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FICHA TÉCNICA Título original: The Moment of Letting Go Autora: J. A. Redmerski Copyright © 2015 J. A. Redmerski Edição portuguesa publicada por acordo com Grand Central Publishing, Nova Iorque, EUA Todos os direitos reservados Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2016 Tradução: Fátima Andrade Capa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença Imagem da capa: Shutterstock Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. 1.ª edição, Lisboa, fevereiro, 2016 Depósito legal n.º 403 337/16 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730‑132 BARCARENA [email protected] www.presenca.pt

The Moment of Letting Go Autora: J. A. Redmerski Copyright ... · Sou saudada pela brisa morna, que corre no ar a vinte e seis graus e se insinua entre as farripas soltas do meu cabelo

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FICHA TÉCNICA

Título original: The Moment of Letting GoAutora: J. A. RedmerskiCopyright © 2015 J. A. RedmerskiEdição portuguesa publicada por acordo com Grand Central Publishing, Nova Iorque, EUATodos os direitos reservadosTradução © Editorial Presença, Lisboa, 2016Tradução: Fátima AndradeCapa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial PresençaImagem da capa: ShutterstockComposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.1.ª edição, Lisboa, fevereiro, 2016 Depósito legal n.º 403 337/16

Reservados todos os direitospara a língua portuguesa (exceto Brasil) à

EDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730 ‑132 [email protected]

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UM

Sienna

Salto por cima da minha mala e aterro sobre os joelhos, que amparam o impacto da queda enquanto escorrego pelo tapete. Reprimindo a dolorosa sensação de queimadura causada pela escorre‑gadela, saio aos tropeções do quarto e vou abrir a porta da frente.

— Sienna! — chama a Paige do outro lado.— Um segundo! — exclamo, puxando a cadeia da porta.— Ainda nem estavas acordada? — a boca da Paige abre ‑se.

Entra porta adentro, afastando ‑me para o lado. — Passei a última hora a ligar ‑te e a mandar mensagens.

Passo as mãos pela cabeça e pelo cabelo, com um longo e pro‑fundo suspiro a escapar ‑se ‑me dos lábios.

— Adormeci. — Obrigada, capitã Óbvia — replica ela e agita as mãos na

minha direção para me apressar. — Toca a andar; temos meia hora para chegar ao aeroporto.

Em camisa de noite e cuecas, passo por trás dela e corro para o meu quarto, ainda a tentar acordar completamente. Arranco das costas da cadeira a roupa que preparei ontem à noite e visto tudo em segundos. Vou ter de esquecer o duche, porque não há tempo. Não há sequer tempo para lavar os dentes, portanto encho a boca de elixir de hortelã, gargarejo e cuspo, depois passo de qualquer maneira o desodorizante pelas axilas, tão depressa que acho que falhei por completo o sovaco esquerdo. Sem maquilhagem. Cabelo castanho‑‑arruivado apanhado de qualquer maneira na nuca. Pareço a morte.

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Por fim, quando estou tão pronta quanto me permite o tempo de que disponho, agarro na minha bolsa e puxo a alça da mala, fazendo ‑a rolar atrás de mim enquanto corro para a porta. Enfio os meus ténis Chuck vermelhos, sem parar o tempo suficiente para encaixar os calcanhares corretamente, bato a porta do apartamento atrás de nós ao sair e faço uma careta ao ouvir a moldura com a fotografia dos meus pais, pendurada junto à janela, cair ao chão com um baque seguido do ruído de estilhaços.

Nunca me atraso seja para o que for. Nunca. O meu medo de voar tem tudo a ver com o motivo pelo qual não ouvi o desperta‑dor esta manhã. Quero ir ao Havai — mais do que qualquer outra coisa — mas sei que as próximas horas da minha vida, enquanto estiver a cruzar o céu numa lata de sardinhas glorificada, onze mil metros acima do abismo do oceano, irão causar ‑me stress suficiente para me tirar anos de vida, isto se o avião não falhar e me matar primeiro.

Tudo acerca desta viagem, até agora, está a correr mal.Chegamos ao aeroporto a tempo, surpreendendo ‑me o facto de

não ter na minha mala nada de suspeito, que me tenha esquecido de tirar antes de passar pela segurança, e entramos no avião minu‑tos antes da descolagem.

— Tens a certeza de que vais ficar bem? — pergunta a Paige, sentando ‑se ao meu lado no lugar junto da janela.

— Não, definitivamente não tenho a certeza — respondo, ten‑tando instalar ‑me o melhor possível —, mas não há nada que possa fazer a esse respeito.

— Queres que te ponha inconsciente? Sorrio para ela.— Não, acho que dispenso, mas obrigada pela tua generosa

oferta. Ela sorri e abana a cabeça, baixando o olhar para o seu telefone.

Sei que está em pulgas para me dizer como é ridículo ter tanto medo de voar, mas está a fazer um esforço para se conter. Por agora. Não lhe dou mais de uma hora até não aguentar mais e dizer ‑me o que lhe vai na alma de qualquer maneira. Porque é isso que as melhores amigas fazem — dar cabo da cabeça uma da outra.

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A Paige é tão esbelta e bronzeada como um modelo da Havaiian Tropic, e veste uns calções curtos e um boné cor ‑de ‑rosa perfei‑tamente ajustado à sua cabeça pequena e loura. A minha chefe, a Sr.a Cassandra Harrington, um exemplo de glamour, com uma paixão por dinheiro e por todas as coisas que ele pode comprar, concordou em contratar a Paige como minha assistente, apesar das suas preocupações iniciais, devidas ao facto de ela ser a minha melhor amiga. Nós as duas adoramos esta combinação: eu, porque ela me ajuda a manter a cabeça no lugar nesta profissão agitada, e ela, porque começou por ser assistente da Cassandra e isso é o suficiente para estoirar com qualquer um. Sei do que falo, pois também foi assim que comecei.

Para escapar a um ataque de ansiedade e evitar passar vergo‑nhas durante o voo, ponho os auscultadores e apoio a cabeça ao encosto do banco, na esperança de acalmar um pouco os nervos com o som constante de chuva a tamborilar e a bater nos meus ouvidos. O som da chuva não é, nem por sombras, tão eficaz como um Valium, mas alivia ‑me um pouco e toda a ajuda é bem ‑vinda. Tenho diversas variações de efeitos sonoros com chuva no meu iPod, precisamente para momentos como este.

Quando o avião descola, aperto os braços do meu banco com tanta força que dá a impressão de que as minhas unhas vão perfurar o plástico duro. Respira, Sienna. Respira, mais nada. A Paige está sentada ao meu lado com um sorriso rasgado, que presumo ser a sua maneira de dizer: «Vês, isto não tem nada de especial — olha para mim. Eu não tenho medo.» As suas intenções são boas, são mesmo, mas, como acontece com muita gente, ela simplesmente não compreende o medo.

Fecho os olhos e concentro ‑me em ouvir a chuva, imaginando‑‑me sentada em terra firme, visualizando as gotas a cair à minha volta e a afundar ‑se no solo. E penso nos meus vinte e dois anos de vida, como se fosse a minha última oportunidade de revisitar intimamente as minhas recordações mais felizes.

Seis horas mais tarde, estou em Oahu, num dos sítios mais bonitos do mundo. E ainda estou viva. Estou simultaneamente animada e desapontada por estar aqui: animada, porque, bem, é

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Oahu; desapontada, porque não vim para inalar a beleza da ilha ou para passar dias a fotografá ‑la, como sempre tinha sonhado, mas sim para trabalhar no duro a organizar o casamento de outra pessoa. Mas não me posso queixar. A viagem está totalmente paga e não há muita gente que possa dizer que esteve sequer no Havai, muito menos sem gastar um tostão. Sou uma rapariga de sorte.

— Estou tão entusiasmada! — diz a Paige, acima do zumbido das conversas no aeroporto. — A nossa primeira vez no Havai. Vai ser espetacular. — Estende a mão adornada de anéis para a minha mochila. — Quando chegarmos ao hotel, vou tratar do teu check ‑in e garantir que o teu quarto corresponde às expetativas.

Está a fazer um esforço enorme para desempenhar o papel de assistente, transportando uma das minhas malas, fingindo que não é a minha melhor amiga, dirigindo ‑se a mim com uma espécie de formalidade que me parece simplesmente estranha.

Rio ‑me. — Corresponde às expetativas? Eu não sou a Cassandra —

recordo ‑lhe. — Não há necessidade de fazer uma inspeção de luvas brancas, nem de frases que não fazem parte do teu vocabulário habitual.

A Paige sorri, põe a minha mochila ao ombro, depois puxa o trólei de uma das minhas duas malas de rodízios, além do da sua.

— Como, não queres um criado à espera para deitar fora a tua pastilha elástica mascada? — graceja.

