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Língua Portuguesa – Redação – 2º bimestre O texto teatral Página 1 de 34 Colégio Integral – série 8º ano – 2014 1 Texto teatral – definição e usos A história do teatro remonta desde a Grécia antiga (séc. V a. C.), na qual a representação teatral era concebida como a principal atividade artística. Encenavam-se peças, em especial as tragédias, cujo intuito era conduzir os expectadores à catarse – uma espécie de purificação da alma, dada pela liberação das emoções. Com o passar do tempo, novas modalidades foram se incorporando ao gênero dramático, tais como: as comédias, representações nas quais a temática perfaz-se de fatos circunstancias e corriqueiros, tendo pessoas pertencentes às classes populares como personagens; o auto, uma peça curta e de cunho religioso, cuja temática liga-se a entidades abstratas (amor, hipocrisia, bondade, virtude, dentre outras); e a farsa, voltada para a sátira dos costumes sociais. Desta feita, a concepção catártica foi se esvaindo, cedendo lugar para novos postulados – denúncia de injustiças sociais, reflexões filosóficas acerca de fatos cotidianos, entre outros. Ao estabelecermos familiaridade com o texto dramatizado, percebemos que ele se assemelha ao narrativo no tocante a vários aspectos, tais como, personagens, enredo, tempo e espaço. Entretanto, diferenças também se acentuam, visto que no texto teatral, a interação entre os interlocutores é estabelecida por meio da própria representação, ora manifestada pelo discurso direto. Tal fato condiciona-se à ausência do próprio narrador, pois é mediante a desenvoltura dos próprios personagens que o enredo é paulatinamente retratado. Outro aspecto bastante peculiar reside na atribuição dada ao conflito, elemento primordial no gênero em questão. Em meio ao desenrolar do diálogo cria-se uma situação conflituosa caracterizada por uma oposição e uma luta de vontades entre os personagens, condicionando a plateia/leitor a criar uma expectativa em relação aos fatos presenciados ou lidos. Teatro: uma forma de arte em que um ator ou conjunto de atores interpreta uma história ou atividades para o público em um determinado lugar. Com o auxílio de dramaturgos ou

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Língua Portuguesa – Redação – 2º bimestre

O texto teatral

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1

Texto teatral – definição e usos

A história do teatro remonta desde a Grécia antiga

(séc. V a. C.), na qual a representação teatral era concebida

como a principal atividade artística. Encenavam-se peças,

em especial as tragédias, cujo intuito era conduzir os

expectadores à catarse – uma espécie de purificação da

alma, dada pela liberação das emoções.

Com o passar do tempo, novas modalidades foram se

incorporando ao gênero dramático, tais como: as comédias, representações nas quais a

temática perfaz-se de fatos circunstancias e corriqueiros, tendo pessoas pertencentes às

classes populares como personagens; o auto, uma peça curta e de cunho religioso, cuja

temática liga-se a entidades abstratas (amor, hipocrisia, bondade, virtude, dentre outras); e a

farsa, voltada para a sátira dos costumes sociais. Desta feita, a concepção catártica foi

se esvaindo, cedendo lugar para novos postulados – denúncia de injustiças sociais,

reflexões filosóficas acerca de fatos cotidianos, entre outros.

Ao estabelecermos familiaridade com o texto dramatizado, percebemos que ele se

assemelha ao narrativo no tocante a vários aspectos, tais como, personagens, enredo,

tempo e espaço. Entretanto, diferenças também se acentuam, visto que no texto teatral, a

interação entre os interlocutores é estabelecida por meio da própria representação, ora

manifestada pelo discurso direto. Tal fato condiciona-se à ausência do próprio

narrador, pois é mediante a desenvoltura dos próprios personagens que o enredo é

paulatinamente retratado.

Outro aspecto bastante peculiar reside na atribuição dada ao conflito, elemento

primordial no gênero em questão. Em meio ao desenrolar do diálogo cria-se uma situação

conflituosa caracterizada por uma oposição e uma luta de vontades entre os personagens,

condicionando a plateia/leitor a criar uma expectativa em relação aos fatos presenciados ou

lidos.

Teatro: uma forma de arte em que um ator ou conjunto de atores interpreta uma história

ou atividades para o público em um determinado lugar. Com o auxílio de dramaturgos ou

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de situações improvisadas, de diretores e técnicos, o espetáculo tem como objetivo

apresentar uma situação e despertar sentimentos no público.

Com exceção de certas

representações como a pantomima,

ou das improvisadas como a

Commedia Dell’arte, o teatro não é

uma arte totalmente autônoma,

precisa, como base, de textos

literalmente elaborados. O texto foi,

tradicionalmente, o alicerce básico da

arte dramática na maioria das

culturas, embora isso se tenha

verificado de forma mais acentuada

no Ocidente. Estes textos literários

formam, em seu conjunto, a

Literatura Dramática.

As artes cênicas e a literatura

dramática, que evoluíram

paralelamente, constituem uma

unidade indissolúvel, que se

materializa na atuação, na

representação, no palco.

Peça de teatro: uma forma literária normalmente constituída de diálogos entre

personagens e destinada a ser encenada – não apenas lida. Nas encenações, os atores

devem respeitar um roteiro, feito por um dramaturgo. O diretor tem o papel de fazer o

roteiro ser cumprido nos mínimos detalhes, e também é o responsável por dirigir os ensaios.

Os cenógrafos também são muito importantes, já que eles caracterizam o espaço onde a

peça será apresentada.

Pantomima é um teatro gestual que faz o

menor uso possível de palavras e o maior

uso de gestos através da mímica. É a arte de

narrar com o corpo. É uma modalidade

cênica que se diferencia da expressão

corporal e da dança; basicamente é a arte

objetiva da mímica, é um excelente artifício

para comediantes, cômicos, palhaços,

atores, bailarinos, enfim, os intérpretes.

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As peças teatrais podem surgir sob a forma de:

tragédia; drama; teatro moderno.

comédia; teatro épico;

A peça teatral é composta por dois tipos de texto:

Texto principal – contém as falas dos atores, que podem ser escritas através de:

Monólogo – a personagem fala consigo mesmo, expondo, perante o público, os seus

pensamentos e/ou sentimentos (precedido sempre de travessão);

Diálogo – falas entre duas ou mais personagens (precedido sempre de travessão);

Apartes – comentários de um personagem para o público, pressupondo que não são

ouvidos pelo seu interlocutor.

Texto secundário (Indicações cênicas) – Destina-se ao leitor, ao encenador ou aos atores.

A peça teatral compõe-se também em sua estrutura de:

listagem inicial das personagens;

indicação do nome das personagens no início de cada fala;

informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em atos, cenas ou quadros);

indicações sobre o cenário e guarda-roupas das personagens;

indicações sobre movimentação das personagens em palco, as atitudes que devem

tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as

palavras.

O texto da peça teatral divide-se em:

exposição: apresentação dos personagens e antecedentes da ação;

conflito: conjunto de fatos que fazem a ação progredir;

desenlace: desfecho da ação dramática.

Estrutura do Texto Teatral

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Quanto aos personagens, na peça teatral, eles podem ser:

protagonista ou personagem principal;

personagens secundárias;

figurantes.

Quanto à intenção do autor (o que ele pretende com o texto da sua peça), pode ser:

moralizadora: distinguir o bem do mal, para mostrar que o bem sempre vence;

lúdica: de entretenimento, diversão, quer causar o riso;

crítica: em relação à sociedade do seu tempo;

didática: transmitir um ensinamento.

A peça teatral pode apresentar mais de uma intenção, exemplo: ela pode ser crítica e

lúdica ao mesmo tempo.

Abaixo temos um fragmento da peça “O

Noviço” do dramaturgo Martins Pena. Leia-o

com atenção verificando os elementos

descritos acima.

