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PUC Minas Virtual • 1 1.1 Jurisdição constitucional: compreensão do termo Para o esclarecimento do tema proposto, faz-se necessária uma revisão dos delineamentos teóricos referentes ao conceito de jurisdição constitucional e dos conceitos que lhe são correlatos. A jurisdição constitucional é colocada, conforme análise infra, como objeto de estudo do direito processual constitucional. Baracho 1 , após descrever a jurisdição como ‘função de declarar o direito aplicável aos fatos’, sendo manifestação da soberania do Estado, apresenta a jurisdição constitucional como espécie de jurisdição política que teria grande relevância na proteção efetiva das liberdades humanas. Esse autor define-a como a atividade jurisdicional que tem por objetivo verificar a concordância das normas de hierarquia inferior – leis e atos administrativos – com as normas constitucionais, analisando se aquelas violaram ou não os preceitos da Constituição, aplicando ou não a respectiva sanção. Silva define a jurisdição constitucional em sentido estrito e em sentido amplo: a jurisdição constitucional, em sentido estrito, consiste na entrega, aos órgãos do poder judiciário, da missão de solucionar conflitos entre as normas jurídicas ordinárias (e complementares) e a constituição. ‘E, mais amplamente (sentido próprio), é a entrega ao Poder Judiciário da missão de solucionar conflitos constitucionais. 2 Há autores que buscam definir a jurisdição constitucional por um critério subjetivo, ou seja, qualificam como constitucional a atividade exercida por 1 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 75. 2 Cf. SILVA, José Afonso da . Tribunais Constitucionais e Jurisdição Constitucional. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, , n.º 60/61, jan./jul. 1985. Título: Texto II Autora: Profª Luciana Costa

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    1.1 Jurisdio constitucional: compreenso do termo

    Para o esclarecimento do tema proposto, faz-se necessria uma reviso dos delineamentos tericos referentes ao conceito de jurisdio constitucional e dos conceitos que lhe so correlatos.

    A jurisdio constitucional colocada, conforme anlise infra, como objeto de estudo do direito processual constitucional.

    Baracho1, aps descrever a jurisdio como funo de declarar o direito aplicvel aos fatos, sendo manifestao da soberania do Estado, apresenta a jurisdio constitucional como espcie de jurisdio poltica que teria grande relevncia na proteo efetiva das liberdades humanas. Esse autor define-a como a atividade jurisdicional que tem por objetivo verificar a concordncia das normas de hierarquia inferior leis e atos administrativos com as normas constitucionais, analisando se aquelas violaram ou no os preceitos da Constituio, aplicando ou no a respectiva sano.

    Silva define a jurisdio constitucional em sentido estrito e em sentido amplo:

    a jurisdio constitucional, em sentido estrito, consiste na entrega, aos rgos do poder judicirio, da misso de solucionar conflitos entre as normas jurdicas ordinrias (e complementares) e a constituio. E, mais amplamente (sentido prprio), a entrega ao Poder Judicirio da misso de solucionar conflitos constitucionais.2

    H autores que buscam definir a jurisdio constitucional por um critrio subjetivo, ou seja, qualificam como constitucional a atividade exercida por

    1 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

    p. 75. 2 Cf. SILVA, Jos Afonso da . Tribunais Constitucionais e Jurisdio Constitucional. In: Revista

    Brasileira de Estudos Polticos, , n. 60/61, jan./jul. 1985.

    Ttulo: Texto II

    Autora: Prof Luciana Costa

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    tribunais especficos tal como idealizado por Kelsen encarregados de decidir e conhecer as controvrsias de natureza constitucional. A atribuio ou no da competncia, em matria constitucional, a um rgo especfico tambm critrio para distinguir a jurisdio constitucional difusa da concentrada.

    Biscaretti di Ruffia3 tambm define a jurisdio constitucional como a atividade de tutela de direitos e interesses que atentam para a matria constitucional, derivando, quando a Constituio rgida, de pretenses fundadas diretamente nas normas constitucionais. Para esse autor, a jurisdio constitucional seria exercida tanto contra atos infraconstitucionais dos rgos dos Estados, quanto contra as atividades lcitas dos titulares dos rgos constitucionais.

    J Cappelletti4, identificando a jurisdio constitucional com a justia constitucional, entende-a como funo judicial de tutela e atuao dos preceitos da suprema lei constitucional, abrangendo o controle judicial de constitucionalidade das leis, os mecanismos de tutela dos direitos de liberdade, o controle que o tribunal federal alemo exerce sobre os partidos polticos e o julgamento do conflito de poderes do Estado, dentre outros.

