Trabalho, Corpo e Subjetividade

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Trabalho, Corpo e Subjetividade

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    Tra b a l h o, Ed u cao e Sa d e, v. 3 n. 2 , p. 4 0 9 - 4 2 8 , 2 0 0 5

    D E BATE DEBAT E

    Re s u m o Nos ltimos trinta anos de desenvo l v i-mento capitalista, ocorreram transformaes sig-n i f i c a t i vas nas dive rsas instncias do ser social,com destaque para o mundo do trabalho e da re-p roduo social. Desenvo l ve-se o toyo t i s m o,i d e o l ogia orgnica da nova produo cap i t a l i s t a , m o mento pre d o m i n a n t e da reestruturao pro-d u t i va do capital. Sob o toyo t i s m o, tende a cons-t i t u i r-se, pelo menos como pro messa frustradado capital, o que iremos denominar compre s s opsicocorporal. Esta constitui-se como um ele-mento da nova disposio scio-subjetiva ins-taurada pelo toyotismo que caracteriza uma no-va experincia do corpo, tanto no processo det r abalho quanto no processo scio-re p ro d u t i vo. Pa l av ras chave c apitalismo; toyotismo; globali-z a o.

    T RA BA L H O, CORPO E SUBJETIVIDADE: TOYOTISMO E FORMAS

    DE PRECARIEDADE NO CA P I TALISMO GLO BA L

    LA B O R , B O DY AND SUBJECTIVITY: TOYOTISM AND FORMS OF

    P R E CA R I ZATION IN GLO BAL CA P I TALISM

    G i ovanni Alves 1

    Ab s t ra ct M a ny significant transformations invarious instances of the social being took placeover the past thirty ye a rs of capitalist deve l o p-ment, especially in the sphere of labor and of so-cial re p roduction. That is the period when toyo-tism, the organic ideology of the new form of ca-pitalist production and the most important mo-ment in the pro d u c t i ve re o rganization of cap i-talism, was developed. Under the ideology oft oyotism, something we will name mind-bodyc o m p re s s i o n tends to take place (at least as ca-p i t a l i s m s unkept pro m i s e). This is a new ele-ment of the social and subjective arrange me n tinstituted by toyotism that characterizes a newway of experiencing the body both in labor andsocial re p roduction pro c e s s e s.Key wo rd s c apitalism; toyotism; globalization.

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    I nt rod u o

    O presente texto tem como objetivo ap resentar algumas consideraes sobreas mutaes da implicao subjetiva nas instncias do trabalho e da re p ro d u-o social sob as condies do capitalismo global e do desenvo l v i mento dore g i me de acumulao flex vel, cujo momento predominante o toyo t i s m o.Nos ltimos trinta anos de desenvo l v i mento capitalista, ocorreram transfo r-maes significativas nas diversas instncias do ser social, com destaque pa-ra o mundo do trabalho e da re p roduo social. importante ap re e n d e r m o sas novas determinaes do scio-me t abolismo do capital, buscando consta-tar as candentes contradies objetivas (e subjetivas) que eme rgem no pero-do histrico da crise estrutural do capital. Mais do que nunca, exige-se umaimaginao sociolgica capaz de nos permitir apreender no apenas as mis-rias do presente, mas as riquezas do possvel (Gorz, 2004).

    Neste ensaio, situare m o s, num prime i ro mome n t o, o perodo histrico damundializao do capital e suas transformaes pro d u t i va s, com destaque parao desenvo l v i mento de um novo re g i me de acumulao flex vel e seu mome n-to predominante, o toyo t i s m o. Consideramos que o toyotismo a ideolog i ao rgnica da produo capitalista, que tende a colocar novas determinaes nasformas de ser da produo e re p roduo social. O mundo do trab a l h o, com des-taque para os seus plos mais dinmicos de acumulao de valor e de basetcnica mais desenvolvida, tende a incorporar o esprito do toyo t i s m o. Seu l-xico penetra no apenas a indstria, mas os servios e a prpria administraopblica. Por isso, importante buscar ap reender seus significados histricose categoriais para explicarmos as mutaes estruturais do capitalismo global.

    claro que o toyotismo coloca novas determinaes para a produo doc apital. Entre t a n t o, tende a articular-se, muitas ve z e s, com dispositivos pre-tritos da racionalizao capitalista no caso, o tay l o r i s m o - fo rd i s m o. Nave rdade, como j salientamos, cabe a ns ap reender a descontinuidade nointerior de uma continuidade plena (Alve s, 1999). O toyotismo a ex p re s-so superior da racionalizao capitalista nos l o c i mais dinmicos da acumu-lao de va l o r, ex i g i n d o, na etapa desenvolvida do processo civilizatrio,uma nova implicao subjetiva, que temos salientado como sendo a cap-tura da subjetividade do trabalho vivo pelo capital (Alve s, 2000), de quetrataremos mais adiante.