O NOVIÇO Comédia em 3 atos

Personagens:

AMBRÓSIO

FLORÊNCIA – sua mulher

EMÍLIA – sua filha

JUCA – 9 anos, dito

CARLOS – noviço da Ordem de S. Bento

ROSA – provinciana, primeira mulher de Ambrósio

PADRE – mestre dos noviços

JORGE

JOSÉ – criado

Texto Teatral 1

Luís Carlos Martins Pena (1815 –

1848) foi dramaturgo, diplomata e

introdutor da comédia de costumes

no Brasil, tendo sido considerado o

Molière brasileiro.

Sua obra se caracterizou,

pioneiramente, pela ironia e humor,

as graças e desventuras da

sociedade brasileira e de suas

instituições. É patrono da Academia

Brasileira de Letras.

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1 meirinho, que fala

2 ditos, que não falam

Soldados de Permanentes, etc.

(A cena passa-se no Rio de Janeiro)

ATO PRIMEIRO

Sala ricamente adornada: mesa, consolos, mangas de vidro, jarras com flores, cortinas,

etc., etc. No fundo, porta de saída, uma janela, etc., etc.

CENA I

AMBRÓSIO só de calça preta e chambre — No mundo a fortuna é para quem sabe

adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem

inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com

o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinência

são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os

meios, não consegue enriquecer-se? Em mim se vê o exemplo. Há oito anos,

eu era pobre e miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não

importa; no bom resultado está o mérito... Mas um dia pode tudo mudar. Oh,

que temo eu? Se em algum tempo tiver que responder pelos meus atos, o

ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para

os pobres.

CENA II

Entra Florência vestida de preto, como quem vai à festa.

FLORÊNCIA – entrando — Ainda despido, Sr. Ambrósio?

AMBRÓSIO — É cedo (Vendo o relógio) São nove horas e o ofício de Ramos principia às

dez e meia.

FLORÊNCIA — É preciso ir mais cedo para tomarmos lugar.

AMBRÓSIO — Para tudo há tempo. Ora, dize-me, minha bela Florência...

FLORÊNCIA — O que, meu Ambrosinho?

AMBRÓSIO — O que pensa tua filha do nosso projeto?

FLORÊNCIA — O que pensa não sei eu, nem disso se me dá; quero eu – e basta. E é

seu dever obedecer.

AMBRÓSIO — Assim é; estimo que tenhas caráter enérgico.

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FLORÊNCIA — Energia tenho eu.

AMBRÓSIO — E atrativos, feiticeira.

FLORÊNCIA — Ai, amorzinho! (à parte:) Que marido!

AMBRÓSIO — Escuta-me, Florência, e dá-me atenção. Crê que ponho todo o meu

pensamento em fazer-te feliz...

FLORÊNCIA — Toda eu sou atenção.

AMBRÓSIO — Dois filhos te ficaram do teu primeiro matrimônio. Teu marido foi um

digno homem de muito juízo; deixou-te herdeira de avultado cabedal. Grande

mérito é esse...

FLORÊNCIA — Pobre homem!

AMBRÓSIO — Quando eu te vi pela primeira vez não sabia que era viúva rica. (à

parte:) Se o sabia! (Alto:) Amei-te por simpatia.

FLORÊNCIA — Sei disso, vidinha.

AMBRÓSIO — E não foi o interesse que obrigou-me a casar contigo.

FLORÊNCIA — Foi o amor que nos uniu.

AMBRÓSIO — Foi, foi, mas agora que me acho casado contigo, é de meu dever zelar

essa fortuna que sempre desprezei.

FLORÊNCIA, à parte — Que marido!

AMBRÓSIO, à parte — Que tola! (Alto:) Até o presente tens gozado desta fortuna em

plena liberdade e a teu bel-prazer; mas daqui em diante, talvez assim não

seja.

FLORÊNCIA — E por quê?

AMBRÓSIO — Tua filha está moça e em estado de casar-se. Casar-se-á, e terás um

genro que exigirá a legítima de sua mulher, e desse dia, principiarão as

amofinações para ti, e intermináveis demandas. Bem sabes que ainda não

fizeste inventário.

FLORÊNCIA — Não tenho tido tempo, e custa-me tanto aturar procuradores!

AMBRÓSIO — Teu filho também vai a crescer todos os dias e será preciso por fim dar-

lhe a sua legítima... Novas demandas.

FLORÊNCIA — Não, não quero demandas.

AMBRÓSIO — É o que eu também digo; mas como preveni-las?

FLORÊNCIA — Faze o que entenderes, meu amorzinho.

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AMBRÓSIO — Eu já te disse há mais de três meses o que era preciso fazermos para

atalhar esse mal. Amas a tua filha, o que é muito natural, mas amas ainda

mais a ti mesma...

FLORÊNCIA — O que também é muito natural...

AMBRÓSIO — Que dúvida! E eu julgo que podes conciliar esses dois pontos, fazendo

Emília professar em um convento. Sim, que seja freira. Não terás nesse caso

de dar legítima alguma, apenas um insignificante dote — e farás ação

meritória.

FLORÊNCIA— Coitadinha! Sempre tenho pena dela; o convento é tão triste!

AMBRÓSIO — É essa compaixão mal-entendida! O que é este mundo? Um pélago de

enganos e traições, um escolho em naufragam a felicidade e as doces ilusões

da vida. E o que é o convento? Porto de salvação e ventura, asilo da virtude,

único abrigo da inocência e verdadeira felicidade... E deve uma mãe carinhosa

hesitar na escolha entre o mundo e o convento?

FLORÊNCIA — Não, por certo...

AMBRÓSIO — A mocidade é inexperiente, não sabe o que lhe convém. Tua filha

lamentar-se-á, chorará desesperada, não importa; obriga-a e daí tempo ao

tempo. Depois que estiver no convento e acalmar-se esse primeiro fogo,

abençoará o teu nome e, junto ao altar, no êxtase de sua tranquilidade e

verdadeira felicidade, rogará a Deus por ti. (À parte:) E a legítima ficará em

casa.

FLORÊNCIA — Tens razão, meu Ambrosinho, ela será freira.

AMBRÓSIO — A respeito de teu filho direi o mesmo. Tem ele nove anos e será prudente

criarmo-lo desde já para frade.

FLORÊNCIA — Já ontem comprei-lhe o hábito com que andará vestido daqui em diante.

AMBRÓSIO — Assim não estranhará quando chegar à idade de entrar no convento;

será frade feliz. (À parte:) E a legítima também ficará em casa.

FLORÊNCIA — Que sacrifícios não farei eu para a ventura dos meus filhos!

Exercícios

O texto abaixo foi extraído do prefácio de uma coletânea de peças de Martins Pena.

Nele, são apresentadas algumas considerações reflexivas do crítico Raimundo Magalhães

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Júnior. Leia-o com atenção e responda as atividades 1 e 2.

Martins Pena, morto há cem anos, não deve ser avaliado apenas pela sua obra

dramática, mas igualmente pela influência que nos legou. E essas influências, na

verdade, estabelecem a tradição inicial e mais autêntica em nosso teatro. Escrevendo

numa época em que ainda se tinha o vezo de imitar os clássicos, abandonou os velhos

modelos e os temas gastos, para se voltar para a realidade brasileira.

Seu gênio dramático foi eminentemente brasileiro. Escreveu, na realidade, alguns

dramas e tragédias de assunto espanhol e português, mas o que dele ficou e ficará, em

nossa literatura, e o que constitui a parte mais importante de sua obra, são as comédias

como O noviço, Os irmãos das almas, O judas em Sábado de Aleluia, O juiz de paz da

roça, etc. Essas comédias estão cheias de preciosas anotações.