    Gomes Canotilho, aps definir a justia constitucional em sentido amplo como o complexo de atividades jurdicas desenvolvidas por um ou vrios rgos jurisdicionais, destinados fiscalizao da observncia e ao cumprimento das normas e princpios constitucionais vigentes, apresenta os denominados modelos de justia, apontando os campos problemticos da justia constitucional, quais sejam:

    1-litgios constitucionais (Verfassungstreitiqkeiten), isto , litgios entre os rgos supremos do Estado (ou outros entes com direitos e deveres constitucionais);

    3 RUFFIA, Biscaretti, apud BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio

    de Janeiro: Forense, 1984. p. 99. 4 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito

    comparado. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Reviso Jos Carlos Barbosa Moreira. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1984. p. 23 e ss.

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    2-litgios emergentes da separao vertical (territorial) dos rgos constitucionais (ex: federao e estados federados, estados e regies, etc.);

    3-controle de constitucionalidade de leis e, eventualmente, de outros atos normativos (Normenkontrolle);

    4-proteo autnoma dos direitos fundamentais (Verfassungsbeschwerd, recurso de amparo);

    5-controle da regularidade da formao de rgos constitucionais (contencioso eleitoral) e de outras formas importantes de expresso poltica (referendos, consultas populares, formao de partidos);

    6-a interveno no processo de averiguao e apuramento de responsabilidade constitucional e, de modo geral, a defesa da constituio contra crimes de responsabilidade (Verfassungschutzverfahren).5

    Jos Luiz Quadros de Magalhes realiza um estudo pormenorizado da jurisdio no direito comparado, dizendo que os diversos pases adotam modelos que ora possuem um sistema concentrado, que, entretanto no impede que haja uma jurisdio constitucional difusa e outros onde inexiste uma jurisdio constitucional difusa, sendo o controle de constitucionalidade exercido pelo parlamento. Partindo dessa afirmao, podemos observar que o autor diferencia o controle de constitucionalidade da jurisdio constitucional. E isso pode ser ratificado pelo trecho infratranscrito onde, analisando o que ocorre no Reino Unido, o autor chega a afirmar que na Inglaterra no h um controle difuso de constitucionalidade, embora haja uma jurisdio constitucional difusa:

    Entendendo a complexidade da Constituio inglesa, podemos entender o conceito de jurisdio constitucional neste pas. Obviamente no h controle de constitucionalidade, mas de outro lado a jurisdio constitucional difusa pois o judicirio no caso concreto que interpreta e reinterpreta o Direito estatutrio e incorpora os valores vigentes na sociedade nas decises construindo dia a dia a complexa Constituio Inglesa, Constituio Material e no formal.6

    Como exemplos de pases que possuem um controle de constitucionalidade que deferido ao prprio parlamento e que no possuem uma jurisdio constitucional difusa, o autor cita Holanda e Luxemburgo.

    5 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da constituio. Coimbra: Almedina,

    1998. p. 831. 6 MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira

    de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114.

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    Segundo o autor, a Constituio Holandesa veda a verificao da constitucionalidade das leis pelos juzes. Nessa perspectiva, a atividade jurisdicional consiste em aplicar o direito objetivo previsto na legislao infraconstitucional.

    J na Blgica, conforme diz MAGALHES7, tambm no h uma jurisdio constitucional adequada da lei, sendo o controle de constitucionalidade exercido por uma Corte de Arbitragem que tem competncia restrita.

    Um quarto modelo, segundo o autor, bastante conhecido na Europa, seriam daqueles pases onde h um controle de constitucionalidade, porm concentrado em um nico rgo que pode pertencer ou no ao Poder Judicirio. Assim, como exemplo da primeira hiptese, podemos citar o controle de constitucionalidade existente na Frana, onde o Conselho Constitucional rgo composto por representantes escolhidos pelo Presidente do Senado, pelo Presidente da Assemblia e pelo Presidente da Repblica, alm de ex-presidentes exerce o denominado controle prvio de constitucionalidade que, em algumas hipteses, vinculativo. J na Itlia, tambm existe, na perspectiva traada por MAGALHES8, um controle concentrado de constitucionalidade, inexistindo, todavia, uma jurisdio constitucional difusa.

    A Alemanha, terceiro Estado lembrado pelo autor9 na perspectiva de um controle concentrado de constitucionalidade, possui um Tribunal formado por membros que so bacharis em direito, escolhidos pelo Parlamento, para cumprirem mandato de doze anos. A esse tribunal compete exercer o controle de constitucionalidade, resolvendo conflitos entre rgos pblicos e lides envolvendo direitos fundamentais.

    7 MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira

    de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114. 8 MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira

    de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114. 9 MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira

    de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114.

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    Finalmente, o autor10 relata o modelo adotado pela Espanha, que se inspirou no sistema alemo acima esboado mesclado institutos do modelo adotado na Itlia, em que h um tribunal constitucional responsvel pelo controle de constitucionalidade, embora no haja uma jurisdio constitucional difusa.

