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CAPA I bolsa 38 I www.exame.com CRIME NA BOLSA o uso DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS PARA NEGOCIAR AÇÕES É UMA PRAGA NO MERCADO FINANCEIRO BRASILEIRO. POR QUE NINGUÉM VAI PARA A CADEIA POR ISSO? THIAGO BRONZATTO arcos Torres, também conhecido por seus colegas da Bolsa de Valores de SãoPaulo como'·Delegado", tem uma missào tão nobre quanto enlouquecedora. Aos 50 anos, o economista paraense é um caçador de criminosos que operam na quinta maior bolsa de valores do mundo, a Bovespa. Um de seus prin- cipais objetivos é flagrar quem estiver comprando ou vendendo ações com base em informações que ainda não foram divulgadas ao mercado - prática mais conhecida pelo termo em inglês ínsider tra- ding. É um crime que pode levar um investidor à cadeia, e coibir esse tipo de malandragem é funda- mental para que um mercado financeiro funcione direito. Torres e sua equipe - e é aqui que o caráter enlouquecedor de slIa missão aparece - analisa· ram quase meio bilhão de transações em 2013. Ele tem a seu lado no profissionais e um avançado sistema de rastreamento que detecta qualquer ano- malia na negociação de ações brasileiras: gente comprando demais, ritmos de negócios pouco 3 de setembro de 2014 I 39

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CAPA I bolsa

38 I www.exame.com

CRIMENABOLSAo uso DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADASPARA NEGOCIAR AÇÕES É UMA PRAGANO MERCADO FINANCEIRO BRASILEIRO. PORQUE NINGUÉM VAI PARA A CADEIA POR ISSO?THIAGO BRONZATTO

arcos Torres, também conhecido por seus colegasda Bolsa de Valores de São Paulo como'·Delegado",tem uma missào tão nobre quanto enlouquecedora.Aos 50 anos, o economista paraense é um caçadorde criminosos que operam na quinta maior bolsade valores do mundo, a Bovespa. Um de seus prin­cipais objetivos é flagrar quem estiver comprandoou vendendo ações com base em informações queainda não foram divulgadas ao mercado - práticamais conhecida pelo termo em inglês ínsider tra­ding. É um crime que pode levar um investidor àcadeia, e coibir esse tipo de malandragem é funda­mental para que um mercado financeiro funcionedireito. Torres e sua equipe - e é aqui que o caráterenlouquecedor de slIa missão aparece - analisa·ram quase meio bilhão de transações em 2013. Eletem a seu lado no profissionais e um avançadosistema de rastreamento que detecta qualquer ano­malia na negociação de ações brasileiras: gentecomprando demais, ritmos de negócios pouco

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atípica antes de a operação se tornarpública, de acordo com um levanta­mento feito por EXAME. Por atípico,entenda-se um volume de negóciospelo menos 20% maior do que a médiados 12 meses anteriores. Nâo dá parasaber se houve ou não crime em todosesses casos - isso só uma investigaçãoda Comissão de Valores Mobiliários(CVM), órgâo regulador do mercadode capitais, poderia responder. Masuma movimentação tão acima da médiasugere algo estranho. Foi o que aconte­ceu com os papéis da 113S, maior pro­cessadora de carnes do mundo: doispregões antes do anúncio da compra daSeara, o volume de negociação dasações ficou 82% acima da média. Pro­curada, aJBS disse que 'fnão foi detec­tado nenhwn tipo de auormalidade quepossa configurar uma irregularidade"e que a empresa não (ffoi notificada ouchamada pela CVIVI". Uma pesquisasemelh~U1teda escola de negócios 1ns­per concluiu que há indícios de que33% das fusões e aquisições envolven­do comp::U1hias abertas de janeiro de2003 a março de 2007 teuham vazadopara o mercado. "Info1111ação privile­giada é muito mais frequente do que seimagina. O vazamento pode ocorrer aténos cursos de IVIBA. No intervalo daaula, alguém pode comentar com umamigo a operação que está tocando, eisso pode se propagar de forma inCOD­

trolável", diz Priscila I\!Iarcos Cassan­dre, autora do estudo e vice-presidentede fusões e aquisições da gestora CreditSuisse Hedging-Griffo.

