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Camila Matos sob orientação de Anna Lúcia dos Santos Luna Lyra sob orientação de Clarissa Freitas

TFG - Trópicos Utópicos: uma poética da resistência nos espaços residuais

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Trabalho Final de Graduação (TFG) do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará apresentado em 2014 por Camila Matos, orientada por Anna Lúcia dos Santos, e Luna Lyra, orientada por Clarissa Freitas.

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  • Camila Matossob orientao de Anna Lcia dos Santos

    Luna Lyrasob orientao de Clarissa Freitas

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR CENTRO DE TECNOLOGIA

    CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAO

    Jan/2014

    trpicos utpicos Uma potica da resistncia nos espaos residuais

    Camila Matos Fontenele sob orientao da profa. dra. Anna Lcia dos Santos Vieira e Silva

    &

    Luna Esmeraldo Gama Lyra sob orientao da Profa. Dra. Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas

  • Camila Matos Fontenele Luna Esmeraldo Gama Lyra

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________________ Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas

    _______________________________________________ Anna Lcia dos Santos Vieira e Silva

    _______________________________________________ Carla Camila Giro Albuquerque

    08 DE JANEIRO DE 2014

  • Aos que viro.

  • Como prova da impossibilidade de uma arquitetura individual, agradecemos

    Ao Canto, primeiro e derradeiro.

    Isabel e Ivoneide por nos terem aberto as portas e compartilhado as suas vozes.

    Ao Coletivo Urucum, particularmente Talita Furtado e ao Leonardo Arajo, com quem compartilhamos tantos desejos de futuro.

    Ao movimento Quem Dera Ser um Peixe, primeiro elo entre ns e a Ponte e o Poo.

    Rafaela Kalaffa e ao Tadinho, por terem motivado nosso feliz encontro com a Ivoneide.

    Ao LaboCart - UFC, especialmente Profa. Adryanne, ao Otvio, Priscila, ao Narclio e ao Prof.Jrn.

    Profa. Amria, em quem reconhecemos uma viva esperana na conquista do direito cidade.

    Nayana, pela generosidade em compartilhar seu trabalho, que tanto tem em comum com o nosso.

    Ao Lucas Coelho e ao Victor Furtado, que nos emprestaram seus olhares e to gentilmente nos cederam imagens de seus vdeos.

    Fatinha, pela amizade e infinitas conversas de meio de tarde; ao Seu Lauro, que por seis anos nos deu, todos os dias, bom dia pelo nome sempre to doce e gentil; ao Z, que com presteza nos confiou todas as chaves; Luciene e Eveline, fora quase invisvel que mantm habitveis as nossas salas. Ao Seu Nogueira, presena breve e inspiradora.

    Ao professor Pedro Eymar, que nos apresentou Tecla, cidade invisvel.

    s amigas Nagg, Tas, Mari, Cibele e Nat, pela fora e pela f.

    Camila e Luna.

  • Antes, aos calangos e vaga-lumes. s pequenas luzes e s sombras de todas as mangueiras. Aos meus avs, Nieta e Raimundo.

    Camila, que me inspira sempre e mais, desde o dia um, em que desenhamos Tecla, ao dia ltimo, em que [nos] imaginamos Iracema. Que no seja ltimo. Pelos cafuns, chs, cartas extraviadas, tahines, manuels, pensamentos flutuantes, cinco segundos de abrao e Fiona, que foi um respiro nas horinhas de descuido.

    Clarissa, minha orientadora, por quem tenho um carinho e uma admirao imensa. Pela generosidade com que me confiou seu idealismo no meu primeiro trabalho nessa faculdade e me emprestou um tanto mais de realidade nesse ltimo.

    Lilu, que foi uma alegria tardia regada a caf, bolo e inspiraes literrias e empricas. Por me ter ensinado a desconfiar das aparncias e me introduzido s parcerias inusitadas (sempre bem-vindas!). Tambm e principalmente pela generosidade com que compartilhou conhecimentos e sabedorias.

    Camila Giro, quem primeiro me fez olhar a cidade, passo sem volta para um modo de enxergar o mundo. E ao Renato Pequeno, que me imbuiu de um tanto mais de crtica e profundidade ao pensar a cidade e as pessoas. Este trabalho carrega muito dessas lies.

    Ao Cacau, lugar de muitos amigos e acaloradas conversas, sempre no tom do vinil mais tropical.

    Ao Canto, que foi o primeiro lugar para exercitar uma voz coletiva, insurgente. E permanece sendo lugar de afetos e resistncias. Um abrao a todos os amigos com quem pude compartilhar essa ideia e em especial aos que, depois, mantiveram a f e a essncia, Leo, Jess, Nat, Lessa, Jonas, Fred, Amanda, Jlia, Brbara, Victor e tantos mais que viro.

    Ao Pablo, sem o qual o urbanismo e a cidade nunca haveriam cruzado meu caminho.

    Aos amigos porteos Alex, Pedro, Diego e Olmpio, que me recuperaram a poesia e dividiram o sof e os domingos longos.

    Ms, por me apresentar a poltica como gesto potico e a poesia como gesto poltico.

  • A Teu e Nat, pelas perguntas que desconsertam o bvio e por sempre acreditarem em mim, apesar de mim.

    Bruns, pela conversas densas e cumplicidade ao olhar o mundo, que sempre um exerccio de alteridade.

    Ao Felippe, pelas derivas, pelo apreo inabalvel [em comum] em discutir, pela cumplicidade de desejos de mundo.

    Tas (Lindi), por toda amizade sincera, alegria, intensidade, por ensinar sobre a arte de ser o que se .

    Ciba, amiga das horas improvveis, pela ateno afetuosa e por compartilhar uma formao engajada, pero sin perder la ternura.

    Nat de novo por ter me dado uma casa e uma irm mais, nas horas possveis e nas impossveis, principalmente. Amiga de filmes doces e confisses amargas.

    Nagg, amiga de muitas noites insones e sonhos despertos. Pelos conselhos caros que no se acham em manuais de sobrevivncia.

    Aos meus pais, que foram quem primeiro me permitiram ser, sem predicados. A minha casa Jacqueline, Stlio, Bel, Teu, Vera que me fez conhecer o sentido de Poltica e o amor incondicional ao diferente, to vital a este trabalho e vida. Por todos os momentos, de rudo e de silncio.

    Lri, que me faz sempre pensar na nossa pequenice ante s estrelas.

    Luna.

  • s minhas orientadoras, Lilu e Clarissa que to pacientemente tm me incentivado e fornecido o suporte que ningum mais poderia dar, por acreditarem e por verem alm.

    Aos amigos do curso de arquitetura e urbanismo, maior patrimnio que carrego destes seis longos anos, por todas as peripcias vividas juntos, pelas caronas e pelas memrias inventadas que contarei aos meus netinhos.

    Denise e Fiorella, minhas talentosas companheiras que j bem antes disso tudo so a personificao do meu carinho, por me lembrarem que h vida l fora, mesmo nos momentos de maior imerso.

    Ao Lucas, pela presena incondicional.

    Ao Gui, irmo de vidas passadas [e desta], que conheci do outro lado do mar, por me mostrar que a vida leve e que tudo o que pesa deve ser reconsiderado; e ao Diego, que a memria viva e presente de alguns dos meus melhores dias, pelos jantares juntos que reconstruram uma famlia nas terras de l. Ainda viajaremos este mundo inteiro.

    Camila Giro, autora das primeiras provocaes que tanto orientaram o meu percurso e que de alguma maneira vieram a dar neste trabalho. Ao Daniel Cardoso, que me ensinou a ver os padres nas empenas e nas mars. Ao Renato Pequeno, pela sabedoria e serenidade, pelo constante apoio e pela cumplicidade no olhar o mundo.

    Aos amigos da Vila das Artes, que tm ampliado a minha percepo sobre a vida, a cidade e as artes. Pelos meus momentos mais inspirados neste trabalho e por tudo o que est por vir. Especialmente ao Hector, Rafaela e ao Paulo Victor; e Beatriz Furtado, ao Ernesto de Carvalho e Graziela Kunsch, pelas valiosas lies de vida e generosidade com o conhecimento.

    Ao Canto, experincia mais intensa que vivi na universidade, por me ensinar a caminhar pela cidade e a me manter inquieta. Especialmente ao Leo e Jssica, que tm se mantido firmes mesmo nos momentos de tormenta; ao Jonas, entusiasmado e paciente; ao Lessa, curioso e persistente; Lvia, Victor, Amanda, Jlia, Brbara e Fred.

    Aos amigos da Comunidade Lauro Vieira Chaves: Gabriel, Ivanildo, Samuel, Jos Maria, Cludio, D. Marina, D. Eliane, D. Maria e D. Raimunda, pelos ensinamentos sobre unio, fora e resistncia.

    Luana, ainda que geograficamente distante, to prxima de ideias e de corao.

  • Ao Felippe, cujas conversas, passeios deriva, sugestes literrias e cinematogrficas constituem parte to importante desta trajetria. Por me ajudar a nadar para cima.

    Tas, amizade imprevista e precisa, pela fora com o trabalho e a alegria no convvio. Que eu possa retribuir tudo.

    Bruna, pelos momentos em que compartilhamos o olhar, por tudo o que ainda me ensinar a ver.

    Natlia, cuja companhia tem me salvado da velhice, pelo abrigo, pelas tardes e por todas as poesias concretas que escreveremos um dia.

    Nggila, que dentre ns a que sabe por onde se deve ir, pelas palavras de sabedoria, pelo apoio e pelo carinho.

    Cibele, pelas luas cheias e estrelas cadentes. Por tudo.

    Luna, primeira companhia nesta travessia, leal aos nossos sonhos desde o primeiro dia e que inestimvel contribuio criativa e afetiva tem prestado minha vida desde o incio. Este trabalho um detalhe.

    Fiona, que jamais ler este agradecimento e talvez por isso mesmo o saiba por inteiro.

    Helena e ao Fernando, que me deram de presente o mundo.

    Camila.

  • TRPICOS UTPICOSUma potica da resistncia nos espaos residuais

    O nome Trpicos Utpicos pe em movimento pendular significados de ordens particulares e, primeira leitura, opostos. O utpico toca o trpico ao deslocar um imaginrio exotizante constitudo pela imagem do lugar a que se deseja ir, mas que no se planeja ficar. a fuga travestida de calor, areia, relaes flexveis e imediatas, sensualidade. Ao dar a qualidade de utopia ao trpico, revela-se a farsa que sustenta essa camada, torna-a translcida, delineando uma imagem mais definida. no entanto o olhar que se refina, busca, no a imagem que se reformula.