    Aps o esboo dos diversos modelos de controle e jurisdio constitucional, MAGALHES se volta para o judicial review, instituto tipicamente americano que,na sua viso, hoje de longe o modelo de controle de constitucionalidade mais democrtico, porque o sistema americano permite um certo dinamismo ao direito, fazendo com que a constituio americana seja produto da construo interpretativa que muda com as transformaes operadas no seio social:

    Tendo herdado a tradio do common law ingls, e fazendo este evoluir com um direito voltado para o futuro combinado com um sistema evoludo baseado nos precedentes, os EUA inauguraram o sistema de controle difuso de constitucionalidade, marco doutrinrio estabelecido pelo juiz Marschal, em 1803, com o clebre caso Madison x Marbury, sendo que de maneira inevitvel compreenderam os norte-americanos a sua Constituio como produto da produo interpretativa que muda com as mudanas dos valores vigentes da sociedade. Mudam os valores muda a construo conceitual dos princpios e muda a construo da norma em cada caso concreto, fruto da leitura sistmica que permite a soluo de conflitos entre princpios, uma vez que para cada caso h uma soluo justa, e um princpio (entendido princpio como norma) aplicvel em um caso pode no ser aplicvel em um outro caso pois sua aplicao pode comprometer um princpio maior naquele caso especfico 11

    Para MAGALHES, a dinmica do direito norte-americano permite que a Constituio seja construda a cada dia pelos juzes. Como veremos, a hiptese dessa pesquisa vai alm, afirmando que nos pases de jurisdio constitucional difusa, o processo, desde que entendido como procedimento em contraditrio em que as partes, discursivamente, constroem o provimento, permite a realizao do princpio segundo o qual os destinatrios das normas

    10 MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira

    de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114. 11

    MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114. Para compreenso do caso Marbury X Madison vide MARSHALL, Jonh. Decises Constitucionais de Marshall. Trad. Amrico Lobo. Braslia: Ministrio da Justia, 1997.

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    legais podem, no mesmo tempo, se reconhecer como autores da Lei12, participando, a cada dia, da construo do sentido da Constituio, como seus verdadeiros intrpretes.13

    As imprecises terminolgicas utilizadas quando se descrevem os mecanismos de defesa da Constituio e dos direitos fundamentais foram ressaltadas por Hctor Fix-Zamudio14, que levantou alguns termos que designaram essas matrias, quais sejam: justia constitucional, jurisdio constitucional, processo constitucional e controle de constitucionalidade.

    Para esse autor, quando nos referirmos ao conjunto de instrumentos de carter processual que se destinam ao cumprimento das determinaes jurdicas supremas, o termo justia constitucional deve ser preferido jurisdio constitucional, vez que este tem aplicao restrita atividade jurisdicional em matria constitucional, confiada a Tribunais Constitucionais e nem sempre competindo o conhecimento dessas controvrsias a rgos de tal natureza.

    Alis, a ampliao da noo de jurisdio constitucional permitiu a construo do termo jurisdio constitucional das liberdades, criado por Mauro Cappelletti15, designando o conjunto de situaes jurdicas subjetivas constitucionais ativas dos indivduos frente s autoridades pblicas. Nesse sentido a jurisdio constitucional da liberdade seria o instrumento para resguardar o cumprimento e a superioridade de certos direitos fundamentais improrrogveis16.

    12 HABERMAS, Jrgen. O Estado-Nao Europeu frente aos desafios da globalizao, Revista

    Novos Estudos, n. 43, So Paulo: CEBRAP, nov. 95, p. 92. 13

    HBERLE, Peter. Hermenutica Constitucional. A sociedade aberta dos intrpretes da Constituio: contribuio para a interpretao procedimental da Constituio. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: S. A.Fabris, 1997. 14

    ZAMUDIO, Hctor Fix, apud BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 15

    Vide CAPPELLETTI, Mauro. Costituzionalismo moderno e ruolo del potere giudiziario nelle societ contemporanee. In: Revista de Processo, So Paulo, Revista dos Tribunais, n. 68, p.47/54. 16

    BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 115

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    O termo controle de constitucionalidade designa, para a doutrina tradicionalista, apenas um dos aspectos da chamada justia constitucional.

    J a acepo processo constitucional utilizada ora para identificar a aproximao examinada no prximo tpico entre processo e constituio confundindo-se s vezes, com o denominado direito processual constitucional-ora para identificar os prprios instrumentos ou meios de defesa da Constituio e dos direitos fundamentais j explicitados.

    No mesmo sentido, Canotilho entende como objeto do processo constitucional as pretenses fundamentadas nas disposies do texto supremo, deduzidas perante um Tribunal Constitucional, que pleiteariam um juzo de legitimidade constitucional relativamente a determinados atos normativos.

    Apresentados os delineamentos tericos elaborados pela doutrina no que se refere jurisdio constitucional, justia constitucional e ao processo constitucional, passemos a confronta-los como o modelo constitucional do processo brasileiro, luz do Estado Democrtico de Direito.