ELEiÇÕES

Uma pesquisa do Centro de Estudos emFinanças da Fundação Getulio Vargas(FGV), feita a pedido de EXAME, mos­tra que nem mesmo as maiores empre­sa.." da bolsa estão imunes a lISO de in­formaçào privilegiada. É sempre maisdifícil detectar indícios de insider emações muito negociadas - por defini­ção, o grande volume de transaçõesajuda a esconder compras ou vendassuspeitas. AFGV investigou o que acon­tece nos dez dias que antecedem oanúncio de resultados trimestTais de 56empresas abertas brasileiras cujos pa-

dos principaisinvestidoresestrangeiros queaplicam na Bovespaapontam o usode informaçãoprivilegiada comoo maior problemado mercadode capitais brasileiro,segundo a Amec(l)

Fontes: I\mec. FGV. Insper. Levy g, 5alomM e UnB

I

15%têm sido a alta médiado volume denegócios com açõesque fazem parte doIbovespa no diaanterior adivulgaçãodas pesquisaseleitorais neste ano,de acordo com umum levantamentode EXAME

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investidores foraminvestigados pelaComissão de ValoresMobiliarios porsuspeitas de negociarações usandoinformaçõesprivilegiadas entre2009 e 2013. Desses,26 foram condenadosa pagar multa

informações privilegiadas na bolsa bl"asileira

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das descobertasde poços da Petrobrasentre 2001 e 2008vazaram para omercado. As açõestiveram alta igualou superior a 2% antesdo anúncio, segundoa Universidadede Brasília

dos papéis deempresas envolvidasem fusões eaquisições em 2013tiveram um volumede negociaçõesacima da médiadez dias antes doanuncio, segundolevantamentorealizado por EXAME

das ações das 56principais empresasda Bovespa tiveramoscilação atipicadez dias antes do diaseguinte adivulgaçãodos resultados.O volume de negóciosnesse dia ficou acimada média histórica,segundo a FGV

o CRIME EM NÚMEROSAs pesquisas que ajudam a quantificar o uso de

(1) Pesquisa da Assoclac<'io de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) com 15 gestoras estrangeiras

usuais, valorizações repentinas, quedasabruptas. Mas o número de problemasdetectados é chocante, coisa demaismesmo para uma equipe tão grande.Somente no ano passado, o sistema de­tectou 91 000 indícios de irregularida­des na bolsa. Praticamente a cada mi­nuto de pregão, portanto, algo suspeitoacontece. Hoje, oproblema mais preo­cupante é o ínsider tmding. "O volumede irregularidades envolvendo o llSO deillfon1Jação plivilegiada aumentou jun­to com o crescimento do mercado decapitais no Brasil", diz Torres, diretorde autOlTegulação da Bovespa.

O uso de informações privilegiadasé crime financeiro. Nada põe tanto emrisco a credibilidade de um mercadodo que a percepção de que wn pW1ha­do de ricaços bem relacionados se dábem à custa do pequeno investidor, ocoitado que é sempre o último a saber.São executivos que vendem ações desuas empresas sabendo que em doisdias será anunciado um resultado pa­voroso; investidores que sabem de umaaquisição iminente e se entopem deações da compauhia a ser comprada;gente que tem acesso à última pesqui­sa eleitoral 5 horas antes de sua divul­gação. A metodologia é extensa. "Essetipo de prática gera uma sélie de dese­quilíbrios no mercado", diz EugeneFama, economista da Universidade deChicago e um dos ganhadores do Prê­mio Nobel de 2013. O preço de urnaação é formado pelas informações queo mercado tem a respeito de uma em­presa, seu setOl~ seu país e, claro, sobreo que acontece no mundo. Por isso, écláusula pétrea para que o mercadoacionário funcíone que as empresasdeem informações relevantes a todosos investidores simultaneamente. Oinsider destró~ assim, a própria funda­ção sobre a qual o mercado de capitaisse construiu. R, sem wna bolsa forte, équase impossível desenvolver um3economia de mercado sólida.

