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BAAL ZINE TILI TONSE MUKTADHARA GUARDAR ÁGUAS TEATRO NO ALENTEJO MÁRIO BARRADAS VALSA N.º 6 nº 04 dezembro 2006 | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo nº 04 dezembro 2006 | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo

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���BAALZINE

Tili TonseMukTadhara Guardar ÁGuasTeaTro no alenTejoMÁrio Barradas Valsa n.º 6

nº 04 dezembro 2006 | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo

nº 04 dezembro 2006 | Baal 17 - Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo

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0� Agora Digo euDesbocado Doidinho tem uma amiga cujo filho quer ser actor, ou melhor: Um mal governado.

04 Baal DiárioMarco Ferreira, na Finlândia, e Telma Saião, na Índia, relatam na Baalzine, o diário das suas experiências profissionais, sociais e pessoais.

06 Baalolhares Virgínia Fróis, Tiago Fróis e Pedro Conceição, da associação Oficinas do Convento, deitam olhares à comunidade de oleiras de Cabo Verde.

09 Baal DossiêHá Teatro no Alentejo Em �975, o Cendrev – à altura centro Cultural de

COMPANHIA FINANCIADA POR

Teatro. Alentejo. Teatro Alentejano?Para que serve a arte de Aristóteles numa das regiões mais pobres da zona euro? Dinheiros públicos mal gastos nos tempos que correm? Ainda se fosse como o La Féria (que por sinal é alentejano de Vila Nova de São Bento), com casas cheias, Amálias, e sem um cêntimo do orçamento de estado…A cultura constrói-se pela adição e não pela subtracção. Muito menos pela mercantilização ou por qualquer indicador macroeconómico. Nunca a peso.Uma cultura viva tem, obrigatoriamente, de beber na comunidade onde se insere. Tem também de olhar para o exterior e efectuar uma leitura atenta do mundo. Acima de tudo tem de contribuir para um saudável [e suportável] desconforto aquando da confrontação com o público – nos temas, nas formas, nas palavras…Aqui, hoje, neste terço de Portugal, trabalham milhares de profissionais da cultura (actores, músicos, bailarinos, artistas plásticos, escritores, produtores culturais, técnicos de

cultura, etc., etc., etc.). Tremendo valor acrescentado para a região. Para a sua valorização enquanto espaço moderno. Com a famosa “massa crítica” presente e cada vez mais a olhar para além da linha de fronteira. Entre eles, pois claro, a gente do Teatro. Essa fauna incomparável. 7 Estruturas Profissionais financiadas de forma sustentada pelo Instituto das Artes. Mais 9 outros grupos profissionais. Dezenas de grupos de teatro amador. Um mar de gente neste imenso Alentejo.Gente que teimosamente trava uma luta, por vezes bastante inglória, pelo reconhecimento da pertinência do Teatro, e da cultura claro está, no desenvolvimento do Alentejo. Não só ao nível da transformação de mentalidades, mas também como efectivo desenvolvimento económico. A riqueza gerada pelo sector cultural, 2,6% do PIB, supera por exemplo a riqueza gerada pela indústria automóvel e pelo sector imobiliário. Se atendermos ao valor inscrito em orçamento de estado para a cultura pelo governo da República Portuguesa, 0,47% do PIB, não é necessário dizer mais nada, pois não? Em relação à precariedade dos artistas e demais profissionais da cultura? Olhemos as palavras do caríssimo colunista Desbocado Doidinho. E mais não se escreve, por pudor.Felizmente nem tudo são espinhos.Está a nascer o Sol no Alentejo…

Rui Garcia

P.S. – Caro(a) leitor, tenha um 2007 cheio de Cultura e Teatro. Em Festa. Por aqui iremos tentar contribuir para que este nosso desejo se torne realidade.P.S. II – Um abraço do tamanho do mundo para o Mário Barradas.

FICHA TéCNICA

Propriedade: Baal �7 – Companhia de Teatro na Educação do Baixo AlentejoCine-Teatro Municipal de Serpa Apartado ��� 78�0 Serpawww.baal�7.comTelefone: �84 549 488E-mail: baal.�[email protected] [email protected]ção: Sandra Serra Colaboram nesta edição: Carla Ferreira, Cendrev, Marco Ferreira, Pim Teatro, Rui Gracia, Rui Ramos, Teatro ao Largo, Teatro do Mar, Telma Saião, Tiago Fróis, e Vírginia Fróis.Concepção gráfica: Verónica Guerreiro Bloco d, design & comunicação (www.blocod.com)Impressão: Gráfica Comercial, LouléPeriodicidade: Sai três vezes por ano Tiragem: �000 exemplares

Évora, abria as portas à descentralização teatral no Alentejo. Hoje, são �6 as companhias profissionais, sete delas sustentadas pelo Ministério da Cultura.

�7 BaalTeatro Caldo Verde é a primeira peça de teatro original de Rui Ramos, director artístico da Baal �7.

�9 Baal. com Livros Dois livros, duas formas de, também, dizer Alentejo.

�0 Baal em Banho Maria “A História Maravilhosa da Cidade de Bronze” e “Valsa n.º 6”, as novas produções da Baal �7, em Banho Maria.

Colectivo Baal 17: Da esquerda para a direita: Rui Ramos, Sandra Serra, Marco Ferreira, Ana Antão, Rui Garcia, Sónia Botelho. De pé: Telma Saião e Paulo Troncão.

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OS MAL--GOVERnADOS

A minha amiga Filomena tem um filho que quer ser actor. Isto, de um filho, ainda para mais único, querer ser actor é uma desgraça para qualquer mãe. Mas para a Filomena é deveras trágico.

- São todos uns mal governados – diz ela aconselhando o filho quando este sonha com o seu futuro profissional.Eu não sei como é no resto do país mas na minha terra “mal governado” é aquele que não se sabe governar a si próprio, que não se sabe orientar na vida.À primeira vista, “mal governado” poderia ser aquele que vive sob um mau governo, ou seja, que vive num país onde o Governo não sabe governar, que vive portanto num país mal governado.Mas voltemos à Filomena. Ela sabe que se o seu filho vier a ser actor, não lhe vai pôr os olhos em cima com muita frequência nos próximos anos. Mas vai continuar a favorece-lo financeiramente por muito tempo. Eu cá não sei como é, mas a Filomena, desde que o filho apareceu

com esta ideia, informou-se e agora diz-me que: - A maior parte das pessoas que tem esse emprego nunca arranja trabalho certo, anda de um lado para o outro, trabalha três meses aqui e três meses ali e corre o país de lés-a-lés. - Mas ganham bem, essa é que é essa. Ganham bem e fartam-se de passear. - Qual quê?! Não ganham nada. Eu que passo a ferro para fora ganho mais do que ele algum dia vai ganhar. Sem despesas e descansadinha em casa. E se se me acabar a roupa jogo-me a outra coisa que a mim não há trabalho que me enoje. Mas esses “artistas”?? é como os drogados, quando entram nessa vida já não podem sair, coitados, não sabem fazer mais nada. E quando adoecem? Como é que é? Ahm?? - Diz-me tu que eu não sei. Eu

quando adoeço meto baixa e fico em casa.

- Metes tu. Achas que eles podem

meter baixa? Não

podem. Se mete um baixa, metem todos, que o espectáculo é assim, não pode parar. E mesmo que pudessem… Eu informei-me. A maior parte trabalha com uma coisa que eles chamam “recibos verdes” que é parecido com aquilo que há nas auto-estradas, é pra despachar, pra não dar chatices. Resultado, a maior parte daqueles que têm essa profissão – actores, se adoecem ficam por conta própria, se o trabalho acaba ficam no desemprego, e o desemprego acontece quase sempre de três em três meses ou coisa que o valha. Estás desempregado? Aqui não há subsídio pra ninguém. Arranja-te, vai pedir sopa à mãe. E os descontos? Ai, não me faças falar!! - E porque é que não se organizam? Façam greve.- Tás maluco? Não ouviste nada do que eu disse. Achas que eles vão dar-se ao luxo de fazer greve? Já viste um artista fazer greve? E quem é que se vai agora importar que este ou aquele não trabalhe, o que há mais por aí são outros para ocupar o lugar. Se é pra ficar em casa então que fique desde já. E até te digo mais: acho que se fizessem todos greve ao mesmo tempo ninguém ia reparar. Isto aqui não é o estrangeiro. Isto é um país mal governado. Ai, não era isto que eu queria dizer… Que sei eu de política? Estava a falar da profissão que o meu moço quer ter. Olha, não te digo mais nada, é uma vida pra gente mal governada. Eu não sei se a Filomena tem razão ou não. Parece-me muito estranho que as coisas possam ser assim num país do primeiro mundo como o nosso. Cá para mim é mais uma maluquice da Filomena.

Por Desbocado Doidinho

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Duas Tentações e um pneu furado.Pelo Al-Masrah Teatro, Tavira 2005

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TiLi TOnSE* UniãO PELA DiVERSiDADE

Aprender através do Teatro (ou Drama) é dar a possibilidade de sonhar, de transcender, superar limites e desbravar novos caminhos em direcção ao conhecimento, identificação e consciência do mundo que nos rodeia. Quando um aluno interpreta uma personagem ou improvisa uma situação, revela uma parte de si mesmo, mostra como sente, pensa e vê o mundo. O Teatro/Drama amplia o seu horizonte, melhora a sua auto-estima e colabora para um sentido crítico e aberto do mundo em que vive. Aprender com o teatro é uma procura de novas interpretações, é moldar o nosso pensamento de forma a construir novos significados, é usar o diálogo no sentido de ser verdadeiro, de não nos trairmos. é usar o coração.

