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Erle Cavalcante Mesquita
TRABALHO AUTÔNOMO E POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA O MERCADO DE TRABALHO
Instituto de Desenvolvimento do Trabalho
Fortaleza
2014
4
Estudo realizado pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) - Organização Social
Decreto Estadual nº 25.019, de 03/07/98.
Análise e Redação
Erle Cavalcante Mesquita
Apoio Técnico
Arlete da Cunha de Oliveira
Diorgia Maria Dias de Carvalho
Wládia Magalhães Lima Rocha
Rosaliane Macedo Pinto Quezado
Editoração eletrônica e layout
Clarissa Cássia Martins de Oliveira David Pinto
Revisão
Regina Helena Moreira Campelo
Correspondências para: Instituto de Desenvolvimento do Trabalho - IDT Av. da Universidade, 2596 - Benfica CEP 60.020-180 Fortaleza-CE Fone: (085) 3101-5500 Endereço eletrônico: [email protected]
M578t MESQUITA, Erle Trabalho autônomo e políticas públicas
para o mercado de trabalho/ Erle Mesquita.-. Fortaleza: Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, 2014, p. 50p.
1. Autônomos. 2. Políticas Públicas. I. Título.
CDD: 311.12
5
Ministro do Trabalho e Emprego
Manoel Dias
Governador do Estado do Ceará
Cid Ferreira Gomes
Secretário do Trabalho e Desenvolvimento Social
Josbertini Virgínio Clementino
Coordenador do SINE/CE
Robson de Oliveira Veras
7
Instituto de Desenvolvimento do Trabalho - IDT
Presidente
Antônio Gilvan Mendes de Oliveira
Diretora Administrativo-Financeiro
Sônia Maria de Melo Viana
Diretor de Promoção do Trabalho
Antenor Tenório de Britto Júnior
Diretor de Estudos e Pesquisas
Francisco Assis Papito de Oliveira
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 11
1 O RETRATO DO TRABALHADOR AUTÔNOMO NO CONTEXTO DOS MERCADOS DE TRABALHO
METROPOLITANOS ....................................................................................................................... 16
1.1 Quem e quantos são? ............................................................................................................. 18
2 TRABALHO AUTÔNOMO, POR CONTA-PRÓPRIA OU “AUTO-OCUPAÇÕES”: CARACTERÍSTICAS
DE RELAÇÕES LABORAIS NÃO-ASSALARIADAS .............................................................................. 25
2.1 Rendimentos ........................................................................................................................... 38
3 POR UMA ESTRATÉGIA NACIONAL PELAS AUTO-OCUPAÇÕES .................................................... 41
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 49
11
Introdução
A dinâmica do mercado de trabalho nacional apresentou significativas
transformações, ao longo dos anos 2000, passando a projetar para a sociedade
expectativas de uma época que basicamente não existiu nas sociedades capitalistas
contemporâneas, a do “pleno emprego”. Esta percepção, na verdade, estava mais
associada à redução dos níveis de desemprego para patamares “mínimos” de
reposição necessária da mão de obra para o setor produtivo do que pelo fim do
desemprego propriamente dito, haja vista o contingente de desempregados existentes
no histórico processo de acumulação capitalista. Aliás, há que se destacar também que
foram necessárias várias décadas para se reconhecer que o desemprego era – e ainda
é – um problema social e não meros infortúnios pessoais, conforme apregoava a visão
liberal.
O contraste entre emprego e desemprego da população adquiriu crescente
importância, inclusive passando a contar com ações institucionalizadas frente ao
quadro de exclusão que se originou com o desenvolvimento da sociedade salarial e do
trabalho assalariado. Gradativamente, surgiram políticas e instituições especializadas
para minimizar esse problema, tal como a constituição de um Sistema Público de
Emprego (SPE).
No entanto, não há como negar que os processos de industrialização e de
urbanização ocorridos no país sem uma rede de proteção social, entre os anos 1930 e
1980, fizeram com que muitos trabalhadores exercessem qualquer tipo de atividade
para sobreviver ao processo do desenvolvimento capitalista brasileiro. Aliás, a
efetivação de um SPE no país só veio realmente acontecer no período de esgotamento
desse ciclo de industrialização nacional (1930-1980) e com a criação de uma fonte de
financiamento efetiva para suas ações, o que só veio a ocorrer com o advento do
Fundo de Amparo ao Trabalho (FAT). A política do seguro-desemprego é um claro
exemplo dessa realidade, pois embora sua previsão constitucional tenha surgido ainda
em meados da primeira metade do século XX, sua efetivação somente aconteceu a
partir da criação do Programa do Seguro-Desemprego, em 1986, e do FAT, em 1990,
para financiá-lo.
12
Esse tipo de dinâmica da realidade brasileira contribuiu significativamente para
a conformação de características muitas específicas do mercado de trabalho nacional,
o que resultou em um padrão diferenciado das formas de inserção ocupacional, entre
elas, é possível destacar o chamado trabalho autônomo ou por conta própria, cuja
forma de inserção no mercado de trabalho é bastante representativa nos principais
centros urbanos do país, as quais, em geral, estão relacionadas às atividades não-
assalariadas que geram rendas.
Estas atividades possuem denominações diferenciadas dependendo das bases
metodológicas as quais se recorre para investigar esse tipo de fenômeno. Nas
pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), tais atividades são
chamadas de “trabalho por conta-própria” e, na Pesquisa de Emprego e Desemprego
(PED), produzida pela Fundação Seade e Dieese e parceiros regionais, de “trabalho
autônomo”. Apesar das diferenças semânticas e até mesmo metodológicas de
apuração das formas de inserção ocupacional nos principais mercados metropolitanos
do país, utilizam-se de maneira indistinta, neste estudo, estas terminologias para
retratar as pessoas que exploram sozinhas seu próprio negócio ou ofício (auto-
ocupação). Ainda no que diz respeito a essa definição é preciso ressaltar dois aspectos
fundamentais. O primeiro faz referência ao fato de que tais negócios ou ofícios não
estão relacionados às atividades compatíveis com a formação universitária dos
trabalhadores que as exercem, cuja situação é historicamente compreendida e
reproduzida pelas pesquisas domiciliares pela condição de profissionais liberais
(médicos, advogados, dentistas, entre outros), os quais podem contar com até dois
empregados remunerados, no exercício da atividade laboral.1
O segundo está relacionado ao próprio segmento laboral ao qual este estudo
investiga, constituído por pessoas que trabalham sozinhas no próprio negócio ou ofício
(para o público em geral ou para alguma empresa), os quais podem contar com algum
sócio ou com a ajuda de um trabalhador familiar ou, eventualmente, com algum
ajudante remunerado por prazo determinado. Na prática, esse segmento laboral está
1 Conforme metodologia da Pesquisa de Emprego e Desemprego, o profissional liberal que possui mais
de dois empregados subordinados a ele é classificado como empregador, segundo a sua forma de
inserção ocupacional no mercado de trabalho.
13
relacionado ao trabalhador autônomo mais tradicional, cujas ocupações geralmente
são precárias, devido à combinação de significativas jornadas de trabalho com baixo
padrão de rendimentos e ausência de mecanismos de proteção social e trabalhista.
Mas qual o perfil das pessoas que enfrentam esse tipo de trabalho por conta-própria?
Para responder a esse tipo de pergunta recorreu-se às informações primárias
(microdados) da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), que é realizada em
algumas das principais regiões metropolitanas do país, a saber, Fortaleza, Recife,
Salvador, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Distrito Federal.
Há que se destacar também que, por conta da descontinuidade da execução da
PED no Distrito Federal, em 2013, o recorte temporal desse estudo levou em
consideração o período entre 2009 e 2012, devido a dois aspectos. O primeiro por
causa da própria disponibilidade de informações de todas as regiões metropolitanas
cobertas pelo Sistema PED ao mesmo tempo em que tal período antecede um ciclo de
expansão e de desaceleração da oferta de postos de trabalho. O segundo dava-se pela
necessidade de manutenção do Distrito Federal nessa investigação devido às
peculiaridades desse nível geográfico frente às demais regiões, ao contar com um peso
expressivo do funcionalismo público, notadamente, da esfera federal, e,
consequentemente, de um maior padrão de rendimento advindo do trabalho entre as
regiões cobertas pela PED, o que tornava interessante perceber a relação dessas
características com as iniciativas de trabalho por conta-própria.
A análise desse acervo informacional mostra que, apesar de algumas
singularidades, no essencial, o perfil majoritário dos trabalhadores que atuam por
conta-própria é de um público mais masculino e com mais idade, embora não tão
homogêneo enquanto possa a primeira vista parecer, haja vista a presença de
trabalhadores com os mais diferentes níveis de escolarização. Esta caracterização,
contudo, é delineada no primeiro capítulo que busca estabelecer um verdadeiro
retrato do trabalhador autônomo nos mercados metropolitanos de trabalho. Embora
não se tenha pretensão de dizer que tal figuração seja representativa para toda a
realidade brasileira, não se pode desprezar as singularidades observadas em algumas
das principais regiões metropolitanas do país e alguns indicativos, entre eles, a da
maior presença feminina no trabalho autônomo nas metrópoles nordestinas, região na
qual o trabalho autônomo proporcionalmente apresentou maior peso. Nesse sentido,
14
a heterogeneidade do mercado de trabalho nacional pode ser expressa não somente
quanto às formas de inserção ocupacional (assalariadas ou não) como tão intensas são
essas iniciativas nos contextos regionais.
Por sua vez, o segundo capítulo delineia as características propriamente ditas
dessas relações de trabalho, com relação à duração das jornadas laborais, dos locais
em que tais atividades são executadas, do padrão de rendimento e da cobertura
previdenciária, dentre outros recortes.