    Em contraponto, o trpico contamina um utpico que de tradio modernista, marcado por uma ordem higienista, um excessivo zelo que impe distncia. Este utpico no permite contato, apaziguado, frgido. O trpico, espao banal, despe a utopia de sua cpsula: torna-a crua.

    Revela-se a um movimento que tambm nosso. Este trabalho, em todos os momentos, nos exigiu tomadas de posio, e nenhuma delas se bastava para aquilo a que nos propusemos: construir um olhar de prospeco que possa ressignificar o lugar desse trpico utpico. Este exerccio se faz desafiador ao nos colocar em um conflito, por vezes agonizante, para nos mantermos coerentes: como impedir que a utopia se converta em fabulao mentira ao passo que o trpico, revelando-se frgil, no nos paralise?

    Um caminho possvel que traamos para nos colocarmos frente a esse conflito foi o gesto de desnaturalizar as palavras, os atos e os conceitos. Um segundo foi o de gerar complexidade nos processos, permitindo a insero de outros agentes na construo do trabalho. Ele prprio j nasce orientado por este gesto, ao ser realizado em dupla. Foi uma opo em diminuir a distoro que um olhar individual promove sobre as coisas. A coletividade permite um ajuste, nos induz a um reposicionamento frente ao mundo.

    Este trabalho sobre reconhecer as resistncias que tendem a ser mascaradas pela violncia da velocidade do urbano. Elas se do quase sempre nas frestas, nos baixios de viaduto, por detrs dos muros que cercam os rios, em suma, nos espaos residuais.

  • SUMRIO

    prembulo

    23 TRPICOS UTPICOS Uma potica da resistncia nos espaos residuais.

    26 LISTA DE SIGLAS

    28 LISTA DE IMAGENS

    29 LISTA DE DIAGRAMAS

    30 LISTA DE MAPAS

    31 LISTA DE TABELAS

    31 ANEXOS

    32 LISTA DE PRANCHAS Plano

    33 LISTA DE PRANCHAS Resistncias

    34 BIBLIOGRAFIA

    38 GLOSSRIO

  • 44 Cap. 01 A TERRITORIALIZAO DO ESPAO 45 As relaes de poder; 50 O espao residual.

    54 Cap. 02 QUE CONTRADIES RESIDEM NUMA CIDADE SITIADA POR MUROS? 62 Interrupes; 66 Occupy Estelita; 71 Resistncias.

    processo

    04 Cap. 03 DO LUGAR 05 Contextualizao scio-espacial; 08 Projetos [espetaculares] ao longo da histria; 16 Proibido Pular.

    26 Cap. 04 [RE]CONHECIMENTO 19 Incurses e Cartografia Social; 20 Canto; 25 Vises do presente e articulaes possveis.

    DEVIR

    06 Cap. 05 PLANO 17 Propostas de investimento; 30 Propostas de regulao e gesto.

    52 Cap. 06 RESISTNCIAS 56 Terreno da antiga alfndega; 56 Prainha; 57 Ponte Metlica.

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    LISTA DE SIGLAS

    BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BRS - Bus Rapid System

    CDMAC - Centro Drago do Mar de Arte e Cultura

    CEI - Centro de Educao Infantil

    CEP - Cdigo de Endereo Postal

    CMFE - Centro Multifuncional de Feiras e Eventos

    CNEFE - Cadastro Nacional de Endereos para Fins Estatsticos

    CSaF - Centro de Sade da Famlia

    DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra a Seca

    ECL - Equipamento para Atividades Culturais e de Lazer

    EEFM - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Mdio

    EIA - Estudo de Impacto Ambiental

    EMEIF - Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental

    FLACSo - Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales

    IA - ndice de Aproveitamento

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INACE - Indstria Naval do Cear S.A.

    IPECE - Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear

    IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

    ITBI - Imposto sobre Transferncia de Bens Imveis

    LaboCart - Laboratrio de Cartografia

    LEC - Laboratrio de Estudos da Cidade

    LUOS - Lei de Uso e Ocupao do Solo

    ONG - Organizao No Governamental

    ONU-HABITAT - Programa das Naes Unidas para Assentamentos Humanos

    OUC - Operao Urbana Consorciada

    PDP - Plano Diretor Participativo

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    PLHIS - Plano Local de Habitao de Interesse Social

    PPP - Parceria Pblico Privada

    PS - Prestao de Servio

    PT - Partido dos Trabalhadores

    RIMA - Relatrio de Impacto ao Meio Ambiente

    RMF - Regio Metropolitana de Fortaleza

    RFFSA - Rede Ferroviria Federal S.A.

    SAL - Servio de Alimentao e Lazer

    SEDUC - Secretaria da Educao do Cear

    SEFIN - Secretaria Municipal de Finanas

    SeNEMAU - Seminrio Nacional de Escritrios Modelo

    SESC - Servio Social do Comrcio

    SME - Secretaria Municipal de Educao

    SMS - Secretaria Municipal de Sade

    SP - Servio Pessoal

    TAZ - Temporary Autonomous Zone (Zona Autnoma Temporria)

    TCE - Tribunal de Contas do Estado

    TO - Taxa de Ocupao

    TP - Taxa de Permeabilidade

    UFC - Universidade Federal do Cear

    UNIFOR - Universidade de Fortaleza

    URCA - Universidade Regional do Cariri

    ZEDUS - Zona Especial de Dinamizao Urbanstica e Socioeconmica

    ZEIS - Zona Especial de Interesse Social

    ZEPO - Zona Especial do Projeto Orla

    ZO - Zona de Orla

    ZOC - Zona de Ocupao Consolidada

    ZOP - Zona de Ocupao Prioritria

    ZPA - Zona de Proteo Ambiental

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    LISTA DE Imagens

    Todas as imagens de abertura de captulos foram produzidas pelas autoras, em cmeras de celular, em Fortaleza, 2013.

    PREMBULO

    Imagem 01 - viaduto da av. Pontes Vieira sobre av. Aguanambi. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013.

    Imagem 02 - cena do filme O Som ao Redor, direo de Klber Medona Filho. 2012.

    Imagem 03 - capa do Jornal Meia Hora, Rio de Janeiro. Disponvel em: < http://www.meiahora.ig.com.br>. Acessado em: 17/12/13.

    Imagem 04 - capa do stio eletrnico do programa televisivo Cidade 190, Fortaleza. Disponvel em: . Acessado em: 17/12/13.

    Imagem 05 - cena do vdeo Muros e Altos, realizao de Pedro Digenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012.

    Imagem 06 - cena do vdeo Muros e Altos, realizao de Pedro Digenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012.

    Imagem 07 - cena do vdeo Muros e Altos, realizao de Pedro Digenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012.

    Imagem 08 - cena do vdeo Muros e Altos, realizao de Pedro Digenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012.

    Imagem 09 - jovens rendidos em centro comercial. Fonte: Carta Capital, Vitria, 2013. Disponvel em: . Acessado em: 17/12/13.

    Imagem 10 - outdoor nas imediaes da Av. Engenheiro Santana Jr. Fonte: Nathlia Coelho, Fortaleza, 2013. Disponvel em: . Acessado em: 17/12/13.

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    PROCESSO

    Imagem 11 - intervenes no tapume da obra do Acqurio Cear. Fonte: Autoras, Fortaleza, 2013.

    Imagem 12 - cena do vdeo Proibido Pular, realizao de Lucas Coelho. 2012.

    Imagem 13 - cena do vdeo Proibido Pular, realizao de Lucas Coelho. 2012.

    Imagem 14 - cena do vdeo Proibido Pular, realizao de Lucas Coelho. 2012.

    Imagem 15 - imerso semestral do Canto. Fonte: acervo do Canto, Icaupu, 2009.

    Imagem 16 - estudantes de diversos EMAUs do Brasil durante SeNEMAU 2012. Fonte: acervo do Canto, Fortaleza, 2012.

    Imagem 17 - estudantes e residentes da comunidade Lauro Vieira Chaves durante mutiro do SeNEMAU 2012. Fonte: acervo do Canto, Fortaleza, 2012.

    Imagem 18 - rua no interior da comunidade do Poo da Draga. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013.

    Imagem 19 - guarita de segurana no muro da INACE. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013.

    Imagem 20 - Ponte Metlica num dia de domingo. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013.

    Imagem 21 - interveno artstica nas runas do corpo original da Ponte Metlica. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013.

    Imagem 22 - placa da av. Alm. Tamandar. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013.

    LISTA DE dIAGRAMASPREMBULO

    Diagrama 01 - Trade espao, lugar e territrio

    PROCESSO

    Diagrama 02 - Custos do Acqurio Cear

    Diagrama 03 - Atores sociais e projetos

    DEVIR

    Diagrama 04 - Valores anunciados para venda de imveis nos bairros Praia de Iracema e Centro

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    LISTA DE MAPAS

    PROCESSO

    Mapa 01 - Fortaleza

    VISES DO PRESENTE

    Mapa 02 - Zoneamento PDP-For/2009 1:75000

    Mapa 03 - Macroestruturas, fragilidades ambientais e espaos residuais 1:5000

    Mapa 04 - Distribuio de renda 2010 1:5000

    Mapa 05 - Equipamentos e usurios 1:5000

    Mapa 06 - Atendimento de escolas pblicas municipais de ensino fundamental e infantil (EMEIF e CEI) 1:5000

    Mapa 07 - Atendimento de escolas pblicas federais e estaduais de ensino mdio (EEFM) 1:5000

    Mapa 08 - Atendimento de centros de sade da famlia (CSaF) 1:5000

    INTERRUPES E RESISTNCIAS

    Mapa 09 - Interrupes no tecido urbano 1:5000

    Mapa 10 - Interrupes em mobilidade e acessibilidade 1:5000

    Mapa 10.a - Interrupes em mobilidade e acessibilidade (fotografias)

    Mapa 11 - Interrupes no espao pblico 1:5000

    Mapa 12 - Resistncias 1:5000

    Mapa 13 - Barreiras 1:5000

    ARTICULAES POSSVEIS

    Mapa 14 - Usos no espao pblico 1:2500

    Mapa 15 - Delimitao das reas de interveno e influncia 1:5000

  • 23

    LISTA DE TABELAS

    PROCESSO

    Tabela 01 - Projetos (espetaculares) ao longo da histria

    Tabela 02 - Incurses

    Tabela 03 - Interrupes e resistncias

    DEVIR

    Tabela 04 -Diretrizes gerais - Plano

    Tabela 05 - Tipo de atividade por setor censitrio

    Tabela 06 - Alteraes na cobrana do IPTU

    Tabela 07 - Parmetros urbansticos para ZEDUS - Arte

    Tabela 08 - Valores ITBI 2007-2010

    Tabela 09 - Diretrizes gerais - Resistncias

    ANEXOS

    PROCESSO

    Anexo 1 - Mapa social da Comunidade Poo da Draga (feito pelas crianas), produzido em conjunto por Comunidade Poo da Draga, Coletivo Urucum e LaboCart-UFC, 2013.

