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Tópicos de Álgebra - Notas de Aula Ivo Terek * 30 de maio de 2018 Notas de aula da disciplina MAT5797 - Tópicos de Álgebra ministrada no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, no primeiro semestre de 2018. As resoluções de alguns exercícios das listas estarão espalhadas pelo texto, sem compromisso algum (não farei todos). Agradeço em especial à Janaína Baldan e ao Jonas Gomes por me aju- darem a manter estas anotações completas, e ao André Gomes pelas várias correções feitas. Quaisquer erros aqui são de minha única responsabili- dade. Sumário 1 Aneis e Álgebras (05/03) 4 1.1 Aneis ................................ 4 1.2 Anel quociente ........................... 5 1.3 Homomorfismos ......................... 5 1.4 Álgebras .............................. 8 2 Álgebras livres, geradores e relações (08/03) 10 Algumas coisas (sobre aneis) da Lista 1 15 3 Mais exemplos (13/03) 21 4 Módulos (15/03) 26 4.1 Módulos e homomorfismos ................... 26 4.2 Módulo quociente ......................... 30 * [email protected] 1

Tópicos de Álgebra - Notas de Aula - ime.usp.brterek/textos/notas_alg.pdf · Exemplo 1.3. Temos que Z é subanel de Q, mas 2Z não é subanel de Z. Definição 1.4 (Ideal). Um

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Tópicos de Álgebra - Notas de Aula

Ivo Terek*

30 de maio de 2018

Notas de aula da disciplina MAT5797 - Tópicos de Álgebra ministradano Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, noprimeiro semestre de 2018. As resoluções de alguns exercícios das listasestarão espalhadas pelo texto, sem compromisso algum (não farei todos).

Agradeço em especial à Janaína Baldan e ao Jonas Gomes por me aju-darem a manter estas anotações completas, e ao André Gomes pelas váriascorreções feitas. Quaisquer erros aqui são de minha única responsabili-dade.

Sumário

1 Aneis e Álgebras (05/03) 41.1 Aneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.2 Anel quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.3 Homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.4 Álgebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Álgebras livres, geradores e relações (08/03) 10

† Algumas coisas (sobre aneis) da Lista 1 15

3 Mais exemplos (13/03) 21

4 Módulos (15/03) 264.1 Módulos e homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264.2 Módulo quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

*[email protected]

1

5 Submódulos, somas diretas e sequências exatas (20/03) 315.1 Submódulos gerados por conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . 315.2 Sequências exatas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335.3 Soma direta interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

6 Continuando com somas e produtos diretos (03/04) 386.1 Produto direto de módulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386.2 Soma direta de módulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 426.3 Somas diretas internas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

† Algumas coisas (sobre módulos) da Lista 2 44

7 Módulos livres (05/04) 50

8 Produto tensorial (10/04) 55

† Algumas coisas (sobre produtos tensoriais) da Lista 2 63

9 Mais produtos tensoriais (12/04) 689.1 Isomorfismos com produtos tensoriais . . . . . . . . . . . . . 689.2 Bimódulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

10 Começando com categorias (17/04) 7710.1 Estruturas em Hom . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7710.2 Categorias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

11 Funtores, Hom(M, _) (19/04) 85

12 Módulos projetivos e o funtor tensor (24/04) 8912.1 Módulos projetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8912.2 O funtor ⊗ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

† Algumas coisas (sobre funtores) da Lista 2 96

13 Módulos planos (26/04) 9913.1 Definição e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9913.2 Localização central . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

14 Mais localização (03/05) 10414.1 Propriedade universal e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . 10414.2 Localização de módulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

15 Módulos Injetivos (08/05) 111

2

16 Injetivos versus Divisíveis (15/05) 113

17 Complexos (17/05) 117

18 Homologia (22/05) 122

19 Sequências exatas longas (24/05) 126

3

1 Aneis e Álgebras (05/03)

1.1 Aneis

Definição 1.1 (Anel). Um conjunto R munido de duas operações binárias

+ : R× R→ R(a, b) 7→ a + b

e · : R× R→ R(a, b) 7→ ab

satizfazendo

(i) a + b = b + a, para todos a, b ∈ R;

(ii) a + (b + c) = (a + b) + c, para todos a, b, c ∈ R;

(iii) Existe 0 ∈ R tal que a + 0 = a, para todo a ∈ R;

(iv) Para todo a ∈ R existe (−a) ∈ R tal que a + (−a) = 0.

(v) a(bc) = (ab)c, para todos a, b, c ∈ R;

(vi) Existe 1R ∈ R tal que a · 1R = 1R · a = a, para todo a ∈ R;

(vii) a(b + c) = ab + ac e (a + b)c = ac + bc, para todos a, b, c ∈ R;

chama-se anel. Se R satisfizer também

(viii) ab = ba, para todos a, b ∈ R,

diremos que R é um anel comutativo.

Observação. Ou seja, R munido apenas da operação + é um grupo. Anotação usual “R” vem do inglês “ring”.

Todos os aneis neste curso são aneis com unidade!

Definição 1.2 (Subanel). Um subanel de um anel R é um subconjunto S deR tal que

(i) 0 ∈ S;

(ii) para todos a, b ∈ S, a− b ∈ S;

(iii) 1R ∈ S;

(iv) para todos a, b ∈ S, ab ∈ S.

4

Exemplo 1.3. Temos que Z é subanel de Q, mas 2Z não é subanel de Z.

Definição 1.4 (Ideal). Um subconjunto I de um anel R é um ideal à esquerda(resp., direita) se

(i) 0 ∈ I;

(ii) para todos a, b ∈ I, a− b ∈ I;

(iii) para todos a ∈ I e x ∈ R, xa ∈ I (resp. ax ∈ I).

Um subconjunto I de um anel R é um ideal (bilateral) se for um ideal àesquerda e à direita. Neste caso, notamos I � R.

Observação. Se I é um ideal de R com 1R ∈ I, então I = R, pois para todox ∈ R tem-se x = x · 1R ∈ I.

1.2 Anel quociente

Dado um anel R e um ideal I � R, define-se em R a seguinte relação deequivalência:

a ∼ b ⇐⇒ a− b ∈ I.

As classes de equivalência desta relação são os conjuntos

a + I .= {a + c | c ∈ I}.

O conjunto das classes de equivalência, R/I .= {a + I | a ∈ R}, tem uma

estrutura natural de anel dada por

(a + I) + (b + I) .= (a + b) + I e (a + I)(b + I) .

= (ab) + I,

em que 0R/I = 0 + I e 1R/I = 1R + I.

Observação. Deve ser verificado que estas definições independem das es-colhas dos representantes das classes. O anel quociente R/I herda algu-mas propriedades de R. Por exemplo, se R é comutativo, então R/I tam-bém o é.

1.3 Homomorfismos

Definição 1.5 (Homomorfismo). Sejam R e S aneis. Um homomorfismo deaneis de R em S é uma função f : R→ S tal que

(i) f (a + b) = f (a) + f (b);

5

(ii) f (ab) = f (a) f (b);

(iii) f (1R) = 1S.

Definem-se ainda:

• o núcleo de f por ker f = {a ∈ R | f (a) = 0S} = f−1(0), e

• a imagem de f por Im f = { f (a) | a ∈ R} = f (R).

Observação.

• Na definição acima, note que o símbolo + está sendo para denotaras operações em ambos os aneis. Isto é um abuso comum que nãodeve causar confusão.

• São os morfismos na categoria dos aneis com unidade.

• ker f � R.

• Im f é um subanel de S.

Definição 1.6. Um homomorfismo de aneis f : R → S é chamado um iso-morfismo se for bijetor. Se existir um isomorfismo f : R → S, escrevemosR ∼= S e dizemos que R e S são isomorfos.

Observação. Está implícito na definição acima que se “R é isomorfo a Sentão S é isomorfo a R”. Com efeito, se f : R → S é um isomorfismo deaneis, então f−1 : S→ R também o é.

Exercício.

(a) a identidade IdR : R→ R é um isomorfismo;

(b) a composta de isomorfismos é um isomorfismo;

(c) a inversa de um isomorfismo é um isomorfismo.

(d) se I � R, então

π : R→ R/Ia 7→ a + I

é um homomorfismo sobrejetor (chamado canônico);

(e) um homomorfismo de aneis f : R→ S é injetor se e somente se ker f ={0R}.

6

Teorema 1.7 (Teorema do homomorfismo). Sejam f : R → S um homo-morfismo e I � R tal que I ⊆ ker f . Então existe um único homomorfismof : R/I → S tal que f ◦ π = f , onde π : R→ R/I é o homomorfismo sobrejetorcanônico. Além disto:

• ker f = ker f /I .= {a + I | a ∈ ker f } e

• Im f = Im f .

Em particular, f é injetor se e somente se I = ker f .

Demonstração: Esboço. Definimos f usando a conclusão desejada f ◦π =f , ou seja, f (a + I) .

= f (a).

• f está bem definida, pois I ⊆ ker f ;

• f é um homomorfismo, pois f o é;

• f ◦ π = f é então trivial;

• f é o único homomorfismo de R/I em S satisfazendo f ◦ π = f poisπ é sobrejetora (e portanto pode ser cancelada à direita).

O resto é exercício.

R S

R/I

π

f

f

Figura 1: f desce ao quociente R/I como f se e só se I ⊆ ker f .

Corolário 1.8 (Teorema do isomorfismo). Se f : R → S é um homomorfismode aneis, então R/ker f ∼= Im f .

Demonstração: Faça I = ker f no resultado anterior.

7

1.4 Álgebras

Definição 1.9. Seja k um anel comutativo. Uma k-álgebra é um anel R dadocom uma “multiplicação por escalar”

k× R→ R(λ, a) 7→ λa

satisfazendo

(i) (λµ)a = λ(µa), para todos λ, µ ∈ k, a ∈ R;

(ii) (λ + µ)a = λa + µa, para todos λ, µ ∈ k, a ∈ R;

(iii) λ(a + b) = λa + λb, para todos λ ∈ k, a, b ∈ R;

(iv) 1ka = a, para todo a ∈ R;

(v) λ(ab) = (λa)b = a(λb), para todos λ ∈ k, a, b ∈ R.

O anel k será chamado o anel de coeficientes da álgebra.

Observação.

• Essencialmente, R é um k-módulo, melhorado com a condição (v).

• Na definição acima, se k não é necessariamente comutativo, diremosapenas que R é um k-anel.

• Sejam k um anel comutativo e R um anel. Então

R é uma k-álgebra ⇐⇒ existe um homomorfismo k→ Z(R),

onde Z(R) .= {a ∈ R | ab = ba para todo b ∈ R} é o centro1 de R.

Com efeito, se ϕ : k → R é dado por ϕ(λ) = λ1R, então ϕ é um ho-momorfismo de aneis, e Im ϕ ⊆ Z(R) pela condição (v) da definiçãode k-álgebra. Reciprocamente, se ϕ : k → R á um homomorfismocom Im ϕ ⊆ Z(R), então k × R 3 (λ, a) 7→ ϕ(λ)a ∈ R confere a Ruma estrutura de k-álgebra.

Se R é apenas um k-anel, vale uma caracterização como acima, masnão tem-se mais Im ϕ ⊆ Z(R).

• Se k é um corpo, uma k-álgebra é também um espaço vetorial sobre k.Neste caso, podemos falar em dimk R.

1Note que Z(R) é um subanel comutativo de R.

8

• Todo anel é uma Z(R)-álgebra.

• Todo anel R é uma Z-álgebra. A aplicação Z→ Z(R) definida por

1 + · · ·+ 1︸ ︷︷ ︸n vezes

, se n > 0,

0R, se n = 0,(−1) + · · ·+ (−1)︸ ︷︷ ︸−n vezes

, se n < 0

é um homomorfismo. Em outros termos, a multiplicação Z× R→ Ré dada por

a + · · ·+ a︸ ︷︷ ︸n vezes

, se n > 0,

0R, se n = 0,(−a) + · · ·+ (−a)︸ ︷︷ ︸−n vezes

, se n < 0.

• Se R é uma k-álgebra, e I é um ideal “de anel” de R, então também éum ideal “de álgebra”. Com efeito, se a ∈ I e λ ∈ k, então λ · a ∈ I,uma vez que

λ · a = λ · (1Ra) = (λ · 1R)a ∈ I,

pois λ · 1R ∈ R. Se estivéssemos trabalhando com aneis sem unidade,há uma diferença! Isto nos garante que quocientes também terãouma estrutura de k-álgebra.

Definição 1.10. Se R e S são k-álgebras, um homomorfismo de k-álgebras deR em S é um homomorfismo de aneis f : R → S satisfazendo tambémf (λa) = λ f (a), para todos λ ∈ k e a ∈ R.

Exemplo 1.11.

(1) Se k é um corpo, então Mat(n, k) .= {matrizes n× n com entradas em k}

é uma k-álgebra de dimensão finita dimk Mat(n, k) = n2 (e uma base é{Eij | 1 ≤ i, j ≤ n}, onde Eij é a matriz com 1k na entrada (i, j) e 0K nasdemais).

(2) Quatérnios2: H .= R4. Denotamos:

1 = (1, 0, 0, 0), i = (0, 1, 0, 0), j = (0, 0, 1, 0) e k = (0, 0, 0, 1).

Definimos uma multiplicação em H satisfazendo:

2A notaçãoH remete à Hamilton.

9

• 1α = α1 = α, para todo α ∈ H;

• ij = k = −ji;

• i2 = j2 = −1.

k

×j

i

Figura 2: A multiplicação em H e o produto vetorial × em R3.

Em particular, segue também que k2 = −1. Então H é uma R-álgebra(o principal é verificar que esta multiplicação é de fato associativa), eo homomorfismo associado é

R→ H

1 7→ 1.

Temos que H é um anel com divisão (ou corpo não-comutativo3), ou seja,todo elemento não nulo possui um inverso. Para ver isto, definimos oconjugado de α = a1 + bi + cj + dk ∈ H por

α.= a1− bi− cj− dk.

Temos que αα = a2 + b2 + c2 + d2 é não-nulo4 se α 6= 0, e assim

α

αα

)= 1.

2 Álgebras livres, geradores e relações (08/03)

Observação. Sejam k1 e k2 aneis comutativos e λ : k1 → k2 um homomor-fismo de aneis. Se R é uma k2-álgebra, então R tem uma estrutura naturalde k1-álgebra via α · a .

= λ(α)a, para todos α ∈ k1 e a ∈ R. Em particular,um anel é uma k-álgebra para qualquer subanel k de Z(R).

3Ou, em inglês, division ring ou skew-field.4A rigor αα = (a2 + b2 + c2 + d2)1.

10

Exemplo (Alerta). Note que C ⊆ H, temos que

C→ H

a + bi 7→ a + bi + 0j + 0k

é um homomorfismo injetor de aneis, C é comutativo, mas H não é umaC-álgebra, pois C 6⊆ Z(H) (exercício: Z(H) = R). Apesar disto, H temestrutura de C-espaço vetorial (com dimCH = 2) e, com a nomenclaturada aula anterior, H é um C-anel.

Voltamos aos exemplos da aula anterior:

Exemplo 2.1.

(3) A álgebra livre: sejam k um anel comutativo e X um conjunto não-vazio.Colocamos

k〈X〉 .=

{∑

finitaλx1...xn x1 . . . xn | x1, . . . , xn ∈ X, λx1...xn ∈ k, n ≥ 0

}

Os elementos de k〈X〉 são chamados palavras, e os elementos de

〈X〉 .= {x1 . . . xn | x1, . . . , xn ∈ X, n ≥ 0}

chamam-se monômios. Então k〈X〉 é uma k-álgebra com operações taisque λx = xλ para todos λ ∈ k e x ∈ X, e

x1 . . . xn · y1 . . . ym.= x1 . . . xny1 . . . ym, com xi, yj ∈ X.

Digamos, se X = {x, y}, então 〈x, y〉 = {e, x, y, xx, xy, yx, yy, . . .}, ondee é a palavra vazia (que será o elemento neutro de k〈x, y〉). Em Q〈x, y〉temos, por exemplo, que(

12

e + 7xy)(

1xx +73

y)=

12

xx + 7xyxx +76

y +493

xyy.

Os elementos de k〈X〉 são “polinômios” com coeficientes em k nas va-riáveis não comutativas do conjunto X. Em particular, se X = {x},então k〈X〉 = k[x] é a única k-álgebra livre comutativa.

Proposição 2.2 (Propriedade universal de k〈X〉). Sejam k um anel co-mutativo, X um conjunto não-vazio e k〈X〉 a k-álgebra livre sobre X. Dadauma k-álgebra R e uma funçao j : X → R, existe um único homomorfismo dek-álgebras ϕ : k〈X〉 → R tal que ϕ(x) = j(x), para todo x ∈ X, onde iden-tificamos X com sua imagem pela aplicação (injetora) X 3 x 7→ 1x ∈ k〈X〉.

11

Demonstração: Exercício. Dica: dada j, defina

ϕ

(∑

finitaλx1...xn x1 . . . xn

).= ∑

finitaλx1...xn j(x1) . . . j(xn).

(4) Geradores e relações:

Definição 2.3. Sejam k um anel comutativo, R uma k-álgebra, e F ⊆ Rum subconjunto qualquer. Definimos o ideal de R gerado por F comosendo

(F) .=⋂{I | I � R e I ⊇ F}.

Observação.

• De fato (F) é um ideal de R.

• (F) é o menor ideal de R (na ordem da inclusão) que contém F.

Definição 2.4. Sejam k um anel comutativo, X um conjunto não-vazioe F ⊆ k〈X〉 um subconjunto qualquer. A k-álgebra

k〈X | f = 0, para todo f ∈ F〉 .=

k〈X〉(F)

é chamada a álgebra gerada por X sobre k com relações F.

(a) Por exemplo, se X = {x, y} e F = {xy− yx}, temos que

k〈x, y | xy− yx = 0〉 ∼= k[x1, x2]

(anel de polinômios nas variáveis comutativas x1, x2). Para daruma ideia de como construir o isomorfismo, começamos com j :{x, y} → k[x1, x2] dada por j(x) = x1 e j(y) = x2. Pela propriedadeuniversal, existe um único homomorfismo ϕ : k〈x, y〉 → k[x1, x2]que estende j. Claramente ϕ é sobrejetor. Visto que

ϕ(xy− yx) = ϕ(x)ϕ(y)− ϕ(y)ϕ(x)= j(x)j(y)− j(y)j(x)= x1x2 − x2x1 = 0,

temos que (xy− yx) ⊆ ker ϕ, e daí o Teorema do Homomorfismonos dá um homomorfismo sobrejetor (de k-álgebras)

ϕ :k〈x, y〉

(xy− yx)→ k[x1, x2].

12

Defina agora outro homomorfismo

ψ : k[x1, x2]→k〈x, y〉

(xy− yx)

levando x1 e x2 nas classes de x e y no quociente. Afirmo que ϕ eψ são inversos. Por um lado temos

ϕ ◦ ψ(x1) = ϕ(x) = ϕ(x) = x1 eϕ ◦ ψ(x2) = ϕ(y) = ϕ(y) = x2,

e por outro

ψ ◦ ϕ(x) = ψ(ϕ(x)) = ψ(x1) = x eψ ◦ ϕ(y) = ψ(ϕ(y)) = ψ(x2) = y.

(b) H ∼= R〈x, y | x2 + 1 = 0, y2 + 1 = 0, xy + yx = 0〉. Vejamos comorepetir a estratégia do item anterior neste caso.Defina j : {x, y} → H por j(x) = i e j(y) = j. Por universalidade,estendemos j para um homomorfismo ϕ : R〈x, y〉 → H, que é so-brejetor (visto que i e j estão na imagem e k = ij). Note que

ϕ(x2 + 1) = ϕ(x)2 + ϕ(1) = i2 + 1 = 0

ϕ(y2 + 1) = ϕ(y)2 + ϕ(1) = j2 + 1 = 0ϕ(xy + yx) = ϕ(x)ϕ(y) + ϕ(y)ϕ(x) = ij + ji = 0,

donde o Teorema do Homomorfismo nos fornece um homomor-fismo (sobrejetor)

ϕ : R〈x, y | x2 + 1 = 0, y2 + 1 = 0, xy + yx = 0〉 → H.

Por outro lado, defina

ψ : H→ R〈x, y | x2 + 1 = 0, y2 + 1 = 0, xy + yx = 0〉ψ(a + bi + cj + dk) .

= a1 + bx + cy + dxy,

onde 1, x e y denotam as classes de 1, x e y no quociente5. Temosque ψ é um homomorfismo. Agora finalmente afirmo que ϕ e ψsão inversos.

5É usual escrever diretamente 1, x e y ao invés de 1, x e y.

13

Por um lado:

ϕ ◦ ψ(a + bi + cj + dk) = ϕ(a1 + bx + cy + dxy)

= aϕ(1) + bϕ(x) + cϕ(y) + dϕ(x)ϕ(y)= aϕ(1) + bϕ(x) + cϕ(y) + dϕ(x)ϕ(y)= a + bi + cj + dik= a + bi + cj + dk.

Por outro:

ψ ◦ ϕ(x) = ψ(ϕ(x)) = ψ(i) = x eψ ◦ ϕ(y) = ψ(ϕ(y)) = ψ(j) = y.

(c) k〈x, y | xy− yx = 1〉 é chamada a primeira álgebra de Weyl (relevantena mecânica quântica, onde os operadores em geral não comutam),não possui ideais (bilaterais) não-triviais nem divisores de zero, eé Noetheriano6.

(d) Suponha que k é um corpo. Veremos na próxima aula que no anelR .= k〈x, y | xy = 1〉, x não é invertível à esquerda, que {yixj | i, j ≥

0} é uma base de R como k-espaço vetorial e, portanto, dimk R =+∞.Por sua vez, k〈x, y | xy = 1 = yx〉 ∼= k[x, x−1] é conhecido como oanel dos polinômios de Laurent na variável x com coeficientes em k.Vejamos como fica o cálculo neste caso. Para evitar qualquer con-fusão, troquemos x por u. Defina j : {x, y} → k[u, u−1] pondoj(x) = u e j(y) = u−1, e por universalidade tome um homomor-fismo ϕ : k〈x, y〉 → k[u, u−1] que estende j. Como

ϕ(xy− 1) = ϕ(x)ϕ(y)− ϕ(1) = uu−1 − 1 = 0 e

ϕ(yx− 1) = ϕ(y)ϕ(x)− ϕ(1) = u−1u− 1 = 0,

temos que ϕ desce ao quociente como

ϕ : k〈x, y | xy = yx = 1〉 → k[u, u−1].

Por outro lado, defina um homomorfismo

ψ : k[u, u−1]→ k〈x, y | xy = yx = 1〉u 7→ x.

6Ou seja, é um domínio Noetheriano simples.

14

Isto necessariamente força ψ(u−1) = y. Daí temos

ϕ ◦ ψ

(n

∑r=1

arur +m

∑s=1

bsu−s

)= ϕ

(n

∑r=1

arxr +m

∑s=1

bsys

)

=n

∑r=1

ar ϕ(x)r +m

∑s=1

bs ϕ(y)s

=n

∑r=1

ar ϕ(x)r +m

∑s=1

bs ϕ(y)s

=n

∑r=1

arur +m

∑s=1

bsu−s,

e também

ψ ◦ ϕ(x) = ψ(ϕ(x)) = ψ(u) = x,

ψ ◦ ϕ(y) = ψ(ϕ(y)) = ψ(u−1) = y,

como queríamos.

(e) Toda álgebra pode ser apresentada por geradores e relações. Defato, dada uma k-álgebra R, considere um conjunto equipotente aR, digamos, {xa | a ∈ R}. Então o homomorfismo

ϕ : k〈xa | a ∈ R〉 → Rxa 7→ a

é, claramente, sobrejetor. Portanto

R ∼=k〈xa | a ∈ R〉

ker ϕ=

k〈xa | a ∈ R〉(ker ϕ)

= k〈xa : a ∈ R | f = 0, para todo f ∈ ker ϕ〉.

† Algumas coisas (sobre aneis) da Lista 1

Exercício. Sejam R, S e T aneis, f : R → S e h : R → T homomorfismos deaneis, com f sobrejetor. Mostre que existe um homomorfismo g : S → Ttal que h = g f se, e somente se, ker f ⊆ ker h.

Solução: Suponha que ker f ⊆ ker h. Dado s ∈ S, existe r ∈ R tal ques = f (r). Definimos g(s) = h(r). Temos que g está bem-definida em vista

15

da hipótese ker f ⊆ ker h: com efeito, se r, r′ ∈ R são tais que f (r) = f (r′),então r− r′ ∈ ker f e portanto r− r′ ∈ ker h, donde h(r) = h(r′).

Temos que g é um homomorfismo pois f e h o são. Verifiquemos, porexemplo, a aditividade: se s, s′ ∈ S, existem r, r′ ∈ R com s = f (r) es′ = f (r′). Então s + s′ = f (r + r′) pois f é homomorfismo, e isto nospermite calcular

g(s + s′) = h(r + r′) = h(r) + h(r′) = g(s) + g(s′),

usando desta vez que h é homomorfismo. Analogamente mostra-se queg(ss′) = g(s)g(s′).

E claro que vale h = g f .Reciprocamente, assuma a existência de g e tome r ∈ ker f . Então

f (r) = 0 implica que h(r) = g( f (r)) = g(0) = 0 e assim r ∈ ker h, comodesejado.

Este resultado pode ser interpretado como um tipo de “Teorema doHomomorfismo”. Compare o seguinte diagrama com o diagrama da Fi-gura 1 (p. 7):

R

S

Th

f

g

Figura 3: h se fatora sob f como g se e somente se ker f ⊆ ker h.

Exercício. Sejam k um corpo, n um inteiro positivo e R .= Mat(n, k) o anel

das matrizes n× n sobre k. Considere o subconjunto T de R formado pelasmatrizes triangulares superiores, isto é,

T = {(aij)ni,j=1 | aij = 0 se i > j},

e o subconjunto I de R formado pelas matrizes triangulares superiores dediagonal nula, isto é,

I = {(aij)ni,j=1 ∈ R | aij = 0 se i ≥ j}.

Mostre que T é um subanel de R, que I é um ideal de T e que T/I ∼=k× · · · × k (n fatores).

16

Solução: Que 0n, Idn ∈ T e que T é fechado para diferenças é claro. Sendodadas A = (aij)

ni,j=1, B = (bij)

ni,j=1 ∈ T, note que

n

∑`=1

ai`b`j =i−1

∑`=1

ai`b`j +n

∑`=i

ai`b`j = 0

para i > j. Com efeito, a primeira parcela se anula pois i > ` nos dá ai` = 0e a segunda pois ` ≥ i > j nos dá b`j = 0. Portanto AB ∈ T e T é subanelde R.

Do mesmo modo temos que 0n ∈ I e que I é fechado para diferenças.Uma conta análoga a feita acima nos dá que I � T. Finalmente, definaf : T → kn pondo f ((aij)

ni,j=1) = (a11, . . . , ann). Claramente f é sobrejetora,

e como está definida em T é também um homomorfismo7. É fácil ver queker f = I, donde T/I ∼= kn, como queríamos.

Exercício. Considere o anel Mat(2, C) como uma R-álgebra de maneiranatural, e seja H a R-álgebra dos quatérnios. Mostre que a função

H→ Mat(2, C)

a + bi + cj + dk 7→(

a + bi −c− dic− di a− bi

),

em que a, b, c, d ∈ R, é um homomorfismo injetor de R-álgebras e con-clua que H é isomorfo à subálgebra S de Mat(2, C) dada por

S .=

{(α −ββ α

)| α, β ∈ C

}.

Calcule também as imagens de 1, i, j, k.

Solução: Um cálculo direto8 mostra que essa função é um homomorfismode R-álgebras, ao passo que injetividade é clara. Segue disto que H ∼= S.As imagens pedidas são:

1 7→ Id2, i 7→(

i 00 −i

), j 7→

(0 −11 0

)e k 7→

(0 −i−i 0

).

7Cuidado! Não seria homomorfismo se definida sobre o anel R inteiro.8 · ·^

17

Exercício. Sejam R um anel e X um subconjunto de R. Defina o centraliza-dor de X em R como sendo o conjunto

CenR(X).= {a ∈ R | ax = xa, para todo x ∈ X}.

(a) Mostre que CenR(X) é um subanel de R.

(b) Mostre que CenR(CenR(X)) ⊇ X e que CenR(X) ⊇ X se e somente seX é comutativo.

(c) Mostre que se a ∈ CenR(X) for inversível em R, então seu inverso estáem CenR(X).

(d) O centro de R é definido por Z(R) .= CenR(R). Mostre que o centro de

um anel com divisão é um corpo.

(e) Seja n ∈ Z, n ≥ 1. Mostre que Z(Mat(n, R)) = {z Idn | z ∈ Z(R)}.

(f) Mostre que o centro de um anel simples é um corpo. (Dizemos queum anel S é simples se seus únicos ideais forem {0} e S.)

Solução:

(a) · ·^

(b) Se x ∈ X, para provar que x ∈ CenR(CenR(X)), devemos verificar quepara todo a ∈ CenR(X) vale que ax = xa, mas isto é óbvio.

