Textos _análise e Interpretação 2015

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    1/12

    TEXTO 1 - CONTRATO DE CASAMENTO STEPHEN KANITZ

    Na semana passada comemorei trinta anos de casamento. Recebemosdezenas de congratulaes de nossos amigos, alguns com o seguinte adendoassustador: "Coisa rara hoje em dia". De fato, 40% de meus amigos de infncia jse separaram, e o filme ainda nem terminou. Pelo jeito, estamos nos esquecendoda essncia do contrato de casamento, que a promessa de amar o outro para

    sempre. Muitos casais no altar acreditam que esto prometendo amar um ao outroenquanto o casamento durar. Mas isso no um contrato.Recentemente, vi um filme em que o mocinho terminava o namoro dizendo

    "vou sempre amar voc", como se fosse um prmio de consolao. Banalizamos afrase mais importante do casamento. Hoje, promete-se amar o cnjuge at o diaem que algum mais interessante aparea. "Eu amarei voc para sempre" deixoude ser uma promessa social e passou a ser simplesmente uma frase dita paraenganar o outro.

    Contratos, inclusive os de casamento, so realizados justamente porque ofuturo incerto e imprevisvel. Antigamente, os casamentos eram feitos aos 20anos de idade, depois de uns trs anos de namoro. A chance de voc encontrar suaalma gmea nesse curto perodo de pesquisa era de somente 10%, enquanto 90%das mulheres e homens de sua vida voc iria conhecer provavelmente j depois de

    casado. Estatisticamente, o homem ou a mulher "ideal" para voc aparecersomente, de fato, depois do casamento, no antes. Isso significa queprovavelmente seu "verdadeiro amor" estar no grupo que voc ainda no conhece,e no no grupinho de cerca de noventa amigos da adolescncia, do qual saiu seupar. E a, o que fazer? Pedir divrcio, separar-se tambm dos filhos, s porque deuazar? O contrato de casamento foi feito para resolver justamente esse problema.Nunca temos na vida todas as informaes necessrias para tomar as decisescorretas.

    As promessas e os contratos preenchem essa lacuna, preenchem essaincerteza, sem a qual ficaramos todos paralisados espera de mais informao.Quando voc promete amar algum para sempre, est prometendo o seguinte: "Eusei que ns dois somos jovens e que vamos viver at os 80 anos de idade. Sei quefatalmente encontrarei dezenas de mulheres mais bonitas e mais inteligentes quevoc ao longo de minha vida e que voc encontrar dezenas de homens mais

    bonitos e mais inteligentes que eu. justamente por isso que prometo amar vocpara sempre e abrir mo desde j dessas dezenas de oportunidades conjugais quesurgiro em meu futuro. No quero ficar morrendo de cime cada vez que vocconversar com um homem sensual nem ficar preocupado com o futuro de nossorelacionamento. Nem voc vai querer ficar preocupada cada vez que eu conversarcom uma mulher provocante. Prometo amar voc para sempre, para que possamosnos casar e viver em harmonia". Homens e mulheres que conheceram algum"melhor" e acham agora que cometeram enorme erro quando se casaram com oatual cnjuge esqueceram a premissa bsica e o esprito do contrato de casamento.

    O objetivo do casamento no escolher o melhor par possvel mundoafora, mas construir o melhor relacionamento possvel com quem voc prometeuamar para sempre. Um dia vocs tero filhos e ao coloc-los na cama diro amesma frase: que iro am-los para sempre. No conheo pais que pensam em

    trocar os filhos pelos filhos mais comportados do vizinho. No conheo filho queaceite, de incio, a separao dos pais e, quando estes se separam, no sonhe coma reconciliao da famlia. Nem conheo filho que queira trocar os pais por outros"melhores". Eles aprendem a conviver com os pais que tm.

    Casamento o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgasdo dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais no aprendem, e algunsnem tentam aprender. Obviamente, se sua esposa se transformou numa megera ouseu marido num monstro, ou se fizeram propaganda enganosa, a situao muda, enum prximo artigo falarei sobre esse assunto. Para aqueles que querem ter

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    2/12

    vantagem em tudo na vida, talvez a sada seja postergar o casamento at os 80anos. A, voc ter certeza de tudo.