Dou uma gargalhada de descrédito. — Diz ‑me que a Cassandra não fez isso. Embora não a considere

incapaz de tal coisa. A Paige encolhe os ombros. — Ná. Li isso algures e lembrei ‑me imediatamente da Senhora

Harrington. — Os seus olhos azuis pálidos pestanejam e ela levanta a cabeça bem alto, imitando a personalidade dramática da Cassandra.

Saímos para a perfeita brisa estival havaiana, à procura de um táxi. Estou parada no passeio quando o meu telemóvel vibra den‑tro da minha bolsa. Consigo pescá ‑lo mesmo a tempo, antes que a chamada passe para o correio de voz.

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— Recebi um telefonema da senhora Dennings. Não conseguia falar contigo. Suponho que o teu telefone estava desligado — diz a Cassandra ao meu ouvido, enquanto a Paige faz sinal a um táxi que se aproxima de nós. — Eles chegam logo à noite, mas ela disse que podes ir em frente e começar sem ela. A irmã da noiva, chama ‑se Veronica, já aí está.

O táxi para e o motorista apeia ‑se para ajudar a Paige a arrumar as nossas malas no porta ‑bagagem. Deslizo para o banco de trás.

— A que horas disse a senhora Dennings que chegaria? — Fecho a porta do táxi e ajeito ‑me no assento de couro, que range. — Não posso fazer grande coisa até ela chegar com o resto do material.

— Ela não disse — responde a Cassandra. — Mas faz o que puderes com o material que tiveres.

Um sorriso aquece o meu rosto, enquanto pensamentos repen‑tinos, relacionados com tempo livre de trabalho, começam a materializar ‑se na minha mente.

— Bem, talvez tenha hipótese de descontrair um bocadinho e dar uma vista de olhos por aqui, antes de eles chegarem com as coisas todas — sugiro, esperançosa.

— Talvez — replica ela simplesmente, como se estivesse a dizer ‑me, no seu estilo mais culto e simpático: «Não, minha cara. Lamento muito, mas tal não é possível, embora possas continuar a sonhar, se isso te faz sentir melhor.»

Eu já sabia disso antes de cá chegar: não há nada que se asseme‑lhe a descontrair quando se trabalha como organizadora de eventos para a empresa de organização de eventos mais conhecida da Califór‑nia. Cem por cento dos clientes da Cassandra são ricos, metade deles são famosos, e o resto são pessoas que conhecem alguém famoso. É um ramo onde se pode ganhar muito dinheiro, mas que é tam‑bém muito exigente e, frequentemente, tão stressante que a maioria dos que entram no negócio desistem no primeiro mês; pelo menos, é o que acontece aos que trabalham para a Cassandra Harrington.

Ainda não consigo acreditar que tive a sorte de conseguir este trabalho, com todas as suas regalias. Como viagens ao Havai com todas as despesas pagas, uma carreira numa área criativa, com um

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salário generoso e uma segurança no emprego que me proporciona a certeza de continuar a subir. Este tipo de oportunidades não aparece muitas vezes e só um louco não as agarraria. Cresci com pais que se debatiam com dificuldades financeiras. Muito antes de acabar o liceu, já tinha decidido não ter a mesma vida que eles haviam tido. Que ainda têm. E agora, com a saúde do meu pai a fraquejar — tem cancro da próstata, embora o tenham diagnosti‑cado cedo e esteja em remissão — estou mais determinada do que nunca em ter um trabalho bem pago, para poder ajudar os meus pais; eles fizeram muito por mim.

A Paige desliza para o banco de trás comigo e fecha a porta atrás de si, cortando o súbito fluxo de vozes vindas de fora.

Sabendo que estou ao telefone com a Cassandra, limita ‑se a trocar um olhar comigo, suprimindo os seus habituais comentários diver‑tidos acerca da nossa chefe, e deixa ‑me entregue à minha conversa.

— Dois dias para a preparação — diz a Cassandra ao meu ou‑vido —, um dia para o casamento, depois regressas a San Diego. — Faz uma pausa. — A seguir, partes para a Jamaica.

Pestanejo, aturdida, e viro a cabeça para fixar os olhos nos da Paige, sentada ao meu lado.

— Para a Jamaica? — repito para o telefone.O rosto da Paige ilumina ‑se.— Bem me parecia que ias gostar da ideia — declara a Cas‑

sandra, num tom orgulhoso. — Um cliente de São Francisco, que conheço há muito tempo, vai casar em Montego Bay. E é podre de rico, querida. — Imagino ‑a a esfregar rapidamente o polegar e o indicador, indicando dinheiro. — Vai ser o maior trabalho que jamais fizeste.

O meu rosto abre ‑se num sorriso e olho para lá da Paige, para as palmeiras e para a paisagem colorida que passam velozmente do outro lado da janela — não é no dinheiro que estou a pensar, mas na oportunidade de fotografar a Jamaica. A Paige está sentada em silêncio, mas ansiosamente, à espera dos detalhes.

— Habituar ‑se a este tipo de dinheiro é difícil, bem sei — gra‑ceja Cassandra e remata com um suspiro dramático. — Mas receio bem que tenhas de te aguentar.

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— Oh, o inferno por que me fazes passar, Cassandra! — brinco, em resposta.

— Achas ‑te capaz de lidar com isso? — indaga a Cassandra num tom desconfiado.

Dou uma gargalhada. — Claro que sim! No nosso último evento, não disseste que sou

a melhor coordenadora que jamais contrataste? — Bem, eu referia ‑me ao voo — explica ela, e o meu sorriso des‑

vanece ‑se com a tomada de consciência do que me espera. — São um pouco mais de nove horas até à Jamaica.

O meu coração acelera num ritmo nervoso só de pensar nisso. Nove horas dentro de um avião. Milhares de metros acima do oceano. Por alguma razão os seres humanos não nasceram com asas.

— Consigo lidar com isso — assevero, meio a mentir, e faço uma nota mental para marcar uma consulta com o meu médico e pedir uma receita de Valium, pois não me parece que os efeitos sonoros de chuva no meu iPod sejam suficientes desta vez.

— Jamaica? — pergunta a Paige ansiosamente quando desligo a chamada. — Por favor, diz ‑me que também vou nesse trabalho.

— Bem, sim? — Fito ‑a como se ela tivesse acabado de fazer uma pergunta ridícula. — És a minha assistente. Vais onde quer que eu precise que vás.

— Espetacular.O sorriso parece ter ‑se tornado um elemento permanente no

seu rosto, juntamente com o mesmo olhar pensativo e sonhador que eu normalmente tenho quando me dizem que vou a um sítio onde nunca estive. A única diferença entre mim e a Paige é que ela ainda não se apercebeu de que essas viagens nunca correm como nós sonhamos. Ela só trabalhou como assistente da Cassandra durante um mês, antes de começar a trabalhar comigo, e não foi mais longe do que Chicago. Não que a Paige não possa dar ‑se ao luxo de viajar para onde quer que seja por sua própria conta, pois a sua família tem imenso dinheiro, mas nem por isso deixa de apreciar uma viagem com todas as despesas pagas.

Chegamos ao hotel. Viro ‑me para a Paige, que está a tentar firmar a minha pesada mochila, disfarçando uma expressão desconfortável.

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— O que diabo meteste nesta coisa? Dou uma gargalhada.— Acho que lá meti tudo o que possuo. Devo estar a ficar igual

à Cassandra. — Espero bem que não, meu Deus. — A Paige ri e ajusta nova‑

mente a alça da mochila no outro ombro, o cabelo louro e fino a espreitar por baixo do seu boné.

— Bem, tu conheces ‑me — replico com um encolher de ombros. — Preparada e organizada como sempre.

— Sim, sim, bem sei. — Não lhe vejo os olhos, mas sinto que ela está a rolá ‑los teatralmente.

Quando chegamos por fim à minha suíte, solto um arquejo de surpresa ao abrir a porta. Imaculada. Luxuosa. E com uma vista linda de morrer, da varanda.

A Paige pousa as minhas malas junto da parede.Livro ‑me dos meus ténis e deixo ‑me cair numa cadeira de vime

com uma almofada macia verde ‑azulada, perto da porta de correr envidraçada que dá para a varanda.

— Agradável, não é? — comenta a Paige, olhando em redor.— Agradável é um eufemismo.Passo a palma da mão pela superfície polida da mesa ao meu

lado e penso momentaneamente nos meus pais, na única vez que fomos de férias, quando eu era mais nova. Passámos uma noite num motel barato, no caminho para visitar uns amigos dos meus pais, algures no Texas. Não foram umas grandes férias, mas fiquei con‑tente por ver os meus pais passar tempo juntos, a fazer outra coisa que não trabalhar sessenta horas por semana, a ponto de estarem demasiado cansados para falarem um com o outro quando se viam de passagem.

A Paige refastela ‑se na extremidade da minha cama perfeita‑mente feita, as pernas bronzeadas penduradas do colchão, os pés metidos num caríssimo par de sandálias Louboutin, estilo gladiador.

— Quanto tempo achas que temos? — pergunta, balouçando suavemente na cama para testar a sensação do colchão.