Em Setembro de 2006, fui convidado a participar no projecto Tili Tonse*, um intercâmbio internacional na Finlândia realizado na Universidade de Ciências Aplicadas de Seinäajoki. Este projecto, coordenado pelo pedagogo Jouni Piekkari, do qual fui assistente e que, anteriormente trabalhou com a Baal 17 no projecto europeu Drama-a way to social inclusion, tinha por objectivo estudar e partilhar diferentes formas artísticas e métodos participativos utilizados no desenvolvimento cultural, comunitário e sustentável. Durante três meses partilhei o meu trabalho, a minha cultura, o meu pensamento e as minhas emoções com mais de trinta pessoas de três culturas diferentes: Zâmbia,

Finlândia e Lituânia. Os valores, a diversidade, as diferentes línguas e olhares sobre o mundo, as culturas e sub-culturas, formaram esse conjunto de aprendizagem. Um processo determinado a contribuir para uma educação sustentável assente na diversidade cultural, onde professor aluno aprendem juntos, partilham valores e, acima de tudo, valorizam o diálogo como a mais importante ferramenta.O curso (Participatory Drama and Education) foi centrado na utilização, pesquisa e aplicação de métodos participativos (Process Drama, Participatory approach/research, Future Workshop, Teatro Fórum, Playback theatre) explorando a multiculturalidade de valores, costumes e tradições e a utilização de elementos tradicionais (contos, danças, canções) na aplicação e desenvolvimento sociocultural criando diálogo entre as comunidades.Os alunos foram envolvidos num processo de grupo de aprendizagem social e emocional, aprendendo a negociar, a criar novos significados e soluções, a utilizar argumentos e valores, a partilhar pensamentos espirituais, a reflectir experiências, a usar a intuição como impulso criativo e outras capacidades essenciais em processos de educação. Durante três meses aprendi que na Finlândia o chamado paradigma construtivista na educação é a base de um sistema de ensino modelo em que os alunos não são como vasos vazios que se vão

enchendo de informação e ideologias. Eles são vistos como pontos de partida radiantes da sua própria aprendizagem, criando as suas próprias regras, interpretações e modelos de aprendizagem. Só assim o aluno tem a possibilidade de se valorizar, de se integrar harmoniosamente num grupo, num clima de liberdade onde liberta as suas potencialidades, expressando os seus sentimentos, explorando todas as formas de comunicação humana, emoções, medos e sensações, aprendendo com a diversidade e não apenas memorizando as respostas certas.

Agora, pergunto-me, o que deve então o teatro aprender para transformar-se numa arte participativa? Deve partir de nós, actores, encenadores, professores ou deve ser encontrado no público, nos alunos?O teatro (actores, encenador, público) como o conhecemos hoje em Portugal não representa mais estes valores, não entra por este caminho. é um teatro desligado. Porquê?Sempre me fascinou transportar o teatro para diferentes contextos e criar novos espaços estéticos, procurando redescobrir emoções e vidas. Vejo muitas vezes o teatro a sair para a rua, vejo também o teatro numa reunião de família ou num encontro de amigos num café. Mas, principalmente, o que me faz acreditar no teatro é observar como as pessoas se transformam em actores e, transformando-se em actores das suas vidas, estão a representar de uma

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“Todo o ser humano é teatro” Augusto Boal

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OPRESSãO E JAnAS SAnSkRiTiCheguei a Calcutá no dia 15 Outubro, com o propósito de conhecer e vivênciar o trabalho de um Grupo de Teatro do Oprimido Indiano. À minha espera, Sajana e Shoto e um cartão que dizia: Janas Sanskriti. Jana Sanskriti é o nome do grupo que há mais de 20 anos utiliza o teatro como ferramenta de intervenção social. Chega a aldeias isoladas na Índia, e com o povo desenvolve um trabalho para dar voz às suas necessidades, ajudando-os a

libertarem-se das opressões, trabalho este bastante significativo com as mulheres indianas. Começava assim a master classe sobre aquela fantástica zona da Índia – West Bengal –; tinha agora também o primeiro contacto com a população pobre, naquela que é uma das zonas mais intelectuais da Índia. Durante o percurso de jipe impressionou-me a paisagem com muitas árvores e grandes lagos, o trânsito caótico, numa estrada de carros, bicicletas, motas, autocarros, vacas e pessoas a pé. O fim do percurso levou-me ao Centro, a sede

do Janas Sanskriti, situado num local muito verde um jardim magnífico povoado por famílias – recordo o som do “hello” das crianças e as suas pequenas mãos estendidas para nos cumprimentar –. Era chegada a altura de falar com as pessoas do grupo, conhecer os outros participantes, e para perceber que me sentia em casa.A Índia estava em preparação para a Festa da Deusa Khali, festa cheia de luzes e muitos foguetes (parecia que a índia estava a ser

atacada!). Por todo o lado construíam-se grandes templos de Khali, repletos de flores, grandes tambores e muita luz.Foi neste ambiente que se realizou

o Workshop, onde iríamos aprender as técnicas de Teatro do Oprimido utilizadas pelo grupo, e onde participaram 40 pessoas vindas da Áustria, França, Espanha, Alemanha, Reino Unido, Colômbia, Argentina, EUA e Portugal. Sanjoy, o director do Janas Sankriti, acompanhado pelo seu “irmão” de luta Julian Boal, conduziu o trabalho com exercícios de dinâmicas de grupo, dança e conversas sobre as experiências do trabalho do Grupo nas aldeias e da expansão desta arte na ajuda da conquista dos direitos a quem os reivindica. Pelo facto de Sanjoy

ter pertencido à Frente Esquerda Indiana, a política esteve muito presente nas nossas discussões. E ali, compreendemo-nos, respeitamo-nos e percebemos que como pessoas de continentes diferentes e culturas distintas, partilhamos o mesmo respeito ao próximo, e a mesma vontade de mudar o mundo.No final do workshop prepararam-se apresentações sobre a opressão feita às mulheres, a pobreza e a opressão pelo poder e pela globalização, realizadas numa aldeia, numa zona isolada, e onde podemos presenciar o Grupo a utilizar as técnicas de Teatro Fórum com os habitantes locais.O dia 22 de Outubro viria a ser um dia emocionante. Mais de 10 000 pessoas, maioritariamente mulheres, reivindicando a arte pela opressão do poder, foi sem dúvida um acontecimento marcante. O Festival de Teatro do Oprimido decorreu num jardim no centro da cidade de Calcutá. Todos os dias o Festival iniciava e terminava com a apresentação de um grupo de Musica (precursão e circo), e a programação integrava Grupos de Teatro do Oprimido do Brasil, Palestina, Áustria e da Índia. E assim se passaram os dias, e as noites, em terras da Índia. Assim ficaram as emoções, os conhecimentos, as reflexões, como esta, de Augusto Boal : “Unificação e Uniformização não tem o mesmo significado, a unificação dos povos faz com que se encontrem pontos comuns mantendo a individualidade de cada ser, a uniformização dos povos transforma os indivíduos em Robots objectivo do imperialismo”.

Telma Saião

forma diferente as suas comunidades. Um cidadão actor consciente desse processo está a contribuir de uma forma criativa através do teatro para o desenvolvimento da sua comunidade. Quantas são as comunidades que ainda intervém desta forma usando as suas próprias tradições? Se queremos cultura compramos um bilhete para o teatro, para um concerto, cinema, compramos um CD ou um DVD. Para onde nos leva esta cultura globalizada e capitalista, onde pagamos a alguém para cantar, dançar e representar as histórias

das nossas vidas?“A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, essas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo.” Paulo Freire

Marco Ferreira*

*Tili Tonse significa, traduzindo à letra – Estamos Juntos, em Nyanja, uma das cerca de 70 línguas oficias da Zâmbia. Tili Tonse é também um programa internacional de intercâmbio criado em parceria entre as Universidades de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e Helsínquia na Finlândia e a Universidade de Lusaka na Zâmbia. O

projecto, em fase piloto, é financiado pela CIMO (Centre for International Mobility), uma organização tutelada pelo Ministério da Educação e Ministério dos Negócios Estrangeiros da Finlândia que encoraja a comunicação transcultural e cooperação entre os chamados países do terceiro mundo. O objectivo do programa é estudar e partilhar as diferentes formas artísticas e métodos participativos utilizados para o desenvolvimento cultural, comunitário e sustentável entre os dois países. O intercâmbio levou à Finlândia seis estudantes da Universidade de Lusaka, um professor de artes performativas que trabalharam com os alunos do curso social cultural work/project managment da Universidade de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e quatro estudantes (Erasmus) do Vilnius College da Lituânia.

*Marco Ferreira foi professor assistente convidado pela Universidade de Ciências Aplicadas de Seinäjoki e bolseiro para a especialização e valorização profissional da Fundação Calouste Gulbenkian.