    Stephen Kanitz administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)Editora Abril, Revista Veja, edio 1873, ano 37, n 39, 29 de setembro de 2004,pgina 22.

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    3/12

    TEXTO 2 - AMBIO E TICA STEPHEN KANITZ

    Ambio tudo o que voc pretende fazer na vida. So seus objetivos,seus Sonhos, suas resolues para o novo milnio. As pessoas costumam ter comoambio ganhar muito dinheiro, casar com uma moa ou um moo bonito ou viajarpelo mundo afora. A mais pobre das ambies querer ganhar muito dinheiro,porque dinheiro por si s no objetivo: um meio para alcanar sua verdadeira

    ambio, como viajar pelo mundo. No fim da viagem voc estar de volta estacazero quanto ao dinheiro, mas ter cumprido sua ambio.As pessoas mais infelizes que eu conheo so as mais ricas. Quanto mais

    rico, mais infeliz. Nunca me esqueo de um comentrio de uma copeira, na casa deum empresrio arquimilionrio, que cochichava para a cozinheira: "Todas as festasde rico so to chatas como esta?" "Sim, todas, sem exceo", foi a resposta dacozinheira.

    De fato, ningum estava cantando em volta de um violo. Os homensestavam em p numa roda falando de dinheiro, e as mulheres numa outra rodaconversavam sobre no sei o que, porque eu sempre fico preso na roda doshomens falando de dinheiro.

    No h nada de errado em ser ambicioso na vida, muito menos em ter"grandes" ambies. As pessoas mais ambiciosas que conheo no so os

    pontocom que querem fazer um IPO (sigla de oferta pblica inicial de aes) emNova York. So os l deres de entidades beneficentes do Brasil, que querem "acabarcom a pobreza do mundo" ou "eliminar a corrupo do Brasil". Esses, sim, soprojetos ambiciosos.

    J tica so os limites que voc se impe na busca de sua ambio. tudoque voc no quer fazer na luta para conseguir realizar seus objetivos. Como noroubar, mentir ou pisar nos outros para atingir sua ambio. A maioria dos pais sepreocupa bastante quando os filhos no mostram ambio, mas nem todos sepreocupam quando os filhos quebram a tica. Se o filho colou na prova, noimporta, desde que tenha passado de ano, o objetivo maior.

    Algumas escolas esto ensinando a nossos filhos que tica ajudar osoutros. Isso, porm, no tica, ambio. Ajudar os outros deveria ser umobjetivo de vida, a ambio de todos, ou pelo menos da maioria. Aprendemos a nofalar em sala de aula, a no perturbar a classe, mas pouco sobre tica. No

    conheo ningum que tenha sido expulso da faculdade por ter colado do colega."Ajudar" os outros, e nossos colegas, faz parte de nossa "tica". No colar dosoutros, infelizmente, no faz.

    O problema do mundo que normalmente decidimos nossa ambio antesde nossa tica, quando o certo seria o contrrio. Por qu? Dependendo da ambio,torna-se difcil impor uma tica que frustrar nossos objetivos. Quando percebemosque no conseguiremos alcanar nossos objetivos, a tendncia reduzir o rigortico, e no reduzir a ambio. Monica Levinski, uma insignificante estagiria naCasa Branca, colocou a ambio na frente da tica, e tirou o Partido Democrata dopoder, numa eleio praticamente ganha, pelo enorme sucesso da economia na suagesto.

    Definir cedo o comportamento tico pode ser a tarefa mais importante davida, especialmente se voc pretende ser um estagirio. Nunca me esqueo de um

    almoo, h 25 anos, com um importante empresrio do setor eletrnico. Elecomeou a chorar no meio do almoo, algo incomum entre empresrios, e eu noconseguia imaginar o que eu havia dito de errado. O caso, na realidade, erapessoal: sua filha se casaria no dia seguinte, e ele se dera conta de que no aconhecia, praticamente. Aquele choro me marcou profundamente e se tornou logocedo parte da tica na minha vida: nunca colocar minha ambio na frente daminha famlia.

