15
Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio Histórico ILUSTRAÇÃO: Obra do Arquiteto Geder Meotti AMBIÊNCIA: Cidade de Antônio Prado Autores: Cíntia Neves Bohmgahren e Felipe Herrmann Fontoura Curso: Arquitetura e Urbanismo Resumo: O presente artigo trata da questão entre a relação da Arquitetura Contemporânea frente ao Patrimônio Preservado. Para tanto toma como estudo de caso a Galeria Comercial, uma das obras do Arquiteto Geder Meotti em Antônio Prado, interior do Rio Grande do Sul. Esta foi executada em terreno lindeiro à Casa Grazziotin, um dos 48 imóveis tombados pelo IPHAN, na cidade. Geder mostra que os fatores condicionantes para preservação do monumento tombado não limitam a concepção do projeto. Ao contrário, podem servir como diretrizes para a criação de um novo espaço que atente a um programa contemporâneo. Palavras-chave: Arquitetura, Patrimônio Histórico, Contextualismo, Geder Meotti, Antônio Prado, Arquitetura da Imigração Italiana INTRODUÇÃO A relação entre a arquitetura contemporânea e a antiga se torna uma questão delicada quando se trata de patrimônio histórico. Um edifício tombado torna-se fator condicionante de projeto, além das imposições da legislação vigente e, claro, o entorno imediato em que o projeto estará inserido. Isso, porque exige que seja mantida a percepção do espaço, livre do impacto de interferências tanto visuais quanto funcionais. Para aprofundar conhecimentos nesse assunto, foi feito um estudo sobre dois dos projetos do arquiteto Geder Meotti 1 , um arquiteto contemporâneo que atua em Antônio Prado, fundada por imigrantes italianos e que abriga um casario autêntico da época e por 1 Natural de Porto Alegre, o Arquiteto Geder Meotti é formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1989, e atua na cidade de Antônio Prado deste 1990. Sua obra abrange diversos programas e tipologias. Com criatividade, preza por fazer uma arquitetura simples. Por isso, emprega materiais tradicionais de forma não convencional, não deixando de lado as questões do contextualismo. Utiliza planos de vidro e perfis metálicos em contraste com a madeira e a pedra. O arquiteto afirma que "a obra arquitetônica deve marcar sua época de construção. Isto é fundamental.

Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio Histórico ILUSTRAÇÃO: Obra do Arquiteto Geder Meotti AMBIÊNCIA: Cidade de Antônio Prado

Autores: Cíntia Neves Bohmgahren e Felipe Herrmann Fontoura

Curso: Arquitetura e Urbanismo

Resumo: O presente artigo trata da questão entre a relação da Arquitetura Contemporânea

frente ao Patrimônio Preservado. Para tanto toma como estudo de caso a Galeria Comercial,

uma das obras do Arquiteto Geder Meotti em Antônio Prado, interior do Rio Grande do

Sul. Esta foi executada em terreno lindeiro à Casa Grazziotin, um dos 48 imóveis tombados

pelo IPHAN, na cidade. Geder mostra que os fatores condicionantes para preservação do

monumento tombado não limitam a concepção do projeto. Ao contrário, podem servir

como diretrizes para a criação de um novo espaço que atente a um programa

contemporâneo.

Palavras-chave: Arquitetura, Patrimônio Histórico, Contextualismo, Geder Meotti,

Antônio Prado, Arquitetura da Imigração Italiana

INTRODUÇÃO

A relação entre a arquitetura contemporânea e a antiga se torna uma questão delicada

quando se trata de patrimônio histórico. Um edifício tombado torna-se fator condicionante

de projeto, além das imposições da legislação vigente e, claro, o entorno imediato em que o

projeto estará inserido. Isso, porque exige que seja mantida a percepção do espaço, livre do

impacto de interferências tanto visuais quanto funcionais.