Nesse sentido, constatou-se que o trabalho autônomo é realizado nos mais
diferentes lugares, tanto em lugares fixos como lojas, salas, galpões e até mesmo nas
próprias residências dos trabalhadores quanto em lugares indefinidos, como as vias e
os espaços públicos. Esta diversidade mostra a importância desse tipo de investigação
para que se possa ter informações que delineiem melhor as políticas públicas para
esse segmento profissional que historicamente fora deixado de lado por ser
considerado quase que uma “anomalia” no ciclo de desenvolvimento capitalista tardio
e “incompleto”, no Brasil.
No entanto, há que se considerar que o advento do Microemprendedor
Individual (MEI) possa vir a ser um passo importante não somente para a
desconstituição desse estigma como uma importante ação para equacionar o déficit
das políticas públicas para esse importante e expressivo contingente de trabalhadores.
Aliás, somente no conjunto das áreas metropolitanas investigadas pelo Sistema PED,
está se falando em algo em torno de 3,4 milhões de pessoas, número esse que chega a
ser quase sete vezes maior se levados em consideração dados mais atualizadas e da
totalidade do território nacional (20,8 milhões de pessoas), segundo informações do
IBGE.2
Por sua vez, o último capítulo traz alguns apontamentos para uma política
pública em regiões metropolitanas, diante do quadro que pouco avançou na
formalização de muitas dessas atividades econômicas e laborais, em alguns dos
principais mercados metropolitanos do país, mesmo com o advento do MEI.
2 Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Continua – 2º trimestre de 2013.
15
É dessa realidade que tratam as páginas a seguir, como modo a subsidiar outros
estudos e a formulação de políticas públicas para os milhões de brasileiros que se
lançam diariamente no mercado de trabalho em alternativas laborais não assalariadas.
16
1 O RETRATO DO TRABALHADOR AUTÔNOMO NO CONTEXTO DOS MERCADOS DE
TRABALHO METROPOLITANOS
Alguns estudos têm buscado traçar o perfil do trabalhador autônomo ou por
conta-própria, dada a própria representatividade que esse segmento laboral possui no
heterogêneo mercado de trabalho brasileiro. Tomando, por exemplo, as regiões
metropolitanas cobertas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada
pela Fundação Seade-Dieese e parceiros regionais, a proporção de autônomos oscila
entre 11,9% (Distrito Federal) e 25,3% (Fortaleza) do total de ocupados, o que retrata o
peso que esse tipo de atividade laboral possui nesses mercados, especialmente os da
Região Nordeste, que apresentam maior proporção de autônomos na área de
abrangência dessa pesquisa domiciliar (Gráfico 1). Este fato, em grande medida, está
associado aos desequilíbrios regionais ainda existentes entre as regiões brasileiras e ao
histórico processo de desenvolvimento econômico e de estruturação dos mercados de
trabalhos locais e regionais.
Gráfico 1 – Proporção de trabalhadores autônomos no total de ocupados – Regiões metropolitanas e Distrito Federal – 2012
Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego. Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
Para se ter uma breve noção dessa realidade basta levar em consideração a
geração de empregos com carteira de trabalho assinada - aquele que é protegido pelo
(em %)
17
marco legal e que assegura proteção trabalhista e seguridade social – que ainda está
bem concentrada em alguns estados da federação, tal como nos casos de São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, cujos estados já possuíam algum
nível de atividade econômica, sobretudo industrial, desde os anos da “Revolução de
1930” (FAUSTO, 1972). E nesse caso, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED), cerca de 60% dos novos empregos com carteira assinada
que são gerados no país, tal como observado para o ano de 2012, estão concentrados
nesses quatro estados da federação, o que sinaliza a importância do resgate dos
debates sobre os desequilíbrios regionais na agenda política, mesmo com os avanços
recentes de expansão da atividade econômica e da formalização das relações de
trabalho nas mais diferentes localidades do território nacional.
Esse tipo de discussão de predomínio das relações de trabalho formais sobre as
demais formas de inserção ocupacional sedimentou por muito tempo a ideia de que a
existência das ocupações autônomas estava mais associada à falta de oportunidades
no setor formal do mercado de trabalho nacional do que às próprias especificidades de
um desenvolvimento capitalista tardio e dependente de outros centros econômicos.
Na verdade, embora esse tipo de discussão dicotômica entre formal e informal tenha
despertado interesse da comunidade internacional, desde os anos 1970, com os
estudos no Quênia (OIT, 1972) e em Gana (HART, 1973), por exemplo, é possível
afirmar que tal debate se desenvolveu apenas marginalmente no interesse das ações
da comunidade internacional, talvez por ter sido muito influenciado pelas ideias
desenvolvimentistas e faseológicas que predominaram em boa parte da segunda
metade do que século XX, em que se atribuía, de maneira geral, que esta era uma
realidade muito presente no contexto do desenvolvimento capitalista tardio nos países
periféricos ou em desenvolvimento, numa terminologia mais contemporânea.
No entanto, o debate sobre a informalidade das relações de trabalho parece
surgir na atualidade de maneira mais revigorada, não apenas pela realidade dos países
em desenvolvimento como também pelas experiências de desestruturação das
economias desenvolvidas frente aos efeitos da crise financeira que abalou - e ainda
abala – a economia mundial, nos últimos anos. Este foi, na verdade, um dos temas
pautados na Conferência Internacional dos Estatísticos do Trabalho (International
18
Conference of Labour Statiscians) promovida pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), em outubro de 2013, em Genebra.
Não obstante, alguns estudos apontaram também que a questão da
informalidade não é uma simples transição de economias “tradicionais” para
“modernas” ou de meras carências de oportunidades nas posições mais estruturadas
do mercado de trabalho, haja vista que, mesmo em períodos de crescimento
econômico e de expansão do emprego formal, ela se demonstrou bem persistente
(MESQUITA, 2008; OIT, 2013).
Nesse caso, este estudo leva em consideração as ocupações reconhecidas como
autônomas as quais envolvem boa parcela das populações ocupadas dos mercados de
trabalho, mesmo que muitas vezes essas oportunidades de trabalho ocorram ao largo
do marco regulatório (trabalhista, previdenciário, tributário, dentre outros). E por quê?
Para conhecer o perfil e compreender a dinâmica de parcela da população que de
alguma maneira executa uma atividade econômica e laboral como estratégia de
sobrevivência, frente às alternativas de trabalho assalariado, especialmente porque
muitas dessas oportunidades estão relacionadas à produção de pequena escala, baixo
nível de organização e pela quase inexistência de separação entre capital e trabalho,
quando se fala em termos de fatores produtivos.
1.1 Quem e quantos são?
Entre os quase vinte milhões de pessoas que possuíam alguma ocupação nas
áreas metropolitanas investigadas pelo Sistema PED, em 2012, uma parcela expressiva
exercia o trabalho autônomo. Eram 3,4 milhões de pessoas que exerciam o trabalho
por conta-própria, perfazendo nada menos que 17% da população ocupada que fora
investigada neste estudo.
Em termos geográficos, os dados apresentados anteriormente mostram que
essa representação é ainda mais expressiva nas metrópoles do Nordeste, merecendo
maior atenção nacional para que possíveis experiências pilotos possam ser
experimentadas nessas metrópoles devido à própria expressão que tais atividades
possuem nessas regiões.
19
Apesar dessa realidade, entre o conjunto metropolitano de trabalhadores
autônomos em 2012, algo em torno de dois milhões de pessoas, ou 60,8%, são do sexo
masculino ou possuem idade de quarenta anos ou mais (58,4%). Estes últimos formam
curiosamente o grande contingente de pessoas que enfrentam maiores dificuldades de
(re)ingresso no mercado de trabalho registrado, especialmente quando possuem
baixos níveis de escolaridade, tal como percebida entre os trabalhadores autônomos
entrevistados pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), entre 2009 e 2012, em
seis áreas metropolitanas e no Distrito Federal, conforme é apresentado nas tabelas a
seguir.
Tabela 1 - Trabalhadores autônomos, segundo sexo – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas Homem Mulher
2009 2012 2009 2012
Fortaleza 56,2 55,6 43,8 44,4
Recife 59,8 59,7 40,2 40,3
Salvador 58,5 57,5 41,5 42,5
Belo Horizonte 61,5 65,2 38,5 34,8
São Paulo 62,9 63,8 37,1 36,2
Porto Alegre 65,1 65,3 34,9 34,7
Distrito Federal 56,5 60,7 43,5 39,3
Total Regional 59,8 60,8 40,2 39,2
Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego. Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios
regionais.
Apesar dessa realidade, é perceptível, nos dados apresentados, que há maior
presença feminina no trabalho autônomo nas metrópoles nordestinas - Fortaleza
(44,4%), Salvador (42,5%) e Recife (40,3%) - se comparadas às demais regiões
abrangidas pela PED, o que, em grande medida, sinaliza a importância dessa forma de
inserção ocupacional nos mercados de trabalho que possuem, relativamente, maiores
vulnerabilidades nas relações de trabalho, haja vista apresentarem maior incidência de
trabalhadores autônomos, assalariados sem carteira de trabalho assinada e
empregados domésticos, cujos postos de trabalho geralmente não detêm proteção
trabalhista e previdenciária, embora representem importantes formas de inserção
20
ocupacional para os trabalhadores locais. Ademais, mesmo com os avanços recentes
de expansão do emprego formal nas diferentes áreas metropolitanas, entre elas, as
que possuem cobertura do Sistema PED, nota-se que boa parcela da força de trabalho
metropolitana ainda está submetida a relações de trabalho bem precarizadas,
carecendo de alternativas que lhes dêem maiores garantias trabalhistas,
previdenciárias e de sustentabilidade da própria atividade econômica que exercem,
devido às próprias peculiaridades existentes nessa forma de inserção ocupacional,
conforme é apresentado ao longo deste estudo (Gráfico 2).
Gráfico 2 - Composição da população ocupada, segundo posição na ocupação – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2012
Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego. Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais. Nota: (1) Inclui donos de negócio familiar, profissionais universitários autônomos, trabalhadores familiares sem remuneração salarial, etc.