    Anexo 2 - Mapa social da Comunidade Poo da Draga (documento final), produzido em conjunto por Comunidade Poo da Draga, Coletivo Urucum e LaboCart-UFC, 2013.

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    LISTA DE PRANCHAS

    DEVIR

    PLANO

    Prancha 01 - Diagrama de diretrizes gerais

    Prancha 02 - Plano geral de interveno 1:5000

    Prancha 03 - Plano geral de vias 1:2500

    Prancha 04 - Plano de fluxos 1:2500

    Prancha 05 - Vista aproximada 1:500

    Prancha 06 - Cortes

    Prancha 07 - Cortes

    Prancha 08 - Anlise de atividades por setor censitrio

    Prancha 09 - Delimitao de ZEDUS - Arte 1:5000

  • 25

    LISTA DE PRANCHAS

    DEVIR

    RESISTNCIAS

    Prancha 01 - Diagrama de diretrizes gerais

    Prancha 02 - Plano geral de interveno 1:2000

    Prancha 03 - Mdulos - Faixa de Praia

    Prancha 04 - Mdulos - Faixa de Praia: Poo Soundsystem 1:25

    Prancha 05 - Mdulos - Faixa de Praia: Mdulo Banho 1:25

    Prancha 06 - Elementos comuns 1:20

    Prancha 07 - Praa - Esquema geral

    Prancha 08 - Praa - Planta baixa 1:500

    Prancha 09 - Ponte Metlica - Plano geral 1:2000

    Prancha 10 - Ponte Metlica - Trecho 01

    Prancha 11 - Ponte Metlica - Trecho 01 - Desenho tcnico 1:75

    Prancha 12 - Ponte Metlica - Trecho 02

    Prancha 13 - Ponte Metlica - Trecho 02 - Desenho tcnico 1:75

    Prancha 14 - Ponte Metlica - Trecho 03

    Prancha 15 - Ponte Metlica - Trecho 03 - Desenho tcnico 1:125 e 1:75

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    BIBLIOGRAFIA

    BEY, Hakim. TAZ: zona autnoma temporria. 2 ed. So Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004.

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    DEBORD, Guy. A sociedade do espetculo. 1a ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

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    DEUTSCHE, Rosalyn. Agorafobia. Quaderns Porttils, Barcelona, v. 12, 2008. Disponvel em: . Acessado em 02/10/2013.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivncia dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

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    FREITAS, Clarissa F. S.; PEQUENO, Lus Renato B. Produo habitacional na Regio Metropolitana de Fortaleza na dcada de 2000: avanos e retrocessos. In: XIV

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  • 30

    GLOSSRIO

    Alteridade

    (francs altrit)

    substantivo feminino

    1. Qualidade do que outro ou do que diferente.

    2. [Filosofia] Carter diferente, metafisicamente.

    Autonomia

    (grego autonoma, liberdade para usar leis prprias, independncia)

    substantivo feminino

    1. Faculdade de um pas conquistado ou de uma regio administrativa de se administrar por suas prprias leis.

    2. Independncia administrativa em relao a um poder central.

    3. Liberdade moral ou intelectual.

    Cpsula

    substantivo feminino

    1. [Botnica] Invlucro de certas sementes.

    2. Membrana que envolve as articulaes de certos vasos pequenos do corpo.

    Cidade

    (latim civitas, -atis, condio de cidado, direito de cidado, conjunto de cidados, cidade, estado, ptria)

    substantivo feminino

    1. Povoao que corresponde a uma categoria administrativa (em Portugal, superior a vila), geralmente caracterizada por um nmero elevado de habitantes, por elevada densidade populacional e por determinadas infraestruturas, cuja maioria da populao trabalha na indstria ou nos servios.

    4. Vida urbana, por oposio vida no campo.

    5. [Histria] Territrio independente cujo governo era exercido por cidados livres, na Antiguidade grega.

  • 31

    Comum

    (latim communis, -e)

    adjetivo de dois gneros

    1. Do uso ou domnio de todos os de um lugar ou de uma coletividade.

    2. Que acontece ou se encontra com frequncia ou com facilidade.

    3. Que tem caractersticas que se encontram em muitos exemplares.

    6. [Gramtica] Diz-se de substantivo que designa um elemento de uma classe ou categoria, no designando um indivduo ou uma entidade nica e especfica, por oposio aos nomes prprios.

    8. O que considerado geral, habitual, normal.

    Contiguidade

    substantivo feminino

    2. Proximidade, vizinhana.

    Derivar

    verbo intransitivo e pronominal

    1. Proceder, vir, provir.

    2. Desviar-se (do seu leito).

    3. Correr (rios ou regatos).

    4. Apartar-se (do rumo).

    5. Manar, nascer, brotar.

    6. Seguir-se, resultar.

    Devir

    (latim devenio, -ire)

    substantivo masculino

    1. [Filosofia] Movimento pelo qual as coisas se transformam.

    verbo intransitivo

    2. Dar-se, suceder, acontecer, acabar por vir.

  • 32

    Dissenso

    (latim dissensio, -onis)

    substantivo masculino

    1. Diversidade de opinies.

    2. Desavena, divergncia; contraste.

    Escassez

    substantivo feminino

    1. Qualidade daquilo que escasso.

    2. Falta.

    3. Mngua.

    Espetculo

    (latim spectaculum, -i, .aspecto, vista, maravilha, .espetculo)

    substantivo masculino

    2. Contemplao.

    3. Cena ridcula ou censurvel.

    4. Representao teatral.

    5. Divertimento pblico em circos.

    Fbula

    (latim fabula, -ae, conversa, lenda, conto, fbula)

    substantivo feminino

    1. Composio, geralmente em verso, em que se narra um fato cuja verdade moral se oculta sob o vu da fico.

    2. Mitologia.

    3. Mentira.

    4. Fico, falsidade.

    5. Sucesso inventado.

  • 33

    Hegemonia

    (grego hegemona, -as)

    substantivo feminino

    Supremacia (entre cidades, naes, povos).

    Informal

    (in- + formal)

    adjetivo de dois gneros

    1. Que no formal.

    2. Que no observa formalidades.

    3. Que relativo a situaes ou contextos em que h familiaridade ou descontrao.

    4. [Belas-Artes] Diz-se de uma forma de pintura assinalada pela ausncia de composio organizada e que traduz na gestualidade da matria a espontaneidade do artista.

    Interrupo

    (latim interruptio, -onis)

    substantivo feminino

    1. Ato ou efeito de interromper ou interromper-se.

    2. Descontinuao, suspenso.

    Lugar

    substantivo masculino

    1. Espao ocupado ou que pode ser ocupado por um corpo.

    2. Ponto (em que est algum).

    Medo

    substantivo masculino

    1. Estado emocional resultante da conscincia de perigo ou de ameaa, reais, hipotticos ou imaginrios.

    2. Ausncia de coragem.

  • 34

    Plano

    (latim planus, -a, -um)

    adjetivo

    1. Raso, liso, cho, que no tem desigualdades nem diferenas de nvel.

    2. [Figurado] Fcil, acessvel, patente, claro, manifesto.

    substantivo masculino

    5. Planta, traado, desenho.

    7. Projeto, desgnio, inteno, fito.

    Poder

    verbo intransitivo

    6. Ter fora, possibilidade, autoridade, influncia para.

    Poltica

    (grego politik, assuntos pblicos, cincia poltica)

    substantivo feminino

    5. [Figurado] Modo de haver-se, em assuntos particulares, a fim de obter o que se deseja.

    7. Cerimnia, cortesia, civilidade, urbanidade.

    Projetar

    (latim projecto, -are, lanar para a frente)

    verbo transitivo

    1. Atirar distncia; lanar de si.

    2. Estender, cobrir com, fazer incidir.

    3. Ter em projeto, fazer teno de.

    Pblico

    (latim publicus, -a, -um)

    adjetivo

    1. Relativo ou pertencente ao povo, populao.

    2. Que serve para uso de todos.

  • 35

    Residual

    adjetivo de dois gneros

    1. Que resta.

    Resistncia

    substantivo feminino

    1. Fora por meio da qual um corpo reage contra a ao de outro corpo.

    Solidariedade

    (solidrio + -edade)

    substantivo feminino

    2. Dependncia mtua.

    3. Reciprocidade de obrigaes e interesses.

  • 01.

  • 37

    a territorializaao do espao

    a. As relaes de poder

    As primeiras inquietaes que envolvem este trabalho relacionam-se diretamente com o questionamento das estruturas de poder em vigor na atualidade, mais especificamente no contexto de Fortaleza. Partimos ento do esforo de compreender como se manifesta o poder e, como perspectiva, decidimos por observ-lo a partir das formas de resistncia. Desviamos do exerccio de entend-lo como tal para buscar apreend-lo atravs da sua posta em ao no espao. Michel Foucault (2001) define o poder como uma ao sobre outras aes, de tal modo que o seu exerccio consiste em guiar possibilidades de conduta, ordenando seus efeitos possveis.

    Foucault trata a questo da liberdade como vital para compreender a constituio social do poder ao apontar que este s pode ser exercido sobre indivduos livres. A violncia, escravido ou o consenso no configuram em si estratgias de poder pois

  • 38

    atuam diretamente sobre os indivduos, atingindo nveis de constrangimento fsico e limitando qualquer possibilidade de ao podem advir de relaes de poder, mas no as constituem propriamente. Estas no atuam direta ou indiretamente sobre os indivduos, mas sobre suas possibilidades de ao do-se, portanto, a partir do enfrentamento contnuo.

    Historicamente, as relaes de poder seguem uma ordem hierarquizada que confere privilgios a uma figura dominante especfica, como por exemplo nos regimes monrquicos o caso do Rei, cuja origem de poder provm de uma fonte transcendental, Deus. Esta configurao instaura bases que asseguram o poder do Rei e definem uma unidade social, onde todos tm clareza de seu papel e funo social dentro da vida coletiva e pouca margem de mobilidade das expectativas estabelecidas. Essa relativa unidade social possvel pela constituio prpria aos grupos sociais, em que o estabelecimento de um pacto coletivo impronunciado determina a vida em conjunto de forma mais ou menos alienante e opressora, a depender da posio onde cada um se encontra e da configurao mesma dessa estrutura social.