    Alm de ap resentarmos o toyotismo e seu significado ontolgico para ap roduo do capital, suge r i remos novos elementos para refletirmos sobrea subjetividade do trabalho vivo, salientando que, ao dizermos subjetivi-dade, cabe distinguir, to-somente em sentido heurstico, conscincia, in-conscincia e pr-conscincia do sujeito.

    Ap re s e n t a re m o s, a ttulo de sugesto crtica, algumas hipteses sobre arelao corpo-mente e sua nova dinmica sob a acumulao flexvel e a lgi-

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    ca scio-re p ro d u t i va do capitalismo global. Nossa hiptese de trabalho que, sob o novo re g i me de acumulao flex vel, tende a ocorrer pelo me-nos como pro messa frustrada do capital o que denominaremos compre s-so psicocorporal. Um elemento da nova disposio scio-subjetiva instaura-da pelo toyotismo que caracteriza o novo modo de articulao corpo-me n t e ,tanto no processo de trabalho quanto no processo scio-reprodutivo.

    De certo modo, a sup rema contradio scio-histrica que se constituisob a mundializao do capital, e que tende a agudizar os fe n menos de es-t r a n h a mento, imprime a sua marca na subjetividade do trabalho vivo. Elase distingue da forma dominante no sistema tay l o r i s t a - fo rdista, que tendiaa separar corpo e mente. Como salientava Gramsci, com argcia, sob o fo r-dismo o crebro est livre para outras ocupaes, enquanto o corpo cap-turado pelas prescries mecanizadas (Gramsci, 1984). Esta relao pro b l e-mtica entre corpo e mente um dos elementos de crise do tay l o r i s m o -fo rd i s m o. Na ve rdade, sob a produo toyotista, corpo e mente tendem aser mobilizados pelo capital para se integrarem produo do valor. A bus-ca de uma nova implicao subjetiva na produo ps-fo rdista supe uman ova relao corpo-mente, o que significa no apenas uma nova disposiop s i c o - c og n i t i va, mas uma nova postura corporal capaz de recompor a sub-jetividade do trabalho vivo nas condies da acumulao flexvel.

    Mais uma vez cabe salientar que estamos diante de uma implicaovirtual, uma pro messa de emancipao inscrita no toyotismo (incluso nasinstncias scio-re p ro d u t i vas) frustrada pelo capital como sistema scio-me t ab l i c o. Apesar disso, possui plena efe t i v i d a d e, pelo menos no planoda re p resentao imaginria e simblica dos sujeitos/agentes sociais. Istosignifica que tal compresso psicocorporal, como suge r i remos neste en-s a i o, to problemtica quanto a suposta ciso corpo-mente que caracteri-zou a implicao moderna do capital na produo de me rc a d o r i a s. Na ve r-dade, mera ex p resso de uma contradio lancinante que dilacera a sub-jetividade do trabalho vivo na poca da decadncia histrica do cap i t a l( M s z ro s, 2002).

    O que mundializao do ca p i t a l

    O que veio a ser denominado mundializao do capital o processo de desen-vo l v i mento do capitalismo mundial sob a direo hegemnica do capital fi-n a n c e i ro que se consolidou nos ltimos vinte anos (Chesnais, 1995 e Alve s,2001). Qualquer anlise dos processos societrios que ocorrem em nossapoca deve ser precedida de uma ap reenso dialtica da natureza desta fa s ehistrica de desenvo l v i mento do capitalismo mundial. s a partir da to-talidade concreta do novo momento de desenvo l v i mento do sistema scio-

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    me t ablico do capital que podemos ap reender o significado essencial dosmais dive rsos processos societrios, principalmente aqueles ligados s ins-tncias da produo e reproduo social.

    O capital, em seu processo de expanso global irre f re vel e incontro l -vel, aparece, mais do que nunca, sob o capitalismo global do sculo XXI, co-mo uma totalidade concreta em mov i mento sistmico, permeada de contra-dies dilacerantes e marcada por algumas caractersticas essenciais, queapresentamos a seguir.