No Brasil, os indícios de ínsider estãopor todos os lados. Em 14 das 31 aqui­sições realizadas por empresas abertasbrasileiras no ano passado, as ações depelo menos uma das companhias en­volvidas foram negociadas de forma

40 I www.exame.com 3 de setembro de 2014 I 41

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3000%das ações da empresa em 20n, a CVMabriu um processo para investigarse Michael Ceitlin, presidente da empresa.e o investidor Rafael Ferri usaraminformações privilegiadas para negociaros papéis - e se tentaram manipularo mercado para forçar uma valorização.Eles também são réus em um processocriminal. conduzido pelo MinistérioPúblico Federal com a ajuda daPolicia Federal. Em sua defesa,Ceitlin e Ferri negam as acusações.

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péis estão entre os mais negociados daBovespa. As ações de 21 delas se com­portaram de maneira estranha pelomenos uma vez. "As ações analisadassão muito negociadas. Para que um vo­lume atípico apareça, é preciso quehaja uma grande quantidade de ordensde compra ou venda fora do padrão. Porisso, considero esse dado preocupante",diz Thiago Bonato, um dos autores dapesquisa, feita em conjunto com o pro­fessor William Eid. A FGVnão divulgao nome das empresas nem os ganhosou as perdas dos investidores com asoperações, mas um exemplo ocorridoneste ano ajuda a ilustrar o estudo. Emmarço, as ações da rede de farmáciasBrasil Pharma caíram 7% um dia antesde a empresa publicar seus resultadosdo quarto trimestre dc 2013. Enll·c in­vestidores e operadores de mercado,circulava a informação de que a com­panhia publicaria um número ubastan­te negativo" - o que, de fato, aconteceu.A companhia teve prejuízo de 40 mi­lhões de reais e sua geração de caixacaiu 63%. Após a divulgação, as açõescaíram mais 11%. Segundo EXAMEapurou, o caso está sendo analisado pe­la CVM. A empresa não comentou.

Se há tipos de insider tão antigosquanto a bolsa, nenhum está tão namoda no Brasil quanto descobrir, antesda divulgação, o conteúdo de uma pes­quisa eleitoral. As ações brasileiras têmoscilado fortemente a cada pesquisa deintenção de voto - quando a chancede vitória da oposição aumenta, a bol­sa, e especialmente os papéis de em­presas estatais e de setores regulados,valoriza. Um levantamento feito porEXAME mostra que o volume de ne­

gócios realizados com ações que com­põem o Ibovespa ficou acima da médiados últimos 12 meses um dia antes doanúncio de pelo menos oito pesquisaseleitorais, realizadas pelos institutosDatafolha, lbope e Sensus neste ano.Entre 17 e 18 de junho, o volume denegócios com esses papéis aumentou113%. No dia seguinte, o lbope divul­gou que o percentual da população queavalia a gestão de Dilrna como ótimaou boa recuou de 36% para 31%, en­quanto a fatia que considera seu man-

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OS SUSPEITOSEmpresários, executivos de empresas: bancose investidores que estão sendo Investigados pelaComissão de Valores Mobiliários, pela Polícia Federale pelo Ministério Público, suspeitos de usar informaçõesprivilegiadas para negociar ações

t" r. .,(petróleo eindústria naval)

Eike Batista, dono do grupo EBX,é alvo de dois processos sobreuso de informação privilegiada.

Um investiga se ele vendeu

197 milhões de reaisem ações da petroleira OGX entremaio e junho de 2013. pouco antesde a empresa anunciar Que algunsde seus campos eram improdutivos.Os advogados de Eike negam.

Outro processo apurapor Que ele vendeu

34 milhões de reaisem papéis da companhia navalOSX, antes de uma mudançano plano de negócios, Quediminuiu o tamanho da empresa.Em sua defesa, Eike alega Quea operação foi feita para seadequar às regras de mercado.

As ações da empresa

caíram 7%em 27 de março, umdia antes de ela divulgar que haviatido um prejuízo de 40 milhõesde reais no quarto trimestrede 2013 - e Que sua geraçãode caixa havia caído

63%. A área de fiscalizaçãoda bolsa identificou indicias deoscilações atipicas, e a CVMinvestiga se há evidências de uso deinformação privilegiada. Procurada,a empresa não comentou.