    Defina sua tica quanto antes possvel. A ambio no pode anteced-la, ela que tem de preceder sua ambio.Fonte: Revista Veja, edio 1684 ano 34 no 3 de 24 de janeiro de 2001.

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    4/12

    TEXTO 3 MULHER: RESPEITO E DIGNIDADE LYA LUFT

    Algumas datas festivas no me agradam pela mercantilizao, pelos presentesexcessivos, diverso sem emoo e abrao sem afeto. Quem d bola paraprofessor, me e pai quando h a praia, a balada, bastante bebida? Repito, parano ser mal interpretada, que no a maioria que age assim, mas cada vez maissentimos nos ares o aroma da grana fluindo: haja propaganda! Bem antes da

    Pscoa, coelhos j pululam nas cidades e papais nois apontam suas belas barbasmeses antes do Natal. Mal terminada a temporada de caa a compradores do Diadas Mes, comear a do Dia dos Namorados. Sou contra? Sou muito a favor datroca de carinho, gentileza, pequenas lembranas, de curtir o dia e as pessoas. Souda banda da vida, dos afetos, da alegria.No Dia da Mulher celebra-se a dita liberdade? Nela eu no creio. O que aconteceucom as mulheres nestas dcadas foi sarem do jugo do pai, irmos, marido, atfilhos, e comearem a se enxergar, sentir e agir como pessoas. Podem estudar,morar sozinhas, casar com quem quiserem ou no casar, ter filho ou no, dirigirempresas ou nibus, pilotar avies, fazer doutorados, brilhar nas cincias oufinanas, enfim: somos gente. H muito que fazer, um longo caminho a percorrer.Altas executivas ainda so olhadas com desconfiana e s vezes lidam comcondies desfavorveis, culpas atvicas, falta de estrutura da sociedade para aliar

    profisso a vida pessoal, sobretudo a maternidade. Ainda h quem ganhe menosque homem na mesma funo. Ainda h quem tenha de caprichar dobrado. Masas coisas vo se resolvendo na medida em que nos fazemos respeitar. a que quero chegar: mais do que direitos e liberdade, falar em dignidade erespeito. Minha querida Lygia Fagundes Telles, grande escritora brasileira, j disseque muitas vezes aparecemos feito pedaos de carne em gancho de aougueantigo. A mulher despida cada vez mais objeto de propagandas. Venderautomvel? Mulher de biquni. Vender comida? Mulher de biquni. Vender qualquerproduto? Mulher meio pelada. Mulher fazendo trejeitos ditos sensuais, caras ebocas, exibindo plsticas nem sempre naturais. J escrevi que quanto mais falamosem natureza mais distantes dela estamos. Propagandas em que mulheres fazem omarido passar por idiota: ele preguioso demais, mas meu intestino j no . Oinseticida funciona, meu marido dorme no sof de boca entreabertaSe a propaganda em geral nos usa desse jeito, raramente favorvel, de pensar

    em que medida ns contribumos para isso. O sonho de muitas meninas ser umdia a mulher-ma, a mulher-melancia, a mulher-melo, ter aqueles assustadorespeitos falsos e imensos, aquele traseiro deformado, aquela musculatura delevantador de peso. O ideal de algumas estar no Big Brother com outros debaixode um sugestivo edredom. Os homens no nos respeitam, dizemos. preciso fazer-se tratar como parceira, no como gueixa desejosa de cartes de crdito polpudosou homricas cantadas, muito menos acrobacias sexuais que pouco tm a ver comsexo verdadeiro. Acrescento que andamos iludidas com uma avassaladora onda demitos sobre sexualidade, sensualidade, beleza, resultando em corpos e rostos porvezes deformados, e almas aflitas. Somos bombardeadas por mentiras sobretransas picas e mil delrios, rapidinho aqui, depressa ali, vendo receitas bizarrassobre segurar seu homem, a literatura dita porn soft impressionando milhes pelomundo afora; por toda parte, muito mais ansiedade do que prazer.

    Aqui e ali, meninas precocemente sexualizadas, maquiadas e requebrandoinseguras em incongruentes sapatos de salto jogos de fundo sexual entre pr-adolescentes em festinhas sem a presena de adultos adolescentes praticamentecoagidas a experimentar intimidades que mal entendem Nisso talvez valesse apena pensar, rever, quem sabe transformar, na data que nos dedicada: expormenos carne e cultivar mais sentimentos, pensamentos, valores. Mas talvez euparea um fantasma ancestral falando um idioma estranho.