E sob este aspecto, os dados da Tabela 2 sinalizam que esse tipo de atividade
laboral está mais associado às pessoas com mais idade, uma vez que a participação
juvenil é não somente baixa como diminuiu, entre os anos de 2009 e 2012. Tal
realidade pode estar ligada à própria necessidade de maior experiência profissional ou
até mesmo de capital financeiro para desempenhar esse tipo de atividade laboral,
realidade esta que geralmente se configura com um dos entraves da população juvenil
para o (re)ingresso no mundo laboral.
21
Tabela 2 - Trabalhadores autônomos, segundo faixa etária - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas
10 - 14 15 – 17 18 - 24 25 - 39 40 ou mais
2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012
Fortaleza (1) (1) 2,1 (1) 11,0 8,9 33,7 33,0 52,2 56,1
Recife (1) (1) (1) (1) 9,5 7,7 34,7 30,0 54,2 60,5
Salvador (1) (1) (1) (1) 9,2 8,5 36,4 33,9 52,5 55,7
Belo Horizonte (1) (1) 1,5 (1) 7,9 6,8 31,7 32,5 58,4 59,7
São Paulo (1) (1) (1) (1) 8,0 7,5 34,2 31,9 55,4 58,4
Porto Alegre (1) (1) (1) (1) 6,6 6,4 31,1 30,4 61,2 62,6
Distrito Federal (1) (1) (1) (1) 8,8 7,2 36,6 35,0 52,8 57,1
Total Regional 0,5 (1) 1,6 1,3 8,9 7,7 34,1 32,4 54,9 58,4
Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego. Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais. (1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
É interessante observar, nos dados apresentados, que mais da metade dos
trabalhadores autônomos possuem quarenta anos ou mais de idade (58,4%), isto é,
pessoas que não somente possuem mais idade como, provavelmente, também
apresentam experiências anteriores de trabalho, sobretudo assalariadas. Ademais,
nota-se que a participação de pessoas nessa faixa de idade exercendo o trabalho
autônomo é não somente expressiva como cresceu nas áreas metropolitanas
investigadas. Em termos absolutos, houve um acréscimo de 285 mil pessoas com
quarenta anos ou mais no total de trabalhadores autônomos, o que corresponde a
94% das oportunidades de trabalho surgidas por conta-própria, no período em análise.
Dessa maneira, há indicativos para se crer que o trabalho assalariado está cada
vez mais para os mais jovens assim como as relações laborais não-assalariadas são
cada vez mais evidentes entre os trabalhadores com mais idade. É preciso considerar,
no entanto, que o maior número de trabalhadores autônomos em faixas de idade mais
elevadas não significa dizer necessariamente que este fato esteja meramente
associado às restrições das empresas aos trabalhadores “mais velhos”, embora possa
até ser admitido algum nexo causal, quando se levam em consideração outras
características pessoais associadas, quando se olha, por exemplo, a experiência
profissional e o baixo nível de escolarização de boa parcela desses trabalhadores, que
não ultrapassa o ensino fundamental (Tabela 3), o que, sobremaneira, traz maiores
empecilhos para o (re)ingresso dessas pessoas no mercado de trabalho, conforme
apontam as próprias estatísticas coligidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego
22
(MTE), quando se observam as movimentações de contratações e dispensas de pessoal
nos estabelecimentos.
Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que tal situação de busca pelo
trabalho autônomo pode estar também associada ao sentimento individual de busca
de autonomia no modo de empreender, dada à própria possibilidade de definição do
padrão de rendimento e dos horários de trabalho pelo trabalhador, algo ainda raro de
acontecer quando este está submetido aos vínculos de subordinação das relações de
trabalho assalariadas.
Tabela 3 - Trabalhadores autônomos, segundo grau de instrução - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas
Analfabeto + Fundamental Incompleto
Fundamental Completo
Médio Incompleto
Médio Completo +
Superior Incompleto
Superior Completo
2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012
Fortaleza 50,4 47,2 13,3 14,7 6,2 6,0 27,4 29,5 2,7 2,6
Recife 49,1 45,9 10,9 11,9 7,2 6,1 29,7 32,5 3,1 3,6
Salvador 38,0 40,5 10,2 12,2 8,1 8,2 38,3 35,5 5,4 3,5
Belo Horizonte 40,1 36,3 15,3 17,1 6,3 5,3 32,3 35,6 6,0 5,6
São Paulo 42,6 38,0 13,2 13,8 6,3 6,0 31,1 34,2 6,8 7,9
Porto Alegre 39,3 35,9 15,7 16,2 6,1 5,3 34,2 37,1 4,7 5,5
Distrito Federal 41,3 37,2 13,8 14,0 7,0 5,8 32,5 36,3 5,4 6,6
Total Regional 43,6 40,7 13,2 14,2 6,7 6,1 31,7 34,0 4,8 5,0
Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego. Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
Ainda em termos de escolaridade, os dados da Tabela 3 mostram que há dois
grupos bem representativos de trabalhadores autônomos: os menos e os mais
escolarizados. O primeiro está relacionado àqueles que são analfabetos ou que não
chegaram sequer a concluir o ensino fundamental (40,7%). Já o segundo está ligado
aos trabalhadores que concluíram, no mínimo, o ensino médio (39%), o que retrata um
perfil de escolaridade bem heterogêneo entre os trabalhadores autônomos,
especialmente se levar em consideração que ainda há outra parcela com escolarização
intermediária, que chegou a concluir o ensino fundamental (14,2%) e não terminou o
ensino médio (6,1%). Nota-se, assim, que esse segmento laboral não é um grupo tão
homogêneo quanto a principio pudesse parecer, mesmo com a nítida predominância
de um público mais masculino e com mais idade, o que torna necessário que as ações
de apoio ao desenvolvimento das ocupações autônomas levem em consideração as
23
particularidades existentes entre esses trabalhadores. E que ações seriam estas?
Geralmente estão relacionadas ao apoio técnico, aos programas de qualificação
profissional, linhas de crédito para formação de capital de giro e/ou aquisição de
equipamentos, entre outras.
Sob este aspecto, é importante ressaltar o peso que essa forma de inserção
ocupacional possui não apenas nos mercados de trabalho metropolitanos, mas na
própria sustentabilidade familiar, uma vez que mais da metade desses profissionais
disse chefiar suas famílias (55,9%). Nas regiões, esta proporção oscilou entre 52,9%
(Fortaleza) e 61,9% (Porto Alegre) dos entrevistados, o que sinaliza o peso que essa
forma de inserção ocupacional possui em boa parcela das famílias metropolitanas
(Tabela 4).
Tabela 4 - Trabalhadores autônomos, segundo posição na ocupação - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas Chefe Outros
2009 2012 2009 2012
Fortaleza 50,1 52,9 49,9 47,1
Recife 53,8 54,2 46,2 45,8
Salvador 53,8 55,8 46,2 44,2
Belo Horizonte 53,1 53,1 46,9 46,9
São Paulo 57,3 57,8 42,7 42,2
Porto Alegre 61,1 61,9 38,9 38,1
Distrito Federal 53,8 57,7 46,2 42,3
Total Regional 54,3 55,9 45,7 44,1
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
A observação que se faz, a partir desta tabela, é que, além da expressiva
presença de autônomos na condição de chefes de domicílios, outros membros da
unidade familiar (cônjuge, filhos, dentre outros) também exercem esse tipo de auto-
ocupação, tal como registrado na metrópole cearense que apresentou, entre as
regiões pesquisadas, a maior proporção de membros não chefes na condição de
autônomos (47,1%). Percebe-se, assim, que, independentemente da posição do
indivíduo no domicílio, o trabalho autônomo é uma importante e expressiva forma de
inserção ocupacional nos mercados de trabalho metropolitanos.
Apesar disso, como se sabe, esse tipo de relação laboral é bastante marcada
pelo baixo padrão de remuneração na maioria dos casos, especialmente porque opera
24
em pequena escala, com tecnologias geralmente adaptadas e com qualificação
geralmente adquirida no “saber fazer” do que em meio à participação de cursos de
qualificação profissional oferecidos por entidades treinadoras especializadas, tais
como as do “Sistema S”, entre elas, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio
(SENAC), da Indústria (SENAI), do Transporte (SEST) e da Agricultura (SENAR), o que,
sobremaneira, dificulta o próprio aperfeiçoamento da atividade laboral. De outro lado,
isso não significa dizer que o conhecimento adquirido no “saber fazer” do ofício seja
menos importante do que as diretrizes emanadas pelos centros de formação, mas não
se pode negar a importância que algumas orientações, por mais básicas que se
apresentem, possam ter na dinâmica das auto-ocupações com relação à aquisição de
conhecimentos técnicos, tal como na orientação do manejo e do acondicionamento de
alimentos para aqueles que atuam no ramo alimentício, bem como das rotinas de
registro de fluxo de caixa na prestação dos serviços, principalmente porque em boa
parte das atividades desempenhadas pelos autônomos não há uma clara distinção de
separação entre capital e trabalho, entre outras orientações.
Sem maiores alternativas de apoio ou preparo para o exercício desse tipo de
modalidade ocupacional, o trabalhador autônomo prolonga sua atividade até quando
é possível. Aliás, mesmo com a defasagem de mais de uma década, um dado bastante
ilustrativo que retrata as vulnerabilidades das atividades ligadas à chamada “economia
informal” é que mais da metade desses empreendimentos no país não faz nenhum
tipo de registro contábil (53%), conforme apontara a pesquisa Economia Informal
Urbana (Ecinf) de 2003, do IBGE.
Diante desse tipo de situação é que se vê a importância de se conhecer mais
amiúde a própria atividade laboral para além das características pessoais desses
trabalhadores, o que é feito no capítulo seguinte, ao se investigarem os setores de
atividade econômica envolvidos, bem como o local e os instrumentais de trabalho, o
tempo de permanência na atividade laboral, dentre outras questões relevantes.