Para a segunda parte, suponha que X é comutativo. Dado x ∈ X,para mostrar que x ∈ CenR(X), devemos tomar y ∈ X e verificarque xy = yx. Novamente isto é óbvio em vista de X ser comutativo.Reciprocamente, se x, y ∈ X, temos que x, y ∈ CenR(X), donde segueque xy = yx e X é comutativo, como desejado.

(c) Suponha que a ∈ CenR(X) seja inversível. Multiplicando bilateral-mente ax = xa por a−1 segue que xa−1 = a−1x, e assim a−1 ∈ CenR(X).

(d) Só resta mostrar que Z(R) é comutativo e possui divisão. Utilizando adefinição de Z(R), temos que

CenR(Z(R)) = CenR(CenR(R)) ⊇ R ⊇ Z(R),

e assim o item (b) nos diz que Z(R) é comutativo. Os inversos de todosos elementos não nulos de Z(R) existem em R por hipótese, mas estãoem Z(R) pelo item (c). Portanto Z(R) é um corpo.

18

(e) É claro que {z Idn | z ∈ Z(R)} ⊆ Z(Mat(n, R)). Assim, vejamos arecíproca. Seja A = (aij)

ni,j=1 ∈ Z(Mat(n, R)). Isto quer dizer que

n

∑k=1

aikbkj =n

∑k=1

bikakj,

para toda matriz B = (bij)ni,j=1 ∈ Mat(n, R). Escolheremos B = Em` =

(δimδj`)ni,j=1 ∈ Mat(n, R), as matrizes com 1 na posição (m, `) e zero

nas restantes. Segue que

n

∑k=1

aikδkmδj` =n

∑k=1

δimδk`akj =⇒ aimδj` = a`jδim.

Se i 6= m, escolhemos j = ` e descobrimos que A se anula fora dadiagonal. Se i = m, escolhemos ` = j e vemos que z .

= aii = ajj paratodos os 1 ≤ i, j ≤ n, donde A = z Idn. Para ver que z ∈ Z(R), tomex ∈ R arbitrário e faça B = x Idn.

(f) Suponha que R é um anel simples. Só temos que provar que Z(R)tem divisão. Pois bem, seja a ∈ Z(R) não-nulo. Como R é simples,aR = Ra = R e assim existem b, c ∈ R com ab = 1 = ca. Afirmo quea−1 .

= b = c ∈ Z(R). Com efeito, temos

b = b · 1 = b(ca) = b(ac) = (ba)c = (ab)c = 1 · c.

Então a−1 ∈ Z(R) pelo item (c), e concluímos que Z(R) é um corpo.

Exercício. Sejam I um conjunto e {Ri}i∈I uma família de aneis. Mostreque o produto cartesiano

∏i∈I

Ri = {(ai)i∈I | ai ∈ Ri, para todo i ∈ I}

é um anel com soma e multiplicação definidos por

(ai)i∈I + (bi)i∈I.= (ai + bi)i∈I e (ai)i∈I · (bi)i∈I

.= (aibi)i∈I .

Este anel é chamado o produto direto da família {Ri}i∈I . Mostre que se Ifor finito, os ideais de ∏i∈I Ri são da forma ∏i∈I Bi, onde Bi � Ri para cadai ∈ I. O que acontece se I é infinito?

19

Solução: Que as operações dadas tornam ∏i∈I Ri um anel é um cálculodireto. Para cada j ∈ I, coloque9

ιj : Rj ↪→∏i∈I

Ri

aj 7→ (δijai)i∈I .

Se I = {1, . . . , n} e J � ∏ni=1 Ri, afirmo que J = ∏n

j=1 ι−1j (J).

• Para a primeira inclusão, considere (aj)nj=1 ∈ J. Queremos ver que

aj ∈ ι−1j (J) para todo i = 1, . . . , n. Com efeito, temos que

ιj(aj) = (δijai)ni=1 = (δij)

ni=1(ai)

ni=1 ∈ J,

pois J é ideal. Este argumento funciona mesmo se I é infinito.

• Para a segunda inclusão, considere (aj)nj=1 ∈ ∏n

j=1 ι−1j (J). Isto signi-

fica que aj ∈ ι−1j (J) e, portanto (δijai)

ni=1 ∈ J para todo j = 1, . . . , n.

Como J é ideal, concluímos que

(ai)ni=1 =

(n

∑j=1

δijaj

)n

i=1

=n

∑j=1

(δijai)ni=1 ∈ J.

Este argumento falha se I é infinito, pois não podemos somar umaquantidade infinita de termos.

E é claro que ι−1j (J)� Rj para todo j = 1, . . . , n.

Vejamos então um contra-exemplo para o caso I infinito: suponha queI = N, e considere J o ideal de todas as sequências quase-nulas em ∏i∈N Ri.Suponha por absurdo que J = ∏i∈N Bi, onde Bi � Ri para todo i ∈ N. Noteque (δij)j∈N ∈ J, e assim 1 ∈ Bi. Portanto Bi = Ri. Como o índice i eraarbitrário, concluímos que J = ∏i∈N Ri, contradição.

Exercício. Sejam I um conjunto, {Ri}i∈I uma família de aneis e R .= ∏i∈I Ri

o seu produto direto.

(a) Mostre que para cada j ∈ I, a função νj : R → Rj definida porνj((ai)i∈I) = aj é um homomorfismo de aneis. (Note que νj é sobreje-tor.)

9Há um abuso de notação aqui. Rigorosamente, os ai não estão definidos para j 6= i. Éum dispositivo para denotar a família com aj na j-ésima posição, e 0 nas restantes.

20

(b) Mostre que se S é um anel e { fi : S → Ri}i∈I é uma família de homo-morfismos de aneis, então existe um único homomorfismo de aneisf : S→ R tal que νi f = fi para todo i ∈ I.

Solução:

(a) · ·^

(b) É claro que definiremos f : S → R por f (s) .= ( fi(s))i∈I . Temos

que f é um homomorfismo de aneis pois todas as fi o são e as ope-rações em R são feitas componente a componente. E temos νi( f (s)) =νi(( f j(s))j∈I) = fi(s). Para a unicidade, suponha que g : S → R sejaoutro homomorfismo de aneis satisfazendo νig = fi para todo i ∈ I.Temos que

g(s) =(νi(g(s))

)i∈I =

(fi(s)

)i∈I = f (s),

como desejado.

3 Mais exemplos (13/03)

Exemplo 3.1.

(5) Aneis de endomorfismos: seja A um grupo abeliano e considere

End(A).= { f : A→ A | f é homomorfismo de grupo}.

Então End(A) é um anel com operações

f g : A→ Aa 7→ f (g(a))

e f + g : A→ Aa 7→ f (a) + g(a).

Ainda, 1End(A) : A→ A é a aplicação identidade. Em particular, se k éum copo e V é um k-espaço vetorial, então

Endk(V).= {T : V → V | T é uma transformação k-linear}

é uma k-álgebra com

λT : V → V para todos λ ∈ k e T ∈ Endk(V)

v 7→ λT(v).

21

Observação.

• Endk(V) é um subanel de End(V).

• Se dimk V = n < +∞, então Endk(V) ∼= Mat(n, k) (como k-álgebras). Com efeito, se B= (v1, . . . , vn) é uma base de V, defi-nimos

Endk(V)→ Mat(n, k)T 7→ [T]B,

onde [T]B = (λij)ni,j=1 é caracterizada por T(vj) = ∑n

i=1 λijvi.

Definição 3.2. Sejam k um anel comutativo e R uma k-álgebra. Dize-mos que um subanel S de R é uma subálgebra de R se λa ∈ S para todosλ ∈ k e a ∈ S.

Observação. Na definição acima, se k é um corpo, então S é basica-mente um subanel que também é um subespaço vetorial de R (ou nocaso geral em que k é um anel, é um subanel que é também um sub-módulo).

Definição 3.3. Sejam k um anel comutativo e R uma k-álgebra. Dadoum subconjunto X ⊆ R, definimos a subálgebra de R gerada por X por

subalg〈X〉 .=⋂{S | S é subálgebra de R contendo X}.

Exercício. Mostre que se S é uma família de subálgebras de uma k-álgebra R, então

⋂Sé uma subálgebra de R.

Exemplo (Subexemplo). Sejam k um corpo e V um k-espaço vetorialcom base (ei | i ≥ 1). Sejam R .

= Endk(V) e S .= subalg〈T, L〉, onde T

e S são dadas por

T : ei 7→ ei+1 e L : e1 7→ 0ei 7→ ei−1 para i ≥ 2.

Em S, temos LT = 1S mas TL 6= 1S. Na realidade, vejamos que valeS ∼= k〈x, y | xy = 1〉. De fato, considere o homomorfismo de k-álgebrasdefinido por

ϕ : k〈x, y〉 → Sx 7→ Ly 7→ T,

22

que claramente é sobrejetor. Ainda, temos que

ϕ(xy− 1) = ϕ(x)ϕ(y)− ϕ(1) = LT − 1 = 0.

Logo, existe um homomorfismo (sobrejetor)

ϕ : k〈x, y | xy = 1〉 → Sx 7→ Ly 7→ T.

Note o abuso de notação: estamos escrevendo x e y ao invés de x e y,como fizemos na aula anterior.

Em geral é difícil mostrar que ϕ é injetora, mas faremos isso neste caso(pois definir um homomorfismo definido em uma subalgebra geradapor algo é pior).

Com efeito: a condição xy = 1 nos permite escrever qualquer elementoz ∈ k〈x, y | xy = 1〉 como uma soma finita

z = a0(y) + a1(y)x + · · ·+ a`(y)x`,

onde cada ai(y) é um polinômio na variável y. Suponha que z ∈ ker ϕ.Então

0 = ϕ(z)

= ϕ(a0(y) + a1(y)x + · · ·+ a`(y)x`)

= a0(ϕ(y)) + a1(ϕ(y))ϕ(x) + · · ·+ a`(ϕ(y))ϕ(x)`

= a0(T) + a1(T)L + · · ·+ a`(T)L`.

Avaliando em e1, segue que a0(T)e1 = 0. Mas se

a0(y) = b0 + b1y + · · ·+ bsys,

então0 = a0(T)e1 = b0e1 + b1e2 + · · ·+ bses+1,

donde b0 = · · · = bs = 0 por independência linear, e assim a0(y) é opolinômio nulo. Com isto, repetir o argumento avaliando ϕ(z)e2 = 0,obtemos que a1(y) é o polinômio nulo. E assim sucessivamente. Logoz = 0 e ϕ é também injetor, como desejado.

Note que um argumento análogo nos diz que {yixj | i, j ≥ 0} é umabase de k〈x, y | xy− 1〉 sobre k.

23

(6) Aneis de grupos: Sejam R um anel e G = (G, ∗, e) um grupo. O anel degrupo de G sobre R é

RG .=

∑g∈G, finita

agg | ag ∈ R

.

A rigor, consideraríamos as funções de G em R com suporte finito, etc..As operações são

∑g∈G

agg + ∑g∈G

bgg .= ∑

g∈F(ag + bg)g e(

∑g∈G

agg

)(∑

g∈Gbgg

).= ∑

g∈G

(∑

g∗h=`

agbh

)`.

Note que 1RG = 1Re, que

G → RGg 7→ 1Rg

é injetora e multiplicativa, e

R→ RGa 7→ ae

é um homomorfismo injetor de aneis. Ainda, se R é comutativo, en-tão RG é uma R-álgebra (a última aplicação tem imagem contida emZ(RG)), e aí é chamada álgebra de grupo.

Exemplo (Caso particular). Se G é cíclico e infinito (ou seja, G ∼= Z) e ké um corpo, então kG ∼= k[x, x−1] ∼= k〈x, y | xy = yx = 1〉 é o anel dospolinômios de Laurent com coeficientes em k.

(7) Aneis de polinômios skew: Sejam R um anel e σ : R → R um endomor-fismo. Suponha que δ : R→ R é uma σ-derivação10, ou seja, δ é aditivae satisfaz δ(ab) = σ(a)δ(b) + δ(a)b.

O anel de polinômios skew definido por σ e δ com coeficientes em R é oconjunto

R[x; σ, δ].=

{n

∑i=0

aixi | n ≥ 0 e ai ∈ R

},

com a soma usual, mas com o produto definido de modo a satisfazer arelação xa = σ(a)x + δ(a).

10Uma (σ, τ)-derivação δ seria aditiva e satisfazendo δ(ab) = σ(a)δ(b) + δ(a)τ(b).

24

Observação.

• Em geral, este anel não é uma R-álgebra nem se R for comutativo!

• O Teorema da Base de Hilbert também serve pra R[x; σ, δ] com amesma demonstração! Ou seja, se R é Noetheriano (e não neces-sariamente comutativo), então R[x; σ, δ] é Noetheriano.

Exemplo (Casos particulares).

(i) R[x; Id, 0] = R[x] é o anel de polinômios usual.

(ii) Se k é um corpo, então k[t][x; Idk[t], d/dt] ∼= k〈u, v | uv− vu = 1〉é a primeira álgebra de Weyl, que vimos anteriormente.

(8) Funções racionais: Seja k um corpo. Denotamos por k(x) o corpo defrações de k[x], ou seja:

k(x) .=

{f (x)g(x)

| f (x), g(x) ∈ k[x], g(x) 6= 0}

Temos que k(x) é uma k-álgebra comutativa.

(9) Séries de potências: Seja k um corpo. Denotamos por

k[[x]] .=

{∑i≥0

λixi | λi ∈ k

}

a álgebra de séries de potências formais com coeficientes em k. A k-álgebrak[[x]] também é comutativa e, além disto, é um domínio. Aqui temosmuito mais inversíveis do que em k(x): uma série λ0 + λ1x + · · · éinversível se e somente se λ0 6= 0 (para mostrar isso, usamos a sériegeométrica para 1/(1− x)).

(10) Séries de Laurent: Sejam k um corpo e k((x)) o corpo de frações de k[[x]].Pode-se mostrar que

k((x)) =

{∑i≥n

λixi | n ∈ Z e λi ∈ k

}.

25

4 Módulos (15/03)

4.1 Módulos e homomorfismos

Definição 4.1. Seja R um anel. Um R-módulo à direita é um grupo abelianoaditivo M dado com uma função

M× R→ M(m, r) 7→ m · r ou mr

satisfazendo

(i) (m + n)r = mr + nr, para todos m, n ∈ M e r ∈ R;

(ii) m(r + s) = mr + ms, para todos m ∈ M e r, s ∈ R;

(iii) m(rs) = (mr)s, para todos m ∈ M e r, s ∈ R;

(iv) m1R = m, para todo m ∈ M.

Notação: se M é um R-módulo à direita, escreveremos simplesmente MR.

Observação.

• Analogamente definem-se R-módulos à esquerda. Se R é comuta-tivo, todo módulo à direita é naturalmente um módulo à esquerda.Se R não é comutativo, temos problema com o axioma (i) acima.

• Para módulos à esquerda, temos RM.

• Se R é um corpo, então M é um R-espaço vetorial.

Exemplo 4.2.

(1) Todo grupo abeliano é um Z-módulo (à direita e à esquerda). Coloca-mos

ma .=

m + · · ·+ m︸ ︷︷ ︸a vezes

, se a > 0

0M, se a = 0

(−m) + · · ·+ (−m)︸ ︷︷ ︸−a vezes

, se a < 0.

26

(2) Se R é um anel, então R é um R-módulo (à direita e à esquerda), via asua própria multiplicação (x · r .

= xr, e os axiomas de anel garantemque os de módulo valem).

(3) Se R é um anel, então Mat(n, R) é um R-módulo à direita e à esquerda:Mat(n, R)R, com A · r .

= A(r Idn).

(4) Mais geralmente, se ϕ : R → S é um homomorfismo de aneis (nãonecessariamente injetivo), então S é um R-módulo à direita via s · r .

=sϕ(r), e é um R-módulo à esquerda via r · s .

= ϕ(r)s.

Note que (2) e (3) são casos particulares desta construção, com os ho-momorfismos ϕ = IdR e ϕ(r) .

= r Idn, respectivamente.

Definição 4.3. Seja M um R-módulo à direita. Um subconjunto N de M éum submódulo de M se N é um subgrupo de M, invariante pela ação de R,ou seja:

(i) 0M ∈ N;

(ii) m− n ∈ N para todos m, n ∈ N;

(iii) mr ∈ N, para todos m ∈ N e r ∈ R.

Notação: N 6 M.

Exemplo 4.4. Se I é um ideal à direita de um anel R, então I 6 RR.

Proposição 4.5. Sejam R um anel e M um grupo abeliano aditivo. Então:

(a) Se ϕ : R → End(M) é um homomorfismo de aneis11, então M é um R-módulo à esquerda via m · r .

= ϕ(r)(m), para todos m ∈ M e r ∈ R.

(b) Reciprocamente, se M é um R-módulo à esquerda, então

ϕ : R→ End(M)

r 7→ ϕ(r) : M→ Mm 7→ m · r

é um homomorfismo de aneis.

Na realidade, o que temos é uma bijeção

{homomorfismos de aneis R→ End(M)} ↔ {estruturas de R-módulo à esquerda em M}11End(M) denota anel dos endomorfismos de grupo de M.

27

Observação.

• Para R-módulos à direita, o análogo (não-óbvio) desta proposição,teríamos

(a) ϕ : Rop → End(M) define MR;

(b) MR define ϕ : Rop → End(M),

onde Rop é o anel que contém os mesmos elementos que R, com amesma soma, e multiplicação dada por a ·op b .

= ba, para todos os ele-mentos a, b ∈ R. Rigorosamente, teríamos (R,+, ·)op .

= (R,+, ·op).

• Se M é um R-módulo à direita (resp., esquerda), então M é tambémum Rop-módulo à esquerda (resp., direita), via r ·m .

= mr. Em parti-cular, se R é comutativo, todo módulo de de um lado é um módulodo outro.

Demonstração: Vamos provar a versão para a direita, da observação.

(a) Começamos com

(m + n) · r = ϕ(r)(m + n) = ϕ(r)(m) + ϕ(r)(n) = m · r + n · r.

Além disto, temos

m · (r + s) = ϕ(r + s)(m) = (ϕ(r) + ϕ(s))(m)

= ϕ(r)(m) + ϕ(s)(m) = m · r + m · s.

Prosseguindo, temos

m(rs) = ϕ(rs)(m) = ϕ(s ·op r)(m)

= (ϕ(s) ◦ ϕ(r))(m) = ϕ(s)(ϕ(r)(m))

= (ϕ(r)(m))s = (mr)s.

Por fim, m1R = ϕ(1R)(m) = IdM(m) = m.

(b) Agora queremos mostrar que ϕ é um homomorfismo de aneis. Inicial-mente, temos

ϕ(r + s)(m) = m(r + s)= mr + ms = ϕ(r)(m) + ϕ(s)(m)

= (ϕ(r) + ϕ(s))(m),

28

para todo m ∈ M, donde ϕ(r + s) = ϕ(r) + ϕ(s). Para a multiplicati-vidade, temos

ϕ(r ·op s)(m) = ϕ(sr)(m) = m(sr)= (ms)r = ϕ(r)(ms)= ϕ(r)(ϕ(s)(m)) = (ϕ(r) ◦ ϕ(s))(m)

para todo m ∈ M, donde ϕ(r ·op s) = ϕ(r) ◦ ϕ(s). Finalmente:

ϕ(1R)(m) = m1R = m = IdM(m)

para todo m ∈ M, donde ϕ(1R) = IdM (= 1End(M)).

Definição 4.6. Sejam M e N dois R-módulos à direita. Uma função f : M→N é um homomorfismo de R-módulos se

f (m + n) = f (m) + f (n) e f (mr) = f (m)r,

para todos m, n ∈ M e r ∈ R. Diremos que f é um isomorfismo de R-módulosse f é bijetora. Sendo este o caso, escrevemos M ∼= N.

Observação.

• Se f : M → N é um isomorfismo de R-módulos, então f−1 : N → Mtambém o é.

• Um homomorfismo de R-módulos f : M→ N é injetor se e somentese ker f = {0M}. Como anteriormente, definimos ker f .

= f−1(0N) eIm f .

= f (M). Verifique que ker f e Im f são submódulos de M e N,respectivamente.

Exemplo 4.7. Se M e N são R-módulos à direita, então

HomR(M, N).= { f : M→ N | f é homomorfismo de R-módulos}

é um grupo abeliano via ( f + g)(m).= f (m) + g(m), para todo m ∈ M.

Note que deve ser verificado que f + g ∈ HomR(M, N), em primeiro lu-gar.

Em particular, se M é um R-módulo à direita, temos que

EndR(M).= HomR(M, M)

tem uma estrutura de anel, com a composição de homomorfismos12. Notetambém que EndZ(M) = End(M), já que todo grupo abeliano é um Z-módulo.

12Mostre que se Mf→ N e N

g→ L são homomorfismos de R-módulos à direita, entãog ◦ f também o é.

29

Exercício 4.1. Dados grupos abelianos M e N, mostre que

HomGrp(M, N) = HomZ-mod(M, N).

Em geral, HomR-mod(M, N) ⊆ HomZ-mod(M, N).

4.2 Módulo quociente

Sejam M um R-módulo à direita e N 6 M. O grupo (abeliano) quoci-ente M/N tem uma estrutura natural de R-módulo à direita:

(m + N) · r .= mr + N.

Tal definição não depende da escolha do representante em M do elementode M/N.

Observação.

• Recordamos, por conveniência, que se M e N são grupos abelianos,então

MN

.= {m + N | m ∈ M},

onde m + N .= {m + n | n ∈ N}, é um grupo abeliano com operação

(bem-definida) (m + N) + (m′ + N).= (m + m′) + N. A construção

funciona para grupos não-abelianos desde que N seja um subgruponormal de M.

• Se M é um R-módulo à direita e N 6 M, então

π : M→ M/Nm 7→ m + N

é um homomorfismo sobrejetor de R-módulos à direita.

• Os submódulos de RR são os ideais à direita de R.

Teorema 4.8 (1◦ Teorema do Homomorfismo). Sejam R um anel, M e N R-módulos à direita e f : M → N um homommorfismo de R-módulos. Se L é umsubmódulo de M tal que L ⊆ ker f , então existe um único homomorfismo de mó-dulos f : M/L → N tal que f ◦ π = f , onde π : M → M/L é o homomorfismosobrejetor canônico. Além disto:

• ker f = ker f /L e

30

• Im f = Im f .

Em particular, f é injetor se e somente se L = ker f .

A demonstração é a mesma dada para a versão do teorema para aneis.

Corolário 4.9. Sejam M e N R-módulos à direita e f : M → N um homomor-fismo de R-módulos. Então M/ker f ∼= Im f .

Definição 4.10. Sejam M um R-módulo à direita, e N, L 6 M. Definimos

L+ N = {`+ n | ` ∈ L e n ∈ N} e L∩N = {m ∈ M | m ∈ L e m ∈ N}.Exercício 4.2. Mostre que L + N e L ∩ N são submódulos de M tais queL ∩ N 6 L, N 6 L + N.

Teorema 4.11 (2◦ Teorema do Homomorfismo). Sejam M um R-módulo àdireita e L, N 6 M. Então

L + NL∼=

NL ∩ N

.

Demonstração: Defina

f : N → (L + N)/(L)n 7→ n + L.

Claro que f está bem-definida (pois de fato n + L ∈ (L + N)/L, já quen ∈ L + N), e é um homomorfismo sobrejetor de módulos. Rapidamentevemos que ker f = L ∩ N. O resultado segue do 1◦ Teorema do Homo-morfismo.

5 Submódulos, somas diretas e sequências exa-tas (20/03)

5.1 Submódulos gerados por conjuntos

Teorema 5.1 (Teorema da Correspondência). Sejam M um R-módulo à direitae N um submódulo de M. Então existe uma bijeção que preserva inclusões entreos conjuntos

SNM

.= {submódulos L de M tais que L ⊇ N}

eSM/N

.= {submódulos de M/N}.

Além disto, se L 6 M é tal que L ⊇ N, então

ML∼=

M/NL/N

.

31

Demonstração: A função

SNM → SM/N

L 7→ L/N = {`+ N | ` ∈ L}

é bijetora e preserva inclusões, isto é, se L1, L2 ∈ SNM são tais que L1 ⊆ L2,

então L1/N ⊆ L2/N e se L1 ( L2, então L1/N ( L2/N. Para provarque esta função é sobrejetora, dado T 6 M/N, considere π−1(T), ondeπ : M → M/N é o homomorfismo canônico. Para a segunda parte doenunciado, note que

M/N → M/Lm + N 7→ m + L

é um homomorfismo sobrejetor cujo núcleo é L/N.

Definição 5.2. Sejam M um R-módulo à direita e X um subconjunto de M.Definimos o submódulo de M gerado por X como sendo

XR .=⋂{N | N 6 M e N ⊇ X}.

Observação. Fica implícito que a interseção de uma família qualquer desubmódulos de M também o é (verifique!).

Proposição 5.3. Sejam M um R-módulo à direita e X um subconjunto de M.Então

XR .= {x1r1 + · · ·+ xnrn | n ≥ 0, xi ∈ X e ri ∈ R para i = 1, . . . , n}.

Demonstração: Chame de N o conjunto do lado direito. Nosso objetivoé então mostrar que XR = N. É fácil ver que N 6 M contém X, dondeXR ⊆ N, por definição de XR. Por outro lado, se é dado L 6 M tal queL ⊇ X, segue que L ⊇ N.

Definição 5.4. Diremos que um R-módulo à direita M é finitamente geradose existir X ⊆ M finito tal que XR = M.

Observação. Para todo anel R, RR é finitamente gerado, pois R = {1}R.

Exemplo 5.5. Cuidado! Um submódulo de um módulo finitamente ge-rado não precisa ser finitamente gerado.

Sejam k um corpo e considere R = k[x1, x2, . . .]. Temos que RR é fi-nitamente gerado, e se N = {x1, x2, . . .}R 6 R não pode ser finitamentegerado. Observe que N 6= R, pois N não possui termos constantes. Com

32

efeito, se N fosse finitamente gerado, existiriam polinômios f1, . . . , fk ∈ N,cada um dependendo apenas de uma quantidade finita de variáveis xj, talque todo elemento de N se escreve como combinação deles. Isso incluiriaalguma das infinitas variáveis não presentes em nenhum dos polinômiosf1, . . . , fk, o que seria uma contradição.

Mais explicitamente, não podemos escrever xj = ∑ki=1 firi com coefi-

cientes ri ∈ R se xj não está presente em nenhum dos fi, pois mesmo sexj estiver presente em algum ri, não está no produto firi, visto que fi nãopossui termos constantes e então o xj estaria multiplicado por alguma va-riável xk presente em xj (que “contaminou” xj).

Definição 5.6. Sejam M um R-módulo à direita e N uma família de sub-módulos de M. Definimos a soma da família N

∑N.=(⋃

N)

R.

Observação.

• Se N= (Ni)i∈I está indexado, como será muito frequente, denotare-mos a soma da família simplemente por ∑i∈I Ni.

• Segue da proposição anterior que

∑i∈I

Ni.= {ni1 + · · ·+ nik | k ≥ 0 e nik ∈ Nik}

Definição 5.7. Diremos que um R-módulo à direita M é cíclico se existem ∈ M tal que13 M = mR.

5.2 Sequências exatas

Definição 5.8. Uma sequência de módulos e homomorfismos

· · · fn−1−−−−−→ Mn−1fn−−−−→ Mn

fn+1−−−−−→ Mn+1fn+2−−−−−→ · · ·

é exata em Mn se Im fn = ker fn+1, para todo n. E diremos que a sequên-cia é exata se é exata em todos os módulos exceto, se for o caso, nas suasextremidades14.

Exemplo 5.9.

13Abuso de notação para {m}R.14A sequência não precisa ser infinita.

33

(1) 0 −−−→ Mf−−−→ N é exata se e somente se f é injetor.

(2) Mf−−−→ N −−−→ 0 é exata se e somente se f é sobrejetor.

(3) 0 −−−→ Mf−−−→ N −−−→ 0 é exata se e somente se f é um isomor-

fismo.

Proposição 5.10. Sejam M um R-módulo à direita, N um submódulo de M. Seι : N → M o homomorfismo de inclusão e π : M → M/N é o homomorfismocanônico, então a sequência

0 −−−→ N ι−−−→ M π−−−−→ M/N −−−→ 0

é exata.

Demonstração: Basta notar que ι é injetor, π é sobrejetor, e Im ι = ker π =N.

Definição 5.11. Uma sequência exata da forma

0 −−−→ L −−−→ M −−−→ N −−−→ 0

é dita uma sequência exata curta.

Observação. Se

0 −−−→ Lf−−−→ M

g−−−→ N −−−→ 0

é uma sequência exata curta, então Im f ∼= L e ker g = Im f , e segue que

N ∼=M

ker g=

MIm f

.

Então a “única” sequência exata curta é essencialmente a dada na propo-sição anterior.