    Fonte: Revista Veja, Maio de 2013.

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    5/12

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    6/12

    TEXTO 5 Professores: Acordem! - Gustavo Ioschpe

    Normalmente escrevo esta coluna pensando nos leitores que nada tm a ver com osetor educacional. Fao isso, em primeiro lugar, porque creio que a educaobrasileira s vai avanar (e com ela o Brasil) quando houver demanda pblica pormelhorias. E, segundo, porque nos ltimos anos tenho chegado concluso de quefalar com o professor mdio brasileiro, na esperana de trazer algum conhecimento

    que o leve a melhorar seu desempenho, mais intil do que o proverbial pentepara careca. No deve haver, nos 510 milhes de quilmetros quadrados destenosso planeta solitrio, um grupo mais obstinado em ignorar a realidade que o dosprofessores brasileiros. O discurso sempre o mesmo: o professor um heri, umsacerdote abnegado da construo de um mundo melhor, mal pago, desvalorizado,abandonado pela sociedade e pelos governantes, que faz o melhor possvel com opouco que recebe. Hoje fao minha ltima tentativa de falar aos nossos mestres. E,dado o grau de autoengano em que vivem, eu o farei sem firulas.Caros professores: vocs se meteram em uma enrascada. H dcadas, aslideranas de vocs vm construindo um discurso de vitimizao. A imagem quevocs vendem no a de profissionais competentes e comprometidos, mas a decoitadinhos, estropiados e maltratados. E vocs venceram: a populao brasileiraest do seu lado, comprou essa imagem (nada seduz mais a alma brasileira do que

    um coitado, afinal). Quando vocs fazem greve - mesmo a mais disparatada einterminvel -, os pais de alunos no ficam bravos por pagar impostos aprofissionais que deixam seus filhos na mo; pelo contrrio, apoiam a causa devocs. uma vitria quase inacreditvel. Mas prestem ateno: essa uma vitriade Pirro. Porque nos ltimos anos essa imagem de desalento fez com queaumentassem muito os recursos que vo para vocs, sem a exigncia de algumacontrapartida da sua parte. Recentemente destinamos os royalties do pr-sal avocs, e, em breve, quando o Plano Nacional de Educao que transita noCongresso for aprovado, seremos o nico pas do mundo, exceto Cuba, em que segastam 10% do PIB em educao (aos filocubanos, saibam que o salrio de umprofessor l de aproximadamente 28 dlares por ms. Isso mesmo, 28 dlares.Os 10% cubanos se devem falta de PIB, no a um volume de investimentosignificativo).Quando um custo pequeno, ningum se importa muito com o resultado. Quando

    as coisas vo bem, ningum fica muito preocupado em cortar despesas. E, quandoa rea de pouca importncia, a presso pelo desempenho pequena. No passadorecente, tudo isso era verdade sobre a educao brasileira. ramos um pasagrcola em um mundo industrial; a qualificao de nossa gente no era umelemento indispensvel e o pas crescia bem. Mas isso mudou. O tempo das vacasgordas j era, e a educao passou a ser prioridade inadivel na era doconhecimento. Nesse cenrio, a chance de que se continue atirando dinheiro nosistema educacional sem haver nenhuma melhora, a longo prazo, zero.Vocs foram gananciosos demais. Os 10% do PIB e os royalties do pr-sal sero adanao de vocs. Porque, quando essa enxurrada de dinheiro comear a entrar enossa educao continuar um desastre, at os pais de alunos de escola pblica voentender o que hoje s os estudiosos da rea sabem: que no h relao entrevalor investido em educao - entre eles o salrio de professor - e o aprendizado

    dos alunos. A esses pais, e a mdia, vo finalmente querer entrar nas escolas paraentender como possvel investirmos tanto e colhermos to pouco. Vo descobrirque a escola brasileira uma farsa, um depsito de crianas. Vero a quantidadeabismal de professores que faltam ao trabalho, que no prescrevem nem corrigemdever de casa, que passam o tempo de aula lendo jornal ou em rede social ou, nomelhor dos casos, enchendo o quadro-negro de contedo para aluno copiar, comose isso fosse aula. E ento vocs sero cobrados. Muito cobrados. Mas, como teropassado dcadas apenas pedindo mais, em vez de buscar qualificao, noconseguiro entregar.

