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Projeto Brasil Popular - Secretaria Operativa Nacional E-mail: [email protected] Site: https://projetobrasilpopular.org/ Facebook e Instagram: @ProjetoBrasilPopular Textos para Debate do Eixo 01: Direitos GT Cidades GT Cultura GT Educação GT Esporte GT Religião, Valores e Comportamento GT Saúde Coletiva

Textos para Debate do Eixo 01: Direitos GT Cidades GT ... · Popular, em 2016, seus integrantes debateram e aprofundaram o diagnóstico e as propostas existentes para as áreaS temáticas

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Projeto Brasil Popular - Secretaria Operativa Nacional E-mail: [email protected]

Site: https://projetobrasilpopular.org/ Facebook e Instagram: @ProjetoBrasilPopular

Textos para Debate do Eixo 01: Direitos

GT Cidades

GT Cultura

GT Educação

GT Esporte

GT Religião, Valores e Comportamento

GT Saúde Coletiva

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ORIENTAÇÕES GERAIS

Desde quando foram compostos os primeiros Grupos de Trabalho (GTs) do Projeto Brasil

Popular, em 2016, seus integrantes debateram e aprofundaram o diagnóstico e as

propostas existentes para as áreaS temáticas. Os textos que compõem esse caderno

foram formulados por uma equipe de redatores junto com a Secretaria do Projeto Brasil

Popular partindo dos subsídios produzidos pelos GTs.

Essa é uma versão de texto para estudo e para debate! Todos/as podem enviar

sugestões de ajuste ou contribuições para a Secretaria Operativa Nacional do Projeto

Brasil Popular por meio do seguinte endereço de e-mail:

[email protected]

Pedimos também que nos enviem possíveis lacunas, divergências e fragilidades que

tenham identificado no texto. Essa contribuição será de grande importância para o

aprimoramento das nossas sínteses.

Desde já, agradecemos e convidamos todos/as para construir o Projeto Brasil Popular

para o Brasil.

Secretaria Operativa Nacional Projeto Brasil Popular

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SUMÁRIO CIDADES ........................................................................................................................................ 3

CULTURA ..................................................................................................................................... 10

EDUCAÇÃO .................................................................................................................................. 14

ESPORTE ...................................................................................................................................... 19

RELIGIÃO VALORES E COMPORTAMENTO ................................................................................. 24

SAÚDE COLETIVA ........................................................................................................................ 28

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CIDADES INTRODUÇÃO As cidades brasileiras expressam a grave desigualdade social do país. Apesar da diversidade – histórica, social e cultural, de tamanho, clima e paisagem–, os municípios foram construídos em imagem e semelhança da “casa grande e senzala”, na qual uma ilha central de prosperidade concentra investimentos públicos e privados, enquanto a periferia – lar majoritário da população negra – segue exposta ao abandono estatal, à violência e aos grandes deslocamentos via transporte público de baixa qualidade. Com o objetivo de efetivar o direito à cidade, procuramos refletir sobre a influência da lógica privatista e de mercado na formação dos municípios brasileiros, além de apontar propostas para efetivar a aplicação da legislação existente que contribui para frear esse processo e para avançarmos em direção a uma maior qualidade de vida.

DIAGNÓSTICO Atualmente, quase 85% da população brasileira vive no meio urbano, resultado de um processo que ocorreu sobretudo no século XX, paralelo a uma “industrialização com baixos salários”. Nesse contexto, milhões migrantes do meio rural foram para as metrópoles e resolveram sua necessidade de moradia sem o auxílio de políticas públicas – habitação, saneamento, mobilidade etc. –, concentradas nas regiões centrais e regidas pelo mercado imobiliário. Assim, o crescimento acelerado das cidades carregou as marcas do passado colonial e escravista, como vemos até hoje nas periferias com população predominantemente negra e que permanecem invisíveis, inclusive na representação dominante da cidade. A apropriação dos recursos públicos e das melhores localizações para negócios ou retenção especulativa e o abandono das periferias e bairros centrais populares são as principais causas dos grandes problemas urbanos: a dispersão geográfica, que aumenta o custo da infraestrutura; a multiplicação de favelas e moradias inadequadas; mobilidade precária com viagens longas, caras e poluidoras; enchentes que se repetem a cada ano; desmoronamentos; epidemias decorrentes da proliferação de mosquitos e da coleta insuficiente do lixo; poluição do ar e dos cursos d’água; a predação ambiental, com impermeabilização do solo e ocupação de áreas ambientalmente frágeis. Nesse cenário, indicadores como renda, escolaridade, raça, violência, taxa de homicídios e expectativa de vida mostram as cidades partidas entre os incluídos e os excluídos. A ação policial também varia muito de acordo com a renda – ou preço do m² - de cada localidade.

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Diante dessa realidade, é paradoxal que as leis federais relativas às cidades sejam avançadas. A CF de 1988, o Estatuto da Cidade (2000), a Lei Federal do Saneamento Básico (2007), a Lei Federal de Resíduos Sólidos (2011), a Lei Federal da Mobilidade Urbana (2012), o Estatuto da Metrópole (2015), entre outras, permanecem sem implementação, com destaque para o preceito constitucional da Função Social da Propriedade (artigo 5º, inciso XXIII). Esse conjunto de leis foi, portanto, incapaz de reverter a desigualdade estrutural das cidades. É, portanto, tarefa das forças democráticas recolocar horizontes que superem as limitações existentes na institucionalidade e demais espaços. É preciso investir na construção de uma agenda de política urbana que defina prioridades para a conquista de cidades justas, democráticas e ambientalmente equilibradas. A redemocratização do Brasil precisa passar pelas cidades ou não se efetivará.

PROPOSTAS Transparência e controle sobre o orçamento e investimento públicos - Paridade racial e de gênero nos órgãos de controle e implementação de políticas públicas municipais. - Participação ampla, efetiva e deliberativa no controle do orçamento e dos investimentos públicos municipais, buscando atender às regiões de maior necessidade, de acordo indicadores sociais. - Conselhos municipais rotativos e itinerantes na cidade, com debates nos espaços periféricos. - Implantação de modelos municipais de “governo aberto”, com transparência em relação aos dados da gestão e à formulação e implementação de políticas públicas. - Desenvolvimento de laboratórios e institutos públicos de monitoramento de gestões do executivo e mandatos legislativos municipais. - Controle dos recursos públicos por meio do Orçamento Participativo. A cidade não é um negócio: a defesa da função social da terra. - Garantir o acesso das camadas populares ao sistema de justiça para efetivar direitos ligados ao uso do solo e à função social da terra – como o direito à moradia, direito à mobilidade e ao saneamento. - Implementar o Estatuto das Cidades, notificando os imóveis ociosos com o auxílio de tecnologias digitais e colaborativas. - Garantir a ampliação e eficácia das áreas de Zonas Especiais de Interesse Social (áreas destinadas a assentamentos habitacionais para população de baixa renda, existentes ou novos). - Desenvolver ações de médio e longo prazo na solução de conflitos em áreas ambientalmente frágeis ocupadas por população pobre, combinando direitos humanos e preservação ambiental.