5.3 Soma direta interna

Definição 5.12. Se M é um R-módulo e N e L são submódulos de M, dize-mos que a soma N + L é direta se N ∩ L = {0}. Neste caso, a soma N + Lé denotada por N ⊕ L. Diremos que M é a soma direta interna de N e L seM = N ⊕ L.

34

Observação. Se M = N ⊕ L, então todo m ∈ M se escreve de modo únicocomo m = n + ` com n ∈ N e ` ∈ L. Com efeito, se n + ` = n′ + `′, entãon− n′ = `′ − ` ∈ N ∩ L = {0}, donde n = n′ e ` = `′.

Definição 5.13. Se M é um R-módulo e N é um submódulo de M, diremosque N é um somando direto de M se existir outro submódulo L 6 M comM = N ⊕ L.

Exemplo 5.14.

(1) Se R = k é um corpo, todo subespaço vetorial de M é um somandodireto.

(2) Considere ZZ, e seja N = 2Z 6 M. Afirmamos que N não é umsomando direto de Z. Se fosse, existiria L = nZ tal que Z = 2Z⊕ nZpara algum n ∈ Z (já que os submódulos do módulo Z são os ideaisdo anel Z). Mas aí 2n ∈ 2Z∩ nZ nos diria que n = 0 e N = M, o que éuma contradição.

Observação. São muito raros os módulos para os quais todo submóduloé um somando direto. Na verdade, todos estes módulos são produtosdiretos finitos de matrizes sobre aneis de divisão.

Lema 5.15. Sejam f : M→ N e g : N → M homomorfismos de R-módulos, taisque f g = IdN. Então f é sobrejetor, g é injetor, e vale M = ker f ⊕ Im g.

Observação. Em geral, se temos M α−−−→ Nβ−−−→ L com βα sobrejetor,

então β s sobrejetor, e se βα é injetor, então α é injetor.

Demonstração: Seja m ∈ ker f ∩ Im g. Então existe n ∈ N com m = g(n),e daí 0 = f (m) = f (g(n)) = n nos diz que m = f (0) = 0. Assim, asoma ker f ⊕ Im f é direta, e falta ver que dá M. Para tanto, dado m ∈ M,escreva m = m− g( f (m)) + g( f (m)), e veja que

f (m− f (g(m))) = f (m)− f (g( f (m))) = f (m)− f (m) = 0.

Definição 5.16. Se f : M → N e g : N → M são homomorfismos de R-módulos tais que f g = IdN, diremos que f é um homomorfismo sobrejetorque cinde15 e que g é um homomorfismo injetor que cinde. Além disto, diremosque uma sequência exata curta

0 −−−→ L α−−−→ Mβ−−−→ N −−−→ 0

15Cindir = quebrar.

35

cinde se α for um homomorfismo injetor que cinde e β for um homomor-fismo sobrejetor que cinde.

Observação. Uma sequência exata curta cinde se “conseguimos andar aocontrário” ao longo da sequência.

Proposição 5.17. Seja

0 −−−→ L α−−−→ Mβ−−−→ N −−−→ 0

uma sequência exata curta de módulos. São equivalentes:

(a) A sequência exata curta cinde.

(b) α é um homomorfismo injetor que cinde.

(c) β é um homomorfismo sobrejetor que cinde.

(d) Im α = ker β é um somando direto de M.

(e) Para todo homomorfismo de módulos h : L→ K, existe um homomorfismo demódulos h : M→ K tal que hα = h.

M0 L

K

h

α0N

β

h

(f) Para todo homomorfismo de módulos t : K → N, existe um homomorfismo demódulos t : K → M tal que βt = t.

M0 Lα

0Nβ

tt

K

Demonstração: Obviamente (a) implica (b) e (c). O lema anterior nos dizque (b) e (c) implicam (separadamente) (d). Visto que (b) e (c) juntos im-plicam em (a), é suficiente mostrar que

(d) =⇒ (e) =⇒ (b) e (d) =⇒ ( f ) =⇒ (c).

36

• Assuma (d), provemos (e). Escreva M = Im α⊕ T e seja h : L → Kum homomorfismo. Dado m ∈ M, existem únicos x ∈ Im α e y ∈ Ttais que m = x + y. Como α é injetor, existe um único z ∈ L tal quex = α(z). Defina h : M → K pondo h(m)

.= h(z). Observe que h está

bem definida, pois nenhuma escolha foi feita até agora.

Vejamos que h é um homomorfismo de módulos. Sejam m, m′ ∈ Me r ∈ R. Escrevendo m = x + y, m′ = x′ + y′, com x = α(z) ex′ = α(z′), temos que a única decomposição possivel para m + m′r é

m + m′ = x + x′r + y + y′r.

Como x + x′r = α(z) + α(z′)r = α(z + z′r), segue que

h(m + m′r) = h(z + z′r) = h(z) + h(z′)r = h(m) + h(m′)r,

como queríamos.

• Assuma (e), provemos (b). Devemos construir um homomorfismoinverso à esquerda para α. Para tanto, basta aplicar o item (e) comK = L e h = IdL.

• Assuma (d), provemos (f). Escreva M = ker β⊕ T e seja h : K → Num homomorfismo. Dado k ∈ K, queremos definir t(k) ∈ M. Noteque t(k) ∈ N, de modo que β ser sobrejetora nos fornece m ∈ Mcom β(m) = t(k). Decompondo m = x + y com x ∈ ker β e y ∈ T,colocamos t(k) .

= y.

Vejamos que t está bem-defindo, ou seja, que não depende da esco-lha de m (intuitivamente, a ambiguidade foi eliminada com a escolha“canônica” de um elemento de M que não tem componente na dire-ção de ker β). Com efeito, se m, m′ ∈ M são tais que β(m) = β(m′) edecompomos m = x + y e m′ = x′ + y′, com x, x′ ∈ ker β e y, y′ ∈ T,devemos mostrar que y = y′. Por um lado, T ser submódulo de Mnos dá que y− y′ ∈ T e, por outro lado, vale

0 = β(m−m′) = β(x− x′ + y− y′)= β(x− x′) + β(y− y′) = β(y− y′),

donde y− y′ ∈ ker β ∩ T = {0} e assim y = y′.

É claro que βt = t, por construção, então resta ver que t é um homo-morfismo de módulos. Considere então k, k′ ∈ K e r ∈ R. Tomamosy, y′ ∈ T tais que β(y) = t(k) e β(y′) = k′. Como y + y′r ∈ T e

β(y + y′r) = β(y) + β(y′)r = t(k) + t(k′)r = t(k + k′r),

37

concluímos que

t(k + k′r) = y + y′r = t(k) + t(k′)r,

como desejado.

• Assuma (f), provemos (c). Devemos construir um homomorfismoinverso à direita para β. Para tanto, basta aplicar o item (f) com K =N e h = IdN.

Prosseguimos com o:

Corolário 5.18. Seja

0 −−−→ L α−−−→ Mβ−−−→ N −−−→ 0

uma sequência exata curta de módulos, que cinde. Então M ∼= L× N.

Demonstração: Por um lado, temos M = ker β ⊕ T para algum submó-dulo T 6 M, e por outro temos

N ∼=M

ker β∼= T

via, digamos, ϕ : T → N. Como ker β = Im α, definimos

M = Im α⊕ T → L× Nα(z) + y 7→ (z, ϕ(y))

é um isomorfismo.

Observação. Cuidado: a condição M ∼= L× N não implica que a sequên-cia exata curta cinde. Tal isomorfismo não pode “misturar” L e M (preci-saríamos mandar L× {0} em Im α).

6 Continuando com somas e produtos diretos (03/04)

6.1 Produto direto de módulos

Sejam R um anel e (Mλ)λ∈Λ uma família de R-módulos à direita. Entãoo produto cartesiano

∏λ∈Λ

Mλ = {(mλ)λ∈Λ | mλ ∈ Mλ}

38

te uma estrutura natural de R-módulo à direita dada coordenada à coor-denada por

(mλ)λ∈Λ + (nλ)λ∈Λ.= (mλ + nλ)λ∈Λ e (mλ)λ∈Λr .

= (mλr)λ∈Λ.

Note que 0∏λ∈Λ Mλ= (0Mλ

)λ∈Λ e −(mλ)λ∈Λ = (−mλ)λ∈Λ. Ainda, dadoρ ∈ Λ, a projeção

πρ : ∏λ∈Λ

Mλ → Mρ

(mλ)λ∈Λ 7→ mρ

é um homomorfismo sobrejetor de módulos. Nestas condições, ∏λ∈Λ Mλ

é chamado o produto direto da família (Mλ)λ∈Λ.Como várias construções que veremos, o produto direto pode ser ca-

racterizado por uma propriedade universal:

Proposição 6.1. Sejam (Mλ)λ∈Λ uma família de R-módulos, N um R-módulo, e( fλ : N → Mλ)λ∈Λ uma família de homomorfismos de R-módulos. Então existeum único homomorfismo de módulos f : N → ∏λ∈Λ Mλ tal que πρ f = fρ, paratodo ρ ∈ Λ.

πρ

∏λ∈Λ

f

Nfρ

Figura 4: A propriedade universal do produto direto.

Além disto, temos ker f =⋂

λ∈Λ ker fλ.

Demonstração: Basta definir f : N → ∏λ∈Λ Mλ por f (n) .= ( fλ(n))λ∈Λ.

Como cada fλ é um homomorfismo, f também o é. A condição πρ f = fρ

para todo ρ ∈ Λ é satisfeita por construção. Se g : N → ∏λ∈Λ Mλ é outrohomomorfismo nestas condições, temos que

g(n) = (πλ(g(n)))λ∈Λ = ( fλ(n))n∈λ = f (n).

Finalmente, a expressão para ker f é trivial.

39

Observação.

• Vale até a seguinte recíproca: sejam M é um R-módulo à direita e(pλ : M → Mλ)λ∈Λ uma família de homomorfismos de móduloscom a seguinte propriedade: para todo R-módulo N e toda famí-lia ( fλ : N → Mλ)λ∈Λ de homomorfismos de R-módulos existe umúnico homomorfismo de módulos f : N → M satisfazendo pλ f =fλ para todo λ ∈ Λ. Então existe um isomorfismo de R-módulosϕ : M→ ∏λ∈Λ Mλ tal que πλ ◦ ϕ = pλ para todo λ ∈ Λ.

M

f

Nfλ

Figura 5: Ilustrando a propriedade universal para (M, (pλ)λ∈Λ).

Com efeito, a proposição acima nos dá ϕ e ψ satisfazendo os seguin-tes diagramas:

πρϕ

∏λ∈Λ

πρ∏λ∈Λ

ψ

M

M

Figura 6: Construindo os isomorfismos ϕ e ψ.

Afirmamos que ϕ e ψ são inversas. De fato, temos

40

πρ

∏λ∈Λ

πρ∏λ∈Λ

∏λ∈Λ

∏λ∈Λ

ϕψ Id

πρ

πρ

Figura 7: Provando que ϕ e ψ são inversos.

e a unicidade nos dá que ϕψ = Id∏λ∈Λ Mλ. Analogamente mostra-se

que ψϕ = IdM.

Note que não é necessário pedir que cada pρ seja sobrejetor: isto se-gue do mencionado acima.

• Se Λ = {1, . . . , n} é finito, denotamos ∏λ∈Λ Mλ por M1 × · · · ×Mnou ∏n

i=1 Mi, como de praxe.

Exemplo 6.2. Considere o grupo abeliano Z/30Z e considere os homo-morfismos sobrejetores

gp : Z→ Z

pZa 7→ a + pZ,

para p = 2, 3 e 5. Como 30Z ⊆ ker gp para estes valores de p (pois 2,3 e 5 todos dividem 30), obtemos homomorfismos fp : Z/30Z → Z/pZdescendo cada gp ao quociente. Seja

f :Z

30Z→ Z

2Z× Z

3Z× Z

5Z

dado pela última proposição. Assim temos

ker f = ker f2 ∩ ker f3 ∩ ker f5 =2Z

30Z∩ 3Z

30Z∩ 5Z

30Z= {0},

visto que 2 · 3 · 5 = 30. Portanto f é injetora, e logo um isomorfismo(pois seu domínio e contra-domínio possuem a mesma cardinalidade fi-nita). Concluímos que

Z

30Z∼=Z

2Z× Z

3Z× Z

5Z.

41

6.2 Soma direta de módulos

Seja (Mλ)λ∈Λ uma família de R-módulos à direita. Consideramos

⊕λ∈Λ

Mλ.=

{(mλ)λ∈Λ ∈ ∏

λ∈ΛMλ | {λ ∈ Λ | mλ 6= 0} é finito

}.

Note que ˙⊕λ∈ΛMλ 6 ∏λ∈Λ Mλ. Defina, para cada ρ ∈ Λ, a inclusão

ιρ : Mρ →⊕λ∈Λ

m 7→ (mλ)λ∈Λ,

onde mρ = m e mλ = 0 para λ 6= ρ. Temos que cada ιρ é um homomor-fismo injetor de R-módulos. Nestas condições, diremos que ˙⊕

λ∈ΛMλ é asoma direta externa16 da família (Mλ)λ∈Λ.

Temos uma propriedade universal dual à anterior:

Proposição 6.3. Sejam R um anel e (Mλ)λ∈Λ uma família de R-módulos, N umR-módulo, e ( fλ : Mλ → N)λ∈Λ uma família de homomorfismos de R-módulos.Então existe um único homomorfismo f : ˙⊕

λ∈ΛMλ → N tal que f ιρ = fρ, paratodo ρ ∈ Λ.

MρN

⊕λ∈Λ

fιρ

Figura 8: A propriedade universal da soma direta externa.

Além disto, Im f = ∑λ∈λ Im fλ.

Demonstração: Desta vez, basta definir

f :⊕λ∈Λ

Mλ → N

x 7→ ∑λ∈Λ

fλ(πλ(x)).

16Isto justifica o pontinho acima de⊕

. Mais adiante definiremos uma soma diretainterna, que é isomorfa à esta. Então aboliremos o pontinho.

42

Note que esta soma é finita, por definição de ˙⊕λ∈ΛMλ. Os detalhes ficam

como exercício.

Observação.

• Note a dualidade: na Figura 8 acima apenas invertemos as setas daFigura 4 (p. 39).

• Esta propriedade também caracteriza ˙⊕λ∈ΛMλ.

• As projeções e inclusões se relacionam por

(i) πριλ = δρλIdMλ, quaisquer que sejam ρ, λ ∈ Λ:

Mλιλ−−−−→

⊕λ∈Λ

Mλ ⊆ ∏λ∈Λ

πρ−−−−→ Mρ

(ii) ∑λ∈Λ

ιλπλ

∣∣˙⊕

λ∈Λ Mλ= Id ˙⊕

λ∈Λ Mλ:

⊕λ∈Λ

Mλ ⊆ ∏λ∈Λ

Mλπλ−−−−→ Mλ

ιλ−−−−→⊕λ∈Λ

Mλ ⊆ ∏λ∈Λ

6.3 Somas diretas internas

Definição 6.4. Sejam M um R-módulo e (Nλ)λ∈Λ uma família de submó-dulos de M. Dizemos que a soma ∑λ∈Λ Nλ é a soma direta interna da família(Nλ)λ∈Λ se Nρ ∩∑λ∈Λ\{ρ} Nλ = {0} para todo ρ ∈ Λ. Neste caso, denota-mos ∑λ∈Λ Nλ por

⊕λ∈Λ Nλ.

Observação. Note que⊕

λ∈Λ Nλ seria (caso a soma fosse direta mesmo)um submódulo de M, enquanto ˙⊕

λ∈Λ Nλ é sempre um submódulo doproduto direto ∏λ∈Λ Nλ. Então formalmente, há uma diferença.

Proposição 6.5. Sejam M um R-módulo e (Nλ)λ∈Λ uma família de submódulosde M. São equivalentes:

(a) ∑λ∈Λ Nλ é a soma direta interna.

(b) Para todo k natural, mλ1 + · · ·+ mλk = 0 com mλi ∈ Nλi para 1 ≤ i ≤ kimplica que mλi = 0 para todo 1 ≤ i ≤ k.

(c) O homomorfismo ˙⊕λ∈ΛNλ → M induzido pelas inclusões ιλ : Nλ ↪→ M é

injetor.

43

Demonstração: Exercício.

Observação.

• Se ∑λ∈Λ Nλ é a soma direta interna, então⊕

λ∈Λ Nλ∼= ˙⊕

λ∈ΛNλ.

• Se {Mλ}λ∈Λ é uma família de R-módulos, então temos que⊕λ∈Λ

Mλ =⊕λ∈Λ

ιλ(Mλ).

Então de agora em diante abandonamos o ponto.

† Algumas coisas (sobre módulos) da Lista 2

Exercício. Sejam g : N → M e f : K → N homomorfismos de R-módulos.Mostre que se f e g são ambos homomorfismos injetores (resp. sobrejeto-res) que cindem, então g f é um homomorfismo injetor (resp. sobrejetor)que cinde. Vale a recíproca?

Solução: Suponha que f e g sejam homomorfismos injetores (resp. inje-tores) que cindem. Então existe homomorfismos f : N → K e g : M → Ntais que f f = IdN e gg = IdM (resp., f f = IdK e gg = IdN). Desta forma,temos que (g f )( f g) = g f f g = gIdN g = gg = IdM (resp. ( f g)g f =

f gg f = f IdN f = f f = IdK), donde g f é um homomorfismo injetor (resp.sobrejetor) que cinde.

A situação é resumida no seguinte diagrama:

N M

f g

g

K

f

Figura 9: Ilustrando a situação descrita acima.

Já a recíproca é falsa em geral. Considere dois R-módulos M e N e asaplicações

π : M× N → M(m, n) 7→ m

e ι : M→ M× Nm 7→ (m, 0).

44

Então π ◦ ι = IdM é um homomorfismo injetor que cinde, mas π não oé.

Exercício. Considere a sequência de homomorfismos entre R-módulos àdireita

0 −−−→ M1f1−−−−→ M

g2−−−−→ M2 −−−→ 0.

Mostre que são equivalentes as seguintes afirmações:

(a) A sequência exata curta cinde.

(b) Existe uma sequência de homomorfismos de R-módulos

0 −−−→ M2f2−−−−→ M

g1−−−−→ M1 −−−→ 0

(que é necessariamente exata e que cinde) tal que, para todos os índices1 ≤ i, j ≤ 2, valem

gi f j = δijIdMi e f1g1 + f2g2 = IdM.

(c) Existe um isomorfismo h : M1 ×M2 → M tal que hι1 = f1 e g2h = π2,onde ι1 : M1 → M1 × M2 e π2 : M1 × M2 → M2 denotam a injeção ea projeção canônicas. Desenhe um diagrama comutativo que expresseessas igualdades.

Solução:

(a) =⇒ (b): Pela Proposição 5.17 (p. 36), temos que

M = ker g2 ⊕ T = Im f1 ⊕ T

para algum T 6 M.

• Dado m ∈ M, podemos escrever m = f1(m1) + t, para úni-cos m1 ∈ M1 (pois f1 é injetor) e t ∈ T. Defina g1 : M → M1pondo g1(m)

.= m1. Vejamos que g1 é um homomorfismo de

R-módulos: se m, m′ ∈ M e r ∈ R, escrevemos m = f1(m1) + t em′ = f1(m′1) + t′, de acordo com a decomposição considerada.Então

m + m′r = ( f1(m1) + t) + ( f1(m′1) + t′)r= f1(m1) + f1(m′1)r + t + t′r= f1(m1 + m′1r) + t + t′r,

e a unicidade da decomposição em soma direta nos diz que

g1(m + m′r) = m1 + m′1r = g1(m) + g1(m′)r,

como queríamos.

45

• Dado m2 ∈ M2, como g2 é sobrejetor, existe m ∈ M tal queg2(m) = m2. Podemos escrever tal elemento m unicamente naforma m = x + t, com x ∈ ker g2 e t ∈ T. Defina f2 : M2 → Mpondo f2(m2)

.= t.

Devemos ver que f2 está bem-definido. Ou seja, se m = x + te m′ = x′ + t′ com x, x′ ∈ ker g2 e t, t′ ∈ T satisfazem g2(m) =g2(m′), então t = t′. De fato, temos que g2(t− t′) = 0, dondet− t′ ∈ ker g2 ∩ T = {0}.Finalmente, devemos ver que f2 é um homomorfismo de R-módulos. Consideramos novamente m2, m′2 ∈ M2 e r ∈ R. De-compomos m2 = g2(x + t) e m′2 = g2(x′ + t′) com x, x′ ∈ ker g2e t, t′ ∈ T. Então

m2 + m′2r = g2(x + t) + g2(x′ + t′)r= g2(x + t + x′r + t′r)= g2(x + x′r + t + t′r)

e a unicidade da decomposição em soma direta nos dá que

f2(m2 + m′2r) = t + t′r = f2(m2) + f2(m′2)r,

como queríamos.

Vejamos agora que gi f j = δijIdMi para todos 1 ≤ i, j ≤ 2.

(1) Se m2 ∈ M2 se escreve como m2 = g2(x + t) com x ∈ ker g2 et ∈ T, temos f2(m2) = t, e portanto

g2( f2(m2)) = g2(t) = g2(x + t) = m2.

(2) Se m2 ∈ M2 se escreve como m2 = g2(x + t) com x ∈ ker g2 et ∈ T, temos f2(m2) = t. Mas t = f1(0) + t ∈ Im f1 ⊕ T, então aunicidade da decomposição em soma direta nos diz que

g1( f2(m2)) = g1(t) = 0.

(3) g2 f1 = 0 pois a sequência inicial dada é exata por hipótese.

(4) Se m1 ∈ M1, então f1(m1) = f1(m1) + 0 ∈ Im f1 ⊕ T, e segue dadefinição de g1 que g1( f1(m1)) = m1.

46

Falta verificar a condição f1g1 + f2g2 = IdM. Então seja m ∈ M,escrito na forma m = f1(m1) + t, com m1 ∈ M1 e t ∈ T, como antes.Inicialmente, temos

g1(m) = g1( f1(m1)) + g1(t) = m1 + 0 = m1,

e daí f1(g1(m))− f1(m1). Então só falta verificar que, com esta nota-ção, f2(g2(m)) = t. Com efeito, por definição de f2 segue que

f2(g2(m)) = f2(g2( f1(m1)) + g2(t))= f2(g2(t)) = f2(g2(0 + t)) = t.

(b) =⇒ (c): Basta definir

h : M1 ×M2 → M(m1, m2) 7→ f1(m1) + f2(m2).

É claro que h é um homomorfismo de R-módulos. Como

h(ι1(m1)) = h(m1, 0) = f1(m1) + f2(0) = f1(m1)

e

g2(h(m1, m2)) = g2( f1(m2) + f2(m2))

= g2( f1(m1)) + g2( f2(m2))

= 0 + m2

= m2

= π2(m1, m2),

só resta vermos que h é de fato um isomorfismo. Com efeito, h éinjetor pois se (m1, m2) ∈ ker h, aplicar g1 e g2 separadamente emf1(m1) + f2(m2) = 0 nos dá, respectivamente, que m1 = 0 e m2 = 0.Finalmente, dado m ∈ M, escrevemos

m = f1(g1(m)) + f2(g2(m)) = h(g1(m), g2(m)),

donde h é sobrejetor.

O diagrama ilustrando toda esta situação é:

M M2g2f1

ι1 h

M1 ×M2

π2

00 M1

Figura 10: “Pulando” M na sequência inicial com um bom isomorfismo.

47

(c) =⇒ (a): Suponha válido o diagrama comutativo da Figura 10 acima.Provemos que

0 −−−→ M1f1−−−−→ M

g2−−−−→ M2 −−−→ 0

é exata e cinde. Verificamos a exatidão em dois passos:

• dado m1 ∈ M1, temos

g2( f1(m1)) = g2(h(m1, 0)) = π2(m1, 0) = 0,

donde Im f1 ⊆ ker g2.

• dado m ∈ ker g2, escrevemos h−1(m) = (m1, m2): afirmo quem = f1(m1). Com efeito, temos

0 = g2(m) = g2(h(m1, m2)) = π2(m1, m2) = m2,

e assim m = h(m1, 0) = f1(m1), como queríamos.

Logo, a sequência é exata. Resta ver que cinde. Afirmamos que

M = ker g2 ⊕ h(M2) = Im f1 ⊕ h(M2),

onde identificamos M2 ≡ {0} × M2, de modo que o resultado se-gue da Proposição 5.17 (p. 36). Novamente, argumentamos em doispassos:

• Suponha que m ∈ ker g2 ∩ h(M2). Então temos g2(m) = 0 em = h(0, m2) para algum m2 ∈ M2. Assim

0 = g2(m) = g2(h(0, m2)) = π2(0, m2) = m2,

e concluímos que m = h(0, 0) = 0.

• Seja m ∈ M. Escrevendo h−1(m) = (m1, m2), a única coisa ra-zoável a se esperar é que valha m = f1(m1) + h(0, m2). Comefeito, temos

f1(m1) = h(m1, 0) = h(m1, m2)− h(0, m2) = m− h(0, m2),

e o resultado segue.

48

Exercício. Sejam R um anel, M um R-módulo à direita, e (Nj)j∈J uma famí-lia de submódulos de M tais que M = ∑j∈J Nj. Suponha que J se escrevana forma J =

⋃λ∈Λ Jλ e que essa união seja disjunta. Para cada λ ∈ Λ, seja

Mλ = ∑j∈JλNj.

(a) Mostre que M = ∑λ∈Λ Mλ.

(b) Mostre que ∑j∈J Nj é direta se, e somente se, as duas condições abaixoestiverem satisfeitas:

(i) ∑j∈JλNj é direta, para todo λ ∈ Λ, e

(ii) ∑λ∈Λ Mλ é direta.

Solução:

(a) Seja m ∈ M. Como M = ∑j∈J Nj, existem índices j1, . . . , jk ∈ J eelementos nj1 ∈ Nj1 , . . . , njk ∈ Njk com m = nj1 + · · ·+ njk . Mas paracada i = 1, . . . , k existe λi ∈ Λ tal que ji ∈ Jλi , donde Nji ⊆ Mλi .Concluímos que M = ∑λ∈Λ Mλ.

(b) Suponha que a soma⊕

j∈J Nj é direta. Verifiquemos ambas as condi-ções (i) e (ii):

(i) Utilizemos a definição. Fixe λ qualquer, e j∗ ∈ Jλ. Como

{0} ⊆ ∑j∈Jλ\{j∗}

Nj ⊆ ∑j∈J\{j∗}

Nj,

intersectar esta cadeia de inclusões com Nj∗ nos fornece

Nj∗ ∩ ∑j∈Jλ\{j∗}

Nj = {0},

como queríamos.

(ii) Utilizemos o item (b) da Proposição 6.5 (p. 43). Sejam k natural,λ1, . . . , λk ∈ Λ, e considere a combinação

mλ1 + · · ·+ mλk = 0,

onde mλi ∈ Mλi para i = 1, . . . , k. Por definição de cada Mλi , asoma acima pode ser reescrita como

(n1,1 + · · ·+ n1,s1)︸ ︷︷ ︸=mλ1

+ · · ·+ (nk,1 + · · ·+ nk,sk)︸ ︷︷ ︸

=mλk

= 0,

49

onde s1, . . . , sk são naturais, ji,r ∈ Jλi para 1 ≤ r ≤ si e ni,r ∈Nji,r , para 1 ≤ i ≤ k. Como a soma da família (Nj)j∈J é direta,segue que ni,r = 0 para todas as possibilidades de índices, e assimmλ1 = · · · = mλk = 0.

Reciprocamente, assuma (i) e (ii). Provemos que a soma ∑j∈J Nj é di-reta. Para tanto, considere um natural k, índices j1, . . . , jk ∈ J e a com-binação

n1 + · · ·+ nk = 0,

onde n1 ∈ Nj1 , . . . , nk ∈ Njk . Como J foi particionado nos vários Jλ,para cada 1 ≤ i ≤ k existe um único λi ∈ Λ com ji ∈ Jλi . Isto defineuma aplicação (não necessariamente injetora)

f : {1, . . . , k} → Λi 7→ λi

com imagem finita {λ1, . . . , λ`} (claramente com ` ≤ k). Assim, escre-vemos

0 = n1 + · · ·+ nk =`

∑r=1

∑i∈ f−1(λr)

ni.

Observando que para cada 1 ≤ r ≤ ` temos ∑i∈ f−1(λr)ni ∈ Mλr , a

condição (ii) nos dá ∑i∈ f−1(λr)ni = 0 para todo 1 ≤ r ≤ `. Agora, a

condição (i) nos dá que ni = 0 para todo 1 ≤ i ≤ k.

7 Módulos livres (05/04)

Definição 7.1. Sejam R um anel e M um R-módulo à direita. Um subcon-junto X ⊆ M é linearmente independente sobre R se para todo n ≥ 1, paratodos x1, . . . , xn ∈ X distintos e para todos r1, . . . , rn ∈ R, tem-se

x1r1 + · · ·+ xnrn = 0 =⇒ r1 = · · · = rn = 0.