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    7/12

    Quando isso acontecer, no esperem a ajuda dos atuais defensores de vocs, comopolticos de esquerda, dirigentes de ONGs da rea e alguns "intelectuais". Sei queem declaraes pblicas esse pessoal faz juras de amor a vocs. Mas, quando asluzes se apagam e as cmeras param de filmar, eles dizem cobras e lagartos.Existem muitas coisas que vocs precisaro fazer, na prtica, para melhorar aqualidade do ensino, e sobre elas j discorri em alguns livros e artigos aqui. Antesdelas, seria bom comearem a remover as barreiras mentais que geram um

    discurso ilgico e atravancam o progresso. Primeira: se vocs so vtimas que notm culpa de nada, tambm no podero ser os protagonistas que teroresponsabilidade pelo sucesso. Se so objetos do processo quando ele d errado,no podero ser sujeitos quando ele comear a dar certo. Se vocs querem serimportantes na vitria, precisam assimilar o seu papel na derrota.Segunda: vocs no podem menosprezar a cincia e os achados da literaturaemprica sempre que, como na questo dos salrios, eles forem contrrios aosinteresses de vocs. Ou vocs acreditam em cincia, ou no acreditam. E, se noacreditam - se o que vale experincia pessoal ou achismo -, ento vocs soabsolutamente dispensveis, e podemos escolher na rua qualquer pessoa dotada debom-senso para cuidar da nossa educao. Vocs so os guardies eretransmissores do conhecimento acumulado ao longo da histria da humanidade.Menosprezar ou relativizar esse conhecimento cavar a prpria cova.

    Terceira: parem de vedar a participao de terceiros no debate educacional. inconsistente com o que vocs mesmos dizem: que o problema da educaobrasileira de falta de envolvimento da sociedade. Quando a sociedade querparticipar, vocs precisam encoraj-la, no dizer que s quem vive a rotina de"cuspe e giz" que pode opinar. At porque, se cada rea s puder ser discutidapor quem a pratica, vocs tero de deixar a determinao de salrios einvestimentos nas mos de economistas. Acho que no gostaro do resultado...Quarta: abandonem essa obsesso por salrios. Ela est impedindo que vocsvejam todos os outros problemas - seus e dos outros. O discurso sobre salrios inconsistente. Se o aumento de salrio melhorar o desempenho, significa que ouvocs estavam desmotivados (o que no casa com o discurso de abnegados tirandoleite de pedra) ou que preciso atrair pessoas de outro perfil para a profisso (oque equivale a dizer que vocs so inteis irrecuperveis).O respeito da sociedade no vir quando vocs tiverem um contracheque mais

    gordo. Vir se vocs comearem a notar suas prprias carncias e lutarem parasan-las, dando ao pas o que esperamos de vocs: educao de qualidade paranossos filhos.

    Fonte: Revista Veja. Texto publicado em 11/05/2014

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    8/12

    TEXTO 6 A VIOLNCIA NO UMA FANTASIA LYA LUFT

    A violncia nasce conosco. Faz parte da nossa bagagem psquica, do nosso DNA,assim como a capacidade de cuidar, de ser solidrio e pacfico. Somos esse novelode dons. O equilbrio ou desequilbrio depende do ambiente familiar, educao,exemplos, tendncia pessoal, circunstncias concretas, algumas escolhasindividuais.

    Vivemos numa poca violenta. Temos medo de sair s ruas, temos medo de sair noite, temos medo de ficar em casa sem grades, alarmes e cmeras, ou bons etreinados porteiros.As notcias da imprensa nos do medo em geral. No so medos fantasiosos: soreais. E, se no tivermos nenhum medo, estaremos sendo perigosamentealienados. A segurana, como tantas coisas, parece ter fugido ao controle deinstituies e autoridades.Nestes dias comeamos a ter medo tambm dentro dos shoppings, onde, alis, hmais tempo aqui e ali vm ocorrendo furtos, s vezes assaltos, raramentenoticiados. O que preocupa so movimentos adolescentes que reivindicam acessoaos shoppings para seus grupos em geral organizados na internet. natural e bom que grupos de jovens queiram se distrair: passear peloscorredores, alegres e divertidos, ir ao cinema, tomar um lanche, fazer compras.