Mostram-nos, admiravelmente, o que era o Brasil da Regência e dos primeiros anos

do Segundo Reinado. A precária administração da justiça, a ausência de polícia, o

recrutamento sui generis, até mesmo as traficâncias e fatos e coisas de antanho,

revelam em Martins Pena um agudo espírito crítico, sempre pronto a apontar mazelas e

a documentar coisas carecedoras de emenda. Não exagerou Sílvio Romero quando, na

sua História da Literatura Brasileira, declarou que, se todos os documentos e fontes

históricas nos faltassem, seria possível reconstituir a vida da sociedade brasileira tão

somente através das comédias de Martins Pena, porque essas comédias constituem

“documentos sociológicos” da maior importância. Podemos dizer que Martins Pena

fundou, no Brasil, uma escola – a da comédia de costumes – que não desapareceu nem

deve desaparecer do nosso teatro. (Fonte: SANTOS PEREIRA, J. R. Prefácio da Primeira Edição do Instituto Nacional do Livro. In.: MARTINS PENA, L. C.

Comédias. Tecnoprint, Rio de Janeiro, 1968. p. 11)

Glossário vezo: hábito ou costume; sui generis: nas suas características específicas, peculiares; traficâncias: falsidades, enganações; de antanho: do passado; mazelas: problemas; emenda: correção.

1. a) Qual a opinião do crítico sobre a obra de Martins Pena?

b) Que critérios foram utilizados pelo crítico para avaliar positivamente as obras desse

dramaturgo?

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2. a) De acordo com Sílvio Romero, um importante crítico e historiador da literatura

brasileira, as comédias de Martins Pena, “constituem ‘documentos sociológicos’”, pois

apresentam descrições da sociedade brasileira do século XIX e de seus costumes. Tomando

como base O Noviço, cite alguns costumes sociais retratados nessa peça.

b) Se você fosse escrever uma comédia de costumes sobre a sociedade brasileira atual, que

assuntos (hábitos, crenças, valores, tradições etc.) você abordaria?

Ato e Cena

Os atos e as cenas são subdivisões que organizam o texto de uma peça teatral. Os

atos são as subdivisões que marcam uma sequência de eventos. Em O Noviço, por

exemplo, temos 3 atos: o primeiro compreende a volta de Carlos, o conhecimento das

intenções de seu tio e o aparecimento de Rosa. Já o segundo, se inicia quando o noviço

principia a investir contra os planos do tio e termina com a descoberta de seu grande

segredo. O terceiro ato, por sua vez, retrata o desfecho da história e a resolução de todos os

conflitos.

Sendo assim, nessa peça, os acontecimentos são expostos linearmente, ou seja, na

ordem em que ocorreram. Isso não é obrigatório, muitas vezes o escritor escolhe uma outra

dinâmica para sua obra.

Já cenas são as subdivisões dos atos. Na peça de Martins Pena, as cenas

apresentam espaço e tempo contínuos, além de um conjunto fixo de personagens, assim,

quando há alteração em um desses elementos (novo cenário, entrada e saída de

personagens), marca-se o fim de uma cena e o início da seguinte. Na cena I do ato primeiro,

transcrita anteriormente, Ambrósio está sozinho, refletindo sobre a possibilidade de perder o

dinheiro que adquiriu há pouco tempo. A entrada de sua mulher, Florência, na sala, produz

uma alteração no número de personagens presentes no palco, por isso, o autor assinala,

nessa parte, o início de uma nova cena.

Curiosidade:

Na Grécia clássica, a peça se dividia em episódios apresentados pelo coro.

Até o século XVIII, predominavam as compostas por 3 atos: exposição, clímax, desfecho

Elementos textuais do Texto Teatral

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ou desenlace. Na exposição, as personagens eram apresentadas para os espectadores; no

clímax, desenvolvia-se o conflito do enredo e no desenlace ocorria o fim da peça com a

resolução do conflito. Shakespeare, um autor inglês, resolveu inovar, escrevendo tragédias e

comédias com 5 atos.

Diálogos Em um texto teatral, as falas das

personagens aparecem escritas em forma

de diálogos. Isso acontece devido à

ausência de narrador, o que se justifica

devido a seu próprio caráter, que não visa

à leitura, mas sim à encenação. Assim não

é necessário que alguém conte a história

porque esta é representada, no placo,

diante dos espectadores.

Há ainda uma fala especial, indicada como à parte, que é utilizada quando a

personagem precisa expressar suas intenções, pensamentos e desejos à plateia. Trata-se

de uma convenção do teatro: quando um ator se dirige diretamente aos espectadores

significa que se trata de pontos que devem ser conhecidos unicamente por eles, de modo

que não são ouvidos pelas outras personagens em cena.

FLORÊNCIA — É preciso ir mais cedo para tomarmos lugar.

AMBRÓSIO — Para tudo há tempo. Ora dize-me, minha bela Florência...

FLORÊNCIA — O que, meu Ambrosinho?

FLORÊNCIA, à parte — Que marido!

AMBRÓSIO, à parte — Que tola!

(...)

AMBRÓSIO — Quando eu te vi pela primeira vez, não sabia que eras viúva rica. (À

parte:) Se o sabia! (Alto:) Amei-te por simpatia. (Fonte: MARTINS PENA, L. C. O Noviço. Ediouro, São Paulo, 1997. p. 09)

Narrador é a perspectiva através da

qual se conta uma história.

Há dois tipos de narrador: observador,

quando a narrativa ocorre através de

uma perspectiva de fora, e personagem,

quando aquele que conta a história

participa, de alguma forma do enredo,

sendo uma das personagens.

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Rubricas

As rubricas são instruções elaboradas pelos autores das obras que dizem respeito à

caracterização do espaço, tempo, entrada e saída de personagens, enfim, dos

aspectos necessários para a encenação da peça. Além disso, as rubricas caracterizam

física e psicologicamente as personagens, apresentando figurinos, gestos, tons de

voz, expressões, bem como sentimentos e emoções que devem ser expressos pelos

atores.

Geralmente as rubricas aparecem nos textos entre parênteses e/ou marcadas em

itálico, recebendo, assim, maior destaque. Observe no trecho abaixo, extraído de O Noviço,

as rubricas que descrevem as ações das personagens, situando os atores e indicando-lhes

como devem conduzir sua interpretação:

AMBRÓSIO, só de calça preta e chambre — No mundo a fortuna é para quem sabe

adquiri-la. (...)

FLORÊNCIA, entrando — Ainda despido, Sr. Ambrósio?

AMBRÓSIO — É cedo. (Vendo o relógio:) (Fonte: MARTINS PENA, L. C. O Noviço. Ediouro, São Paulo, 1997. p. 08-09)

Como você pode perceber, a função desses elementos estruturais é fornecer

orientação tanto para os profissionais do teatro (diretor, ator, cenógrafo, iluminador,

figurinista), quanto para o próprio leitor. É a partir da leitura das rubricas que se pode

construir uma encenação imaginária da obra teatral.

Exercícios

1. Leia o excerto da comédia O Avarento, do dramaturgo francês Molière, para responder a

próxima questão.

LA FLÈCHE — (...) Será o senhor um homem capaz de ser roubado, fechando tudo a

sete chaves e montando sentinela dia e noite, como faz?

HARPAGON — Eu fecho o que bem me parece e faço sentinela como bem entendo!

(baixo, à parte) Será que ele suspeita qualquer coisa sobre os meus dez mil

escudos? (alto) Tu és bastante capaz de espalhar o boato de que eu tenho

dinheiro escondido aqui em casa, hein?

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LA FLÈCHE — O senhor tem dinheiro escondido aqui?

HARPAGON — (...) (erguendo a mão contra ele) Vai-te embora de uma vez!

LA FLÈCHE — Está bem... Eu obedeço...

HARPAGON — Espera... Não levas nada?

LA FLÈCHE — Que poderia eu levar?

HARPAGON — Vem cá. Mostra-me tuas mãos.

LA FLÈCHE — Pronto.

HARPAGON — As outras.

LA FLÈCHE — Eu só tenho estas duas.

HARPAGON (indicando os calções de La Flèche) — Não puseste nada aí dentro?

LA FLÈCHE — Veja o senhor mesmo.

HARPAGON (apalpando os calções) — Esses calções são ótimos para esconder as coisas

roubadas. (...) (ele revista os bolsos de La Flèche).