    Nesse espao terico, o processo no um mero veculo, meio ou instrumento servil da jurisdio, mas um complexo normativo constitucionalizado garantidor dos direitos fundamentais do contraditrio, da ampla defesa e da isonomia. ele o instrumentalizador17 e o legitimidador da atividade jurisdicional. Essa funo jurisdicional, que muito mais que poder significa dever, uma atividade disciplinada e submetida aos princpios jurdico-constitucionais e estruturao procedimental, assegurando-se s partes interessadas o direito de participao em simtrica paridade, na fase que prepara o ato final.18 Desse modo, no h, no exerccio jurisdicional, um amplo espao para a discricionariedade, tal como pode se pressupor. No h lugar, portanto, na perspectiva do Estado Democrtico de Direito para uma

    17 CF. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Porto Alegre:

    Sntese, 1999. 18

    GONALVES, Aroldo Plnio. Tcnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: Aide, 1994.

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    jurisdio que, por si, capaz de resguardar a humanidade de suas aflies, tal qual vimos no item anterior.

    Nas palavras do Prof. Rosemiro Pereira Leal

    No h mais, com efeito, lugar para os que apregoam potestatividade, faculdade, poder, arbtrio ou discricionariedade para o rgo jurisdicional, j que este tem de atuar com rigorosa vinculao principiologia do processo que lhe impe o dever de prestar a tutela legal, sem qualquer margem de arbtrio ou discricionariedade.19

    A garantia da justia no processo, na atualidade, situa-se na correta observncia dos princpios mencionados e no do comportamento isolado do juiz.

    Portanto, no h como se conceber uma jurisdio desprocessualizada, sob pena de se retornar s superties, s ordlias, ao totalitarismo sacerdotal e dos pretores.20

    Sendo assim, em face da impossibilidade de existncia de uma jurisdio concebida fora do processo, que estaria desvinculada do verdadeiro modelo constitucional posto em nosso ordenamento jurdico, pode-se dizer, numa viso ampliada, que no h jurisdio que no seja constitucional, do mesmo modo que no h processo que no o seja. A atividade jurisdicional, destinada preservao da Constituio e dos direitos fundamentais dos indivduos, subordina-se principiologia constitucional do processo, sendo demasiadamente estrita a compreenso comum maioria da doutrina tradicional.

    Ainda que aceitemos a acepo de jurisdio constitucional, tal qual foi apresentada no incio desta exposio, pode-se concluir que no Brasil toda jurisdio pode ser constitucional21, vez que ainda subsiste no nosso

    19 Cf. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Porto Alegre:

    Sntese, 1999. p. 42. 20

    Cf. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Porto Alegre: Sntese, 1999. p. 44. 21

    Essa parece ser a posio adotada por Jos Luiz Quadros de Magalhes, no artigo Jurisdio Constitucional. Vide: MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114.

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    ordenamento jurdico o sistema difuso de controle de constitucionalidade22, sendo qualquer rgo judicial competente para apreciar as matrias que envolvam tema constitucional.

    nesse sentido que MAGALHES ensina:

    Jurisdio constitucional significa dizer que a Constituio como um sistema lgico de regras, princpios setoriais e princpios fundamentais, que integrados por um valor maior, a ideologia constitucionalmente adotada, criam a soluo normativa justa para o caso concreto especfico, a partir da correta interpretao da Constituio. Jurisdio Constitucional portanto o trabalho de interpretar e extrair da Constituio a norma aplicvel a cada caso proporcionando a soluo constitucionalmente justa. Se nem toda jurisdio constitucional, o que veremos no estudo comparado a seguir, no Brasil .23

    E continua:

    Com isso queremos dizer que no apenas quando o Judicirio se pronuncia sobre a inconstitucionalidade de uma lei ele est promovendo a jurisdio constitucional, ou ento quando o Supremo exerce suas competncias constitucionais, ou ainda quando o Judicirio processa as garantias processuais constitucionais como o mandado de segurana, o habeas corpus, o habeas data mas sempre e em qualquer circunstncia a jurisdio deve ser constitucional, e errado est se no for. Em outras palavras, quando o Poder Judicirio soluciona um caso concreto aplicando uma lei infraconstitucional, ele deve faze-lo sempre levando em conta os princpios e regras constitucionais, promovendo uma leitura constitucionalmente adequada da lei. Isso significa que no apenas uma lei pode ser julgada inconstitucional, mas que uma lei inconstitucional pode ter uma aplicao inconstitucional, e ainda mais, que uma lei pode ter uma interpretao constitucional e uma interpretao inconstitucional. O juiz deve julgar sempre com a Constituio aberta pois se no o