    Porm correr, saltar pelas escadas rolantes, eventualmente assumir posturasagressivas ou provocadoras e bradar palavras de ordem no engraado.Derrubar crianas ou outros jovens, empurrar velhos e grvidas, no medindoconsequncia de suas atitudes, no brincadeira. Shoppings so lugares fechados,com grande nmero de pessoas, e portanto podem facilmente virar perigosostneis de pnico.Juventude no sinnimo de grossura e violncia (nem de inocncia eingenuidade). Neste caso, os que perturbam so jovens mal-educados (a meninadaendinheirada tambm no sempre refinada) ou revoltados.Culpa deles? Possivelmente da sociedade, que por um lado lhes aponta algumasvantagens materiais, por outro no lhes oferece boas escolas, com muito esportetambm em fins de semana, nem locais pblicos de prtica esportiva comqualidade (esportistas famosas como as tenistas irms Williams, meninas pobres,comearam em quadras pblicas americanas).

    Parece que ainda no se sabe como agir: alguns jornalistas ou psiclogos eantroplogos de planto, e gente de direitos humanos s vezes to teis, achaminteressante e natural o novo fenmeno, recorrendo ao jargo to gasto de que aselites se assustam por nada, ou as elites no querem que os pobres se divirtam,e os adultos no entendem a juventude.Pior: falam em preconceito racial ou social, palavrrio vazio e inadequado, queinstiga rancores. As elites, meus caros, no esto nos nossos shoppings; esto emseus iates e avies pelo mundo.No momento em que as manifestaes violentas de junho esto aparentementecalmas (pois queimam-se nibus e crianas, h permanentes protestos menorespelo Brasil), achar irrestritamente bonito ou engraado um movimento juvenil irresponsabilidade. E bom lembrar que, com shoppings fechando ainda que poralgumas horas, os empregados perdem bonificaes, talvez o emprego.

    As autoridades (afinal, quem so os responsveis?) s vezes parecem recear umapostura mais firme e o exerccio de autoridade: como pode ocorrer na famlia e naescola, onde reinam confuso e liberalismo negativo, queremos ser bonzinhos, paradesamparo dessa meninada.Todos devem poder se divertir, conviver. Mas cuidado: exatamente por serem

    jovens, os jovens podem virar massa de manobra. Os aproveitadores de variadasideologias, ou simplesmente os anarquistas, os violentos, esto sempre espreita:

    j comeam a se insinuar entre esses adolescentes, ou a organizar grupos de apoioa eles certamente sem serem por eles convidados.

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    9/12

    Bandeiras, faixas, punhos erguidos e cerrados e palavras de ordem no sodivertimento, e nada tm a ver com juventude. No precisamos de mais violnciapor aqui. bom abrir os olhos e descobrir o que fazer enquanto tempo.

    Fonte: Revista Veja em 01/02/2014.

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    10/12

    Texto 7 - Eu no sou Charlie, Je ne suis pas Charlie Leonardo Boff

    Eu condeno os atentados em Paris, condeno todos os atentados e toda a violncia,apesar de muitas vezes xingar e esbravejar no meio de discusses, sou da paz eme esforo para ter auto controle sobre minhas emoesLembro da frase de John Donne: A morte de cada homem diminui-me, pois fao

    parte da humanidade; eis porque nunca me pergunto por quem dobram os sinos: por mim. No acho que nenhum dos cartunistas mereceu levar um tiro, ningumo merece, acredito na mudana, na evoluo, na converso. Em momento nenhum,eu quis que os cartunistas da Charlie Hebdo morressem. Mas eu queria que elesevolussem, que mudassem Ainda estou constrangido pelos atentados verdade, boa imprensa, honestidade, que a revista Veja, a Globo e outros veculos daimprensa brasileira promoveram nesta ltima eleio.A Charlie Hebdo uma revista importante na Frana, fundada em 1970, mais oumenos o que foi o Pasquim. Isso l na Frana. 90% do mundo (eu inclusive) s foiconhecer a Charlie Hebdo em 2006, e j de uma forma bastante negativa: a revistarepublicou as charges do jornal dinamarqus Jyllands-Posten (identificado como