MUkTADHARA – �006

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PROJECTO ARTÍSTiCO MARCA REiniCiO DA ACTiViDADE OLEiRA

O “Projecto Guardar Águas” desenvolveu--se de 27 de Março a 19 de Setembro de 2006, na localidade de Trás os Montes no Concelho da Vila do Tarrafal, na Ilha de Santiago em Cabo Verde, por Virgínia Fróis. O resultado que aqui mostramos e que se apresenta na exposiçãoO que se apresenta na exposição “Guardar Águas” corresponde aos primeiros resultados de um trabalho de Animação Cultural. São três percursos de autor, que partilham o mesmo objecto - o território e a comunidade de Oleiras - e a mesma necessidade de “guardar” a memória de um modo de vida determinado. As peças criadas, as Fotografias, de Tiago Fróis, as Esculturas de Virgínia Fróis e o Vídeo, resultado de um trabalho colectivo de Pedro Conceição com os dois criadores já referidos, são o resultado desta interacção. Esta acção teve como objectivo incentivar e

dar continuidade às práticas da Olaria de Mulheres e, deste modo, contribuir para a requalificação da vida desta comunidade. A produção da Olaria revelou a interesse destas mulheres em criar novas formas dentro da sua tradição. O trabalho foi realizado com a orientação das últimas Mestras Oleiras: Pascoalina Borges, Isabel Semedo e Saturnina Tavares, com idades compreendidas entre os 63 e 74 anos. A actividade foi retomada nas suas oficinas em Trás os Montes (Trás di Monti), seguindo o modelo tradicional. O reinício desta actividade, parada há vários anos, permitiu também a 20 jovens mulheres do lugar iniciar a aprendizagem da olaria. A laboração nas oficinas começou no final Maio e terminou em Julho, com o início da sementeira do milho e da época das chuvas.Foi recolhida bastante documentação

visual, Fotografia e Vídeo, cobrindo a actividade oleira e também o seu contexto vivencial, assim como o ciclo da cultura do milho em todas as vertentes que estão associadas a esta Arte. Tiveram particular importância no entendimento destas práticas os seguintes aspectos: a adaptação da comunidade ao território, a sua vivência, a paisagem, a geologia e a situação geográfica no extremo norte da ilha, um local árido e isolado mas de surpreendente beleza.O Projecto contou com o apoio da Câmara Municipal da Vila do Tarrafal (que suportou os custos relativos à formação das oleiras), com o aconselhamento e disponibilidade do director do Centro Cultural Português na Cidade da Praia, e como os apoios portugueses do IA -Instituto das Artes, da FCG - Fundação Calouste Gulbenkian e da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.

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“GUARDAR ÁGUAS” Três percursos de autor exploram o mesmo objecto: A comunidade de oleiras, na Vila do Tarrafal, em Cabo Verde. Fotografia, escultura e vídeo por Virgínia Fróis, Tiago Fróis e Pedro Conceição, da associação Oficinas do Convento em Montemor-o-Novo.

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A exposição “Guardar Águas” Fotografia/Escultura e Vídeo de Virginia Fróis, Tiago Fróis, Pedro conceição e João Bastos, está patente ao público na Galeria Municipal de Montemor-o-Novo e está inserida no projecto “Conversas à Volta das Margens”, iniciativa da Associação Oficinas do Convento. A mostra segue para o Palácio da Cultura Ildo Lobo, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, no dia 5 de Janeiro de 2007. Associação de Arte e Comunicação “Oficinas do Convento” teve início em 1996 e tem a sua sede no Convento de S. Francisco em Montemor-o-Novo. A sua acção desenvolve-se no âmbito das artes, com actividades no âmbito da arte pública, da paisagem e do património natural e arquitectónico. Hoje em dia, a associação conta com três departamentos distintos: Escultura, Música e Imagem. (www.oficinasdoconvento.com).

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SãO SETE AS COMPAnHiAS DE TEATRO SUSTEnTADAS nO ALEnTEJO... MAS HÁ MAiS

Em 1975, o Cendrev, à altura Centro Cultural de Évora, seria a primeira companhia de teatro profissional sediada no Alentejo. Depois disso, e aberto o caminho à descentralização teatral, várias companhias de teatro foram instalando-se ou criando raízes na região. Hoje, são sete as companhias de teatro sustentadas pelo Ministério da Cultura com sede no Alentejo, nomeadamente em Évora (Cendrev e Pim Teatro), Portalegre (O Semeador), Beja (Arte Pública), Serpa (Baal 17), Sines (Teatro do

Mar) e Odemira (Teatro ao Largo). Além das sete companhias sustentadas, trabalham no Alentejo outras nove companhias não sustentadas, a grande maioria com sede em Évora (Trimagisto; A Bruxa Teatro; Trulé- Investigação de Formas Animadas; Era uma Vez – teatro de marionetas; e Cépia – Amonte Produções), mas também em Moura (Teatro Fórum de Mora), Beja (Lêndias d’Encantar), Grândola (Associação Cultural Horas Extraordinárias Teatro de Grândola) e Odemira (3 em Pipa).

Depois do caminho iniciado pelo Cendrev, surgiria, também no Alto Alentejo, em Portalegre, “O Semedor”, em 1981, e, passados cinco anos, em 1986, seria vez de nascer em Sines, com pessoas de Sines, o Teatro do Mar, com o objectivo principal “da promoção, criação e produção teatral particularmente vocacionada para jovens audiências”. A década de 90 foi profícua no aparecimento de companhias de teatro, não só no Alentejo como também um pouco por todo o País. O ano de 1993 veria nascer o Pim Teatro, com a pura convicção de querer fazer “um teatro capaz de provocar no público experiências estéticas que sejam motor

de desenvolvimento da criatividade, que transformem as mentalidades, que alterem a forma de ver e pensar o mundo”, e o Arte Pública, o primeira companhia a surgir alargando o seu conceito estético ao das Artes Performativas. Em 1994, pela mão do inglês Steve Johnston, surgiria o Teatro ao Largo, como “um grupo de teatro comunitário para Portugal” e fundamentado na firme convicção de que o teatro profissional pertence a, e pode nutrir, cada comunidade, por mais pequena e por mais isolada que seja”. Ainda na década de 90, as companhias Lêndias d’Encantar, em Beja, e 3 em Pipa, em Odemira, juntar-se-iam ao panorama teatral no Alentejo.

Com a mudança de década, continuam a surgir novos projectos teatrais, a Baal 17, deitaria semente à terra em Serpa, no 2000, com o principal objectivo de trabalhar o mundo rural como matéria de criação artística, tornando-se na mais nova companhia teatral no Alentejo com apoio sustentado por parte do Ministério da Cultural. Na cidade de évora, três novos projectos surgiriam com o volver do milénio: Trimagisto e Bruxa Teatro, em 2001, e Cépia-Amonte Produções, em 2002. O mais recente projecto de teatro profissional a sedar-se no Alentejo, aconteceria em Moura, em 2006, com o Teatro Fórum de Moura.

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HÁ TEATRO nO ALEnTEJO Desde 1975, com a formação do Cendrev, a primeira companhia da descentralização, o panorama teatral no Alentejo tem vindo a crescer, não só no número de companhias profissionais aqui sediadas, como na qualidade do trabalho apresentado. Sete companhias

profissionais sustentadas pelo Ministério da Cultura, mais nove não sustentadas, a que se juntam mais de 20 grupos de teatro de amadores. A Baalzine falou com alguns dos intervenientes que têm contribuído para o desenvolvimento do teatro no Alentejo.

ExiSTE UMA FORMA DE FAzER TEATRO nO E PARA O ALEnTEJO?

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São diversos e variados os objectivos artísticos das companhias de teatro no Alentejo. Desde a abordagem dos clássicos, à criação de Teatro contemporâneo. Do Teatro “de arte” ao teatro social. Do meio rural como objecto de criação artística, às artes performativas. Da itinerância em busca da promoção, criação e produção teatral particularmente vocacionada para jovens audiências, ao teatro comunitário. Centremo-nos então nos objectivos de quatro das sete companhias sustentadas do Alentejo: Teatro do Mar; Teatro ao Largo; Pim Teatro e Baal 17, companhias que representam o Baixo Alentejo, o Alentejo Litoral e o Alto Alentejo. A ligação Companhia/Comunidade em que se insere é um elo delicado e dedicado. Quatro companhias profissionais; quatro identidades artísticas; variados objectivos; uma palavra inerente a todas: Comunidade. Talvez aqui resista a diferença entre parte das companhias da descentralização e as companhias “da capital”, onde tal elo não é procurado. Para o PIM-TEATRO, por exemplo, a ligação à comunidade é a sua própria razão de existência. “Estar no PIM-TEATRO é mais que trabalhar numa companhia, é abraçar um projecto artístico onde a arte e a comunidade interagem numa relação simbiótica,

porque uma tem na outra as suas raízes, a sua fonte de vida, a sua razão de existir”. E também por essa razão o PIM- TEATRO “chegou a povoações onde não havia teatro há 30 anos, com salas que não tinham as condições técnicas mínimas, onde as crianças não conheciam os mais elementares códigos da comunicação teatral e foi pela continuidade que ajudou a transformar estas realidades. Procurou fazer do espectáculo um trampolim para a descoberta das suas próprias convenções e, consequentemente, formar o público para o teatro de amanhã”. Já o Teatro ao Largo define-se exactamente como “um grupo de teatro comunitário para Portugal”, tendo a sua criação sido fundamentada “na firme convicção de que o teatro profissional pertence a, e pode nutrir, cada comunidade, por mais pequena e por mais isolada que seja. Desde 1994, centenas de representações fizeram-se em recintos públicos: no largo principal, na festa do Município, na feira de artesanato, na festa da aldeia - para os idosos em centros de dia, para as crianças na sala de aula, e para os veraneantes nas estações de veraneio da costa alentejana. Representar nestas situações é um acto de escolha. Como grupo e como indivíduos dedicamo-nos à ideia de teatro comunitário”. A itinerância, é “o sangue que dá vida ao grupo” que percorre um pouco todo o País, e, em Odemira, o concelho mais vasto do país e também um dos mais despovoados e com a população mais dispersa”, o grupo apresenta anualmente o seu espectáculo itinerante principal nas aldeias, durante o Verão, e visita cada uma das escolas de ensino básico com um espectáculo de Natal”. Na Baal 17 o trabalho com e para a comunidade onde se insere é imperativo. Para além de trabalhar, se bem que não em exclusivo, o mundo rural como matéria de criação artística, a Baal 17, para além das três produções anuais estreadas em Serpa, percorre todo o concelho com as mesmas, desenvolve um Programa de Interacção Teatral Escolar, organiza um Festival Cultural, sempre com o objectivo da intervenção com e na comunidade. E será que esta busca constante da ligação à comunidade pelas companhias, faz com que exista a “força” do desbravar caminhos, levar