25
2 TRABALHO AUTÔNOMO, POR CONTA-PRÓPRIA OU “AUTO-OCUPAÇÕES”:
CARACTERÍSTICAS DE RELAÇÕES LABORAIS NÃO-ASSALARIADAS
Após serem levantadas as características pessoais dos trabalhadores inseridos
na condição de trabalhadores autônomos em algumas das principais metrópoles
brasileiras, tornou-se necessário conhecer mais amiúde esse tipo de atividade
econômica e laboral, especialmente com relação ao local em que são exercidas, se são
desempenhadas em meio às vias públicas, nos domicílios e/ou na própria residência do
trabalhador; bem como da posse dos instrumentais de trabalho e o tempo de
permanência no trabalho atual.
Nesse sentido, um dos primeiros aspectos investigados foi a identificação do
setor de atividade econômica que estes trabalhadores estão inseridos, se é na
comercialização de produtos e serviços ou na transformação de matérias-primas. A
análise setorial permitiu perceber que houve expansão da participação de autônomos
no setor da construção civil em todas regiões metropolitanas pesquisadas, haja vista
que a participação de profissionais nesse setor quase triplicou, entre 2009 e 2012.
Aliás, no conjunto das regiões abrangidas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego
(PED), a participação de autônomos na construção civil passou de 15,3%, em 2009,
para 42,6%, em 2012, fato que pode estar associado à própria dinamicidade que esse
setor adquiriu nos últimos anos, especialmente com as políticas de apoio ao seu
fomento, entre elas, linhas de financiamento com subsídios governamentais (“Minha
casa, minha vida)”, obras de infraestrutura e desoneração da carga tributária em
produtos vinculados a esse setor, as quais, sem sombra de dúvida, favoreceram a
expansão da construção civil em termos de ocupação e de atividade econômica
(Tabela 5).
26
Tabela 5 – Trabalhadores autônomos, segundo setor de atividade – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regionais
Indústria de Transformação
Comércio de Mercadorias
Serviços Construção
Civil Outros
2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012
Fortaleza 13,4 16,6 30,0 15,0 41,2 33,2 12,6 33,2 2,8 2,0
Recife 5,5 8,3 29,6 15,0 44,9 32,4 11,4 42,1 8,6 (1)
Salvador 4,3 6,8 23,4 15,5 55,1 25,8 14,2 47,9 3,0 4,0
Belo Horizonte 11,9 12,5 15,2 23,7 54,4 19,8 17,9 42,9 (1) (1)
São Paulo 11,1 12,7 19,2 20,5 51,4 21,0 17,8 45,0 (1) (1)
Porto Alegre 7,1 9,2 18,9 20,2 56,1 25,3 17,3 44,0 (1) (1)
Distrito Federal 7,7 8,5 19,9 21,6 52,1 22,8 16,4 46,5 3,8 (1)
Total Regional 9,2 11,1 22,7 18,5 50,0 26,1 15,3 42,6 2,8 1,7
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
(1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
Por outro lado, nota-se, nos dados apresentados, quedas expressivas de
profissionais autônomos ligados ao setor de serviços em todas as metrópoles
investigadas, bem como da atividade comercial nas metrópoles do Nordeste, que
possuem frações inferiores à média metropolitana nesse setor (18,5%). Tal
comportamento pode estar associado à própria mobilidade ocupacional da força de
trabalho entre os setores de atividade econômica, bem como da própria expansão do
emprego formal, sobretudo no setor terciário da economia, que, além de ser um dos
maiores empregadores de mão de obra, apresentou também significativa expansão na
geração de oportunidades de trabalho nos últimos anos, o que pode ter atraído boa
parcela de trabalhadores que, até então, desempenha autonomamente alguma
atividade laboral.
Outro setor de atividade que chama atenção é a indústria de transformação,
pois embora geralmente este setor necessite de um maior número de pessoas
engajadas nessa atividade, possuiu participação significativa entre os autônomos,
especialmente em algumas regiões que superaram a média metropolitana (11,1%),
como os casos de Belo Horizonte (12,5%), São Paulo (12,7%) e, principalmente,
Fortaleza (16,6%). Em 2012, para o conjunto das regiões metropolitanas pesquisadas
pela PED, 373 mil trabalhadores por conta-própria estavam ligados ao setor industrial.
E que tipo de atividades poderia estar relacionado ao trabalho autônomo no setor
industrial? Tomando como exemplo o caso de Fortaleza, região que apresentou maior
proporção de autônomos nesse setor, é possível destacar o ramo da confecção, que é
27
bastante significativo na metrópole cearense e que movimenta há décadas a economia
local.
É possível perceber, assim, que o trabalho autônomo está cada vez mais
disseminado entre os mais diferentes setores de atividade econômica ao ter diminuído
o peso que até então possuía nos segmentos ligados às atividades terciárias do
comércio e dos serviços, comportamento este que foi percebido em todas as regiões
metropolitanas pesquisadas. Importante mencionar que a maior representatividade de
autônomos no setor terciário era – e de certa forma ainda é – atribuída pelas
“menores” dificuldades que esse setor proporciona para o ingresso laboral, tal como
nas possibilidades de vendas comissionadas, em comodato e/ou de representação, às
quais geralmente não são exigidas maiores experiências profissionais e de capital
financeiro para o início do negócio, o que torna possível que milhares de pessoas
comercializem os mais diferentes produtos (roupas, cosméticos, livros, dentre outros)
nos domicílios, na chamada “venda direta” ou “porta em porta”, modalidade esta que
chega a ser até incentivada por grandes empresas nacionais e multinacionais, que se
utilizam dessa modalidade para comercializar seus produtos, entre eles, utensílios do
lar, cosméticos, eletroeletrônicos, consórcios e vestuário.
Outro exemplo bem típico é o de ambulantes que ocupam os diferentes
cruzamentos das grandes cidades, vendendo os mais diferentes produtos, em que
muitos destes estão sedimentados em práticas delituosas, entre elas, o contrabando e
a falsificação de mercadorias, ao mesmo tempo em que se configuram com uma das
poucas estratégias de sobrevivência de boa parcela dos trabalhadores locais. É diante
dessa difícil equação de coibir práticas delituosas e ao mesmo tempo assegurar os
postos de trabalho de milhões de brasileiros que as políticas públicas devem avançar
no apoio às atividades autônomas, preservando não apenas essas ocupações, mas o
direito de propriedade, as regras fiscais e tributárias, o uso regular dos espaços
públicos, entre outras questões.
Frente a essa realidade, tornou-se necessário investigar com maiores detalhes
como são exercidas essas atividades nos mercados de trabalho metropolitanos,
especialmente para se averiguar se elas poderiam estar mais relacionadas às
estratégias de subcontratação e/ou ao burlo às leis trabalhistas do que a meras
estratégias pessoais de ingresso no mundo laboral. Dessa forma, foi perguntado para
28
quem eles trabalhavam? A maioria afirmou que era para a população em geral,
proporção esta que cresceu de 73,9% dos entrevistados, em 2009, para 78,0%, em
2012; seguida daqueles que trabalham para uma empresa ou negócio (16,2%) ou para
vários estabelecimentos (5,8%), conforme pode ser observado detalhadamente na
Tabela 6.
Tabela 6 - Trabalhadores autônomos, segundo para quem trabalha - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas Para uma empresa ou
negócio Para mais de uma
empresa ou negócio Para a população
Em geral
2009 2012 2009 2012 2009 2012
Fortaleza 19,8 15,5 4,8 4,2 75,4 80,3
Recife 23,0 18,3 5,1 5,8 71,9 75,9
Salvador 8,4 5,9 3,9 2,2 87,7 91,9
Belo Horizonte 15,9 10,8 8,2 5,8 75,9 83,4
São Paulo 32,3 31,0 9,7 9,8 58,0 59,2
Porto Alegre 16,8 16,5 10,7 8,8 72,5 74,7
Distrito Federal 16,5 11,0 3,3 3,7 80,2 85,3
Total Regional 19,7 16,2 6,4 5,8 73,9 78,0
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
(1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
É possível perceber que o trabalho para uma única empresa ou negocio é bem
expressivo na metrópole paulistana, fato que pode estar associado à própria
densidade demográfica e de empresas existentes nessa metrópole, tal como exemplo
as atividades de representação de firmas ou de técnicos mais especializados que
prestam seus serviços para o segmento empresarial. No entanto, constata-se que o
trabalho por conta-própria que realmente mais cresce nos grandes centros urbanos é
o do tipo mais “tradicional”, caracterizado pelas mais diferentes formas de
sobrevivência, como vendedores ambulantes, serventes, pedreiros, costureiros,
prestadores de serviços simples, entre outros.
Diante disso, percebeu-se a necessidade de se investigar o local onde estes
trabalhadores desempenham suas atividades não apenas para obter maiores
conhecimentos sobre esse segmento laboral, mas para poder facilitar ações que
melhorem o cotidiano desse expressivo contingente de trabalhadores existente nos
grandes centros urbanos.
Além do peso demográfico, há uma série de questões para que se foque a
atenção na situação social desse segmento de trabalhadores. Um dos aspectos
29
marcantes e bem preocupantes com relação a esse tipo de engajamento no mercado
de trabalho é a ausência de proteção trabalhista e previdenciária, haja vista que a
maior parcela desses trabalhadores não possui nenhum tipo de formalização do
exercício da atividade econômica, seja como autônomo, seja como
Microempreendedor Individual (MEI), personalidade jurídica que fora criada nos
últimos anos pelo governo federal como meio de incentivar a formalização das
ocupações autônomas e o acesso ao sistema de proteção previdenciária com um custo
financeiro mais baixo e menos burocrático para o seu ingresso.