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- Destinar os terrenos e edifícios vazios da União, dos estados e dos municípios, para a produção de moradias de interesse social, em contraponto às propostas de privatização dos imóveis públicos. - Formular Planos Diretores mais eficientes para o combate à desigualdade urbana, incluindo cronogramas de ações, obras e investimentos. - Romper com a lógica neoliberal de desenvolver cidades voltadas para megaeventos e projetos arquitetônicos espetaculares. Levar a cidade à periferia, ou seja, colocar a periferia no centro: urbanizá-la, saneá-la, regularizá-la, propiciar mobilidade e quebrar a escandalosa desigualdade e segregação. - Reconhecer a sociabilidade e a centralidade das periferias e favelas, mas garantir a melhoria de suas condições materiais. - Fomentar centros de bairro, apoiando o desenvolvimento local por meio de serviços públicos e privados. - Desenvolver programas de assessoria integrada – técnica, jurídica, arquitetônica e social –, com participação do poder público, de universidades e do terceiro setor, para promover o acesso a direitos das camadas populares. - Assistência Técnica às Habitações de Interesse Social (HIS) para reformas e novas moradias, urbanização de favelas e áreas precárias. - Replicar experiências como os Centros Educacionais Unificados (CEUs) e Centros Integrados de Ensino Profissionalizante (Cieps), entre outras; - Apoiar atividades culturais, esportivas e educacionais como possibilidade de geração de renda para a juventude pobre, predominantemente negra. Por uma cidade antirracista, na qual o direito à memória e ao patrimônio incluam a ancestralidade do povo negro. - Apoiar a participação dos(as) negros(as) e populações tradicionais em todas as instâncias de planejamento e política urbana. - Combater as dimensões de biopoder (controle dos corpos) e necropolítica (ação do Estado contra a vida) nas políticas de “segurança pública” em territórios negros, periféricos e favelas. - Priorizar a implementação de políticas e equipamentos públicos nos territórios com maioria de pessoas negras e povos tradicionais. Direito à mobilidade urbana: “descatracalizar” a vida. - Redistribuir equitativa, eficiente e ambientalmente o espaço viário, com prioridade aos pedestres, ciclistas e ao transporte coletivo. - Fomentar o uso de matrizes energéticas não-poluentes, para mitigar a degradação ambiental. - Universalizar o acesso ao transporte coletivo, com tarifa zero para a população de baixa renda, estudantes e desempregados, alterando a política tarifária, de financiamento e

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gestão da mobilidade urbana; deve haver subsídios para operação do sistema e o monopólio de empresas operadoras do transporte público deve ser quebrado. - Taxar “subsídios ocultos” dos quais gozam os automóveis, ao ocuparem a maior parte dos espaços públicos e estacionamentos. - Criar um sistema de financiamento integrado e interfederativo para operação e infraestrutura em mobilidade. - Aumentar infraestrutura intermodal em terminais e em bairros periféricos, para que em uma mesma viagem o usuário utilize diversos modos – ônibus, bicicleta, metrô etc. - Garantir moradia popular em locais próximos aos eixos de transporte público e em bairros com oportunidades de emprego e renda. - Fortalecer centralidades locais a partir da oferta de serviços públicos (creches, escolas, unidades de saúde, teatros, etc.) na periferia, como forma de diminuir o número de viagens em direção aos centros. - Desmontar cadeias monopolizadas por empresas operadoras pouco eficientes. Acesso universal à moradia digna, rompendo com o padrão de atendimento ao “déficit habitacional quantitativo”, de provisão de grandes conjuntos habitacionais fora da cidade. - Garantir regularização fundiária de bairros populares. - Apoiar a autogestão com Assistência Técnica à Habitação de Interesse Social, voltada à produção, reforma, melhoria, urbanização e regularização fundiária. - Apoiar um serviço de moradia capaz de incluir populações de baixíssima renda, populações de rua e, ainda, outras formas de propriedade que não a privada. Meio ambiente como bem comum. - Combater a poluição das águas, da terra e do ar, investindo na universalização do saneamento, na redução da circulação de automóveis, na utilização de fontes de energias limpas no transporte público e no controle da atividade industrial. - Preparar as cidades para as mudanças climáticas, gerenciando riscos associados a deslizamentos de encostas, inundações, erosão marítima e outros fenômenos potencializados pelo aquecimento global. - Ampliar a rede de parques, áreas verdes; arborizar o sistema viário, para combater ilhas de calor e inundações. - Garantir a manutenção de áreas rurais complementares ao urbano para a produção de alimentos (segurança alimentar e nutricional), proteger áreas ambientalmente frágeis e ampliar as unidades de conservação. - Proteger e garantir a demarcação de terras indígenas. - Interromper atividades de mineração com impacto em áreas urbanas. - Proteger as reservas hídricas, as Áreas de Preservação Permanente (APP), as Áreas de Preservação de Mananciais (APM), mangues e dunas. - Despoluir e preservar cursos de água. - Ter como referência a cidade de uso misto e compacta – na qual as regiões atendem às funções de moradia, locomoção, produção, troca e diversão.

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Universalização do saneamento ambiental com urbanização integrada. - Defender o caráter público e a competência municipal do serviço de saneamento, para garantir que os lucros sejam reinvestidos na expansão do sistema. - Responsabilizar as empresas produtoras de resíduos pela destinação adequada das embalagens dos seus produtos (logística reversa). - Defender a ampliação da coleta seletiva e o desenvolvimento de soluções de compostagem para os resíduos orgânicos. - Apoiar a estruturação de serviços municipais de manejo de águas pluviais, com instalações que aumentem a infiltração e a retenção antes do lançamento nos cursos d´água. - Aumentar a segurança hídrica por meio de soluções adequadas para as diferentes regiões do país. - Vincular o abastecimento de água à preservação de mananciais, nascentes e cursos d’água. Pela equidade de gênero nas cidades - Apoiar a participação da mulher em todas instâncias de planejamento e política urbana. - Universalizar o acesso à creche, garantindo vagas em equipamentos próximos à residência ou ao emprego das mulheres trabalhadoras. - Priorizar a implantação dos serviços públicos de saúde nas áreas de maior demanda social. - Combater todas as formas de violência contra a mulher, em casa, nas ruas e no transporte público. - Ampliar delegacias da mulher (existem apenas 408 em todo o país), incluindo delegacias especializadas nas unidades existentes. - Ampliar juizados especiais da mulher, que atualmente não passam de 66. - Promover casas de atendimento e acolhimento da mulher, integrando moradia, saúde, assistência e geração de renda. Pelo direito ao acesso à cultura e vida urbana. - Garantir o acesso aos bens, espaços públicos e recursos destinados à cultura e ao esporte, considerando a diversidade social – negros, indígenas, LGBTQ+, desempregados – e territoriais (periferias e áreas de baixa renda diferencial). - Reconhecimento do patrimônio material e imaterial valorizando: (a) a cultura popular com o mesmo interesse e importância do patrimônio erudito, determinado pelo Estado; (b) o valor de uso e a apropriação pública da produção cultural; (c) a memória da cultura brasileira (pensada amplamente) inventariando, inclusive, áreas urbanas de interesse cultural.

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Por uma segurança cidadã, com uma política de segurança pública que promova direitos em contraposição à ação policial violenta nos bairros populares. - Priorizar a implantação de equipamentos públicos voltados para a difusão de atividades sociais, culturais, de saúde e educação nas regiões mais vulneráveis e nas manchas territoriais com maior incidência de homicídios. - Políticas de segurança pública pautadas na prevenção e promoção do acesso a direitos de forma universal como forma de romper o ciclo de violência do Estado. - Combater a presença das milícias na construção de moradias precárias (frequentemente acompanhadas por desmatamento) e exploração de transporte informal. - Políticas de desarmamento e controle de armas. - Implementar políticas de redução de danos, saúde pública e oferta de empregos voltadas para situações de uso problemático de drogas. Distinguir usuários de traficantes. - Combater a violência contra mulheres, negros, indígenas, homossexuais, transexuais e todos os demais grupos vítimas de preconceito e segregação. Desenvolver educação para cidadania, com inclusão no currículo escolar de cursos e eventos, além de campanhas publicitárias e sociais, com os seguintes conteúdos: - Preservação e valorização dos espaços públicos – parques, praças e calçadas - e do patrimônio em comum, incluindo o patrimônio histórico material e imaterial, através de um ensino consistente da geografia municipal. - Segurança e humanização do trânsito, sobretudo para as mobilidades ativas (pedestres e ciclistas). - Engajar o ensino fundamental na vida da cidade combatendo o analfabetismo urbanístico. - A extensão universitária pode ser uma contribuição fundamental para combater a alienação e a representação da classe dominante sobre as cidades. Promover parcerias do poder público com organizações populares e cooperativas, com a finalidade de mitigar carências urbanas nas áreas: - Construção de novas moradias e melhoria das já existentes com autogestão e assessoria técnica. - Fomento à produção cultural, educacional e esportiva entre jovens. - Reciclagem de resíduos sólidos. - Agricultura urbana. - Nutrição e saúde.