“Em 13 anos de trabalho o Pim-Teatro desenvolve um teatro para crianças que não é infantil ou infantilizado mas que, pelo seu valor estético e artístico, é um teatro para todos.”

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Com Daimonian, em 2006, o Teatro do Mar alcançou a almejada internacionalização. A companhia radicada em Sines há 20 anos, mantém como objectivo fazer teatro itinerante e para um público jovem.

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a Arte mais além, lutar para que o teatro chegue a todos e a qualquer lugar, tendo para isso tantas vezes que trabalhar sem as condições necessárias ou ideais? Trazer as pessoas ao Teatro ou levar o Teatro às pessoas? Levar o teatro às pessoas é objectivo do Teatro ao Largo. De acordo com a companhia, o objectivo para os próximos anos é o “de consolidar o seu trabalho na função de um grupo de teatro comunitário acessível, dedicado a levar espectáculos de teatro enérgico e estimulante às zonas rurais. O Teatro ao Largo é um projecto a longo prazo. O grupo foi fundamentado na firme convicção de que o teatro profissional pertence a, e pode nutrir, cada comunidade, por mais pequena e por mais isolada que seja”, estando, no entanto, conscientes de que este “é um processo lento e cumulativo” e que “só uma persistência obstinada e uma fidelidade constante ao objectivo durante muitos anos, produzirão resultados permanentes”. A Baal 17, a mais recente das companhias sustentadas do Alentejo, acredita profundamente que a criação de públicos se faz com a abertura da companhia à Comunidade. A postura de ficar no palco à espera que a sala encha não é nem pode ser profícua. O trabalho nas escolas, nomeadamente nas escolas isoladas do concelho, no ensino secundário, as digressões por localidades onde por vezes nem os quadros eléctricos aguentam meia dúzia de projectores, o festival cultural Noites na Nora e mais recentemente a Mostra de Teatro Folha Caída têm também esse objectivo, o de revitalizar ou vitalizar o teatro no interior alentejano. À pergunta existe uma forma de fazer teatro diferente no e para o Alentejo, comparativamente ao trabalho desenvolvido pelas Companhias “da capital?, o Teatro do Mar revela alguma dificuldade em responder objectivamente a esta questão. “Há companhias na capital que procuram apresentar um repertório temático de características urbanas e outras não, há companhias descentralizadas que procuram um teatro vocacionado para públicos com menos acesso à cultura, e outras não têm esse tipo de preocupações. é uma questão relativa. No nosso caso, optamos por um repertório com temáticas universais. E, esteticamente, o resultado do nosso trabalho espelha um pouco a realidade ambivalente da nossa cidade de residência, Sines, que tem referências urbanas em plena convivência com as

tradições e o ruralismo. Mas, o trabalho final do Teatro do Mar, vocacionado para jovens audiências e para a rua mais particularmente, pode ser entendido por públicos de um festival internacional no estrangeiro, do Centro Cultural de Belém em Lisboa ou de qualquer pequena cidade do Alentejo”. Mas será que persiste a ideia (errónea) de que o Teatro que se faz fora da capital é de algum modo inferior? O Teatro do Mar acredita que se continua a alimentar esse preconceito, muito por culpa do escasso, para não dizer inexistente feedback do trabalho, por parte da crítica e da imprensa. “Tendo em conta que somos uma companhia descentralizada e itinerante por excelência, outra das dificuldades que encontramos é o feedback do nosso trabalho junto da imprensa e crítica especializada, concentrada nos grandes centros e sem facilidade de deslocação a outros pontos do país. Este facto continua a alimentar o preconceito generalizado de que o produto artístico criado fora das grandes cidades, sobretudo fora da capital, é de algum modo inferior. A este nível, no nosso caso particular, e de certo modo infeliz e ironicamente, temos encontrado uma resposta muito mais positiva no estrangeiro do que no nosso próprio país”. Para além da dificuldade de afirmação, não junto da população, das pessoas que conhecem o seu trabalho, mas junto de quem compra e de quem dá a conhecer, existe a claro, a maior das dificuldades: a financeira, como subscreve o Teatro do Mar. “Vivemos num país pequeno, com imensas restrições económicas, que afectam o nosso principal mercado, constituído essencialmente por Câmaras Municipais. A nossa maior carência actual é a ausência de um espaço próprio onde possamos apresentar o nosso trabalho, sem os normais constrangimentos da utilização de espaços públicos, que nos condiciona em horários e enquadramentos com outras programações. Encontrar este espaço, após 20 anos de actividade, continua a ser um dos nossos maiores objectivos”. Do mesmo objectivo “padece” a Baal 17, actualmente com escritório no Cine-Teatro Municipal de Serpa, com uso de palco e de instalações, sujeitos a constrangimentos. Um espaço próprio onde a Baal 17 possa ainda mais abrir as suas

portas à comunidade e desenvolver o seu trabalho como associação é neste momento a sua “luta”. O círculo é vicioso: os promotores compram pouco e compram o que alcança visibilidade dada pela imprensa. Sirva como mote para incremento das vendas de espectáculos ou não, como aumento da visibilidade da companhia ou não, o certo é que não pode continuar a ignorar que Há Teatro no Alentejo, sobretudo quando o panorama teatral do Alentejo está “a crescer, a solidificar-se e a inovar-se sobretudo com o surgimento e afirmação de novas companhias na região”, como sustenta o Teatro do Mar. De futuro, e também por “culpa” do Novo Regime Jurídico de Apoio às Artes”, o panorama actual, nomeadamente em relação aos apoio concedidos às estruturas, mudará. Esperemos que para melhor. Esperemos que para um sistema que exija e dê em troca.

Sandra Serra

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“Ary” é a 17.ª produção da Baal 17, uma companhia que tem como projecto a procura de novas aproximações e perspectivas no teatro como forma de arte, inspirado no sentir das gentes, dos costumes, da terra, criando uma resposta cultural, social e educativa para a região.

Em 1994, o inglês Steve Jonhston fundava o Teatro ao Largo com base num modelo particular de teatro comunitário itinerante, desenvolvido nos anos 70 na Cornualha em Inglaterra.

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EnTRE OS CLÁSSiCOS E AS nOVAS DRAMATURGiAS

Como avalia o período de vida actual do Cendrev, companhia que foi pioneira, há 31 anos, na experiência de descentralização da actividade teatral? Expansão, estabilidade, maturidade?Expansão é difícil em Portugal, porque os meios de que dispomos são muito reduzidos. A vontade de expansão, nós manifestámo-la em 1990, quando tentámos fazer a fusão com o Teatro da Rainha, daí resultando o Centro Dramático de évora (Cendrev). Isso pressupunha determinados compromissos do Estado em relação a projectos e o Estado nunca assumiu esses compromissos. Concluindo, nós não estamos numa fase de expansão, estamos numa fase de estabilização. Há um dado que para nós é importante: a experiência de muitos anos e uma equipa estável, que é a alma deste projecto. Ao todo, somos 24 pessoas, entre actores, técnicos, administrativos e pessoal auxiliar. é uma estrutura que, tendo em conta a dimensão da região, tem algum peso.Com três décadas de trabalho junto de uma comunidade, que é a cidade de évora e as localidades próximas, é já possível avaliar o impacto da vossa actividade na forma-ção e fidelização de públicos. O que é que concluem?Concluímos claramente que évora, hoje, tem um público com uma formação e um gosto extremamente desenvolvidos, apurados. E isso resulta necessariamente de uma actividade regular que a cidade tem mantido. Nessa medida, o Cendrev é um, senão o maior, agente promotor de

actividades culturais na cidade. Desde logo, por via da sua produção. Nós fazemos anualmente, em média, cerca de 200 representações, metade das quais em évora, sendo que a outra é espalhada pela região, pelo País e também um pouco pelo estrangeiro. Depois, pelo que organizamos e fazemos acontecer na cidade, quer por via da programação, quer das relações que temos com um conjunto de instituições, quer ainda das co-produções em que nos envolvemos e das relações internacionais que temos com um conjunto de estruturas.Como têm conseguido equilibrar, ao nível do repertório, aquilo que são as preferências de um público contemporâneo com o que artisticamente consideram mais oportuno e relevante em cada momento?Tem havido, nas nossas opções estéticas e dramatúrgicas, uma aproximação clara à abordagem dos clássicos, dos grandes textos da tradição mundial teatral. Somos das companhias portuguesas que mais espectáculos de Gil Vicente já montaram – à volta de 18 – ou seja, já percorremos uma boa parte da dramaturgia vicentina. Por um lado, Gil Vicente é uma grande referência no teatro português e até europeu, e, por outro, permite-nos cumprir um objectivo, que é a ligação directa com o público do secundário, um dos nossos públicos alvo. Paralelamente, mas com menos importância, temos abordado autores contemporâneos, como Brecht. Este texto que vamos mostrar hoje, do Henrik Ibsen [“Um inimigo do povo”, apresentado em Serpa,

no Festival da Folha Caída] é disso um exemplo.E é também a vossa contribuição para comemorar o centenário da morte do dra-maturgo norueguês…Sim, essa é outra vertente. Para o ano, por exemplo, vamos estar envolvidos num pro-jecto a propósito dos 300 anos do Goldoni. Estamos ainda a conversar com o Teatro Nacional, que nos desafiou para fazer uma co-produção, em que participa também o Teatro dos Aloés. Estes projectos também são importantes. Estamos num País em que a actividade cultural, privada como a nossa, carece muito de espaço público em termos de divulga-ção. O facto de