Definição 7.2. Sejam R um anel e M um R-módulo. Diremos que X ⊆ Mé uma base (sobre R) de M se M for gerado por X e X for linearmenteindependente.

Ao contrário do que ocorre com espaços vetoriais, nem todo módulopossui uma base. Os que possuem merecem um nome especial:

50

Definição 7.3. Um módulo é livre se tiver uma base.

Antes de darmos exemplos, vejamos alguns resultados básicos sobremódulos livres.

Lema 7.4. Sejam R um anel e M um R-módulo livre com base X. Então

M =⊕x∈X

xR.

Demonstração: Como X gera M, temos M = ∑x∈X xR. Tal soma é diretapor X ser linearmente independente.

Exemplo 7.5. A recíproca é falsa! Não é verdade que se X ⊆ M e M =⊕x∈X xR então M é livre com base X. O conjunto X pode não ser line-

armente independente se R possuir divisores de zero e M possuir torção(veremos o que é isso adiante). Mas se R for um domínio de integridade eM é livre de torção, a recíproca passa a ser verdadeira.

Vejamos uma situação assim: temos

Z

6Z= 2Z⊕ 3Z,

mas {2, 3} não é linearmente independente, já que 2 · 3 + 3 · (−2) = 0.

Outra consequência direta da definição é a:

Proposição 7.6. Sejam R um anel, e M e N dois R-módulos. Se M ∼= N e M élivre, então N é livre.

Proposição 7.7. Sejam R um anel e I um conjunto. Então o R-módulo

F .=⊕i∈I

Li,

onde Li = RR para todo i ∈ I, é livre com base {ιi(1) | i ∈ I}, onde {ιi : Li → F}i∈Ié a família dos homomorfismos injetores canônicos.

Notamos F = (RR)(I) (enquanto (RR)

I denota o produto direto).

Demonstração: Vejamos que {ιi : Li → F}i∈I é linearmente independente:sejam r1, . . . , rk ∈ R e índices i1, . . . , ik ∈ I dois a dois distintos tais que

ιi1(1)r1 + · · ·+ ιik(1)rk = 0.

51

Aplicando a projeção πij : F → R, temos

0 = πij(ιi1(1)r1 + · · ·+ ιik(1)rk)

= πij ιi1(1)r1 + · · ·+ πij ιik(1)rk

= δiji11r1 + · · ·+ δijik1rk

= 1rj = rj,

para todo 1 ≤ j ≤ k. Falta ver que {ιi : Li → F}i∈I gera F. Para tal, consi-dere ξ ∈ F. Então

ξ = ∑i∈supp(ξ)

ιiπi(ξ) = ∑i∈supp(ξ)

ιi(1πi(ξ)) = ∑i∈supp(ξ)

ιi(1)πi(ξ),

como queríamos.

Juntando o que temos até agora, concluímos também a:

Proposição 7.8. Sejam R um anel e M um R-módulo livre com base X. EntãoM ∼= (RR)

(X).

Demonstração: Para cada x ∈ X, ponha Lx.= RR, e defina o homomor-

fismo

fx : Lx → Ma 7→ xa.

Se f : (RR)(X) → M é o homomorfismo fornecido pela propriedade uni-

versal da soma direta, podemos mostrar agora que f é um isomorfismo.Sabemos que17

Im f = ∑x∈X

Im fx = ∑x∈X

xR = M.

E f é injetor pois

0 = f (ξ) = f

∑x∈supp(ξ)

ιxπx(ξ)

= ∑

x∈supp(ξ)f (ιx(πx(ξ))) = ∑

x∈supp(ξ)fx(πx(ξ))

= ∑x∈supp(ξ)

xπx(ξ),

e independência linear de X nos diz que πx(ξ) = 0 para todo x ∈ supp(ξ),donde ξ = 0.

17Até aqui bastava que X fosse gerador de M.

52

O próximo resultado fica como exercício:

Proposição 7.9. Sejam R um anel, e I e J conjuntos com |I| = |J|. Então(RR)

(I) ∼= (RR)(J).

Exemplo 7.10. A recíproca do resultado acima é falsa se R não é comuta-tivo! Considere a seguinte situação: sejam k um corpo e V um espaço veto-rial sobre k com base infinita e enumerável {e1, . . . , en, . . .}, e R = Endk(V)(que pode ser pensado no espaço de matrizes infinitas com colunas fini-tas).

Mostremos que como R-módulo à direita, R ∼= R⊕R. Um isomorfismoé

ϕ : R→ R⊕ Rf 7→ ( f+, f−),

onde f+(ei) = f (e2i) e f−(ei) = f (e2i−1) para todo i ≥ 1. É fácil ver que ϕé um homomorfismo de R-módulos, e que ϕ é injetor. Para mostrar que ϕé sobrejetor, considere (g, h) ∈ R⊕ R. Defina f : V → V por

f (ei).=

{g(ei/2), se i é parh(e(i+1)/2), se i é ímpar.

Por construção, ϕ( f ) = (g, h).

Observação. Motivamos por isso, diremos que um anel R tem IBN (inva-riant basis number) se para todos m, n naturais, vale que (RR)

n ∼= (RR)m

implica n = m. A rigor, teríamos duas noções de IBN (uma à direita e umaà esquerda), mas são equivalentes.

Mais exemplos:

Exemplo 7.11 (Bizarrices com módulos).

(1) Se R é um anel, então RR é livre e {u} é uma base, para qualquer u ∈ Rinversível. Note que inversibilidade bilateral é necessária: de um ladopois a = u(u−1a) para todo a ∈ R, e por outro que ur = 0 implicar = u−1ur = 0.

(2) ZZ é livre, {2} é linearmente independente, mas {2} não é uma base(2Z 6= Z) e não está contido em nenhuma base de Z. Com efeito, todosubconjunto de Z com pelo menos dois elementos não é linearmenteindependente, visto que se a, b ∈ Z são distintos, vale

a · b + b · (−a) = 0.

53

(3) ZZ é gerado por {2, 3} (pois 2 e 3 são coprimos, Bezout), mas nenhumsubconjunto de {2, 3} é base de Z.

(4) Nem todo submódulo de um módulo livre é livre. Por exemplo, con-sidere R = Z/6Z. Então RR é livre, mas o submódulo N = {0, 2, 4}não é livre (todos seus subconjuntos não-vazios são linearmente de-pendentes). Além disto, em contraste com o que ocorre para espaçosvetoriais, {2} é um gerador minimal de N que não é linearmente inde-pendente.

(5) Se R é um anel que não tenha IBN, pode-se tomar m, n naturais distin-tos, e fazer

Mat(n, R) ∼= EndR((RR)n) ∼= EndR((RR)

m) ∼= Mat(m, R).

E de modo análogo ao que ocorreu com álgebras livres, também háuma propriedade universal para módulos livres:

Teorema 7.12. Sejam R um anel e F um R-módulo à direita com base X. Então,dados qualquer R-módulo à direita M e uma função j : X → M, existe um únicohomomorfismo de R-módulos f : F → M que estende j.

Demonstração: Escreva F =⊕

x∈X xR, e defina

fx : xR→ Mxa 7→ j(x)a.

Note que fx está bem-definido pois X é base: xa = xb implica x(a− b) = 0e daí a − b = 0 por independência linear de X. Ainda, fx é um homo-morfismo de R-módulos. Agora, a propriedade universal da soma diretanos fornece um homomorfismo de R-módulos f : F → M que satisfazf ιx = fx, onde ιx : xR ↪→ F é a inclusão. Daí, se x ∈ X, temos

f (x) = f (ιx(x)) = fx(x) = fx(x1) = j(x)1 = j(x).

E f é o único homomorfismo nestas condições pois X gera M, então sedois homomorfismos coincidem em X, são iguais.

Corolário 7.13. Se

0 −−−→ L −−−→ Mβ−−−→ F −−−→ 0

é uma sequência exata curta de R-módulos e F é livre, então a sequência cinde.

54

Demonstração: Seja X uma base de F. Como β é sobrejetor, para cadax ∈ X existe mx ∈ M com β(mx) = x. Defina j : X → M por j(x) = mx, ea propriedade universal dos módulos livres nos dá um homomorfismo deR-módulos f : F → M que estende j. Claramente β f é a identidade em Xe, portanto, em F. Logo β é um homomorfismo sobrejetor que cinde.

Observação. A recíproca não vale. Isto motivará a definição de móduloprojetivo que veremos adiante.

8 Produto tensorial (10/04)

Definição 8.1 (Produto balanceado). Sejam R um anel, M um R-módulo àdireita e N um R-módulo à esquerda. Um produto balanceado de M e N é umpar (P, f ), onde P é um grupo abeliano e f : M × N → P é uma funçãosatisfazendo:

(i) f (x + x′, y) = f (x, y) + f (x′, y), para quaisquer x, x′ ∈ M, y ∈ N;

(ii) f (x, y + y′) = f (x, y) + f (x, y′), para quaisquer x ∈ M, y, y′ ∈ N;

(iii) f (xa, y) = f (x, ay), para quaisquer x ∈ M, y ∈ N e a ∈ R.

Observação.

• Segue diretamente da definição acima que se (P, f ) é um produtobalanceado de MR e RN, então valem

f (x, 0) = f (0, y) = 0 e f (−x, y) = f (x,−y) = − f (x, y),

para todos x ∈ M e y ∈ N.

• Produtos balanceados de fato existem: se P é um grupo abelianoqualquer, pode-se colocar f = 0.

Com esta noção de produto balanceado, e natural buscarmos um novotipo de espaço que “traduza” aplicações balanceadas em termos de homo-morfismos de grupos.

Definição 8.2 (Produto tensorial). Sejam R um anel, M um R-módulo àdireita e N um R-módulo à esquerda. Um produto tensorial de M e N éum produto balanceado (M⊗R N,⊗) com a seguinte propriedade: dadoqualquer produto balanceado (P, f ) de M e N, existe um único homomor-fismo de grupos abelianos ϕ : M ⊗R N → P tal que ϕ ◦ ⊗ = f , ou seja,ϕ(x⊗ y) = f (x, y) para todos x ∈ M e y ∈ N, onde x⊗ y .

= ⊗(x, y).

55

fP

ϕ

M× N

M⊗R N

Figura 11: Propriedade universal do produto tensorial.

Observação.

• Se ((M ⊗R N)1,⊗1) e ((M ⊗R N)2,⊗2) são produtos tensoriais deMR e RN, então existe um (único) isomorfismo de grupos abelianosϕ : (M ⊗ N)1 → (M ⊗ N)2 tal que ϕ(x ⊗1 y) = x ⊗2 y, para todosx ∈ M e y ∈ N.

O argumento é o “de sempre”, tomando como P cada um dos produ-tos tensoriais dados. Obtemos homomorfismos de grupos abelianosϕ e ψ de acordo com os diagramas a seguir:

ϕ

M× N

(M⊗R N)1

⊗1

⊗2(M⊗R N)2 (M⊗R N)1M× N

ψ

⊗1

⊗2

(M⊗R N)2

Figura 12: Construindo os isomorfismos ϕ e ψ.

Com isto, concluímos que o primeiro dos diagramas abaixo tambémcomuta (o segundo é óbvio):

56

M× N

(M⊗R N)1

⊗1

(M⊗R N)1M× N⊗1

ψ ◦ ϕ

(M⊗R N)1⊗1

(M⊗R N)1

⊗1

Id1

Figura 13: Mostrando que ψ ◦ ϕ = Id1.

Da parte da unicidade da propriedade universal, concluímos que ψ ◦ϕ = Id1. Analogamente mostra-se que ϕ ◦ ψ = Id2.

• Se (M⊗R N,⊗) é um produto tensorial de MR e RN, o grupo abeli-ano M⊗R N é gerado por {x⊗ y | x ∈ M e y ∈ N}.Para ver isto, considere G o subgrupo de M⊗R N gerado por

{x⊗ y | x ∈ M e y ∈ N}.

Naturalmente, queremos mostrar que G = M⊗R N ou, equivalente-mente, que o quociente (M⊗R N)/G é trivial. Definindo

f : M× N → M⊗R NG

(x, y) 7→ 0 + G,

temos que ((M⊗R N)/G, f ) é um produto balanceado de MR e RN.Isto significa que podemos utilizar a propriedade universal do pro-duto tensorial M⊗R N de modo conveniente. Então considere a pro-jeção canônica π : M⊗R N → (M⊗R N)/G, bem como o morfismonulo n : M⊗R N → (M⊗R N)/G. Então por definição de G, ambosos diagramas a seguir comutam:

57

M× Nf

M⊗R N

⊗π

M× Nf

M⊗R N

⊗n

M⊗R NG

M⊗R NG

Figura 14: Mostrando que π = n.

Assim, concluímos que π = n, como queríamos.

• Em vista dos pontos acima, dizemos que (M ⊗R N,⊗) é o produtotensorial de MR e RN, e temos que

M⊗R N =

{n

∑i=1

xi ⊗ yi | n ≥ 1, xi ∈ M e yi ∈ N

}.

Em particular, note que −(x ⊗ y) = (−x) ⊗ y = x ⊗ (−y). Mascuidado: as expressões dadas por esta caracterização não são únicas(nem as minimais)!

Discutimos tudo isto, mas até agora não sabemos se produtos tensori-ais sequer existem. Então:

Teorema 8.3. Sejam R um anel, M um R-módulo à direita e N um R-módulo àesquerda. Então existe um produto tensorial de M e N.

Demonstração: Considere F oZ-módulo livre com “base” M×N, ou seja,F = Z(M×N). Uma base de F é {β(m,n) | (m, n) ∈ M × N}, onde cadaelemento β(m,n) = (α(r,s))(r,s)∈M×N satisfaz

α(r,s) =

{1, se (r, s) = (m, n)0, caso contrário.

Agora considere G o submódulo de F gerado por todos os elementos dasformas

• β(m+m′,m) − β(m,n) − β(m′,n);

• β(m,n+n′) − β(m,n) − β(m,n′), e;

58

• β(ma,n) − β(m,an),

com m, m′ ∈ M, n, n′ ∈ N e a ∈ R. Afirmamos então que se

f : M× N → FG

(m, n) 7→ β(m,n) + G,

então (F/G, f ) é um produto balanceado de MR e RN. Claro que F/G éum grupo abeliano, pois F e G o são. Verifiquemos por exemplo a lineari-dade de f na primeira variável: pela definição de G temos

f (m + m′, n) = β(m+m′,n) + G

= (β(m,n) + β(m′,n)) + G

= (β(m,n) + G) + (β(m′,n) + G)

= f (m, n) + f (m′, n),

quaisquer que sejam m, m′ ∈ M e n ∈ N. Analogamente verifica-se quef (m, n + n′) = f (m, n) + f (m, n′) e f (ma, n) = f (m, an), para m ∈ M,n, n′ ∈ N e a ∈ R.

Feito isto, mostremos algo melhor: (F/G, f ) é na verdade um produtotensorial de MR e RN. Seja dado um produto balanceado (P, g) de MRe RN, e considere j : M × N → P dada por j(m, n) = g(m, n). Pela pro-priedade universal dos módulos livres, existe um homomorfismo de gru-pos abelianos (Z-módulos) ϕ : F → P que estende j, ou seja, que satisfazϕ(β(m,n)) = g(m, n), qualquer que seja (m, n) ∈ M× N.

Como g é um produto balanceado, a definição de G nos dá a inclusãoG ⊆ ker ϕ. Por exemplo:

ϕ(β(m+m′,n) − β(m,n) − β(m′,n)) = ϕ(β(m+m′,n))− ϕ(β(m,n))− ϕ(β(m′,n))

= g(m + m′, n)− g(m, n)− g(m′, n)= 0,

para todos m, m′ ∈ M e n ∈ N. Assim, o Teorema do Homomorfismo(Teorema 4.8, p. 30) finalmente nos dá o seguinte diagrama comutativo:

59

f

ϕ

π

gP

ϕ

F

FG

M× N

Figura 15: Resumindo a situação até aqui.

Ou seja:

ϕ( f (m, n)) = ϕ(β(m,n) + G) = ϕ(β(m,n)) = g(m, n),

para todo (m, n) ∈ M× N. Afirmamos que ϕ : F/G → P é o único homo-morfismo de grupos nestas condições. Com efeito, se ψ : F/G → P satisfazψ ◦ f = g, temos

ψ(β(m,n) + G) = ψ( f (m, n)) = g(m, n) = ϕ( f (m, n)) = ϕ(β(m,n) + G).

Visto que {β(m,n) + G | (m, n) ∈ M×N} gera F/G, concluímos que ψ = ϕ

(pois são homomorfismos). Portanto (F/G, f ) é um produto tensorial deMR e RN, como queríamos.

Exemplo 8.4.

(1) Sejam m, n ∈ Z, com mdc(m, n) = 1. Vejamos que

Z

mZ⊗Z

Z

nZ= 0.

Com efeito, tome a ∈ Z/mZ e b ∈ Z/nZ. É suficiente mostrar quea⊗ b = 0. Para tanto, considere inteiros r, s ∈ Z tais que mr + ns = 1,

60

e use que ⊗ é balanceado:

a⊗ b = (a · 1)⊗ b

= (a · (mr + ns))⊗ b

= (a · (mr))⊗ b + (a · (ns))⊗ b

= (a · (mr))⊗ b + a⊗ ((ns) · b)= (am · r)⊗ b + a⊗ (s · nb)

= (0 · r)⊗ b + a⊗ (s · 0)= 0⊗ b + a⊗ 0= 0.

(2) Sejam m, n ∈ Z, e d .= mdc(m, n). Afirmamos que

Z

mZ⊗Z

Z

nZ∼=Z

dZ.

Para isto, vejamos que é possível equipar Z/dZ com um certo produtoque o torne um produto tensorial de Z/mZ e Z/nZ. Como são muitasclasses de equivalência a serem consideradas, denotaremos-as peloscolchetes adequados. Além disto, mantenha em mente todo o tempoque mZ+ nZ = dZ.

Considere a função

f :Z

mZ× Z

nZ→ Z

dZ([a]m, [b]n) 7→ [ab]d.

Afirmo que (Z/dZ, f ) é um produto tensorial de Z/mZ e Z/nZ sobreZ. A primeira coisa a ser verificada é que (Z/dZ, f ) é um produtobalanceado:

• Começamos verificando que f está bem definida: suponha que[a]m = [a′]m e [b]m = [b′]m. Então existem inteiros α, β ∈ Z taisque a = a′ + αm e b = b′ + βn. Assim

ab = a′b′ + a′βn + αb′m + αβmn = a′b′ + a′βn + (ab′ + αβn)m︸ ︷︷ ︸∈nZ+mZ=dZ

,

donde [ab]d = [a′b′]d, como queríamos.

61

• Veja que

f ([a]m + [a′]m, [b]n) = f ([a + a′]m, [b]n)= [(a + a′)b]d= [ab + a′b]d= [ab]d + [a′b]d= f ([a]m, [b]n) + f ([a′]m, [b]n).

• Para ver que f ([a]m, [b]n + [b′]n) = f ([a]m, [b]n) + f ([a]m, [b′]n), oargumento é análogo ao dado acima.

• Finalmente, se r ∈ Z, temos que

f ([a]mr, [b]n) = f ([ar]m, [b]n) = [(ar)b]d= [a(rb)]d = f ([a]m, [rb]n)= f ([a]m, r[b]n).

Resta ver que (Z/dZ, f ) satisfaz a propriedade universal para o pro-duto tensorial. Considere então um produto balanceado (P, g) deZ/mZe Z/nZ sobre Z. Comece definindo

ϕ : Z→ Px 7→ g([x]m, [1]n).

Como g é balanceado, temos que ϕ é um homomorfismo deZ-módulos.Além disto, vale que dZ ⊆ ker ϕ: com efeito, se x ∈ dZ, temos quex = dt para algum t ∈ Z. Ainda, por Bézout existem r, s ∈ Z comd = rm + sn, donde x = rmt + snt. Portanto

ϕ(x) = g([x]m, [1]n) = g([snt]m, [1]n)= g([st]mn, [1]n) = g([st]m, n[1]n)= g([st]m, [n]n) = g([st]m, [0]n)= 0.

Assim, ϕ desce ao quociente como ϕ : Z/dZ→ P, e vale

ϕ( f ([a]m, [b]n)) = ϕ([ab]d) = ϕ(ab)= g([ab]m, [1]n) = g([a]mb, [1]n)= g([a]m, b[1]n) = g([a]m, [b]n),

como queríamos. A situação resume-se ao seguinte diagrama:

62

f

ϕ

Z

π

Z

dZ

Z

mZ× Z

nZ gP

ϕ

Figura 16: Construindo a linearização ϕ.

Finalmente, suponha que ψ : Z/dZ → P seja outro homomorfismosatisfazendo ψ ◦ f = g. Temos

ψ([1]d) = ψ( f ([1]m, [1]n)) = g([1]m, [1]n) = ϕ(1) = ϕ([1]d).

Como [1]d gera Z/dZ, concluímos que ψ = ϕ e que (Z/dZ, f ) é umproduto tensorial de Z/mZ por Z/nZ sobre Z, como queríamos.

† Algumas coisas (sobre produtos tensoriais) daLista 2

Exercício. Sejam K um corpo, L uma extensão de K, e V um K-espaçovetorial com K-base {xλ | λ ∈ Λ}. Mostre que L ⊗K V é um L-espaçovetorial com L-base {1⊗ xλ | λ ∈ Λ}.Solução: Temos que L⊗K V já é um grupo abeliano por definição, entãosó resta equipá-lo com uma multiplicação externa. Dado a ∈ L, note que

ma : L×V → L⊗K V(b, x) 7→ ma(b, x) .

= (ab)⊗ x

é um produto balanceado de L e V sobre K. Com efeito, temos

ma(b + b′, x) = (a(b + b′))⊗ x = (ab + ab′)⊗ x= (ab)⊗ x + (ab′)⊗ x = ma(b, x) + ma(b′, x),

63

que

ma(b, x + x′) = (ab)⊗ (x + x′)= (ab)⊗ x + (ab)⊗ x′

= ma(b, x) + ma(b, x′),

e finalmente que

ma(bk, x) = (a(bk))⊗ x = ((ab)k)⊗ x = (ab)⊗ (kx) = ma(b, kx),

quaisquer que sejam b, b′ ∈ L, x, x′ ∈ V e k ∈ K. Portanto existe umhomomorfismo de grupos ma : L⊗K V → L⊗K V satisfazendo

ma(b⊗ x) = (ab)⊗ x,

para todos b ∈ L e x ∈ V. Feito tudo isto, a multiplicação externa quedefiniremos é

L× (L⊗K V)→ L⊗K V(a, t) 7→ ma(t).

Como cada ma é um homomorfismo, valem as distributivas da definiçãode espaço vetorial. Além disto, temos que m1 = IdL⊗KV , donde concluí-mos que L⊗K V de fato tem uma estrutura de L-espaço vetorial.

Agora, resta ver que {1⊗ xλ | λ ∈ Λ} é uma L-base de L⊗K V:

• É linearmente independente sobre L: considere em HomK(V, K) abase18 dual {ϕλ | λ ∈ Λ} e, para cada λ ∈ Λ, defina

fλ : L×V → L(a, x) 7→ aϕλ(x).

Afirmo que (L, fλ) é um produto balanceado de L e V sobre K. Comosempre, temos

fλ(a + a′, x) = (a + a′)ϕλ(x)= aϕλ(x) + a′ϕλ(x)= fλ(a, x) + fλ(a′, x),

18Que na verdade não é base se dimK V = +∞.

64

de modo análogo

fλ(a, x + x′) = aϕλ(x + x′)= a(ϕλ(x) + ϕλ(x′))= aϕλ(x) + aϕλ(x′)= fλ(a, x) + fλ(a, x′),

e

fλ(ak, x) = (ak)ϕλ(x) = a(kϕλ(x)) = aϕλ(kx) = fλ(a, kx),

quaisquer que sejam a, a′ ∈ L, x, x′ ∈ V e k ∈ K. Então existe umalinearização fλ : L⊗K V → L. Agora, se são dados λ1, . . . , λn ∈ Λ ea1, . . . , an ∈ L todos dois a dois distintos e tais que

n

∑i=1

ai(1⊗ xλi) = 0,

reorganizamos tal expressão como

n

∑i=1

ai ⊗ xλi = 0,

e aplicamos fλj , de modo a obter

0 = fλj

(n

∑i=1

ai ⊗ xλi

)=

n

∑i=1

fλj(ai ⊗ xλj)

=n

∑i=1

ai ϕλj(xλi) =n

∑i=1

aiδji

= aj,

como queríamos.

• Gera L ⊗K V: dado t ∈ L ⊗K V, existem a1, . . . , an ∈ L e vetoresv1, . . . , vn ∈ V com

t =n

∑i=1

ai ⊗ vi.

E para cada 1 ≤ i ≤ n existe uma família quase-nula (biλ)λ∈Λ deescalares em K tais que vi = ∑λ∈Λ biλxλ (note que tal soma é finita).

65

Assim, podemos escrever

t =n

∑i=1

ai ⊗(

∑λ∈Λ

biλxλ

)= ∑

λ∈Λ

n

∑i=1

ai ⊗ (biλxλ)

= ∑λ∈Λ

n

∑i=1

(aibiλ)⊗ xλ = ∑λ∈Λ

(n

∑i=1

aibiλ

)(1⊗ xλ).

Note que a soma acima ainda é finita, de modo que terminamos ademonstração.

Exercício. Sejam R um anel, M e M′ R-módulos à direita, N e N′ R-módulos à esquerda, e f : M → M′ e g : N → N′ homomorfismos deR-módulos. Mostre que existe um único homomorfismo de grupos

f ⊗ g : M⊗R N → M′ ⊗R N′

tal que( f ⊗ g)(x⊗ y) = f (x)⊗ g(y),

quaisquer que sejam x ∈ M e y ∈ N.

Solução: É suficiente mostrar que se h : M × N → M′ ⊗R N′ é definidopor h(x, y) .

= f (x)⊗ g(y), então (M′ ⊗R N′, h) é um produto balanceadode M e N sobre R. Verificado este fato, a (única) aplicação fornecida pelapropriedade universal de M⊗R N é precisamente f ⊗ g. Primeiramente,temos

h(x + x′, y) = f (x + x′)⊗ g(y)= ( f (x) + f (x′))⊗ g(y)= f (x)⊗ g(y) + f (x′)⊗ g(y)= h(x, y) + h(x′, y),

em seguida

h(x, y + y′) = f (x)⊗ g(y + y′)= f (x)⊗ (g(y) + g(y′))= f (x)⊗ g(y) + f (x)⊗ g(y′)= h(x, y) + h(x, y′),

66

e finalmente

h(xr, y) = f (xr)⊗ g(y)= ( f (x)r)⊗ g(y)= f (x)⊗ (rg(y))= f (x)⊗ g(ry)= h(x, ry),

quaisquer que sejam x, x′ ∈ M, y, y′ ∈ N e r ∈ R.

Exercício. Dados módulos MR, M′R, RN, RN′, e homomorfismos f1, f2, f ∈HomR(M, M′) e g1, g2, g ∈ HomR(N, N′), mostre que:

(a) ( f1 + f2)⊗ g = ( f1 ⊗ g) + ( f2 ⊗ g);

(b) f ⊗ (g1 + g2) = ( f ⊗ g1) + ( f ⊗ g2);

(c) f ⊗ 0 = 0⊗ g = 0;

(d) IdM ⊗ IdN = IdM⊗R N.

Solução: Basta verificarmos as igualdades em tensores simples da formax⊗ y.

(a) Temos

(( f1 ⊗ g) + ( f2 ⊗ g))(x⊗ y) = ( f1 ⊗ g)(x⊗ y) + ( f2 ⊗ g)(x⊗ y)= f1(x)⊗ g(y) + f2(x)⊗ g(y)= ( f1(x)⊗ f2(x))⊗ g(y)= (( f1 + f2)(x))⊗ g(y)= (( f1 + f2)⊗ g)(x⊗ y).

(b) Como antes, temos

(( f ⊗ g1) + ( f ⊗ g2))(x⊗ y) = ( f ⊗ g1)(x⊗ y) + ( f ⊗ g2)(x⊗ y)= f (x)⊗ g1(y) + f (x)⊗ g2(y)= f (x)⊗ (g1(y) + g2(y))= f (x)⊗ ((g1 + g2)(y))= ( f ⊗ (g1 + g2))(x⊗ y).

(c) Temos 0(x⊗ y) = 0 = f (x)⊗ 0(y) = ( f ⊗ 0)(x⊗ y). Note que o sím-bolo 0 tem três papeis diferentes nestas igualdades. A demonstraçãoque 0 = 0⊗ g é análoga.

67

(d) Veja que

IdM⊗R N(x⊗ y) = x⊗ y = IdM(x)⊗ IdN(y) = (IdM ⊗ IdN)(x⊗ y).

Exercício. Dadas as sequências

Mf−−−→ M′

f ′−−−−→ M′′

eN

g−−−→ N′g′−−−−→ N′′

de homomorfismos de R-módulos à direita e à esquerda, respectivamente,mostre que ( f ′ ⊗ g′) ◦ ( f ⊗ g) = ( f ′ ◦ f )⊗ (g′ ◦ g).