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BANDEIRAS Basta de especulação e expulsão: a cidade não é um negócio

Valorização das periferias

Por uma cidade antirracista e antipatriarcal

Ir e vir é um direito: “descatracalizar” a vida

Moradia é um direito, não um negócio

Pela defesa do meio ambiente como bem comum

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CULTURA INTRODUÇÃO A cultura brasileira tem como uma de suas principais marcas a diversidade, pois se formou a partir da contribuição de diversas culturas, tais como a indígena, africana e ibérica, além das trazidas por outros povos que migraram para cá com mais intensidade a partir do início do século XX. Apesar de rica e diversa, a cultura brasileira é marcada pelas mesmas problemáticas que estruturam nossa sociedade: racismo, machismo e classismo, além de uma profunda desigualdade social. Essas questões restringem as possibilidades de vivência e fruição das manifestações culturais. Buscamos apontar caminhos e propostas para a democratização da cultura, entendendo esta como vetor de desenvolvimento social. Para tal, é fundamental o fortalecimento de um sistema público de fomento que privilegie a produção local em detrimento dos grandes empresários e conglomerados do setor, cujos interesses são unicamente comerciais.

DIAGNÓSTICO A cultura brasileira tem a diversidade como uma de suas principais marcas, fruto da fusão e miscigenação das culturas de diversos povos. Ao longo do século XX, o Brasil viveu processos ricos de interação e fusão de diferentes expressões culturais, sendo a música brasileira e sua combinação com festas e danças populares a expressão mais visível. O cinema, a literatura, a dança, o teatro e as artes plásticas se relacionam com as diferentes referências internas e externas, apropriadas de acordo com nossas experiências. A originalidade e riqueza da nossa cultura se explica em parte por essa mistura. No entanto, ela é também marcada pelo racismo e classismo, elementos estruturais da sociedade brasileira. Muitas das formas de resistência das populações negras e indígenas se dão por meio de expressões culturais. A cultura popular é, assim, elemento agregador e organizador da classe trabalhadora e de grupos marginalizados. Por outro lado, muitas manifestações culturais do nosso país não estão disponíveis para a vivência da população como um todo. Essa baixa possibilidade de fruição da cultura é explicada por diversos fatores, sobretudo pelas desigualdades sociais que caracterizam o país. Estão entre os demais aspectos o baixo índice de leitura, a presença restrita da dimensão cultural nos processos de educação formais e informais, além da ausência de oferta de cultura em boa parte dos municípios e bairros periféricos das grandes cidades.

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A questão econômica é preponderante também para explicar as dificuldades na preservação, proteção e promoção de nossa memória e nosso patrimônio cultural, material e imaterial. A superação desse cenário demanda o reconhecimento de dimensões fundamentais para a constituição da cultura: a dimensão simbólica (valor estético e perspectiva antropológica que dá valor em si a suas expressões); a dimensão cidadã (reconhecimento da cultura como direito e do papel do Estado em garantir suas condições de produção, circulação e vivência); a dimensão econômica (setor que movimenta recursos econômicos e emprega cidadãos). Mas isso só acontecerá no momento em que se reconheça a importância social e política estrutural da cultura, inclusive como vetor para o desenvolvimento econômico. É preciso que sejam criadas estruturas para encarar o desafio da universalização do direito à cultura, que enfrenta a prevalência do modelo comercial, que leva à uma situação de subfinanciamento e concentração do sistema público de fomento. O modelo atual é pouco democrático e oferece condições desiguais para produtores internacionais e brasileiros na circulação e comercialização, privilegia grandes empresas financiadoras, grandes produtores culturais e os grandes intermediários (empresas de televisão, plataformas de internet etc) cujos interesses são conflitantes com os objetivos democratizantes da cultura defendidos por um projeto popular. O setor cultural tem enfrentado ainda o avanço de setores conservadores, incluindo religiosos, que se colocam contra a dimensão emancipadora e libertadora da cultura, buscando enquadrá-la e censurá-la de acordo com seus valores. Apesar desse diagnóstico, os coletivos e grupos de cultura popular resistem em todo o país. Além do fortalecimento desses grupos, um cenário cultural mais democrático pressupõe a articulação entre criadores e artistas de pequeno, médio e grande porte, em conjunto com os setores médios que reconheçam a centralidade da cultura num projeto de desenvolvimento para o país.

PROPOSTAS Aumentar progressivamente os recursos para o MinC, visando alcançar a meta 1% do orçamento da União, assim como fortalecer o papel e ampliar os recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Reforma dos mecanismos de fomento público à cultura, com a potencialização do FNC e diminuição relativa do peso da Lei Rouanet.

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Aprofundar a política de desenvolvimento audiovisual conduzida pela Ancine, garantindo que os investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual promovam a diversificação dos produtores, com políticas afirmativas para mulheres e negros/as. Reafirmar o compromisso com a Convenção da Unesco sobre a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural, construindo um ciclo de políticas que respondam aos direitos culturais dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Intensificar o diálogo da cultura com outros campos, como a educação, a ciência e tecnologia, a comunicação, o esporte, a saúde, a economia e o turismo. Ampliar a articulação e interlocução de grupos e coletivos de expressão cultural popular do Brasil, da América Latina e da África. Fomentar a articulação territorial de agentes e espaços públicos e privados no âmbito municipal. Construir processos regulatórios que garantam condições de realização dos direitos culturais de criadores e artistas brasileiros perante as grandes corporações estrangeiras. Fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura. Defesa da criação e manutenção de estruturas públicas voltadas à cultura, como Secretarias Municipais e Fundações Públicas. Promoção de políticas de universalização do acesso pleno à banda larga. Reforma da Lei de Direitos Autorais e regulação do ambiente digital para garantir a democratização na oferta e a diversidade cultural na circulação e comercialização de bens e serviços culturais. Fortalecimento das estruturas de preservação, proteção e promoção da memória e do patrimônio cultural brasileiros nos estados e municípios. Implantação e fortalecimento de projetos de descentralização da produção cultural, retomando o modelo dos pontos de cultura.

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BANDEIRAS Cultura é democracia.

Pelo financiamento público da cultura.

Internet de qualidade e acessível para todos e todas.

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EDUCAÇÃO

INTRODUÇÃO O Brasil possui imenso déficit educacional que muitas vezes condena as classes populares a uma educação precária e despreparada para lidar de forma positiva com a diversidade étnica, racial e cultural que caracteriza o país. Esse cenário contribui para a perpetuação de um quadro de profunda desigualdade social, violência e exclusão permanente da população pobre, majoritariamente negra. Traçamos um diagnóstico das políticas de educação firmadas em períodos históricos mais recentes, sobretudo após o fim da ditadura militar (1964-1985), expondo seus avanços e pontos críticos, e formulamos um conjunto de propostas para a implantação da legislação que já existe, de modo que a educação se efetive como direito, tal qual previsto pela Constituição de 1988.

DIAGNÓSTICO A educação é uma das políticas sociais que mobiliza diariamente mais de 50 milhões de crianças, adolescentes, jovens e adultos. A cada 100 crianças que ingressam no 1º ano do ensino fundamental, menos de 50 chegam ao fim dessa etapa, e somente 11 alcançam o ensino superior. Essa exclusão atinge principalmente crianças e adolescentes pobres, sobretudo meninos negros. Em 2017, 7% das pessoas com mais de 15 anos não sabiam ler nem escrever, o que equivale a 11,5 milhões de analfabetos. Estima-se que há ainda 27% de analfabetos funcionais (pessoas com escolarização, mas que não conseguem compreender textos simples ou realizar operações matemáticas básicas), entre os quais 70% são negros(as). A luta para que políticas de educação pública de qualidade sejam efetivadas e contribuam para reverter esse quadro é histórica e tem mobilizado diversos grupos sociais há muitos anos. Mais recentemente, com o fim da ditadura militar - período marcado pelo desmonte gradual da já incipiente estrutura de educação pública -, a redemocratização trouxe algumas esperanças para o setor. A Constituição de 1988 trouxe a educação como direito (artigo 6º). Entre outros avanços, destacam-se a formulação mais precisa sobre gratuidade do ensino, a incorporação das creches ao atendimento educacional, a garantia do direito à educação de jovens, adultos e de pessoas com deficiências, o reconhecimento do dever do Estado de oferecer ensino noturno, o direito à educação indígena na língua materna e o estabelecimento de instrumentos jurídicos para exigibilidade do direito à educação.