No entanto, as informações da PED apontam que 78% dos trabalhadores
autônomos das regiões pesquisadas não possuem qualquer tipo de contribuição
previdenciária, proporção esta que ainda é mais expressiva na região metropolitana de
Fortaleza, uma vez que nove em cada dez trabalhadores (autônomos) locais disseram
não participar de qualquer regime previdenciário (Tabela 7). Em termos absolutos, no
conjunto das regiões pesquisadas, está se falando em mais de 2,6 milhões de pessoas
sem qualquer contribuição previdenciária, o que, sobremaneira, dá uma noção do
problema a ser enfrentando de vulnerabilidade de milhões de pessoas que
diariamente estão expostas aos riscos de acidentes de trabalho, doenças, desemprego
ou de aposentadoria (invalidez ou tempo de contribuição) e que não dispõem de um
sistema de proteção social que os ampare nesses momentos, o que torna necessário
que permaneçam continuamente ativos para que contem com uma fonte de renda
advinda do seu trabalho.
Tabela 7 - Trabalhadores autônomos, segundo a contribuição para a previdência social – Regiões metropolitanas e Distrito Federal – 2009/2012 (em %)
Regiões Metropolitanas Sim Não Sem declaração
2009 2012 2009 2012 2009 2012
Fortaleza 6,6 8,4 93,4 91,4 - (1)
Recife 9,1 14,7 90,9 85,3 - -
Salvador 15,2 19,7 84,8 80,3 - -
Belo Horizonte 23,0 36,8 77,0 63,2 - -
São Paulo 16,7 23,6 82,6 75,8 (1) (1)
Porto Alegre 30,5 40,6 69,5 59,4 - -
Distrito Federal 10,8 17,2 89,2 82,8 - -
Total Regional 15,1 21,9 84,8 78,0 (1) (1)
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais. (1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
30
Não obstante essa realidade, é possível perceber, nos dados apresentados, que
cresceu a cobertura previdenciária entre os trabalhadores nas citadas regiões, o que
pode ter sido motivada, entre outros fatores, pela própria figura do MEI, que
contabiliza 3,7 milhões de inscrições no país, segundo os relatórios estatísticos do
“Portal do Empreendedor”. Apesar desse marco, percebe-se que há uma proporção
quase tão expressiva quanto esta sem cobertura previdenciária se levarem em
consideração os resultados apurados somente na área de cobertura do Sistema PED,
isto é, em sete áreas metropolitanas (2,6 milhões de pessoas).
Observa-se, assim, que há muito que se avançar para a formalização desses
trabalhadores, na medida em que são profissionais que já estão há algum tempo no
exercício da atividade laboral, uma vez que dois em cada três autônomos
entrevistados nessas regiões disseram possuir cinco anos ou mais no trabalho atual
(Tabela 8), o que, sobremaneira, não deixa de ser um indicativo de maiores
resistências para mudanças mais bruscas na atividade a qual já estão habituados,
especialmente quando se leva em consideração não apenas a habitualidade e o risco
de enfrentar um “novo” trabalho, mas outras características pessoais, entre elas, o
baixo nível de escolarização e a idade mais elevada de boa parcela desse segmento
populacional.
Tabela 8 - Trabalhadores autônomos, segundo o tempo de serviço – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas
Até 6 meses Entre 6 e 12
meses Entre 1 e 2
Anos Entre 2 e 5
Anos 5 anos ou
mais
2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012
Fortaleza 17,6 14,0 6,4 5,0 7,4 6,6 11,8 10,8 56,8 63,6
Recife 18,7 20,0 5,3 4,8 5,8 5,2 9,9 8,9 60,3 61,1
Salvador 10,0 11,9 4,0 4,5 5,6 5,4 9,5 10,9 70,9 67,3
Belo Horizonte 7,1 3,9 4,0 2,9 5,3 3,6 10,4 9,3 73,2 80,3
São Paulo 20,3 16,3 6,3 5,6 7,7 6,4 11,9 11,7 53,8 60,0
Porto Alegre 11,1 7,7 4,5 3,1 5,5 5,3 9,6 9,6 69,3 74,3
Distrito Federal 10,7 11,3 5,2 5,0 6,7 7,2 12,2 12,6 65,2 63,9
Total Regional 14,2 12,6 5,2 4,5 6,4 5,7 10,9 10,6 63,3 66,6
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
Com efeito, o percentual de profissionais autônomos com tempo de trabalho
tão prolongado (cinco anos ou mais) é não apenas expressivo nas regiões
31
metropolitanas como também cresceu, entre 2009 e 2012, em cinco das sete regiões
analisadas, a saber: Fortaleza, Recife, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, o que,
em grande medida, sinaliza o enraizamento que esse tipo de inserção ocupacional
possui nos mercados de trabalhos locais.
Nesse caso, é importante ressaltar que o processo de ingresso dessas
populações nos mercados de trabalho locais e regionais constituiu uma situação
especial que acompanhou historicamente a evolução dessas economias no território
nacional. Em geral, este ingresso ocorreu majoritariamente em posições marginais
àquelas que paulatinamente se formaram nos principais centros urbanos do país,
ligadas especialmente ao setor público e ao processo de urbanização e de
industrialização da economia nacional, na transição dos séculos XIX e XX. Como em
geral não houve uma ação de integração do trabalhador nacional, especialmente
daqueles que por um longo período de tempo da história foram escravizados,
fomentou-se para boa parcela da população a prática de prestação de pequenos
serviços para a população, cuja modalidade de trabalho é habitualmente conhecida
como “bico”.
Assim, parece ficar mais nítida que as interpretações que tratam do “setor”, da
“economia” ou dos “processos de informalização” (CACCIAMALI, 1983; 2000; RIVERO,
2009) devem levar em consideração a complexidade desse fenômeno, com suas
dimensões institucionais, econômicas e socioculturais. Aliás, conforme já mencionado,
esse tipo de estratégia de inserção ocupacional possui um peso expressivo nos grandes
centros urbanos, mesmo com a expansão do trabalho assalariado nos últimos anos.
Diante das diferentes formas de inserção ocupacionais há que se destacar
também que uma parcela nada desprezível de trabalhadores exerce pontualmente
esses pequenos serviços como estratégia de sobrevivência (“bicos”) que podem vir a
se firmar como autônomos, dependendo da regularidade do exercício da atividade
laboral. Nesse caso, no conjunto das regiões metropolitanas investigadas pela PED,
havia pelo menos 365 mil pessoas na situação de desemprego pelo trabalho precário,
no ano de 2012. É importante notar que este tipo de situação está ligado às iniciativas
de um trabalho precário prestado pelos trabalhadores, tal como o caso do “bico”, em
concomitância às iniciativas de procura por trabalho. Vale ressaltar que é a natureza
esporádica e não habitual desse tipo de relação laboral que diferencia este tipo de
32
atividade na condição de trabalho precário das iniciativas de auto-ocupações, que se
abordam neste estudo.
Essa diferenciação é importante para mostrar claramente que, para além do
exercício do trabalho autônomo propriamente dito, há outras formas laborais que são
até mais precarizadas e que garantem a sobrevivência de parcelas nada desprezíveis
das populações dos principais centros urbanos do país. Nesse aspecto, a maior parte
dos problemas do trabalhador autônomo emerge de seu distanciamento com o marco
regulatório do ponto de vista fiscal, tributário, previdenciário e trabalhista.
Nessa direção, nota-se que a maior parcela desses trabalhadores no conjunto
das regiões pesquisadas já está há um bom tempo exercendo esse tipo de trabalho e
nesse tipo de situação, caracterizada pela ausência de proteção trabalhista e
previdenciária. Embora nada disso seja novidade, a conjunção desses fatores traz mais
uma vez à tona a gravidade de um problema que historicamente pouco se avançou em
termos de políticas públicas do trabalho. Aliás, o advento do Microempreendedor
Individual (MEI) pode ser talvez uma das poucas iniciativas de envergadura de âmbito
nacional para esse segmento de trabalhadores, ao longo das últimas décadas. Isto
porque, embora pudessem até ser mencionadas as experiências de microcrédito,
desenvolvidas no país, especialmente após os anos 1990, como forma de apoio a esses
profissionais, estas estavam mais relacionadas ao perfil mais institucionalizado das
atividades econômicas enquanto personalidades jurídicas constituídas, mesmo que por
um elo mediado com o apoio de alguma entidade associativa – Organizações Não
Governamentais (ONGs), Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIPS), entre outras – para o acesso às linhas de financiamento.
Em outras palavras, uma situação bem diferente da realidade do perfil majoritário dos
trabalhadores autônomos mais “tradicional” até aqui elencado, especialmente pelo
baixo nível de formalização de sua atividade laboral. Com efeito, cabe mencionar que o
próprio Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) já desenvolveu um tipo de
experiência com esse segmento laboral, através de algumas ações do Programa de
Geração de Emprego e Renda (PROGER), em meados dos anos 1990.
Nesse sentido, é possível até dizer que o advento do MEI pode ser considerado
como uma forma de maior aproximação da realidade objetiva dos trabalhadores
autônomos mais tradicionais com a necessidade subjetiva de constituição de uma
33
personalidade jurídica – isto é, uma inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
(CNPJ) - para que possa tornar acessível a esses trabalhadores as linhas de
financiamento, as iniciativas das compras governamentais, entre outros benefícios.
Para além das ações de âmbito nacional, não se pode perder de vista as
diversas experiências locais e regionais que surgiram ao longo das últimas décadas e
que muitas delas acabaram sendo replicadas em outras localidades, tal como a
construção de um Centro do Trabalhador Autônomo (CTA) que reúne as demandas de
serviços para esses profissionais e os encaminha para atividade laboral através da
intervenção governamental de intermediação e de qualificação profissional. Neste
caso, cabe chamar atenção que uma das experiências pioneiras de CTA no país surgira
no Ceará, ainda no início dos anos 1980, através de iniciativa do governo estadual, cujo
serviço perdura até os dias atuais e que foi considerado, tanto pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) quanto pelo próprio Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE), como boa prática de serviço público de emprego, no Brasil
(CACCIAMALI et al, 2011).