Não me apetece pensar sequer em trabalho, porque acabei de chegar, mas é inevitável.

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— Tenho de tomar um duche — declaro, afastando as costas do conforto da cadeira —, maquilhar ‑me e arranjar o cabelo. Saímos para o pavilhão daqui a cerca de uma hora.

A Paige faz um sinal de assentimento e levanta ‑se da cama.— Bem, então deixo ‑te a tratar das tuas coisas. Vou comer qual‑

quer coisa. Estou no quarto 510. Liga ‑me quando estiveres pronta. A menos que precises de alguma coisa antes de eu sair... chefe?

Pisca ‑me o olho.Abano a cabeça e sorrio, reclinando ‑me de novo na cadeira.— Não, estou bem, mas obrigada. Até já. A porta fecha ‑se atrás dela com um clique.Finalmente, estou sozinha. No Havai. Estou no Havai! Mal

posso acreditar. Olho para minha mala rígida, que repousa em pé no chão atapetado, e pondero a possibilidade de tirar o meu equi‑pamento fotográfico, que veio cuidadosamente embalado lá dentro, e levá ‑lo comigo para onde quer que vá. Depois olho para o relógio pousado na mesa de cabeceira e um suspiro profundo e prolongado escapa dos meus pulmões.

Reconhecendo que não é um bom momento — infelizmente, raramente é — tiro a ideia da máquina fotográfica da cabeça, levanto ‑me da cadeira, puxo a porta de vidro e saio para a varanda. Sou saudada pela brisa morna, que corre no ar a vinte e seis graus e se insinua entre as farripas soltas do meu cabelo castanho, apa‑nhado desleixadamente na cabeça. Fecho os olhos por um momento e respiro fundo, sugando o vento para os pulmões e saboreando o momento de paz enquanto posso. Porque, assim que transpuser a porta da suíte para me dirigir ao local do casamento, junto à praia, paz e tranquilidade passarão a ser meras recordações.

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DOIS

Sienna

Encontro ‑me com a Paige no corredor uma hora mais tarde e dirigimo ‑nos para o elevador. Ela mudou para outro par de calções com um engraçado top de renda. O seu cabelo loiro, acabado de escovar, repousa ‑lhe suavemente sobre os ombros.

— Já conheci um homem — confessa ela.Olho para ela.— Estás a brincar.Aquilo realmente não me surpreende muito; a Paige sempre foi

uma rapariga muito sociável, para não falar de que é muito bonita e senhora de uma personalidade cheia de magnetismo. Sonha tornar‑‑se modelo um dia e, pessoalmente, acho que é apenas uma questão de tempo para isso se concretizar.

A sua boca fina alarga ‑se num sorriso.— Ei, não fui propriamente à procura — exclama, afastando

do rosto alguns dos seus longos cabelos e prendendo ‑os atrás da orelha. — Fui dar uma vista de olhos por aí e acabei no bar lá em baixo.

— No bar? Paige! — abano a cabeça em sinal de desapontamento.O elevador emite um sinal sonoro e para no quarto piso. As por‑

tas abrem ‑se. Um casal dos seus trinta e poucos anos entra.— Não fui beber — sussurra a Paige, revirando os olhos. —

Estava só a dar uma vista de olhos, para apanhar o ambiente da estância. — A mulher lança um olhar na nossa direção. — De qualquer maneira, ele trabalha no bar e disse ‑me para passar por

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lá e beber um copo, quando tiver oportunidade. — A Paige sorri e baixa ainda mais a voz. — Não é do tipo que costuma atrair‑‑me, mas é suficientemente giro para eu estar disposta a fazer uns quantos ajustamentos na minha lista de requisitos.

O elevador para no terceiro piso e o casal sai, devolvendo ‑nos a privacidade.

A Paige tem uma lista de requisitos impressionante. Até me admira que não seja ainda virgem. Eu não sou tão exigente, mas reconheço que a minha lista também não é assim tão curta. A dife‑rença é que a minha é mais razoável.

— Lembra ‑te só de que estamos aqui para trabalhar — digo‑‑lhe. — E, infelizmente, duvido de que tenhamos tempo para tomar sequer um pequeno ‑almoço quente, quanto mais para bar men giros.

— Eu sei, eu sei — replica ela. — Mas não há nada de errado em namoriscar um bocadinho enquanto trabalhamos, sabes. Tenho razão ou tenho razão?

Os seus lábios abrem ‑se num sorriso ainda mais rasgado e os seus olhos fitam ‑me de soslaio, como ela faz sempre que está a tentar convencer ‑me a mudar de atitude.

E ganha.— Sim, tens razão — cedo, mas depois ameaço ‑a com o dedo:

— Mas não me faças arrepender de ter pedido que te contratassem para trabalhares comigo, Paige.

Ela encara ‑me, com um sorriso radioso estampado no rosto dourado pelo sol.

— Nunca te deixaria ficar mal, e tu sabes isso — afirma, pou‑sando ambas as mãos nos meus braços e fingindo ‑se muito séria.

Sorrio, comprimindo os lábios de um lado, depois passo o braço em torno dela.

Quando chegamos ao pavilhão envidraçado, mesmo na orla da praia lavada pelas ondas, uma rapariga alta, de cabelo escuro e compridas pernas nuas, saracoteia as ancas sob um vestido estampado com flores em tons pastel e avança na nossa direção, pavoneando ‑se como uma modelo ao longo da coxia central. O seu cabelo é como uma onda de seda escura que flutua livremente sobre as costas nuas.

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— Você deve ser a Sienna Murphy — diz ela em voz confiante e teatral, estendendo ‑me uma mão delicada e adornada de anéis. — Eu sou a Veronica Dennings, irmã da noiva.

Tenho a sensação de que ela espera que eu fique impressionada. Mas não fiquei, portanto finjo. Sou boa a fingir esse tipo de coisas; é uma competência que me orgulho de ter aprendido a dominar neste trabalho.

Sei que no rosto da Paige se estampou uma expressão de repug‑nância, sem sequer precisar de olhar para ela.

A Veronica mal toca na minha mão com os dedos, como se tivesse medo de estragar as unhas acabadas de arranjar.

— Muito prazer em conhecê ‑la, Veronica — digo num tom animado, dispondo os dedos estrategicamente em torno da mão dela sem lhe tocar nas unhas.

— Esta é a Paige Mathers, a minha assistente. — Os olhos azul ‑escuros da Veronica mal relanceiam a Paige. — Deve estar tão entusiasmada pela sua irmã!

— Claro — diz ela. — Tal como tenho a certeza de que a Valerie se entusiasmará por mim quando chegar o dia do meu casamento.

Levanta a mão e passa ‑a levemente sobre o cabelo escuro, afastando ‑o do ombro com uma graça tão cheia de si que consegue fazer ‑me sentir momentaneamente deslocada; até que percebo o quão ridículo aquilo é.

Sorrio vagamente e olho em redor, desconfiada, reparando imediatamente que ela já andou a envolver as cadeiras dos convi‑dados com um tecido extravagante, de um desenho que nada tem a ver com aquilo que ficou acordado há duas semanas. A Paige nota a minha expressão e eu apresso ‑me a corrigi ‑la, antes que a nossa interlocutora também note. Mas não vou a tempo: ela já reparou.

A Veronica gesticula em volta, num aceno sofisticado. — Conheço o gosto da minha irmã melhor do que a nossa

mãe — declara, referindo ‑se ao tecido. — Aquele padrão floral hediondo que a mãe escolheu sem me consultar tinha mesmo de desaparecer, não concorda? — Um sorriso arrogante cintila ‑lhe no rosto.

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Aquele padrão flora «hediondo» foi o que a sua irmã, a noiva, escolheu.Aceno lentamente com a cabeça. — Respeito a sua preocupação — respondo amavelmente —,

mas acho que é melhor mantermos o que a noiva escolheu. Terei muito gosto em falar com ela sobre as suas ideias, se quiser.

A Veronica parece silenciosamente ofendida, mas levanta o queixo com um ar importante e encolhe os ombros como se o assunto não lhe interessasse.

— Tanto faz. Faça o que quiser. Mas é hediondo. Depois faz sinal à Paige, como se esta não passasse de uma moça

de recados, e trata de a pôr a trabalhar, mandando ‑a descobrir um Starbucks antes que ela, Veronica, dê em doida.

A Paige lança ‑me um olhar discreto e mima «Deve estar a gozar comigo».

— O que vai querer? — pergunta ‑me a Veronica.Estendo a mão, com a palma para a frente. — Não, eu estou bem, obrigada.Na verdade, só não quero contribuir para o ato de equilibrismo

que com certeza a Paige terá de fazer para trazer as bebidas. E, como era de esperar, ela recebe uma lista com o que é preciso trazer para as duas assistentes da Veronica, as quais acabaram de aparecer, esbeltas e efervescentes, qual das duas a mais convencida, ambas bonitas e exibindo a conta bancária dos respetivos papás desde os cabelos pintados até às cintilantes unhas dos pés.