LA FLÈCHE (à parte) — Que a peste engula a avareza e os avarentos... (Fonte: MOLIÈRE. O Avarento & As Sabichonas. Tecnoprint, Rio de Janeiro, 1987. p. 80-81)

a) De que maneira a personagem Harpagon é caracterizada?

b) Neste trecho, o autor fez uso do recurso à parte em falas de Harpagon e de La Flèche.

Por que essas falas foram marcadas como à parte?

2. Leia a seguir o trecho da tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, de Gonçalves

de Magalhães, encenada inicialmente em 1838, no Rio de Janeiro.

FREI GIL — Da parte do Santo Tribunal.

(Os Familiares [do Santo Ofício] se apoderam de Antônio José, que corre para Mariana,

como para abraçá-la, mas eles o impedem; entretanto Frei Gil se apresenta diante de

Mariana, que convulsa e horrorizada mal o vê, e ouvindo aquelas palavras, grita:)

MARIANA — Ai!

(E cai por terra. Lúcia se ajoelha ao pé do seu corpo, cobrindo com as mãos os olhos,

debruça-se sobre ela. Antônio José, seguro pelos braços, dobra os joelhos, lançando o

corpo e a cabeça para diante, e procura com os olhos certificar-se do estado de

Mariana.)

ANTÔNIO JOSÉ — Está morta! (Firmando-se repentinamente, e fazendo um forte

movimento com todo o corpo, grita:) Que eu não possa vingar a sua morte... (Fonte: MAGALHÃES, Gonçalves de apud PRADO, Décio de Almeida. João Caetano. Editora Perspectiva, São Paulo, 1972.

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p. 24)

Identifique as rubricas e responda:

a) Que informações elas trazem?

b) De que maneira auxiliam na construção da cena?

Personagens

Logo na primeira página do texto teatral, costuma aparecer uma listagem com as

personagens presentes na peça. No caso de O Noviço, temos a seguinte lista:

Personagens

AMBRÓSIO.

FLORÊNCIA, sua mulher.

EMÍLIA, sua filha.

JUCA, 9 anos.

CARLOS, noviço da Ordem de São Bento.

ROSA, provinciana, primeira mulher de Ambrósio

PADRE-MESTRE DOS NOVIÇOS.

JORGE.

JOSÉ, criado.

1 meirinho, que fala.

2 ditos, que não falam.

Soldados de Permanentes. (Fonte: MARTINS PENA, L. C. O Noviço. Ediouro, São Paulo, 1997. p. 07)

Observando essa listagem, percebemos que existe uma série de relações: Ambrósio,

Florência e Emília, membros de uma mesma família; Ambrósio e Rosa, sua primeira mulher.

Outras personagens com participação secundária sequer chegam a receber um nome

próprio. São elas: padre-mestre dos noviços, um meirinho, outros sujeitos e soldados.

Podemos também inferir certas características sobre algumas personagens. Juca tem 9

anos de idade, Carlos é um noviço da Ordem de São Bento, José é um criado e Rosa é

provinciana e ao contrário das demais, não vive na capital.

Outros textos literários geralmente não fazem uma apresentação inicial de todas as

personagens que participarão da história. O leitor fica conhecendo quem elas são e suas

características ao longo da leitura.

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Espaço

Em um texto de uma peça teatral, há dois tipos de espaço: o cênico e o dramático.

O espaço cênico é constituído por elementos presentes no palco durante a

encenação, podendo ser bastante simples (com apenas um objeto, como uma cadeira, por

exemplo), ou mesmo mais elaborado. Já o espaço dramático é o local onde se passa a

história. O autor costuma fornecer informações sobre esses cenários nas rubricas ou

mesmo nos diálogos.

Em O Noviço, a história tem como espaço dramático a casa de uma família rica que se

situa no Rio de Janeiro do século XIX. Já o espaço cênico é, no primeiro e no segundo ato, a

sala da casa de Florência, e no terceiro, o quarto de Carlos. A estrutura, objetos, enfeites

são apresentados nas rubricas:

ATO 1 e 2: (Sala ricamente adornada: mesa, consolos, mangas de vidro, jarras com

flores, cortinas, etc. No fundo, porta de saída, uma janela, etc.)

ATO 3: (Quarto em casa de Florência: mesa, cadeiras, etc., armário, uma cama grande

com cortinados, uma mesa pequena com um castiçal com vela acesa.)

Tempo

O tempo em uma peça teatral também se divide em cênico e dramático.

O tempo cênico é a duração da encenação. Um mesmo texto pode ter diferentes

tempos cênicos, variando de acordo com a montagem, que depende das escolhas do diretor

e dos atores.

O tempo dramático é o intervalo de tempo no qual se dão os acontecimentos da

peça. Pode ser um dia, um mês ou mesmo vários anos. Em O Noviço, as ações dos dois

primeiros atos ocorrem no período de um dia; já as ações do terceiro ato iniciam-se após um

período de pouco mais de uma semana e terminam no mesmo dia.

Monólogo

Um monólogo é um discurso ou uma fala pronunciada por um indivíduo no qual

geralmente são reproduzidos reflexões profundas, conflitos psicológicos, pensamentos e

ideias.

Outras personagens podem estar presentes enquanto ele fala, mas para se constituir

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como monólogo, não pode haver nenhuma interação entre eles. Na peça de Martins Pena,

logo na primeira cena há um monólogo. Nela, a personagem Ambrósio expressa suas

ponderações e o medo de perder sua fortuna, enquanto está sozinho na sala. Por meio

dessa fala, o público conhece o verdadeiro Ambrósio: um homem ganancioso e oportunista.

Os monólogos são muito comuns em peças de teatro. Quem não conhece a frase “Ser

ou não ser, eis a questão?”, presente num monólogo contido em Hamlet, de Shakespeare,

uma das mais famosas obras da história?

Trecho do monólogo presente na tragédia Hamlet, de Shakespeare:

HAMLET — Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre

Em nosso espírito sofrer pedras e setas

Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,

Ou insurgir-nos contra um mar de provocações

E em luta pôr-lhes fim? Morrer... dormir: não mais.

Dizer que rematamos com um sono a angústia

E as mil pelejas naturais-herança do homem (...) (Fonte: SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Silva Ramos, Péricles Eugênio da.

Editora Abril, 1976. p. 97)

Hamlet e Horácio, de Eugène Delacroix (1839).

O PAGADOR DE PROMESSAS Dias Gomes

“O HOMEM, no sistema capitalista, é um ser que

luta contra uma engrenagem social que promove a sua

desintegração, ao mesmo tempo que aparenta e

declara agir em defesa de sua liberdade individual. Para

adaptar-se a essa engrenagem, o indivíduo concede

levianamente, ou abdica por completo de si mesmo. O

Pagador de Promessas é a estória de um homem que

não quis conceder – e foi destruído. Seu tema central é,

assim, o mito da liberdade capitalista. Baseado no

Texto Teatral 2

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princípio da liberdade de escolha, a sociedade burguesa não fornece ao indivíduo os

meios necessários ao exercício da dessa liberdade, tornando-a, ilusória. (GOMES, DIAS.

1972)

PRIMEIRO ATO: Primeiro quadro.

A primeira cena da peça teatral inicia-

se às quatro horas e trinta minutos. Ainda

não havia amanhecido na cidade de

Salvador e o casal Zé do Burro e sua

esposa Rosa, chegam a frente à igreja de

Santa Bárbara.

Saíram às cinco da manhã do interior

baiano e caminharam sete léguas até que

chegam à igreja um pouco antes desse

horário.

Zé do Burro era um homem muito

simples, proprietário rural de um pequeno

pedaço de terra no interior do nordeste,

donde tirava o sustento de sua família e

possuía um burro, o Nicolau por quem tinha

muito apego e que acreditava que tinha

“alma de gente”.

Uma fatalidade mudou o rumo de sua

vida: um dia o burro foi atingido por uma

queda de uma árvore, em virtude de um

raio, deixando-o gravemente ferido.

Zé do Burro, desesperado ante essa situação, fez uma promessa à Santa Bárbara:

caso seu burro se recuperasse, ele dividiria suas terras entre os necessitados e

carregaria uma cruz tão pesada como a de Jesus até a igreja da Santa.