Entrevista por Carla Ferreira

Foi a primeira companhia profissional portuguesa a fazer teatro fora da capital, já lá vão 31 anos. Hoje, o Centro Dramático de Évora (Cendrev), que continua a ter casa no Teatro Garcia de Resende, tem uma equipa estável e experimentada que se orgulha do seu papel na formação de um público de “gosto apurado”, apesar dos recursos financeiros, que se mantêm iguais desde há uma década. O longo percurso, recorda José Russo, director da estrutura, tem passado por uma produção própria, sempre muito próxima dos grandes textos da tradição mundial teatral, mas também por um trabalho na área da programação, que vai beber à sua rede de relações artísticas. Actualmente, as atenções viram-se para os autores contemporâneos, de uma forma que nunca tinha sido experimentada pela companhia – congregando novos dramaturgos, portugueses e espanhóis, num espaço chamado Encontro de Teatro Ibérico, cuja quarta edição foi cumprida recentemente.

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aproveitarmos estas efemérides é também no sentido de ver se apanhamos a embala-gem de alguma coisa, para que possamos ter uma outra dimensão.Vêm também desenvolvendo uma relação com Espanha, através do Encontro de Teatro Ibérico…Vamos fazer agora [Dezembro] a quarta edição do Encontro de Teatro Ibérico, que é já o resultado de um percurso que temos vindo a trilhar com algumas estruturas espanholas, nomeadamente em Sevilha. Trata-se de um desafio mais ambicioso, que já resultou no Fórum Teatral Ibérico, um projecto que junta gente de teatro de Espanha – Madrid, Mérida, Sevilha, Badajoz – e de Portugal, não só de évora, como também de Lisboa e de outras localidades. é um movimento que estamos a fazer em torno das novas dramaturgias, uma vertente nova tal como a estamos a assumir agora. Nós sempre fomos fazendo autores contemporâneos, mas desta vez estamos a dar-lhe uma atenção particular e a encontrar formas, do ponto de vista da organização e das iniciativas, que possam potenciar e congregar essas dinâmicas – chamar jovens dramaturgos, trabalhar com eles, fazê-los juntar uns com os outros, juntar portugueses com espanhóis.Os Bonecos de Santo Aleixo vieram trazer uma nova dinâmica à vida da companhia, a partir da década de 80, tanto mais que foram os impulsionadores também da Bie-nal Internacional de Marionetas de évora. Alguma vez vão deixar de lhes dar vida?Não é previsível que os deixemos de representar. Assumimos a responsabili-dade de fazer essa recuperação – com o mestre Talhinhas, o último bonecreiro, que já faleceu – e agora somos nós que temos às costas a responsabilidade de manter vivo este espólio da nossa cultura popular. A fórmula que hoje continuamos a utilizar já vem de há mais de 20 anos. é um grupo de actores da companhia, entre os quais eu me incluo, que vai prosseguindo este trabalho, mas se calhar vamos ter que adoptar uma outra fórmula, constituir uma outra família. Esse processo, de alguma maneira, já estamos a fazê-lo. Os últimos alunos da Escola de Formação de Actores de évora já fizeram ate-liers com os Bonecos, assim como os estudantes da Universidade de évora, que estão hoje no curso de Estudos Teatrais. O que quer dizer que já estamos, de alguma maneira, a formar gente à qual possamos recorrer um dia.O que esteve na origem do fim da Escola de Formação de Actores?A escola terminou há quatro ou cinco anos. Funcionava com os dinheiros do Fundo Social Europeu e os quadros

comunitários vinham, cada vez mais, a dificultar a existência de projectos a longo prazo, sendo que a nossa escola funcionava a três anos, o tempo de duração de cada curso. A prova disso é que, nos últimos dois cursos que fizemos, só já tivemos financiamento para metade dessa formação. O resto já decorreu de uma forma muito precária, porque foi com base no nosso orçamento.Pensam retomar esse projecto de formação?Não, porque a realidade nacional também se alterou, felizmente. Quando se criou a Escola em évora, só existia o Conservatório e funcionava muito mal. Foi a primeira Es-cola de Formação de Actores, logo em 1975. Entretanto, já se constituíram muitas outras escolas. E para nós é muito difícil manter um projecto de formação, nos moldes em que o tínhamos, se não houver financia-mento. Já fazemos tanta coisa e a estrutura não cresceu, pelo contrário, diminuiu… As condições económicas são as mesmas de há 10 anos; as comparticipações do Estado não aumentaram e as da autarquia também não, mantiveram-se. Nós não temos aumen-tos na casa há cinco anos…Há quem defenda um tratamento diferente, em termos de financiamento do Estado, para as companhias com longos anos de re-conhecido serviço público, como o Cendrev. Concorda?Eu penso que, para além da existência dos teatros nacionais, no Porto e em Lisboa, deveria haver uma pequena rede de centros dramáticos espalhados pelo País. Seriam três ou quatro estruturas financiadas de uma outra forma, entre as quais nós entendemos que o Cendrev deveria estar, com condições que permitissem desenvol-ver estas estruturas, potenciando as suas capacidades. O Cendrev, ao longo destes anos, já provou uma série de coisas, e há

coisas que não faz porque as condições que tem não o permitem. Temos apenas estes núcleo de pessoas e não podemos pensar em contratar mais. Essa é também uma das razões por que recorremos, neste momento, a co-produções. é um problema estrutural. E neste momento há dados que provam que as estruturas de cultura contribuem mais para o PIB do que a indústria automóvel. No entanto, continua a dizer-se que o teatro é uma actividade subsidiária e o Orçamento de Estado volta a estar nos 0,4 por cento para a cultura, o que é terrível porque voltá-mos para trás.Fale-me da vossa próxima peça, “Eunuco de Inês de Castro”, do dramaturgo eborense Armando Nascimento Rosa.Essa é uma outra vertente do nosso trabalho, que é a de permitirmos que um dramaturgo se junte a nós durante um ciclo de trabalho. Esta é a terceira peça que vamos montar deste dramaturgo, nestes últimos três anos, e vamos estreá-la agora, no dia 1 de Dezembro. Isto integra-se nesta lógica das novas dramaturgias. Queremos abrir também espaço para permitir lançar nova gente, inclusivamente nesta área da escrita que, durante muitos anos, esteve carente em Portugal. Este texto anda à volta do mito de Inês de Castro e de D. Pedro, um ícone do nosso espaço amoroso português, conhecido mundialmente. é uma peça que se passa hoje, no “País do Mortos” e que coloca a tónica numa história, mais desco-nhecida, de que fala o Fernão Lopes na sua crónica. Trata-se da relação amorosa de D. Pedro com um seu aio, o Afonso Madeira, que ele depois mandou capar por causa de uma relação deste com uma dama.