    22Rui Barbosa j defendia que o controle de constitucionalidade difuso estava previsto expressamente na Constituio brasileira, mas se ainda assim no fosse, esse direito no seria menos defensvel. O poder de interpretar as leis envolve necessariamente a funo de verificar se elas se conformam Constituio, declarando-as vs e insubsistente, se a ofendem. Sendo a Constituio a suprema lei do pas, em qualquer conflito entre ela e as leis, sejam estas dos Estados, ou do Congresso, dever do poder judicirio aderir ao preceito, cuja obrigao for predominante. Essa conseqncia resulta da prpria teoria da Constituio dos governos republicanos, porque de outra sorte, os atos do poder legislativo e de executivo seriam feitos supremos e incontrastveis, no obstante as clusulas limitativas, ou proibitivas, que a Constituio encerasse, podendo-se tentar as usurpaes de carter mais suspeito e temeroso, sem nenhum remdio acessvel aos cidados. Cf. BARBOSA, Rui. Comentrios Constituio Federal Brasileira. So Paulo: Livraria Acadmica, 1932. Vl. 4, p. 135. Tambm sobre um histrico do controle de constitucionalidade no Brasil, vide BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. A Evoluo do Controle da Constitucionalidade no Brasil. In: TEIXEIRA, Slvio de Figueiredo (Coord.). As garantias do Cidado na Justia. So Paulo: Saraiva, 1993.Cap. I, p. 1-14. Tb. BERNARDES, Wilba Lcia Maia. Aspectos Gerais do controle de constitucionalidade das leis. In: Revista jurdica mineira, ano IX, n.98, nov./dez. 1992, p.07-35. 23

    MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114.

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    fizer corre o srio risco (realidade infelizmente em muitos casos) de aplicar a lei de maneira incorreta, inconstitucional e injusta.24

    ainda preciso ressaltar que a justia constitucional no conferida s partes pela atitude isolada de um magistrado, fazendo das partes meros expectadores que devem agir, sobretudo, com f, j que a justia, nesse sentido, como uma divindade, s se manifestando naqueles que nela crem.25

    Assim, no paradigma do Estado Democrtico de Direito a Constituio no um campo privado de juzes ou ministros que seriam os guardies da Constituio, ditando o que a Constituio e esquecendo-se que a Constituio expressa a conquista histrica da racionalidade garantida pelos princpios do devido processo, do contraditrio e da legalidade.26 Ela no um texto fechado, pronto e acabado, mas deve ser construda a cada momento pelos participantes da comunidade poltica que, por serem os seus destinatrios-autores, tambm tm a responsabilidade de vivenci-la e interpret-la. Se no h mais espao para uma sociedade poltica que se sobrepe uma sociedade civil, se no h mais um centro ou um nico valor capaz de condensar os projetos de vida dos indivduos de uma determinada comunidade, se o processo no mais uma relao jurdica entre as partes e o clarividente magistrado, s h um espao para a jurisdio constitucional: o espao pblico propiciado por um processo onde as partes apresentam discursivamente os seus argumentos e onde so debatidas questes constitucionais, possibilitando a concretizao da sociedade aberta dos intrpretes da Constituio e da possibilidade da efetivao da democracia deliberativa:

    Se no posso saber se amanh chover, se o Brasil ser uma nao desenvolvida, tambm no posso dizer se uma lei vai ferir direitos dos cidados em suas atividades institucionalizadas. A nica e legtima forma de controle de constitucionalidade permanece sendo o controle

    24 MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Jurisdio Constitucional, Revista da Faculdade Mineira

    de Direito, Belo Horizonte, Vl. 3, n. 5 e 6, 1 e 2 semestre de 2000, p. 108-114. 25

    Essa expresso empregada por Nunes. Vide: NUNES, Elpdio Donizetti. Jurisdio, judicao e tutela legal na teoria do processo contemporneo. Estudos continuados de teoria do processo. Vl. 2. Porto Alegre: Sntese, 2001. p. 213. 26

    Cf. SILVA FILHO, Alberico Alves. Jurisdio constitucional e judicao na teoria do direito democrtico. Belo Horizonte: mimeo., 2002.

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    processual difuso. Apenas diante dos casos concretos podemos avaliar se uma norma viola ou no princpios inscritos na normatividade constitucional do ordenamento jurdico.27

    Porm, se hoje devemos conceber o papel da jurisdio dessa forma, no isso que muitas vezes vemos ocorrer na realidade. H, ainda, uma dissonncia entre idealidade e realidade gerada, muitas vezes, por uma compreenso inadequada, j que parte de supostos j no vigentes. Assim, se a funo da jurisdio constitucional no paradigma liberal positivista era garantir a autonomia privada, o que deveria ser concretizado pela via da autoridade do Estado, representada pelo rgo judicante responsvel em decidir unicamente o que direito e o pior, o que Constituio hoje, essa funo j no se cumpre, j que os supostos so outros.