O que se passa aqui? Será que a Paige e eu acabámos de nos tornar assistentes da Veronica também?

Engulo o meu desapontamento; o meu amável sorriso profis‑sional permanece intacto, embora esteja a tornar ‑se mais difícil man tê ‑lo assim. Gosto do meu emprego. Gosto de criar um evento memorável para os meus clientes, mas de vez em quando apanho um assim, no qual não consigo aplicar a minha criati‑vidade.

Quando a Paige sai do raio de alcance da nossa voz, digo num tom respeitoso e calmo:

— Sabe, a Paige tem olho para estas coisas. Pode ajudar a sério na decoração.

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A Veronica atira a cabeça para trás majestosamente e solta um risinho delicado, de modo a não alterar a aparência extraordinaria‑mente suave da sua pele. Não sei bem como interpretar aquilo, o riso dela, mas o facto é que deixa um sabor amargo na minha boca.

Olho para ela quando sinto a sua mão a tocar ‑me no ombro.— Tenho a certeza de que ela é útil — diz a Veronica com um

brilho nos seus olhos de um azul profundo. — Mas hoje é perfeita como rapariga do café. Venha. Vou mostrar ‑lhe o que pretendo fazer com o arco.

Ena. Por falar em sabor amargo...

* * *

Muito tempo depois de a Paige regressar com o café, estamos ambas a ouvir as insistentes exigências da Veronica e a aguentar a sua personalidade superior. Mas parece que eu sou a única das duas que consegue não dar importância àquilo. Pelo menos, à maior parte.

— E eu que julgava que a Cassandra era má — resmunga a Paige muito baixinho. Ata mais uma fita comprida à volta das costas de uma cadeira.

Eu ato uma fita às costas da cadeira ao lado, depois enfio um dedo por trás da faixa acetinada para endireitar o tecido enrugado por baixo.

— São ossos do ofício — respondo, também em voz baixa. — Tens de aprender a não dar importância.

— Não sei como aguentas — diz ela, endireitando ‑se, com os lábios comprimidos de frustração.

Por vezes, nem eu sei, mas lá me aguento.A Veronica aproxima ‑se, com uma prancheta apertada contra

os seios.— Suponho que isto é tudo o que podemos fazer até os meus

pais chegarem — afirma. — Devem cá estar por volta das seis, por isso acho que podemos todas fazer uma pausa até essa altura.

— Obrigada, mas tenho muito que fazer — respondo. — Tele‑fonemas e...

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— Como queira — atalha a Veronica, rodando o pulso —, mas se esses telefonemas têm algo a ver com o casamento, eu tenho tudo sob controlo.

Limito ‑me a olhar para ela, surpreendida e sem gostar nada do que estou a ouvir.

A Veronica sorri com um ar importante; as suas assistentes estão ao lado dela, com os olhos fixos nos respetivos telefones.

Com o meu famoso sorriso artificial, cerrando ferozmente os dentes por trás dos lábios fechados, digo:

— Já ligou à empresa de catering e...— Ainda não, mas é o próximo ponto na minha lista de afazeres

— interrompe ela de novo. — Faça uma pausa, rapariga. Tem cara de quem está a precisar.

Tenho a certeza de que aquele último comentário não foi feito com a mais amável das intenções, mas, como tudo o resto que não me agrada nela, deixo passar. A Paige não é tão indulgente e fixa a Veronica com o olhar chamejante. Ponho ‑me rapidamente à sua frente, para distrair a Veronica antes de que esta se aperceba.

— Agradeço a ajuda — digo ‑lhe —, mas não se preocupe com os telefonemas. Eu trato disso. Vamos acabar o que falta fazer aqui e depois seguirei a sua sugestão de gozar uma pausa.

Sorrio, esperando que a Veronica morda a isca. Quero afastá ‑la o mais possível dos preparativos... e dos fornecedores.

A Veronica, que provavelmente não está habituada a ser batida uma vez, quanto mais duas, em poucas horas, remexe o interior da boca com os dentes e fica a olhar para mim, sem palavras e num silêncio desaprovador. Por fim, diz qualquer coisa acerca de precisar de se ir estender ao sol e parte com as suas assistentes, pavoneando as suas ancas de ampulheta pela coxia central fora, como se fosse ela quem vai casar amanhã.

— Juro ‑te, Sienna — diz a Paige, — tenho a sensação de pre‑cisar de um duche cada vez que ela está a menos de metro e meio de mim, para não apanhar «arrogancite».

Como melhor amiga da Paige eu teria de concordar com aquilo, mas, na minha qualidade de chefe, opto por ficar calada em vez de deitar mais achas para a fogueira.

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— Faz ‑me um favor — peço à Paige —, telefona aos forne‑cedores para garantir que está tudo a correr como previsto. Vou terminar aqui e verificar mais algumas coisas, não vá a Veronica ter tido mais ideias.

— Estou um passo à tua frente — replica a Paige. — Estava a pensar na mesma coisa.

* * *

Mais tarde, consigo arranjar tempo para uma curta pausa e dou por mim na praia com minha máquina fotográfica. O Havai é demasiado belo para não o fotografar, pelo que sacrifico o almoço para aproveitar enquanto posso. Quando me aproximo do sítio onde a Veronica está sentada na toalha, com as pernas longas e bronzeadas esticadas diante de si como pistas de aterragem, tenho o cuidado de guardar a distância. Quero apenas captar algumas imagens dos surfistas a cavalgar as ondas. Do grupo fazem parte alguns rapazes — e raparigas, provavelmente namoradas deles. São todos altos e bronzeados, e parecem saídos das páginas de uma revista havaiana.

O ar é cortado por guinchos, quando as assistentes da Ve ro‑nica são salpicadas por uma onda pequena, mas turbulenta. A Ve‑ro nica atira delicadamente a cabeça para trás e ri como uma aspi ‑rante a estrela de cinema dos anos cinquenta, e eu sinto ‑me subi tamente envergonhada, embora não esteja sentada junto dela.

Concentro ‑me de novo na lente da minha máquina, quando outros dois rapazes do grupo se dirigem para a ondulação, sobra‑çando as suas pranchas de surfe.

Clique, clique, clique.De repente, o rapaz alto, com um corpo bem feito metido

num fato de surfe vermelho e preto, olha brevemente na minha direção. Através da lente, vejo os seus olhos fixar ‑me a direito e inspiro bruscamente, afastando a máquina do rosto, com uma pontada de constrangimento a contrair ‑me o estômago. Espero que ele não ache que eu estava a fotografá ‑lo, embora estivesse mesmo.

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Mas talvez ele não estivesse a olhar para mim — afinal, estou do outro lado da praia. Embora tenha a certeza de que, sendo eles surfistas e tudo, têm constantemente turistas a tirar ‑lhes fotografias.

Fico a observar o grupo por algum tempo, vendo ‑os surfar as ondas. Diz ‑se que a Costa Norte é o melhor lugar para surfar no Havai, mas suponho que estava à espera de ver ondas gigantes e corpos a desaparecer por baixo de um assustador e imponente túnel de água, apenas para emergirem do outro lado perante os arque‑jos de admiração dos espetadores. Isto não é tão enervante, mas não deixa de ser impressionante. Duvido que conseguisse equilibrar‑‑me numa prancha por mais do que alguns segundos, mas aqueles rapazes fazem isso parecer fácil.

O tipo do fato vermelho e preto emerge da água e caminha para a praia com a prancha de surfe entalada debaixo do braço. Olha na minha direção enquanto avança, passando a mão pelo cabelo castanho ‑dourado molhado. O meu coração bate um pouco mais depressa. Creio que... sim, ele estava mesmo a olhar para mim.

O constrangimento regressa com toda a força, acompanhado por um rubor quente que se espalha pelas minhas faces.

A Veronica põe ‑se em pé, sacudindo areia dos dedos, e dirige ‑se para o grupo, com o traseiro, pequeno e redondo como uma bolha, a saracotear ‑se sob a parte de baixo do biquíni preto, enquanto se desloca sobre a areia.

Um pouco perplexa com aquela decisão repentina e ousada, fico a vê ‑la aproximar ‑se do rapaz do fato preto e vermelho. Ele encara ‑a, sorri e acena com a cabeça. A Veronica enrola a extremi‑dade de uma madeixa comprida e escura na ponta de um dedo, inclinando a cabeça pudicamente para um lado.

Trocam algumas palavras.Depois, mais algumas.O sorriso do surfista desvanece ‑se. Terá acabado de franzir o sobrolho?Ui, ui.Os braços da Veronica sobem e param numa posição fechada,

cruzados sobre o peito.

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O rapaz meneia negativamente a cabeça com um olhar de... será nojo?

Inclina ‑se e pega de novo na sua prancha de surfe, virando as costas à sua interlocutora, depois encaminha ‑se outra vez para a água.