    Numa tentativa de reviso dessas relaes de poder na contemporaneidade, recorremos aos conceitos de verticalidade e horizontalidade, desenvolvidos pelo gegrafo Milton Santos. O primeiro diz respeito estrutura estabelecida e dominada por macroatores, a saber, aqueles que de fora da rea determinam as modalidades internas de ao (SANTOS, 2008, p. 106). Dentro das relaes de poder, os macroatores atuam de modo a regular e reger as configuraes do espao e portanto as vidas dos indivduos.

    Tomada em considerao determinada rea, o espao de fluxos (verticalidades) tem o papel de integrao com nveis econmicos e sociais mais abrangentes, tal integrao, todavia, vertical, dependente e alienadora, j que as decises essenciais concernentes aos processos locais so estranhas ao lugar e obedecem a motivaes distantes. (SANTOS, 2008, p. 106-107)

    O que o autor revela uma intrnseca relao entre macro e microatores, sem contudo permitir uma aproximao que se diferencie daquela instaurada pelas relaes de poder, pelo enfrentamento. As verticalidades se do enquanto espaos de fluxos, onde os atores se encontram distanciados no espao, mas conectados por redes que so, em um exemplo, de informao, de produtos ou financeiras concomitantemente.

  • 39

    As horizontalidades seriam o espao das vivncias e do interesse comum, espaos de contiguidade, onde o que garante a sobrevivncia dos diferentes atores a possibilidade de se integrarem no processo da ao, ao se relacionarem a partir de uma interdependncia ou solidariedade que de ordem social, econmica, cultural e geogrfica. Essa interdependncia constituinte das horizontalidades, uma vez que o espao geogrfico restrito onde todos os atores se encontram so a base e o mbito de sua atuao suas aes se do atravs do espao e a respeito do espao.

    No esto entretanto isoladas e homogneas, so constantemente atravessadas por verticalidades. Mas diferentemente de ordens hierarquizadas e totalizantes, as aes das horizontalidades escapam ao pacto impronunciado e pr-estabelecido, como Santos coloca,

    A prpria existncia, adaptando-se a situaes, cujo comando frequentemente escapa aos respectivos atores, acaba por exigir de cada qual um permanente estado de alerta, no sentido de apreender as mudanas e descobrir as solues indispensveis. (SANTOS, 2008, p. 110)

    Podemos, ento, fazer uma extenso do conceito de horizontalidade que no necessariamente perpassa um regime poltico para a discusso que a autora Rosalyn Deutsche (2001), a partir da reviso do pensamento de Claude Lefort, traz sobre a relao entre democracia e sua materializao enquanto espao pblico. O gesto de criar relaes entre esses diferentes conceitos tem sentido quando buscamos entender como se relacionam no espao, que nossa matria de estudo no mbito da arquitetura e do urbanismo. Pretendemos aqui elaborar um pensamento sobre como essas horizontalidades podem vir a configurar o espao urbano, mais especificamente, o espao pblico residual, que definiremos mais frente. Para tanto, necessrio antes compreender a essncia do espao pblico e que relaes de poder lhe determinam.

    A democracia, enquanto regime, se constri imbuda de uma indeterminao a respeito das bases do poder. Diferencia-se das demais estruturas estatais ao desloc-lo de uma referncia externa: uma forma de poder que emana da coletividade, atuando tambm sobre ela. Deutsche traz um relevante questionamento a respeito da democracia que culmina com a definio de espao pblico:

  • 40

    A democracia abriga portanto uma dificuldade em seu seio. O poder emana do povo mas no pertence a ningum. A democracia abole a referncia externa do poder e referencia o poder sociedade. Entretanto, o poder democrtico, para afirmar sua autoridade, no pode se referir a um significado imanente ao social. Ao contrrio, a inveno democrtica inventa algo mais: o espao pblico. O espao pblico, seguindo a argumentao de Lefort, o espao social onde, dada a ausncia de fundamentos, o significado e a unidade do social so negociados: ao mesmo tempo em que se constituem, se pem em risco. [] O espao pblico implica uma institucionalizao do conflito onde, mediante uma incessante declarao de direitos, o exerccio do poder questionado, o que, nas palavras de Lefort tem como resultado uma contestao controlada das regras estabelecidas. [] A democracia e seu corolrio, o espao pblico, chegam a existir, ento, quando se abandona uma positividade: a ideia de que existe uma fundamentao substancial do social. A identidade social se torna um enigma e fica, portanto, aberta disputa. (DEUTSCHE, 2008, p. 08 - grifos e livre traduo do espanhol feitos pelas autoras)

    A democracia permite portanto uma reformulao das relaes de poder totalizantes. Uma vez que no h uma ordem social unificada, pr-estabelecida, suas imbricaes se do a partir da revelao dos dissensos e so construdas e reconstrudas continuamente, de modo a possibilitar uma dinamizao das relaes de poder, antes enrijecidas, mas tambm configuraes sociais alternativas ou autnomas quelas hegemnicas.

    Essas zonas da contiguidade que tratamos aqui tendem a emergir em situaes de maior apropriao, pelo domnio que elas podem estabelecer a partir do conhecimento e da proximidade com determinado territrio. Quanto mais prximo do lugar, mais forte ser essa relao de identificao e interdependncia meio pelo qual se realizam as aes nas estruturas de horizontalidade. O espao urbano, enquanto suporte para essas configuraes sociais autnomas, pode ser interpretado por meio da trade conceitual Espao, Lugar e Territrio, distintas porm indissociveis:

    Numa definio nossa, o Espao o conceito mais geral e ilimitado , em ltima anlise, a dimenso fsica e inelutvel, o suporte material . O Lugar, por sua vez, representa o espao em singularidade: a poro do espao significada, numa reviso da definio proposta por Fbio Duarte (2002)1 que diz respeito identidade inerente

    1 A definio proposta por Duarte (2002, p. 65) considera que lugar seja [] uma poro de espao significada, ou seja, cujos fixos e fluxos so atribudos signos e valores que refletem a cultura de uma pessoa ou grupo..

  • 41

    quele espao, s caractersticas que o definem e que o distinguem de todos os outros. O Territrio se refere especificamente s relao sociais que se estabelecem no lugar est associado apropriao, pertena.

    O territrio o cho e mais a populao, isto , uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer quilo que nos pertence. O territrio a base do trabalho, da residncia, das trocas materiais e espirituais da vida, sobre os quais ele influi. (SANTOS, 2010, p. 96)

    Destacamos a relao de indissociabilidade que estes trs conceitos resguardam entre si. Implica ainda que, na condio de prticas sociais ocuparem o espao, convertendo-o em territrio, o espao apropriado seja indissocivel do lugar do dissenso. Deutsche (2001) traz essa questo de maneira contundente:

    No que o conflito acontea em um espao urbano originalmente, ou potencialmente, harmonioso. que o espao urbano produto do conflito. E isto assim em diferentes, inumerveis sentidos. Em primeiro lugar, a carncia de fundamentos sociais absolutos o desaparecimento dos sinais de certeza faz do conflito um distintivo inextirpvel de todo espao social []. (DEUTSCHE, 2008, p. 13-14, livre traduo do espanhol feita pelas autoras)

    ento atravs do conflito que o espao transformado, converte-se em territrio. Ao longo do Prembulo, tencionamos abordar uma particularidade dos territrios urbanos que o espao residual, contentor de mltiplas territorialidades, ao mesmo tempo que nenhuma no sentido em que nunca se constitui propriamente enquanto territrio, mas se realiza sempre segundo a ordem de um devir, uma territorializao.

    ESPAOLUGAR

    TERRITRIO

    Diagrama 01: trade Espao, Lugar e Territrio.

  • 42

    b. O Espao Residual

    Em determinados momentos da histria das cidades ocidentais, a estruturao fsica do espao, bem como da vida em sociedade, tem o espao pblico como elemento primordial em sua organizao. Este o caso das cidades coloniais, cujo traado tem origem na delimitao da praa principal, da igreja e da casa de cmara e cadeia espaos pblicos e somente a partir da, define-se a localizao das ruas e dos demais elementos urbanos de referncia. Neste exemplo, revela-se o elo intrnseco entre as relaes de poder e a configurao do espao urbano.

    Mais recentemente, no contexto das cidades em situao de subdesenvolvimento, particularmente no caso das cidades latino-americanas, sua organizao scio-espacial resulta de consequentes conflitos sobre o solo e de estratgias de planejamento e gesto urbana menos comprometidas com o entendimento das dinmicas locais do que com os interesses em inserir essas cidades nas macro dinmicas de fluxos do capital. Esta ordem tende a orientar a produo dessas cidades distanciando-as do paradigma de um espao pblico estruturante (caso das cidades coloniais, mas tambm da plis grega). Fernando Carrin (2007) tem realizado amplo estudo sobre a produo dos espaos pblicos e dos no lugares:

    De espao estruturante, passa a ser um espao estruturado, residual ou marginal ou, ainda, a desaparecer pela perda de suas atribuies ou pela substituio por outros espaos mais funcionais ao urbanismo atual (o centro comercial e o clube social). Tambm pode se dar uma mutao no sentido em que o espao pblico passa a ser um no lugar. (CARRIN, 2007, p. 82 - livre traduo do espanhol feita pelas autoras)

    O espao pblico nas cidades latino-americanas contemporneas primordialmente constitudo pelo que resta de todas as outras funes da cidade, est relegado ao que sobra das dinmicas de interesse e valorizao do solo, o que lhe confere um carter eminentemente residual. Mesmo as vias, que so espaos pblicos livres inerentes a qualquer conformao urbana, no se constituem enquanto tal, por no serem pensadas segundo uma lgica de convvio e encontro. Esto subordinadas mera funo de conexo entre pontos distintos, o que configura um conceito do qual trataremos no captulo a seguir deste trabalho, a experincia capsular.

    Buscamos aqui compreender como se configuram estes espaos residuais para alm de sua dimenso fsica, entender os aspectos que envolvem as temporalidades que o atravessam; que tipo de atividades se desenvolvem a e como se estruturam; bem como os grupos sociais que o compem. Em muitos destes aspectos, os espaos

  • 43

    residuais aproximam-se das zonas da contiguidade, horizontalidades, das quais trata Milton Santos.

    Os espaos residuais se estabelecem no tecido urbano enquanto Zonas Autnomas Temporrias (TAZ), conceito trazido pelo pseudnimo Hakim Bey (2004); esses espaos esto invisibilizados na paisagem da cidade, o que lhes confere determinado grau de autonomia frente s leis do Estado e s determinaes do senso comum. So ainda temporrios por serem quase sempre espaos da impermanncia, constantemente reapropriados por grupos e indivduos no necessariamente relacionados. A possibilidade de reunir temporalidades e modos de apropriao to diversos dilata ou relativiza sua dimenso material, o que torna mais difcil o exerccio de lhes atribuir uma identidade absoluta e permanente.