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Esses avanços foram detalhados e ampliados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), e repercutiram em políticas locais e estaduais. Entretanto, foram em grande parte minimizados pela onda de reformas neoliberais dos anos 1990. O acesso à educação cresceu, o país praticamente atingiu a universalização em relação à etapa obrigatória do ensino fundamental, mas não conseguiu elevar a qualidade. Durante a gestão dos governos petistas, surgiram iniciativas comprometidas com a perspectiva da educação como direito. É possível citar a ampliação de programas sociais; o investimento nas Conferências Nacionais de Educação; a ampliação do número de instituições públicas de educação profissional, tecnológica e de ensino superior; a ampliação do acesso à creche; aumento do acesso de negros e pobres ao ensino superior por meio de ações afirmativas em instituições públicas. Por outro lado, essas iniciativas foram contraditórias e insuficientes para o tamanho e a complexidade da dívida educacional brasileira. As políticas não priorizaram a construção de uma cultura democrática que ampliasse as bases de sustentação de um projeto de justiça social comprometido com a superação das desigualdades, reconhecimento das diferenças e sustentabilidade socioambiental. Ainda neste período, foi aprovado em junho de 2014 o Programa Nacional de Educação (PNE). Fruto de forte atuação e acúmulo de movimentos e organizações da sociedade civil, o PNE contém 20 metas para a melhoria da qualidade na educação até 2024. Boa parte delas foi inviabilizada pelos cortes de recursos e pela aprovação da Emenda Constitucional 95, que reduziu drasticamente o financiamento da educação.

PROPOSTAS Retomada e implementação do PNE (2014-2024) Implementar a lei e alcançar cada de uma de suas vinte metas Promoção de uma cultura democrática comum para a sustentação de um projeto de justiça social e de transição para uma sociedade sustentável - Reorientar a política de educação para a promoção de uma cultura democrática que priorize o letramento político da população; a alteridade; o compromisso com o bem comum e interesse público; o combate a desigualdades, racismos, sexismos, LGBTfobias e demais discriminações; a crítica ao consumismo; a alfabetização ecológica e pelo bem viver, destinada à transição para uma sociedade sustentável no contexto das mudanças climáticas. - Fortalecer a educação formal e uma política nacional de educação popular em direitos humanos e em direitos da natureza, com forte articulação com as políticas de cultura

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(pontos de cultura, estímulo à leitura, cinema, teatro), de participação social e de consolidação de espaços públicos. Acesso ao conhecimento emancipatório e produção de novos conhecimentos na educação formal que tensionem e ampliem o que se considera universal, de forma contextualizada e conectada aos territórios - Implementar as Diretrizes Nacionais Curriculares de Educação, Inclusão e Diversidade, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e construídas ao longo das décadas de 2000 e 2010. - Dar centralidade à LDB alterada pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africanas, afro-brasileira e indígenas como eixo estrutural de uma revisão curricular que supere o racismo estrutural e amplie a noção de conhecimento universal para todas e todos.

Prevenção e enfrentamento do racismo, do sexismo, da lgbtfobia, do capacitismo e demais discriminações e defesa ativa da laicidade na educação pública - Implementar mecanismos de prevenção e de enfrentamento imediato de situações de discriminações e de violências e da defesa ativa da laicidade na educação pública. - Implementar o artigo 8º da Lei Maria da Penha (que estabelece a obrigatoriedade das escolas abordarem gênero e raça como forma de prevenir a violência doméstica e familiar) e garantir ativamente o direito humano à liberdade religiosa, que prevê também o direito humano de não professar nenhuma religião. - Estabelecer mecanismos que promovam a educação laica em creches, escolas e universidades públicas, marcadas pelo crescimento assustador de casos de proselitismo religioso, de perseguições e de intolerância religiosa, do cerceamento da abordagem de gênero, raça e sexualidade. Territórios educativos: acesso à permanência na educação, com proteção integral e fortalecimento da escola para vida digna - Implantar rede de proteção de crianças, adolescentes e jovens contra a fome, a violência e outras exclusões. - Trabalhar a noção de território educativo, no qual as creches, escolas e universidades de um mesmo território atuem de forma articulada com outras organizações da sociedade civil e espaços educativos existentes na comunidade para garantir o direito à educação.

Implementação do Custo Aluno qualidade (CAQ) e promoção de uma política de financiamento para a equalização - Implementar o Custo Aluno Qualidade (CAQ) e o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), conforme previsto no PNE. Adotar uma política de financiamento equalizadora que invista recursos adicionais em regiões e territórios marcados por desigualdades, visando garantir melhor infraestrutura, estímulo à fixação de professores mais experientes e qualificados, entre outras medidas, oferecendo melhores condições para quem mais precisa.

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- Investir na expansão do Ensino Superior por meio de instituições públicas, buscando reverter o quadro da oferta atual caracterizada pela maior presença de instituições privadas de baixa qualidade e do crescente investimento na educação a distância como resposta à precarização desta modalidade de ensino.

Carreira nacional para os profissionais de educação básica e ensino superior de instituições públicas - Tornar a profissão docente uma das carreiras mais atrativas do país, com a valorização efetiva dos profissionais de educação por meio de políticas como formação inicial e continuada de qualidade; salários dignos com planos de carreira; jornada integral, com ao menos um terço do tempo destinado às atividades extraclasse (trabalho coletivo com colegas, planejamento, correção de trabalhos, relação com a comunidade etc); regras de ingresso na carreira, como a admissão por concurso público e a avaliação profissional; condições de trabalho (número adequado de estudantes por turma, infraestrutura, materiais). - Implementar as conquistas legais da última década – como o Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério (2008) e de outras estratégias previstas no PNE. - Aprovar as Diretrizes Nacionais de Carreira proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação, e uma Carreira Nacional para os profissionais de Educação Básica, com valores salariais que venham progressivamente a ser equiparados aos profissionais de educação superior. - Aplicar critérios de ação afirmativa de cor/raça, origem social, identidade de gênero e presença de deficiências conforme percentual da presença desses grupos no total da população do município ou estado. Dessa forma, se buscará evitar o fenômeno de que a valorização de uma profissão venha associada ao branqueamento da categoria.

Regulação do setor privado na educação pública e estímulo para que as classes médias e altas frequentem a escola pública - Regulamentar o setor considerando a crescente privatização da educação pública, com a consequente subordinação dela aos interesses das corporações, num contexto de intensa financeirização da economia. - Estimular que estudantes de classes médias e altas se matriculem em escolas públicas. - Implementar nas instituições privadas a obrigatoriedade de ações afirmativas com critério racial na contratação de profissionais de magistério e na composição do alunato. Uma política de avaliação educacional para a transformação social - Construir uma política de avaliação que retome os princípios da portaria 369/2016 (Inep/MEC), elaborada em diálogo com organizações da sociedade civil e movimentos sociais, e que aborde não somente o desempenho e o fluxo dos alunos, mas os insumos, os processos, o acesso e a equidade, buscando tornar visível aquilo que muitas vezes é invisibilizado e naturalizado no cotidiano escolar.

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Investimento na educação de jovens adultos e nas outras modalidades de ensino como políticas de ação afirmativa de reparação à dívida social brasileira - Efetivar essas modalidades de educação por meio do aumento do financiamento, e de uma abordagem mais sensível aos diferentes sujeitos e contextos intersetoriais e territorizalizados, articulada aos movimentos da sociedade civil, numa perspectiva ancorada na garantia dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCAS). Radicalização da participação popular e da gestão democrática em educação na perspectiva dos direitos - Estabelecer mecanismos legais e institucionais, planejamento e organização de ações que estimulem a participação social e política nos espaços voltados à educação. - Fortalecer a gestão democrática, incentivando a participação das famílias em suas mais diversas formas, e a participação dos responsáveis masculinos (não somente de mães, tias e avós).

BANDEIRAS Educação de qualidade é um direito!

Educação sem imposição de religião

10% do PIB para a Educação

Educação não é gasto, é investimento

Respeito às diversidades se aprende na escola

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ESPORTE INTRODUÇÃO O esporte é fundamental para a constituição da cidadania, para a manutenção da saúde, e garantia de bem estar para pessoas de todas as idades. Apesar de sua importância e sua transversalidade - está presente em áreas como educação, saúde, segurança, cultura, infraestrutura urbana, entre outros - a noção de esporte como direito nunca foi completamente efetivada. As políticas mais recentes formuladas para a área inauguraram um período virtuoso que passou pela consolidação do Ministério do Esporte como pasta autônoma durante os anos de gestão do PT no governo federal, e colocou no horizonte propostas que procuram dar ao tema a relevância merecida dentro de um projeto popular para o país.