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“Um Inimigo do Povo”, de Ibsen, Encenação de António Mercado. Fotografia de Paulo Nuno Silva. Cendrev 2006

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A PROPÓSiTO DA MOSTRA DE TEATRO DE SAnTO AnDRÉA AJAGATO realiza desde há sete anos a Mostra de Teatro de Santo André. O projecto cresceu e consolidou-se muito por força da adesão do público e do nível de exigência que este nos coloca cada vez mais. Orgulhamo-nos de ter atingido um prestígio significativo, que hoje nos abre portas para um crescimento ainda maior, sempre dentro das limitações estruturais e financeiras em que nos movemos. Provámos assim que é possível sonhar com um grande Festival de Teatro sedeado nesta região e que corresponda de facto à dinâmica teatral que aqui criámos e à necessidade da população bem manifestada nos elevados números da frequência média dos espectáculos.Mas, no entanto, e apesar da contenção orçamental nos manter dentro de limites quase ridículos para uma iniciativa desta dimensão, nos últimos anos temos sido confrontados com dificuldades acrescidas de financiamento e de apoio logístico. Depois os processos são muitas vezes marcados por grandes burocracias e demoras perfeitamente incompreensíveis! Como compreender, por exemplo, que o apoio (dos fundos comunitários) dado ao projecto de animação teatral das escolas do 1º ciclo, em que há alguns anos envolvemos todo o concelho, um ano depois de concluído ainda não estivesse completamente pago? Como gerir os apoios da autarquia que são atribuídos sem data prevista para a disponibilização efectiva das verbas e acumulam atrasos sucessivos que desvirtuam em muito a sua eficácia? Como rentabilizar os protocolos de cooperação assinados em Julho e disponibilizados em Setembro do ano a que respeitam, quando 80% das actividades já estão realizadas? Como chegar às verbas que o Estado disponibiliza para o apoio aos projectos culturais, como são os financiamentos do IPAE, sem uma estrutura de produção qualificada, ou, o que é mais perverso, sem um padrinho que nos leve pela mão…

Deste modo, a Mostra fez-se nos dois últimos anos à custa de um esforço pessoal cada vez maior dos organizadores e da capacidade de financiamento da Associação que assumiu parte significativa das despesas (em 2006 assegurámos 3.157,96€ num valor global de 17.487,96€) e adiantando verbas ainda mais elevadas

que aguardam depois a atribuição dos subsídios, por vezes com atrasos superiores a um ano. Tudo isto constitui um “colete-de-forças” de que não conseguimos sair sozinhos e que não nos permite adequar a qualidade artística do projecto com a melhoria dos aspectos organizativos e a projecção que já merece e reclama.Então o que fazer? Continuar até à exaustão este processo, mendigando apoios, batendo a portas fechadas pela insensibilidade e pelo autismo das instituições que confundem a dimensão dos projectos e metem todos os pedidos no mesmo saco? Persistir ainda assim teimosamente recorrendo às rotinas que liquidam toda a actividade artística?Estamos numa encruzilhada e teremos de clarificar as condições essenciais para a continuação do projecto!

Acentua-se cada vez mais a macrocefalia cultural deste país, ou pelo menos a existência de duas divisões distintas. Que política de desenvolvimento cultural queremos afinal para este Portugal B?

1.Um desenvolvimento integrado e sustentado, mas também ambicioso e exigente, apoiado nas estruturas associativas locais e nas dinâmicas culturais já existentes.2.Ou uma gestão corrente de iniciativas avulsas, com a comemoração de datas mais ou menos importantes onde se escoam grande parte dos recursos económicos do erário público?

Será que basta contratar técnicos e injectar dinheiro e meios logísticos num punhado de iniciativas compradas por catálogo aos agentes artísticos nacionais para que a estrutura social e cultural se transforme e enriqueça?

Até podemos criar acontecimentos episódicos de euforia ou fenómenos sazonais de grande animação, com a vinda de gente de fora para aproveitar as ofertas programadas, mas no dia seguinte, depois da debandada, o que é que restará? Podemos despertar entusiasmos mas quem enquadrará depois essa curiosidade e essa vontade de experimentar?O objectivo principal é apenas preparar e concretizar Planos de Actividades dando o “ar” de grande dinamismo ou, pelo contrário, provocar com elas o enriquecimento cultural, a coesão social, o reforço da identidade das regiões?Penso que, se queremos realmente elevar o nível cultural da população, temos de fazer opções de fundo e adoptar estratégias de desenvolvimento real de dinâmicas consistentes e duradouras. Teremos de pensar mais na “Escola” do que na “Festa”, na “Sementeira” do que no “Banquete”, na valorização do “Trabalho” do que no recurso sistemático à “Improvisação”.Não podemos continuar a esgotar os recursos financeiros com actividades do tipo “fogo de vista”, numa política de comprar tudo feito, propostas geralmente seleccionadas com um critério duvidoso e destinadas apenas a assinalar o momento, no dia seguinte já cá não estarão e voltamos todos ao mesmo... Entretanto, para consumo interno, alimentamos o ego com as mesmas estafadas iniciativas, esvaziadas de sentido pela própria rotina e pequenez, como acontece nas escolas com as festinhas que teimosamente fazemos duas ou três vezes por ano… Na aldeia onde, há mais de quinhentos anos, Gil Vicente nasceu, fazem-se hoje récitas de Natal de uma ingenuidade confrangedora…

Mário Primo

A AJAGATO, associação juvenil de Amigos do Gato AS é, porventura, a associação/grupo de teatro de amadores a desenvolver mais trabalho no Baixo Alentejo. Uma das suas principais actividades, a Mostra de Teatro de Santo André, vive várias dificuldades orçamentais, enquanto “na aldeia onde, há mais de quinhentos anos, Gil Vicente nasceu, fazem-se hoje récitas de Natal de uma ingenuidade confrangedora…”

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MÁRiO BARRADAS UM HOMEM nO TEATRO

Mário Barradas nasceu em Ponta Delgada, em 1931. Licenciou-se em Direito, na Universidade de Lisboa, em busca de um curso “mais rentável”. Mas a Arte Dramática estava-lhe no sangue, desde a altura do

liceu, onde começou, “como toda a gente”, mas “bem”, adverte, com Gil Vicente, Almeida Garret. Aos 22 anos, em Março de 1954, dia da luta anti-colonial, Mário Barradas seria “empurrado” para a sua primeira encenação, no Clube Marítimo de Lisboa, com um texto de um poeta guineense que “não passou pela censura”.

“Embora eu não fosse das colónias, era considerado como tal. Em

Coimbra as pessoas pensavam que era Angolano”, recorda

Mário Barradas. Recusou-se a seguir o caminho do teatro profissional em Portugal, “numa malha censória muito apertada”, numa altura em que, recorda, “fazer teatro em Portugal era um horror. As únicas pessoas que fizeram algum teatro, foram a Amélia Rey

Colaço e o Robles Monteiro que tiveram

a coragem de renovar um pouco o repertório

do teatro português com o Shaskespear e

outros. Foram as únicas pessoas que tiveram alguma capacidade, sempre com muito cuidado e as peças vinham cheias de cortes da censura. De resto recusei-me sempre a ir para o teatro profissional nestas condições”. Seguiu para Timor, em cumprimento do serviço militar, e para o qual se tinha oferecido, também, para

“desviar a atenção PIDE que naqueles anos andava bastante activa”. Em Dili viria a conhecer a sua esposa, Joana Pessoa. “Estava o Mário a dizer a belíssima Ode ao Mar de Vitorino Nemésio. Foi amor à primeira vista”, recorda Joana Pessoa em “Um Homem no Teatro” na monografia. Acabou por fundar um grupo de teatro em Timor e levar à cena “A Farsa de Mestre Pathelin”. Parte para Moçambique, onde abre um consultório de advocacia. “Mas cedo se deu conta de que a advocacia não preenchia a alma do Mário Barradas. A sua paixão era o teatro”, como revive o amigo António de Almeida Santos, na monografia. Criou o Teatro Amador de Lourenço Marques (TALM), onde levou à cena 19 peças. Numa delas, “A História do Jardim Zoológico”, de Albee, em 1966 – “muito antes de aqui terem descoberto o Albee” – teve a visita especial de Sá Machado, que foi presidente da Gulbenkian e director dos Serviços do Ultramar à altura. “Nesse dia ele disse-me: ‘você tem de ir para o teatro, gostei muito do espectáculo’”. “Advoguei em Moçambique durante seis anos, até que um dia decidi que não podia ser mais. Não aguentava nem o escritório nem o ritmo. Saía dos ensaios à meia-noite e ia para o escritório redigir minutas até às três da manhã. Tratei de tudo, não disse nada nem à família. Escrevi para Estrasburgo disseram que me aceitavam, mas que tinha de lá ir para uma entrevista e prestar uma prova. Comprei o bilhete de avião e dois dias antes disse à família que ia para Lisboa. Já tinha dois filhos pequenos”. Partiu para a escola do Teatro Nacional de Estrasburgo, fonte da descentralização teatral francesa, como bolseiro da Gulbenkian e onde viria leccionar. Foi em França que Mário Barradas percebeu o que era a descentralização teatral: “a única maneira de desenvolver a este nível um País”, mas, “infelizmente, em Portugal, nunca ninguém percebeu isso, pelo menos os governantes”, lamenta. Em 1917 regressa a Portugal convidado por Madalena Perdigão para fazer parte da Experiência Pedagógica realizada no Conservatório Nacional, do qual foi director entre 1972 e 1974. “Em 1974”, relembra, “julguei que finalmente isto ia mudar”. Um ano mais tarde, em 1975, criava o Centro Cultural de évora, dando-se também início ao “processo sinuoso, pejado de contradições e equívocos” da descentralização teatral. (Mário Barradas, in Adágio, n.15/16). “Hoje há umas pequenas companhias na província, não tenho a certeza que as escolhas sejam as mais

Actor, encenador, pedagogo, director, Mário Barradas foi, aos 75 anos, homenageado pelo CENDREV- Centro Dramático de Évora, casa que ele construi, ainda como Centro Cultural de Évora, em 1975 – era a primeira companhia da descentralização. Uma descentralização que, de acordo com Mário Barradas, “nunca resultou em Portugal”. “Um Homem no Teatro” é o título da monografia que recolhe testemunhos, histórias e memórias de uma vida ligada ao teatro e sobre a qual a Baalzine conversou com o “velho”.