A Veronica roda furiosamente nos calcanhares e marcha para junto da sua toalha e do seu saco de praia, com a expressão mais ofendida que jamais vi. Agarra bruscamente na toalha, enfia os pés nos chinelos, levantando uma pequena nuvem de areia em torno dos dedos dos pés, e prepara ‑se para partir, vindo direita a mim.

— Inacreditável! — exclama, ao aproximar ‑se. — Os habitantes locais são malcriados, disso não há dúvida.

Enfia raivosamente a toalha no seu saco de praia de lona.— O que aconteceu? — pergunto.— Ele foi uma besta. Foi isso que aconteceu. Cada vez mais perplexa, fico a olhar para ela com curiosidade

por um momento. Uma parte de mim interroga ‑se sobre se ela estará de facto quase a chorar, mas o resto de mim apenas quer saber o que ele poderia ter dito a uma pessoa como ela para lhe despertar o choro. As assistentes chegam apressadamente, mas não são elas quem vejo quando levanto os olhos: o surfista do fato ver‑melho e preto está a olhar de novo para mim, e de repente tenho vergonha de estar ali com a Veronica.

Desvio rapidamente o olhar, e ele faz o mesmo.— Suponho que não gostam de turistas aqui por estes lados —

diz ela. — Aconselho ‑a a ter cuidado.E ruma em direção ao hotel, deixando ‑me na praia. O surfista

não volta a olhar para mim e, embora provavelmente até seja melhor assim, pois estou aqui para trabalhar, não consigo evitar ficar aborrecida por isso.

* * *

Passo a meia hora seguinte sozinha na minha suíte, na expeta‑tiva de receber um telefonema da Veronica a qualquer momento, informando ‑me de que os seus pais chegaram. A Paige enviou ‑me

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uma mensagem de texto a comunicar que conseguiu finalmente falar com todos os fornecedores e que tudo está a correr como previsto. Sentada na varanda, com as pernas encolhidas na cadeira, contemplo a vista e deixo a minha mente divagar acerca de todas as outras coisas que podia estar a ver, das coisas bonitas que podia estar a fotografar. Antes de vir, passei uma semana a estudar foto‑grafias do Havai na Internet, sonhando em ver todos e cada um dos lugares majestosos através da minha lente: as imponentes cataratas, as vastas montanhas verdejantes, o fogo dourado do Kilauea, e tam‑bém as baleias e os dançarinos do fogo. Mas tudo o que vejo quando volto à realidade são as paredes de vidro da capela a fechar ‑se sobre mim, os frascos de compota decorativos pendurados precariamente das árvores, as fitas cor de lavanda atadas à volta das cadeiras e a expressão amarga da Veronica, acompanhada por sorrisos fingidos e grandes doses de vaidade e piedade.

O meu telefone vibra contra o tampo de vidro da mesa, arran‑cando ‑me aos meus pensamentos.

Baixo os olhos para o ecrã, esperando ver o número da Veronica, mas constato com surpresa que é a minha mãe.

— Olá, mãe — digo alegremente.— Olá, querida — responde ela com doçura ao meu ouvido.

Tenho vinte e dois anos e ela ainda fala comigo como se fosse uma miudinha de dez, e provavelmente continuará sempre a fazê ‑lo. — Presumo que o voo correu bem. Há quanto tempo chegaste?

— Apenas há umas horas. — Afasto o telefone da orelha e passo o dedo sobre o ícone do altifalante. — Ia ligar para si, mas fiquei agarrada à cliente.

Pouso o telefone em cima da mesa.— Então, que tal é o Havai? — indaga a minha mãe com grande

interesse, o altifalante a crepitar ligeiramente com a sua voz.Sinto ‑me mal por ela não estar aqui comigo; adoraria ter podido

trazê ‑la. Ela não viu grande coisa além de San Diego, nos seus quarenta e três anos de vida.

— É lindo — respondo. — Bem, pelo menos o pouco que vi.— Tenho a certeza de que vais arranjar algum tempo para explo‑

rar — diz ela. — Levaste a tua máquina, não levaste?

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— Sim, a mãe sabe que a trago sempre. — Tenho tanto orgulho em ti, Sienna. Pego de novo no telefone e seguro ‑o contra o rosto, equilibrado

entre as pontas dos dedos.— E o teu pai também — continua ela. — Conseguiste um

ótimo emprego, com regalias que a maioria das pessoas que já tra‑balham há vinte anos nem sonham. Temos mesmo muito orgulho em ti.

Sorrio. Nada me faz mais feliz do que saber que os meus pais, que tiveram uma vida tão difícil antes de eu nascer, e ainda mais difícil a partir do meu nascimento, têm orgulho no que eu fiz até agora e no que continuo a fazer.

— Obrigada, mãe. — Faço uma pausa, olhando para o mar azul infinito. — Gostava que vocês estivessem aqui. Sabe, tenho pensado muito nisso e sei que têm trabalho e tudo o mais, mas quero mesmo levar ‑vos, a si e ao pai, de férias no outono. Pensei que talvez pudéssemos fazer aquele cruzeiro ao Alasca de que a mãe sempre falou, e...

— Oh, querida — atalha ela —, sabes que não posso tirar dias de férias, e o pai também não. Temos duas hipotecas, para não falar das contas do hospital e do pagamento do carro. Não podemos dar‑‑nos ao luxo de perder dias.

O meu peito esvazia ‑se num profundo suspiro. — Eu disse que vos ajudava a pagar as hipotecas. Vivi nessa casa

a maior parte da minha vida; o mínimo que posso fazer é ajudar a pagá ‑la, agora que posso fazê ‑lo. Posso até ajudar a pagar as contas do hospital do pai...

— Nem pensar nisso! — Consigo imaginar a sua cabeça de cabelos castanhos a abanar em sinal de recusa. — Queríamos muito mais para ti do que aquilo que te pudemos dar enquanto crescias, Sienna, e raios me partam se vamos começar a privar ‑te do que ganhas com tanto trabalho e esforço. — Juro que sinto a mão da minha mãe a cortar o ar num gesto brusco. — Querida, fico realmente muito grata por quereres ajudar ‑nos, mas nós estamos ótimos e, por muito que adorasse fazer esse cruzeiro, não posso dar ao senhor Towers qualquer justificação para me despedir.

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Sei que não vale a pena discutir nada disto com ela. Já tivemos esta discussão muitas vezes, desde que comecei a ter um bom ordenado. Só queria que eles fossem mais recetivos à minha ajuda.

Suspiro novamente e passo a mão livre pelo cabelo.Ouço o sinal de outra chamada a entrar.— Tenho de desligar, mãe. É a cliente. — Está bem — diz ela, regressando instantaneamente à sua

natureza animada e sorridente. — Mas liga ‑me quando tiveres oportunidade e conta ‑me como está tudo a correr. Tenho a certeza de que vais passar um tempo maravilhoso.

— Obrigada, mãe. Ligo ‑lhe em breve. Passo o dia numa correria de deixar os nervos em franja, mal

parando para ir à casa de banho.Trabalho até muito depois de o sol ser engolido pelo Pacífico e

dou ‑me finalmente por vencida poucos minutos depois das onze. Resolvo aproveitar imediatamente. Em vez de ficar por ali depois de toda a gente se ter ido deitar, para verificar tudo três vezes, dou o dia por terminado e vou direita para a minha suíte.

Tomo um longo duche quente e momentos depois de pousar a cabeça na almofada já estou a dormir. Antes de adormecer, dou por mim a pensar no rapaz do fato de surfe vermelho e preto. Tinha um aspeto estupendo aos meus olhos; mas não é para isso que aqui estou! Talvez esteja a ficar igual à Paige.

Tiro o rapaz da cabeça e acabo por adormecer profundamente. Sonho com o temido grão de areia que todos os organizadores de eventos receiam que caia na engrenagem e estrague tudo. É um medo que está sempre presente, no fundo da minha mente.

E então acontece.

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TRÊS

Sienna

Acabo de me maquilhar e olho para o relógio ao lado da cama, só para ter a certeza de que não estou atrasada. Verifico com alívio que ainda não são sequer oito da manhã. Só sou esperada lá em baixo daqui a meia hora. Mas quando o meu telemóvel começa a vibrar na minha mão e vejo que é a minha chefe, Cassandra, uma sensação de pânico invade ‑me as entranhas.

— Estou? — Sienna — diz a Cassandra pelo telefone com uma nota fre‑

nética na voz, — o que raio se passa? — Eu... eu não sei. De que estás a falar? De repente, o meu coração bate a cem quilómetros por minuto.— A senhora Dennings ligou ‑me — explica a Cassandra — a

dizer qualquer coisa acerca de a empresa de catering pensar que só tinha de estar em Oahu um dia mais tarde... — tenho as palmas das mãos suadas — e que a banda recebeu um aviso de cancelamento? Sienna, não sei que história é esta, mas tens de me ligar assim que descobrires.