DIAGNÓSTICO Atividades físicas e esportes são essenciais para o desenvolvimento integral de todas as pessoas, configurando-se como uma necessidade humana. Com o passar do tempo, se consolidou como uma demanda social e se constituiu num direito a ser assegurado pelo Estado, fundamental para a conquista da cidadania plena e, portanto, objeto de políticas públicas. Como instrumento de formação educacional e integração social, o esporte contribui para a convivência em comunidade e para a vida saudável. Enquanto manifestação cultural é um dos pilares que forma a identidade brasileira. É também uma potente ferramenta econômica, com potencial para gerar riqueza e empregos, além de ser, historicamente, um importante fator de desenvolvimento social e inserção das classes populares. Sua capacidade de mobilizar crianças, adolescentes e jovens permite a implementação de ações que dialoguem com as áreas de educação, saúde e segurança. O reconhecimento do esporte como um direito na legislação brasileira foi tardio. O tema apareceu somente na Constituição de 1988 que, ainda que de maneira difusa, afirma o papel do Estado no dever de fomentar sua prática. A ausência do esporte na Constituição até então, por outro lado, não significou a inexistência da prática. Há muito o que se analisar sobre as práticas esportivas de resistência que se constituíram sem o apoio ou interferência do Estado. Mas, ainda que certas práticas esportivas tenham recebido algum amparo institucional, e tenham podido apresentar alguma estruturação, é certo que o tema em poucos momentos recebeu do poder público a atenção merecida. Somente durante o governo Lula que o Ministério do Esporte passou a atuar de forma autônoma. Até então, apesar

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de existir desde 1995, a pasta esteve submetida ao Ministério da Educação, num primeiro momento e, posteriormente, ao Ministério do Turismo. Neste mesmo período, foram realizadas as três Conferências Nacionais do Esporte (2004, 2006 e 2010), um espaço de debate, formulação de proposições e deliberações de políticas públicas relacionadas ao tema. Algumas delas foram efetivamente materializadas em programas e ações, tanto na dimensão educacional (Programa Segundo Tempo, Recreio na Férias, Jogos Escolares), e de lazer (Programa Esporte e Lazer da Cidade, Vida Saudável), quanto na dimensão relacionada a esportes de alto rendimento (Bolsa Atleta, Brasil Medalhas, Rede Nacional de Treinamento). Algumas parcerias foram firmadas com universidades públicas (Rede Cedes, Cnesp) e, ainda no campo institucional, as secretarias estaduais e municipais de esporte se expandiram e fortaleceram, com programas, orçamentos e leis próprias. Os recursos destinados ao esporte, embora relativamente pequenos, foram ampliados devido à importância estratégica que o tema ganhou na agenda presidencial, sobretudo por conta da realização de grandes eventos esportivos (Jogos Pan e Parapan-Americanos, em 2007, Jogos Mundiais Militares, em 2011, Copa das Confederações, em 2013, Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016). Apesar dos limites e problemas inerentes à gestão pública, o conjunto dessas ações compôs um ciclo virtuoso das políticas públicas na área. Nos últimos anos, o esporte perdeu sistematicamente relevância e espaço nas estruturas de governo, estando atualmente submetido ao Ministério da Cidadania. Em relação aos investimentos, sofre o impacto das medidas de austeridade. Houve tanto redução significativa como interrupção de programas importantes voltados para construção da cidadania esportiva, além do rompimento de vínculos intersetoriais com outras pastas. Um projeto popular de país tem o desafio de reconduzir o esporte à agenda nacional, elaborando formas de recompor seu orçamento público, que encolheu em torno de 50% desde 2016. A efetivação do esporte como direito demanda que ele seja encarado como estratégico para o desenvolvimento social, levando em conta as desigualdades sociais, de gênero e de raça que caracterizam o país, bem como as necessidades das pessoas que habitam comunidades tradicionais e pessoas com deficiência.

PROPOSTAS ESPORTE E ESCOLA – Garantir a universalização do acesso ao esporte a crianças e jovens, tendo a escola em tempo integral como espaço e tempo pedagógicos privilegiados para promover a formação esportiva, com:

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a. Promover ações intersetoriais do esporte com a cultura para desenvolver atividades complementares, no currículo ampliado das escolas, respeitando a autonomia do Projeto Político Pedagógico. b. Articular escolas e clubes esportivos para intercâmbios na formação esportiva e possibilidades de contribuir com o seguimento da carreira dos(as) atletas. c. Priorizar o emprego dos recursos públicos na formação esportiva, na perspectiva de universalização do acesso, num horizonte de 10 anos. d. Assegurar o alinhamento das políticas da União, dos estados e municípios para promoção da formação esportiva. e. Valorização docente dos professores de educação física. f. Formação continuada para professores e demais trabalhadores envolvidos com o esporte. g. Implementar a Universidade do Esporte, articulando ensino, pesquisa e extensão, visando a formação de profissionais de nível internacional voltados para toda a cadeia produtiva do esporte (gestão esportiva, saúde, pesquisa e políticas públicas). ESPORTE, TRABALHO (E JUVENTUDE) – Implantar ações intersetoriais que garantam a prática esportiva aos jovens que ingressam no mundo trabalho como parte de sua formação integral. a. Incentivar as empresas a oferecer atividades físicas e esportivas para todos os trabalhadores como parte da sua jornada de trabalho semanal, com recursos do FAT. b. Garantir a oferta regular de esporte nas escolas de ensino médio. c. Possibilitar que atividades esportivas realizadas pelos jovens nos clubes, nos programas sociais de esporte e nas comunidades constem como parte da formação em serviço, incluídas na jornada de trabalho. d. Engajar jovens nas atividades de formação para atuarem como monitores(as) ou agentes sociais de esporte e de lazer em comunidades pobres. CIDADE E ESPORTE – Fazer da cidade um espaço e tempo de práticas e vivências esportivas e de lazer, com a ocupação de praças, parques, quadras de basquete de rua, pistas de skate, encostas, praias. a. Ampliar a abrangência do Programa Esporte e Lazer da Cidade que possibilita o acesso ao esporte e ao lazer para pessoas de todas as idades; oferecer formação e material para contribuir com essas práticas. b. Possibilitar o acesso a programas esportivos e de lazer para jovens das comunidades, assegurando a autonomia organizativa de cada uma delas. c. Garantir acessibilidade nos equipamentos esportivos e nas vias públicas que permitam o desenho universal conforme normas técnicas para acesso de pessoas com deficiência. d. Instituir normativa que requeira a construção de equipamentos de esporte e lazer nos conjuntos habitacionais financiados com recursos públicos. e. Construir e ativar praças esportivas e de lazer para o desenvolvimento de atividades esportivas e de lazer nas comunidades, conforme a vocação e auto-organização de cada território.