    P r i me i ro, a dinmica do capitalismo mundial est hoje sob a hege m o n i ado capital financeiro, capital especulativo-parasitrio que tende a imprimirsua marca sob as demais fraes do capital (o capital industrial e o cap i t a lc o me rcial). O capital financeiro re p resenta aquela frao de capitalistas quebuscam valorizar o cap i t a l - d i n h e i ro sem passar pela esfera da produo demercadorias, permanecendo, deste modo, no interior do prprio mercado fi-nanceiro. O desprezo pelo investimento produtivo e a busca avassaladora dere n t abilidade lquida e segura so os principais traos da natureza do cap i-tal financeiro. Ele floresce nos empre e n d i mentos com papis (aes, moedase ttulos pblicos) que se disseminaram nos ltimos vinte anos. A financei-rizao da riqueza origina-se, em suas determinaes essenciais, tanto dabusca exacerbada de valorizao de uma massa de cap i t a i s - d i n h e i ro, conti-da em sua valorizao real por uma crise estrutural de sup e r p roduo doc apital, quanto da crise fiscal do Estado capitalista e sua busca desesperadade financiamento de seu dficit pblico (Alves, 2001).

    Segundo, o capitalismo global tende a aparecer como o sistema de meta-bolismo social da produo destrutiva, isto , ser a ex p resso mais desenvo l-vida da lei da queda tendencial da utilizao dos va l o res de uso, do desper-dcio generalizado (Mszros, 2002).

    Te rc e i ro, o capitalismo global tende a ser a ex p resso histrica da maisdilacerante contradio do sistema do me t abolismo social do capital, ou seja,a contradio que o capital carre ga irre me d i ave l mente consigo, entre civili-zao e barbrie, entre o desenvo l v i mento das foras pro d u t i vas sociais enquanto pre s s uposto negado (mas efe t i vo) do processo civilizatrio eo desenvo l v i mento das relaes sociais do capital e do cap i t a l i s m o, postascomo obstculos plena realizao das possibilidades concretas de emanci-pao humano-genrica, pre s s upostas nos objetos de uso, produto do tra-balho socializado e da tcnica (Alves, 2001).

    F i n a l mente, importante salientar que, no bojo da globalizao comomundializao do capital, se desenvo l ve um novo re g i me de acumu l a of l ex vel, e com ele um complexo de reestruturao pro d u t i va cujo mome n t op redominante um novo modelo pro d u t i vo, o toyotismo (Alve s, 1999 e2000). A ideologia orgnica do toyo t i s m o, que se desenvo l ve no interior deuma III Revoluo Tecnolgica e Cientfica que atinge a produo de me r-

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    c a d o r i a s, tende a disseminar-se e a influenciar as novas determinaes domundo do trabalho. disto que trataremos a seguir.

    Crise ca p i t a l i s t a , re e s t ru t u rao prod u t i va e toyo t i s m o

    A partir da crise capitalista dos anos 1970, que atingiu os pases industriaismais desenvo l v i d o s, instaurou-se um novo re g i me de acumulao do cap i-tal, a acumulao flexvel, que se disseminou pelo mundo capitalista nas d-cadas de 1980 e 1990 (Harvey, 1992). O novo re g i me de acumulao flex ve ltendeu a satisfazer as exigncias do capitalismo mundial, sendo adequados novas condies de concorrncia e de valorizao do capital e ao novopatamar da luta de classes na produo.

    Foi o re g i me de acumulao flex vel que constituiu um novo complex ode reestruturao pro d u t i va cujo momento predominante passou a ser o toyo-t i s m o. Entre os mltiplos modelos pro d u t i vos disseminados a partir do modode organizao tay l o r i s t a - fo rdista (modelos sueco, italiano e alemo), o mode-lo japons conseguiu impor-se como o mais adequado quela etapa de criseestrutural do capital.

    claro que, de incio, o toyotismo foi identificado com o modelo jap o-ns e com o sucesso da indstria manu fa t u reira japonesa na concorrnciainternacional. Durante os anos 70 e 80, vrias tcnicas de gesto foram im-portadas do Jap o. Mas, no decorrer da mundializao do capital, o sistemaToyota com sua filosofia produtivista tendeu a assumir um valor unive rs a lpara o capital em pro c e s s o. Desprendeu-se de seu particularismo nacional.O toyotismo passou a incorporar uma nova significao para alm das par-ticularidades de sua gnese scio-histrica (e cultural), vinculada ao cap i t a-lismo japons.

    C abe perguntar: por que o toyotismo pode ser considerado um va l o ru n i ve rsal para a produo de me rcadorias sob as condies da mu n d i a l i z a-o do capital?

    Ora, em prime i ro luga r, suas condies ontolgicas originrias determi-naram suas prprias possibilidades de unive rs a l i z a o. preciso salientar queo toyotismo instaurado, originariamente, pela lgica do me rcado re s t r i t o,s u rgindo sob a gide do capitalismo japons dos anos 50, caracterizado porum me rcado interno dbil. Por isso, tornou-se adequado, em sua forma de ser,s condies do capitalismo mundial dos anos 80, caracterizado por umacrise de sup e r p roduo que coloca novas normas de concorrncia. Foi o desen-vo l v i mento (da crise) capitalista que constituiu, portanto, os novos padres degesto da produo de mercadorias, tal como o toyotismo, e no o contrrio.