A minha cabeça parece prestes a pegar fogo. Nem posso imagi‑nar até que ponto a minha tensão arterial deve ter disparado, mas não tenho dúvidas de que deixaria qualquer médico alarmado.

— Sim, senhora. Ligo já. Tenho a certeza de que é apenas um mal ‑entendido. Tratarei de esclarecer tudo imediatamente.

— É bom que o faças. Se eu perder este cliente, tu perdes a tua comissão... e talvez mais do que isso. — O tom ácido na sua

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voz, embora mesclado de pesar por se ver obrigada a recorrer a amea ças, queima ‑me até ao tutano.

Desligo e calço as sandálias de salto alto, com as batidas do coração a ressoar ‑me nos ouvidos. Abro a porta do quarto de repelão e precipito ‑me pelo corredor até ao elevador. Quando as portas se abrem no piso térreo, acelero o passo e praticamente deslizo para o edifício onde se realizará a receção.

É um pesadelo. E, possivelmente, o princípio do fim da minha carreira. A Veronica, a Rainha Malvada de Oahu, foi por trás das minhas costas e telefonou para todos os fornecedores, mesmo depois de eu lhe ter dito que tinha tudo sob controlo, dizendo ‑lhes só Deus sabe o quê. Deve tê ‑lo feito ao fim da tarde, depois de a Paige ter concluído as chamadas que lhe pedi, pois tudo estava a correr como previsto nessa altura.

A senhora Dennings dá ‑me cabo da cabeça por uns bons cinco minutos, envergonhando ‑me à frente de pelo menos quinze pes‑soas. Eu podia dizer ‑lhe que a Veronica foi a responsável por tudo aquilo, mas agora não é o momento de apontar o dedo. Sei que tenho de aproveitar o pouco tempo que resta para tentar consertar o que a Veronica estragou.

Não há sinais da Paige em lado nenhum. Ela não faz ideia do que se passa e ainda julga que só precisa de aqui estar dentro de meia hora. Mas não me atrevo a ligar ‑lhe para vir ajudar ‑me, por‑que a conheço e é bem possível que ela piore ainda mais as coisas, dizendo algo para nos atire a ambas para o desemprego. A Paige tem muito menos paciência do que eu.

— Isto é um desastre — diz a senhora Dennings, com os lábios comprimidos de raiva. Descruza os braços e gesticula furiosamente com as mãos. Um músculo começa a contrair ‑se rapidamente ao canto da sua boca. — Contratei a Harrington Planners porque considerava que eram os melhores. E não vou aceitar nada menos do que o melhor para a minha filha. Terei cometido um erro?

O seu olhar perfura ‑me como um ferro em brasa.Tenho a boca extremamente seca. Não consigo pensar direito,

muito menos responder ‑lhe como deve ser. Preciso de ganhar tempo, embora saiba que tempo é algo muito dispendioso e fugidio

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tão em cima da hora do casamento, marcado para esta noite. Tenho de pensar em qualquer coisa, e depressa. Se não puder ganhar tempo, vou ter de manipular a situação.

— Já estou a tratar do assunto — afirmo, levantando uma mão tranquilizadora. — Não sei como isto aconteceu — é uma completa mentira —, mas vou remediar as coisas. — Começo a afastar ‑me, encostando o telefone ao meu ouvido quando o número da empresa de catering começa a tocar. — Dez minutos! — brado para a senhora Dennings, sem me deter. — Não se preocupe com nada!

Nunca na minha vida menti tanto em tão pouco tempo.Quatro minutos ao telefone com o fornecedor e, à custa de uma

boa dose de súplicas e persuasão, bem como de uma proposta para pagar uma taxa de urgência, eles lá conseguiram reorganizar a sua agenda e arranjar tempo para nós. Parto do princípio de que a Veronica lhes disse o dia errado por engano, quando lhes ligou para confirmar — nem quero saber!

Um desastre resolvido, um por resolver.Enxugo gotas de suor da testa, causadas mais pelo stress do

que pelo calor, e estou a percorrer os contactos do meu telefone, ignorando o fluxo de mensagens da Paige, em busca do número da banda, quando a Paige se aproxima em passo rápido.

— Procurei ‑te por toda parte — diz ela, o rosto franzido numa carranca.

— O que foi agora? — pergunto, exausta e com medo da res‑posta.

A Paige detém ‑se e gesticula com as mãos para cima e para baixo à sua frente, indicando as suas roupas.

— Este vestuário parece ‑te «adequado»? — Traça aspas no ar com os dedos. — Estes sapatos custam mais do que o facelift da senhora Dennings — prossegue, furiosa. — Mas não são suficien‑temente bons para ela. Acho que ela me tomou de ponta.

Levanto a mão para a fazer parar, olhando para o chão e não para os seus olhos.

Ela cala ‑se instantaneamente.— Não consigo lidar com isso agora — digo, atirando as mãos

ao ar e surpreendendo, não só ela mas também eu própria. — Paige

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— continuo, com mais calma — mantém ‑te apenas tão longe da senhora Dennings, da Veronica e do casamento quanto puderes, está bem?

A Paige pestaneja, atordoada.— Por favor — acrescento, antes que ela tenha oportunidade

de começar com perguntas. Além de tudo o resto que está a correr mal, tenho a sensação de ser a pior melhor amiga do mundo. — Vai para a tua suíte, ou sai com o empregado do bar; o que quer que te apeteça. Neste momento, não me interessa. Está bem?

Ela fica estática, com os olhos azuis cada vez mais franzidos, atónita com a minha reação.

— Mas e quanto ao... Viro ‑lhe as costas e vou ‑me embora, deixando ‑a especada, com

a sua figura escultural e as suas palavras por dizer.Não faço ideia de para onde vou, mas sei que não é para fazer

nenhuma das coisas de que devia estar a tratar. Tenho de me afastar. Preciso de limpar a cabeça. Ou de saltar para o mar e deixar que uma onda me arraste para o esquecimento, onde nunca mais seja encontrada. Devia ser mais rija do que isto! Geralmente sou boa a trabalhar neste tipo de ambiente frenético e a usar o stress como fonte de energia, em vez de permitir que o stress me consuma. Talvez dois anos a trabalhar como uma doida, a tentar prevenir desastres, tenham acabado por me cair em cima.

Afasto ‑me ainda mais do edifício, os pés a pisar betão liso até este dar lugar a areia, tornando mais difícil caminhar com as minhas sandálias de salto alto favoritas, azul ‑hortelã. É o tipo de calçado que eu nunca usaria para uma preparação de evento, mas senti ‑me obrigada a usá ‑los devido às expectativas excessivas da senhora Dennings em relação às outras pessoas.

As passadas firmes tornam ‑se instáveis e irregulares, à medida que os meus saltos se enterram na areia a cada passo. Mas continuo a avançar, deixando os sons de vozes, de veículos e doutras coisas feitas pelo homem, desvanecer ‑se ao fundo, substituídos pelo bater das ondas contra a costa. A brisa leve escoa ‑se através das árvores e dos arbustos próximos, que se tornam cada vez mais numerosos à medida que me afasto. Ouço pássaros. A areia range sob os meus

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passos. Quero desligar ‑me do mundo o tempo suficiente para res‑pirar, mas as vozes e as imagens que rodopiam tumultuosamente na minha cabeça são demasiado intensas e abafam as coisas pacíficas que a natureza tem para oferecer.

De modo tão inesperado que me tira o fôlego, o meu rastilho acaba de se queimar: caio de rabo na areia e enterro o rosto nas mãos, mesmo suadas e tudo. Os olhos ardem ‑me por causa do rímel que estou a esfregar neles, mas não me importo. Não quero saber se pareço um guaxinim quando voltar para o edifício principal; às vezes, uma pessoa tem simplesmente de se render.

— Está bem? — pergunta uma voz.Levantando os olhos dos confins das minhas mãos, deparo com

um tipo alto, espetacular, de fato de banho vermelho, inclinado para mim. É o mesmo rapaz, com o fato de surfe vermelho e preto, que ontem me olhava do outro lado da praia. O mesmo cujo olhar breve fez o meu estômago vibrar.

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QUATRO

Sienna

Embora só o tenha visto de longe, ele tem um tipo de rosto que é difícil de esquecer: maçãs do rosto bem definidas, enquadradas por uma sombra de barba por fazer. Olhos profundos, cor de avelã, que parecem conter tudo, de devoção a travessura, emoldurados por cabelo castanho ‑dourado desgrenhado, curto atrás, um pouco mais comprido em cima. Dá a impressão de que acordou esta manhã, passou a mão pelos cabelos algumas vezes e, voilà, perfeição.

— Sim, estou bem — digo sem emoção visível, limpando os olhos por baixo com as pontas dos polegares.

Puxo rapidamente a saia mais para baixo, junto dos tornozelos, para ter a certeza de que não estou a mostrar o que não quero.

— Estou a ver — diz ele, cruzando descontraidamente os braços sobre a T ‑shirt branca lisa. — Então não deve ser destes lados.