    Iniciar a TAZ pode envolver vrias tticas de violncia e defesa, mas seu grande trunfo est em sua invisibilidade o Estado no pode reconhec-la porque a Histria no a define. Assim que a TAZ nomeada (representada, mediada), ela deve desaparecer. Ela vai desaparecer, deixando pra trs um invlucro vazio e brotar novamente em outro lugar, novamente invisvel, porque indefinvel pelos termos do Espetculo. Assim sendo, a TAZ uma ttica perfeita para uma poca em que o Estado onipresente e todo poderoso, mas, ao mesmo tempo, repleto de rachaduras e fendas. (BEY, 2004, p. 18)

    Imagem 01 - viaduto da av. Pontes Vieira sobre av. Aguanambi mostra apropriao do espao residual como habitao.

  • 44

    A prpria incerteza de permanncia do espao residual, que est suscetvel a todo momento a uma absoro pelo Estado, faz com que sua territorialidade esteja conectada antes a uma configurao-tipo, um arqutipo ou carter imanente, do que a um lugar determinado por logradouros, CEP ou coordenadas geogrficas.

    Desta maneira, o espao residual rene tambm mltiplas territorialidades: esta situao estabelece nesses espaos uma tica prpria, pautada numa disputa direta que se d na escala do corpo, negociaes sem intermedirios. Esta tica emerge da contiguidade, o que gera relaes de vizinhana onde todos os atores esto postos no espao que no so somente espaciais, mas tambm temporais.

    Porque os atores sociais esto todos postos em cena que a disputa se faz mais clara. As relaes de poder que se estabelecem se aproximam da interdependncia e da solidariedade. Quando os macroatores entram nesse processo de disputa, eles desequilibram esse campo de foras de maneira totalizante, o que constrange as possibilidades de ao dentro de um sistema que antes se configurava no sentido de uma horizontalidade, induzindo-o a uma estrutura vertical.

    A presena dessas verticalidades produz tendncias fragmentao, com a constituio de alvolos representativos de formas especficas de ser horizontal a partir das respectivas particularidades. (SANTOS, 2012, p. 110)

    A figura do alvolo trazida por Santos (2010) nesta passagem aproxima-se da constituio dos espaos residuais. O autor no chega a desenvolver esta ideia ou consider-la enquanto matria espacial mas da ordem das prticas sociais , no entanto ela nos serve de suporte para pensar espacialmente as aes nos alvolos.

  • 02.

  • 47

    Oh senhor cidado, eu quero saber

    com quantos quilos de medo se faz uma tradio?

    Tom Z

    A cidade como aglomerado heterogneo de indivduos possui uma essncia ambivalente; uma vez que carrega em si o ensejo do encontro e da troca, tambm suporte para o acirramento de diferenas a partir da expresso das individualidades. Decorre desta duplicidade um impulso de fuga do coletivo, ainda que no se possam dissolver completamente as teias sociais.

    As fronteiras geradas na cidade resguardam porosidades indissolveis. Seus habitantes so constantemente permeados pela iminncia do conflito, potencializado onde h um contexto de profunda desigualdade social. Nesse sentido, as cidades latino-americanas

    QUE CONTRADIOES RESIDEM NUMA CIDADE SITIADA POR MUROS?

  • 48

    nos fornecem pistas para a identificao deste fenmeno. Destacamos o caso de Fortaleza, 2a cidade da Amrica Latina no ranking mundial de desigualdade social (ONU-HABITAT, 2011) e 1a no ranking brasileiro em densidade populacional (IBGE, 2010). Sofre um forte processo de desintegrao dos seus espaos de convivncia e acirramento de conflitos entre grupos sociais na esfera das polticas pblicas. Em certa medida, ao analisar essas questes, podemos colocar a cidade latino-americana como lugar eminentemente da disputa, em oposio ao discurso positivista que a define como espao de oportunidades e encontro e aqui nos interessa analisar sua conflitualidade a partir de uma tica espacializada.

    A respeito deste assunto, Rosalyn Deutsche (2008) coloca o espao urbano como o lugar primeiro da democracia, onde o exerccio do poder questionado. Contrape-no fabulao de uma conformao originalmente harmoniosa ao apont-lo como lugar de imanente negociao, uma vez que o conflito faz parte de sua constituio fundamental e inerente a qualquer espao social. Adverte que a ameaa surge quando se tenta suprimir o conflito, uma que vez que a esfera pblica continua sendo democrtica to somente na medida em que suas opresses podem ser vistas e contestadas (Deutsche, 2008, p.25 - traduo das autoras). Assim, entendemos que a construo do espao urbano, e em ltima instncia, o espao pblico, dissensual. D-se ento a impossibilidade do isolamento total, em contraponto ao desejo reticente de constituir uma identidade atravs da individualizao extrema.

    Uma contradio residiria ento no colapso resultante da profunda desigualdade e suas prticas sociais agnicas que impossibilitam o exerccio da alteridade colocado atravs do espao pblico. Os conceitos de desigualdade e diferena distinguem-se entre si: o primeiro se d por uma delimitao socioeconmica e hierrquica que impe um distanciamento simblico e fsico e o segundo alude s ideias de heterogeneidade e diversidade, pautando-se pela tolerncia.

    A condio de desigualdade dissipa a ideia de espao pblico como o lugar da convivncia e negociao entre diferentes, uma vez que o distanciamento inerente sua essncia impulsiona um processo de alienao e averso ao dissenso este processo inverso ao do conceito de poltica colocado por Rancire (2010) 1 e Deutsche (2008), que supe a construo e constituio de uma esfera pblica poltica atravs do embate, pela recolocao e pela transformao social contnuas.

    1 Jacques Rancire (2010, p. 57) traz uma problematizao sobre o papel poltico da arte, ou um engajamento artstico, que podemos estender para um entendimento similar de uma arquitetura e um planejamento socialmente comprometido: O consenso [] um modo de simbolizao da comunidade que visa excluir aquilo que o prprio cerne da poltica: o dissenso, o qual no simplesmente o conflito de interesses ou de valores entre grupos, mas, mais profundamente, a possibilidade de opor um mundo comum a um outro. O consenso tende a transformar todo conflito poltico em problema que compete a um saber de especialista ou a uma tcnica de governo. Ele tende a exaurir a inveno poltica das situaes dissensuais. Nesse sentido, propomos uma naturalizao do dissenso como parte do espao urbano e essncia da poltica, de modo a se contrapor ao pensamento urbanstico apaziguador e higienizador durante o processo propositivo. Consideramos melhor esse impasse no item Interrupes.

  • 49

    As diferentes partes j no se sabem, j no guardam ou reconhecem semelhanas entre si. Esse estranhamento ratifica as fronteiras e constitui uma cultura do medo do outro. Passa-se a erguer muros: a casa, o carro, o shopping, finalmente, os corpos. Em ltima instncia, os muros so uma forma de conteno das interaes, uma esperana de manter esttica e homognea uma ordem urbana que essencialmente dinmica, miscigenada.

    A cultura do medo que utilizada para justificar essa separao se refora pela alarmante violncia urbana, mas tambm pela construo simblica de uma fbula2, que se retroalimenta do discurso dominante na comunicao miditica. Isso notvel diante da nfase cada vez mais detalhista que os jornais tem dado veiculao de notcias relacionadas ao crime. Refora-se ainda em uma produo cultural de massa que vulgariza e desumaniza a violncia, provoca uma anestesia e desloca o cidado para a condio passiva de espectador3 que demanda cenas cada vez mais realistas e dramticas para ser sensibilizado.

    2 Utilizamos aqui o conceito de fbula segundo o entendimento de Milton Santos (2008), que coloca a fabulao como uma ferramenta de manipulao que compe um sistema ideolgico para justificar um determinado proceso, no caso, o processo de globalizao, ajudando a consider-lo o nico caminho histrico (SANTOS, 2008, p. 36), que permite manter uma determinada ordem social vigente. A violncia da informao, que determinada na apropriao das tcnicas de informao por Estados e empresas, reside no aprodunfamento de desigualdades. Santos (2008, p. 39) coloca que essa fabulao de mundo de tal modo presentificada que a realidade e a ideologia se confundem na apreciao do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se como coisa. A fbula adquire portanto um carter de dominao e alienao da realidade e das tcnicas por um punhado de atores em funo de seus prprios objetivos.

    3 Jacques Rancire (2010, p. 108) aprofunda esta condio: []Ser um espectador significa olhar para um espetculo. E olhar uma coisa ruim, por duas razes. Primeiro, olhar considerado o oposto de conhecer. Olhar significa estar diante de uma aparncia sem conhecer as condies que produziram aquela aparncia ou a realidade que est por trs dela. Segundo, olhar considerado o oposto de agir. Aquele que olha para o espetculo permanece imvel na sua cadeira, desprovido de qualquer poder de interveno. Ser um espectador significa ser passivo. O espectador est separado da capacidade de conhecer, assim como ele est separado da possibilidade de agir.

    Imagem 03: cena do filme O som ao redor do diretor pernambucano Kleber Mendona Filho, que aborda as relaes de desigualdade que configuram o espao urbano, onde a vida , por vezes, mediada por grades e barreiras menos impermeveis do que se tende a acreditar.

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    Essa fabulao do medo que coloca a violncia como uma questo meramente policial e estratificada promove a ideia ingnua de que o isolamento capaz de interromper o contato com a violncia que lhe cerca e as teias sociais inerentes vida urbana. Teresa Caldeira (2003), em seu trabalho Cidade de Muros, aborda os condomnios fechados em So Paulo e mostra essa dificuldade de imunizar-se dos conflitos da vida coletiva. A percepo simplificada do problema da violncia sem considerar seu carter societrio se revela frgil quando analisamos o comentrio sobre as entrevistas realizadas com vrios moradores. A autora aponta que os problemas que os anncios imobilirios prometem resolver se mimetizam em outra escala dentro do que ela chama de enclaves fortificados:

    Elas sentem que os condomnios de fato so seguros, se com isso se quer dizer que so capazes de evitar o crime e controlar interferncias externas. No entanto, a vida entre iguais parece estar distante do ideal de harmonia que alguns anncios querem construir. Igualdade social e uma comunidade de interesses no constituem automaticamente as bases para uma vida publica. (CALDEIRA, 2003, p. 275)

    Imagens 04 e 05: exemplares onde a mdia aborda as questes do medo e da violncia a partir de uma perspectiva reducionista e sensacionalista, imbuda de esteretipos Capa do Jornal Meia Hora, do Rio de Janeiro; capa do stio eletrnico do programa Cidade 190, veiculado por um canal da televiso de Fortaleza.