    Assim, conclumos com o pensamento de SILVA FILHO:

    Uma modalidade de jurisdio s pode ser considerada jurisdio constitucional sob os ditames do contraditrio por questo de exigncia da prpria Constituio Federal, uma vez que os princpios constitucionalizados universalizaram as possibilidades da racionalidade enquanto processo desenvolvido em contraditrio, ampla defesa, indispensabilidade da atuao do advogado. Nem a racionalidade, nem a interpretao da Constituio so apangios de um grupo que passou a ter competncia funcional de decidir fundamentadamente e no segundo o prprio arbtrio.28

    1.2 Direito Constitucional Processual e Direito Constitucional Processual: superao da dicotomia no marco da teoria constitucionalizada do processo.

    O objeto do presente estudo a verificao da funo da jurisdio constitucional na tica da teoria discursiva do direito e da democracia29, usando, como arcabouo para compreenso do processo, a teoria do processo

    27 Cf. SILVA FILHO, Alberico Alves. Jurisdio constitucional e judicao na teoria do direito

    democrtico. Belo Horizonte: mimeo., 2002.. 28

    Cf. SILVA FILHO, Alberico Alves. Jurisdio constitucional e judicao na teoria do direito democrtico. Belo Horizonte: mimeo., 2002. 29

    Partimos, para anlise da problemtica exposta, das obras de JRGEN HABERMAS, especialmente a sua obra Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

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    como procedimento em contraditrio30. Contraditrio, todavia, que no se resume participao dos sujeitos do processo ou participao efetiva, mas uma garantia (constitucional, no caso do ordenamento jurdico brasileiro) de participao, em simtrica paridade, das partes interessadas. Nas palavras de Aroldo Plnio Gonalves:

    O contraditrio no o dizer e o contradizer sobre matria controvertida, no a discusso que se trava no processo sobre a relao de direito material, no a polmica que se desenvolve em torno dos interesses divergentes sobre o contedo do ato final. Essa ser a sua matria, o seu contedo possvel.

    O contraditrio a igualdade de oportunidades que compem a essncia do contraditrio, enquanto garantia de simtrica paridade de participao no processo.31

    Tal abordagem tem como escopo demonstrar como a jurisdio constitucional, na perspectiva do processo enquanto procedimento em contraditrio, em que o provimento construdo pelas partes, pode contribuir para a efetivao de uma sociedade aberta de intrpretes da Constituio, em que os destinatrios do provimento legislativo se reconheam como autores e em que a Constituio no seja uma verdade totalizante, mas um projeto em constante construo. Nesse sentido, analisando a questo do pluralismo dentro do paradigma democrtico de direito, onde no h um nico projeto de vida e nem um projeto alternativo para se corrigir as distores decorrentes do conflito entre os diferentes projetos de vida dos indivduos, afirma GALUPPO:

    A Constituio no mais pode ser entendida apenas como um consenso de fundo, mas deve tambm ser entendida como manifestao indireta de um dissenso, ou, caso se prefira, de um pluralismo. Nesse sentido, a Constituio deve ser vista antes como a organizao e conformao jurdica da possibilidade de exerccio deste pluralismo que como um conjunto de regras prontas e acabadas sobre como agir.32

    30 Essa teoria foi exposta, na Itlia, por Elio Fazzalari e divulgada no Brasil por Aroldo Plnio

    Gonalves. Vide: FAZZALARI, Elio. Instituzioni di diretto processuale. Padova: CEDAM, 1996. GONALVES, Aroldo Plnio. Tcnica Processual e Teoria do Processo . Rio de Janeiro: Aide, 1994. 31

    GONALVES, Aroldo Plnio. Tcnica Processual e Teoria do Processo . Rio de Janeiro: Aide, 1994. p. 32

    Cf. GALUPPO, Marcelo Campos. Hermenutica constitucional e pluralismo. In: CRUZ, lvaro Ricardo de Souza, SAMPAIO, Jos Adrcio Leite (Coordenadores). Hermenutica e jurisdio constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

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    Mas se essa temtica esfora-se em concentrar estudos jusfilosficos com debates vivenciados na teoria constitucional e, sobretudo, na teoria processual, qual seria, ento, o lugar, a referncia dessa discusso?

    Segundo estudiosos do direito constitucional e do direito processual, o estreitamento entre Constituio e Processo33 ocorreu aps a Segunda Grande Guerra Mundial, com a constitucionalizao de diversos institutos processuais.

    Para Baracho34, enquanto a Itlia, a Alemanha, a Frana e a Espanha , nos respectivos textos constitucionais posteriores ao acontecimento histrico mencionado, estabeleceram, expressa ou implicitamente, mltiplas garantias constitucionais de carter processual, os pases da Amrica Latina no demonstraram grandes preocupaes quanto a isso. Somente em 1945, aps a elaborao de um Cdigo de Procedimentos Civis por Eduardo Couture, que se teria iniciado um movimento reformista nos pases latino-americanos, identificando-se, em tratados internacionais pactuados por esses pases, princpios constitucionais processuais.