Por sua vez, ao se falar em trabalho autônomo, não se pode deixar de levar em
consideração o papel que os poderes públicos municipais possuem na efetividade do
desenvolvimento das auto-ocupações, haja vista que tais atividades são basicamente
exercidas na municipalidade. Historicamente, há inúmeros relatos de confronto entre
as autoridades públicas constituídas com os “camelôs” ou “ambulantes” – numa
terminologia mais institucionalizada pelas prefeituras municipais – ao estarem
mediando a ocupação “irregular” ou “regular” das vias públicas, bem como pela
“licitude” ou “ilicitude” de boa parcela das atividades laborais, ao existir em muitos
casos a comercialização de produtos falsificados e/ou contrabandeados nas ruas das
principais cidades brasileiras, em que muitas delas representam verdadeiros polos
econômicos pelo montante de recursos financeiros que movimentam. A Rua 25 de
março, na Capital paulista, é um claro e emblemático exemplo dessa realidade por
atrair diariamente milhares de pessoas das mais diferentes partes do país e até para
além de suas fronteiras - entre eles, chineses, coreanos, paraguaios, bolivianos e
libaneses – no comércio das mais diferentes mercadorias.
Percebe-se, assim, que a intervenção pública para o fomento do trabalho
autônomo deve levar em consideração um pacto federativo entre as mais diversas
34
instâncias de governo (federal, estadual e municipal) e os seus mais diferentes órgãos
para que possam ser coibidas atividades ilícitas, ao mesmo tempo em que sejam
capazes de dar maior guarida àquelas iniciativas que surgem nos municípios e que
necessitam de amparo legal para continuarem sendo executadas. Em Fortaleza, por
exemplo, a atividade de mototaxista passou por um processo de regulamentação a
partir do momento em que tal serviço despontou na cidade, mesmo sem nenhum
amparo legal para o seu funcionamento, embora em meio à pressão exercida pelos
profissionais acabou sendo regulamentado pelo poder público municipal. Aliás, esse
serviço já está presente em mais da metade das cidades brasileiras (IBGE, 2008).3
Tendo em vista as especificidades dos milhões de trabalhadores que estão
inseridos no mercado de trabalho nacional na condição de trabalhadores por conta
própria, buscou-se avaliar o local em que esses profissionais desempenham
cotidianamente suas atividades. Nesse aspecto, no conjunto das regiões investigadas,
verificou-se que a maior parcela desses trabalhadores desempenha suas atividades
fora de suas residências, especialmente em prédios, salas ou galpões (30,2%), situação
esta que é bem mais expressiva na metrópole paulistana (40,8%), o que pode estar
associado à maior vinculação de profissionais dessa região com o setor empresarial,
conforme já mencionado. Em seguida, destaque-se que outra parcela significativa de
trabalhadores não dispõe de locais fixos para o exercício da atividade laboral, mas que
contam com algum equipamento para tal (28,4%), proporção esta que oscila entre
19,2% dos trabalhadores na RMF e 35,9%, no Distrito Federal (Tabela 9).
3 Em 2008, o IBGE apurou que dos 5,6 mil municípios brasileiros, o serviço de mototáxi estava presente
em 2,9 mil deles, especialmente naqueles com até 50 mil habitantes (IBGE, 2008).
Tabela 9 - Trabalhadores autônomos, segundo o local de trabalho - Regiões metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas
Na residência, em cômodo adaptado
Na residência, em cômodo não adaptado
Fora da residência: em prédio, casa, sala ou galpão
Fora da residência: em
barraca ou banca
Sem instalações fixas: táxi, caminhão, kombi ou
barco
Sem instalações
fixas, mas com algum
equipamento
Sem instalações fixas e sem
equipamento
Outro local
2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012 2009 2012
Fortaleza 13,7 12,7 16,9 20,0 28,7 24,9 4,1 3,6 4,6 5,2 21,2 19,9 10,4 13,5 (1) (1)
Recife 9,3 9,1 16,2 16,4 29,2 26,3 5,6 5,9 6,8 7,6 20,4 22,9 11,7 11,5 (1) (1)
Salvador 6,4 7,5 14,6 12,4 23,4 24,7 6,1 5,9 7,0 8,1 34,2 34,9 8,0 6,1 (1) (1)
Belo Horizonte 9,3 12,8 13,8 8,9 36,3 33,6 1,5 (1) 7,6 9,1 27,9 32,8 3,3 (1) (1) (1)
São Paulo 5,2 5,7 12,6 11,8 39,3 40,8 2,3 (1) 6,3 6,4 24,8 25,1 9,3 8,2 (1) (1)
Porto Alegre 11,0 8,8 8,7 8,0 35,3 38,1 (1) (1) 5,9 7,3 34,0 34,2 3,5 (1) (1) (1)
Distrito Federal 10,4 12,6 14,9 12,4 26,7 21,9 4,7 3,9 4,8 7,6 31,3 35,9 7,0 5,6 (1) (1)
Total Regional 9,5 9,8 14,2 13,3 31,5 30,2 3,6 3,4 6,0 7,2 27,0 28,4 7,9 7,4 0,3 (1)
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
(1) A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
É importante sublinhar também que uma proporção de quase ¼ deste
contingente profissional utiliza suas próprias residências como local de trabalho
(23,1%), cuja proporção equivale a um contingente de 777 mil pessoas, nas regiões
estudadas. Esse percentual foi maior na RMF (32,7%) do que nas demais áreas
metropolitanas, o que torna necessário também mencionar que a maior parcela dessas
residências não possui nenhuma adaptação para o exercício da atividade laboral,
realidade esta presente em quatro das sete regiões pesquisadas (Gráfico 3).
Gráfico 3 – Proporção de trabalhadores autônomos que trabalham na própria residência, segundo a condição do cômodo para o exercício da atividade laboral – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 2012
12,7
9,1
7,5
12,8
5,7
8,89,8
20,0
16,4
12,4
8,9
11,8
8,0
12,413,3
12,6
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
Fortaleza Recife Salvador Belo
Horizonte
São Paulo Porto
Alegre
Distrito
Federal
Total
Regional
Adaptado Não adaptado
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
Esta é, sem dúvida, outra informação importante para o delineamento de
políticas públicas para o fomento das auto-ocupações, uma vez que boa parcela de
trabalhadores que se enquadra nessa situação afirmara não possuir nenhuma
adaptação em sua residência para o exercício da atividade laboral, o que,
sobremaneira, traz também enormes desafios para o poder público e para a sociedade
de maneira geral, ao não poder haver maiores fiscalizações das instituições
governamentais no combate às possíveis irregularidades que podem ocorrer dentro
dessas residências, devido à própria inviolabilidade dos domicílios, que é
37
constitucionalmente assegurada, salvo em casos de flagrante delito e/ou acidente,
tornando necessário o engajamento das mais diferentes instâncias e órgãos do poder
público para que possíveis problemas possam ser evitados, entre os quais, é possível
mencionar a questão da vigilância sanitária com relação ao manejo, condicionamento
e descarte de produtos orgânicos e/ou inorgânicos, produção de barulho e ruído em
níveis elevados dentro de áreas residenciais, da precarização das relações de trabalho
em atividades que apresentem maior número de pessoas engajadas na atividade
econômica e que descaracterizem a própria condição de trabalhadores por conta-
própria ao poder estar relacionada a casos de subcontratação e/ou de contratação
sem carteira de trabalho assinada, nas chamadas “fábricas de fundo de quintal”.
Por sua vez, uma política pública do trabalho voltada a essa forma de inserção
ocupacional poderia levar em consideração a disponibilidade de linhas de crédito para
adaptação das residências e para aquisição de equipamentos para melhoria da
atividade laboral (telefone, computador, fogão, máquina de costura, dentre outras),
uma vez que uma proporção significativa de profissionais disse não possuir
equipamentos próprios para o desempenho de sua atividade (17,9%), o que põe em
xeque a própria terminologia de “autônomo” ao existir algum elo de dependência – e
até mesmo de subordinação - desse trabalhador com alguma pessoa,
independentemente de ser na modalidade física ou jurídica (Tabela 10).
Tabela 10 - Trabalhadores autônomos, segundo a posse dos instrumentos de trabalho – Regiões metropolitanas e Distrito Federal - 2009/2012
Regiões Metropolitanas Próprios De outra pessoa ou
de uma empresa
2009 2012 2009 2012
Fortaleza 76,1 79,5 23,9 20,5
Recife 74,1 78,2 25,9 21,8
Salvador 86,3 90,5 13,7 9,5
Belo Horizonte 85,6 89,8 14,4 10,2
São Paulo 70,7 71,6 29,3 28,4
Porto Alegre 83,6 87,4 16,4 12,6
Distrito Federal 77,6 82,2 22,4 17,8
Total Regional 78,4 82,1 21,6 17,9
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
38
2.1 Rendimentos
Outra característica marcante do trabalho autônomo, além das jornadas de
trabalho prolongadas e da inexistência de mecanismos de proteção trabalhista e
previdenciária, é o baixo padrão de remuneração dessa forma de inserção ocupacional
para a maioria dos casos. Metade dos trabalhadores pesquisados disse que possuía um
padrão de remuneração que girava entre meio salário até pouco mais de um salário
mínimo, que era de R$ 622, em 2012 (Tabela 11). Tal diferenciação no padrão de
rendimentos pode ser compreendida pela própria desigualdade regional, uma vez que
enquanto os trabalhadores nordestinos auferiam rendimentos de algo em torno de R$
800, os das demais regiões metropolitanas ultrapassam o patamar de R$ 1.300 (São
Paulo e Distrito Federal) e R$ 1.400 (Belo Horizonte e Porto Alegre), conforme ilustra a
Tabela 11.