Como em sua cidade não havia a respectiva igreja, fez a promessa em um terreiro

de candomblé, onde ela é conhecida pelo nome de Iansã.

Seu burro se recupera e assim, ele e sua esposa, partem em via crucis para

cumprir o prometido e oferecer ao padre responsável pela referida igreja, à sua cruz.

Mas, ao chegarem ao local, encontram a igreja ainda fechada e por mais que Rosa

Alfredo de Freitas Dias Gomes

(Salvador, BA, 1922 – São Paulo, SP,

1999). Autor. Sua obra tem uma

abordagem humanista de esquerda,

com temática voltada para o homem

brasileiro e sua luta com a

engrenagem social. Entre elas, O

Pagador de Promessas, um clássico

da moderna dramaturgia brasileira.

Foi também um dos mais

importantes autores de novelas,

levando para a televisão a

observação da realidade brasileira e a

mistura de fantasia e realismo que

caracterizam a sua obra teatral Entre

as novelas mais bem-sucedidas

encontram-se: Bandeira 2, 1971; O

Bem Amado, 1973; Saramandaia,

1976; Roque Santeiro, 1985.

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insistisse para que ele deixasse a cruz na porta, Zé mantinha-se firme na ideia de que a

promessa só seria cumprida se ele deixasse a cruz na frente do altar como prometera.

Zé — (Olhando a igreja.) É essa. Só pode ser essa. (Rosa para também, junto aos

degraus, cansada, enfastiada e deixando já entrever uma revolta que se avoluma.)

Rosa — E agora? Está fechada.

Zé — É cedo ainda. Vamos esperar que abra.

Rosa — Esperar? Aqui?

Zé — Não tem outro jeito.

Rosa — (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato.) Estou com

cada bolha d’água no pé que dá medo.

Zé — Eu também. (Contorce-se de dor. Despe uma das mangas do paletó.) Acho que os

meus ombros estão em carne viva.

Rosa — Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse.

Zé — (Convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinha.

Rosa — Então: se você não falou, podia ter botado; a Santa não ia dizer nada.

Zé — Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou

almofadinhas.

Rosa — Não usou porque não deixaram.

Zé — Não, esse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o

santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus

assentamentos e diz: — Ah, você é o Zé do Burro, aquele que já me passou a

perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que

o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou

calote num, todos os outros ficam sabendo.

Rosa — Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois dessa? Já não

chega?

Zé — Sei não... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as

contas em dia. (Ele sobe um ou dois degraus. Examina a fachada da igreja à

procura de uma inscrição.)

Rosa — Que é que você está procurando?

Zé — Qualquer coisa escrita, pra a gente saber se essa é mesmo a igreja de Santa

Bárbara.

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Rosa — E você já viu igreja com letreiro na porta, homem?

Zé — É que pode não ser essa...

Rosa — Claro que é essa. Não lembra o que o vigário disse? Uma igreja pequena, numa

praça, perto duma ladeira...

Zé — (Corre os olhos em volta.) Se a gente pudesse perguntar a alguém...

Rosa — Essa hora está todo mundo dormindo. (Olha-o quase com raiva.) Todo o

mundo... menos eu, que tive a infelicidade de me casar com um pagador de

promessas. (Levanta-se e procura convencê-lo.) Escute, Zé... já que a igreja está

fechada, a gente podia ir procurar um lugar para dormir. Você já pensou que beleza

agora uma cama?...

Zé — E a cruz?

Rosa — Você deixava a cruz aí e amanhã, de dia...

Zé — Podem roubar...

Rosa — Quem é que vai roubar uma cruz, homem de Deus? Pra que serve uma cruz?

Zé — Tem tanta maldade no mundo. Era correr um risco muito grande, depois de ter

quase cumprido a promessa. E você já pensou: se me roubassem a cruz, eu ia ter

que fazer outra e vir de novo com ela nas costas da roça até aqui. Sete léguas.

Rosa — Pra quê? Você explicava à santa que tinha sido roubado, ela não ia fazer

questão.

O casal, então, se aloja na escadaria enquanto esperam amanhecer e a igreja abrir.

Rosa, deitada ao lado de seu marido, reclama de sua teimosia, da longa caminhada

percorrida, do cansaço e das bolhas em seus pés e depois, acaba adormecendo.

Zé, que estava extremamente cansado da jornada com a cruz, tenta manter-se em

vigília, mas acaba cochilando constantemente.

Nesse momento, chega à praça, Bonitão, um gigolô “insensível a tudo isso. Ele é

frio e brutal em sua profissão. Encara a exploração a que submete Marli e outras

mulheres, como um direito que lhe assiste, ou melhor, um dom que a natureza lhe

concedeu, juntamente com seus atributos físicos. Em seu entender, sua beleza máscula

e seu vigor sexual aliados a um direito natural de subsistir, justificam plenamente seu

modo de vida. É de estatura um pouco acima da média, forte e de pele trigueira,

amulatada. A ascendência negra é visível, embora os cabelos sejam lisos, reluzentes de

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gomalina e os traços regulares, com exceção dos lábios grossos e sensuais e das narinas

um tanto dilatadas. Veste-se sempre de branco, colarinho alto, sapatos de duas cores” e

Marli, uma prostituta, “ela tem, na realidade, vinte e oito anos, mas aparenta mais dez.

Pinta-se com algum exagero, mas mesmo assim não consegue esconder a tez amarelo-

esverdeada. Possui alguns traços de uma beleza doentia, uma beleza triste e suicida.

Usa um vestido muito curto e decotado, já um tanto gasto e fora de moda, mas ainda de

bom efeito visual. Seus gestos e atitudes refletem o conflito da mulher que quer libertar-

se de uma tirania que, no entanto, é necessária ao seu equilíbrio psíquico – a exploração

de que é vítima por parte de Bonitão vem, em parte, satisfazer um instinto maternal

frustrado. Há em seu amor e em seu aviltamento, em sua degradação voluntária, muito

de sacrifício maternal, ao qual não falta, inclusive, um certo orgulho.”

Eles discutem e deixam nítida a relação entre a submissão e a exploração entre

eles. Marli entrega-lhe o dinheiro que conseguiu através de sua prostituição e ele

reclama do pouco que ela conseguiu. Ela defende-se alegando que o serviço de

prostituição não rendia como antes e os dois acabam brigando.

Marli o amava, mas Bonitão via na pobre moça, uma mercadoria, fruto de sua

renda financeira.

Marli parte e Bonitão repara no casal da escadaria da igreja. Dirige-se até eles.

Zé do Burro é “homem ainda moço, de 30 anos presumíveis, magro, de estatura

média. Seu olhar é morto, contemplativo. Suas feições transmitem bondade, tolerância e

há em seu rosto um ‘que’ de infantilidade. Seus gestos são lentos, preguiçosos, bem

como sua maneira de falar. Tem barba de dois ou três dias e traja-se decentemente,

embora sua roupa seja mal talhada e esteja amarrotada e suja de poeira” e Rosa “pouco

parece ter de comum com ele (Zé do Burro). É uma bela mulher, embora seus traços

sejam um tanto grosseiros, tal como suas maneiras. Ao contrário do marido, tem

‘sangue quente’. É agressiva em seu ‘sexy’, revelando, logo à primeira vista, uma

insatisfação sexual e uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em que se sente

sufocar. Veste-se como uma provinciana que vem à cidade, mas também como uma

mulher que não deseja ocultar os encantos que possui.”

Bonitão, enquanto conversa com Zé do Burro repara com interesse na beleza física

de Rosa. Em seguida, sugere ao Zé do Burro que fosse observar se a porta lateral da

sacristia já não se abrira, pois o padre costumava levantar-se cedo para preparar a

missa das seis.