Para aprofundar conhecimentos nesse assunto, foi feito um estudo sobre dois dos

projetos do arquiteto Geder Meotti 1, um arquiteto contemporâneo que atua em Antônio

Prado, fundada por imigrantes italianos e que abriga um casario autêntico da época e por 1 Natural de Porto Alegre, o Arquiteto Geder Meotti é formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1989, e atua na cidade de Antônio Prado deste 1990. Sua obra abrange diversos programas e tipologias. Com criatividade, preza por fazer uma arquitetura simples. Por isso, emprega materiais tradicionais de forma não convencional, não deixando de lado as questões do contextualismo. Utiliza planos de vidro e perfis metálicos em contraste com a madeira e a pedra. O arquiteto afirma que "a obra arquitetônica deve marcar sua época de construção. Isto é fundamental.”

Page 2: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

isso declarada “cidade patrimônio nacional", em 1988, pelo então SPHAN-Pró-Memória 2.

“Devemos, (...), de qualquer maneira, garantir a compreensão de nossa memória social

preservando o que for significativo, dentro de nosso vasto repertório de elementos

componentes do patrimônio histórico cultural. É Essa justificativa do 'porque preservar’”.3

Com este estudo tem-se a intenção de conhecer os critérios de avaliação do

monumento segundo os aspectos históricos, arquitetônico, artístico e cultural e

considerando as exigências do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(IPHAN). Em outras palavras o objetivo é examinar, analisar e depreender como é

executado este tipo de trabalho: o projeto de algo completamente novo e atual vizinho a um

prédio tombado.

Agradecemos ao Arquiteto Geder Meotti, pela paciência e atenção, e aos Professores

Helena Karpouzas , Luiz Antônio Custódio, Maturino Luz e Paulo Reyes, pela colaboração.

HISTÓRICO DA CIDADE DE ANTÔNIO PRADO

No século XIX, as autoridades lusas e, posteriormente as brasileiras, introduziram no

país, cidadãos europeus de origem não ibérica, predominantemente de povos prussianos e

latinos. Resolvia-se, assim, tanto problemas europeus, de excessivo crescimento

populacional e de impossibilidade de emprego para todos, quanto brasileiros que era a falta

de mão-de-obra decorrente da proibição do tráfico de escravos vindos da África, imposta

pela Inglaterra, em 1850 4. Por trás disso, o governo brasileiro tinha também intenções de

ampliar os domínios territoriais, preenchendo terras devolutas e branqueando a população

brasileira que era de maioria negra 5 .

2 SPHAN-Pró-memória (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) criado em 1937, atual IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), vinculado ao Ministério da Cultura para proteger bens e monumentos históricos. 3 LEMOS, Carlos A. C.. O Que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 2000. p.29. Coleção Primeiros Passos. 4 DE BONI, Luis Alberto. Um pouco de história. In: POSENATO, Júlio (org.) Antônio Prado: Cidade Histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. pgs.6-10. 5 BOHMGAHREN, Cíntia; FONTOURA, Felipe Herrmann. Anotações pessoais durante a aula sobre a ‘Arquitetura das Imigrações Européias Tardias: Alemães & Italianos’ ministrado pelo Prof. Maturino Luz. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UniRitter. 17 de set. 2002

Page 3: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

Em 1870, a Prússia em sua política restritiva tornava cada vez mais difícil a saída da

Alemanha (unificada em 1824) em direção ao Brasil (independente em 1822). É nesse

mesmo ano que se conclui a unificação da Itália que "significou a imposição de um sistema

capitalista de produção a um mundo de estruturas semi-feudais" 6. Impostos, indústrias,

economia monetária, queda de alfândega, entre outras novas medidas, acabaram arrasando

com a velha economia agrária. Nos campos existia a fome, mas a cidade mão conseguia

oferecer trabalho para tanta gente. A válvula que impediu maiores revoltas e dispensou

grandes reformas sociais foi a emigração, principalmente para os Estados Unidos, a

Argentina e o Brasil 7 . Era então justamente o povo italiano o mais propenso a deixar sua

terra natal.