    Liberal-Conservador, ou seja, a direita europeia). E porque fez isso? Oficialmente,em nome da Liberdade de Expresso, mas tem mais

    O editor da revista na poca era Philippe Val. O mesmo que escreveu um texto em2000 chamando os palestinos (sim! O povo todo) de no-civilizados (o que geroucrticas da colega de revista Mona Chollet (crticas que foram resolvidas com ademisso sumaria dela). Ele ficou no comando at 2009, quando foi substitudo porStphane Charbonnier, conhecido s como Charb. Foi sob o comando dele que arevista intensificou suas charges relacionadas ao Isl, ainda mais aps o atentadoque a revista sofreu em 2011A Frana tem 6,2 milhes de muulmanos. So, na maioria, imigrantes das ex-colnias francesas. Esses muulmanos no esto inseridos igualmente na sociedadefrancesa. A grande maioria pobre, legada condio de cidado de segundaclasse, vtimas de preconceitos e excluses. Aps os atentados do World TradeCenter, a situao piorou.Alguns chamam os cartunistas mortos de heris ou de os gigantes do humorpoliticamente incorreto, outros muitos os chamam de mrtires da liberdade de

    expresso. Vou colocar na conta do momento, da emoo. As charges polmicasdo Charlie Hebdo, como os comentrios polticos de colunistas da Veja, so depssimo gosto, mas isso no est em questo. O fato que elas so perigosas,criminosas at, por dois motivos.O primeiro a intolerncia. Na religio muulmana, h um princpio que diz que oProfeta Maom no pode ser retratado, de forma alguma. Esse um preceitocentral da crena Islmica, e desrespeitar isso desrespeita todos os muulmanos.Fazendo um paralelo, como se um pastor evanglico chutasse a imagem de NossaSenhora para atacar os catlicosQual o objetivo disso? O prprio Charb falou: preciso que o Isl esteja tobanalizado quanto o catolicismo. preciso porque? Para que?Note que ele no est falando em atacar alguns indivduos radicais, alguns pontosespecficos da doutrina islmica, ou o fanatismo religioso. O alvo o Isl, por si s.

    H dcadas os culturalistas j falavam da tentativa de impor os valores ocidentaisao mundo todo. Atacar a cultura alheia sempre um ato imperialista. Na poca dasprimeiras publicaes, diversas associaes islmicas se sentiram ofendidas edecidiram processar a revista. Os tribunais franceses, famosos h mais de umsculo pela xenofobia e intolerncia (ver Caso Dreyfus), como o STF no Brasil, quefoi parcial nas decises nas ltimas eleies e no julgar com dois pessoas e duasmedidas caos de corrupo de polticos do PSDB ou do PT, deram ganho de causapara a revista.Foi como um incentivo. E a Charlie Hebdo abraou esse incentivo e intensificou ascharges e textos contra o Isl e contra o cristianismo, se tem dvidas, procure no

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    11/12

    Google e veja as publicaes que eles fazem, no tenho coragem de public-lasaquiMas existe outro problema, ainda mais grave. A maneira como o jornal retratava osmuulmanos era sempre ofensiva. Os adeptos do Isl sempre estavamcaracterizados por suas roupas tpicas, e sempre portando armas ou fazendoaluses violncia, com trocadilhos infames com matar e explodir). Algunsargumentam que o alvo era somente os indivduos radicais, mas a partir do