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Rosa, por sua vez, conversa com Bonitão, queixa-se de sua vida, de seu marido,

conta-lhe sobre a promessa, a divisão de terras com os lavradores pobres, a viagem etc

Bonitão percebendo a ingenuidade de Zé e o “atiramento” de Rosa, com astúcia de

um grande conquistador, corteja Rosa e coloca-se à disposição a ajudá-los sob o disfarce

de um bom rapaz. Bonitão sugere providenciar um hotel para que eles descansassem

até a igreja abrir.

Zé do Burro agradece, mas rejeita a proposta. Afinal, ele não podia deixar a cruz ao

léu, além de correr o risco de a roubarem.

Mas, preocupado com o cansaço e a segurança de sua esposa e, confiando na

“honestidade e bondade do novo amigo” permite e até incentiva que Rosa o acompanhe.

Saem os dois, Bonitão e Rosa, de cena.

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Proposta de produção textual – Redação 1

No texto a seguir, escrito por Martins Pena e publicado no jornal Correio das moças,

em 1839, é narrada a divertida viagem de um jovem, em um ônibus, no começo do século

XIX:

Minhas aventuras numa viagem de ônibus

Depois de um baile, o que eu gosto mais é de uma viagem no ônibus. Lá, (...)

veem-se cenas sérias, ridículas, engraçadas, enfim tudo o que pode acontecer entre

pessoas de diferentes condições.

O modesto cruzado faz o que não tem podido fazer imensidade de livros, e

sermões; pois nivela as condições, estabelece uma completa igualdade entre todas as

pessoas que o possuem e querem fazer uma viagem nos ônibus. Abençoado ônibus!

Fiquei tão entusiasmado que estou quase fazendo uma minuciosa pintura deles...

porém não; isto levaria muito tempo: vou antes dar relação da minha última viagem.

Eu fui um Domingo pela manhã às Laranjeiras com a intenção de voltar à tarde em

um ônibus: assim o fiz. Às 6 horas já eu caminhava para comprar o meu bilhete, porém

o ônibus ainda não tinha chegado, e eu tive que esperar com mais dois sujeitos que lá

estavam.

— Ó Compadre, dizia um deles para o outro, o onis não chega, já é muito tarde, e

a Comadre já deve estar arrenegada.

— Não faça caso... oh! ele ali vem!

O Compadre tinha razão, o ônibus vinha chegando.

— É desaforo – dizia um deles – estas surpresas (empresas) públicas devem ter

horas certas, e não fazerem a gente esperar; há mais de um quarto de hora já nós

devíamos estar assentados!

Enfim o ônibus chega, e cada um de nós comprou o seu bilhete. Depois que as

pessoas que vinham dentro saíram, eu e os dois Compadres entramos, e nos sentamos.

Daí a cinco minutos chegou uma bela menina acompanhada de seu Paizinho, e fui tão

feliz que ela se assentou junto de mim. Oh! que deliciosa coisa é estar no ônibus

assentado junto de uma bela moça! Sobretudo quando ela não traz o chapéu!

Em menos de dez minutos o ônibus estava com pessoas que podia levar, e entre

elas (ainda me lembra com zanga) estava um rapaz que me pareceu o namorado da

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minha vizinha, e que tinha-se assentado defronte dela. Eu estive quase furando-lhe os

olhos com a bengala; porém contive-me. (...)

— O senhor Juca ainda não pagou, disse o Recebedor, dirigindo-se para o

namorado de minha vizinha.

— Aqui está o dinheiro, e puxando por uma nota de 5$ que ele teve o cuidado de

fazer com que sua amada visse, entrega ao Recebedor.

— Eu já lhe dou o troco.

— Não é preciso, não é preciso, eu não faço caso de 5$. E depois de mostrar esse

heroico desprezo, olhou impavidamente para a sua amada. Bravo, bravíssimo, disse eu,

isto vai às mil maravilhas! Assim é que se namora!

Por mais esforços que fizessem o Recebedor para que o nosso namorado recebesse

o troco não foi possível.

Enfim partimos com grande satisfação dos dois Compadres, e ainda não tínhamos

dado vinte passos, quando o ônibus passando por uma vala deu um forte salto, e a

minha vizinha com um solavanco caiu por cima de mim! Se eu fosse Administrador dos

ônibus, mandava fazer valas por todo o caminho, e morava dentro de um deles.

Logo que principiamos a nossa viagem, eu senti que me pisavam no pé; no

princípio pensei que seria acaso; porém eu recuava o meu pé, e o outro acompanhava-o

sempre pisando. Por fim, estando já um pouco zangado com a teima, olho e vejo que

era o nosso namorado que porfiava a pisar no da sua amada! Na verdade, tive vontade

de dar uma risada; porém achei que era mais divertido desfrutá-lo um pouco, e logo que

tive essa ideia, arrumo o pé que estava livre em cima do pé do sujeito. Oh! Se vissem o

prazer que brilhou nos seus olhos! Ele fazia trejeitos, revirava os olhos, lambia os

beiços, enfim, todas as asneiras que é capaz de fazer um namorado. O brinquedo já não

me ia agradando muito, por que os calos principiaram a doer-me; e o namorado

achando pouca sensibilidade no pé, pisava cada vez mais forte; por fim já não podendo

aturá-lo por ter machucado o meu melhor calo, disse-lhe muito arrebatadamente.

— O Senhor pretende alguma coisa? Se me quer falar não é preciso pisar-me.

Todos olhavam espantados para mim, o sujeitinho ficou branco como a cal, e a

minha bela vizinha olhou para mim com tanta raiva que quase lhe disse: – Minha bela

Senhora, ainda que eu tenha muita sensibilidade nos pés, pode pisar neles todas as

vezes que quiser. Porém como não queria envergonhá-la, e como também o Paizinho já

olhava de través para mim, calei-me, e no meio de seus arrufos, e das ameaças que

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me fazia o namorado chegamos ao Largo do Machado. (...)

No meio destes e outros muitos acidentes, chegamos ao largo do Rocio. Cada um

tomou para seu lado. A minha ex-vizinha deu o braço ao Paizinho, e encaminharam-se

para a Rua dos Ciganos, e o namorado, que tinha talvez que fazer, e não podia

acompanhá-la, ficou com olhos de lula, até que ela desapareceu.

Eu fui para casa, jurando passear nos ônibus todas as vezes que pudesse. (Fonte: MARTINS PENA. Correio das moças, 1839. Texto com atualização ortográfica.)

Glossário cruzado: moeda corrente na época, com o valor de 400 réis onis: forma popular para ônibus arrenegada: nervosa porfiava: insistia, teimava arrufos: mau humor

Adapte o texto acima para o teatro. Pense em como você separará a história acima no

texto principal e no texto secundário.

Lembre-se de que, ao adaptar o texto, você deverá ficar atento aos elementos:

listagem inicial das personagens;

indicação do nome das personagens no início de cada fala;

informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em atos, cenas ou quadros);

indicações sobre o cenário e guarda-roupas das personagens;

indicações sobre movimentação das personagens em palco, as atitudes que devem

tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as

palavras.

Não se esqueça de fazer a separação por cena.

Elabore diálogos e rubricas que substituam os comentários e descrições do narrador.

Para expressar os pensamentos durante a ação, você pode utilizar o recurso à parte.

Faça um rascunho. Antes de passar a limpo, avalie o seu texto seguindo as

orientações abaixo:

AVALIE TEXTO TEATRAL

Observe se o diálogo, em que o texto está estruturado, mostra o desenvolvimento das

ações e seu desfecho; se há indicação de cenário e se as rubricas de movimento e de

interpretação estão indicadas com letras de tipo diferente ou com caneta colorida; e se a

linguagem empregada está adequada às personagens e ao contexto.