Os dados mostram que o menor padrão de rendimento no exercício do
trabalho autônomo foi percebido em Fortaleza (R$ 770) e o maior, em Porto Alegre (R$
1.438). A disparidade é tão expressiva que o parâmetro de rendimento do trabalhador
porto-alegrense chega a ser o dobro do fortalezense, algo, em alguma medida,
esperada, devido à própria diferenciação das desigualdades regionais de rendimentos,
Tabela 11 - Rendimento Médio Real(1)
dos Autônomos no Trabalho Principal – Regiões Metropolitanas e Distrito federal – 2009/2012
Regiões Metropolitanas Ano
2009(2)
2012(3)
Fortaleza 519 770
Recife 495 790
Salvador 708 797
Belo Horizonte 1.001 1.428
São Paulo 974 1.372
Porto Alegre 1.023 1.438
Distrito Federal 910 1.314
Fonte: Convênio IDT/Sine-CE, STDS, Fundação Seade-Dieese e MTE/FAT. (1) Inflatores utilizados: IPCA/BH/Ipead; IPC-IEPE/RS; INPC-RMF/IBGE; INPC-RMR/IBGE/PE; IPC-SEI/BA; ICV–Dieese/SP; INPC-DF/IBGE. (2) Valores em reais de novembro de 2009. (3) Valores em reais de novembro de 2012.
39
continuamente monitorada pelo Sistema PED. Há, assim, que se pensar numa
estratégia nacional para o desenvolvimento das auto-ocupações ao mesmo tempo em
que as particularidades regionais sejam levadas em consideração, dadas as próprias
especificidades das cidades brasileiras.
Diante das diferenças de padrão de rendimento dos trabalhadores por conta
própria, nota-se que uma parcela significativa de entrevistados disse ter
disponibilidade para trabalhar mais horas do que o habitual (16%) – a jornada média
de trabalho gira em torno de quarenta horas semanais -, fato que pode estar associado
tanto ao baixo padrão de rendimento quanto pelo desejo de incrementar a renda
individual.
Em termos regionais, a jornada média de trabalho semanal foi menor nas
regiões metropolitanas de Fortaleza e São Paulo (38 horas) e mais prolongada, no
Recife (44 horas), conforme ilustra a Tabela 12.
Em síntese, nota-se que a maior parcela dos trabalhadores autônomos está
envolvida em atividades com baixo padrão de rendimento, especialmente quando se
leva em contraste a duração (média) de suas jornadas laborais, que são bastante
significativas. Essa constatação evidencia a necessidade de elevação do valor agregado
dos serviços prestados pelos trabalhadores autônomos como forma de elevar não
somente o padrão de rendimento obtido com o seu labor como também lhes
assegurar maiores possibilidades de formalização de sua atividade econômica, tal
Tabela 12 – Estatísticas da duração da jornada de trabalho semanal – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 2009/2012
Regional Média Mediana
2009 2012 2009 2012
Fortaleza 39 38 40 40
Recife 43 44 44 45
Salvador 38 39 40 40
Belo Horizonte 39 40 40 40
São Paulo 39 38 40 40
Porto Alegre 41 42 40 40
Distrito Federal 40 40 40 40
Total Regional 40 40 40 40
Fonte: Convênio Seade–Dieese, MTE/FAT e convênios regionais.
40
como na própria experiência do MEI, que, ainda mesmo com os resultados já
alcançados, possui um desempenho muito tímido frente ao universo de trabalhadores
autônomos existentes nos grandes centros urbanos do país, conforme já ilustrado.
Nesse sentido, um programa que proporcionasse uma formação profissional
desses trabalhadores, que basicamente atuam no “saber fazer” (ou “na marra” como
geralmente é narrado por eles nas suas falas), poderia ter mais eficácia nos ganhos de
produtividade e no padrão de rendimento desses trabalhadores, possibilitando, entre
outras coisas, o acesso ao sistema de contribuição previdenciária que ainda parece ser
algo muito distante da realidade da maior parcela desses profissionais, que, muitas
vezes, acabam sendo cobertos por outras ações de seguridade social, especialmente
de assistência social, pelo quadro de pobreza e miséria em que vivem do que pela sua
própria capacidade laborativa e contributiva, devido especialmente pela informalidade
de suas relações de trabalho ao longo de seu ciclo de vida. É desse desafio que trata o
capítulo seguinte.
41
3 POR UMA ESTRATÉGIA NACIONAL PELAS AUTO-OCUPAÇÕES
As raras iniciativas de políticas do trabalho para aqueles que exercem o
chamado trabalho autônomo ou por conta-própria revelam a concepção de uma
sociedade que estava mais voltada aos estereótipos das sociedades capitalistas mais
industrializadas e menos heterogêneas quanto às formas de inserção ocupacional, haja
vista o expressivo peso que o trabalho assalariado, notadamente, o regulamentado,
possuía nessas sociedades. Mas as intempéries nas economias mundiais, ao longo dos
últimos anos, tendem a refletir interpretações diferentes com relação às formas de
inserção ocupacional e aos maiores estímulos para as iniciativas de auto-ocupações, o
que, sobremaneira, revigora o interesse da comunidade internacional por esse tema
que, durante um longo período de tempo, fora tratado meio como uma mera
particularidade dos países subdesenvolvidos.
Por conta disso, predominaram as políticas do trabalho voltadas tanto à
geração de emprego quanto para a fiscalização das relações laborais, especialmente
com relação a algumas questões, entre elas, o padrão de remuneração e as condições
de trabalho no que diz respeito à questão da salubridade dos ambientes, duração das
jornadas laborais e intervalos de repouso, uso de máquinas e de equipamentos de
proteção individual, iniciativas de combate de condutas discriminatórias no mundo do
trabalho, dentre outras questões. Nesses termos, a auto-ocupação foi tratada bem ao
largo das políticas públicas do trabalho, mesmo com algumas experiências localizadas
as quais se têm relato de algum apoio a essa forma de inserção ocupacional por
entidades governamentais ou não-governamentais.
Dentro dessa perspectiva, cabe mencionar que o trabalho autônomo fora
tratado, por um longo período de tempo, como uma mera alternativa daqueles que
não conseguiam se colocar no segmento mais formalizado do mercado de trabalho
nacional, embora o período mais recente tenha demonstrado claramente que essa
forma de inserção ocupacional se evidencia bastante e de forma persistente no
contexto de crescimento econômico e de expansão do emprego formal, o que não
deixa de trazer à tona a complexidade dessa questão ao não ser reflexo de uma mera
escassez de postos de trabalho, como costumeiramente esse tema ainda é tratado.
42
De outro lado, a situação ocupacional dos trabalhadores que atuam por conta
própria ainda é bastante precária. Sem contar, na maioria dos casos, com um sistema
de seguridade social, este segmento populacional fica desassistido nas possíveis
situações de enfermidade e de acidentes de trabalho, o que pode tornar sua
remuneração não apenas instável como incerta. Em virtude disso, torna-se necessário
o esforço de uma verdadeira “força tarefa”, das mais diferentes instâncias do poder
público, para tentar regulamentar as atividades econômicas que envolvem o trabalho
por conta própria com relação ao uso do espaço público, especialmente no caso do
comércio ambulante muito presente nas grandes cidades ou dos locais não adaptados
para o fim de atividade comercial, tal como constado nos dados apurados pela PED em
que o uso das próprias habitações dos trabalhadores não é algo raro de acontecer.
Na realidade, as políticas direcionadas a essa questão historicamente carregam
consigo um legado de repressão a esse tipo de atividade econômica, tanto com relação
ao uso irregular dos espaços públicos quanto no combate aos atos ilícitos que estão
presentes em boa parte dessas atividades, ao serem comercializados produtos
falsificados e/ou contrabandeados. Por conta disso, é preciso reconhecer que embora
existam muitas similitudes no perfil das características socioeconômicas dos
trabalhadores autônomos para serem Microempreendedores Individuais (MEIs) nem
todos eles podem sê-lo, dada a própria natureza da atividade econômica em que boa
parcela dessa força de trabalho está engajada. Nesse caso, a política de trabalho
voltada para esse segmento laboral não pode deixar de levar em consideração a
necessidade de regulamentar muitas das atividades que surgem no cotidiano das
cidades e que não possuem regulamentação, tal como o caso exemplificado dos
mototaxistas, que passaram ser reconhecidos como atividade econômica e laboral em
boa parcela das cidades brasileiras, ao mesmo tempo em que é necessário coibir os
atos ilícitos que estão muito presentes na economia informal.
Dentro desse horizonte de apoio governamental a essas auto-ocupações, é
preciso reconhecer algumas linhas de ação para o êxito de qualquer programa voltado
a esse segmento de trabalhadores. Um primeiro aspecto a ser levado em consideração
é o reconhecimento de que esse tipo de atividade não está meramente associado à
escassez de oferta de postos de trabalho e/ou de um perfil de mão de obra que não
consegue ter êxito nos processos seletivos das empresas, embora não se possa
43
desprezar algum grau de consonância com essas questões. Na realidade, trata-se de
um segmento complexo de trabalhadores que buscam empreender por conta própria
e que, independentemente do cenário econômico, estão presentes de maneira bem
representativa na estrutura ocupacional da população economicamente ativa.
Numa segunda linha de ação encontra-se a necessidade dos esforços para uma
ambiência de crescimento econômico, especialmente de caráter sustentável, dado que
a expansão do emprego e, consequentemente, da massa salarial, repercute direta e
indiretamente na maior demanda por serviços, o que sustenta e incrementa o padrão
de rendimento do trabalho autônomo, haja vista que a maior parcela desses
trabalhadores presta serviços para a população em geral através da comercialização
dos mais diferentes produtos (lanches, refeições, vestuário, dentre outros), de
consertos e reparos (reformas de vestuário ou no segmento da construção civil, por
exemplo), de serviços pessoais de estética (cabeleiras, manicures, esteticistas, dentre
outras) ou de conservação das residências (jardinagem e limpeza, por exemplo).