    momento que somente esses indivduos so mostrados, cria-se uma generalizao.Nem sempre existe um signo claro que indique que aquele muulmano umdesviante, j que na maioria dos casos s o desviante que aparece. como sefizssemos no Brasil uma charge de um negro assaltante e dissssemos que elano critica/estereotipa os negros, somente aqueles negros que assaltamE a colocamos esse tipo de mensagem na sociedade francesa, com seus 10% demuulmanos j marginalizados. O poeta satrico francs Jean de Santeul cunhou afrase: Castigat ridendo mores (costumes so corrigidos rindo-se deles). A piadatem esse poder. Mas piada so sempre preconceituosas, ela transmite e alimenta opreconceito. Se ela sempre retrata o rabe como terrorista, as pessoas comeam aacreditar que todo rabe terrorista. Se esse rabe terrorista dos quadrinhos seveste exatamente da mesma forma que seu vizinho muulmano, a relao deidentificao-projeo criada mesmo que inconscientemente. Os quadrinhos,

    capas e textos da Charlie Hebdo promoviam a Islamofobia. Como toda populaomarginalizada, os muulmanos franceses so alvo de ataques de grupos deextrema-direita. Esses ataques matam pessoas. Falar que Com uma caneta eu nodegolo ningum, como disse Charb, hipcrita. Com uma caneta se prega o dioque mata pessoasUma das defesas comuns ao estilo do Charlie Hebdo dizer que eles tambmcriticavam catlicos e judeusSe as outras religies no reagiram a ofensa, isso um problema delas. Ningum obrigado a ser ofendido calado.Mas isso motivopara matarem os caras!?. No. Claro que no. Ningum em s conscincia apoiaos atentados. Os trs atiradores representam o que h de pior na humanidade:gente incapaz de dialogar. Mas fato que o atentado poderia ter sido evitado.Bastava que a justia tivesse punido a Charlie Hebdo no primeiro excesso, assimcomo deveria/deve punir a Veja por suas mentiras. Traasse uma linha dizendo:

    Desse ponto vocs no devem passar.

    Mas isso censura, algum argumentar. E eu direi, sim, censura. Um dossignificados da palavra Censura repreender. A censura j existe. Quando sedecide que voc no pode sair simplesmente inventando histrias caluniosas sobreoutra pessoa, isso censura. Quando se diz que determinados discursos fomentamo dio e por isso devem ser evitados, como o racismo ou a homofobia, isso censura. Ou mesmo situaes mais banais: quando dizem que voc no pode usardeterminado personagem porque ele propriedade de outra pessoa, isso tambm censura. Nem toda censura ruimDeixo claro que no estou defendendo a censura prvia, sempre burra. No estoudizendo que deveria ter uma lista de palavras/situaes que deveriam ser banidasdo humor. Estou dizendo que cada caso deveria ser julgado. Excessos devem serpunidos. No No fale. Fale, mas aguente as consequncias. E melhor queas consequncias venham na forma de processos judiciais do que de balas de fuzis

    ou bombas.Voltando Frana, hoje temos um pas de luto. Porm, alguns urubus so maisespertos do que outros, e j comeamos a ver no que o atentado vai dar. Emdiscurso, Marine Le Pen declarou: a nao foi atacada, a nossa cultura, o nossomodo de vida. Foi a eles que a guerra foi declarada. Essa fala mostra exatamenteas razes da islamofobia. Para os setores nacionalistas franceses (de direita, centroou esquerda), inadmissvel que 10% da populao do pas no tenha interesseem seguir o modo de vida francs. Essa colnia, que no se mistura, que noabandona sua identidade, extremamente incmoda. Contra isso, todo tipo demedida tomada. Desde leis que probem imigrantes de expressar sua religio

  • 7/26/2019 Textos _anlise e Interpretao 2015

    12/12

    at charges ridicularizando o estilo de vida dos muulmanos! Muitos chargistas domundo todo desenharam armas feitas com canetas para homenagear as vtimas.De longe, a homenagem parece vlida. Quando chegam as notcias de que locais deculto islmico na Frana foram atacados, um deles com granadas! Nessamadrugada, a coisa perde um pouco a beleza. a resposta ao discurso de Le Pen,que pedia para a Frana declarar guerra ao fundamentalismo (mas que nosouvidos dos xenfobos ecoa como guerra aos muulmanos, e ela sabe disso).

    Por isso tudo, apesar de lamentar e repudiar o ato brbaro do atentado, eu no souCharlie.Je ne suis pas Charlie.

    Fonte: Publicado em 10/01/2015 no site de Leonardo Boff.