Após a alta de Quase

o banco é alvo de um processoda CVM Que apura suspeitasde uso de informação privilegiadacom ações da mineradora (eX,do empresario Eike Batista. Nessainvestigação. a CVM aponta Queo fundo FIM CP LS Investimentono Exterior, administrado pelo BTGPactuai, evitou um prejuizo de

8 milhões de reaiscom a venda de papéis da companhiaem junho de 2013, antes da divulgaçãodo cancelamento da oferta defechamento do capital da empresa.O BTG assessorava Eike Batista na época.Em sua defesa, o banco diz Que o gestornão sabia da operação e que teveprejuízo com a venda das ações.

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(petróleo e gás).<

Neste ano, foram abertos dois processos na CVM contrapessoas ligadas ã empresa. Entre os acusados estão: MárcioRocha Mello, fundador da HRT. Milton Romeu Franke, atualpresidente da companhia, e dois ex-conselheiros. Segundoos processos, eles fizeram operações de compra e venda depapéis da petroleira em maio de 2012 e agosto de 2013, antesda divulgação de informações relevantes para o mercado.Numa dessas transações, Rocha Mello adquiriu

1milhão de reais em ações da HRT, Que subiram

25% nos dias seguintes ao anuncio da contrataçãode sondas para perfuração de seus poços na costa da Namibia,em maio de 2012. Os executivos negam as acusações.

Em março de 2012, JoãoAlves de Queiroz Filho, donoda Hypermarcas, comprou

41 milhões de reaisem ações da empresa dois dias antesda divulgação de um fato relevante Queanunciava a criação da Bionovis, umaassociação entre Quatro farmacêuticas,de acordo com uma investigação da CVM.A autarquia apura se houve irregularidadena transação, intermediada pelo bancoCredit 5uisse, Que também é réuno caso. Os acusados não comentaram.

Seis ex-executivossão investigados por terfeito, entre fevereiro e março de 2012,operações no mercado futuro paraproteger de uma eventual Queda asações da empresa, Que recebiam comobônus. A CVM apura se eles fizeram essastransações antes do anúncio da revisãodo orçamento das obras, Que levou aempresa a fechar no prejuízo. Entreos acusados estão Zeca Grabowsky,ex-presidente. e Michel Wurman, ex­diretor financeiro. Eles não comentaram.

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Mobiliários investigam suspeitos de negociar ações com informação privilegiada

Se o investidor tiver umlucro acima da média,poderá entrar no radarda BM&F Bovespa.A bolsa tem uma áreade fiscalização (a BSM),que analisa todasas negociações domercado e detecta sealguém fez uma compraou venda de açõesatipica. Quando issoacontece, a BSM mandaas informações paraa Comissão de ValoresMobiliarias, quedecide se valea pena investigar.

Além disso, o juiz pode condenaros acusados a prisão de um a cinco anose a pagar uma nova multa semelhanteiJ cobrada pela CVM. Mas, até hoje,ninguém foi preso por uso de informaçãoprivilegiada no Brasil. Nos Estados Unidos,há diversos casos de prisão, comodo investidor Raj Rajaratnam, quefoi condenado a 11 anos de reclusão.

Em seguida, compra ou vende ações dacompanhia tentando antecipar o que vaiacontecer quando a noticia for divulgada.

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A CVM e a BM&F Bovespa tentam descobrirse o investidor é ligado a profissionaisque podem ter passado ilegalmenteas informações sigilosas (por exemplo:se conhece funcionários da empresaque está prestes a comprar um concorrente).

Um investidor recebe uma informação sigilosa sobreuma empresa - por exemplo, que ela vai comprar um concorrente.

