o povo perdeu, quando tinha muito a ganhar ().(Annaes de Medicina pelo Systema Raspail, 1865, N 1, p.12)

    O mdico Guilherme Centazzi (1808-1875) queixava-se de falta de proteo, prometendo noabandonar o propsito de sustentar o sistema de Raspail, pouco protegido pela aristocracia dasescolas. Defendia a sua dama e pedia trguas de forma a terminar com preconceitos e rivalidadesodiosas para que no se sacrificasse a sade e bem-estar da humanidade com caprichos do orgulhoofendido:

    () Hoje esta medicina com muitos homens doutos, e competentes: mdicos, lentes deescolas e universidades, capazes, de facto e de direito, de levantar qualquer luva

  • scientifica que lhes seja lanada () a Medicina de Raspail no actualmente umaindustria de curandeiros: se nella os h, tambm ns os vemos em todas as outrasmedicinas () Se os contemporneos forem cegos, e surdos, a estas verdades, osvindouros se curvaro diante dellas sancionadas pela prova irrecusvel dos factos. ()(Annaes de Medicina pelo Systema Raspail, 1865, N 7, p.44-49)

    Em 1885, um grupo de portugueses, em anonimato, lanaram em Coimbra um livro denominadoRaspail Velha Medicina em benefcio da SociedadePhilantropico-Academica por um Raspailhista.Acusavam alguns mdicos de viver no passado e de m-f em relao ao sistema Raspail e faziamquesto de se no assumir como mdicos nem pretender seguir tal profisso:

    ()A pezar de escrevermos sobre medicina, no se julgue que somos mdicos; nem osomos, nem tencionamos seguir tal profisso (). (Raspail e a Velha Medicina, 1855,p.5)

    Garantiam que o novo sistema se tornaria popular, mas, se acaso no acontecesse, seria porque osmdicos se apropriariam dele como vinha a acontecer.

    Os raspailhistas portugueses acusavam a Medicina de ser arrogante e impostora pela forma comocombatia as doenas usando mtodos martirizantes, como as rigorosas dietas que apenasenfraqueciam ainda mais os doentes. Apontavam um maior numero de doenas nas cidades que noscampos devido ao irracionalismo da medicina que os mdicos praticavam com a prescrio de tantosmedicamentos:

    () Os filhos de Hippocrates sacrificam a cada passo as fortunas dos cidados ao apegotenaz e estpido a um systema irracional e contraditrio, onde arrunam algumas vezespara sempre, ou fazem baixar campa, constituies fortes e viosas, que infelizmentelhes cahem nas mos, com meia dzia de receitas, que os doentes pagam a pesodouro. () (Raspail e a Velha Medicina, 1855, p.10)

    No mesmo livro, na pgina 30, defendiam-se das crticas da forma com que eram alcunhados

    () Enquanto a palavra curandeiro bem escolhida como synonima de raspailhista,porque curandeiro o que cura: mas viu-se l nunca mandar um homem para a cadeiapor curar, como se curar fosse synonimo de matar, quando so cousas inteiramentecontraditrias?! () (Raspail e a Velha Medicina, 1855, p.14).

    Raspail reunia muitos adeptos pelo reino de Portugal e entre eles constava Ea de Queiroz, queescreveu, quando da morte de Raspail:

    () Raspail, entre todos esses o maior, deixa na terra um immenso vacuoimprehenchivel. Desappareceu com elle uma das mais poderosas foras sociaes domundo moderno, a poro mais fecunda e mais gloriosa da grande alma do povo. Foi omaior contribuinte dos descobrimentos scientificos d'este seculo. () Fundou a hygieneem bases novas, no como uma dependencia da medicina, mas como umdesdobramento da sciencia social () este mdico quem deveis em vossasenfermidades confiar o cuidado de vos ajudar com seus conselhos para chegar a alliviarum esposo, um pae, uma boa me, um irmo e filhos queridos, e numa palavra o quetendes de mais caro sobre a terra, se no tendes precisa comfiana em vs prpriospara dispensardes o mdico. () (MATOS, 2008, p. 23)

    Raspail no agradou apenas a Ea de Queiroz. Tambm Camilo Castelo Branco, em a Brasileira dePrazins, honrou o manual de Raspail, colocando na boca do clero o consentimento para males queat ento pertenciam ao foro religioso:

    () O demnio que ela tem, a doena (...) havia de comprar o Manual do Raspail, aver o que ele dizia da molstia, porque em Pernambuco toda a casta de doenas securava pelo Raspail, e que levasse o diabo o frade e mais a caiporice dos exorcismos.Que sim, que comprasse o Manual do Raspail, concordou o padre Osrio e saiu muitocansado dizia ele irm de lidar com as duas cavalgaduras () (BRANCO, 1882,p. 72)

    Concluso

    Este artigo representa o anunciar de um interesse cientfico pela temtica e exige futurosaprofundamentos de modo a compreender mais profundamente as concepes, explicaes e formade lidar com a sade e a doena no Sculo XIX. Sem dvida que esse conhecimento iluminar a

  • compreenso sobre o presente e nos permitir aprofundar a anlise sociolgica do campo da sade eda doena, suas relaes de poderes, seus protagonistas, seus pblicos. Abre-se, dessa forma, umvasto campo de pesquisa que rene retalhos de histria sobre a sade, a doena e as terapias, eque, unidos, podero constituir um material de valor incalculvel para apreender e examinar umarealidade bem mais vasta da Histria da sade e da doena em Portugal, imprescindvel para oprojeto cientfico da Sociologia.

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