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    A iluso da possibilidade de homogeneizao induz a um estado de paranoia coletiva que se espacializa construtivamente em uma arquitetura ostensiva, ela prpria indutora da violncia que pretende apartar. Caldeira (2003) explicita essa contradio:

    Os enclaves so literais na sua criao de separao. So claramente demarcados por todos os tipos de barreiras fsicas e artifcios de distanciamento, e sua presena no espao da cidade uma evidente afirmao de diferenciao social. Eles oferecem urna nova maneira de estabelecer fronteiras entre grupos sociais, criando novas hierarquias entre eles e, portanto, organizando explicitamente as diferenas como desigualdade. (CALDEIRA, 2003, p. 259)

    Essa paranoia, cujo discurso tem base na microescala do cotidiano, apropriada pelas macroestruturas, tais como as incorporadoras e o Estado, que passa a ditar as polticas pblicas de produo do espao e a exacerbao da vigilncia. Essa apropriao em macroescala perpetua uma forma urbana que por si s agressiva e geradora de violncia.

    Alguns exemplos dessa apropriao em macroescala podem ser observados no mbito privado: condomnios e bairros fechados com acesso restrito e proviso de equipamentos de lazer, educao e consumo; edifcios com gaiolas gradeadas em portarias de entrada; muros cegos em toda a extenso do edifcio. No mbito pblico, a questo de adoo de polticas pblicas igualmente preocupante. A mais abrangente tem sido os conjuntos habitacionais financiados pelo programa federal Minha Casa Minha Vida localizados primordialmente em espaos perifricos e murados, ratificando a aceitao da tipologia de bairro fechado4.

    No espao urbano, a hierarquia das relaes de poder citada por Caldeira se revela particularmente perversa no embate entre diferentes, que inerente s prticas sociais. Ela se refora quando aquele que exerce o poder nas disputas urbanas no se materializa propriamente no espao, entretanto, o poder exercido por ele incide sobre o espao e sobre os corpos. O que significa dizer que aquele que o exerce mantm-se numa macroescala, intangvel, enquanto aquele sobre o qual o poder exercido encontra-se na microescala, portanto frgil e suscetvel. As relaes de poder e sua representao no espao manifestam-se segundo uma dialtica entre o que chamamos de interrupes, interferncia disfuncional macroestrutural; e resistncias, insurgncias em microescala que se do nos espaos rugosos.

    4 A Lei 6.766/79, Lei do parcelamento do solo, no prev a tipologia de loteamento fechado, em discusso na reviso da lei, por considerarem a necessidade de regularizao de vrios loteamentos fechados que proliferaram nas grandes cidades do Brasil, principalmente, na ltima dcada. A lei original considera que o loteamento fechado ilegal por privatizar um bem que deve ser comum aps o parcelamento de glebas: as vias. A multiplicao desses bairros fechados pode ser extremamente prejudicial para o sentido de urbanidade e para as conexes da cidade, que pode se ver impedida de cruzar grande rea de seu territrio. Para uma discusso mais aprofundada, ver a publicao A Perspectiva do direito cidade e da reforma urbana na reviso da lei do parcelamento do solo, organizada por Nelson Saule Jr.

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    Imagens 06, 07, 08, 09: cenas do vdeo Muros e Altos, realizado em Fortaleza no ano de 2012 por Pedro Digenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano.

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    a. Interrupes

    Quando os espaos passam a ser construdos voltando-se para dentro, apartando-se, o que est fora sobra. Os espaos pblicos se convertem em espaos residuais, disfuncionais fruio, deriva e escala do corpo.

    A produo de espaos residuais gerada, em um plano macroestrutural, pelo que nomeamos interrupes: processos urbanos que provocam um esgaramento do tecido socioespacial. Essas interrupes na malha urbana se do em vrios mbitos que se sobrepem: relaes sociais entre usurios e residentes; conexes virias em escalas de quadra, bairro e regio; produtividade econmica e densidade de usos; e so conformadas ao se promover a superposio de eixos virios de conexes moradia-trabalho-lazer entre grandes equipamentos pblicos ou privados s malhas urbanas de seus entornos, ocasionando a interrupo da continuidade e das microescalas do tecido que compem a cidade.

    Aqui nos deteremos sobre dois processos geradores dessas interrupes que consideramos estar mais presentes no contexto de Fortaleza, entretanto intrinsecamente relacionados em seus meios e objetivos. O primeiro, a produo da cidade-espetculo, com intervenes sobre territrios ditos histricos que utilizam a cultura como fachada tanto para a especulao imobiliria quanto para a propaganda poltica (JACQUES, 2004, p. 25), buscando a atrao de turistas em detrimento de usurios locais. O segundo processo se d por meio da experincia capsular (SCHVARSBERG, 2012), onde cpsulas ou arquiteturas fortificadas5 e descontextualizadas de seu entorno tendem a comunicar-se somente entre si, numa rede de mobilidade igualmente enclausurada.

    i. Cidade-espetculo

    Em relao ao primeiro processo, observa-se que, ao se buscar criar uma imagem ultra atrativa e mercantilista da cidade, esta termina por se converter em simulacros de urbanidade e sociabilidade. Distam da realidade ao ponto de se tornarem alegorias caricaturais da cidade, uma vez que no se comunicam nem partem de nenhuma das prticas sociais que as envolvem. Esse distanciamento das realidades da cidade, sua substituio pelo espetculo, definido por Guy Debord como o capital (grifo no

    5 O termo utilizado por Schvarsberg se assemelha quele de enclave fortificado que Teresa Caldeira (2003) utiliza para apresentar os condomnios fechados. A partir de uma evoluo dos pressupostos modernos de zoneamento urbano, onde se criar uma lgica de locomoo entre reas de permanncia apartadas (habitao, trabalho, cio), na cidade contempornea, elaboram-se essas cpsulas de maneira impenetrvel, suplantando possibilidades de diversidade e contato. Ao abordar a o tema da privatizao dos espaos pblicos, o professor da FLACSo-Equador Fernando Carrin (2007) coloca a possibilidade de um urbanismo em trnsito para uma cultura a domiclio, onde se proliferam espaos fechados, monofuncionais e especializados, guardando similaridades ao conceito de experincia capsular.

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    original) a um tal grau de acumulao que se toma imagem (DEBORD, 2003, aforisma 34), legitima-se na construo de diversos equipamentos vazios de significado social. So motivados por uma agenda globalizada que promove a especulao financeira segundo uma criao de demandas espaciais, como so os casos dos megaeventos esportivos que o Brasil tem sediado desde os Jogos Panamericanos 2007, na cidade do Rio de Janeiro; a Copa das Confederaes 2013, em seis capitais6; e ainda no realizados Copa do Mundo 2014, em 12 capitais7; e Jogos Olmpicos, 2016, no Rio de Janeiro.

    Neste contexto, investimentos e projetos de infraestrutura urbana so planejados segundo as exigncias e diretrizes das entidades privadas que promovem os megaeventos, assim como as datas limites para execuo das obras, que divergem bastante daquelas necessrias ao planejamento participativo e voltado para as necessidades locais dos cidados. Os objetivos colocados se distanciam daqueles englobados pela noo de direito cidade e se convertem em uma verso contempornea daquilo que Debord j colocava em 1967, uma profuso de imagens que sustentam e estimulam a gerao de capital privado a partir de investimentos pblicos.

    [] o espetculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele a afirmao onipresente da escolha j feita (grifo no original) na produo, e no seu corolrio o consumo. A forma e o contedo do espetculo so a justificao total das condies e dos fins do sistema existente. (DEBORD, 2003, aforisma 8)

    Outros processos, para alm dos megaeventos, tem seguido essa lgica, principalmente aqueles voltados para a renovao/ requalificao/ reabilitao/ revitalizao dos centros histricos urbanos, de zonas porturias e reas degradadas bem infraestruturadas com interesse imobilirio. o que Paola Berenstein Jacques denomina espetacularizao urbana, que seria indissocivel dessas estratgias de marketing urbano, ditas de revitalizao, que buscam construir uma nova imagem para a cidade que lhe garanta um lugar na nova geopoltica das redes internacionais (JACQUES, 2004, p. 25). David Harvey (2012) tambm apresenta no livro Rebel Cities um conceito parecido de economia do espetculo que, junto ao consumismo, turismo

    6 As cidades-sede da Copa das Confederaes 2013 foram Fortaleza, Recife, Salvador, Braslia, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

    7 As cidades-sede da Copa do Mundo 2014 so Manaus, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Braslia, Cuiab, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, So Paulo, Curitiba, Porto Alegre.

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    e fomento da indstria cultural e do conhecimento, conformaram-se como aspectos primordiais da economia poltica urbana, ditando a qualidade de vida urbana como mais uma mercadoria acessvel apenas para aqueles que detm o capital.

    A contradio desses processos reside na conduo de polticas que induzem gentrificao e ao desaparecimento de usos considerados divergentes ou inconciliveis com a imagem assptica que se deseja criar. So vises que pregam a adoo de caractersticas de espaos privados no mbito pblico: vigilncia, controle de comportamentos e induo ao consumo como atividade prioritria. Estas vises adquirem uma dimenso sintomtica na multiplicao de Parcerias Pblico-Privadas (PPP) no mbito do desenvolvimento urbano, principalmente quando h uma desvirtuao no uso de instrumentos que deveriam regular essas parcerias, como a Operao Urbana Consorciada (OUC).

    A experincia recente8 tem revelado um mau uso desse instrumento pelo parco resultado compensatrio infraestrutural alcanado para a coletividade; pela gentrificao a que submete direta ou indiretamente essas reas; e pela consequente homogeneizao dos usos. Estas questes tem-se agravado pela falta de transparncia na representao da sociedade civil no controle de gesto prevista quando da aplicao do instrumento; e pela legitimao do Estado de uma lgica de produo espacial mercantilista, distanciada do fomento a uma esfera pblica e coletividade.

    Em sua essncia, as OUCs permitiriam a regularizao e absoro pelo Estado da produo de mais valia possibilitada na flexibilizao de ndices construtivos nas PPPs, assim como garantiriam o envolvimento da sociedade civil no seu desenvolvimento pela determinao de conselhos gestores. Maricato e Ferreira (2002) colocam esta dificuldade de efetivar a participao pela abordagem genrica do Estatuto da Cidade (2001) pelo pouco amadurecimento democrtico de nossas cidades:

    Muitas leis orgnicas municipais e Planos Diretores afirmam os conselhos gestores participativos mas eles raramente foram implementados. O que se entende por representante da sociedade civil tambm pode variar numa sociedade na qual a cidadania restrita. Digamos que a lei abre a possibilidade da participao, e a gesto democrtica depender ento da correlao local de foras. (MARICATO, FERREIRA, 2002, p. 7)

    8 Para compreender melhor o contexto das OUCs, indicamos ver os casos da formao de consenso no conselho da cidade de Belo Horizonte em COTA e FERREIRA (2007); OCUs Farias Lima e gua Espraiada em So Paulo em PESSOA e BGUS (2008).