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Mário Barradas. Foto de Paulo Nuno Silva

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correctas, mas isso já é outra história. E isso foi influência sobretudo a partir daqui. Nós fizemos uma companhia, uma escola de formação de actores, a maior parte dos alunos que estão em Braga, em Serpa, em Faro, nas Beiras, saíram daqui e era a nossa teimosia, minha e de um amigo que me acompanhou nesta aventura, o Luís Varela. é que claro que isto passados 30 anos está na mesma. Porque não houve nenhum entendimento, nenhuma perspectiva sobre o desenvolvimento cultural do País”. Sempre crítico, Mário Barradas passou pelo IPAE, onde em colisão com Carrilho se viria a demitir”. Admite ser um homem zangado com a política cultural do País e com o apoio estatal concedido ao

sector. “Há mais de 200 anos que se diz que os teatros são as escolas primárias dos homens esclarecidos, mas, hoje, isso ainda não é um compreendido em Portugal. Há amadorismo para com o teatro, que tem de ser assumido como um verdadeiro serviço público, com critérios e sem descidas anuais do dos financiamentos”, defende. “Eu não sei já o que diga. Tenho imigrado, tenho passado muito tempo em Estrasburgo, em Inglaterra, na Suíça, volta e meia venho fazer cá um trabalho em Portugal, mas fora daqui!”, confessa o “velho”, como carinhosamente lhe chamam no Cendrev, companhia onde actualmente interpreta “o texugo”, em “Um Inimigo do Povo”, de Ibsen.

Sandra Serra

O ViAJAnTE FiCCiOnALCaso existisse o estatuto de viajante pelo mapa teatral do Alentejo, este teria de percorrer quilómetros até abarcar todas as companhias profissionais (entre elas 7 sustentadas pelo Ministério da Cultura - apoios bienais ou quadrienais), todo o teatro de amadores (24 grupos/ associações), já para não falar de aproximadamente 14 Festivais e Encontros de Teatro.

Com mochila às costas ou sem ela, o viajante, por questões meramente simbólicas, inicia a sua viagem pelas 7 sustentadas: CENDREV (a mais antiga das 7) e PIM teatro (évora); O Semeador (Portalegre); Arte Pública (Beja); Baal 17 (a mais jovem), em Serpa; Teatro do Mar (Sines) e Teatro ao Largo (Odemira - V. Nova de Milfontes).Se das 7 há quem tenha casa fixa (como O Semeador ou o Cendrev), outras há com espaços alugados e cuja filosofia se assume como itinerante (Teatro do Mar), chegando outras à criação de um teatro móvel que lhes permite actuar ao largo (Teatro ao Largo!).Se há companhias que dão literalmente a palavra a autores clássicos e contemporâneos (CENDREV, O Semeador), outras percorrem o caminho da adaptação de outras obras literárias (As aventuras de João sem Medo, PIM teatro) e outras chegam mesmo à criação de novos textos a partir de temáticas (a do mar, pelo T. do Mar!), de poemas (Ary, Baal 17) ou de pessoas (Madalena Joplin, Arte Pública).Para além das representações no seu local de residência, das itinerâncias pelos teatros, cine-teatros municipais e largos de concelhos vizinhos, restante Alentejo e

Portugal (Açores incluídos), muitos destes actores-técnicos (sim, porque em muitos casos a equipa técnica inclui actores) pisam outros solos, o que não é de estranhar com a vizinha Espanha mesmo aqui ao lado, a proporcionar, inclusivamente, co-produções (Baal 17 e Cendrev). Mais longe também é possível ir, como o fez o Teatro do Mar neste recente Verão pelas invernias da Alemanha, ou durante anos a fio os internacionalmente conhecidos Bonecos de Santo Aleixo.Cabe ainda a estas 7, as acções junto das escolas desde o 1º ciclo ao Secundário, o que envolve workshops, visitas ao teatro, acompanhamento de jovens grupos de teatro (assim nasceu Blá Blá Blá, em Campo Maior e AMAIA, em Portalegre), ateliers em estabelecimentos prisionais (PIM teatro e T. ao Largo).A viagem vai longa e faltam ainda os quilómetros até às companhias profissionais “não sustentadas”: A Bruxa Teatro (évora), desde 2001 a apostar em novas dramaturgias; Trimagisto (évora, 2001), inovando com o projecto ConTapetes; Lendias d’Encantar (Beja, 1997) a estrear Zoo Story este Dezembro; 3 em Pipa (Odemira, 1998) dividido entre o teatro social e os espectáculos (8 desde a sua fundação); Teatro de Grândola (desde 1988); Cépia

- com a sua mais recente Hamletmachine e o jovem Teatro Fórum de Moura a experimentar Brecht. Ofegante, o viajante visitará ainda as formas animadas: Trulé, este ano a comemorar 20 anos, com um curriculum de mais de 40 Festivais Internacionais por 4 continentes e vários prémios e Era uma Vez, também na estrada desde 1992, este ano com Auto da Barca do Inferno.Mas, como o teatro também é arte de amadores (etimologicamente, “aqueles que amam”), ao viajante ainda lhe faltará Cabeção, Montargil, Alter do Chão, Pias, Ponte de Sôr, Monforte, V. Nova de Santo André, Alcácer do Sal, Baleizão, Montemor-o-Novo, V. Viçosa, V. Nova de S. Bento…. E novamente, Portalegre, Campo Maior, évora, Beja…

Decorrido um ano, o viajante ficcional terminaria a sua viagem exausto, mas certo de que, apesar dos apoios sempre insuficientes, das equipas permanentes instáveis, da falta de espaços próprios, o Teatro no Alentejo é um chão fértil, do qual visitantes ficcionais ou reais se devem orgulhar!

Paula Vidigal e José Nascimento (Delegado Regional

da Cultura do Alentejo)

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“CALDO VERDE”

Resolvi pôr por escrito uma lista de personagens, “os desconsolados”, susceptíveis de viverem um momento de desencanto tal que permitisse que a vida passasse por eles deixando ao divino ou ao acaso a delineação do seu percurso e a decisão do seu futuro. “As coisas acontecem por acaso e quando menos se esperam”. Tudo é uma sucessão de acontecimentos que, se não temos um pulso firme, seguem o seu caminho, invariavelmente para o mal. “Sim, que a gente para o mal vai, para o bem é que a gente não vai”. Diria a sabedoria popular.Já um optimista diria que, sendo tudo relativo, até esse “mal” é um instrumento para um todo último que se apresentará como Bem.Era minha intenção colocar estas personagens numa história qualquer para perceber melhor a questão. Foram muitas as personagens que me apareceram. De entre elas, duas despertaram-me a atenção, pareciam ter um potencial dramático.

Eram elas duas mulheres que habitavam vagas memórias de histórias da minha infância: dizia-se dessas duas mulheres na altura que viviam maritalmente com o mesmo homem do qual ambas tinham filhos, uma era a esposa legítima e a outra era simplesmente a Outra. Nas minhas lembranças não encontrei informação suficiente para criar um enredo fidedigno da vida daquele triângulo, então… Procurei lembrar-me de pormenores que restassem ainda dessa história. Passados tantos anos não sei se é apenas alguma partida de uma memória selectiva, mas lembro-me claramente que uma delas era gorda, morena, pesada nos movimentos, insegura no olhar, de poucas palavras e orgulhosa; a outra era mais magra, mais nova mas parecendo mais “estragada” pela vida, faltavam-lhe alguns dentes na frente mas isso não a impedia de rir com frequência, oxigenava o cabelo e aparecia sempre confiante e faladora. Agarrei-me à imagem dessas duas mulheres e coloquei a mim próprio uma nova questão: que fariam a viver em

semelhante situação duas mulheres aparentemente tão diferentes? Concentrei-me na fisionomia de cada uma, na sua presença, no que mostravam, no que transmitiam e comecei a inventar-lhe uma personalidade. A Glória e a Fátima surgiram num ápice – concretas. Para ajuda-las procurei outras “personagens” no restolho do meu passado. Criou-se o enredo. De repente cada uma abarcava não só

UMA COMÉDiA COM SOTAqUE iniCiA RUi RAMOS nA ESCRiTA PARA TEATRO

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Em “Caldo Verde”, duas mulheres e um homem habitam a mesma casa perdida algures num Alentejo profundo. Elas partilham o dia a dia, partilham os filhos e as dificuldades. Ele, à noite, escolhe com qual das duas vai dormir. Nas linhas que se seguem o autor apresenta um “guia simples para a compressão do espectáculo”.

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todo um universo de mulheres que hoje conheço, mas também toda uma postura perante a vida: uma postura de derrota perante a vida e uma postura de esperança perante a vida. Não foi propriamente o consolo e o desconsolo que procurava, mas fiquei lá por perto.

Escrever foi sempre uma grande dificuldade para mim, quanto mais escrever um texto para teatro. “Caldo Verde” viveu cerca de sete meses na minha cabeça.Esta história habitava um terreno algo semelhante a “Facas nas Galinhas” de David Harower e a “O Campo” de Martin Crimp, textos já trabalhados na Baal 17 e muito diferentes entre si. Os temas explorados pareciam-me semelhantes ou mesmo transversais embora e aparentemente mais próximos de “Facas nas Galinhas”. Em termos de escrita cativava-me em Harower a forma como as personagens libertavam palavras isoladas, cheias de conteúdo, poéticas, certeiras. Por outro lado agradava-me em Crimp a forma como este repete as palavras, as frases, criando novos sentidos em cada repetição, agradava-me a forma como constrói personagens que nunca aparecem em cena criadas apenas pelo “diz-que-disse” das presentes. Apetecia-me que “Caldo Verde” fosse a junção de um pouco daquelas duas formas díspares, na mesma panela.