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f. Garantir que agentes sociais de esporte e lazer atuem nas comunidades, possibilitando a formação de novos quadros e lideranças esportivas locais. MULHERES NO ESPORTE – incorporar a política nacional de Esporte em ações afirmativas de igualdade de gênero que assegurem, em especial, o empoderamento de mulheres no esporte: a. Criar dispositivo legal que garanta equidade na distribuição de recursos públicos para o fomento do esporte para homens e mulheres. b. Valorização dos salários e das carreiras de técnicas, treinadoras, jornalistas, dirigentes de entidades esportivas ou atletas. c. Instituição de mecanismos e critérios de equidade na distribuição de bolsa atleta. d. Investimentos em projetos esportivos que se propõem a formação esportiva de meninas e jovens, e possibilidade de continuarem a praticar ao longo de suas vidas. e. Incentivo à prática esportiva das mulheres, rompendo estigmas sexistas nesse campo. f. Propor conteúdos programáticos sobre gênero nos materiais didáticos e instrucionais que orientam os programas esportivos. g. Combate ao assédio moral e sexual às mulheres e homens, no mundo do esporte. h. Apoiar a estruturação a nível nacional do futebol feminino. CUIDADO E APOIO AOS ATLETAS – Assegurar recursos diretos aos atletas, por meio da garantia da bolsa, considerando que: a. Todas as categorias sejam contempladas para assegurar o desenvolvimento dos atletas, da base à alta performance. b. Criar dispositivos legais que garantam a escolarização e formação profissional ao longo da vida dos atletas com atenção ao momento de pós-carreira. ÉTICA E GOVERNANÇA NO ESPORTE – Implementar mecanismos que assegurem a integridade das entidades esportivas que promova a confiabilidade para investimentos públicos e privados que possibilitem o desenvolvimento das modalidades esportivas: a. Implementação de contratos de governança entre as entidades esportivas e o poder público, previstos em lei. b. Exigência sobre a transparência das informações e sobre a democratização dos processos decisórios das entidades como condição para repasse de recursos públicos. c. Adoção de mecanismos de enfrentamento ao assédio no âmbito do esporte formal. d. Ações combinadas e compartilhadas de segurança, em combate à manipulação de resultados esportivos. ECONOMIA E ESPORTE - Potencialização da cadeia produtiva nacional do esporte por meio de: a. Incentivo à indústria nacional de produtos esportivos e equipamentos (bicicletas, skate, bolas). b. Captação de eventos esportivos, mundiais por modalidades, continentais e regionais.

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c. Articulação do esporte com o turismo para promover o desenvolvimento das potencialidades locais e regionais, o empreendedorismo e serviços públicos. d. Utilização plena dos equipamentos esportivos, altamente qualificados e de várias modalidades, existentes no país. SISTEMA NACIONAL DO ESPORTE que defina o papel da União, dos estados e municípios para assegurar o acesso ao esporte a todas as pessoas, desde a formação à prática esportiva para toda a vida com a: a. Criação do Fundo Nacional do Esporte para garantir o financiamento prioritário à formação esportiva e ao esporte para todas as pessoas ao longo da vida. b. Democratização da gestão, garantindo a participação social, com a Conferência Nacional do Esporte, e o controle social, ampliando os assentos da sociedade civil, no Conselho Nacional do Esporte e a instituição de um Plano Nacional do Esporte. c. Relações intersetoriais com a saúde, educação e cultura para ampliar o alcance dos serviços e, sua diversidade, a serem ofertados para a comunidade, em especial pessoas com deficiência e mulheres. d. Alinhamento e utilização coordenada da infraestrutura esportiva, publica e privada, numa pactuação nacional para se alcançar a universalização do esporte de crianças e jovens.

BANDEIRAS Esporte é direito de todas e todos.

Efetivar o direito ao esporte é dever do Estado.

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RELIGIÃO VALORES E COMPORTAMENTO INTRODUÇÃO

As religiões e suas formas de expressão são parte da formação da maioria das culturas. Por meio delas formam-se valores e práticas sociais em diálogo com a identidade e subjetividade das pessoas e conformam-se comportamentos e valores.

O Brasil apresenta grande pluralidade cultural e religiosa, porém, possui também influente raiz cristã. Nos últimos anos cresceram as correntes neopentecostais católicas (renovação carismática) e evangélicas e a inserção dessas igrejas nos espaços políticos institucionais, como o parlamento, conselhos e fóruns. Aqueles que em geral chegam a essas posições possuem discursos e práticas em claro desrespeito aos direitos humanos e reforçam fundamentalismos, a intolerância religiosa, controle sobre corpos, e práticas e discursos de ódio contra minorias, além de perspectivas individualizantes da vida em sociedade.

Não podemos nos esquivar de refletir sobre essa esfera da vida em um projeto popular para o Brasil, reafirmando a laicidade do Estado, a pluralidade e a liberdade religiosa e de expressão, buscando no diálogo inter-religioso os consensos possíveis para uma sociedade justa, democrática, soberana e solidária.

DIAGNÓSTICO

As religiões são espaços de educação, cultura, convívio, reconhecimento e estabelecem redes ampliadas de familiaridade. São fontes primordiais de legitimação de valores, respondendo a perguntas e necessidades dos que a elas pertencem.

Atualmente ocorre uma mudança na hegemonia das macrorreligiões e um aumento da pluralidade religiosa no Brasil. Segundo pesquisa do Pew Research Center, há diminuição da identificação com o catolicismo em todo continente latino-americano. No caso do Brasil, uma em cada cinco pessoas se declara ex-católica. Por outro lado, há um crescimento das filiações evangélicas. Percebe-se também um crescimento de pessoas adeptas a religiões não cristãs e dos sem religião.

A centralização e rigidez da hierarquia católica, além da redução do número de igrejas em áreas de expansão demográfica, atrelada a uma certa acomodação da Igreja Católica, faz com que ela perca espaço. Na América Latina, há ainda uma disputa interna entre o clericalismo e a teologia da libertação.

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Diversos aspectos fazem as práticas pentecostais ou neopentecostais mais atrativas que as católicas. A estrutura dinâmica dos evangélicos consegue chegar às pessoas de forma mais rápida e recorrem à fortes cargas emocionais para atrair fiéis.

Segundo a socióloga Christina Vital, o pentecostalismo “cresce ao mesmo tempo na base social e em espaços de poder, como mídia e cargos eletivos nacionais, estaduais e municipais”. Ela afirma que “as igrejas evangélicas estabelecem uma proximidade com o seu público, proporcionam espaços de encontro diários, fazem aconselhamentos espirituais, mas também emocionais e financeiros/profissionais. Seus pastores são, via de regra, muito disponíveis. Geralmente moram nas mesmas áreas que seus fiéis e estabelecem grande empatia porque vivem condições muito semelhantes aos demais. Do ponto de vista institucional, como a maioria tem um modelo de governo congregacional, não precisam se subordinar a um ministério, nem a uma centralidade administrativa. Identificam-se como liberais em termos econômicos, não em termos morais”.

Segundo o sociólogo Paul Freston, o catolicismo continua a declinar (perde 1% de sua população por ano), mas há um limite desse declínio, pois há um núcleo sólido de católicos praticantes (25% da população). Além disso, a reação da Igreja Católica pode reverter o atual quadro de perda de fiéis. Atualmente, de cada duas pessoas que deixam de se considerar católicas, apenas uma passa a ser evangélica. A outra adere a uma outra religião, ou se torna “sem religião”. O resto do campo religioso está muito pulverizado, e não há sinais de uma terceira força. O resultado de tudo isso é que, se as tendências atuais permanecerem, não deve haver maioria evangélica no Brasil. O mais provável é que a população evangélica não passe de uns 35%. Teríamos, então, o seguinte cenário: 40% de católicos, 35% de evangélicos, e 25% de outras religiões/sem religião. Outro dado interessante é que há um aumento da pluralidade religiosa (incluindo os sem religião) e também do sincretismo religioso. Há ainda crescimento da teologia da prosperidade - valores liberais, individualistas, de competitividade e eficiência - que ganha força, sobretudo nas periferias das regiões urbanas.

O fortalecimento do segmento pentecostal se traduz na ocupação de espaço pelos evangélicos na política partidária, com a consolidação de sua bancada no Congresso Nacional. Para além da política institucional, os evangélicos também têm se colocado como atores políticos de peso, com poder de convocação para ações públicas e intensa atividade nas mídias digitais. De forma majoritária, prevalece um discurso de intolerância contra tudo aquilo que lhes parece atacar sua concepção de “família”, como os integrantes da comunidade LGBT e as feministas. Esse setor é um dos responsáveis pela popularização do pejorativo termo “ideologia de gênero”, além de fazer pregações contra a “esquerda”, para “salvar o país do comunismo”.

Nas últimas eleições, na qual a disseminação de notícias falsas teve um peso relevante (embora ainda não comensurado exatamente) os grupos religiosos foram os principais alvos das fake news, e também um polo disseminador orgânico de notícias falsas.

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A relação entre evangélicos e política no tempo presente, no Brasil, conta com um grande apoio nas mídias. Por meio delas, os evangélicos deixam de ser “os crentes” ou os grupos fechados de outrora. A separação social entre sagrado/igreja e profano/mundo deixa de ser um valor evangélico da tradição fundamentalista-puritana trazida pelos missionários estadunidenses. Os evangélicos revelam ter suas próprias reivindicações e sua capacidade de eleger seus representantes no poder público e de serem ativos na política para além das campanhas eleitorais, como meros cabos dos candidatos de suas respectivas igrejas.