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Texto complementar

Leia a cena I, do ato I, do livro Hamlet, de William Shakespeare, transcrito abaixo:

PERSONAGENS

CLÁUDIO – Rei da Dinamarca

HAMLET – Filho do falecido rei, sobrinho

do atual rei

POLÔNIO – Lord camarista

HORÁCIO – Amigo de Hamlet

LAERTES – Filho de Polônio

VOLTIMANDO – Cortesão

CORNÉLIO – Cortesão

ROSENCRANTZ – Cortesão

GUILDENSTERN – Cortesão

OSRIC – Cortesão

UM CAVALHEIRO

UM SACERDOTE

MARCELO – Oficial

BERNARDO – Oficial

FRANCISCO – Um soldado

REINALDO – Criado de Polônio

ATORES

DOIS CLOWNS – Coveiros

FORTINBRÁS – Príncipe da Noruega

UM CAPITÃO

EMBAIXADORES INGLESES

GERTRUDES – Rainha da Dinamarca, mãe

de Hamlet

OFÉLIA – F ilha de Polônio

Damas, cavalheiros, oficiais, soldados,

Texto Teatral 3

William Shakespeare (1564-1616)

Willlam Shakespeare nasceu e

morreu em Stratford, Inglaterra. Poeta e

dramaturgo, é considerado um dos mais

importantes autores de todos os

tempos. Filho de um rico comerciante,

desde cedo Shakespeare escrevia

poemas. Mais tarde associou-se ao

Globe Theatre, onde conheceu a

plenitude da glória e do sucesso

financeiro. Depois de alcançar o triunfo

e a fama, retirou-se para uma luxuosa

propriedade em sua cidade natal, onde

morreu. Deixou um acervo

impressionante, do qual destacam-se

clássicos como Romeu e Julieta,

Hamlet, A megera domada, O rei Lear,

Macbeth, Otelo, Sonho de uma noite de

verão, A tempestade, Ricardo III, Júlio

César, Muito barulho por nada, etc.

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marinheiros, mensageiros e servidores

Fantasma do pai de Hamlet, o REI HAMLET

CENA – DINAMARCA

ATO I

CENA I

Elsinor – Terraço diante do castelo. (Francisco está de sentinela. Bernardo entra e vai

até ele.)

BERNARDO: Quem está aí?

FRANCISCO: Sou eu quem pergunta! Alto, e diz quem vem!

BERNARDO: Viva o rei!

FRANCISCO: Bernardo?

BERNARDO: O próprio.

FRANCISCO: Chegou na exatidão de sua hora.

BERNARDO: Acabou de soar a meia-noite.

Vai pra tua cama, Francisco.

FRANCISCO: Muito obrigado por me render agora. Faz um frio mortal – até meu

coração está gelado.

BERNARDO: A guarda foi tranquila?

FRANCISCO: Nem o guincho de um rato.

BERNARDO: Boa noite, então.

Se encontrar Marcelo e Horácio,

Meus companheiros de guarda, diga-lhes que se apressem.

FRANCISCO: Parece que são eles. Alto aí! Quem vem lá?

(Entram Horácio e Marcelo.)

HORÁCIO: Amigos deste país.

MARCELO: E vassalos do Rei da Dinamarca.

FRANCISCO: Deus lhes dê boa-noite.

MARCELO: Boa noite a ti, honesto companheiro.

Quem tomou o teu posto?

FRANCISCO: Bernardo está em meu lugar.

Deus lhes dê boa-noite. (Sai.)

MARCELO: Olá, Bernardo!

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BERNARDO: Quem está aí? Horácio?

HORÁCIO: Só um pedaço dele. O resto ainda dorme.

BERNARDO: Bem-vindo, Horácio. Bem-vindo, bom Marcelo.

MARCELO: Então, me diz - esta noite a coisa apareceu de novo?

BERNARDO: Eu não vi nada.

MARCELO: Horácio diz que tudo é fantasia nossa

E não quer acreditar de modo algum

Na visão horrenda que vimos duas vezes.

Por isso eu insisti pra que estivesse aqui, conosco,

Vigiando os minutos atravessarem a noite

Assim, se a aparição surgir de novo

Ela não duvidará mais de nossos olhos,

E falará com ela.

HORÁCIO: Ora, ora, não vai aparecer.

BERNARDO: Senta um pouco, porém.

E deixa mais uma vez atacarmos teus ouvidos

Fortificados contra a nossa história-

O que vimos nessas duas noites.

HORÁCIO: Bem, vamos sentar, então,

E ouvir Bernardo contar o que ambos viram.

BERNARDO: Na noite passada,

Quando essa mesma estrela a oeste do polo

Estava iluminando a mesma parte do céu

Que ilumina agora, Marcelo e eu –

O sino, como agora, badalava uma hora –

MARCELO: Silêncio! Não fala! Olha – vem vindo ali de novo!

(Entra o Fantasma.)

BERNARDO: Com a mesma aparência do falecido rei.

MARCELO: Você é um erudito; fala com ele, Horácio.

BERNARDO: Não te parece o rei? Repara bem, Horácio.

HORÁCIO: É igual – estou trespassado de espanto e medo.

BERNARDO: Ele quer que lhe falem.

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MARCELO: Fala com ele, Horácio.

HORÁCIO: Quem és tu que usurpas esta hora da noite

Junto com a forma nobre e guerreira

Com que a majestade do sepulto rei da Dinamarca

Tantas vezes marchou? Pelos céus, eu te ordeno: fala!

MARCELO: Creio que se ofendeu.

BERNARDO: Olha só; com que altivez vai embora!

HORÁCIO: Fica aí! Fala, fala! Eu te ordenei – fala!

(O Fantasma sai.)

MARCELO: Foi embora e não quis responder.

BERNARDO: E então, Horácio? Você treme, está pálido.

Não é um pouco mais que fantasia?

Que é que nos diz, agora?

HORÁCIO: Juro por Deus; eu jamais acreditaria nisso

Sem a prova sensível e verdadeira

Dos meus próprios olhos.

MARCELO: Não era igual ao rei?

HORÁCIO: Como o rei num espelho.

A armadura também era igual à que usava

Ao combater o ambicioso rei da Noruega

E certa vez franziu assim os olhos, quando,

Depois de uma conferência violenta,

Esmagou no gelo os poloneses

Em seus próprios trenós.

É estranho.

MARCELO: Assim, duas vezes seguidas, e nesta mesma hora morta,

Atravessou nossa guarda nesse andar marcial.

HORÁCIO: Não sei o que pensar. Com precisão, não sei.

Mas, se posso externar uma opinião ainda grosseira,

Isso é augúrio de alguma estranha comoção em nosso Estado.

MARCELO: Pois bem; vamos sentar. E quem souber me responda:

Por que os súditos deste país se esgotam todas as noites

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Em vigílias rigidamente atentas, como esta?

Por que, durante o dia, se fundem tantos canhões de bronze?

Por que se compra tanto armamento no estrangeiro?

Por que tanto trabalho forçado de obreiros navais,

Cuja pesada tarefa não distingue o domingo dos dias de semana?

O que é que nos aguarda,

O que é que quer dizer tanto suor

Transformando a noite em companheira de trabalho do dia?

Quem pode me informar?

HORÁCIO: Eu posso;

Pelo menos isto é o que se murmura: nosso último rei,

Cuja imagem agora mesmo nos apareceu,

Foi, como vocês sabem, desafiado ao combate por

Fortinbrás, da Noruega,

Movido pelo orgulho e picado pela inveja.

No combate, nosso valente Rei Hamlet,

Pai de nosso amado príncipe,

Matou esse Fortinbrás; que, por um contrato lacrado,

Ratificado pelos costumes da heráldica,

Perdeu, além da vida, todas as suas terras,

Que passaram à posse do seu vencedor.

O nosso rei também tinha dado em penhor

Uma parte equivalente do seu território

A qual teria se incorporado às posses de Fortinbrás

Houvesse ele vencido.

Agora, senhor, o jovem Fortinbrás, príncipe da Noruega,

Cheio de ardor, mas falho em experiência,

Conseguiu recrutar, aqui e ali,

Nos confins de seu país,

Um bando de renegados sem fé nem lei

Decididos a enfrentar, por pão e vinho,

Qualquer empreitada que precise estômago.

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No caso (como compreendeu bem claro o nosso Estado)

A empreitada consiste em recobrar,

Com mão de ferro e imposições despóticas,

As mesmas terras perdidas por seu pai.