Olho para o seu vulto alto e bronzeado a pairar sobre mim e preparo ‑me para ser alvo do mesmo tratamento para turistas que a Veronica recebeu.

— O que quer isso dizer? — o meu nariz franze ‑se.O surfista sorri ligeiramente e, embora o sorriso tenha charme

suficiente para quase me contagiar, não sei ao certo como inter‑pretá ‑lo.

— Bem, as pessoas do Havai — diz ele, num tom pragmático —, quando choram dessa maneira, isso normalmente significa que algo está errado.

Encolhe os ombros.

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Pestanejo, confusa, e fico a olhar para ele por um momento.Não estou a chorar.— A sério? — digo em voz alta, com um toque de sarcasmo

na voz. — Então gostava de saber de onde acha que sou, com base nessa observação.

Normalmente não sou assim tão indelicada, mas ele apanhou‑‑me numa altura mesmo má. Os seus lábios arqueiam ‑se leve‑mente, complementando a expressão encantadora dos seus olhos.

— Não sei — replica. — Tinha esperança de que você me dissesse.

Desvio o olhar para o telemóvel, que estou a esmagar na mão. Espera ‑me novo fluxo de mensagens não lidas da Paige. Suspirando pesadamente, largo o telefone na areia ao lado dos meus sapatos, sem querer pensar em nada daquilo por agora.

O silêncio avoluma ‑se entre nós.Pergunto ‑me por que motivo ele ainda ali estará.Por fim, levanto ‑me e sacudo a areia da minha saia comprida

de seda às flores, e depois das mãos. Os meus saltos enterram ‑se de novo profundamente na areia, fazendo ‑me perder o equilíbrio. Endireito ‑me antes de chegar a cair, mas isso não o impede de me agarrar no cotovelo, à cautela. O meu estômago dá um salto quando ele me toca, mas trato rapidamente de pôr tais ideias de lado.

— Bem, então deixo ‑a — diz ele de repente, dando um passo atrás. — Seja o que for, largue o lastro. Sentir ‑se ‑á melhor muito mais depressa.

Sorri. O seu estranho conselho parece sincero e nada arrogante ou omnisciente; e isso, só por si, deixa ‑me infinitamente curiosa por saber mais a seu respeito.

Ele começa a afastar ‑se, a brisa a colar ‑lhe a T ‑shirt branca ao corpo, os pés descalços a deslocar ‑se com facilidade sobre a areia, como se fosse uma arte que ele tivesse tido tempo para dominar, mas então algo urgente cresce em mim e a minha boca adquire vontade própria.

— Estou só cheia de stress — brado, dando ‑lhe finalmente uma resposta, e ele estaca.

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Vira ‑se para mim.Baixo o olhar nervosamente para os dedos dos pés e para as

contas azul ‑hortelã que correm ao longo da tira inferior das minhas sandálias, parcialmente enterrada na areia.

Ele aproxima ‑se de novo, mas eu não o encaro. Não me sinto à vontade para o olhar. Não quero correr o risco de lhe dar a ideia errada.

— Deve ser um stress muito sério — comenta ele. — Para a deixar em lágrimas.

— Sim, suponho que se pode dizer que sim. — Espeto o dedo, em ar de brincadeira. — Mas eu não estava a chorar.

— Pois, pois... bem, você sabe onde está, certo? — pergunta ele.Olho brevemente em redor, sem mexer a cabeça. Não sei exa‑

tamente onde ele quer chegar, mas suponho que a minha atrapa‑lhação se deve principalmente ao facto de ele me ter apanhado desprevenida.

O seu sorriso suaviza ‑se em torno dos seus olhos.— Para o Havai — diz, com um ar muito sério — as pessoas

vêm passar férias para se livrarem do stress, e não para se stressarem ainda mais.

Quase me sinto mal por ter trazido os meus problemas do con‑tinente para aqui, como se fosse portadora da peste.

Por fim, encaro ‑o com um olhar mais firme. — Eu sei — digo pesarosamente —, mas não estou cá de férias. — Bem, esse é o seu primeiro erro. — Ele espeta o indicador

no ar.— Um erro inevitável — esclareço. — É o meu trabalho. — Ah. — A sua cabeça inclina ‑se ligeiramente para trás, os

lábios entreabrindo ‑se. É como se tivesse acabado de perceber alguma coisa. — Bem, está explicado — comenta, num tom de aparente alívio.

— O quê que está explicado? — O motivo por que você estava com aquela maluca ontem. Lembro ‑me de que ele viu a Veronica a falar comigo na praia,

logo a seguir a ter ‑se enfurecido com ele. Mas ofendo ‑me imedia‑tamente com a sua escolha de palavras.

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— Bem, isso é um pouco rude, não acha? — Cruzo os braços, deixando os dedos drapeados sobre os bíceps. — Já para não falar no que quer que seja que você lhe disse ontem.

Ele ri levemente, depois fita ‑me com as sobrancelhas arqueadas, mas não diz nada em sua defesa. Não sei bem como interpretar a sua atitude, mas não me agrada uma certa vibração de arrogância que ele está a irradiar, o que é uma pena, porque eu estava a come‑çar a gostar da sua companhia.

Então, ocorre ‑me uma ideia.— Isso, hum... bem, o que quer que lhe tenha dito, prova‑

velmente ela mereceu, não foi? — Encolho ‑me um bocadinho, sentindo ‑me idiota.

Ele encolhe os ombros, os braços musculosos pendendo livremente ao lado do corpo, a T ‑shirt branca a contrastar com a pele bronzeada.

Sopra uma brisa, que empurra embaraçosamente o tecido da minha saia, solto e flutuante entre as minhas pernas.

— Desculpe — digo, não ligando nenhuma à minha saia. — Devia ter adivinhado.

Tropeço de novo; estúpidos sapatos.— Mal a conheço — prossigo, apontando o dedo brevemente

para ele —, mas o pouco que vi não ajuda nada a causa dela. Ele ri e depois agacha ‑se à minha frente.Surpreendida com o movimento brusco, fico momentaneamente

incapaz de mexer seja o que for além dos olhos, que o seguem. Os seus dedos tocam ‑me levemente no pé, enquanto ele abre o pequeno fecho ‑éclair na parte de trás da minha sandália, pousa a mão à volta do meu tornozelo e puxa o meu pé para fora. E lá vem outra vez aquela contração do meu estômago, a minha pele arrepia‑‑se toda. Espero que ele não repare. Desorientada por aquele gesto, de certo modo íntimo, continuo incapaz de fazer grande coisa senão olhar para baixo, para o alto da sua cabeça castanho ‑dourada, com os lábios entreabertos e as sobrancelhas a franzir ‑me a testa. Vendo que não protesto, ele tira ‑me a outra sandália e, pouco depois, estou descalça na areia. Ele endireita ‑se, erguendo ‑se cinco centímetros acima de mim, e põe ‑me as sandálias na mão, suspendendo ‑as nos meus dedos pelas tiras finas.

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Fito ‑o com perplexidade, engolindo em seco.— Hum, então o que aconteceu ontem ao certo? — pergunto,

sen tindo necessidade de mudar de assunto e não por ter fica‑do ofen dida com a sua atitude... Não, não tinha ficado mesmo nada ofendida.

O que sentia era outra coisa.— Luke Everett — diz ele, estendendo ‑me a mão.Olho para a mão dele, depois de novo para o seu bonito rosto

cinzelado, de olhos profundos, cor de avelã, sem saber o que está a confundir ‑me mais: a maneira como ele sorri para mim ou a maneira como ele evita as minhas perguntas.

— Chamo ‑me Luke — repete ele, instando ‑me a apertar ‑lhe a mão, o sorriso cheio de charme sem nunca vacilar. — Acho que é melhor resolvermos a questão das apresentações.

Pouso relutantemente a mão na sua, e tenho imediatamente uma sensação de segurança.

— Sienna Murphy. — Muito prazer em conhecer ‑te, Sienna — diz ele, ainda a segu‑

rar ‑me na mão.Por fim, solta ‑a.— Para responder à tua pergunta — continua —, ela veio falar

comigo e, quando me pediu para a ensinar a surfar, eu respondi, tal como faria com qualquer outro cliente, que já tinha o dia todo reservado e que ela teria de marcar hora. — Ri com ligeireza, aba‑nando a cabeça. — Ela não gostou muito da resposta.

Faço uma careta, só de pensar nisso.— Vi ‑te a falar com ela, ontem — prossegue ele. — Isso preo‑

cupou ‑me um pouco. Felizmente, não és nada como ela. Teria sido uma desilusão.

Senta ‑se na areia, descansando os antebraços nos joelhos puxados para cima.

— Dás aulas de surfe? — pergunto.Ele faz um sinal afirmativo. — Sim. Não sou profissional, mas entendo ‑me suficientemente

bem com as ondas para dar lições. — Aponta na direção do hotel. — Trabalho a tempo parcial para a escola de surfe.