O predomínio da corrente conservadora evangélica, tanto nas mídias como no espaço político partidário, acaba por invisibilizar vertentes mais progressistas que também buscam se articular. Por isso, é importante não tratar esse grupo homogeneamente.

Esse cenário nos coloca diante de dois desafios na perspectiva democrática. Primeiro, o da Liberdade Religiosa, um direito do cidadão que deve ser garantido pelo Estado e, no Brasil, está garantida pela Constituição de 1988 (artigo 5º, inciso VI). Segundo, o da laicidade do Estado. Não cabe ao Estado brasileiro influenciar a pertença religiosa de seus cidadãos e/ou conceder privilégios a grupos de determinadas crenças, bem como políticas públicas não devem ser deliberadas conforme a aceitação de grupos religiosos.

O Estado brasileiro ainda se confronta com esses dois desafios. O conceito de laicismo e sua aplicação nas políticas públicas ainda gera muitos conflitos, como no caso do ensino religioso confessional em instituições públicas, o que foi recentemente aceito pelo Supremo Tribunal Federal. Quanto à garantia de liberdade religiosa, segundo o relatório “Liberdade Religiosa no Mundo” (2016), da ACN, entre 2011 e 2014, foram registradas 543 denúncias de violações de direitos por discriminação religiosa pelo Disque 100. Em 216 desses casos os denunciantes informaram a religião da vítima: 35% eram praticantes de candomblé e umbanda, 27% eram evangélicos, 12% espíritas, 10% católicos, 4% ateus, 3% judeus, 2% muçulmanos e 7% pertencentes a outras religiões. Os dois tipos de ataques mais frequentes são agressões verbais ou físicas e depredação de espaços sagrados.

Nos dados mais recentes, disponibilizados pelo Disque 100, só em 2016, 759 denúncias foram registradas (mais que a somatória de 2011 a 2014, trazida pelo estudo anterior). 19% das vítimas eram pertencentes à umbanda e candomblé; 4,35% a outras religiões de matriz africana e 4,22% ao espiritismo. Os casos contra os indivíduos que professam religiões de matriz africana se tornam ainda mais expressivos ao recordarmos que eles representam somente 0,3% da população brasileira. Segundo a ACN, apesar de serem absoluta minoria, 41,5 a 63,3% das denúncias, dependendo na fonte de análise, são provenientes desse grupo.

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PROPOSTAS

Formulação de estudos, documentos, peças publicitárias, a serem difundidas pelo poder público em diferentes mídias, sobre os temas da laicidade, intolerância religiosa, liberdade de crença e de consciência.

Realização de uma Conferência Nacional com representantes das mais diversas religiões, incluindo pessoas sem religião, buscando fortalecer o diálogo inter-religioso e a luta pela liberdade religiosa e direito de crença e pertença.

Fortalecimento do diálogo entre movimentos sociais e populares e as correntes progressistas de todas as religiões, reforçando o diálogo interreligioso.

BANDEIRAS Estado Laico: política e religião não combinam!

Diálogo Interreligioso para a construção de um projeto solidário, democrático e justo

de sociedade

Liberdade de expressão, de culto e vivência e de não pertença religiosa.

Combate aos fundamentalismos, intolerâncias religiosas e violência.

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SAÚDE COLETIVA INTRODUÇÃO

Embora os Sistema Único de Saúde (SUS) tenha por princípio a universalidade, integralidade, equidade, regionalização e hierarquização, descentralização, comando único e participação popular, já no próprio processo de sua implantação verificou-se desvios às suas diretrizes constitucionais, como a retração orçamentária da esfera federal e a prioridade à participação do setor privado.

Essa disfunção inicial foi agravada por uma série de leis das esferas federal, estadual e municipal, como a Emenda Constitucional 95. O contexto de crise econômica e as novas orientações da política nacional agregam ainda mais desafios a um setor cronicamente subfinanciado em um contexto de crise econômica que tende a aumentar o contingente de usuários exclusivos do SUS.

DIAGNÓSTICO

Com a Constituição de 1988, foi instituído no país o SUS, responsável por oferecer a todo cidadão acesso integral, universal e gratuito aos serviços de saúde. Mesmo sob as distorções herdadas do modelo anterior (o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social - Inamps) e com os limites estruturais, o SUS incluiu quase metade da população antes excluída e aprimorou, qualificou e ampliou a Atenção Básica, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Centros Regionais de Saúde do Trabalhador (Cerest) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ainda hoje, mantém-se como referência internacional em imunização contra doenças transmissíveis, vigilância em saúde, controle do HIV/Aids, hemocentros e transplante de tecidos e órgãos.

A implementação do SUS, no entanto, coincidiu com o início da financeirização do orçamento público nacional, acompanhado de forte restrição nas políticas públicas da área social. Ao longo desse processo, foram observados cinco desvios com relação às diretrizes constitucionais do sistema que o afetam de maneira estrutural:

1) Em nome do ajuste fiscal, a esfera federal diminuiu sua participação no financiamento, passando de 75% iniciais para 45% atuais; as esferas municipal e estadual somadas elevaram sua fatia conjunta de 25% iniciais para 55% atuais. Permaneceu, assim, o baixíssimo financiamento público (3,5% e 3,9% do PIB). Além disso, a execução orçamentária do Ministério da Saúde sofre recorrentes contingenciamentos e as perdas anuais não são compensadas ao Fundo Nacional de Saúde, como se dá em outros fundos públicos.

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2) Em nome da complementaridade de serviços privados contratados e conveniados, como previsto na Constituição, o investimento público em recursos humanos e nos serviços próprios foi precarizado, tornando-os minoritários e marginalizados.

3) A livre atuação dos serviços privados de saúde passou a ser fortemente subsidiada pela esfera federal. Planos de saúde são beneficiados, inclusive com deduções e construção de equipamentos com empréstimos públicos subsidiados.

4) Em nome da livre negociação nos dissídios trabalhistas, os planos privados de saúde tornaram-se onipresentes nas mesas de negociação. Como efeito, as políticas públicas para a saúde saíram da pauta dos trabalhadores organizados e da estrutura sindical.

5) Em nome da autonomia constitucional entre as esferas de governo, a federal reforçou a relação fragmentada com e entre as demais unidades federadas. Na saúde, isso ocorreu em detrimento da diretriz constitucional da regionalização, gerando um sistema desarticulado. Paradoxalmente, essa autonomia exacerbada resultou em uma série de imposições para o recebimento de pequenos repasses financeiros federais, negociados um a um e com prestações de contas burocratizadas.

Esses são pilares de um outro sistema defendido por agências internacionais e nacionais com o nome de “Cobertura Universal de Saúde”. Este último seria baseado: a) na redução dos gastos públicos com saúde e austeridade fiscal, b) no aumento da contratação de serviços privados de assistência às doenças, c) na instituição do copagamento dos usuários do SUS ao usar o serviço, d) no gerenciamento de serviços públicos por entes privados, e) no estímulo a planos privados populares de saúde e f) no estabelecimento de indicadores de “cobertura universal de saúde” em que importa tão somente se a totalidade da população tem cobertura de algum serviço de saúde, independentemente se pago ou não e de sua capacidade de resolver o problema de saúde da pessoa. A implementação desse outro modelo de atenção à saúde vem ocorrendo mundialmente, com estratégias e formatos diferenciados conforme o desenvolvimento e o peso geopolítico de cada país.

Desde 2016, no Brasil, observamos uma nova guinada neoliberal que afeta toda a estrutura pública. O impacto da crise econômica somado ao atual contexto político aumentou a desigualdade no país e vem atingindo principalmente a população mais pobre, com tendência a infligir severas consequências à área da saúde.