Solução: Como no exercício anterior, basta checar para tensores simplesda forma x⊗ y. Temos:

(( f ′ ⊗ g′) ◦ ( f ⊗ g))(x⊗ y) = ( f ′ ⊗ g′)(( f ⊗ g)(x⊗ y)

)= ( f ′ ⊗ g′)( f (x)⊗ g(y))= f ′( f (x))⊗ g′(g(y))= ( f ′ ◦ f )(x)⊗ (g′ ◦ g)(y)= (( f ′ ◦ f )⊗ (g′ ◦ g))(x⊗ y).

9 Mais produtos tensoriais (12/04)

9.1 Isomorfismos com produtos tensoriais

Proposição 9.1. Sejam R um anel e N um R-módulo à esquerda. Então

η : N → R⊗R Ny 7→ 1⊗ y

é um isomorfismo (de grupos abelianos).

Demonstração: É fácil ver que η é um homomorfismo sobrejetor, mas é di-fícil provar que é injetor. Então vamos construir o homomorfismo inverso.Se

f : R× N → N(a, y) 7→ ay,

68

então (N, f ) é um produto balanceado entre RR e RN (isto segue das pro-priedades das operações em RN). Logo, existe uma linearização

ρ : R⊗R N → N

de f , que satisfaz ρ(a⊗ y) = ay, quaisquer que sejam a ∈ R e y ∈ N. Daí

ρ ◦ η(y) = ρ(1⊗ y) = 1y = y, eη ◦ ρ(a⊗ y) = η(ay) = 1⊗ (ay) = a⊗ y,

como desejado.

Observação. Note que para mostrar que η ◦ ρ = IdR⊗R N, estamos usandoque η é um homomorfismo (de modo que η ◦ ρ também o é), pois a verifi-cação está sendo feita apenas num conjunto gerador de R⊗R N.

De modo dual à proposição anterior, também temos a:

Proposição 9.2. Sejam R um anel e M um R-módulo à direita. Então

µ : M→ M⊗R Rx 7→ x⊗ 1

é um isomorfismo (de grupos abelianos).

Ou seja, produtos tensoriais “absorvem” o anel de coeficientes (doslados adequados).

Exemplo 9.3. Considere Z como submódulo de ZQ. Pelo feito acima, paratodo n ≥ 1 tem-se

Z

nZ⊗Z Z ∼=

Z

nZ,

mas tambémZ

nZ⊗Z Q = 0,

pois

a⊗ q = a⊗ (nn−1q) = (an)⊗ (n−1q) = an⊗ n−1q = 0⊗ (n−1q) = 0.

Então ⊗ pode não preservar inclusões (no sentido em que tomando o pro-duto tensorial com algo “ainda maior”, obtivemos zero).

Continuando:

69

Proposição 9.4. Sejam R um anel, I um ideal à direita de R, e M um R-móduloà esquerda. Então existe um isomorfismo (de grupos abelianos)

ϕ :RI⊗R M→ M

IM(a + I)⊗ x 7→ ax + IM,

onde IM é o submódulo de M gerado por {rx | r ∈ I, x ∈ M}.

Demonstração: Primeiramente, defina

f :RI×M→ M

IM(r + I, x) 7→ rx + IM.

Verifiquemos diretamente que f está bem-definida: se r1, r2 ∈ R são taisque r1 − r2 ∈ I, então r1x − r2x = (r1 − r2)x ∈ IM, donde obtemos quer1x + IM = r2x + IM.

Vejamos agora que (M/IM, f ) é um produto balanceado de R/I e Msobre R:

• Começamos com:

f ((r1 + I)+(r2 + I), x) = f ((r1 + r2) + I, x) = ((r1 + r2)x) + IM= (r1x + r2x) + IM = (r1x + IM) + (r2x + IM)

= f (r1 + I, x) + f (r2 + I, x).

• Em seguida:

f (r + I, x1 + x2) = (r(x1 + x2)) + IM = (rx1 + rx2) + IM= (rx1 + IM) + (rx2 + IM) = f (r, x1) + f (r, x2).

• Por fim:

f ((r + I)r′, x) = f (rr′ + I, x) = (rr′)x + IM= r(r′x) + IM = f (r + I, r′x).

Logo existe a linearização ϕ : R/I⊗R M→ M/IM, como desejado. Vamosmostrar que ϕ é um isomorfismo, construindo a sua inversa. Defina

g : M→ RI⊗R M

x 7→ (1 + I)⊗ x.

70

É fácil ver que g é um homomorfismo de grupos abelianos. Se r ∈ I ex ∈ M, temos

g(rx) = (1 + I)⊗ (rx) = ((1 + I)r)⊗ x= (r + I)⊗ x = (0 + I)⊗ x= 0,

donde concluímos que g se anula nos geradores de IM e, portanto, emtodo IM. Assim, g desce ao quociente como

ψ :MIM→ R

I⊗R M.

Vejamos que isto funciona. Por um lado, temos

ϕ ◦ ψ(x + IM) = ϕ(g(x)) = ϕ((1 + I)⊗ x)= (1x) + IM = x + IM,

donde ϕ ◦ ψ = IdM/IM. Por outro lado, se r ∈ R e x ∈ M, temos que

ψ ◦ ϕ((r + I)⊗ x) = ψ(rx + IM) = g(rx) = (1 + I)⊗ (rx)= ((1 + I)r)⊗ x = (r + I)⊗ x,

e a unicidade da linearização na propriedade universal do produto tenso-rial nos diz que ψ ◦ ϕ = Id.

Como consequência, temos o:

Corolário 9.5. Sejam R um anel, J um ideal à esquerda e I um ideal à direita.Então

RI⊗R

RJ∼=

RI + J

,

como grupos.

Demonstração: Sendo J um ideal à esquerda, temos que R/J é um R-módulo à esquerda, e o resultado anterior nos diz que

RI⊗R

RJ∼=

R/JI(R/J)

,

de modo que só nos resta verificar que

R/JI(R/J)

∼=R

I + J.

71

Como J ⊆ I + J, a identidade de R passa para o quociente como um ho-momorfismo sobrejetor

ϕ :RJ→ R

I + J.

Afirmo que ker ϕ = I(R/J). Por um lado, se a ∈ I e r ∈ R, temos

ϕ(a(r + J)) = ϕ(ar + J) = ar + I + J = I + J,

pois ar ∈ I (lembre que I é ideal à direita). Por outro lado, se ϕ(r + J) = 0,então r ∈ I + J se escreve como r = a + b, com a ∈ I e b ∈ J. Assim

r + J = a + b + J = a + J = a(1 + J) ∈ I(R/J),

como queríamos.19

Observação. Em particular, concluímos novamente que se m, n ≥ 1 e d .=

mdc(m, n), entãoZ

mZ⊗Z

Z

nZ∼=Z

dZ.

Proposição 9.6. Sejam R um anel, (Mλ)λ∈Λ uma família de R-módulos à di-reita, e N um R-módulo à direita. Então existe um isomorfismo (de grupos abeli-anos)

ϕ :

(⊕λ∈Λ

)⊗R N →

⊕λ∈Λ

(Mλ ⊗R N),

satisfazendo ϕ((xλ)λ∈Λ ⊗ y) = (xλ ⊗ y)λ∈Λ.

Demonstração: Defina

f :

(⊕λ∈Λ

)× N →

⊕λ∈Λ

(Mλ ⊗R N)

((xλ)λ∈Λ, y) 7→ (xλ ⊗ y)λ∈Λ.

Note que como (xλ)λ∈Λ é quase-nula, então (xλ ⊗ y)λ∈Λ também o é, eassim f está bem-definida. E é fácil ver que (

⊕λ∈Λ(Mλ ⊗R N), f ) é um

produto balanceado. Assim, existe a linearização desejada ϕ.

19Solução alternativa (Vinicius Rodrigues): mostrar que I(R/J) = (I + J)/J, e assim

R/JI(R/J)

=R/J

(I + J)/J∼=

RI + J

.

72

Resta mostrar que ϕ é um isomorfismo, e faremos isto construindo oisomorfismo inverso. Para tanto, começamos notando que para cada ρ ∈Λ, a função

fρ : Mρ × N →(⊕

λ∈Λ

)⊗R N

(x, y) 7→ ιρ(x)⊗ y,

onde ιρ : Mρ ↪→ ⊕λ∈Λ Mλ, é um produto balanceado. Então existem line-

arizações

gρ : Mρ ⊗R N →(⊕

λ∈Λ

)⊗R N,

satisfazendo gρ(x ⊗ y) = ιρ(x) ⊗ y, para todos x ∈ Mρ e y ∈ N. Pelapropriedade universal da soma direta (Proposição 6.3, p. 42), existe umhomomorfismo

ψ :⊕λ∈Λ

(Mλ ⊗R N)→(⊕

λ∈Λ

)⊗R N

satisfazendo ψ ◦ ι′ρ = gρ para todo ρ ∈ Λ, onde

ι′ρ : Mρ ⊗R N ↪→⊕λ∈Λ

(Mλ ⊗R N)

também denota a inclusão canônica. Resta ver que ψ é a inversa desejada.Então, por um lado, calculamos:

ψ ◦ ϕ((xλ)λ∈Λ ⊗ y) = ψ((xλ ⊗ y)λ∈Λ) = ψ

(∑

λ∈Λι′λ(xλ ⊗ y)

)= ∑

λ∈Λψι′λ(xλ ⊗ y) = ∑

λ∈Λgλ(xλ ⊗ y)

= ∑λ∈Λ

ιλ(xλ)⊗ y =

(∑

λ∈Λιλ(xλ)

)⊗ y

= (xλ)λ∈Λ ⊗ y.

Pela unicidade dada pela propriedade universal do produto tensorial, te-mos ψ ◦ ϕ = Id. Por outro lado, note que dado λ ∈ Λ qualquer, temos

(ϕ ◦ ψ) ◦ ι′λ(x⊗ y) = ϕ ◦ (ψ ◦ ι′λ)(x⊗ y) = ϕ(gλ(x⊗ y))= ϕ(ιλ(x)⊗ y) = ι′λ(x⊗ y),

73

visto que ιλ(x) é a família contendo x na posição λ e zero nas restantes, domesmo modo que ι′λ(x⊗ y) é a família contendo x⊗ y na posição λ e zeronas restantes. Como {x⊗ y | x ∈ Mλ, y ∈ N} gera Mλ ⊗R N, temos queϕψι′λ = ι′λ, para todo λ ∈ Λ. Segue que ϕ ◦ ψ = Id pela unicidade dada napropriedade universal da soma direta.

Claro que vale a versão dual do resultado acima:

Proposição 9.7. Sejam R um anel, M um R-módulo à direita e (Nλ)λ∈Λ umafamília de R-módulos à esquerda. Então

M⊗R

(⊕λ∈Λ

)∼=⊕λ∈Λ

(M⊗R Nλ).

9.2 Bimódulos

Definição 9.8. Sejam R e S aneis. Um grupo abeliano M é um (R, S)-bimódulo, denotado por RMS, se M for um R-módulo à esquerda, um S-módulo à direita e, além disto, que ambas as estruturas sejam compatíveis,no sentido que

(rm)s = r(ms),

quaisquer que sejam r ∈ R, s ∈ S e m ∈ M.

Exemplo 9.9.

(1) Todo anel R é um (R, R)-bimódulo. E todo ideal bilateral de R é tam-bém um (R, R)-bimódulo.

(2) Sejam R um anel e M um R-módulo à esquerda. Então M é um (R,Z)-bimódulo, de forma natural. De modo análogo, se N é um R-móduloà direita, então N é também um (Z, R)-bimódulo.

(3) Sejam R um anel comutativo e M um R-módulo à direita. Então M é um(R, R)-bimódulo, definindo r ·m .

= mr. De fato, se r1, r2 ∈ R, temos

(r1 ·m)r2 = (mr1)r2 = m(r1r2)

= m(r2r1) = (mr2)r1

= r1 · (mr2).

De um jeito análogo também pode-se mostrar (ignorando parênteses,em vista da conta acima) que r1 ·mr2 = r2 ·mr1.

74

Definição 9.10. Sejam R e S aneis, e M um (R, S)-bimódulo. Um sub-grupo de M é um sub-bimódulo se for um R-submódulo à esquerda e umS-submódulo à direita.

Definição 9.11. Sejam R e S aneis, e M e N dois (R, S)-bimódulos. Umhomomorfismo de grupos f : M → N é dito um homomorfismo de (R, S)-bimódulos se for simultaneamente um homomorfismo de R-módulos à es-querda e um homomorfismo de S-módulos à direita.

Proposição 9.12. Sejam R, S e T aneis, e bimódulos RMS e SNT. Então M⊗S Ntem uma estrutura de (R, T)-bimódulo, tal que

r(x⊗ y) = (rx)⊗ y e (x⊗ y)t = x⊗ (yt),

quaisquer que sejam r ∈ R, t ∈ T, x ∈ M e y ∈ N.

Demonstração: Vamos construir as estruturas necessárias usando repeti-damente a Proposição 4.5 (p. 27). Para cada r ∈ R, defina

fr : M× N → M⊗S N(x, y) 7→ (rx)⊗ y.

Claro que (M⊗S N, fr) é um produto balanceado de M e N sobre S, dondeexiste um endomorfismo de grupos

gr : M⊗S N → M⊗S N

tal que gr(x⊗ y) = (rx)⊗ y para todos x ∈ M e y ∈ N. Afirmamos que

G : R→ End(M⊗S N)

r 7→ gr

é um homomorfismo de aneis com unidade. Felizmente, a verificação é fá-cil. Portanto, conseguimos obter uma estrutura de R-módulo à esquerdaem M ⊗S R. Analogamente, define-se uma estrutura de T-módulo à di-reita, repetimos o argumento utilizando, para cada t ∈ T, a aplicação

ht : M⊗S N → M⊗S N

que satisfaz ht(x⊗ y) = x⊗ (yt) para todos x ∈ M e y ∈ N, e o homomor-fismo de aneis

H : Top → End(M⊗S N)

t 7→ ht.

75

Finalmente, vejamos que as estruturas são compatíveis: isto traduz-secomo gr ◦ ht = ht ◦ gr, quaisquer que sejam r ∈ R e t ∈ T. Com efeito,dados quaisquer x ∈ M e y ∈ N, temos

gr ◦ ht(x⊗ y) = gr(x⊗ (yt)) = (rx)⊗ (yt)= ht((rx)⊗ y) = ht ◦ gr(x⊗ y),

e o resultado segue pois {x⊗ y | x ∈ M e y ∈ N} gera M⊗S N.

Observação. Com esta linguagem, temos que os isomorfismos da Propo-sição 9.1 (p. 68) é um isomorfismo de R-módulos à esquerda, e o da Pro-posição 9.2 é um isomorfismo de R-módulos à direita.

Exemplo 9.13. Se V e W são espaços vetoriais sobre um corpo k, entãoV e W são (k, k)-bimódulos, donde V ⊗k W também o é, e assim é umespaço vetorial sobre k. Ainda, se {vi}i∈I e {wj}j∈J são bases de V e W,respectivamente, então

{vi ⊗ wj | (i, j) ∈ I × J}

é uma base de V ⊗W, visto que

V ⊗k W =

(⊕i∈I

kvi

)⊗k

⊕j∈J

kwj

∼=⊕i∈I

⊕j∈J

(kvi ⊗k kwj)

∼=⊕i∈I

⊕j∈J

(k(vi ⊗ wj))

=⊕

(i,j)∈I×J

k(vi ⊗ wj).

A última igualdade segue do exercício resolvido na página 49, e a únicacoisa restante a ser verificada na passagem acima é que fixados índicesi ∈ I e j ∈ J, vale kvi ⊗k kwj

∼= k(vi ⊗ wj). Com efeito, já que vi, wj 6= 0,fica bem-definida a aplicação

f : kvi × kvj → k(vi ⊗ wj)

(avi, bwj) 7→ ab(vi ⊗ wj).

É fácil ver que (k(vi ⊗ wj), f ) é um produto balanceado de kvi e kwj sobrek, donde existe a linearização ϕ : kvi ⊗k kwj → k(vi ⊗ wj).

76

Vamos construir a inversa explicitamente. Uma vez verificado20 quevale vi ⊗ wj 6= 0, o fato de k ser corpo nos garante que fica bem-definida aaplicação

ψ : k(vi ⊗ wj)→ kvi ⊗k kwj

a(vi ⊗ wj) 7→ (avi)⊗ wj,

que claramente é uma transformação linear. Vejamos que funciona. Porum lado

ϕ ◦ ψ(a(vi ⊗ wj)) = ϕ((avi)⊗ wj) = a(vi ⊗ wj),

e por outro

ψ ◦ ϕ((avi)⊗ (bwj)) = ψ(ab(vi ⊗ wj)) = (abvi)⊗ wj = (avi)⊗ (bwj),

usando que V e W são (k, k)-bimódulos. Concluímos que ψ ◦ ϕ = Id pelaunicidade dada na propriedade universal do produto tensorial.

Em particular, concluímos disto tudo que dimk(V⊗W) = dimk V dimk W.

10 Começando com categorias (17/04)

10.1 Estruturas em Hom

Proposição 10.1. Sejam R, S, T e U aneis, e bimódulos RMS, SNT e TPU. Entãoexiste um isomorfismo de (R, U)-bimódulos

(M⊗S N)⊗T P ∼= M⊗S (N ⊗T P)

tal que (x⊗ y)⊗ z 7→ x⊗ (y⊗ z), quaisquer que sejam x ∈ M, y ∈ N e z ∈ P.

Demonstração: Façamos apenas um esboço, uma vez que neste ponto averificação de que certas coisas são produtos balanceados é rotineira. Paracada z ∈ P defina

fz : M× N → M⊗S (N ⊗T P)(x, y) 7→ x⊗ (y⊗ z).

20Visto que vi e wj são não-nulos, podemos tomar funcionais lineares α ∈ Homk(V, k)e β ∈ Homk(W, k) tais que α(vi) 6= 0 e β(wj) 6= 0. Assim, a aplicação

V ×W 3 (x, y) 7→ α(x)β(y) ∈ k

é um produto balanceado, cuja linearização γ : V ⊗k W → k satisfaz γ(vi ⊗ wj) =α(vi)β(wj) 6= 0, pois k é corpo. Assim vi ⊗ wj 6= 0.

77

Então (M ⊗S (N ⊗T P), fz) é um produto balanceado de M e N sobre S,donde existe um homomorfismo fz : M ⊗S N → M ⊗S (N ⊗T P) satisfa-zendo fz(x⊗ y) = x⊗ (y⊗ z). Definimos em seguida

g : (M⊗S N)⊗T P→ M⊗S (N ⊗T P)

(α, z) 7→ fz(α).

Agora (M⊗S (N⊗T P), g) é um produto balanceado de M⊗S N e P sobreT, donde existe um homomorfismo ϕ : (M⊗S N)⊗T P→ M⊗S (N ⊗T P)satisfazendo ϕ((x⊗ y)⊗ z) = x⊗ (y⊗ z).

Tal ϕ é um isomorfismo. A construção direta de sua inversa é análogaao feito acima.

Proposição 10.2. Sejam R, S e T aneis. Então:

(a) HomR(SMR, T NR) é um (T, S)-bimódulo via

(t f )(x) .= t f (x) e ( f s)(x) .

= f (sx).

(b) HomR(RMS, RNT) é um (S, T)-bimódulo via

(s f )(x) .= f (xs) e ( f t)(x) .

= f (x)t.

Demonstração: Façamos a verificação de (a), sendo (b) análogo. Já sabe-mos que HomR(SMR, T NR) é um grupo abeliano. Dados t1, t2 ∈ T e x ∈ Mqualquer, temos

(t1(t2 f ))(x) = t1((t2 f )(x)) = t1(t2 f (x)) = (t1t2) f (x) = (t1t2 f )(x),

donde t1(t2 f ) = (t1t2) f . Analogamente, se s1, s2 ∈ S, temos

(( f s1)s2)(x) = ( f s1)(s2x) = f (s1(s2x)) = f ((s1s2)x) = ( f (s1s2))(x),

e assim21 ( f s1)s2 = f (s1s2). E que 1 f = f 1 = f é claro. Finalmente,vejamos que as operações são compatíveis:

((t f )s)(x) = (t f )(sx) = t f (sx) = t(( f s)(x)) = (t( f s))(x),

donde (t f )s = t( f s).21Não confundir f (s1s2) aqui com o valor de f avaliado no elemento s1s2, isso nem faz

sentido!

78

Teorema 10.3 (Isomorfismo de adjunção). Sejam R, S, T e U aneis. Então

ϕ : HomT((RMS ⊗S SNT), UPT)→ HomS(RMS, HomT(SNT, UPT))

definido por ϕ( f )(x)(y) = f (x⊗ y) é um isomorfismo de (U, R)-bimódulos.

Demonstração: A primeira coisa a ser feita é verificar que todas as aplica-ções relevantes estão bem definidas e são homomorfismos. Isto é feito emtrês passos:

• para cada f ∈ HomT((RMS ⊗S SNT), UPT) e cada x ∈ M, a aplicaçãoϕ( f )(x) é um homomorfismo de T-módulos à direita, ou seja, de fatotemos ϕ( f )(x) ∈ HomT(SNT, UPT):

ϕ( f )(x)(y + y′t) = f (x⊗ (y + y′t))= f (x⊗ y + (x⊗ y′)t)= f (x⊗ y) + f (x⊗ y′)t= ϕ( f )(x)(y) + ϕ( f )(x)(y′)t.

• para cada f ∈ HomT((RMS ⊗S SNT), UPT), a aplicação ϕ( f ) é umhomomorfismo de S-módulos à direita, ou seja, de fato temos queϕ( f ) ∈ HomS(RMS, HomT(SNT, UPT)). Então tome y ∈ N e faça:

ϕ( f )(x + x′s)(y) = f ((x + x′s)⊗ y)= f (x⊗ y + (x′s)⊗ y)= ϕ( f )(x)(y) + f (x′ ⊗ (sy))= ϕ( f )(x)(y) + ϕ( f )(x′)(sy)= ϕ( f )(x)(y) + (ϕ( f )(x′)s)(y)= (ϕ( f )(x) + ϕ( f )(x′)s)(y),

donde ϕ( f )(x + x′s) = ϕ( f )(x) + ϕ( f )(x′)s, como desejado.

• ϕ é um homomorfismo de (U, R)-bimódulos. É fácil ver que ϕ é adi-tiva, então vejamos que é compatível com as multiplicações externas.Dada qualquer f , temos:

((uϕ)r)( f ) = (uϕ)(r f ) = uϕ(r f ) = u((ϕr)( f )) = (u(ϕr))( f ).

Feito isto, vamos construir a inversa de ϕ diretamente: para qualquerhomomorfismo de S-módulos à direita g : M → HomT(N, P), definimos

79

g : M× N → P por g(x, y) = g(x)(y). Então (P, g) é um produto balance-ado de M e N sobre S, que induz um homomorfismo de (U, R)-bimódulosψ(g) : M⊗S N → P satisfazendo ψ(g)(x⊗ y) = g(x)(y), para todos x ∈ Me y ∈ N. Então por um lado temos

(ϕ ◦ ψ)(g)(x)(y) = ϕ(ψ(g))(x)(y) = ψ(g)(x⊗ y) = g(x)(y),

donde ϕ ◦ ψ = Id, e por outro

(ψ ◦ ϕ)( f )(x⊗ y) = ψ(ϕ( f ))(x⊗ y) = ϕ( f )(x)(y) = f (x⊗ y),

e segue da unicidade dada na propriedade universal do produto tensorialque ψ ◦ ϕ = Id.

Observação.

• Em particular, se M é um grupo abeliano e R é um anel, temos

HomZ(RR⊗Z M, M) ∼= HomZ(RRZ, End(M)).

• Em uma linguagem mais categórica (que começaremos a entender aseguir), denote

F = _⊗S N : RmodS → RmodT

e tambémG = HomT(N, _) : UmodT → UmodS.

O resultado acima diz que HomT(FM, P) ∼= HomS(M, GP).

10.2 Categorias

Definição 10.4 (Categoria). Uma categoria C consiste de:

(i) uma classe Obj(C) de objetos de C;

(ii) para cada par ordenado (A, B) de objetos de C, um conjunto HomC(A, B),cujos elementos são chamados morfismos de A em B;

(iii) para cada terna ordenada (A, B, C) de objetos de Cuma função

HomC(A, B)×HomC(B, C)→ HomC(A, C)( f , g) 7→ g f

chamada lei de composição, sujeita às seguintes condições:

80

• se (A, B) 6= (C, D), então HomC(A, B) ∩HomC(C, D) = ∅;

• se f ∈ HomC(A, B), g ∈ HomC(B, C) e h ∈ HomC(C, D), então(hg) f = h(g f ), e;

• para cada A ∈ Obj(C) existe um elemento 1A ∈ HomC(A, A)tal que f 1A = f para todo f ∈ HomC(A, B) e 1Ag = g para todog ∈ HomC(B, A).

Observação. Se Cé uma categoria e A, B ∈ Obj(C), então f ∈ HomC(A, B)

pode ser indicado por f : A→ B ou Af−−−→ B.

Exemplo 10.5.

(1) Set (conjuntos):

• Obj(Set) é classe de todos os conjuntos.

• dados X, Y ∈ Obj(Set), HomSet(X, Y) é o conjunto de todas asfunções de X em Y.

• a lei de composição de morfismos é a lei de composição de fun-ções.

• para cada X ∈ Obj(Set), 1X = IdX : X → X (função identidade).

(2) Grp (grupos):

• Obj(Grp) é a classe de todos os grupos.

• dados G, H ∈ Obj(Grp), HomGrp(G, H) é o conjunto de todos oshomomorfismos de grupos de G em H.

• a lei de composição de morfismos é a lei de composição de homo-morfismos de grupos.

• para cada G ∈ Obj(Grp), 1G = IdG : G → G (homomorfismoidentidade).

(3) Ab (grupos abelianos):

• Obj(Grp) é a classe de todos os grupos abelianos.

• dados G, H ∈ Obj(Ab), HomAb(G, H) é o conjunto de todos oshomomorfismos de grupos de G em H.

• a lei de composição de morfismos é a lei de composição de homo-morfismos de grupos.

• para cada G ∈ Obj(Ab), 1G = IdG : G → G (homomorfismo iden-tidade).

81

(4) Rng (aneis):

• Obj(Rng) é a classe de todos os aneis.

• dados R, S ∈ Obj(Rng), HomRng(G, H) é o conjunto de todos oshomomorfismos de aneis de R em S.

• a lei de composição de morfismos é a lei de composição de homo-morfismos de aneis.

• para cada R ∈ Obj(Rng), 1R = IdR : R→ R (homomorfismo iden-tidade).

(5) Ring (aneis com unidade):

• Obj(Ring) é a classe de todos os aneis com unidade.

• dados R, S ∈ Obj(Ring), HomRing(R, S) é o conjunto de todos oshomomorfismos de aneis com unidade (ou seja, homomorfismosde aneis que levam 1R em 1S) de R em S.

• a lei de composição de morfismos é a lei de composição de homo-morfismos de aneis com unidade.

• para cada R ∈ Obj(Ring), 1R = IdR : R → R (homomorfismoidentidade).

(6) se R é um anel com unidade, temos R-mod e mod-R (módulos):

• Obj(R-mod) e Obj(mod-R) são, respectivamente, as classes de R-módulos à esquerda e à direita.

• dados M, N ∈ Obj(R-mod) (resp., Obj(mod-R)), HomObj(R−mod)(M, N)

(resp., HomObj(mod−R)(M, N)) é o conjunto de todos os homomor-fismos de R-módulos à esquerda (resp., direita).

• a lei de composição de morfismos é a lei de composição de homo-morfismos de R-módulos à esquerda (resp. direita).

• para cada M ∈ Obj(R-mod) (resp., Obj(mod-R)), temos 1M =IdM : M→ M (homomorfismo identidade).

(7) Top (topologia):

• Obj(Top) é a classe de todos os espaços topológicos.

• dados X, Y ∈ Obj(Top), HomTop(X, Y) é o conjunto de todas asfunções contínuas de X em Y.

• a lei de composição de morfismos é a lei de composição de fun-ções.

82

• dado X ∈ Obj(Top), 1X = IdX : X → X (a função identidade écontínua).

(8) Um exemplo não padrão: fixe R um anel com unidade, e ponha:

• Obj(C) = {1, 2, 3, . . .}• dados m, n ∈ Obj(C), HomC(m, n) .

= Mat(m× n, R).

• se m, n, ` ∈ Obj(C), defina a lei de composição de morfismoscomo

Mat(m× n, R)×Mat(n× `, R)→ Mat(m× `, R)(A, B) 7→ AB,

ou seja, o produto usual de matrizes.

• Se m ∈ Obj(C), 1m = Idm é a matriz identidade de ordem m.

Definição 10.6. Sejam Ce Dcategorias. Diremos que Dé uma subcategoriade C se valem

(i) Obj(D) ⊆ Obj(C);

(ii) dados A, B ∈ Obj(D), vale HomD(A, B) ⊆ HomC(A, B);

(iii) a lei de composição em D é a mesma que a em C;

(iv) para todo A ∈ Obj(D), 1A em D coincide com 1A em C.