A partir de 1875, em poucos anos, grande parte dos lotes das colônias do Nordeste da

Província de São Pedro, hoje Estado do Rio Grande do Sul, foi ocupado pelos italianos,

passando também a atravessar o Rio das Antas e o São Marcos. Dez anos a de ser

demarcada, a qual deu-se o nome de Antônio Prado em homenagem a um fazendeiro

paulista conselheiro, senador e ministro Antônio da Silva Prado 8. Oficialmente fundada

como Sexta e última das chamadas "colônias antigas de imigração italiana" em 14 de Maio

de 1886. Em 1894, passa a ser o 5º distrito de Vacaria. Em 11 de fevereiro de 1899, o então

governador do Estado, Dr. Júlio de Castilhos, cria o município de Antônio Prado,

nomeando o Coronel Inocêncio de Matos Miller seu administrador, que em agosto deste

mesmo ano passa a intendente.

Em seguida, a colônia já apresentava uma boa produção (grande número de pequenas

indústrias, de estabelecimentos artesanais e casas de comércio) e o governo do Estado,

pretendendo livrar-se dos encargos com estas, emancipa Antônio Prado, que passa a fazer

parte do Município de Vacaria em 1890. Durante este período a cidade de Antônio Prado

conhece a prosperidade, pois era ponto de passagem obrigatória na rota Caxias do Sul para

os campos de Cima da Serra, além de ter-se consolidado como centro comercial da região

nordeste do Rio Grande do Sul.

6 DE BONI, Luis Alberto. Um pouco de história. In: POSENATO, Júlio (org.) Antônio Prado: Cidade Histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. pgs.7. 7 Idem 8 Idem.

Page 4: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

Porém, em 1913, a crise nacional e o aumento do custo de vida não deixaram de

abalar inclusive a região colonial italiana, desestruturando o sistema de cooperativas e,

conseqüentemente paralisando as atividades na cidade. A isso atribui-se o fato de a

indústria não Ter vingado por lá. Outro agravante da situação foi a Revolução de 1930.

"(...) A queda dos grandes estabelecimentos de Antônio Prado (...), somado às duas

estradas troncais, a estadual que vinha de Passo Fundo, passou entre Veranópolis e Bento

Gonçalves e sobretudo a antiga BR2, hoje br116, que passou entre Caxias do Sul e Vacaria,

isolando Antônio Prado, são sem sombra de dúvida, as duas causas mais importantes da

decadência e estagnação deste município (...)". 9

Foi justamente este relativo isolamento rodoviário um dos fatores que contribuiu para

a preservação deste patrimônio histórico-cultural 10. E, sendo esta a localidade que melhor

conservou o seu passado em 1988 o SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA declarou Antônio Prado

como "Patrimônio Nacional".

A cidade com suas 48 casas, muitas delas em madeira em estilo típico das construções

da imigração italiana, foi explorada nas filmagens do filme "O Quatrilho", do cineasta

Fábio Barreto, em 1994, inspirado no romance homônimo de José Clemente Pozenato.

Hoje causadora de grande fascínio, a pequena Antônio Prado com seus 12 mil

habitantes, recebe cerca de 80 mil turistas por ano. Sobrevive graças à agricultura, às

indústrias moveleira e moageira e, claro, ao turismo.

9 DE BONI, Luis Alberto. Um pouco de história. In: POSENATO, Júlio (org.) Antônio Prado: Cidade Histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p.9. 10 Idem.

Page 5: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

1 - Vista do conjunto de casas tombadas. 2 - Vista da Avenida Waldomiro Bocheese na qual se estrutura a cidade de Antônio Prado. Fotos cedidas pelo arquiteto Geder Meotti.

3 - Vista aérea do centro da cidade Fonte: POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p. 37.

ARQUITETURA DE IMIGRAÇÃO ITALIANA EM ANTÔNIO PRADO

Antônio Prado, assim como os outros núcleos urbanos, sedes das colônias fundadas

pelo governo, foi traçado por engenheiros e agrimensores a serviço deste mesmo governo.

Os imigrantes italianos não exerceram qualquer tipo de influência no traçado urbano da

cidade. A base do desenho ortogonal está nas Leyes de las Indias, estabelecidas pela

Monarquia Espanhola para as cidades de suas colônias.