COMO PEGAR UM IN51DERComo a BM&F Bovespa e a Comissão de Valores

DIVIDENDOS MAIORES

A impressão de que o mercado acioná­rio é um bangue-bangue em que as leisvalem pouco pode atrapalhar O desen­volvimento de um país. O investidor- não só O pequeno, mas sobretudo oestrangeiro - fica, naturalmente, comum pé atrás na hora de colocar seu di~

nheiro num ambiente des:)es. Uma pes­quisa recente da Associação de Inves­tidores no Mercado de Capitais cominvestidores estrangeiros mostrou que.para 25% deles, o uso de informaçãoprivilegiada é o maior problema domercado brasileiro. Estudos revelamque, para atrair investidores reticentes,as empresas de países como o Brasil sãoobrigadas a oferecer dividendos maisgenerosos, o que diminui sua capaci­dade de investinaento. Ao adotar leismais rigorosas contra os crimes na bol­sa., nos anos 70, O Canadá conseguiureverter essa situação, e os dividendospagos pelas empresas abertas caíran1.

Se há tantas suspeitas de crime e seas consequências para O país são tãonefastas, por que não há mais conde­nados por comprar ou vender açõescom informaçãoprivilegiada.? O maiorproblema, pelo que EXAME apurou

dato ruim ou péssimo aumentou de27% para 33%. Procw'ado, o Ibope dis­se que "diversos fatos econômicosocorreram para levar o lbovespa a fe­char em seu maior nível do ano atéaquele momento e que não se podeatribuir Ogrande volwl1e de negóciosà divulgação de uma pesquisa eleito­ral". O diretor de pesquisas do Institu­tO Sensus, Ricardo Guedes. afirmouque a alta no volume de negócios comações do lbovespa antes da divulgaçãodas pesquisas é um movimento espe­culativo. "Eu já recebi ligações de pes­soas pedindo um 'cheirinho' da pesqui­sa a ser publicada", diz. O diretor~geral

do DataIolha, Mauro Paulino, afirmouque ·'um dos principais facilitadores daespeculação financeira é a lei eleitoral.que obriga os institutos a registrar aspesquisas cinco dias antes da divulga­ção", A CVIvI d.iz que "supervisionadiretamente O assunto", DIas nenhumcaso havia sido julgado até hoje.

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(1) Detectados pela <irea de flsc<lliz<lcao da bolsa (2) Procc~,o~ 5anc:ionadorQs. Nem todos p,miram da anális~ inicial da jf€a de

o FUNIL DO MERCADOA CVM investiga uma fração dos indícios de irregularidades

Dos dez processos de insider trading As maiores multas apiicadas pela CVM As diferenças de estrutura entreconcluídos pela CVM em 2013, por insider trading são muito inferiores a CVM e a SEC são evidentesdois resultaram em condenação as da SEC, nos Estados Unidos(% do total dos casos) (valores em milhões de dólares) Total de empresas e fundos que

~tr~cada funcionário tem de monitorar

7 Maior multa Maior multada CVM, da SEC, em

Os acusados em 2007, 2013. a BRASIL 71fizeram um -- =-- ao banco gestoraacordo -..;;;; 2 Safra SAC Capital

1 ~, • Os acusados 16 600 Estados113foram

Os acusados condenados a L- Unidos

foram absolvidos pagar multa

o curioso é que as leis que punem ocrime de insider trading sâo duras noBrasil. No limite, o condenado podepassar cinco 3Jl0S preso. Mas a verdadeé que isso nunca aconteceu. No anopassado. a CVM concluiu dez casos en­volvendo uso de informação privilegia­da - desses, sete terminaram em acor­do, e houve uma absolvição e apenasduas condenações. Um dos condenadosfoi Rafael Palladino, ex-presidente dobanco Pan (antigo PanameJicano), ven­dido ao banco BTG PactuaI em 2011prestes a quebrar. Ele foi obrigado apagar 111ulta de 877 000 reais por tervendido ações da instituição antes dedivulgar ao mercado que tomaria umempréstimo com o Fundo Garantidorde Créditos. em 2010.