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    Dentro dessa perspectiva de correlao de foras para a efetiva garantia de participao e controle social, o fortalecimento dos conselhos gestores e conselhos da cidade pela ocupao da sociedade civil organizada faz-se extremamente relevante. De modo ainda mais urgente quando consideramos que a adoo de uma produo mercantilista do espao no tem se restringido s PPPs e OUCs, mas alcana investimentos estatais massivos de carter espetacular; e principalmente alcana os prprios espaos fiscalizadores e regulatrios que deveriam censurar iniciativas privadas com potenciais prejuzos ao interesse pblico.

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    OCCUPY ESTELITA: O CASO DA OUC DO NOVO RECIFE1

    Um caso emblemtico deste ltimo ponto do avano dos interesse privados sobre os agentes que os deveriam regular se d em Recife, cidade que guarda muitas similaridades com Fortaleza por sua histria e situao geogrfica. O projeto Novo Recife pretende a revitalizao da antiga rea porturia da cidade em uma parceria pblico-privada que permitiria a construo de 12 torres de at 40 andares no antigo Cais Jos Estelita, s margens do Rio Capibaribe. O terreno da antiga RFFSA foi leiloado para um consrcio privado, que pede ao municpio a demolio de um viaduto e a possibilidade de transposio da linha frrea como compensao pela urbanizao do Cais. Alm de estar prxima a uma ZEIS, com potenciais repercusses na elevao do valor do solo; o projeto margeia o Centro Histrico da cidade, com baixa estatura e em grande parte tombado em nvel federal, o que ocasionaria reais impactos na paisagem.

    O projeto ainda est em tramitao em vrias instncias de controle e gesto municipais, tendo sido aprovado de modo conturbado pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano, instncia de controle social de carter discursivo e deliberativo. Vrios movimentos sociais se mostraram contra e pedem participao social efetiva para discutir os efeitos e benefcios do projeto sociedade, de acordo com as diretrizes do Estatuto da Cidade. O principal argumento utilizado foi a falta de estudos de impacto de vizinhana e a inadequao do projeto em rea histrica e estratgica em conexes para a cidade.

    O anncio do empreendimento seguiu-se aps diversas aes de restauro e reocupao do Centro pelo plano Recife-Olinda, que parte de um projeto federal de reabilitao de centros histricos, que valorizaram a rea. O projeto Novo Recife se traveste de urbanizao, mas seu desenho urbano prega um isolamento e privatizao da rea de Cais e margem do rio ao no dar continuidade malha viria e determinar apenas trs acessos rea de espao pblico e lazer em uma extenso de mais de 1km.

    As vrias maquetes eletrnicas e propagandas veiculadas pelo consrcio se colocam na esteira do processo de espetacularizao da cidade, promovendo imagens que no reconhecem a realidade preexistente ou mostrem o que ser construdo de fato. O que se revela uma tendncia de gentrificao e elitizao de um bairro tradicional do Recife, sem que a populao possa ter acesso ou voz no processo de mercantilizao de sua paisagem.

    1 Os dados e informaes colocados neste texto foram retirados do banco de contedos produzido pelo stio eletrnico do grupo Direitos Urbanos Recife, movimento ativista de questes relacionadas ao planejamento urbano e efetivao do direito cidade naquela cidade. Para um aprofundamento na questo, visitar: .

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    GENTRIFICAO, ELITIZAO E RACISMO UM DESVIO BREVE

    Aqui consideramos uma diferena entre estes dois conceitos, onde gentrificao seria o processo de substituio de residentes de baixo poder aquisitivo devido valorizao do preo de terrenos e imveis de modo a provocar uma presso para vendas na perspectiva de um ganho imediato. A gentrificao pode vir a ser uma consequncia de um processo maior de elitizao, que um fenmemo social que no perpassa somente a moradia, mas se estende para todos os espaos de convvio social; no se d por uma restrio deliberada, mas por um constrangimento social albergado no status e no valor dos servios e produtos disponveis no espao, embora tambm possa se dar por um constrangimento fsico.

    o caso da histeria coletiva provocada pela entrada de um conjunto de mais de 30 jovens negros a um shopping de alto padro em Vitria-ES, fugidos de uma ao de represso a um baile funk pela polcia militar em regio prxima, no final de 2013. O medo dos presentes acionou a segurana privada e a polcia fazendo com que todos eles fossem abordados como suspeitos, muitos menores de idade, ajoelhados e rendidos no cho central do empreendimento. Nenhuma ocorrncia de saque ou depredao foi registrada, apenas a afirmao de racismo e classismo declarado dos frequentadores e administradores do centro comercial.

    Imagem 09: jovens rendidos em centro comercial, enquanto clientes aplaudem e filmam, em Vitria - ES.

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    ii. Experincia Capsular

    As interrupes se do tambm numa esfera subjetiva quando reforam as barreiras que isolam os corpos de seu envoltrio urbano, a cidade. Quando a rua deixa de abrigar a experincia cotidiana para servir de mera plataforma para o deslocamento dos habitantes entre elementos fixos no espao principalmente nos casos em que esse deslocamento se d por meio do transporte individual elimina-se muitas das possibilidades de interao humana, que so essencialmente constituintes da vida urbana.

    O arquiteto urbanista Gabriel Schvarsberg recorre ao conceito de experincia capsular9 para definir o fenmeno que se desenvolve na atual etapa do processo de globalizao:

    [] onde um conjunto de objetos arquitetnicos implantados no tecido urbano, sem qualquer preocupao contextual e protegidos hermeticamente de seu exterior, forma o arquiplago que abriga um conjunto de dinmicas urbanas (grifo no original) de acesso restrito, cujo passe de entrada o poder de consumo de seus usurios. (SCHVARSBERG, 2012, p. 141)

    Este fenmeno fortemente impulsionado pela influncia que o mercado imobilirio exerce na configurao da superfcie urbana e se d de forma particularmente perversa nas cidades latinoamericanas que tem sua origem vinculada forma de organizao capitalista10, promotora da segregao urbana baseada no capital. Nestes contextos, o valor da solo em uma regio regulado principalmente pela qualidade da infra estrutura urbana disponvel como vias automotivas, oferta de transporte pblico, saneamento, segurana, coleta seletiva e limpeza urbana; e pela proximidade de servios bsicos como hospitais, postos de sade, instituies de ensino, bancos, centros culturais e comrcio.

    A lgica estruturada e reproduzida pelo mercado indutora da especulao imobiliria que mantm habitaes e terrenos vazios nas reas centrais favorecendo os investidores e principais detentores do capital; ao passo que expulsa para as periferias

    9 O filsofo belga Lieven De Cauter cunhou originalmente o termo civilizao capsular em sua obra intitulada The capsular civilization: on the city in the age of fear. (CAUTER, 1994 apud SCHVARSBERG, 2012, p.140)

    10 Apesar do modelo capitalista operar atualmente em uma abrangncia de escala global, as diferentes cidades organizadas segundo este modelo resguardam particularidades entre si. No caso das cidades latinoamericanas, que tem sua origem vinculada a violentos processos de colonizao, pode-se dizer que j surgem capitalistas ao mesmo tempo que inseridas em uma relao de subservincia aos pases europeus e, posteriormente, aos Estados Unidos da Amrica. (DIEHL; ROSA; MAZURA, 2009)

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    a populao que no tem como arcar com os altos custos do valor da terra. Em uma situao onde a maior parcela da populao das cidades habita distante de seus locais de trabalho e das ofertas de servios bsicos, h uma exponencial demanda por mobilidade urbana para o deslocamento de um volume cada vez maior de pessoas em percursos cada vez mais longos.

    Reside a um dos elementos fundamentais da experincia capsular: a necessidade de cruzar enormes distncias tende a eliminar a vivncia cotidiana da rua, que passa a ser experienciada primordialmente atravs de automveis (sejam coletivos ou particulares) e em alta velocidade11. A apreenso que se tem da cidade ento fragmentada, assim como so fragmentados os encontros e a prpria constituio de uma coletividade por seus habitantes. Isto se agrava com o uso do transporte individual, que no caso dos automveis constitui perfeitamente a ideia de cpsula que tratamos aqui. A mobilidade urbana assume portanto um papel importante no que diz respeito experincia capsular.

    Aliado ao mercado imobilirio, o Estado tambm promotor e reprodutor dessa sociedade capsular ao fornecer incentivos fiscais ou mecanismos de endividamento que oneram grande parte do oramento das famlias trabalhadoras (DIEHL; ROSA; MAZURA, 2009) para a compra de automveis particulares, bem como ao destinar volumosos recursos ao transporte individual atravs polticas rodoviaristas que beneficiam desproporcionalmente o uso do automvel particular em detrimento de outras modalidades.

    Paralelamente, os custos de produo do transporte pblico12 operado em boa parte do territrio brasileiro atravs de consrcios entre o Estado e empresas particulares so divididos entre os usurios pagantes, o que diante das polticas pblicas de incentivo ao transporte particular, tem o tornado cada vez mais oneroso, sem garantir qualquer melhoria na qualidade de seu funcionamento. A frmula bsica de clculo dos custos totais do transporte pblico elaborada pelo Ministrio dos Transportes, o que traz tona o questionamento a respeito de sua consistncia enquanto servio pblico ou prtica deliberada de favorecimento ao patrimnio privado (DIEHL; ROSA; MAZURA, 2009).

    11 A crescente adeso ao transporte individual, bem como a m qualidade dos transportes pblicos metropolitanos promovem uma desacelerao desses processos de deslocamento. A longa espera pelo prximo nibus, trem ou metr; assim como os complexos engarrafamentos, transformam essa ideia da metrpole como lugar dotado de velocidade em mera fbula, promovida pelo marketing.

    12 Para maiores detalhes sobre os custos do transporte pblico urbano no Brasil, consultar a nota tcnica Tarifao e financiamento de transporte pblico urbano publicada pelo IPEA (CARVALHO, Carlos Henrique Ribeiro de. et al, 2013).

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    Esta exposio mais aprofundada sobre a poltica de mobilidade urbana nas cidades brasileiras se justifica enquanto esforo por explicitar aspectos fundamentais de uma dinmica controlada pelo Estado em parceria com a iniciativa privada. O atual processo de configurao urbana das cidades brasileiras no vive absolutamente uma situao de carncia de planejamento, mas orientado por um planejamento que opera a partir do favorecimento de interesses particulares em detrimento da coletividade.