Está aí, acredito,

A causa principal desses preparativos,

A razão desta nossa vigília,

E a origem do tumulto febril que agita o país.

BERNARDO: Acho que tudo se passa como disse.

Isso explica a visão espantosa,

Tão parecida com o rei, que foi e é a causa dessas guerras,

Ter vindo assombrar a nossa guarda.

HORÁCIO: Um grão de pó que perturba a visão do nosso espírito.

No tempo em que Roma era só louros e palmas,

Pouco antes da queda do poderoso Júlio,

As tumbas foram abandonadas pelos mortos

Que, enrolados em suas mortalhas,

Guinchavam e gemiam pelas ruas romanas;

Viram-se estrelas com caudas de fogo,

Orvalhos de sangue, desastres nos astros,

E a lua aquosa, cuja influência domina o mar, império de Netuno,

Definhou num eclipse, como se houvesse soado o Juízo Final.

Esses mesmos sinais, mensageiros de fatos sinistros,

Arautos de desgraças que hão de vir,

Prólogo de catástrofes que se formam.

Surgiram ao mesmo tempo no céu e na terra,

E foram vistos em várias regiões,

Com espanto e terror de nossos compatriotas.

Mas calma agora! Olhem: ele está aí de novo! (O Fantasma entra.)

Vou barrar o caminho, mesmo que me fulmine.

(Ao Fantasma.) Para, ilusão! (O Fantasma abre os braços.)

Se sabes algum som ou usas de palavras,

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Fala comigo.

Se eu posso fazer algo de bom,

Que alivie a ti e traga alívio a mim,

Fala comigo. Se sabes um segredo do destino do reino

Que, antecipado por nós, possa ser evitado,

Fala comigo!

Se em teus dias de vida, enterraste

Nas entranhas da terra um tesouro, desses extorquidos,

Pelos quais, dizem, os espíritos vagueiam após a morte,

(O galo canta.)

Fala! Para e fala! Cerca ele aí, Marcelo!

MARCELO: Posso atacá-lo com a alabarda?

HORÁCIO: Se não se detiver, ataca!

BERNARDO: Está aqui!

HORÁCIO: Está aqui!

MARCELO: Foi embora! (O Fantasma sai.)

Erramos tudo, tentando a violência,

Diante de tanta majestade.

Ele é como o ar, invulnerável,

E nossos pobres golpes uma tolice indigna.

BERNARDO: Ele ia falar quando o galo cantou.

HORÁCIO: E aí estremeceu como alguém culpado

Diante de uma acusação. Ouvi dizer que o galo,

Trombeta da alvorada, com sua voz aguda,

Acorda o Deus do dia,

E que a esse sinal,

Os espíritos errantes,

Perdidos em terra ou no mar, no ar ou no fogo,

Voltam rapidamente às suas catacumbas.

O que acabamos de ver prova que isso é verdade.

MARCELO: Se decompôs ao clarinar do galo,

Dizem que, ao se aproximar o Natal de Nosso Salvador,

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O galo, pássaro da alvorada, canta a noite toda:

E aí, se diz, nenhum espírito ousa sair do túmulo.

As noites são saudáveis; nenhum astro vaticina;

Nenhuma fada encanta, nem feiticeira enfeitiça;

Tão santo e cheio de graça é esse tempo.

HORÁCIO: Eu também ouvi assim e até acredito, em parte.

Mas, olha: a alvorada, vestida no seu manto púrpura,

Pisa no orvalho, subindo a colina do Oriente.

Está terminada a guarda; se querem um conselho,

Acho que devemos comunicar ao jovem Hamlet

O que aconteceu esta noite; creio, por minha vida,

Que esse espírito, mudo pra nós, irá falar com ele.

MARCELO: Pois então vamos logo.

Eu sei onde encontrá-lo com certeza

A esta hora da manhã. (Saem.)

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Proposta de produção textual – Redação 2

Leia o texto a seguir, de Rubem Braga e, em seguida, siga a proposta abaixo:

Tuim criado no dedo

João-de-barro é um bicho bobo que ninguém pega, embora goste de ficar perto da

gente, mas de dentro daquela casa de João-de-barro vinha uma espécie de choro, um

chorinho fazendo tuim, tuim, tuim....

A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma

vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino

apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de

entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de João-de-barro, mas de

tuim.

Você conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz

de ser menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas

penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem penas, os

três chorando.

O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles, um morreu, outro

morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa é casal de tuim, especialmente para se

apreciar o namorinho deles.

Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo.

Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de

imbaúba. Se aparecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na

varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita

achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho

pousar no dedo do garoto.

Mas o pai disse: “menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar:

tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim, toda tarde vem

procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins,

adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai embora com os outros, mesmo ele estando

preso e ouvindo o bando passar, está arriscado ele morrer de tristeza”.

E o menino vivia de ouvido no ar com medo de ouvir bando de tuim. Foi de manhã,

ele estava cantando minhoca para pescar quando viu o bando chegar, não tinha engano:

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era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num

bambuzal, dividido em partes. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo

depois todos sumiram para uma roça de arroz, o menino gritava com o dedinho esticado

para o tuim voltar, mas nada dele vir.

Só parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa e disse: “venha

cá”. E disse: “o senhor é um homem, estava avisado do que ia acontecer, portanto, não

chore mais”.

O menino parou de chorar, porque seu pai o havia consolado, mas como doía seu

coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma

beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o sumiço do tuim.

Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim,

levar o tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora

dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: “aqui na cidade ele não pode andar

solto, é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado”.

Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim

dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala, a mãe e a irmã não

aprovavam, o tuim sujava dentro de casa.

Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto, se

ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava, mas uma vez não voltou.

De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: “que é tuim?” perguntavam

pessoas ignorantes. “Tuim?” Que raiva! Pedia licença para olhar no quintal de cada casa,

perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra.

Teve uma ideia, foi ao armazém de “seu” Perrota: “tem gaiola para vender?”

Disseram que tinha. “Venderam alguma gaiola hoje?” Tinham vendido uma para uma

casa ali perto.

Foi lá, chorando, disse ao dono da casa: “se não prenderam o meu tuim então por

que o senhor comprou gaiola hoje?”

O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de

rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto,

ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. “Não

senhor, o tuim é meu, foi criado por mim”.

Voltou para casa com o tuim no dedo. Pegou uma tesoura: era triste, era uma

judiação, mas era preciso, cortou as asinhas, assim o bichinho poderia andar solto no

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quintal, e nunca mais fugiria.

Depois foi dentro de casa para fazer uma coisa que estava precisando fazer, e,

quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as manchas

de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o

vulto de um gato ruivo que sumia. Fonte: (http://emilytrevizan.blogspot.com.br/2011/04/tuim-criado-no-dedo-rubem-braga.html)

Adapte o texto acima para o teatro. Pense em como você separará a história acima no

texto principal e no texto secundário.

Lembre-se de que, ao adaptar o texto, você deverá ficar atento aos elementos:

listagem inicial das personagens;

indicação do nome das personagens no início de cada fala;

informações sobre a estrutura externa da peça (divisão em atos, cenas ou quadros);

indicações sobre o cenário e guarda-roupas das personagens;

indicações sobre movimentação das personagens em palco, as atitudes que devem

tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as

palavras.

Não se esqueça de fazer a separação por cena.

Elabore diálogos e rubricas que substituam os comentários e descrições do narrador.

Para expressar os pensamentos durante a ação, você pode utilizar o recurso à parte.

Faça um rascunho. Antes de passar a limpo, avalie o seu texto seguindo as

orientações abaixo:

AVALIE TEXTO TEATRAL

Observe se o diálogo, em que o texto está estruturado, mostra o desenvolvimento das

ações e seu desfecho; se há indicação de cenário e se as rubricas de movimento e de

interpretação estão indicadas com letras de tipo diferente ou com caneta colorida; e se a

linguagem empregada está adequada às personagens e ao contexto.