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Sorrio interiormente, presumindo que as raparigas que estavam no seu grupo na véspera eram provavelmente apenas clientes. Largo as sandálias e sento ‑me ao lado dele, cruzando as pernas por baixo da minha saia.

— Então calculo que não sejas apenas um daqueles surfistas convencidos e territoriais?

Ele ri.— Ná, não sou desses.— Bem, é bom saber... — sorrio ‑lhe — porque isso seria uma

desilusão.Os seus lábios alargam ‑se num sorriso suave e o seu olhar

alonga ‑se sobre o oceano.— Julgava que o surfe aqui era uma loucura perigosíssima,

como se vê na televisão? — Oh, e pode ser — replica ele. — Principalmente no inverno,

tanto nesta praia como em Laniakea. Mas dá ‑lhe tempo e verás algumas ondas grandes. Por mim, gosto de surfar quando chegam as tempestades.

Aquilo apanha ‑me de surpresa.— Isso não é perigoso? Ele encolhe os ombros. — Claro, suponho que é, mas tenho ‑me saído bem. — Não tens medo de ser atingido por um raio? Ele ri baixinho e eu sinto ‑me corar: é evidente que não sei nada

de surfe.— Teria mais medo que o meu chop se emaranhasse num recife,

ou de ficar inconsciente e afogar ‑me. Sinto os olhos arregalar ‑se na minha cara.— Oh, bem, sim, isso parece decididamente perigoso. Já pas‑

saste por uma situação dessas? — Ná — diz ele, abanando a cabeça. — Nada de grave. Faço um sinal afirmativo, aceitando a sua palavra, mas com

uma ligeira pontada de incerteza.Fico a ouvir o som das ondas a bater na costa e da brisa a roçagar

pelas árvores atrás de nós. Estico ‑me e limpo de novo por baixo dos olhos; pequenos flocos de rímel seco colam ‑se às pontas dos meus

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dedos. De súbito, não me sinto assim tão confiante quanto ao meu aspeto. Podia examinar ‑me na câmara do meu telemóvel, mas seria embaraçoso permitir que o Luke me visse fazê ‑lo.

— Às vezes gostava que o meu trabalho fosse um pouco mais descontraído, como o teu parece ser — confesso.

O Luke vira ‑se para mim, com os braços a balouçar casualmente sobre os joelhos dobrados.

— O que é que fazes? — pergunta.— Sou organizadora de eventos — explico. — Casamentos.

Festas. Tudo o que é louco, frenético e ridiculamente caro. — Não gostas? — Gosto, sim — respondo, acenando com a cabeça. — Devo

prosperar no caos, acho eu. — Rio, abanando a cabeça só de pensar nisso, pois não tenho a certeza de que seja verdade. — E o que não me falta é caos, isso é mais do que certo.

— Sim, dá para ver que sim. — Ele sorri docemente e isso a modos que me faz derreter por dentro.

— Bem, é uma profissão bem paga — prossigo, sentindo uma estranha necessidade de justificar o meu trabalho mais do que já justificara —, mas... bem, desta vez foi um desastre. — Deixo o assunto ficar por ali. Ainda não estou preparada para pensar nos outros problemas que devia estar a resolver naquele preciso momento para o casamento dos Dennings. Está a ser tão estra‑nhamente agradável estar aqui sentada com aquele desconhecido atraente. Numa praia. No Havai.

É assim que uma viagem ao Havai devia começar.Ele cheira bem. Não a água salgada ou a excesso de loção bron‑

zeadora, mas a sabonete e a pasta de dentes e a calor. Para evitar olhar para ele mais do que devia, concentro ‑me nos meus dedos dos pés, parcialmente enterrados na areia, as unhas pintadas a espreitar por entre os minúsculos grãos.

Ouço ‑o suspirar levemente ao meu lado e receio estar a maçá‑‑lo. Mas então ele deita uma olhadela rápida ao hotel e tenho a sensação de que tem onde estar em breve — sempre é melhor do que tédio, suponho.

— Quanto tempo ficas por cá? — indaga ele.

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— O casamento é esta noite e tenho de apanhar o avião de regresso para San Diego amanhã à tarde.

A suavidade no seu rosto desvanece ‑se um pouco. Faz um sinal de assentimento.

— É pena — observa, sem olhar para mim.Depois levanta os olhos, com um sorriso, mas não me encara

durante muito tempo. Passado um momento, põe ‑se em pé. Estende ‑me a mão, que desta vez aceito sem relutância, e ajuda‑‑me a levantar.

— Gostei muito de te conhecer, Sienna, mas tenho de ir andando. Dou aula daqui dez minutos.

As minhas entranhas contorcem ‑se. Não sei porquê, mas não quero que isto seja um adeus. É demasiado cedo.

Aceno rapidamente com a cabeça, desiludida, mas tento não deixar transparecer o meu desapontamento. Em apenas alguns minutos, conseguira sacudir todos os problemas desastrosos, e o stress por eles causado, para um lugar onde não tinham qualquer controlo sobre mim. E ainda não estou pronta para abdicar desse poder.

— Hei — exclamo de repente — o que querias dizer há bocado, quando me disseste para largar o lastro? Quer dizer, a frase é bas‑tante clara, acho eu, mas por que motivo a disseste?

Ele podia muito bem ter dito apenas o que a maioria das pessoas diz: espero que se sinta melhor, ou perguntar ‑me se ficarei bem, imediatamente antes de se afastar, mas não o fez, e isso intriga ‑me.

O Luke enterra as mãos nos bolsos dos seus calções de banho, os braços bronzeados e musculosos mais hirtos contra os seus flan‑cos quando encolhe os ombros. O vento despenteia ‑lhe a parte de cima do cabelo enquanto me olha, a princípio em silêncio. Tenho a sensação de que tem tão pouca vontade de ir embora como eu de que ele se vá.

— Se decidisses ficar mais tempo — diz ele, por fim —, eu podia mostrar ‑te.

Pestanejo, vagamente aturdida pelas suas palavras, que, mais uma vez, me intrigam infinitamente.

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— Mostrar ‑me? — Sim — confirma ele, com o rosto a animar ‑se de novo. —

É uma daquelas coisas que não dá verdadeiramente para explicar.Encolhe os ombros.E pensar que lhe pedira para me explicar as suas palavras sobre‑

tudo para fazer conversa, para o reter ao meu lado um pouco mais. Nunca me passou pela cabeça que algo digno de reflexão resultasse de uma coisa tão simples.

Suspiro. — Bem, quem me dera poder ficar — e quem me dera mesmo!

—, mas depois do Havai, tenho a Jamaica no programa.— Ena — exclama ele —, deves viajar imenso! É pena não

poderes desfrutar um pouco mais dos lugares que visitas. Aquilo é o eufemismo do ano.— Sim, admito que isso seria o ideal, mas pelo menos tenho a

oportunidade de visitar os sítios. A maioria das pessoas nunca o faz. Não posso queixar ‑me.

Ele encolhe novamente os ombros, e tenho a sensação de que não concorda com a minha afirmação, mas não se sente à vontade para a contestar.

Então levanta momentaneamente o olhar, pensativo.— Olha — propõe —, se tiveres algum tempo livre antes de ir,

vem ter comigo à praia e eu dou ‑te uma lição grátis. Aproximo ‑me um pouco, com as sandálias a baloiçar dos dedos

de uma das mãos, e sorrio ‑lhe, bem ‑humorada: — Não tenho de marcar hora primeiro? Ele pisca o olho, com um sorriso brincalhão que faz o meu

coração saltar no peito.— Ná, acho que consigo encaixar ‑te — replica.Uma onda de calor inunda as minhas faces, os meus olhos

desviam ‑se momentaneamente.— Está bem — respondo. — Se conseguir arranjar tempo sufi‑

ciente, vou cobrar ‑te essa oferta. — Intimamente, sei que as probabi‑lidades de isso acontecer são ínfimas, mas a simples ideia mantém ‑me o sorriso nos lábios. — Mas nada de coisas perigosas —, acrescento, num tom misto de severidade e brincadeira.

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Ele levanta as mãos. — De maneira nenhuma — replica, com um grande sorriso. —

Eu cuido de ti.Retribuo o seu sorriso.O Luke despede ‑se, com os olhos cor de avelã — a mesma cor

dos meus — a irradiar calor, sinceridade e mistério. E, ao vê ‑lo afastar ‑se, fico paralisada de confusão e pesar. Confusa devido à necessidade estranha de o conhecer melhor, que alastra no fundo do meu peito, pesarosa por ter de aceitar que não posso satisfazer essa necessidade. Ele está cada vez mais distante, na praia de areia branca, caminhando em direção ao mar e saindo da minha vida. E, com a sua ausência, o mundo real abate ‑se de novo sobre mim, como se eu tivesse acabado de acordar de um sonho, lembrando ‑me que tenho um trabalho para fazer e que o casamento desta noite tem de ser absolutamente perfeito. Já sinto a ansiedade a disparar perante a possibilidade de isso não acontecer.

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