Nos Estados Unidos, a SEC apertoua regulação depois da crise fin3Jlceirade 2008. Foi aprovada lima lei que des­tinou meio bilhão de dólares à SEC eao Departamento de Justiça, entre ou­tros órgãos. Depois disso, a SEC am­pliou uma parceria com o Departa­mento de Justiça e o FEl para investi­gar crimes fin3J1Ceiros. AlgtUlS agentesdo FBI se infiltraram em Wa]1 So·eet,disfarçados de gestores e investidores,para investigar suspeitos. Também ob­tiveram autorização para grampeartelefones (antes disso, a Justiça ameri­cana só autorizava grampos em inves­tigações de tráfico de drogas e terro­rismo) e apreender computadores edocumentos. Quando os casos come­çaram a ir para a Justiça, as penas setornaram mais duras - para "dar oexemplo". Em outubro de 2009, o ges­tor Raj Rajaratnam, do fundo de hedgeGalleon, foi preso e condenado a 11anos de prisão e a pagar multa de 93milhões de dólares por ter negociadoações com dicas de informantes liga­dos às empresa.... nao;; quais investia (sóem 2013, mais 14 pessoas foranl pre­sas). Em abril, a SAC Capital Advisorsfoi condenada a pagar multa de 1,8 bi­lhão de dólares à Justiça americana ede 6DO milhões de dólares à SEC pormotivos semelhantes. A SAC foi fun­dada por Steve Cohen, dono de umpatrimõnio de 11 bilhões de dólares.l'vlesmo sem ter sido acusado direta-

gação foi arquivada após o executivoconcordar em pagar multa de 200000reais. "A CV1\.1 precisa elevar as multaspara coibir a prática de insider, seguin­do os passos de mercados como O ame­ricano", diz Luiz Cantidiano, ex-presi­dente da autarquia. "Não seremos umpais evoluído se não tiven110s um mer­cado evoluido, sem essetipo de prática."

disse que investigaria o caso e pediu alista dos envolvidos na operação. Mas,até hoje, nenhum processo formal foiaberto. Apenas o então diretor de rela­ções com os investidores da Globex,Orivaldo Padilha, foi alvo de um proces­so que apurava o porquê de a compa­nhia não ter divulgado fato relevanteenquanto os papéis subiam. A investi-

Isso se deve, em grande parte, à falta de estrutura

fiscalizaçao da bolsa (3) Foi usada <I c:ot",ao do dólar do fim dI' 2007 Fontes: BI·l&F Bovl'spa. CVI", l' SEC

ços. Procurada, a Petrobras não comen­tou. O caso não foi julgado. Com a fusãoda rede de supermercados Pão de Açú­car com a varejista Casas Bahia em de­zembro de 2009, aconteceu fenômenoparecido. Um dia antes do anúncio daoperação, as ações da Globex, dona darede de eletrodomésticos Ponto Frio, doPão de Açúcal~ subiram 35%. A CVM

processos abertospela CVM(Zl

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A CVM abriu sete processospara julgar irregularidadesna bolsa no ano passado

Indícios de irregularidades(1)

sa da Universidade de Brasília apontaque as descobertas de poços da Petro­bras sào outra fonte de Ínsider. De acor­do com o estudo, há indícios de que 30%das descobertas anunciadas de 2001 a2008 vazaram antes para o mercado:nesses casos, as ações da estatal tiveramalta igualou superior a 2% dez dias an­tes de a empresa divulgar os novos po-

com duas dezenas de banqueiros, ad­vogados, professores, analistas e ges­tores de fundos, é a falta de estruturada CVM para investigar os indícios deirregularidades. A autcuquia é respon­sável por fiscalizar e regular o merca­do financeiro brasileiro - soberana,portanto, na hora de dizer se houve ounão crime em casos de informaçãoprivilegiada. A tarefa é incompatlvelcom o pífio aparato que a CVM tempara cumpri-la. A autarquia tem cercade 20 analistas para fiscalizar 363companhias abertas e quase 600000investidores individuais. Nos EstadosUnidos, pelo menos 1000 técnicos daSecurities and Exchange Comission(SEC) ficam de olho nas irregularida­des do mercado de capitais.