Ainda, diremos que D é uma subcategoria plena de C se valer a igualdadeem (ii).

Exemplo 10.7.

(1) Ab é uma subcategoria plena de Grp.

(2) Grp não é uma subcategoria de Set. Isto pode ser justificado por pelomenos dois pontos de vista:

• Formalmente, grupos são pares (G, ·), onde G é o conjunto subja-cente ao grupo e · é a operação. Pela definição de par ordenado(Kuratowski), (G, ·) = {{G}, {G, ·}}, e assim cada HomGrp teriano máximo quatro elementos.

83

• Vendo um grupo G como um determinado subconjunto do pro-duto X × X × X, onde X é o conjunto subjacente ao grupo (diga-mos, como ternas ordenadas onde o último membro é o produtodos dois últimos, levando em conta todas as condições da defini-ção da operação binária). Isto também nos diria que HomGrp 6⊆HomSet.

Definição 10.8. Sejam Cuma categoria, A, B ∈ Obj(C) e f ∈ HomC(A, B).

(i) f é um isomorfismo se existir g ∈ HomC(B, A) com g f = 1A e f g = 1B.

(ii) f é mônico se dados g1, g2 ∈ HomC(C, A), f g1 = f g2 implica g1 = g2.

(iii) f é épico se dados h1, h2 ∈ HomC(B, C), h1 f = h2 f implica h1 = h2.

Estes conceitos tem relações com injetividade e sobrejetividade, paraalgumas categorias:

Exercício. Em uma categoria, considere Af−−−→ B

g−−−→ C.

(a) f e g mônicos =⇒ g f mônico;

(b) f e g épicos =⇒ g f épico;

(c) g f mônico =⇒ f mônico;

(d) g f épico =⇒ g épico.

Solução:

(a) Por associatividade, (g f )g1 = (g f )g2 implica g( f g1) = g( f g2). Entãog ser mônico nos dá f g1 = f g2. Como f é mônico, segue que g1 = g2.

(b) Por associatividade, h1(g f ) = h2(g f ) implica (h1g) f = (h2g) f . Entãof ser épico nos dá h1g = h2g. Como g é épico, segue que h1 = h2.

(c) Se f g1 = f g2, então g( f g1) = g( f g2), e por associatividade temos(g f )g1 = (g f )g2. Mas como g f é mônico, segue que g1 = g2.

(d) Se h1g = h2g, então (h1g) f = (h2g) f , e por associatividade temosh1(g f ) = h2(g f ). Mas como g f é épico, segue que h1 = h2.

Exercício. Em R-mod e Set:

(a) f é mônico ⇐⇒ f é injetor;

(b) f é épico ⇐⇒ f é sobrejetor;

(c) f é um isomorfismo ⇐⇒ f é mônico e épico.

84

11 Funtores, Hom(M, _) (19/04)

Definição 11.1 (Funtor covariante). Sejam C e D categorias. Um funtorcovariante F de C em D consiste de

(i) uma função

Obj(C)→ Obj(D)

A 7→ FA,

e;

(ii) para cada par ordenado (A, B) de objetos de C, uma função

HomC(A, B)→ HomD(FA, FB)f 7→ F( f )

satisfazendo F(g f ) = F(g)F( f ) e F(1A) = 1FA, quaisquer que sejamos objetos e morfismos em C.

Af−−−→ B

g−−−→ C F=⇒ FA

F( f )−−−−−→ FBF(g)−−−−−→ FC

Definição 11.2 (Funtor contravariante). Sejam Ce Dcategorias. Um funtorcontravariante G de C em D consiste de

(i) uma função

Obj(C)→ Obj(D)

A 7→ GA,

e;

(ii) para cada par ordenado (A, B) de objetos de C, uma função

HomC(A, B)→ HomD(GB, GA)

g 7→ G(g)

satisfazendo G(g f ) = G( f )G(g) e G(1A) = 1GA, quaisquer que se-jam os objetos e morfismos em C.

Af−−−→ B

g−−−→ C G=⇒ GA

G( f )←−−−−− GBG(g)←−−−−− GC

Observação. Notaremos F : C→ D e G : C→ D.

85

Exemplo 11.3.

(1) F : Grp → Set definido por FG = “conjunto subjacente ao grupo G”,e F( f ) = f (como função entre conjuntos) é chamado um funtor deesquecimento. Este funtor é covariante, e tem vários análogos definidospara outras categorias (Rng→ Set, Top→ Set, etc.).

(2) Se n ≥ 1 é dado, F : Ring→ Ring definido por FR = Mat(n, R) e

(Rf−−−→ S) 7→ F( f ) : Mat(n, R)→ Mat(n, S)

(aij)ni,j=1 7→ ( f (aij))

ni,j=1

é um funtor covariante.

(3) O funtor de abelianização F : Grp→ Ab é definido por FG = G/G′, ondeG′ é o subgrupo de G gerado por {x−1y−1xy | x, y ∈ G} (chamado sub-grupo derivado de G), e um homomorfismo f : G → H é levado na suapassagem ao quociente F( f ) : G/G′ → H/H′. É um funtor covariante.

(4) Fixado um anel R, o funtor de dualização D : R-mod → mod-R é defi-nido por DM = M∗ .

= HomR(M, R) (lembre que HomR(RMZ, RRR) éum (Z, R)-bimódulo pela Proposição 10.2, p. 78) e, dado f : M → N,D( f ) : N∗ → M∗ é o pull-back dado por D( f )(α) = α ◦ f . É um funtorcontravariante.

Observação. Lembre que se M e N são R-módulos à direita, então o con-junto HomR(M, N) tem em particular uma estrutura de grupo abeliano,com soma de homomorfismos definida ponto a ponto. Em particular,(− f )(x) = − f (x) e 0(x) = 0 para todos x ∈ M.

Em vista da observação acima, consideraremos agora funtores satisfa-zendo uma certa condição especial:

Definição 11.4. Sejam C e D duas categorias de módulos22. Um funtorF : C → D é aditivo se para todos A, B ∈ Obj(C) e f , g ∈ HomC(A, B),vale F( f + g) = F( f ) + F(g).

Observação. Esta definição generaliza-se sob condições adequadas, quandoos conjuntos Hom possuírem estruturas de grupos abelianos. Isto em par-ticular vale para as categorias de módulos que estamos considerando.

Exemplo 11.5. Na lista dos exemplos anteriores, D é aditivo.22Ou seja, C é R-mod ou mod-R e D é S-mod ou mod-S, com as quatro combinações

possíveis.

86

Observação. Em mod-R, denote o módulo nulo por 0R (a menos de iso-morfismo, claro). Se Dé uma categoria de módulos e F : mod-R→ Dé umfuntor aditivo e φR : 0R → 0R é o homomorfismo nulo, note que 10R = φRe então

1F0R = F(10R) = F(φR)(∗)= φF0R ,

onde em (∗) usamos que F é aditivo, donde F0R é um módulo nulo em D.

Prosseguimos:

Definição 11.6. Sejam C e D categorias de módulos. Um funtor covarianteaditivo G : C→ D é

(i) exato à esquerda se dada qualquer sequência exata

0 −−−→ Lf−−−→ M

g−−−→ N,

a sequência

0 −−−→ FLF( f )−−−−−→ FM

F(g)−−−−−→ FN,

for exata.

(ii) exato à direita se dada qualquer sequência exata

Lf−−−→ M

g−−−→ N −−−→ 0,

a sequência

FLF( f )−−−−−→ FM

F(g)−−−−−→ FN −−−→ 0

for exata.

Definição 11.7. Sejam C e D categorias de módulos. Um funtor contrava-riante aditivo F : C→ D é

(i) exato à esquerda se dada qualquer sequência exata

Lf−−−→ M

g−−−→ N −−−→ 0,

a sequência

0 −−−→ GNG(g)−−−−−→ GM

G( f )−−−−−→ GL,

for exata.

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(ii) exato à direita se dada qualquer sequência exata

0 −−−→ Lf−−−→ M

g−−−→ N,

a sequência

GNG(g)−−−−−→ GM

G( f )−−−−−→ GL −−−→ 0

for exata.

Observação. A nomenclatura “direita/esquerda” refere-se a onde o 0 vaiparar depois de se aplicar o funtor!

Exemplo 11.8. Sejam R um anel e M um R-módulo à direita. Vamos definirum funtor covariante aditivo

Hom(M, _) : mod-R→ mod-Z

da seguinte maneira:

• se N ∈ Obj(mod-R), colocamos Hom(M, _)N .= HomR(M, N), e;

• se N, L ∈ Obj(mod-R) e f ∈ HomR(N, L), definimos o push-forward

Hom(M, _)( f ) .= HomR(M, f ) : HomR(M, N)→ HomR(M, L)

α 7→ f α

Deve-se verificar que HomR(M, f ) ∈ HomZ(HomR(M, N), HomR(M, L)).Feito isto, temos que Hom(M, _) é um funtor covariante aditivo.

Com este exemplo, podemos enunciar o primeiro resultado de álgebrahomológica deste curso:

Teorema 11.9. Sejam R um anel e M um R-módulo à direita. Então

Hom(M, _) : mod-R→ mod-Z

é exato à esquerda.

Demonstração: Seja

0 −−−→ N1f−−−→ N2

g−−−→ N3,

uma sequência exata em mod-R. É preciso mostrar que

0 −−−→ HomR(M, N1)f∗−−−→ HomR(M, N2)

g∗−−−→ HomR(M, N3),

onde f∗ = HomR(M, f ) e g∗ = HomR(M, g), é uma sequência exata, ouseja, que

88

• f∗ é injetor: se α ∈ HomR(M, N1) é tal que f∗(α) = 0, então f α = 0,e como f é injetor (logo mônico), temos α = 0.

• Im f∗ = ker g∗: tome inicialmente β ∈ Im f∗ e escreva β = f α, demodo que g∗(β) = gβ = g f α = 0α = 0, donde Im f∗ ⊆ ker g∗.

Para a outra inclusão, tome β ∈ ker g∗. Isto nos diz que para todox ∈ M temos g(β(x)) = 0, donde β(x) ∈ ker g = Im f . Assim, existeyx ∈ N1 tal que β(x) = f (yx). Defina α : M → N1 por α(x) = yx.Como f é injetora, na verdade só tem uma escolha de yx a ser feita,e α é um homomorfismo23. Por construção, β = f∗(α), e portantoker g∗ ⊆ Im f∗ como queríamos.

Exemplo 11.10. Apesar do teorema anterior, nem sempre Hom(M, _) éexato à direita. Vejamos um exemplo. Fixe um inteiro m > 1 e a sequênciaexata de Z-módulos

mZ ι−−−→ Zq−−−→ Z

mZ−−−→ 0,

onde ι e q denotam inclusão e projeção. Mas, aplicando Hom(Z/mZ, _),temos a sequência

HomZ

(Z

mZ, mZ

)ι∗−−→ HomZ

(Z

mZ,Z)

︸ ︷︷ ︸=0

q∗−−→ HomZ

(Z

mZ,Z

mZ

)︸ ︷︷ ︸

6=0

−→ 0,

que não é exata. Com efeito, se α : Z/mZ→ Z é um homomorfismo, entãoα(1)m = α(1m) = α(m) = α(0) = 0, e como m > 1 temos α(1) = 0, dondeα = 0. Isto impede que q∗ seja sobrejetor.

12 Módulos projetivos e o funtor tensor (24/04)

12.1 Módulos projetivos

Comecemos com uma versão contravariante do Exemplo 11.8 (p. 88):

23O argumento é o mesmo dado quando se mostra que a inversa de um isomorfismo éum homomorfismo.

89

Exemplo 12.1. Sejam R um anel e M um R-módulo à direita. Vamos definirum funtor covariante aditivo

Hom(_, M) : mod-R→ mod-Z

da seguinte maneira:

• se N ∈ Obj(mod-R), colocamos Hom(_, M)N .= HomR(N, M), e;

• se N, L ∈ Obj(mod-R) e f ∈ HomR(N, L), definimos o pull-back

Hom(_, M)( f ) .= HomR( f , M) : HomR(L, M)→ HomR(N, M)

β 7→ β f

Como antes, pode-se verificar que HomR( f , M) está bem definido, é ummorfismo, e que assim Hom(_, M) é um funtor contravariante aditivo.

E também temos o:

Teorema 12.2. Sejam R um anel e M um R-módulo à direita. Então

Hom(_, M) : mod-R→ mod-Z

é exato à esquerda.

Observação. Seria natural pensar que Hom(_, M) é exato à direita, já queé contravariante ao invés de covariante, mas lembre da observação queprecede o Exemplo 11.8 (sobre a nomenclatura direita/esquerda)!

Exemplo 12.3. Em vista da observação acima, não deve ser surpreendenteque o funtor Hom(_, M) nem sempre é exato à direita. Se m > 1 é uminteiro, consideramos como antes a sequência exata de Z-módulos

0 −−−→ mZ ι−−−→ Zq−−−→ Z

mZ,

onde ι e q denotam inclusão e projeção. Aplicando Hom(_,Z) obtemos asequência

HomZ

(Z

mZ,Z)

q∗−−−−→ HomZ(Z,Z) ι∗−−−−→ HomZ(mZ,Z) −−−→ 0,

que não é exata pois ι∗.= Hom(ι,Z) não é sobrejetor. Com efeito, con-

sidere h ∈ HomZ(mZ,Z) dado por h(mx) = x. Se fosse h = β ◦ ι paraalgum β ∈ HomZ(Z,Z), teríamos

1 = h(m) = β(ι(m)) = β(m) = β(1m) = β(1)m,

o que é absurdo, visto que m > 1.

90

Apesar disto, funtores que são exatos dos dois lados ainda são interes-santes:

Definição 12.4. Se Ce D são categorias de módulos, um funtor covarianteaditivo F : C→ D é dito exato se para toda sequência exata curta

0 −−−→ L α−−−→ Mβ−−−→ N −−−→ 0

em C, a sequência

0 −−−→ FLF(α)−−−−−→ FM

F(β)−−−−−→ FN −−−→ 0

for exata.

Observação. Nas condições da definição acima, F é exato se e somente sefor exato à direita e exato à esquerda.

Isto motiva a seguinte pergunta: se R é um anel e P ∈ Obj(mod-R),qual a condição sobre P para que Hom(P, _) seja exato?

Pela definição, isto ocorre se e somente se dada qualquer sequênciaexata curta

0 −−−→ L α−−−→ Mβ−−−→ N −−−→ 0

de R-módulos, a sequência

0 −−−→ HomR(P, L) α∗−−−−→ HomR(P, M)β∗−−−−→ HomR(P, N) −−−→ 0

é exata, onde α∗ = Hom(P, α) e β∗ = Hom(P, β). Como Hom(P, _) é exatoà esquerda, sabemos que α∗ é sempre injetor, então resta saber quando β∗é sobrejetor, nas condições dadas.

Escrever explicitamente o que significa β∗ ser sobrejetor sempre que βo for motiva a:

Definição 12.5. Sejam R um anel e P um R-módulo. Diremos que P éum módulo projetivo se para todo homomorfismo sobrejetor de R-módulosβ : M → N, dado um homomomorfismo h : P → N, existe um homomor-fismo f : P→ M tal que β f = h.

M Nβ

0

hf

P

Figura 17: A “propriedade universal” de um módulo projetivo.

91

A discussão anterior nos diz que um R-módulo P é projetivo se e so-mente se Hom(P, _) é exato. Para uma classe de exemplos, temos a se-guinte:

Proposição 12.6. Todo módulo livre é projetivo.

Demonstração: Sejam F um R-módulo livre com base X, β : M → Num homomorfismo sobrejetor de R-módulos, e h : F → N um homomor-fismo de R-módulos qualquer. Para cada x ∈ X, existe mx ∈ M tal queβ(mx) = h(x). Como X é base, a associação X 3 x 7→ mx ∈ M induz umhomomorfismo f : F → M (único, uma vez fixada a base X), que satisfazf (x) = mx, para todo x ∈ X. Por construção, β f = h.

Uma caracterização mais eficiente é dada no:

Teorema 12.7. Sejam R um anel e P um R-módulo. São equivalentes:

(a) P é projetivo.

(b) Todo homomorfismo sobrejetor β : M→ P cinde.

(c) Toda sequência exata curta 0 −−−→ L −−−→ M −−−→ P −−−→ 0 cinde.

(d) P é isomorfo a um somando direto de um módulo livre.

Demonstração: Façamos na ordem:

(a) =⇒ (b): Seja β : M → P um homomorfismo sobrejetor. Como P éprojetivo, a propriedade universal de P aplicada para IdP : P → Pnos fornece um homomorfismo f : P→ M com β f = IdP, donde β éum homomorfismo sobrejetor que cinde.

0

f

P

P

IdP

Figura 18: Mostrando que β cinde.

(b) =⇒ (c): Vimos esta equivalência na Proposição 5.17 (p. 36).

92

(c) =⇒ (d): Sejam F um módulo livre e β : F → P um homomorfismosobrejetor24. A sequência

0 −−−→ ker β −−−→ Fβ−−−→ P −−−→ 0

é exata e, por (c), cinde. Então existe um homomorfismo f : P → Ftal que β f = IdP, que é necessariamente injetor. Vimos no Lema 5.15(p. 35) que F = Im f ⊕ ker β e que P ∼= Im f .

(d) =⇒ (a): Suponha que F seja um módulo livre, F = P′ ⊕ Q, e queP ∼= P′. Os ingredientes essenciais são os seguintes:

• a projeção πP′ : F → P′.• a inclusão ιP′ : P′ → F.

• o isomorfismo ϕ : P′ → P.

Mostremos que P é projetivo: sejam dados um homomorfismo so-brejetor β : M→ N e um homomorfismo h : P→ N. Como F é livre,F é projetivo, e obtemos um homomorfismo f : F → M tal que oseguinte diagrama comuta:

N

P′

β0

h

P

ϕ

F

M

f

Figura 19: Mostrando que P é projetivo.

Então o homomorfismo f ιP′ϕ−1 testemunha que P é projetivo, pois

β f ιP′ϕ−1 = hϕπP′ ιP′ϕ

−1 = hϕϕ−1 = h.24Existe. Basta tomar o módulo livre com base P, por exemplo.

93

Exemplo 12.8. Seja R .= Z/6Z. Temos que RR = 2R⊕ 3R e vimos que 2R

e 3R não são livres. Mas são projetivos, pois são somandos diretos de RR,que é livre.

12.2 O funtor ⊗Sejam R um anel e M um R-módulo à direita. Definimos um funtor

covariante aditivo M⊗ _ : R-mod→ Z-mod por

• se N ∈ Obj(R-mod), (M⊗ _)N .= M⊗R N.

• se N1, N2 ∈ Obj(R-mod) e f ∈ HomR(N1, N2), colocamos

(M⊗ _)( f ) ≡ M⊗ f .= IdM ⊗ f : M⊗R N1 → M⊗R N2,

ou seja, o único homomorfismo satisfazendo

(M⊗ f )(x⊗ y) = x⊗ f (y)

quaisquer que sejam x ∈ M e y ∈ N1. Note que M⊗ f de fato existepois a aplicação

M× N1 → M⊗R N2

(x, y) 7→ x⊗ f (y)

é balanceada.

Que M⊗ _ é um funtor aditivo segue dos exercícios resolvidos na página67. De modo análogo, se N é um R-módulo à esquerda, definimos outrofuntor covariante aditivo _⊗ N : mod-R→ mod-Z por

• se M ∈ Obj(mod-R), (_⊗ N)(M).= M⊗R N.

• se M1, M2 ∈ Obj(mod-R) e g ∈ HomR(M1, M2), colocamos

(_⊗ N)g ≡ g⊗ N .= g⊗ IdN : M1 ⊗R N → M2 ⊗R N,

ou seja, o único homomorfismo satisfazendo

(g⊗ N)(x⊗ y) = g(x)⊗ y

quaisquer que sejam x ∈ M1 e y ∈ N.

94

Em contraste com o que aconteceu com os funtores Hom, temos o:

Teorema 12.9. Sejam R um anel, M um R-módulo à direita e N um R-móduloà esquerda. Então os funtores M⊗ _ e _⊗ N são exatos à direita.

Demonstração: Vamos estudar apenas M ⊗ _, sendo o tratamento dadopara o outro funtor análogo. Considere a sequência exata

N1f−−−→ N2

g−−−→ N3 −−−→ 0,

em R-mod. Aplicando M⊗ _, obtemos

M⊗R N1M⊗ f−−−−−−→ M⊗R N2

M⊗g−−−−−−→ M⊗R N3 −−−→ 0,

e assim temos duas coisas a verificar:

• M ⊗ g é sobrejetor: é suficiente verificar que se x ∈ M e z ∈ N3,existe α ∈ M⊗R N2 tal que (M⊗ g)(α) = x⊗ z, visto que o conjunto{x ⊗ z | x ∈ M, z ∈ N3} gera M⊗R N3. Como g é sobrejetor, existey ∈ N2 com g(y) = z, e assim

(M⊗ g)(x⊗ y) = x⊗ g(y) = x⊗ z,

como queríamos.

• Im(M⊗ f ) = ker (M⊗ g): como M⊗ _ é um funtor covariante adi-tivo e g f = 0, imediatamente temos que Im(M⊗ f ) ⊆ ker (M⊗ g),e assim resta verificar a outra inclusão.

A inclusão que já temos diz que M ⊗ g passa ao quociente como oúnico homomorfismo

ϕ :M⊗R N2

Im(M⊗ f )→ M⊗R N3

satisfazendo ϕ(x⊗ y + Im(M⊗ f )) = x⊗ g(y), quaisquer que sejamx ∈ M e y ∈ N2. Como M⊗ g é sobre, ϕ também o é, e assim vale ainclusão que queremos verificar se e somente se ϕ é um isomorfismo.Vamos construir explicitamente uma inversa para ϕ. Começamoscom a aplicação

α : M× N3 →M⊗R N2

Im(M⊗ f )(x, z) 7→ x⊗ y + Im(M⊗ f ),

95

onde g(y) = z. Esta aplicação está bem-definida, visto que se g(y) =g(y′) = z, então y− y′ ∈ ker g = Im f e assim y = y′ + f (m) paraalgum m ∈ M e portanto

x⊗ y + Im(M⊗ f ) = x⊗ (y′ + f (m)) + Im(M⊗ f )= (x⊗ y′ + x⊗ f (m)) + Im(M⊗ f )= x⊗ y′ + Im(M⊗ f ).

É rotineiro verificar que ((M ⊗R N2)/Im(M ⊗ f ), α) é um produtobalanceado de M e N3 sobre R, e assim existe um homomorfismo degrupos

ψ : M⊗R N3 →M⊗R N2

Im(M⊗ f )

satisfazendo ψ(x ⊗ z) = x ⊗ y + Im(M ⊗ f ) para todos x ∈ M ez ∈ N3, onde y ∈ N2 é tal que g(y) = z. Por construção, ψ é a inversade ϕ.

† Algumas coisas (sobre funtores) da Lista 2

Para estes exercícios, precisamos da:

Definição 12.10. Sejam C e D categorias, e F, G : C → D funtores cova-riantes. Uma transformação natural entre F e G é uma função que associaa cada objeto A ∈ Obj(C) um morfismo ηA ∈ HomD(FA, GA), tal quedados quaisquer A, B ∈ Obj(C) e f ∈ HomC(A, B), o seguinte diagramaem D comuta:

FA

GA

FB

GB

F( f )

G( f )

ηA ηB

Figura 20: Uma transformação natural η : F =⇒ G.

96

Em particular, se cada ηA for um isomorfismo, diremos que η é um iso-morfismo natural entre F e G, e assim que F e G são isomorfos (a naturalidadeestando subentendida).

Exercício. Sejam R um anel. Então Hom(R, _) e o funtor esquecimento demod-R em mod-Z são naturalmente isomorfos.

Solução: Seja M um R-módulo à direita. Precisamos definir um isomor-fismo de grupos abelianos ηM : HomR(R, M) → M. Afirmo que definirηM(α) = α(1) funciona. É claro que ηM é um homomorfismo injetor degrupos. E se m ∈ M, defina α : R → M por α(r) = mr. Tal α é um homo-morfismo de R-módulos, e ηM(α) = m, onde ηM é um isomorfismo.

Finalmente, sejam M1, M2 dois R-módulos à direita e f ∈ HomR(M1, M2).Como Hom(R, f ) = f∗ é o push-forward, o seguinte diagrama comuta econcluímos que η é um isomorfismo natural:

f∗

fM2

ηM2ηM1

M1

HomR(R, M2)HomR(R, M1)

Figura 21: O isomorfismo natural η.

Exercício. Sejam C, D, E e F categorias, F e G funtores de D em E, Kum funtor de C em D e H um funtor de E em F. Mostre que se η é umatransformação natural de F em G, então:

(a) A 7→ H(ηA), onde A ∈ Obj(D), é uma transformação natural de HFem HG;

(b) B 7→ ηKB, onde B ∈ Obj(C), é uma transformação natural de FK paraGK.

Solução:

(a) Dados A, B ∈ Obj(D) e f ∈ HomD(A, B), basta aplicar o funtor Hpara levar um diagrama comutativo em outro:

97

HGA

HFA HFB

HGB

H(ηA) H(ηB)

H(G( f ))

H(F( f ))FA

GA

FB

GB

F( f )

G( f )

ηA ηB

Figura 22: A ação do funtor H.

(b) Dados A, B ∈ Obj(C) e f ∈ HomC(A, B), depois de aplicar o funtor Ktemos que η nos dá o seguinte diagrama comutativo em D:

FKA

ηKA

GKA

ηKB

FKB

GKB

F(K( f ))

G(K( f ))

Figura 23: Usando η para os objetos KA e KB.

Exercício. Seja R um anel. Mostre que existem isomorfismos naturais en-tre os funtores abaixo:

(a) 1R-mod e Hom(R, _) de R-mod em R-mod.

(b) 1R-mod e R⊗ _ de R-mod em R-mod.

Solução:

(a) É parecido com o que vimos anteriormente nesta mesma leva de exer-cícios. Para M ∈ Obj(R-mod), defina ηM : HomR(R, M) → M porηM(α) = α(1). Temos que ηM é um isomorfismo de R-módulos à di-reita: a única novidade a se verificar é que dado r ∈ R, temos

ηM(rα) = (rα)(1) = rα(1) = rηM(α),

lembrando que HomR(R, M) tem uma estrutura natural de R-móduloà direita (vista na Proposição 10.2, p. 78).

98

(b) Desta vez, dado M ∈ Obj(R-mod), tomamos ηM como o único homo-morfismo de R-módulos de R⊗R M em M satisfazendo ηM(r⊗m) =rm, quaisquer que sejam r ∈ R e m ∈ M. Que ηM é um isomorfismosegue da Proposição 9.1 (p. 68), onde sua inversa é dada.

Como {r ⊗ m | r ∈ R, m ∈ M} gera R ⊗R M, basta verificar que odiagrama da definição de transformação natural de fato comuta emtensores simples. Então, dados R-módulos à direita M1 e M2, e ele-mentos r ∈ R e m1 ∈ M1, temos

f (ηM1(r⊗m1)) = f (rm1) = r f (m1)

e também

ηM2(R⊗ f )(r⊗m1) = ηM2(r⊗ f (m1)) = r f (m1),

donde

R⊗ f

M1

R⊗R M2R⊗R M1

M2

ηM1 ηM2

f

Figura 24: O isomorfismo natural R⊗ _ ∼= 1R-mod.

comuta, como desejado.

13 Módulos planos (26/04)

13.1 Definição e exemplos

Exemplo 13.1. Vimos no Teorema 12.9 (p. 95) que M ⊗ _ é sempre exatoà direita. Vejamos que nem sempre é à esquerda. Considere a sequênciaexata de Z-módulos

0 −−−→ Zι−−−→ Q

q−−−→ Q

Z,

99

onde ι e q denotam inclusão e projeção. Tensorizando sobre Z com Z/2Z,temos

0 −−−→ Z

2Z⊗Z Z︸ ︷︷ ︸

∼=Z/2Z 6=0

(Z/2Z)⊗ι−−−−−−−−→ Z

2Z⊗Z Q︸ ︷︷ ︸=0

(Z/2Z)⊗q−−−−−−−−−→ Z

2Z⊗Z

Q

Z,

e assim (Z/2Z)⊗ ι não pode ser injetor. Isto nos diz que o funtor (Z/2Z)⊗_ não é exato à esquerda.

Observação. A notação para os elementos do produto tensorial é ambí-gua: suponha que M e N são R-módulos, L ⊆ N é um submódulo, masque M ⊗ L ↪→ M ⊗ N não seja injetora. Se a ∈ M e b ∈ L, então a ⊗ bpode ser pensado como um elemento de qualquer um dos espaços, masnão podem ser identificados! Por exemplo, 1⊗ 1 é nulo em (Z/2Z)⊗Z Q,mas não é nulo em (Z/2Z)⊗Z Z. Nestas situações, deve ser dito explici-tamente em qual espaço estamos considerando o produto a⊗ b.