    Hctor Fix-Zamudio, examinando as garantias constitucionais do processo civil, apontou alguns princpios processuais nos textos das Constituies da Argentina e do Mxico35. O autor, citado por Baracho36, destaca, entretanto, que o interesse dos juristas latino-americanos por tal tema s foi despertado aps a publicao dos estudos de Couture sobre as garantias constitucionais do processo.

    33 Cf. BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Processo Constitucional. Revista da

    Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, vl. 2, n. 3 e 4, 1 e 2 sem. 1999, p. 89-154. Vide tb. Aspectos da teoria geral do processo constitucional: teoria da separao de poderes e funes do Estado. In: Revista de Informao Legislativa, Braslia, ano 19, n. 76, out./dez. 1982, p. 97-124. Outro texto, embora apresente uma diviso diferente o do constitucionalista Manoel Gonalves Ferreira Filho. Vide: FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Nova Perspectiva do Processo Constitucional. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, UFMG, n. 61, jan./jul. 1985, p.129-145. Um excelente texto, dentro da perspectiva do Estado Democrtico de Direito o de OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. 34

    BARACHO, Jos Alfredo. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 35

    As referncias referem-se ao texto constitucional da Argentina de 1853 e aos textos constitucionais do Mxico de 1857 e 1917. 36

    BARACHO, Jos Alfredo. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

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    A relao entre Constituio e processo tambm foi destacada por HBERLE, quando, defendendo a ampliao dos intrpretes da Constituio de uma sociedade pluralista, analisa as conseqncias da abertura da hermenutica constitucional jurdica para o processo constitucional37

    A aproximao entre Constituio e Processo38 levou criao de novos ramos jurdicos ou de novos posicionamentos cientficos, como preferem alguns, demonstrando o fortalecimento desse liame. Assim, ganhou campo a expresso direito processual constitucional, passando a designar o estudo dos mecanismos processuais destinados a garantir a eficcia das normas constitucionais.

    nesse sentido que Canotilho observa que compete ao direito processual constitucional garantir a observncia e a realizao do direito constitucional, atravs da definio de regras constitutivas de um iter procedimental adequado ao controle e exame das questes jurdico-constitucionais.39

    J Jos Alfredo de Oliveira Baracho aponta, como objeto do direito processual constitucional, a tutela constitucional dos princpios fundamentais da organizao judiciria-correspondendo s normas constitucionais sobre os rgos da jurisdio, sua competncia e suas garantias a tutela constitucional do processo englobando o direito de ao, de defesa, bem como outros postulados que destes decorrem e a jurisdio constitucional.40

    37 Cf. HBERLE, Peter. Hermenutica Constitucional. A sociedade aberta dos intrpretes da

    Constituio: contribuio para a interpretao procedimental da Constituio. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: S. A.Fabris, 1997. p 48. 38

    Vide MIRANDA, Jorge. Constituio e processo civil. In: Revista de Processo, So Paulo, ano 25, n. 98, abr./jun. 2000, p.29-41. 39

    CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da constituio. Coimbra: Almedina, 1998. p. 905. 40

    Como veremos, h uma pluralidade de significados atribudos a este instituto. Buscando um rigor metodolgico e a necessidade de compreenso do tema proposto, abrimos um tpico especfico onde traamos os delineamentos tericos dados ao instituto e o uso adequado ao termo para compreenso da investigao proposta.

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    Willis Santiago Guerra Filho41, filiando-se entre os defensores desse ramo ainda em construo, ressalta que a paternidade do direito processual constitucional deve ser atribuda Hans Kelsen, pioneiro na necessidade de se fornecer s Constituies garantias processuais e jurisdicionais de uma instncia julgadora diferenciada, incumbida do controle de constitucionalidade dos atos normativos

    Mas e o que seria o Direito Constitucional Processual? De origem mais recente, o objeto de estudo do direito constitucional processual seria o conjunto de disposies constitucionais concernentes ao processo, podendo-se citar, como exemplos, as disposies previstas nos artigos 5, XXXV, 8, III e 129 da atual Constituio brasileira42.

    Embora atualmente seja ntida a relao existente entre Constituio e Processo, a dicotomia apresentada, face idia de supremacia constitucional e dentro do marco terico da teoria constitucionalizada do processo, relativiza-se ou se extingue.43

    Assim, ao menos sob a tica da Constituio de 1988, verifica-se que o texto constitucional estabelece no s padres de produo normativa da norma procedimental44, como prescreve, diretamente, princpios processuais que so verdadeiros direitos garantias dos indivduos e regras disciplinadoras da organizao judiciria brasileira. Logo, no h um direito processual infraconstitucional e um direito procedimental que no tenha sua estrutura no arcabouo constitucional.