Sendo assim, Antônio Prado desenvolve-se a partir de uma praça central, fronteira a

uma Igreja Matriz que, diferente do visual italiano, é tida como centro do comércio e da

administração urbana. É desta praça que partem as ruas paralelas e perpendiculares,

configurando os quarteirões regulares sem considerar a topografia e, por isso, sendo por

vezes interrompido por aclives acentuados ou até precipícios.

Estes imigrantes provenientes de regiões como o Vêneto, principalmente, trouxeram

consigo preferências da arquitetura de sua terra natal, a qual não foi reproduzida aqui

devido à falta de alguns materiais, de tecnologia e também às influências dos povos já

estabelecidos aqui.

Page 6: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

"(...) no início, havia unicamente construções de madeira, aí incluídos os barracões dos

imigrantes e as capelas. Onde as condições favoreceram , logo surgiram prédios de alvenaria

mais numerosos que os de madeira junto ao centro(...)contudo houve também edificações

requintadas em madeira, especialmente residenciais e comerciais, mas também pública, cujo

paradigma, o chalé, aparece transposto quase literalmente, ou com seus lambrequins (...)

amenizados pela influência da singeleza dos mesmos elementos na arquitetura peculiar da

imigração italiana."11

A arquitetura da imigração italiana no Rio Grande do Sul desenvolveu-se

distintamente da arquitetura iltaliana autêntica, quanto à organização dos espaços, porém é

mantido o vínculo às estruturas, técnicas e elementos construtivos. A arquitetura italiana

propriamente dita só se manifesta no período das construções provisórias na forma de

edificações blocausse, característica da arquitetura em madeira na montanha alpina, que

não foi transposta para o nosso meio. Na verdade, essa experiência com a madeira é que

serviu para que então fosse recriada a arquitetura em alvenaria própria da colônia italiana.12

No Rio Grande do Sul, a madeira tornou-se o material básico da arquitetura da

imigração italiana" diz Júlio Posenato em seu artigo no livro Antônio Prado: a cidade

histórica. Nas colõnias antigas a grande maioria de casas e edificações complementares

foram de madeira e o esquema se estendeu para as áreas de expansão, as novas colônias.

Júlio Posenato afirma que "a estrutura em madeira na imigração italiana consiste

numa solução peculiar (...). Os imigrantes italianos e seus descendentes criaram no Estado

uma estrutura de madeira única no mundo." 13

Verificaram que graças aos pregos, as tábuas dos pisos e paredes funcionavam

concomitantemente como fechamento e contraventamento. Assim, temos uma estrutura em

esqueleto, com vigas e pilares, sem elementos diagonais, contraventada pelo tabuado dos

pisos e paredes.

11 POSENATO, Júlio. Uma Cidade Histórica. In: POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p.15. 12 POSENATO, Júlio. Patrimônio da Humanidade. In: POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p.23. 13 Ibidem. P. 24.

Page 7: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

O autor atribui o desenvolvimento desta técnica em território rio-grandense e não

italiano a duas circunstâncias: "a generalização dos pregos industrializados, na segunda

metade de século XIX, aproximadamente à época em que se iniciou a imigração italiana

para o Rio Grande do Sul, ocasião em que escasseavam na Itália as construções de

madeira, tanto por esgotamento das florestas como pelo desestimulo ante á prevenção de

incêndios”.14

CONTEXTUALISMO ARQUITETÔNICO

Antes de refletirmos sobre contextualismo arquitetônico, seria interessante fazer uma

constatação esquemática dos acontecimentos e princípios arquitetônicos afim de facilitar

sua compreensão. Nossa linha de raciocínio começa em uma época de forte

desenvolvimento industrial que promovia a idéia de uma padronização da arquitetura. O

projeto era concebido de dentro para fora, desconsiderando o contexto, em que os prédios

são independentes, a construção é única. A prioridade eram as questões de funcionalidade.