A aprovação da EC 95 no final de 2016, instituindo que as despesas primárias do governo ficarão limitadas, entre 2017 e 2036, a aproximadamente R$ 1,3 trilhão (valor a ser corrigido anualmente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA), é um componente que traz pesadas consequências sociais e de saúde pública em particular: manutenção de altos índices de violência, retorno do país ao mapa da fome, volta do sarampo, crescimento da taxa de mortalidade infantil, etc. A título de ilustração, caso a EC 95 estivesse em vigor entre 2003 e 2015, a União teria gasto 42% a menos (R$ 257 bilhões) com ações e serviços públicos de saúde no período (Funcia, 2016).

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Quanto ao futuro, em comparação com a regra anterior - EC 86, de 2015 - em cenários de crescimento econômico com taxas anuais de 1% a 3% do PIB, as perdas para o SUS poderão variar de R$ 168 bilhões a R$ 738 bilhões até 2036 (Vieira e Benevides, 2016b). Em 2017, foram observadas as aplicações mínimas segundo a regra de 15% da receita corrente líquida do exercício para a saúde e 18% da receita de impostos para a educação.

Hoje, podemos dizer que o sistema de saúde brasileiro foi afetado em todos os seus níveis de atenção. A Política Nacional de Atenção em Básica (Pnab) foi reformulada em 2017 e retirou a padronização do número de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) por equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) para reduzir os custos no setor. O subfinanciamento crônico do SUS foi agravado, acarretando um desabastecimento de insumos sem precedentes e com graves efeitos de saúde, sanitários e sociais. Houve uma desaceleração na política de saneamento básico, fato que contribuiu para o retorno das emergências sanitárias e a volta de doenças, como foi o caso também da febre amarela. Também é preciso destacar os possíveis impactos de curto, médio e longo prazos com a liberação de cada vez mais agrotóxicos com efeitos potencialmente cancerígenos, entre outros, e com propostas de relaxamento de regras de trânsito ou de facilitação do porte de armas de fogo.

O tempo decorrido após o agravamento da crise econômica e a implementação de medidas de austeridade fiscal ainda não permite análises robustas sobre possíveis impactos na saúde pública, mas alguns indicadores podem ser acompanhados. Entre eles, o gasto total com as ações e serviços públicos de saúde (ASPS), que já foi reduzido em 3,6% entre 2014 e 2016. Em valores per capita, a queda do gasto com ASPS foi de 5% no mesmo período, sendo que entre 2004 e 2014 esse valor teve uma taxa de crescimento médio real de 6,3% ao ano. A disponibilidade de leitos no SUS por mil habitantes já apresentava uma tendência descendente, mesmo sem contar os leitos psiquiátricos (redução média de 0,72% entre 2007 e 2014), mas passou a cair em maior velocidade. A queda anual média foi de 1% entre 2014 e 2017, em possível consequência da diminuição do gasto total com ASPS.

Outro fator associado à crise que impacta a saúde é o desemprego. A discreta melhora ocorrida em 2019 se deu pela entrada de trabalhadores no mercado informal ou autônomos. São setores da população que tendem a depender exclusivamente do SUS.

O programa Mais Médicos, vigente entre julho de 2013 e agosto de 2019 teve como uma de suas finalidades o enfrentar desigualdades e combater uma carência histórica de médicos na atenção básica em diferentes municípios do país, alcançando regiões de extrema vulnerabilidade. O programa Médicos pelo Brasil, criado por Bolsonaro em substituição ao Mais Médicos, manterá as atividades de ensino e extensão e integração ensino-serviço, utilizando vários itens do programa anterior (bolsa + INSS + isenção de Imposto de Renda). Entretanto, as iniciativas de estruturação física de unidades básicas de saúde e as ações sobre a formação médica contidas na proposta anterior visando a

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mudanças estruturais de médio e longo prazos, parecem estar em segundo plano no novo programa.

A Medida Provisória que institui o Programa Médicos pelo Brasil também institui a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), em modalidade de gestão classificada como “Serviço Social autônomo”, na forma de pessoa jurídica de direito privado. Esse tipo de figura pode, por exemplo, dispensar processos de licitação de compras públicas. A Adaps chama atenção pela abrangência de suas atribuições, que vão muito além da gestão do Programa e poderá desenvolver atividades próprias de ensino e pesquisa, prestar serviços de atenção primária e articular-se com órgãos e entidades públicas e privadas para o cumprimento de seus objetivos. Há ainda brechas no texto da MP que podem dar sustentação legal a um projeto de contratação direta dos planos e operadoras para prestação de serviços de atenção primária. Gestado pelo atual governo e por planos de saúde privados, esse projeto efetuará a transferência direta de recursos públicos. Se parte dos municípios brasileiros resistia à ampliação das Organizações Sociais, agora o próprio Ministério da Saúde poderá contratar operadoras para a realização de atividades-fim que seriam prestadas pelo poder público.

Outro ataque pode ocorrer na área da Saúde da Família. O atual modelo, com equipe multiprofissional e abordagem territorial e comunitária, tem tido impactos positivos na saúde da população evidenciados em diversas pesquisas. Apesar disso, o Ministério da Saúde colocou em consulta pública até o final de agosto de 2019 uma proposta de Carteira de Serviços que reflete um novo modelo assistencial de Atenção Primária à Saúde (APS) a ser implementado. A proposta apresenta uma série de retrocessos, não incorporando definições existentes hoje e importantes para uma abordagem integral que contemple o cuidado individual e o cuidado coletivo (territorial e populacional) na promoção da saúde e prevenção de doenças. A especialidade em “medicina de família e comunidade” foi substituída por “médico de família” e as propostas de organização dos horários de trabalho de cada tipo de profissional nas UBS fragmentam o trabalho em equipe, rompem o vínculo com a população, quebram a longitudinalidade da relação interpessoal e afastam os profissionais da realidade do território. Não há menção aos agentes comunitários de saúde, elo crucial da articulação das equipes com as populações, cruciais na busca ativa, na facilitação do acesso para famílias vulneráveis, nas ações de saúde coletiva, na educação em saúde, na promoção da participação social.

O foco enunciado da carteira de serviços proposta é o alcance de uma maior eficiência, sem menção à ampliação de acesso e qualidade. A centralidade nos aspectos econômicos poderia indicar o objetivo futuro de estabelecer e simplificar contratos com o setor privado.

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PROPOSTAS

Revogar a Emenda Constitucional 95/2016

Apoiar a tramitação da PEC 01/D de 2015 Essa Proposta aloca 19,4% da receita corrente líquida como piso federal do SUS (similar ao projeto de iniciativa popular “Saúde + 10”).

Destinar os novos recursos do Pré-Sal para a saúde e a educação Os recursos obtidos com a concessão onerosa também devem abastecer o Fundo de Participação dos Estados (PPE) e o Fundo de Participação do Municípios (FPM).

Instituir novas fontes de financiamento da seguridade social, com rateio específico para a saúde Algumas possibilidades são a tributação sobre grandes fortunas e alíquotas da tributação sobre bebidas açucaradas, álcool, tabaco e motocicletas.

Fortalecer a atenção básica como a ordenadora de toda a rede de cuidados Para isso, também é essencial valorizar os servidores públicos de saúde e a rede própria de unidades de saúde federais, estaduais e municipais.

Abolir todos os chamados “Novos Modelos de Gestão” Revogar as leis que deram origem às OS; às OSCIP; às Fundações Estatais de Direito Privado; à EBSERH e suas subsidiárias; aos Serviços Sociais Autônomos (SSA); revogar as leis que permitem e/ou preveem Parcerias Público-Privadas como as Comunidades Terapêuticas e demais contratações de serviço.

Mobilizar a sociedade para a defesa do SUS e da democracia A Nota “Saúde é Democracia”, aprovada na 16ª Conferência Nacional de Saúde, pode ser tomada como base para a defesa dos dois princípios.

Defender Plano de Cargos e Salários para profissionais de saúde Além disso, é preciso apoiar os ajustes na formação acadêmica dos profissionais de saúde em consonância com as necessidades do SUS.

BANDEIRAS

Saúde não é mercadoria!

Saúde não é gasto, é investimento.

Violência também é questão de saúde pública.

Fim da guerras às drogas;

Usuários de drogas é caso de saúde, não de policia

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Educação sexual para escolher, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não

morrer.

Contra a entrada de capital estrangeiro nos serviços de assistência à saúde

Chega de dinheiro público para convênios de saúde privados

Extinguir processos de privatizações e terceirizações na saúde