FALTA TECNOLOGIA

O mercado americano é muito maiordo que o brasileiro, mas a diferença deesu'utura é gritante mesmo em termosrelativos. Em seu relatório de gestão de2008, aCVM somou todos os seus ftm­cionários e concluiu que cada um delesera responsável por analisar 71 fundose empresas abertas, enquanto nos Es­tados Unidos essa proporçào era de umpara 13. Aautarquia também sofre coma defasagem dos sistemas de tecnolo­gia. Em 2006, o Tribunal de Contas daUnião recomendou a instalação "ur­gente" de um sistema eletrônico quepermitisse a análise dos negócios rea­lizados por investidores em tempo realna bolsa. O pedido só foi atendido em2012, e o sistema está sendo adaptadoaté hoje. "Damos ênfase aos casos emque os indicios (de in·egularidades) sãomais claros, em que os volumes envol­vidos são mais relevantes e em que asoscilações de preço são mais expressi­vas", diz Leonardo Pereira, presidentedo órgão regulador. Ele informou quea CVM foi ;'autorizada a conh'atar 69candidatos aprovados no ültimo con­curso". "Vamos alocar esse contingen­te em áreas onde claramente pode ha­ver aperfeiçoamentos de processo.Parte desse efetivo será direcionada àsftmções de supervisão e fiscalização."

Aquantidade de casos ignorados pe­la CVM é impressionante. Uma pesqui-

CAPA I bolsa

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PARA ~ELE, ESTATUDO BEMI

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CAPA I bolsa

mente, Cohcn enfrenta processos quepodem proibi-lo de administrar di­nheiro de terceiros por toda a vida.

Nos últimos anos, a CVM bem quetentou pa.recer mais agressiva em suasinvestigações. Assinou acordos de co­operação com O Ministério PúblicoFederal, em 2008, e com a Policia Fe­deral, em 2010 - que também podemrealizar escutas telefônicas e apreen­sões. Mas, de lá para cá, houve apenasuma operação da PF para desmantelaruma suspeita de uso de informaçãoprivilegiada e DUO'OS crimes envolven­do as ações da fabricante de alicatesMundial. Até hoje apenas duas pesso­as foram condenadas por uso de infor­mação privilegiada pela Justiça brasi­leira. Luiz Gonzaga Murar Júnior,ex-diretor de finanças e relações cominvestidores da empresa de alimentosSadia, e Romano Ancelmo FontanaFilho, ex-membro do conselho de ad­ministração da companhia. foram acu­sados de comprar ações da Sadia nabolsa de Nova York antes do anúncioda oferta pela concorrente Perdigão,em 2006. A investigação foi iniciadapela SEC nos Estados Unidos - e con­tou com a ajuda da CVIVI. Os executi­vos foram condenados a pagar multasde 254000 a 303000 reais e à prisãoem regime aberto. conveltida em pres­tacão de trabalhos sociais.

São condenações que dificilmentese encaixariam no tipo destinado atransmitir medo entre aqueles quepretendam usar informações privile­giadas. Atualmente, segundo os exe­cutivos do mercado ouvidos porEXAME, o crime compensa. Mesmoquem é pego no flagra se safa com umacordo - c, pelas regras do acordo,não se decla.ra a culpa ou a inocênciado réu. Como é um crime movido ex­clusivamente pela ganância, chegou­-se à conc.1usão em países como Esta­dos Unidos e no Reino Unido queapenas punições que de fato doam nobolso podem inibir outros de fazer omesmo. Visto dessa ótica, nenhurnprocesso em curso na CVl\1 carregatanta expectativa quanto o que inves­tiga O empresário Eike Batista.

Entre maio e junho de 2013, Eike

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LEONARDO PEREIRA,PRESIDENTE DA CVM,ELOGIA O TRABALHO DOSINVESTIGADORES QUEANALISAM AS OPERAÇÕESSUSPEITAS NA BOLSAE DIZ QUE AGE SEMPREQUE NECESSÁRIO

...Afrente da Comissão de Va­

lores Mobiliários desdenovembro de 2012, Leonar­

do Pereira, ex-vice-presidente fi­nanceiro da empresa aérea Gol,diz o que leva a CVl\.f a investigarsuspeitos de negociar ações cominformações privilegiadas. Ele deua seguinte entrevista por e-mail.