Posterior a este discurso, depois da primeira metade do século XX, começava a se

manifestar uma nova corrente que consistiria em uma espécie de maturação daquelas idéias

e que "reúne uma série de experiências diferentes entre sí, mas que têm em comum a idéia

de revitalizar a arquitetura como arte, assumindo a posição de reabilitar a história,

restabelecendo uma continuidade com as experiências do passado antigo e moderno" 15. A

arquitetura passa a ter um posicionamento mais contextualista com cunho historicista.

Chegando aos dias atuais, a arquitetura se mostra em uma incansável mutação e busca.

Existe uma diversidade de aproximação e tratamento dos problemas. Então existe a

condição de contextualista para que uma obra seja considerada boa arquitetura.

Conforme Montaner, em 1993, 'o projeto arquitetônico deve encaixar, responder e

mediar seus arredores, completando um modelo já implícito, ou ainda introduzindo um

novo'(1). O projeto é concebido de fora para dentro. Primeiro deve haver uma observação

do entorno. Esta compreensão é necessária, pois o contexto conduz à um caminho. O

14 Idem. 15 MONTANER, Josep Maria. Depois do Movimento Moderno: Arquitetura da Segunda Metade do Século XX. Barcelona, Espanha: Gili, 2001. 271p. il.

Page 8: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

contextualismo pode ser historicista ou não historicista. No primeiro ocorre uma espécie de

repetição, uma releitura de elementos de obras do loco que são inseridos no prédio novo.

Existe uma reverência religiosa/fundamentalista ao entorno. Por outro lado, o não-

historicista, se traduz no diálogo entre o novo e o pré-existente. É criado um contraponto

através da inserção de novos elementos, novos materiais. As diferenças são explicitadas.

Mas de maneira harmônica.

Podemos citar como um exemplo de contextualismo a obra de Aldo Rossi. Em

especial a de um espaço criado para servir de apoio para Bienal de Teatro e Arquitetura em

1979, em Veneza. A idéia era recriar um teatro flutuante como as construções que o

circundam. O entorno é repleto de edificações com torres e cúpulas. Como contraponto o

arquiteto cria um volume que na verdade é uma torre, que faz com que o novo prédio de

relacione de uma forma harmônica com o contexto.

4 - diálogo entre torres em Veneza – o contextualismo de Aldo Rossi na obra de teatro flutuante (em amarelo), datado de 1979 Fonte: FERLENGA, Alberto. Aldo Rossi: 1959-1987. 9ª. ed. Milão: Electa, 1996. v.1. p. 160.

ANÁLISE DE OBRA - CONJUNTO COMERCIAL COM APARTAMENTOS

A obra de Geder Meotti analisada a seguir, consiste em um centro comercial com

apartamento no último pavimento, localizado na Avenida Imigrantes. Para tanto, teve como

fator condicionante de projeto a divisa com a Casa Graziottin, uma das 48 casas tombadas

pelo SPHAN- Prómemória entre 1988 e 1989. A casa é um exemplar autêntico da

arquitetura urbana do período de imigração italiana no estado do Rio Grande do Sul e

Page 9: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

representa o costume de manter um estabelecimento comercial no mesmo prédio com

função de moradia.

A casa Graziottin, de 1912, foi construída em alvenaria de tijolos e parcialmente em

barro e suas paredes internas são de madeira. Sofreu modificações em 1950, isolando o

pavimento inferior do superior, por meio do fechamento da escada interna e da colocação

de uma escada externa na parte dos fundos do prédio. Isto gerou duas residências

independentes no mesmo edifício. Posteriormente foi reformado, ampliando ambos os

pavimentos, acomodando na parte frontal do térreo um espaço para uso comercial, onde

funcionou a telefônica de Antônio Prado.

O SPHAN, órgão que trata da conservação do patrimônio, estabelece três zonas de

controle para a cidade de Antônio Prado. O primeiro localiza-se exatamente no centro

histórico da cidade, o segundo diz respeito a uma área ao redor deste centro e a terceira, se

refere à uma área mais periférica, que seria nas encostas dos morros da cidade. Para a zona

central, onde se encontra o prédio Graziottin, o órgão estabelece as seguintes regras para

novas construções 16:

- afastamentos laterais de no mínimo 1,50 metros;

- alinhamento da testata do terreno;

- recúo do limite dos fundos do terreno de no mínimo 1,50 metros;

- altura máxima de 9 metros;

- ocupação de no máximo 60% do lote;

- cobertura com inclinação entre 25% e 45%.