Do mesmo modo que usamos a possível não-exatidão de Hom paramotivar a Definição 12.5 (p. 91), temos a:

Definição 13.2. Sejam R um anel e M um R-módulo à direita (resp., es-querda). Dizemos que M é um módulo plano25 se M⊗ _ (resp., _⊗M) forexato.

Observação.

• Um R-módulo M é plano se e somente se para todo homomorfismoinjetor f : N → L de R-módulos à esquerda, o homomorfismo degrupos M ⊗ f : M ⊗R N → M ⊗N L é injetor. De fato, para a idatensorizamos a sequência exata

0 −−−→ Nf−−−→ L −−−→ L

Im f−−−→ 0,

e a volta é clara.

• A ambiguidade da observação anterior não existe para módulos pla-nos.

Após uma nova definição, buscamos exemplos:

Proposição 13.3. Seja R um anel. Então RR é plano.25Em inglês, flat.

100

Demonstração: Seja f : N → L um homomorfismo injetor de R-módulosà esquerda. Devemos mostrar que R ⊗ f : R ⊗R N → R ⊗R L é injetor.Mas está aplicação é uma composta de três homomorfismos injetores, vistoque R⊗R N ∼= N e R⊗R L ∼= L pela Proposição 9.1 (p. 68). Com efeito,se α : N → R ⊗R N e β : L → R ⊗R L são os isomorfismos satisfazendoα(x) = 1⊗ x e β(y) = 1⊗ y para todos x ∈ N e y ∈ L, notando que

β( f (x)) = 1⊗ f (x) = (R⊗ f )(1⊗ x) = (R⊗ f )(α(x)),

temos que o seguinte diagrama comuta:

f

R⊗ f

N L

R⊗R N R⊗R L

α β

Figura 25: O módulo regular RR é plano.

Proposição 13.4. Sejam R um anel e (Mi)i∈I uma família de R-módulos à di-reita. Então ⊕

i∈I

Mi é plano ⇐⇒ Mi é plano para todo i ∈ I.

Demonstração: Seja f : N → L um homomorfismo injetor de R-módulosà esquerda. Considere o homomorfismo ϕ satisfazendo

ϕ((xi ⊗ y)i∈I) = (xi ⊗ f (y))i∈I ,

qualquer que seja (xi ⊗ y)i∈I ∈⊕

i∈I(Mi ⊗R N).

Mi ⊗R N

ι′iιi

ϕ

⊕i∈I

(Mi ⊗R N)

⊕i∈I

(Mi ⊗R L) Mi ⊗R LMi ⊗ f

Figura 26: Construindo ϕ =⊕

i∈I ιi(Mi ⊗ f ).

101

Temos que o seguinte diagrama comuta:

⊕i∈I

(Mi ⊗R L)ϕ

β

⊕i∈I

(Mi ⊗R N)

α

(⊕i∈I

Mi

)⊗R N

(⊕i∈I

Mi

)⊗R L

(⊕i∈I Mi

)⊗ f

Figura 27: A injetividade de ϕ é equivalente à de (⊕

i∈I Mi)⊗ f .

Acima, α e β são os isomorfismos vistos na Proposição 9.6 (p. 72), satis-fazendo α((xi)i∈I ⊗ y) = (xi ⊗ y)i∈I e β((xi)i∈I ⊗ z) = (xi ⊗ z)i∈I , quais-quer que sejam (xi)i∈I ∈

⊕i∈I Mi, y ∈ N e z ∈ L são quaisquer. Com

efeito, temos

β

((⊕i∈I

Mi

)⊗ f

)((xi)i∈I ⊗ y) = β((xi)i∈I ⊗ f (y))

= (xi ⊗ f (y))i∈I

= ϕ((xi ⊗ y)i∈I)

= ϕα((xi)i∈I ⊗ y).

O resultado segue observando que ϕ é injetor se e somente se todas asMi ⊗ f também o forem.

Corolário 13.5. Todo módulo projetivo é plano. Em particular, todo módulo livreé plano.

Demonstração: Sejam R um anel e P um R-módulo à direita, projetivo.Então existem um módulo livre F e submódulos P′, Q ⊆ F tais que P ∼= P′

e F = P′ ⊕Q. Mas RR é plano e F ∼= (RR)(I) para algum conjunto I, então

pela proposição anterior segue que F é plano. Pelo mesmo motivo, P′ éplano, e portanto P também o é.

Observação. Todo espaço vetorial é livre e, portanto, plano. Não importase tiver dimensão infinita.

Veremos que Q não é Z-plano. Mas precisamos de mais ferramentaspara isto.

102

13.2 Localização central

Motivação: imitar a ideia da construção do corpo de frações de um domí-nio de integridade.

Sejam R um anel.

Definição 13.6. Um subconjunto S do centro Z(R) é dito multiplicativa-mente fechado se 1 ∈ S e, dados x, y ∈ S, tem-se xy ∈ S.

Vamos definir uma relação ∼ em R× S:

(a, b) ∼ (b, t) ⇐⇒ existe u ∈ S tal que (at− bs)u = 0.

Se R não tiver divisores de zero, esta condição é equivalente à at− bs = 0,como é feito na construção de Q a partir de Z.

Proposição 13.7. ∼ é uma relação de equivalência.

Demonstração:

• Reflexiva: para ver que (a, s) ∼ (a, s), podemos tomar u = 1.

• Simétrica: o mesmo u que atesta (a, s) ∼ (b, t) também testemunhaque (b, t) ∼ (a, s) (basta multiplicar tudo por −1).

• Transitiva: se u, v ∈ S atestam que (a, s) ∼ (b, t) e (b, t) ∼ (c, r),respectivamente, temos

(at− bs)u = 0 e (br− ct)v = 0.

Multiplicando por v e u, obtemos

aturv− bsurv = 0 e brvsu− ctvsu = 0.

Como S ⊆ Z(R), somar estas duas relações nos dá

0 = aturv− ctvsu = (ar− cs)(tuv),

e tuv ∈ S pois S é multiplicativamente fechado. Assim (a, s) ∼ (c, r).

Chame S−1R .= (R × S)/∼. Para cada (a, s) ∈ R × S, denote a sua

classe de equivalência em S−1R por

as

.= {(b, t) ∈ R× S | (b, t) ∼ (a, s)}.

103

Vamos definir uma estrutura de anel em S−1R por

as+

bt

.=

at + bsst

as· b

t.=

abst

.

Vamos ver que tais operações de fato estão bem definidas. Se a/s = a′/s′

e b/t = b′/t′, é preciso mostrar que

a′t′ + b′s′

s′t′=

at + bsst

ea′b′

s′t′=

abst

.

Existem u, v ∈ S tais que (as′ − a′s)u = 0 e (bt′ − b′t)v = 0. Multplicandoà esquerda a primeira equação por tt′v e a segunda por ss′u, temos

as′utt′v− a′sutt′v = 0 e bt′vss′u− b′tvss′u = 0.

Somando, obtemos

((at + bs)s′t′ − (a′t′ + b′s′)st)uv = 0,

e assim a soma está bem definida. Já para o produto, multiplicamos asprimeira equação à direita por bt′v, e a segunda por a′ à esquerda e su àdireita, e obtemos:

as′ubt′v− a′subt′v = 0 e a′bt′vsu− a′b′tvsu = 0.

Somando, segue que

((ab)(s′t′)− (a′b′)(st))(uv) = 0,

e assim o produto também está bem definido. Já verificação de que taisoperações tornam S−1R um anel fica como exercício. Tem-se

0S−1R =01

e 1S−1R =11

.

Note que 0S−1R = 0/s e 1S−1R = s/s qualquer que seja s ∈ S. Este anel échamado de localização de R em S, ou de anel de frações de R com respeito à S.

14 Mais localização (03/05)

14.1 Propriedade universal e exemplos

Começamos registrando o seguinte lema, de fácil demonstração:

104

Lema 14.1. Sejam R um anel com unidade e S ⊆ Z(R) um subconjunto multi-plicativamente fechado. Então

λ : R→ S−1R

a 7→ a1

é um homomorfismo de aneis.

Observação.

• Note, porém, que λ não é injetor em geral. Temos que

a ∈ ker λ ⇐⇒ a1=

01⇐⇒ existe u ∈ S tal que au = 0.

Então se R possuir divisores de zero que estejam em S, λ não seráinjetor. Mas note que para todo s ∈ S, λ(s) é invertível em S−1R(apesar disto, não podemos considerá-los invertíveis em R se λ nãoé injetor).

• Se R é um domínio de integridade (comutativo), para S = R \ {0}obtemos precisamente o corpo de frações de R (nesta situação, λ éinjetor).

O par (S−1R, λ) é universal, no seguinte sentido:

Proposição 14.2. Sejam R um anel e S ⊆ Z(R) um subconjunto multiplicativa-mente fechado. Se T é um anel e f : R → T é um homomorfismo de aneis tal queIm f ⊆ U(T) .

= {t ∈ T | t é inversível}, então existe um único homomorfismode aneis f : S−1R→ T tal que f (a/1) = f (a), para todo a ∈ R.

f

Rf

S−1R

λ

T

Figura 28: Definindo um homomorfismo em S−1R.

105

Demonstração: Definimos f : S−1R→ T pela única escolha possível:

f( a

s

) .= f (a) f (s)−1.

Vejamos que f está bem definida. Se a/s = b/t, existe u ∈ S tal que(at− bs)u = 0, e assim f ((at− bs)u) = 0. Daí

( f (a) f (t)− f (b) f (s)) f (u) = 0f (u)∈U(T)=⇒ f (a) f (t) = f (b) f (s).

Mas f (s) ∈ U(T) nos dá f (a) f (t) f (s)−1 = f (b). Como st = ts, esta relaçãolê-se como26 f (a) f (s)−1 f (t) = f (b). Agora, usamos que f (t) ∈ U(T) eobtemos f (a) f (s)−1 = f (b) f (t)−1, como queríamos.

Resta ver que f é um homomorfismo de aneis.

• f (1S−1R) = f (1/1) = f (1) f (1)−1 = 1.

• Se a/s, b/t ∈ S−1R, temos

f(

as+

bt

)= f

(at + bs

st

)= f (at + bs) f (st)−1

= ( f (a) f (t) + f (b) f (s))( f (s) f (t))−1

= ( f (a) f (t) + f (b) f (s)) f (t)−1 f (s)−1

= f (a) f (t) f (t)−1 f (s)−1 + f (b) f (s) f (t)−1 f (s)−1

= f (a) f (s)−1 + f (b) f (t)−1 f (s) f (s)−1

= f (a) f (s)−1 + f (b) f (t)−1

= f( a

s

)+ f

(bt

).

• Se a/s, b/t ∈ S−1R, temos

f(

as· b

t

)= f

(abst

)= f (ab) f (st)−1

= ( f (a) f (b))( f (s) f (t))−1

= f (a) f (b) f (t)−1 f (s)−1

(∗)= f (a) f (s)−1 f (b) f (t)−1

= f( a

s

)f(

bt

),

26Se st = ts, temos f (s) f (t) = f (t) f (s), e assim f (t) f (s)−1 = f (s)−1 f (t).

106

onde em (∗) usamos que S ⊆ Z(R) implica f (S) ⊆ Z(Im f ).

Exemplo 14.3.

(1) S−1R = 0 se e somente se 0 ∈ S.

(2) Se R é um anel comutativo e p � R é um ideal primo (ou seja, ab ∈ pimplica a ∈ p ou b ∈ p), então S = R \ p é multiplicativamente fechado,e denotamos S−1R por Rp. O conjunto M = {a/s ∈ Rp | a ∈ p} é oúnico ideal maximal de Rp (ou seja, Rp é um anel local27). O corpoK = Rp/M é chamado o corpo de resíduos de R em relação à p, que éprecisamente o corpo de frações do domínio de integridade R/p.

(3) Como caso particular de (2), tomamos R = Z e p = pZ, com p primo.Temos Rp = {m/n ∈ Q | p não divide n}.

14.2 Localização de módulos

Sejam R um anel, S ⊆ Z(R) um subconjunto multiplicativamente fe-chado, e M um R-módulo à direita. Repetimos o feito anteriormente, defi-nindo em M× S a relação

(m, s) ∼ (n, t) ⇐⇒ existe u ∈ S tal que (mt− ns)u = 0,

que como antes, é de equivalência. Denotando a classe de (m, s) por m/s,temos que

S−1M .={m

s| m ∈ M, s ∈ S

}possui uma estrutura natural de S−1R-módulo à direita, com

ms+

nt=

mt + nsst

ems· n

t=

mast

.

Ainda, tem-se 0S−1 M = 0/1 = 0/s, para todo s ∈ S. O análogo da Propo-sição 14.2 (p. 105) é o:

Lema 14.4. Sejam R um anel e S ⊆ Z(R) um subconjunto multiplicativamentefechado. Se f : M → N é um morfismo em mod-R, então existe um morfismoS−1 f : S−1M→ S−1N em mod-S−1R tal que

(S−1 f )(m

s

)=

f (m)

spara todos m ∈ M e s ∈ S.

27Um anel é chamado local quando possui apenas um único ideal maximal (não trivial).

107

Demonstração: Vejamos que S−1 f está bem definida. Se m/s = n/t,existe u ∈ S tal que (mt− ns)u = 0. Aplicando f temos

0 = f (0) = ( f (m)t− f (n)s)u,

donde f (m)/s = f (n)/t. Resta ver que S−1 f é um morfismo de S−1R-módulos. Que é aditivo segue exatamente como na Proposição 14.2. Efinalmente temos

(S−1 f )(m

s· a

t

)= (S−1 f )

(mast

)=

f (ma)st

=f (m)a

st=

f (m)

s· a

t= (S−1 f )

(ms

) at

.

Segue então a seguinte proposição, cuja demonstração fica como exer-cício:

Proposição 14.5. Sejam R um anel e S ⊆ Z(R) um subconjunto multiplicati-vamente fechado. Então

S−1 : mod-R→ mod-S−1R

é um funtor covariante.

Demonstração: Deve ser verificado que valem

S−1(IdM) = IdS−1 M e S−1( f ◦ g) = S−1 f ◦ S−1g.

Teorema 14.6. Sejam R um anel e S ⊆ Z(R) um subconjunto multiplicativa-mente fechado. Então o funtor S−1 : mod-R→ mod-S−1R é aditivo e exato.

Demonstração: Que S−1 é aditivo fica como exercício. Vejamos que é

exato. Seja Lf−−−→ M

g−−−→ N uma sequência exata em mod-R. Apli-cando S−1, obtemos

S−1LS−1 f−−−−−→ S−1M

S−1g−−−−−→ S−1N.

108

Como S−1 é covariante e aditivo, automaticamente vale Im S−1 f ⊆ ker S−1g.Para a outra inclusão, tome m/s ∈ S−1M com m/s ∈ ker S−1g. Então

0 = (S−1g)(m

s

)=

g(m)

s

nos diz que existe u ∈ S com 0 = g(m)u = g(mu). Daí mu ∈ ker g = Im fnos dá x ∈ L tal que mu = f (x), e assim

ms=

musu

=f (x)su

= (S−1 f )( x

su

),

como queríamos.

Com o que fizemos até agora, podemos começar a voltar para módulosplanos.

Teorema 14.7. Sejam R um anel e S ⊆ Z(R) um subconjunto multiplicativa-mente fechado. Se M é um R-módulo à direita, existe um isomorfismo de S−1R-módulos à direita ϕ : M⊗R S−1R→ S−1M satisfazendo

ϕ(

m⊗ as

)=

mas

,

para todos m ∈ M, a ∈ R e s ∈ S.

Observação.

• Note que S−1R possui uma estrutura de R-módulo à esquerda dadapela aplicação λ : R→ S−1R vista no Lema 14.1 (p. 105). Isto permiteconstruir M⊗R S−1R.

• Ou seja, os funtores S−1 e _⊗ S−1R são naturalmente isomorfos. Oϕ acima seria ηM, na notação da Definição 12.10 (p. 96).

Demonstração: A função

f : M× S−1R→ S−1M(m,

as

)7→ ma

s

está bem-definida, pois se a/s = b/t, podemos tomar um elemento u ∈ Stal que (at− bs)u = 0. E assim (mat−mbs)u = m((at− bs)u) = m · 0 = 0.Que (S−1M, f ) é um produto balanceado de M e S−1R sobre R fica comoexercício. Então fica induzida a linearização procurada

ϕ : M⊗R S−1R→ S−1M,

109

que é um homomorfismo de grupos abelianos. Para ver que é um homo-morfismo de S−1R-módulos à direita, basta olharmos para tensores sim-ples e usar que ϕ já é aditivo:

ϕ

((m⊗ a

s

) bt

)= ϕ

(m⊗ ab

st

)=

mabst

=mas

bt= ϕ

(m⊗ a

b

) bt

.

Claramente ϕ é sobrejetor. Resta ver que é injetor: comecemos vendoque todo elemento de M ⊗R S−1R é da forma m ⊗ (1/s), com m ∈ M es ∈ S. Seja ξ ∈ M⊗R S−1R arbitrário, escrito como

ξ = m1 ⊗a1

s1+ · · ·+ mk ⊗

aksk

.

Notando que para cada i = 1, . . . , k temos

ai

si=

ais1 . . . si−1si+1 . . . sks1 . . . sk

,

chamamos ti.= s1 . . . si−1si+1 . . . sk e s = s1 . . . sk. Então

ξ = m1 ⊗a1t1

s+ · · ·+ mk ⊗

aktks

= (m1a1t1)⊗1s+ · · ·+ (mkaktk)⊗

1s

= (m1a1t1 + · · ·+ mkaktk︸ ︷︷ ︸.=m

)⊗ 1s

.

Com isto, se ϕ(ξ) = 0 temos m/s = 0, o que nos dá u ∈ S tal que mu = 0.Segue que

ξ = m⊗ 1s= m⊗ u

su= mu⊗ 1

su= 0⊗ 1

su= 0,

como queríamos.

Corolário 14.8. Sejam R um anel e S ⊆ Z(R) um subconjunto multiplicativa-mente fechado. Então S−1R é um R-módulo à esquerda plano.

Demonstração: Essencialmente: os funtores S−1 e _⊗ S−1R são natural-mente isomorfos, e S−1 é exato. Mais precisamente, se

0 −−−→ N1f−−−→ N2

g−−−→ N3 −−−→ 0

110

é uma sequência exata em mod-R, tensorizar isto com S−1R sobre R e usaro teorema anterior nos dá o seguinte diagrama comutativo:

0 0N2 ⊗R S−1RN1 ⊗R S−1R N3 ⊗R S−1Rf ⊗ S−1R g⊗ S−1R

0 S−1N1S−1 f

S−1N2S−1g

S−1N3 0

Figura 29: Mostrando que S−1R é plano.

A primeira linha é exata e as colunas são isomorfismos, então concluí-mos que a segunda linha é exata também, como desejado.

Exemplo 14.9. Lembre que Q não é um Z-módulo projetivo, mas sabemosagora que é plano, pois Q = S−1Z com S−1 = Z \ {0} (em outras palavras,Q é o corpo de frações de Z!).

15 Módulos Injetivos (08/05)

Vimos nos teoremas 11.9 (p. 88) e 12.2 (p. 90) que dado um anel R eum R-módulo M, os funtores Hom(M, _) (covariante) e Hom(_, M) (con-travariante) são sempre exatos à esquerda. Então, definimos os módulosprojetivos (p. 91) para os quais Hom(P, _) é sempre exato (também à di-reita). Se é dada uma sequência exata curta arbitrária

0 −−−→ L α−−−→ Mβ−−−→ N −−−→ 0

de R-módulos, gostaríamos de saber quando

0 −−−→ HomR(N, Q)β∗−−−−→ HomR(M, Q)

α∗−−−−→ HomR(L, Q) −−−→ 0

é exata, onde α∗ = Hom(α, Q) e β∗ = Hom(β, Q). Como Hom(_, Q)é exato à esquerda, sabemos que β∗ é sempre injetor. Então o interesse ésaber quando α∗ é sobrejetor sempre que α for injetor. Com esta motivação,damos agora a versão “contravariante” de módulos projetivos:

Definição 15.1. Sejam R um anel e Q um R-módulo. Diremos que Q éum módulo injetivo se para todo homomorfismo injetor de R-módulos

111

α : L → M, dado um homomomorfismo h : L → Q, existe um homomor-fismo f : M→ Q tal que f α = h.

0 L M

f

α

h

Q

Figura 30: A “propriedade universal” de um módulo injetivo.

Então é claro que um R-módulo Q é injetivo se e somente se Hom(_, Q)é exato. Começamos com uma versão paralela a uma das equivalências doTeorema 12.7 (p. 92):

Teorema 15.2. Sejam R um anel e Q um R-módulo. Então Q é injetivo se esomente se toda sequência exata

0 −−−→ Q −−−→ M −−−→ N −−−→ 0

cinde.

Demonstração: Comece supondo que Q é injetivo. Se denotamos por α ohomomorfismo Q → M da sequência exata dada, Q ser injetivo nos per-mite utilizar a propriedade universal para IdQ : Q → Q, nos fornecendoentão um homomorfismo f : M→ Q com f α = IdQ, donde α é um homo-morfismo injetor que cinde.

0 M

f

α

Q

Q

IdQ

Figura 31: Mostrando que α cinde.

Reciprocamente, seja α : L→ M um homomorfismo injetor. Queremosver que dados um homomorfismo h : L → Q, existe um homomorfismof : M → Q tal que f α = h. Para tanto, assumiremos um resultado queveremos em breve (cuja demonstração não depende desta): existem umR-módulo injetivo I e um homomorfismo injetor j : Q → I (Teorema 17.1,p. 117).

112

Claramente a sequência

0 −−−→ Qj−−−→ I −−−→ I/Im j −−−→ 0

é exata, e por hipótese cinde, donde existe um homomorfismo t : I → Q talque tj = IdQ. Por outro lado, I ser injetivo nos fornece h : M → I tal quehα = jh. Então th testemunha que Q é injetivo, pois thα = tjh = IdQh = h.A situação é resumida no seguinte diagrama:

0 L Mα

t

0 Q Ij

h h

I/Im j 0

Figura 32: Mostrando que Q é injetivo.

16 Injetivos versus Divisíveis (15/05)

Outra caracterização de módulos injetivos sobre um dado anel é dadaem termos de seus ideais:

Teorema 16.1 (Critério de Baer). Sejam R um anel e Q um R-módulo (à di-reita). Então Q é injetivo se e somente se para todo ideal (à direita) I de R e todohomomorfismo f : I → Q, existe um homomorfismo f : R→ Q tal que f

∣∣I = f .

Q

R

ι

f

f

I

Figura 33: Critério de Baer.

Demonstração: A ida é trivial:

113

0

Q

R

ff

Figura 34: Estendendo f .

Para a recíproca, utilizamos o Lema de Zorn28. Sejam α : L → M umhomomorfismo injetor e h : M → Q um homomorfismo. Considere noconjunto

S.= {(M′, h′) | M′ é um submódulo de M contendo α(L) e

h′ : M′ → Q é um homomorfismo com h′α = h}

a ordem parcial dada por

(M1, h1) ≤ (M2, h2) ⇐⇒ M1 é um submódulo de M2 e h2∣∣

M1= h1.

Temos que S 6= ∅ pois(

α(L), h ◦ (α∣∣

L)−1)∈ S. Agora, se C ⊆ S é uma

cadeia, temos que

M .=⋃{M′ | existe h′ : M′ → Q com (M′, h′) ∈ C}

é um submódulo de M (pois é união de uma coleção totalmente ordenadade submódulos), e podemos considerar a extensão comum h : M → Q detodas as h′ correspondentes aos pares (M′, h′) ∈ C. Claramente temos que(M, h) ∈ S é uma cota superior para C. Assim, o Lema de Zorn forneceum elemento maximal (Mmax, hmax) ∈ S.

Como de praxe nesse tipo de argumento, afirmamos que Mmax = M, ea demonstração é feita por absurdo. Se x ∈ M′ \Mmax, temos que a somaMmax + xR contém Mmax propriamente, e I = {a ∈ R | xa ∈ Mmax} éum ideal à direita de R. A aplicação f : I → Q dada por f (a) = hmax(xa)é um homomorfismo de R-módulos, e por hipótese admite uma extensãof : R→ Q com f

∣∣I = f . Então ϕ : Mmax + xR→ Q dada por ϕ(m + xa) =

hmax(m) + f (a) é um homomorfismo de R-módulos com ϕα = h, donde(Mmax + xR, ϕ) ∈ Scontradiz a maximalidade de (Mmax, hmax).

Deste modo, hmax : M → Q satisfaz hmaxα = h e testemunha que Q éinjetivo, como queríamos.

28Se em um conjunto não-vazio e parcialmente ordenado, toda cadeia possui uma cotasuperior, então existe um elemento maximal.

114

Definição 16.2. Sejam R um domínio de integridade (comutativo) e M umR-módulo à direita. Diremos que M é divisível se dados elementos u ∈ Me a ∈ R \ {0}, existe x ∈ M tal que xa = u.

Observação. Isto quer dizer que para todo a ∈ R \ {0}, a multiplicaçãopor a, ma : M → M, é sobrejetora. Se R não é um domínio de integridade,pedimos na definição que a condição valha para todo a que não seja umdivisor de zero em R.

Ser divisível é uma propriedade que se comporta bem em relação àsomas diretas e quocientes:

Proposição 16.3. Seja R um domínio de integridade. Então:

(i) Se (Mλ)λ∈Λ é uma família de R-módulos (à direita) divisíveis, então⊕

λ∈Λ Mλ

é divisível.

(ii) Se M é um R-módulo (à direita) divisível e N é um submódulo de M, entãoM/N é divisível.

Demonstração: A demonstração é um exercício em aplicar a definição:

(i) Sejam (uλ)λ∈Λ ∈⊕

λ∈Λ Mλ e a ∈ R \ {0}. Para cada λ ∈ Λ, existexλ ∈ Mλ tal que xλa = uλ. Isto produz um elemento (xλ)λ∈Λ ∈⊕

λ∈Λ Mλ satisfazendo

(xλ)λ∈Λa = (xλa)λ∈Λ = (uλ)λ∈Λ,

como desejado.

(ii) Sejam [u] ∈ M/N e a ∈ R \ {0}. Existe x ∈ M tal que xa = u. Assim,temos que [x]a = [xa] = [u].

A relação deste novo conceito com os módulos injetivos que definimosanteriormente já começa a ser explorada na:

Proposição 16.4.

(i) Todo módulo injetivo sobre um domínio de integridade é divisível.

(ii) Sobre um domínio de ideais principais, todo módulo divisível é injetivo.

Demonstração: Em partes:

115

(i) Sejam R um domínio de integridade e Q um R-módulo (à direita)injetivo. Vejamos que Q é divisível. Dados u ∈ Q e a ∈ R \ {0}, defi-nimos f : aR → Q por f (ar) = ur. Esta aplicação está bem-definidapois ar = as implica a(r − s) = 0 e R ser domínio nos dá r − s = 0.E é fácil ver que f é um homomorfismo de R-módulos. Pelo Crité-rio de Baer, existe um homomorfismo f : R → Q estendendo f . Sex = f (1), temos

xa = f (1)a = f (a) = f (a · 1) = f (a · 1) = u,

como queríamos.

(ii) Sejam R um domínio de ideais principais e Q um R-módulo (à di-reita) divisível. Vejamos que Q é injetivo. Sejam I um ideal à direitade R e f : I → Q um homomorfismo de R-módulos. Pelo Critério deBaer, basta estendermos f . Se I = {0}, então f = 0 serve. Caso con-trário, como R é um domínio de ideais principais, existe a ∈ R \ {0}com I = aR. Chame u = f (a). Como Q é divisível, existe x ∈ Q comxa = u. Defina f : R → Q por f (r) = xr. Então f é um homomor-fismo de R-módulos que estende f , visto que

f (ar) = x(ar) = (xa)r = ur = f (a)r = f (ar).

Corolário 16.5. Sobre Z, um módulo é injetivo se e somente se é divisível.

Exemplo 16.6. Q é um Z-módulo injetivo, pois é divisível. Com efeito,dados q ∈ Q e n ∈ Z \ {0}, temos q/n ∈ Q e (q/n)n = q.

Proposição 16.7. Todo Z-módulo pode ser imerso29 em um Z-módulo injetivo.

Demonstração: Seja M um Z-módulo. Considere um homomorfismo so-brejetor f : Z(M) → M (que existe pelo 7.12, p. 54), e note que

M ∼=Z(M)

ker f≤ Q(M)

ker f.

Segue do Exemplo 16.6 acima e da Proposição 16.3 (p. 115) que Q(M)/ker fé umZ-módulo injetivo (que contémZ(M)/ker f comoZ-submódulo).

29Diremos que M é imerso em N se existe um homomorfismo injetor de M em N.

116

17 Complexos (17/05)

Começamos com o que ficou pendente da aula anterior:

Teorema 17.1. Seja R um anel. Então todo R-módulo à direita pode ser imersoem um R-módulo à direita injetivo.