Qual é sua avaliação a respeitodas investigações da CVM desuspeitas de uso de informaçõesprivilegiadas? O númerode processos é adequado?É função da CVM regular e fisca­lizar o mercado de capitais noBrasil. Também é importante des­tacar O trabalho de investigaçãoem parceria com o Ministério Pú­blico Federal e a Policia Federal,nas esferas civil, pública e crimi­nal, que vem sendo ampliado efortalecido. A questão quantitati-

va é consequência de estarmosfacadas em desenvolver um tra­balho sélio, concreto e da melhormaneira possíveL

Executivos de mercado criticama atuação da CVM. Um estudode 2009 mostra que há indiciosde que algumas descobertasde campos de petróleo e gásda Petrobras vazaram antespara alguns investidores.A CVM já analisou isso?A CVM acompanha e analisa asinformações e as movimentaçõesenvolvendo o mercado como umtodo e, sem pre que necessário,toma as medidas que são cabí­veis. Os processos administrati­vos abertos pela autarquia quetenham a Petrobras ou qualqueroutra companhia aberta envolvi­da podem ser acessados em nossosite, se já forem públicos.

Nem sempre a CVM pede àsempresas envolvidas em fusõesou aquisições que enviem o nomedos profissionais que participamdo processo. Não é uma brechaque pode facilitar o uso deinformação privilegiada?O uso de informação privilegiada écrime e trata-se de um dos pontosque devemos sempre fiscalizar. Éuma irregularidade que atrapalhao bom andamento do mercado.Nosso papel, além de regular, é fis­calizar. Dessa forma, sempre quenecessário ou útil, a CVM analisaeventuais operações realizadas poradministradores de companhiasabertas - e todas as informaçõespertinentes ao negócio -, inclusivenas apurações de uso inde,>ido deinformação privilegiada.

Écomum que os analistas dascorretoras visitem as empresas

que acompanham e troqueminformações com os profissionaisda companhia. Fazendo isso,podem ter acesso a dados queoutros colegas não têm. Como aCVM regula esse tipo de prática?A instrução CVM 358/02 regula,entre outros assuntos, a divulgaçãoe o uso de irúormações sobre ato oufato relevante relativo às compa­nhias abertas. A divulgação de in­formação relevante a analistas antesda divulgação por meios oficiaisrepresenta uma infração à lei e aessa instrução. Uma vez identifica­da, torna-se passivel de apuração deresponsabilidades. Para essa identi­ficação são utilizados meios como oacompanhamento do mercado, amovimentação dos papéis e a fisca­lização da conduta dos participan­tes. A CVM solicita esclarecimentostão logo identifica a ocorrência depossível vazamento de informações.

vendeu ações da OGX pOllCO antes dea empresa anunciar que boa parte deseus campos era economicamente in­viável (de lá para cá, as ações caíram76% e valem hoje 19 centavos na Boves­pa). Em setembro de 2013, voltou avender pouco antes de ele próprio di­vulgar que não tinha recursos suficien­tes para capitalizar a companhia, umcompromisso assumido em outubro doano anterior. Para a CVI'vI, Eike lucroupelo menos 124 milhões de reais com aoperação. Ainda em abril de 2013, oempresário vendeu ações da OSX qua­tro dias antes de o conselho de admi­nistração aprovar uma mudança noplano de negócios, que incluía umasérie de cortes de funcionários e encer­ramento de projetos. A decisão só foi

AS LEIS QUEPUNEM OIN51DERNOBRASIL SÃODURAS. MASA APLICAÇÃOÉ BRANDA

comunicada ao mercado em maio.quando os papéis da empresa caíram27%. Ao vender antes, Eike evitou umprejuízo de 10,5 milhões de reals, tam­bém de acordo com a CVM. Ele negaas acusações. Se for considerado culpa­do, pode ser condenado a pagar nmltade quase 400 milhões de reais - equi­valente a três vezes o lucro que obtevecom as negociações supostamente ile­gais - e à prisão por até cinco anos.Eike não deu entrevista. Aqueles 91 000indicios de irregularidades na bolsadetectados no ano passado por MarcosTorres e sua equipe se transformaramem 185 processos. Quase um quartodeles era suspeita de insider trading. ACVM abriu sete investigações em 2013.É dificilnão ficar frustrado.•

3 de setembro de 2014 I 49