    41 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introduo ao direito processual constitucional. Porto

    Alegre: Sntese, 2000. p. 8. 42

    Esse parece ser o posicionamento do processualista Nelson Nery Jnior, na obra Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 43

    Essa a opinio tambm compartilhada por Patrus Ananias de Souza. In: SOUZA, Patrus Ananias de. Processo Constitucional e devido processo legal. In: LEAL, Rosemiro Pereira (Coord,). Estudos Continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Sntese, 2000. Cap.I, p.25/42. 44

    Para uma diferenciao entre norma procedimental e norma processual ver LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Porto Alegre: Sntese, 1999, p. 109. Para um estudo mais detalhado da norma processual ver BORGES NETO, Marco Antnio Souza, CHAVES, Terezinha Ribeiro et alii. Natureza jurdica da norma procedimental. Caderno de Estudos Jurdicos. Belo Horizonte, vl. 4, n. 4, jul. 2000, p. 58-63.

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    Todavia, mais relevante que o bice exposto distino e a uma conseqente demarcao do objeto do presente trabalho em uma outra seara, a normatizao constitucional do processo, presente em diversas constituies atuais, que acabam por delinear um verdadeiro e prprio modelo constitucional de processo jurisdicional45. Assim, ao lado do contraditrio, ganha corpo os princpios-garantias da isonomia e da ampla defesa, que acabam por permitir a definio do processo como direito-garantia constitucionalizada ao exerccio de direitos fundamentais pela procedimentalidade instrumental das leis processuais46.

    Nesse contexto, a atividade jurisdicional deve ser submetida principiologia constitucional do processo, do qual no pode afastar-se, desqualificando-se toda jurisdio que no seja regida por esta estruturao da lei fundamental.

    Sendo assim, no h como se conceber a existncia, no atual paradigma de Estado, de um processo dentro da Constituio e outro processo fora dos delineamentos constitucionais, como pode, num juzo artificial, parecer coerente. Alm disso, as denominadas garantias constitucionais insculpidas no texto fundamental, tais como o hbeas data, o hbeas corpus ou o mandado de segurana, que integrariam o que Capelleti47 denomina jurisdio constitucional das liberdades, no revelam, por si, a existncia de um processo constitucional luz do arqutipo exposto. Tais garantias so meros procedimentos de aplicao do direito, que tais como os demais procedimentos introduzidos pelo legislador-que devem se adequar normao constitucional do processo, caracterizando a expansividade do modelo exposto por Andolina-

    45 No ltimo captulo, abordaremos, de forma especfica a teoria exposta por Andolina. Para

    uma maior especificao vide o terceiro captulo desse trabalho, onde, de forma pormenorizada, trabalhamos os supostos do trabalho do ilustre autor. ANDOLINA, talo. Il modelo Costituzionale Del Processo Civile Italiano. Corso di lezione. Torino: Giappichelli, 1990. H um pequeno artigo, mas de grande densidade terica, publicado em portugus na Revista de Processo. Vide: ANDOLINA, talo. O papel do processo na atuao do ordenamento constitucional e transacional, Revista de Processo, n. 87, 1999. 46

    Cf. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Porto Alegre: Sntese, 1999. p. 87. 47

    CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Leis no Direito Comparado. Trad. Aroldo Plnio Gonalves. Reviso Jos Carlos Barbosa Moreira. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1984.

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    devero observar o instituto do devido processo legal, que compreende os princpios processuais j mencionados.

    Uma outra objeo ainda poderia ser levantada da anlise do objeto do direito constitucional processual e do direito processual constitucional, conclui-se que aquele abrangeria este, uma vez que as disposies processuais que se destinam defesa da Constituio, so, claramente, prescries normativas constitucionais.

    Portanto, conclui-se que, se por um lado, na ps-modernidade 48, no h como desvincular o instituto do processo de seus contornos constitucionais, por outro, a distino apresentada pelos juristas entre direito processual constitucional e direito constitucional processual desnecessria e no justificvel. Nesse aspecto, adotamos o posicionamento do Professor Rosemiro Pereira Leal49, para quem s teria sentido um direito processual constitucional que abrangesse o processo constitucional em todos os seus contornos tericos, mais ainda assim, no haveria como distingui-lo de um direito constitucional processual.

    48 Para a expresso ps-moderno, vide SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mo de Alice: o

    social e o poltico na ps-modernidade. 6 ed. So Paulo: Cortez, 1999. Tambm LYOTARD, Jean Franois. A condio ps-moderna. Trad. Ricardo Cora Barbosa. 6 ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2000. 49

    LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Porto Alegre: Sntese, 1999. p.63. Tambm nesse sentido, embora apresentando argumentos diferentes, GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introduo ao direito processual constitucional. Porto Alegre: Sntese, 2000.