    No se pode dissociar os mecanismos que produzem a experincia capsular daqueles que do manuteno ao sistema de privilgios e excluses baseado no poder de compra dos cidados, de tal modo que a democratizao do direito cidade perpassa a desconstruo deste modelo de estruturao do espao. A converso da rua espao originalmente relacionado vivncia pblica, ao encontro com o diferente em mera via para o deslocamento de automveis, meio de conexo entre cpsulas principalmente uma poltica de estado.

    A espetacularizao, enquanto poltica de estado, tende a ser totalizante, hegemnica. Mas o seu carter macroestrutural lhe confere uma particularidade: no lhe permite alcanar completamente as entranhas dos espaos e das relaes sociais. Estas polticas logram criar cenrios espetaculares viabilizados pela experincia capsular, mas que por no alcanarem todos espaos e todos os corpos, configuram-se somente enquanto interrupes. Assim, no controlam a gerao de espaos residuais que se faz inerentemente aos processos de interrupo, quando lhes escapa a regulao das microescalas. Ao passo que a atuao do poder hegemnico se concentra em determinados espaos, aquelas zonas que no so diretamente tocadas por esse poder se colocam em uma condio de relativa autonomia ou autorregulao: as resistncias.

    Imagem 10: Outdoor nas imediaes da Av. Engenheiro Santana Jr., em Fortaleza, onde atualmente est sendo construdo um viaduto que invade os limites de um dos maiores parques urbanos da Amrica Latina, o Parque do Coc. A obra contraria uma grande mobilizao popular que envolveu a ocupao do parque por dezenas de ativistas durante mais de dois meses; um concurso de projetos alternativos promovido por estudantes de Arquitetura e Urbanismo; e uma srie de aes populares movidas na justia pedindo o embargo da obra.

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    b. Resistncias

    i. Pequena e grande luz // Espaos opacos e luminosos

    O foco principal deste trabalho compreender as resistncias, como surgem e se corporificam a partir das prticas sociais que reconfiguram os espaos. Numa tentativa, buscaremos neste captulo construir uma relao entre dois tericos que desenvolvem ideias cuja base conceitual fundamenta-se na luz e sua incidncia sobre o espao, traando um paralelo entre os espaos residuais e a cidade-espetculo.

    O filsofo francs Georges Didi-Huberman traz em sua obra Sobrevivncia dos Vaga-lumes uma reflexo acerca do que chama de pequenas e grandes luzes, a partir de escritos do cineasta do neorrealismo italiano, Pier Paolo Pasolini. Paralelamente, a terica brasileira Ana Clara Torres Ribeiro aborda, a partir da obra do gegrafo Milton Santos, o conceito de espaos opacos e luminosos como forma de entender as relaes de poder no contexto da informalidade.

    Didi-Huberman (2011) elabora uma anlise sobre a resistncia no perodo do Fascismo italiano, a partir de uma carta escrita por Pasolini a um amigo em 1941. Nesta carta, relata uma experincia vivida numa noite com amigos em um bosque de Pievo del Pino, onde as pequenas luzes de vagalumes irrompem na escurido de modo semelhante alegria inocente dos rapazes. Neste contexto poltico, o cerceamento das liberdades se dava por uma grande vigilncia do Estado, em especial nos espaos pblicos. Ao escalar uma colina, os rapazes encontram a luz de dois grandes refletores, olhos mecnicos aos quais era impossvel escapar13, e fogem. A alegria, representada aqui pela pequena luz dos vagalumes, seria ento uma exceo ao estado de culpa e viglia impulsionado pelas manifestaes do fascismo representado pela grande luz dos refletores.

    Assim, Didi-Huberman estabelece uma metfora entre o poder totalizante e a grande luz dos refletores, que ofusca toda possibilidade de resistncia dentro de seu espectro. Ao mesmo tempo, ela seletiva: ilumina alguns espaos, relegando outros ao esmaecimento. E nestas zonas de penumbra, que a grande luz no toca, onde se d a ver os pequenos focos de resistncia metaforizados pela pequena luz dos vagalumes. H perodos na histria em que a grande luz se faz mais presente e dificulta a sobrevivncia dos vagalumes ou das resistncias ao multiplicar seus focos.

    13 PASOLINI, 1991, p.38, apud DIDI-HUBERMAN, 2011, p.21

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    [] No foi na noite que os vaga-lumes desapareceram, com efeito. Quando a noite mais profunda, somos capazes de captar o mnimo claro, e a prpria expirao da luz que nos ainda mais visvel em seu rastro, ainda que tnue. No, os vaga-lumes desapareceram na ofuscante claridade dos ferozes projetores: projetores dos mirantes, dos shows polticos, dos estdios de futebol, dos palcos de televiso.

    (DIDI-HUBERMAN, 2011, p.30)

    possvel construir uma relao entre a grande luz de Pasolini e os espaos luminosos que Ribeiro (2012) desenvolve a partir de Milton Santos, onde estes seriam

    [] produtos da razo que amplifica estrategicamente comandos da modernidade. Denotam a fora da racionalizao emanada do pensamento instrumental, que, ao selecionar o que tem ou no valor, capaz de seduzir e convencer. [] O excesso de luz, produzido pela tcnica e pela mquina, tambm traz cegueira. Este excesso, condutor das aes celebradas pela mdia hegemnica, impede a percepo de possibilidades de ao alternativa e, assim, de racionalidades alternativas. (RIBEIRO, 2012, p. 67)

    O domnio da tcnica permite a instrumentalizao de projetos macroprojetos. A macropoltica sedutora quando no se d a ver por inteiro. Detentora do domnio da tcnica, formula um discurso que omite as consequncias indesejveis que ultrapassam o marketing e esconde o que no espetacularizvel. A coexistncia com que o circunvizinha ou as impossibilidades legais de concretizao so minimizadas, quando no suprimidas, pela repetio extensiva de imagens-simulacro que apaziguam a discusso. H uma vocao totalizante desta racionalidade produzida pela macropoltica desejosa de homogeneizao e de unificao, [] que transforma a existncia daqueles a quem subordina numa perspectiva de alienao (SANTOS, 2010, p.126).

    A macropoltica pauta-se num iderio formulado por ela prpria, ao qual os indivduos tendem a desejar por no conseguirem apreend-lo em sua totalidade. A fora do discurso hegemnico contida nas impecveis maquetes eletrnicas dos conjuntos habitacionais, nas obras virias e equipamentos de entretenimento faranicos escondem a complexidade dos conflitos, que no so passveis de traduo em curtas manchetes de jornal.

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    Por no serem detentores da tcnica, os microagentes no conseguem converter em imagens ou em sedutores discursos o seu modo de vida. Recorrendo s figuras conceituais de luz e sombra, pode-se dizer que os espaos e os corpos no espetacularizveis so deslocados para uma zona de opacidade. Este processo tem consequncias de natureza ambgua: uma vez que essas zonas pouco se beneficiam (so excludas) dos macroprojetos, sua opacidade lhes confere certa autonomia e uma consequente possibilidade de resistncia, forando-lhes a um modo de vida mais inventivo e ativo.

    ii. Experincia da escassez e tticas

    Esta condio se refora no contexto das cidades latinoamericanas, em especial Fortaleza, onde ocorre uma intensificao da experincia da escassez (SANTOS, 2010). Ao confrontar-se a espetacularizao com a profunda desigualdade social, revela-se a impossibilidade de homogeneizao da condio de consumo14 e acesso ao que viria a ser o propagandeado pelo espetculo. Portanto, aqueles que se veem excludos deste processo ou vivenciam uma condio de escassez fazem-se potenciais promotores de novas prticas urbanas que se do na escala do corpo e das negociaes diretas. Esses modos de vida constituem em si uma outra forma de fazer poltica distinta da poltica institucional, identificada conceitualmente na figura da grande luz que se reinstaura cotidianamente.

    [] na convivncia com a necessidades e com o outro, se elabora uma poltica, a poltica dos de baixo, constituda a partir das suas vises do mundo e dos lugares. Trata-se de uma poltica de novo tipo, que nada tem a ver com a poltica institucional. Esta ltima se funda na ideologia do crescimento, da globalizao etc. A poltica dos pobres baseada no cotidiano vivido por todos, pobres e no pobres, e alimentada pela simples necessidade de continuar existindo. (SANTOS, 2010, p.132-133)

    nas porosidades dos espaos luminosos, onde a experincia da escassez se faz mais presente, que se constituem os espaos opacos, onde a resistncia sobrevivncia se faz como micropoltica: um conjunto de pequenas aes independentes e

    14 Aqui vale uma atualizao sobre a experincia da escassez ps governos federais do PT (Lula e Dilma), uma vez que amplia-se a partir da o acesso ao consumo, ainda que no de maneira absoluta, por programas de transferncia direta de renda e microcrdito. O termo cunhado por Milton Santos, perversamente includos no capitalismo, ganha novo sentido no atual contexto de ascenso das camadas populares, que agora tem acesso ao mercado, mas se mantem alijadas da participao poltica. Configura-se um fortalecimento da figura social do consumidor, em detrimento daquela do cidado.

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    imediatas. Por se darem em negociaes especficas, regidas por necessidades diretas e locais, escapam aos desgnios de uma ordem superior e instauram uma estrutura de horizontalidade que nega as hierarquias. Essa recusa s hierarquias no se d de maneira deliberada, mas compe essencialmente a natureza desses agenciamentos; so configuraes que escapam ao poder hegemnico e se utilizam do que Michel De Certeau (1998) nomeia ttica.

    Sem lugar prprio, sem viso globalizante, cega e perspicaz como se fica no corpo a corpo sem distncia, comandada pelos acasos do tempo, a ttica determinada pela ausncia de poder, assim como a estratgia organizada pelo postulado de um poder. [] (DE CERTEAU, 1998, p. 101)

    E mais,

    [] O que ela (a ttica) ganha no se conserva. Este no-lugar lhe permite sem dvida mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no vo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vo abrindo na vigilncia do poder proprietrio. [] Consegue estar onde ningum espera. astcia. [] Em suma, a ttica a arte do fraco. (DE CERTEAU, 1998, p. 100-101)

    De Certeau traz a ideia de ttica como um instrumento no contexto do indivduo para que este realize a sua arte, mas possvel expandir este conceito para as coletividades. Por no possuir um prprio e portanto no incidir poder sobre nenhum territrio, que a ttica se apresenta funcional horizontalidade: est sujeita a ocorrer em qualquer espao, medida em que este se torne opaco ao poder hegemnico15. Nos encontros que se do nos espaos residuais, opacos, os indivduos se reconhecem em desejos e lutas comuns atravs das alianas improvveis que ela pode se fazer coletiva.

    Quando colocamos o movimento