Geder, então, optou pela elaboração de um estudo que levou em consideração não só

o prédio tombado, também o contexto imediato e que “quando a linguagem arquitetônica

buscou dialogar com o monumento através do contraste antigo versus novo” 17. Com este

trabalho, Geder deseja mostrar não só à população pradense, mas a todos, que “o

contemporâneo pode perfeitamente conviver com o antigo e ainda tirar partido deste” 18.

16 MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990. 17 Idem. 18 FONTOURA, Felipe Herrmann. Entrevista com arquiteto Geder Meotti, sobre alguns de seus trabalhos. Porto Alegre, out. 2002.

Page 10: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

O prédio é uma “costura” urbana devido ao problema representado pelas empenas dos

prédios vizinhos (construídos juntos às divisas do terreno) e pela altura exagerada de um

deles (o que tem acesso pela Travessa Irmão Irineu, fazendo lateral com os fundos da casa

tombada). Também foi importante observar que as paredes da casa que fazem limite com o

terreno vizinho possuem aberturas, e estas obviamente teriam que ser preservadas.

A costura se configurou “com a criação de um plano diagonal” que encobre as

empenas dos prédios vizinhos e ao longo do qual acontece uma passagem pública (galeria)

que supre a inexistência de passeio público junto à Travessa Irmão Irineu, criando uma

separação (negativo) entre os dois prédios” (o Graziottin e o de Geder).19

O volume é composto por dois prismas que se projetam do plano em diagonal, um

para a Avenida Imigrantes e um para a travessa Irmão Irineu. Estes prismas estão recuados

em relação aos planos das fachadas do prédio tombado e estão alinhados conforme o

traçado viário, buscando uma identificação com o mesmo.

A contemporaneidade da obra de Geder, é claro também se manifesta através da

técnica construtiva: a estrutura de o concreto. As paredes laterais são em alvenaria portante

de tijolos. Porém as lajes e seus pilares são de concreto armado e são vedados com planos

de vidro estruturado por uma malha metálica, linear e homogênea, formando os prismas.

No conjunto com a fachada antiga, o vidro com sua textura lisa e sua cor escura ressalta o

monumento, este com fachada de cor clara e de superfície vazada com aberturas em

madeira com vergas retas no térreo e arcos plenos no segundo pavimento. Na fachada

lateral aparecem janelas com arcos abatidos. A parte do plano diagonal, aparente na

fachada, gera um elemento vertical que faz um contraponto com os cunhais presentes na

fachada Graziottin.

A escala também foi ajustada, condicionando a altura do prédio à do monumento na

Avenida Imigrantes e utilizando uma proporção intermediária entre o prédio Graziottin e o

vizinho na travesso Irmão Irineu. O descolamento do prédio tombado dá passagem pública,

sendo esta semicoberta (apenas ao longo do espaço correspondente ao volume da Av. 19 MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990.

Page 11: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

Imigrantes). Esta cobertura dá continuidade ao telhado do prédio tombado ligando ao

prédio novo, feita em estrutura metálica e vedado com vidro, conduta o descolamento

(diferencia o espaço aberto do construído).

Existe uma inflexão nas coberturas que beiram o limite do terreno com o passeio

público a fim de equiparar a inclinação do prédio de Geder com o prédio tombado. No

telhado, tanto a estrutura quanto a vedação são metálicos.

“(...) Com esta inflexão reproduzo, com proporções intencionalmente exageradas

uma característica marcante no conjunto de casas tombadas e juntamente com o artifício das

sacadas nas arestas do prédio ‘diminuindo’ a largura da fachada aproximando-a a uma

dimensão mais usual nas casas tombadas (de 8 a 9 metros) e simultaneamente consigo uma

proporção final na fachada que considero mais agradável e elegante.