Glória e Fátima vivem num mundo à parte, possuem um vocabulário limitado, são obrigadas a valorizar as poucas palavras que dominam e cada uma é um instrumento valioso para a comunicação. Assim as ideias são profundas mas as frases são curtas, pensadas e repetidas até ganharem o significado merecido. Falam, mais a Gloria que a Fátima, de si e dos outros, falam da vida, do passado, do futuro e da morte.Para alem daquelas duas, principais, aparecem na peça mais personagens que ajudam a construir todo o universo de “Caldo Verde”. E surgem apenas nas palavras daquelas duas mulheres como se fossem os outros e únicos habitantes valiosos de toda a região: desde logo as “três filhas” ainda crianças, a responsabilidade e razão de viver; o “Manuel Chico das vacas”, proprietário empregador que contrata e despede; a “Custódia da venda”, mulher de posses e de conhecimentos; a “Manuela solteirona”, professora das crianças, que tinha toda a obrigação de tudo saber mas que não sabe nada; “Deus”, um simples guardador de galinhas e de gente; e finalmente o “Homem, marido”, grande e intimo opressor que quando aparece no final já todos o conhecem de tão apresentado pelas duas mulheres.

Durante o processo de escrita nunca me saíram da cabeça as duas actrizes para quem o texto se destinava. Telma Saião e Sónia Botelho tem percursos profissionais diferentes e posturas diferentes perante a vida ou não fossem elas também mulheres muito diferentes. Essas formas de ser não foram declinadas no processo de escrita, antes pelo contrário, estão presente na construção de uma oralidade que tinha de ser simples, clara e orgânica, e presentes na delineação dos traços principais da personagem desempenhada, não pela própria mas pela outra, como se de um espelho se tratasse. Quem as conhece pessoalmente encontrará no “Caldo Verde”, aqui e ali um pouco da Fátima, “um balão prestes a rebentar”, e um pouco da Glória, “uma pena avoando”.

O resultado foi um texto muito curto em que as pistas para a compreensão da trama são mínimas. “Caldo Verde” é um texto que obriga o actor e o espectador, atenciosos, a questionarem-se para além do óbvio. O cozinhado, que é obrigatoriamente real, cheira, fala por si, por um lado alimenta, por outro mata.Rui Ramos*

* Rui Ramos é autor e encenador da peça “Caldo Verde” e Director Artístico da Baal 17.

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“Um poema em imagens que desvenda o Alentejo para lá dos lugares comuns”, assim se pode começar por tentar descrever este Os Sulitários, de autoria de Paulo Barriga e do fotojornalista João Vilhena, e que constitui a primeira edição literária da Fundação Alentejo – Terra Mãe. O livro, apresenta a Fundação, assume-se como um “poema em imagens” em torno de um Alentejo menos convencional e “muito para lá dos lugares-comuns que erradamente enunciam as planícies do Sul, a terra dos Sulitários. Fala do homem do Sul e do Sol. Fala do tempo e do espaço. Fala da fertilidade e da morte. Fala da revolta e da cisma. Fala do mar e dos desertos”. Os Sulitários “é a planície ou o eco de um grito. é o silêncio que apenas as fotografias retêm. Um silêncio tão demorado e tão

arredado como o Alentejo que neste livro se mostra. Incomparável, precioso, raro. A terra do Sul; a terra dos Sulitários”. E se eu gostasse muito de morrer é o primeiro romance de Rui Cardoso Martins, com edição de que há três anos atrás aceitou o desafio de António Lobo Antunes a iniciar-se na escrita de livros. Um livro que aborda um problema sério com laivos de “comédia negra”, foi o resultado de E se eu gostasse muito de morrer é o primeiro romance de Rui Cardoso Martins, que, há três anos atrás, aceitou o desafio de António Lobo Antunes e iniciou-se na escrita de livros. “Uma interrogação, com alguma experiência pessoal, sobre o fenómeno do suicídio, mas não é, de maneira nenhuma, um estudo sociológico. é uma ficção, um romance onde o narrador está no interior do

país em contacto com a Internet”, explicou Rui Cardoso Martins. Jornalista e argumentista das “Produções Fictícias”, o autor reconhece que este (o suicídio) “é um fenómeno muito estranho”, mas defende que o livro não pretende avançar com respostas para o problema, apesar de retratar “humanamente como as coisas se passam”. “é uma tristeza, uma coisa que se instala nas pessoas; é uma exaltação espiritual e há histórias que conto no livro que vão deixar as pessoas baralhadas”. Os Sulitários e E se eu gostasse muito de morrer, duas propostas literárias para, também, perceber este Alentejo que “é, na verdade, o máximo e o mínimo a que podemos aspirar: o descampado dum sonho infinito e a realidade de um solo exausto.”

DOiS LiVROS, DUAS FORMAS DE DizER ALEnTEJO

São alentejanos. Um do Baixo outro do lado. Jornalistas de formação. Encontraram na escrita, também, uma forma de dizer Alentejo. Falamos de Paulo Barriga, alentejano do Baixo e do seu recente Os Sulitários, espécie de “epopeia poética em torno do homem do Sul”, e de Rui Cardoso Martins, do Alto, com E se eu gostasse muito de morrer, romance que tem como ponto de partida o suicídio no Alentejo – “abordando um problema sério com laivos de comédia negra”.

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Os SulitáriosPaulo Barriga e João VilhenaFundação Alentejo - Terra Mãe/2006.

“E se eu gostasse muito de morrer”Rui Cardoso MartinsDom Quixote/ 2006

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“HiSTÓRiA MARAViLHOSA DA CiDADE DE BROnzE”(nova Criação integrada no Programa de interacção Teatral Escolar)A estrear em Fevereiro de �007“Era uma vez uma criança que gostava de ouvir histórias, ela nada mais esperava que viver cada momento, mas a cada passo dado, nesse seu mundo de sonhos e fantasias, pouco a pouco sem se aperceber, ia encontrando um sentido para a vida.” A “ História Maravilhosa da Cidade de Bronze”, contada por Scherhrazad ao Rei na fantástica compilação de contos populares das “Mil e Uma Noites”, serviu como inspiração para criar mais um momento único e mágico entre contadores e crianças. Convicta de que as histórias são valiosos instrumentos pedagógicos, a Baal 17 apresenta “A História Maravilhosa da Cidade de Bronze”, com o principal objectivo de trabalhar o imaginário na infância. A liberdade conquista-se com o exercício da criatividade. é esta a metáfora traduzida por Scherhrazad. Com a dramatização do conto, procuramos o desenvolvimento do fantástico no mundo da criança e, ao mesmo tempo, queremos incutir o debate entre as crianças sobre os sentimentos, as emoções e os valores apresentados na dramatização.“A História da Maravilhosa Cidade de Bronze” surge por duas razões: pelo facto da Baal 17 estar sediada numa região de fortes raízes árabes; assim como pelo proporcionar de fantasias alternativas ao contos de origem ocidental, dando a conhecer uma cultura diferente da “nossa”, e hábitos e costumes “antigos” de viver em sociedade.

VALSA nº6Parceria Baal �7 / Vulpeculae Produções Artísticas Lda.A estrear em Maio de �006Depois de “O Beijo no Asfalto”, com estreia em 2005, a Baal 17 volta a trabalhar a obra de Nelson Rodrigues, desta vez com o monólogo “Valsa n.º 6”, em parceria com a Vulpeculae Produções Artísticas, e com encenação de Nelson Rodrigues Filho. E se, normalmente, são precisos dois para dançar a valsa, com Nelson Rodrigues, Valsa n.º 6 é dançada apenas por um intérprete. “Um dos problemas práticos do Teatro é o excesso de personagens e daí ele [Nelson Rodrigues] imaginou um intérprete múltiplo ‘síntese não só da parte humana como do próprio décor e dos outros valores da encenação. Uma pessoa individualizada - substancialmente ela própria - e ao mesmo tempo uma cidade inteira, nos seus ambientes, sua feição psicológica e humana’, explica o encenador utilizando as palavras de Nelson Rodrigues. “Sônia, menina assassinada aos 15 anos”, foi a primeira frase-informação criada por Nelson Rodrigues para esta Valsa que, garante o encenador, “impressiona não só pela diversidade de personagens que uma só actriz [Telma Saião] encena”, mas “sobretudo, como vai, num crescente, dizendo-nos em diversas formas (o coro em especial) o que, de facto, ocorreu, com um final tragicamente lindo”. “A juventude, sobretudo na fronteira entre a meninice e a adolescência, é de integral tragicidade. Nunca uma criatura é tão trágica como nessa fase de transição”, insistia Nelson Rodrigues, que tinha como máxima para os jovens: - envelheçam. No passar dos 25 anos sobre a morte de Nelson Rodigues, “Valsa n.º6” apresenta-se como um acto de criação e produção assente numa profunda análise artística do texto homónimo do dramaturgo, e que, pelas características do texto e da personagem que lhe dá corpo, “Valsa n.º6” terá uma forte componente de investigação e experientação: trabalho de campo junto de adolescentes (suas complexidades, anseios, sonhos, frustações, etc...) e uma profunda exprimentação nas áreas vocal, corporal plástica e musical assente na dicotomia presente na obra – fragilidade e força.