Em uma terceira linha de ação devem ser levadas em consideração as ações no
campo da qualificação profissional e da intermediação de profissionais para prestação
dos serviços autônomos, principalmente entre aqueles serviços que são mais
representativos e mais demandados pela sociedade em geral, entre eles, o caso das
diaristas, babás, cuidadoras de idosos, pedreiros, pintores, cozinheiros, eletricistas,
bombeiros hidráulicos, dentre outros. Nessa esfera de atuação, a experiência do
Centro do Trabalhador Autônomo (CTA) pode ser uma boa alternativa, desde que
dotado de uma estrutura que assegure o atendimento de demandas em largas escalas
para prestação desses serviços para a sociedade, ao mesmo tempo em que conte com
subvenções orçamentárias do poder público para realização de peças publicitárias
dentro da própria cota governamental para manutenção e estímulo das demandas
para esse tipo de serviço. É importante sublinhar a importância de um subsídio como
este, pois não são raras as vezes que as iniciativas governamentais conseguem
disponibilizar novas estruturas físicas e estas se depreciam rapidamente ao longo do
tempo pela própria dinâmica do fluxo de pessoas que recorrem aos equipamentos
públicos, quanto pela carência de recursos financeiros para manutenção, ou da própria
descontinuidade da política, tornando necessária que uma ação como esta seja uma
política de Estado e não de governo.
44
Uma quarta linha de ação pode estar relacionada àqueles que querem exercer
efetivamente a sua autonomia sem qualquer elo de subordinação ou de
intermediação. Nesse caso, há que se viabilizar para estes profissionais ações no
campo da qualificação profissional, obtenção de crédito e assessoramento técnico. Em
todas as regiões pesquisadas, a presença de trabalhadores que atuavam em estruturas
não adaptadas para a atividade econômica e laboral atingiu patamares significativos, o
que retrata a necessidade de iniciativas que assegurem maiores adaptações com
relação não somente a infraestrutura física dos locais de trabalho, em que em boa
parcela dos casos se dá até mesmo em algum cômodo das próprias residências, como
também para a compra de equipamentos próprios, haja vista que aproximadamente
um em cada cinco trabalhadores entrevistados disse que não contava com a
propriedade dos equipamentos que utilizava. Interessante chamar atenção que,
embora já exista há um bom tempo diversas linhas de microcrédito, que de alguma
maneira atende a esse tipo de demanda, estas ações são insuficientes e muitas vezes
inadequadas para dar conta de uma efetiva realidade de sustentabilidade das auto-
ocupações, especialmente pela carência de um apoio mais integrado de
acompanhamento e assessoramento técnico para o desempenho dessas atividades.
Nesse caso, ainda que possa parecer bastante óbvia para o êxito dessa linha ação a
perspectiva de coordenação entre as políticas creditícias e as políticas de qualificação
profissional e de assessoramento técnico, estas iniciativas são muitos raras, o que
acaba favorecendo os elevados índices de mortalidade dos pequenos negócios em que
boa parcela deles não sobrevive aos dois primeiros anos de existência.
Dentro desse horizonte, as políticas de incentivo ao trabalho por conta própria
devem estar articuladas e integradas com a política nacional de qualificação
profissional, de acordo com as especificidades locais e regionais. É o caso, por
exemplo, dos cursos oferecidos pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
ao Emprego (PRONATEC), o qual poderia possuir linhas de ação especificas para as
iniciativas de trabalho por conta-própria, cuja forma de inserção ocupacional é
bastante expressiva na maioria dos municípios brasileiros que não dispõem de
mercados de trabalho mais estruturados.
Na quinta linha de ação, deve-se procurar estabelecer um núcleo de apoio aos
trabalhadores autônomos que poderia existir dentro das unidades do Sistema Nacional
45
de Emprego (SINE) devido à própria capilaridade dessa rede de atendimento que está
presente em milhares de municípios brasileiros, mesmo com todas as deficiências
existentes na maioria dessas sedes, em termos de infraestrutura e de acessibilidade.
Está bastante clara a necessidade não somente de um espaço, mas de um interlocutor
que preste suporte ao trabalhador autônomo, quando for necessário, especialmente
disponibilizando o acesso integrado às diferentes políticas do trabalho, caracterizadas
pela intermediação de profissionais, seguro-desemprego, geração de informações e
qualificação profissional. Com maior orientação e proximidade com os trabalhadores,
melhores são as condições de desenvolvimento das auto-ocupações e, por
consequência, menores os níveis de inadimplência que chegam a patamares
expressivos, tal como no caso dos MEIs em que mais da metade dos trabalhadores
inscritos nessa personalidade jurídica está inadimplente, conforme estatísticas
elencadas pelo próprio governo federal. Na realidade, esse elevado nível de
inadimplência não deixa de ser um indicativo da carência de apoio a esse segmento
profissional a qual perpassa outras questões para além do reducionismo que se tenta
instituir da incapacidade contributiva desses trabalhadores, tal como a própria falta de
informações para quem e onde devem recorrer esses trabalhadores nos casos de
problemas, entre outras questões.
E, por fim, numa sexta linha de atuação, encontra-se a necessidade da
articulação entre os mais diferentes órgãos governamentais nos três níveis de governo
(federal, estadual e municipal) para que as ações tenham mais eficácia, pois se, de um
lado, há necessidade de uma ambiência macroeconômica para o desenvolvimento das
auto-ocupações, de outro, é nas administrações estaduais e municipais que
geralmente acontecem os maiores problemas devido às maiores responsabilidades de
coerção às práticas ilícitas e de apoio aos trabalhadores. Em resumo, as ações em prol
da geração de trabalho e renda, com base no apoio às auto-ocupações, devem levar
em consideração a segmentação do mercado de trabalho brasileiro e incorporar
parcela expressiva da força de trabalho nacional que historicamente fora tratada à
margem de qualquer iniciativa de grande envergadura, em termos de incentivos e de
ações planejadas de apoio governamental, haja vista não somente a
representatividade deste segmento laboral na ocupação total, mas as precárias
46
condições laborais em que boa parte deles ainda está inserida, no cotidiano de grande
parcela das cidades brasileiras.
47
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfoque dado neste estudo sobre as iniciativas de auto-ocupações (trabalho
autônomo ou por conta própria) visa superar a escassez de análises e de políticas
públicas voltadas a esse significativo contingente de trabalhadores. Esta debilidade
está associada em grande medida ao estereótipo do modelo da sociedade salarial do
século XX e ao estigma de que o “bom emprego” é o trabalho assalariado.
Em função disso, esquece-se dos movimentos subjacentes ao qual boa parcela
da força de trabalho nacional está submetida, mesmo entre aqueles que conseguem
os postos laborais mais regulamentos (“formal”, “registrado” ou “fichado”), tal como a
elevada rotatividade dos postos de trabalho que ocupam – mais da metade dos
empregos criados não duram mais do que doze meses – e dos baixos salários que são
ofertados, salvaguardados na maioria dos casos pela força constitucional da
remuneração mínima, mesmo com as iniciativas de valorização do salário mínimo
empreendida pelo governo federal, nos últimos anos.
Como consequência, as iniciativas de políticas públicas para aqueles que
exercem o trabalho autônomo foram bem residuais. Ainda que o advento do
Microemprendedor Individual (MEI) possa ser considerado um avanço recente na
escassez de políticas específicas para esse segmento de trabalhadores, esta iniciativa
possui grandes limitações ao não oferecer um atendimento integrado ao trabalhador
no acesso à informação, no conhecimento técnico especializado e nos recursos
materiais para aperfeiçoamento de sua atividade laboral, tal como os equipamentos
necessários para a sua execução. A elevada inadimplência dos trabalhadores inscritos
nessa personalidade jurídica é um claro e evidente indício dessa realidade.
Alinhando essa realidade com os achados apresentados nas páginas anteriores,
podem-se formular algumas observações conclusivas com respeito àqueles que
exercem o chamado “trabalho autônomo” ou “por conta própria”.
Em primeiro lugar, viu-se, que as características pessoais dos trabalhadores que
recorrem a essa forma de inserção ocupacional no mercado de trabalho são
constituídas predominantemente de uma população masculina e com mais idade,
embora não seja um segmento laboral tão homogêneo enquanto a primeira vista
48
possa aparecer, especialmente pela maior presença feminina nas metrópoles do
Nordeste.
Em segundo lugar é importante destacar que dois em cada três trabalhadores
autônomos já está há cinco anos ou mais no trabalho atual, o que não deixa de ser um
indicativo do enraizamento dessa atividade laboral no cotidiano desses indivíduos,
tornando necessária políticas de aperfeiçoamento as essas ocupações que geralmente
são precárias por produzirem em baixa escala, com baixo nível de organização e com
tecnologias via de regra adaptadas. Nada a se estranhar em se tratando de um
contingente laboral que possui grandes dificuldades no acesso ao crédito ao não
contarem na maioria dos casos com uma personalidade jurídica constituída ou de
garantias pessoais que lhes assegurem o acesso ao crédito frente às contrapartidas
exigidas pelos financistas.
Em função disso, sem uma ação efetiva do poder público esse tipo de realidade
continuará marcando a trajetória desse segmento de trabalhadores que não consegue
se formalizarem, mesmo com as iniciativas de barateamento do custo contributivo
colocado pelo governo federal, ao mesmo tempo em que sobrevivem até quando são
possíveis as suas chances ao estarem ao largo do marco legal ou até mesmo na
ilegalidade.
Com a passagem do mito do “pleno emprego” ou do “apagão de mão obra” ao
qual se atribuía ao mercado e a sociedade brasileira, buscou-se analisar um segmento
de trabalhadores que estão “alheios” ao trabalho assalariado e que massivamente
estão presentes nas cidades brasileiras, especialmente nos grandes centros urbanos.
Dessa maneira, espera-se contribuir para o entendimento de que essa forma de
inserção ocupacional não está apenas intimamente ligada a maior ou menor oferta de
postos de trabalho mais regulamentados, mas trata-se de um segmento complexo e
que necessita de políticas públicas específicas para o seu desenvolvimento.
49
REFERÊNCIAS
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