Por outro lado, com esta solução de telhado, consigo mais altura (pé-direito), onde

mais necessito (junto as paredes laterais) e diminuo a altura onde ela não me é necessária

(mais no centro da fachada), tendo como resultado final um prédio mais adequado à paisagem

onde se insere (contextualizado) e melhor explorado funcionalmente.” 20

5 - Aberturas na face lateral, divisa do terreno vizinho. Foto cedida pelo arquiteto Geder Meotti.

20 MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990.

Page 12: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

6 - Ausência do passeio público na lateral da Casa Graziottin na travessa Irmão Irineu e vizivel quebra de escala do prédio mais novo (ao fundo na foto) com o monumento. Foto cedida pelo arquiteto Geder Meotti.

7 - Aberturas para o terreno vizinho e grande diferença de altura em relação ao prédio vizinho. Foto cedida pelo arquiteto Geder Meotti.

08 – Perspectiva Axonométrica Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti

Page 13: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

9 - Fachada da Travessa Irmão Irineu: um prisma de vidro se projetando da diagonal de pedra Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti

9 -Fachada da Avenida dos Imigrantes: abertura de uma passagem pública por meio de um descolamento entre o patrimônio tombado e o prédio do arquiteto Geder Meotti Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti

9 - Planta térreo: Galeria com lojas – passeio público Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti

Page 14: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando a cidade de Antônio Prado e sua arquitetura, torna-se clara a posição

contextualista que o arquiteto Geder Meotti adota na hora de projetar. Ao mesmo tempo,

respeita e enfatiza o pré-existente com valor histórico, cria uma arquitetura que também se

pronuncia e marca presença. Na concepção do projeto é inevitável a compreensão do

entorno em que se está trabalhando. O contexto passa a ser um objeto de partida, passa a ser

um condicionante direto na hora de projetar. Por este motivo, por este contraponto criado,

expõe a possibilidade de diálogo entre os movimentos, entre diferentes épocas. Melhor,

como diz o próprio arquiteto, este fato "torna ainda mais legível a leitura das diferentes

épocas da cidade".

BIBLIOGRAFIA: BARBOSA, Fidelis Dalcin. Antônio Prado e sua História. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980. 288 p. (Coleção Imigração italiana, 34). BOHMGAHREN, Cíntia; FONTOURA, Felipe Herrmann. Anotações pessoais durante a aula sobre a ‘Arquitetura das Imigrações Européias Tardias: Alemães & Italianos’ ministrado pelo Prof. Maturino Luz. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UniRitter. 17 de set. 2002 ________________________________________________. Anotações pessoais durante a palestra sobre ‘A obra arquitetônica de Geder Meotti’ ministrado pelo próprio arquiteto. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UniRitter. out. 2002 CASTELNOU NETO, Antonio Manuel Nunes. Contextualismo na arquitetura latino americana. Revista Terra e Cultura, Londrina: Centro de Estudos Superiores de Londrina, nº. 31, p. 63-74, jul-dez 2000. FERLENGA, Alberto. Aldo Rossi: 1959-1987. 9ª. ed. Milão: Electa, 1996. v.1. 315 p. Papel. FONTOURA, Felipe Herrmann. Entrevista com arquiteto Geder Meotti, sobre alguns de seus trabalhos. Porto Alegre, out. 2002. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 470p. il.

Page 15: Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio …arquitetoeurbanista.weebly.com/.../13_-_artigo_cintia_e_felipe.pdf · administração urbana. É desta praça que

LEMOS, Carlos A. C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1981. 115 p., il.(Coleção Primeiros Passos, 51). MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990. _____________. A Obra do Arquiteto em Antônio Prado. Palestra proferida durante a Semana Acadêmica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Ritter dos Reis. Porto Alegre, 3 out. 2002. MONTANER, Josep Maria. Depois do Movimento Moderno: Arquitetura da Segunda Metade do Século XX. Barcelona, Espanha: Gili, 2001. 271p. il. POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. 204 p., il. (Coleção Imigração italiana, 96). RAMOS, Paula. As rotas da cultura. Aplauso, Porto Alegre: Plural Comunicação, nº. 21, p. 18, 2000.