Demonstração: Seja M um R-módulo à direita. Considerando M comoum Z-módulo, pela Proposição 16.7 (p. 116), existe um Z-módulo injetivoQ e um homomorfismo injetor de Z-módulos j : M→ Q.

Temos que30 MR∼= HomR(RR, M) é um R-submódulo de HomZ(R, M).

Vimos que Hom é um funtor covariante e exato à esquerda (Teorema 11.9,p. 88), donde j induz um homomorfismo injetor de R-módulos à direita deHomZ(R, M) em HomZ(R, Q). Então, denotando H .

= HomZ(R, Q), restaver que H é injetivo, ou seja, que o funtor Hom(_, H) é exato à direita.

Seja i : N′ → N um homomorfismo injetor de R-módulos à direita.Mostremos que i∗ .

= Hom(i, H) : HomR(N, H) → HomR(N′, H) é sobre-jetor. Usando os isomorfismos de adjunção do Teorema 10.3 (p. 79), temoso diagrama:

HomR(N′, H)i∗

φ′

HomZ(N′ ⊗R R, Q)HomZ(N ⊗R R, Q)

HomR(N, H)

φ

Hom(i⊗ R, Q)

Figura 35: Isomorfismos de adjunção.

Lembrando que φ( f )(y⊗ r) = f (y)(r) e analogamente para φ′, afirma-mos que o diagrama acima comuta. Com efeito, por um lado temos

(φ′ ◦ i∗)( f )(n′ ⊗ r) = φ′(i∗( f ))(n′ ⊗ r)= φ′( f i)(n′ ⊗ r)= ( f i)(n′)(r)= f (i(n′))(r)

30Lembre que se ϕ : S → T é um homomorfismo de aneis, então um T-módulo Mganha também uma estrutura de S-módulo via xs = xϕ(s), e ainda tem-se tem-se MT ∼=HomT(T, M) ≤T HomS(T, M).

117

e por outro

((i⊗ R)∗ ◦ φ)( f )(n′ ⊗ r) = (i⊗ R)∗(φ( f ))(n′ ⊗ r)= (φ( f ) ◦ (i⊗ R))(n′ ⊗ r)= φ( f )(i(n′)⊗ r)= f (i(n′))(r)

para todos n′ ∈ N e r ∈ R. Pelo argumento de sempre, concluímos que odiagrama comuta.

Por outro lado, sendo ψ e ψ′ os isomorfismos da Proposição 9.2 (p. 69),temos o seguinte diagrama comutativo:

i⊗ RN ⊗R R

N N′

N′ ⊗R R

Ni

ψ ψ′

Figura 36: Isomorfismo natural entre o funtor identidade e _⊗ R.

Aplicando o funtor Hom(_, Q), obtemos o seguinte diagrama comuta-tivo:

HomR(N′, H)i∗

φ′

HomZ(N′ ⊗R R, Q)HomZ(N ⊗R R, Q)

HomR(N, H)

φ

Hom(i⊗ R, Q)

Hom(ψ′, Q)Hom(ψ, Q)

HomZ(N, Q) HomZ(N′, Q)Hom(i, Q)

Figura 37: Concluindo que i∗ é sobrejetor.

Mas Q é um Z-módulo injetivo, donde Hom(i, Q) é sobrejetor. Comoas colunas são isomorfismos, concluímos que i∗ também é sobrejetor.

De posse das ferramentas apresentadas até agora, podemos começar amedir o quanto certos funtores deixam de ser exatos. Começamos com a:

118

Definição 17.2 (Complexo de cadeias). Seja R um anel. Um complexo decadeias sobre R é um par (C, ∂), onde C = {Ci | i ∈ Z} é uma famíliade R-módulos à direita e ∂ = {∂i : Ci → Ci−1 | i ∈ Z} é uma família dehomomorfismos tais que ∂i ◦ ∂i+1 = 0, para todo i ∈ Z. Escrevemos

C : · · · ∂i+2−−−−→ Ci+1∂i+1−−−−→ Ci

∂i−−−→ Ci−1∂i−1−−−−→ · · ·

e ∂2 = 0. Diremos que o complexo é exato se a sequência acima for exata.

Observação. Para cada i ∈ Z, a condição ∂i ◦ ∂i+1 = 0 é equivalente àinclusão Im(∂i+1) ⊆ ker ∂i.

Exemplo 17.3.

(1) Toda sequência exata é um complexo exato (eventualmente comple-tando com zeros).

(2) Resoluções projetivas: sejam R um anel e M um R-módulo. Se P0 éum R-módulo projetivo e ε : P0 → M é um homomorfismo sobrejetor,então ker ε é um submódulo de P0, e assim existem um R-módulo pro-jetivo P1 e um homomorfismo sobrejetor f1 : P1 → ker ε. Prosseguindoe montando compostas, obtemos o seguinte diagrama:

· · · P2 P1 P0 M 0g1g2 ε

ker f1

f2 f1

0 0

ker ε

0

· · ·· · ·

Figura 38: Resolução projetiva de M.

Fica definido então um complexo (C, ∂) com

Ci =

Pi, se i ≥ 0,M, se i = −10, se i ≤ −2

e ∂i =

gi, se i ≥ 1ε, se i = 00, se i ≤ −1.

119

Qualquer confusão com os índices pode ser evitada com a seguintevisualização:

· · · −−−→ P2g2−−−−→ P1

g1−−−−→ P0ε−−−→ M −−−→ 0

· · · −−−→ C2∂2−−−−→ C1

∂1−−−−→ C0∂0−−−−→ C−1 −−−→ 0

Temos que (C, ∂) é um complexo exato: com efeito, em cada passo es-tamos realizando a inclusão do núcleo de um homomorfismo, seguidado próprio homomorfismo. Este complexo é chamado uma resoluçãoprojetiva de M.

(3) Resoluções injetivas: a mesma coisa do exemplo anterior, dualizada.Sejam R um anel e M um R-módulo. Se Q0 é um R-módulo injetivo eη : M → Q0 é um homomorfismo injetor, então coker η = Q0/Im η éum R-módulo, e existe um R-módulo injetivo Q1 e um homomorfismoinjetor i1 : Q0/Im η → Q1. Prosseguindo e montando compostas, ob-temos o seguinte diagrama:

0

0 00

Mj1Q0 Q1 Q2

η j2

i1 i2

Q1/Im i1Q0/Im η

· · ·

· · ·

Figura 39: Resolução injetiva de M.

Fica definido então outro complexo (C, ∂) com

Ck =

0, se k ≥ 2,M, se k = 1Q−k, se k ≤ 0

e ∂k =

0, se k ≥ 2η, se k = 1j−k+1, se k ≤ 0.

Como antes, este ajuste de índices nos dá, lado a lado:

0 −−−→ Mη−−−→ Q0

j1−−−−→ Q1j2−−−−→ Q2 −−−→ · · ·

C2∂2−−−−→ C1

∂1−−−−→ C0∂0−−−−→ C−1

∂−1−−−−−→ C−2 −−−→ · · ·

120

Novamente, (C, ∂) é um complexo exato: com efeito, em cada passotemos um homomorfismo seguido da projeção de seu contradomíniono quociente pela sua imagem. Este complexo é chamado uma resolu-ção injetiva de M.

(4) Se (C, ∂) é um complexo de cadeias de R-módulos à direita e F é umfuntor covariante aditivo de mod-R em uma categorias de módulos, en-tão (FC, F(∂)) é um complexo de cadeias, onde

FC= {FCi | i ∈ Z} e F(∂) = {F(∂i) : F(Ci)→ F(Ci−1) | i ∈ Z}.

Essencialmente, se

C : · · · ∂i+2−−−−→ Ci+1∂i+1−−−−→ Ci

∂i−−−→ Ci−1∂i−1−−−−→ · · · ,

então

FC : · · · F(∂i+2)−−−−−−→ FCi+1F(∂i+1)−−−−−−→ FCi

F(∂i)−−−−−→ FCi−1F(∂i−1)−−−−−−→ · · · .

Se (C, ∂) e F são exatos, então (FC, F(∂)) também o é.

(5) Se (C, ∂) é um complexo de cadeias de R-módulos à direita e F é umfuntor contravariante aditivo de mod-R em uma categorias de módulos,então (FC, F(∂)) é um complexo de cadeias, onde

FC= {Di | i ∈ Z} e F(∂) = {∆i : Di → Di−1 | i ∈ Z},

com Di = FC−i e ∆i = F(∂−i+1). Desta vez, se

C : · · · ∂i+2−−−−→ Ci+1∂i+1−−−−→ Ci

∂i−−−→ Ci−1∂i−1−−−−→ · · · ,

então

FC : · · · F(∂i−1)−−−−−−→ FCi−1F(∂i)−−−−−→ FCi

F(∂i+1)−−−−−−→ FCi+1F(∂i+2)−−−−−−→ · · · .

Definição 17.4 (Morfismo de complexos). Sejam R um anel e (C, ∂) e (C′, ∂′)complexos de R-módulos. Um homomorfismo de cadeias de (C, ∂) em (C′, ∂′)é uma família β = {βi : Ci → C′i | i ∈ Z} tal que βi ◦ ∂i+1 = ∂′i+1βi+1, paratodo i ∈ Z. Temos

Ci+1· · · Ci∂i∂i+1 Ci−1 · · ·

· · · · · ·C′i+1∂′i+1 C′i

∂′i C′i−1

βi+1 βi−1βi

Figura 40: Morfismo de cadeias.

121

e escrevemos simplesmente β∂ = ∂′β.

Definição 17.5. Dado um anel R, definimos a categoria comp-R por:

• Obj(comp-R) é a classe de todos os complexos de cadeias de R-módulosà direita.

• dados (C, ∂), (C′, ∂′) ∈ Obj(comp-R), Homcomp-R((C, ∂), (C′, ∂′)

)é o

conjunto de todos os homomorfismos de cadeias de (C, ∂) em (C′, ∂′).

Observação. Analogamente define-se R-comp. Note que cada conjuntoHomcomp-R

((C, ∂), (C′, ∂′)

)tem uma estrutura óbvia de grupo abeliano, a

saber, α + β.= {γi : Ci → C′i | i ∈ Z} com γi

.= αi + βi.

18 Homologia (22/05)

Com o que fizemos anteriormente, podemos escrever a:

Definição 18.1. Seja R um anel. Para cada i ∈ Z, definimos um funtorHi : comp-R→ mod-R por:

(i) se (C, ∂) ∈ Obj(comp-R), escrevemos

Hi(C, ∂) ≡ Hi(C).=

Zi(C)

Bi(C),

onde Zi(C).= ker ∂i e Bi(C)

.= Im ∂i+1.

(ii) se (C, ∂), (C′, ∂′) ∈ Obj(comp-R) e α ∈ Homcomp-R((C, ∂), (C′, ∂′)

),

defina

αi ≡ Hi(α) : Hi(C) −−−−−→ Hi(C′)

zi + Bi(C) 7→ αi(zi) + Bi(C′).

Os elementos de Zi(C) são chamados i-ciclos, enquanto que os de Bi(C)são chamados i-bordos, e Hi(C) é dito o i-ésimo módulo de homologia de(C, ∂).

Observação. Note que o quociente que define Hi(C) pode ser escrito jus-tamente em vista da condição ∂2 = 0 (que é equivalente às inclusõesIm ∂i+1 ⊆ ker ∂i), e que Hi(α) de fato está bem definido por α ser umhomomorfismo de cadeias. Com efeito, temos que αi(Zi(C)) ⊆ Zi(C

′) etambém αi(Bi(C)) ⊆ Bi(C

′) para todo i ∈ Z, pois:

122

• se zi ∈ Zi(C), então ∂′iα(zi) = αi−1(∂izi) = αi−1(0) = 0.

• se zi ∈ Bi(C), então zi = ∂i+1zi+1 para algum zi+1 ∈ Ci+1, dondetemos αi(zi) = αi(∂i+1zi+1) = ∂′i+1αi+1(zi+1).

A interpretação para a homologia é clara: um complexo (C, ∂) é exatose e somente se Hi(C) = 0 para todo i ∈ Z. Aqui, vale registrar mais umadefinição:

Definição 18.2. Sejam R um anel e (C, ∂) um complexo de cadeias sobreR. Diremos que (C, ∂) é um complexo

(i) positivo se Ci = 0 para todo i < 0. Portanto, temos

C: · · · −−−→ C2∂2−−−−→ C1

∂1−−−−→ C0 −−−→ 0.

(ii) negativo se Ci = 0 para todo i > 0. Portanto, temos

C: 0 −−−→ C0∂0−−−−→ C−1

∂−1−−−−−→ C−2 −−−→ · · ·

Observação. No caso negativo, é usual definirmos Ci = C−i e di = ∂−i, demodo a obter

0 −−−→ C0 d0−−−−→ C1 d1

−−−−→ C2 −−−→ · · ·,

e adaptarmos a nomenclatura dada na Definição 18.1 acima. Os elemen-tos de Zi(C) = ker di são chamados i-cociclos, os de Bi(C) são chamadosi-cobordos, e Hi(C)

.= Zi(C)/Bi(C) é chamado o i-ésimo módulo de cohomo-

logia de (C, d).

Enfim, registramos a:

Proposição 18.3. Para cada i ∈ Z, o funtor Hi : comp-R→ mod-R é covariantee aditivo.

Os resultados principais sobre homologia usam não apenas sequênciasexatas de módulos, mas também de complexos:

Definição 18.4. Uma sequência exata de complexos de cadeia é uma sequênciada forma

0 −−−→ C′α−−−→ C

β−−−→ C′′ −−−→ 0,

onde em cada extrato temos uma sequência exata de módulos

0 −−−→ C′iαi−−−−→ Ci

βi−−−−→ C′′i −−−→ 0.

123

Teorema 18.5 (A). Se

0 −−−→ C′α−−−→ C

β−−−→ C′′ −−−→ 0

é uma sequência exata curta de complexos, então existem morfismos de conexãoδi : Hi(C

′′) → Hi−1(C′) satisfazendo δi(z′′i + Bi(C

′′)) = z′i−1 + Bi−1(C′),

onde z′i−1 ∈ α−1i−1(∂i(β−1

i (z′′i ))).

Hi(C′′)

Hi−1(C′) Hi−1(C) Hi−1(C

′′)αi−1 βi−1

Hi(C′)

αi Hi(C)βi

δi

Figura 41: O morfismo δi conecta dois extratos diferentes.

Observação. Explicitamente, a última condição do enunciado diz que valeαi−1(z′i−1) = ∂ici para algum ci ∈ Ci satisfazendo βici = z′′i .

Demonstração: A ideia do argumento é definir um homomorfismo con-veniente Zi(C

′′) → Hi−1(C′), que passe para o quociente. Considere o

seguinte diagrama comutativo:

0C′′iCi

0 C′i−1 Ci−1 C′′i−1 0

0 C′i−2 Ci−2

βi

βi−1αi−1

αi−2

∂i ∂′′i

∂i−1∂′i−1

Figura 42: O essencial.

Se z′′i ∈ Zi(C′′), βi ser sobrejetor nos fornece ci ∈ Ci tal que βi(ci) = z′′i .

Então, temos que

βi−1(∂ici) = ∂′′i βi(ci) = ∂′′i z′′i = 0,

124

de modo que ∂ici ∈ ker βi−1 = Im αi−1, e podemos escrever ∂ici = αi−1(z′i−1)para algum z′i−1 ∈ C′i−1. Afirmamos que z′i−1 ∈ Zi−1(C

′). Com efeito, te-mos que

αi−2(∂′i−1z′i−1) = ∂i−1αi−1(z′i−1) = ∂i−1∂ici = 0,

e αi−2 ser injetor nos dá ∂′i−1z′i−1 = 0 como afirmado. Então z′i−1 determinauma classe de homologia, e podemos definir uma aplicação

Zi(C′′)→ Hi−1(C

′)

z′′i 7→ z′i−1 + Bi−1(C′),

onde z′i−1 ∈ α−1i−1(∂i(β−1

i (z′′i ))) é obtido como na caça acima, que resume-se no seguinte diagrama:

C′′iCi

C′i−1 Ci−1

βi

αi−1

z′′ici∂i

z′i−1 ∂ici

Figura 43: Obtendo z′i−1.

Temos que:

• esta aplicação está bem definida. Ou seja, devemos ver que a classefinal obtida não depende da escolha de ci: suponha que ci, c∗i ∈ Cisejam tais que βi(ci) = βi(c∗i ) = z′′i . Realizando o processo de caçapara cada um deles, obtemos z′i−1, z

′∗i−1 ∈ Zi−1(C

′) satisfazendo

∂ici = αi−1(z′i−1) e ∂ic∗i = αi−1(z′∗i−1).

E além disto, ci − c∗i ∈ ker βi = Im αi nos dá um elemento z′i ∈ C′i talque ci − c∗i = αi(z′i). Aplicando ∂i nesta última relação, vemos que

αi−1(z′i−1 − z′∗i−1) = ∂iαi(z′i) = αi−1(∂

′iz′i),

donde αi−1 ser injetor nos diz que z′i−1 = z′∗i−1 + ∂′iz

′i. Concluímos

que

z′i−1 + Bi−1(C′) = z

′∗i−1 + ∂′iz

′i + Bi−1(C

′) = z′∗i−1 + Bi−1(C

′),

como queríamos.

125

• é um homomorfismo de módulos: sejam z′′i , z′′∗i ∈ Zi(C

′′) e r ∈ R.Basta notar que se temos elementos ci, c∗i ∈ Ci e z′i−1, z

′∗i−1 satisfa-

zendo as relações{αi−1(z′i−1) = ∂ici

βi(ci) = z′′ie

{αi−1(z

′∗i−1) = ∂ic∗i

βi(c∗i ) = z′′∗i ,

segue que

αi−1(z′i−1 + z′∗i−1r) = ∂i(ci + c∗i r) e βi(ci + c∗i r) = z′′i + z

′′∗i r.

• seu núcleo contém Bi(C′′): se z′′i = ∂′′i+1c′′i+1 para algum c′′i+1 ∈ C′′i+1,

devemos verificar que o z′i−1 encontrado na caça é um elemento deBi−1(C

′). Sabemos que existe ci ∈ Ci satisfazendo as relações

αi−1(z′i−1) = ∂ici e βi(ci) = z′′i = ∂′′i+1c′′i+1.

Como βi+1 é sobrejetor, conseguimos um elemento ci+1 ∈ Ci+1 talque z′′i+1 = βi+1(ci+1). Daí

βi(∂i+1ci+1) = ∂′′i+1βi+1(ci+1) = ∂′′i+1z′′i+1 = z′′i = βi(ci),

donde ci − ∂i+1ci+1 ∈ ker βi = Im αi nos dá um elemento c′i ∈ C′i talque ci − ∂i+1ci+1 = αi(c′i). Afirmamos então que z′i−1 = ∂′ic

′i. Com

efeito, temos que

αi−1(∂′ic′i) = ∂iαi(c′i) = ∂i(ci − ∂i+1ci+1) = ∂ici = αi−1(z′i−1),

e αi−1 é injetor, donde segue a conclusão.

A aplicação δi : Hi(C′′)→ Hi−1(C

′) procurada é a induzida por esta.

19 Sequências exatas longas (24/05)

Teorema 19.1 (B). Se

0 −−−→ C′α−−−→ C

β−−−→ C′′ −−−→ 0

é uma sequência exata curta de complexos, então a sequência de homomorfismos

126

Hi(C′′)

Hi−1(C′) Hi−1(C) Hi−1(C

′′)αi−1 βi−1

Hi(C′)

αi Hi(C)βi

δi

· · ·

· · ·

Figura 44: Sequência longa de homologia.

é exata.

Observação. O resultado deste teorema pode ser resumido na frase “umasequência exata curta de complexos induz uma sequência exata longa dehomologia”.

Demonstração: Temos três verificações a fazer:

(i) Im αi = ker βi: como Hi é um funtor covariante aditivo e βiαi = 0,temos Im αi ⊆ ker βi. Para a inclusão contrária, seja zi ∈ Zi(C) talque

0 = βi(zi + Bi(C)) = βi(zi) + Bi(C′′),

de modo que βi(zi) ∈ Bi(C′′). Então tome um elemento c′′i+1 ∈ C′′i+1

tal que βi(zi) = ∂′′i+1c′′i+1. Mas como βi+1 é sobrejetor, existe um ele-mento ci+1 ∈ Ci+1 tal que c′′i+1 = βi+1(ci+1). Com isto, temos

βi(zi − ∂i+1ci+1) = βi(zi)− βi(∂i+1ci+1)

= ∂′′i+1c′′i+1 − ∂′′i+1βi+1(ci+1)

= ∂′′i+1(c′′i+1 − βi+1ci+1)

= ∂′′i+1(0) = 0,

o que nos diz que zi − ∂i+1ci+1 ∈ ker βi = Im αi. Então podemostomar z′i ∈ C′i tal que zi − ∂i+1ci+1 = αi(z′i). E este é o candidatonatural: afirmamos que z′i ∈ Zi(C

′). Com efeito, temos:

αi−1(∂′iz′i) = ∂iαi(z′i) = ∂izi − ∂i∂i+1ci+1 = 0− 0 = 0,

127

e a injetividade de αi−1 nos diz que ∂′iz′i = 0. Assim, z′i define uma

classe de homologia e podemos calcular

αi(z′i + Bi(C′)) = αi(z′i) + Bi(C)

= zi − ∂i+1ci+1 + Bi(C)

= zi + Bi(C),

donde segue a inclusão reversa ker βi ⊆ Im αi, como queríamos.

(ii) Im βi = ker δi: Para a primeira inclusão, veja que se zi ∈ Zi(C),temos

δi βi(zi + Bi(C)) = δi(βi(zi) + Bi(C′′)) = 0,

pois 0 = ∂izi = αi−1(z′i−1) implica em z′i−1 = 0 (lembre da definiçãode δi). Logo, obtemos Im βi ⊆ ker δi. Para a inclusão contrária, con-sidere z′′i ∈ Zi(C

′′) tal que δi(z′′i + Bi(C′′)) = 0, e tome elementos

ci ∈ Ci e z′i−1 ∈ Zi−1(C′) tais que

βi(ci) = z′′i e ∂ici = αi−1(z′i−1).

A hipótese nos diz que z′i−1 ∈ Bi−1(C′), donde existe c′i ∈ C′i tal que

z′i−1 = ∂′ic′i, donde

∂ici = αi−1(z′i−1) = αi−1(∂′ic′i) = ∂iαi(c′i)

nos diz que ci − αic′i ∈ Zi(C). Assim fica definida uma classe dehomologia, e podemos calcular

βi(ci − αi(c′i) + Bi(C)) = βi(ci)− βi(αi(c′i)) + Bi(C′′)

= βi(ci) + Bi(C′′)

= z′′i + Bi(C′′),

donde concluímos que ker δi ⊆ Im βi.

(iii) Im δi = ker αi−1: Para a primeira inclusão, considere z′′i ∈ Zi(C′′),

z′i−1 ∈ Zi−1(C′) e ci ∈ Ci tais que

∂ici = αi−1(z′i−1) e βi(ci) = z′′i .

Então temos

αi−1δi(z′′i + Bi(C′′)) = αi−1(z′i−1 + Bi−1(C

′))

= αi−1(z′i−1) + Bi−1(C)

= ∂ici + Bi−1(C)

= 0,

128

donde Im δi ⊆ ker αi−1. Para a inclusão contrária, tome z′i−1 ∈ Zi−1(C′)

tal que

0 = αi−1(z′i−1 + Bi−1(C′)) = αi−1(z′i−1) + Bi−1(C).

Tal condição nos diz que αi−1(z′i−1) ∈ Bi−1(C) e assim podemosescolher ci ∈ Ci tal que αi−1(z′i−1) = ∂ici. Afirmamos então queβi(ci) ∈ Zi(C

′′). Com efeito:

∂′′i βi(ci) = βi−1(∂ici) = βi−1(αi−1(z′i−1)) = 0,

o que nos dá z′i−1 + Bi−1(C′) = δi(βi(ci) + Bi(C

′′)), como queríamos.

Os morfismos de conexão são naturais, no sentido do:

Teorema 19.2 (C). Seja

C′ C0

0

0C′′

D′′ 0

f ′ f ′′f

D′γ

βα

Figura 45: Diagrama em comp-R.

um diagrama comutativo em comp-R com linhas exatas. Então, o diagrama in-duzido em homologias é comutativo:

Hi(C)αiHi(C

′)

fif ′iηi

Hi−1(C′)

Hi−1(D′)Hi(D

′′)

f ′′i f ′i−1

γi Hi(D)Hi(D′)

Hi(C′′)

βi δi

δi· · ·

· · · · · ·

· · ·

Figura 46: Diagrama em homologias.

Demonstração: Como Hi é um funtor, os dois primeiros quadrados sãoautomaticamente comutativos, e a única tarefa que temos é verificar que oterceiro quadrado também comuta. Sendo (C, ∂), (D, e), etc. os comple-xos, note que o cubo a seguir comuta:

129

C′iαi //

f ′i

��

∂′i

!!

Ci∂i

!!

fi

��

βi // C′′i∂′′i

!!

f ′′i

��

C′i−1

f ′i−1

��

αi−1 // Ci−1

fi−1

��

βi−1 // C′′i−1

f ′′i−1

��

D′ie′i

!!

γi // Diei

!!

ηi // D′′ie′′i

!!D′i−1

γi−1 // Di−1ηi−1 // D′′i−1

Figura 47: Conectando dois extratos utilizando os operadores ∂ e e.

Vamos calcular as duas compostas e comparar os resultados. Tome umelemento z′′i ∈ Zi(C

′′). Temos:

• f ′i−1δi(z′′i + Bi(C′′)) = f ′i−1(z

′i−1 + Bi−1(C

′)) = f ′i−1(z′i−1)+ Bi−1(D

′),onde z′i−1 ∈ Zi−1(C

′) é tal que αi−1(z′i−1) = ∂ici para algum ci ∈ Cicom βi(ci) = z′′i .

• δi f ′′i (z′′i + Bi(C

′′)) = δi( f ′′i (z′′i ) + Bi(D

′′)) = w′i−1 + Bi−1(D′), onde

w′i−1 ∈ Zi−1(D′) é tal que γi−1(w′i−1) = eiti para algum ti ∈ Di com

ηi(ti) = f ′′i (z′′i ).

Para ver que os resultados finais coindidem, é preciso mostrar quew′i−1 − f ′i−1z′i−1 ∈ Bi−1(D

′). Os elementos ti e ci ligam z′′i a z′i−1 e tam-bém f ′′i (z

′′i ) a w′i−1, então é natural analisar a diferença ti − fi(ci). Temos

que

ηi(ti − fi(ci)) = ηi(ti)− ηi( fi(ci))

= f ′′i (z′′i )− f ′′i (βi(ci))

= f ′′i (z′′i )− f ′′i (z

′′i )

= 0,

de modo que ti − fi(ci) ∈ ker ηi = Im γi, e assim obtemos t′i ∈ D′i tal que

130

ti − fi(ci) = γi(ti). Então, calculamos

γi−1(w′i−1 − f ′i−1(z′i−1)) = γi−1(w′i−1)− γi−1( f ′i−1(z

′i−1))

= eiti − fi−1(αi−1(z′i−1))

= eiti − fi−1(∂ici)

= eiti − ei fi(ci)

= ei(ti − fi(ci))

= eiγi(t′i)= γi−1(e

′i t′i),

e segue que w′i−1 − f ′i−1(z′i−1) = e′i t

′i ∈ Bi−1(D

′) como queríamos, poisγi−1 é injetor.

Observação. No contexto dos Teoremas A, B e C, se

0 −−−→ C′α−−−→ C

β−−−→ C′′ −−−→ 0

é uma sequência exata curta de complexos, temos um triângulo exato:

H•(C′′)

H•(C)

α•β•

H•(C′) δ

Figura 48: Triângulo exato de homologias.

Definição 19.3. Sejam (C, ∂) e (C′, ∂′) complexos de cadeias sobre um anelR, e α, β : (C, ∂)→ (C′, ∂′) morfismos de cadeias. Diremos que α é homotó-pico a β se existir uma família s = {si : Ci → C′i+1 | i ∈ Z} de homomorfis-mos de R-módulos satisfazendo

αi − βi = ∂′i+1si + si−1∂i,

para todo i ∈ Z. Escreveremos α ∼ β e diremos que s é uma homotopiaentre α e β.

131

Ci+1· · · Ci∂i∂i+1 Ci−1 · · ·

· · · · · ·C′i+1∂′i+1 C′i

∂′i C′i−1

si αi − βi si−1

Figura 49: Homotopia de cadeias. O paralelogramo destacado comuta.

132

Referências

[1] Jacobson, Algebra II.

[2] Lam, Lectures on Modules and Rings.

[3] Rotman, An Introduction to Homological Algebra.

[4] Cohn, Basic Algebra.

[5] Cohn, Further Algebra.

[6] S. C. Coutinho, A Primer of Algebraic D-modules

[7] Cohn, Introduction to Ring Theory.

[8] Atiyah & MacDonald, Introduction to Commutative Algebra

133