    Em segundo luga r, a constituio do toyotismo tornou-se adequada n ova base tcnica da produo capitalista, vinculada III Revoluo Indus-

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    trial, que ex i ge uma nova subjetividade da fora de trabalho e do trab a l h ovivo, pelo menos dos operrios e empregados centrais produo de merca-dorias (as novas tecnologias de base microeletrnica, em virtude de sua com-p l exidade e alto custo, ex i gem uma nova disposio subjetiva do trab a l h oem cooperar com a produo). Ora, o toyotismo que propiciar, com maiorpoder ideolgico, no campo organizacional, os apelos administrao par-t i c i p a t i va, salientando o sindicalismo de participao e os CCQ (Crculos deC o n t role de Qualidade) re c o n s t i t u i n d o, para isso, a linha de montage m e instaurando uma nova forma de gesto da fora de trabalho.

    O aspecto essencial do toyotismo ex p ressar atravs de seus dispositi-vos e protocolos organizacionais (e institucionais) a busca de uma nova hege-monia do capital na produo como condio poltica (e scio-cultural) paraa retomada da acumulao capitalista, uma hegemonia do capital vo l t a d apara realizar uma nova captura da subjetividade do trabalho pela lgica doc apital. Ao invs de perenizar a crise da organizao capitalista do trab a l h o,o toyotismo tende a instaurar to-somente novas determinaes da luta declasses na produo.

    O valor unive rsal do toyotismo como momento predominante do com-p l exo de reestruturao pro d u t i va, e como nova ofe n s i va do capital na pro-d u o, instaurar, no plano da produo de me rc a d o r i a s, uma nova hege-monia do capital, articulando, de modo original, coero capitalista e con-s e n t i mento operrio. De certo modo, o tay l o r i s m o - fo rd i s m o, sob as condi-es de racionalizao propiciadas pelo desenvo l v i mento histrico no scu-lo XX, principalmente nos EUA, tornou-se, a partir dos anos 1920, o pionei-ro nesta articulao entre coero capitalista e consentimento operrio. Comele, pro c u rou-se operar, de modo pleno, a subsuno real da subjetividadeoperria lgica do capital, a articulao hbil da fora (destruio dosindicalismo de base territorial) com a persuaso (altos salrios, benefciossociais dive rs o s, pro p aganda ideolgica e poltica habilssima). Como diriaGramsci (1984), com o fo rdismo a hegemonia vem da fbrica. De certo mo-d o, o toyotismo d continuidade lgica de racionalizao do trabalho naperspectiva da hegemonia do capital na produo.

    E n t re t a n t o, no taylorismo e no fo rd i s m o, a integralizao da subsuno dasubjetividade operria lgica do capital a racionalizao total ain-da era me r a mente formal, ou formal-material, como poderia dizer Fausto(1989), j que, como salientou Gramsci, na linha de montagem, as operaesprodutivas reduziam-se ao aspecto fsico maquinal (Gramsci, 1984).

    nesse contexto do tay l o r i s m o - fo rdismo que ocorre a decomposio dafigura humana, ou do sujeito (e da subjetividade) do trabalho, tendo em vis-ta que, como salientamos, no interior da linha de produo de me rc a d o r i a so cre b ro tende a separar-se do corpo, ime rso nas prescries tay l o r i s t a s -fo rd i s t a s. Um detalhe: o imaginrio modernista do sculo XX contm tal

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    idia do corpo impossvel, que ex p ressa, de certo modo, a implicao sub-jetiva constitutiva da lgica taylorista-fordista (Moraes, 2002).

    Assim, o fordismo ainda era, de certo modo, uma racionalizao incon-clusa, pois, apesar de instaurar uma sociedade racionalizada, no conse-guiu incorporar as va r i veis psicolgicas do comportamento operrio, que otoyotismo procura desenvolver atravs dos mecanismos de comprometimen-to operrio que aprimoram o controle da dimenso subjetiva pelo capital.

    Sob o fordismo, a hegemonia vinha da fbrica, entretanto no se susten-t ava apenas sobre ela. O prprio compromisso fo rdista implicava a constitui-o de um modo de desenvo l v i me n t o, de base keynesiana, capaz de sustentartal racionalizao inconclusa na produo do capital.

    Se o fo rdismo no conseguiu incorporar racionalidade capitalista nap roduo as va r i veis psicolgicas do comportamento operrio, o toyo t i s m oo fez com desenvoltura. A crise do fo rd i s m o - keynesianismo e a incap a c i-dade de constituio de um novo modo de desenvolvimento capitalista, napoca da decadncia histrica do capital, tenderam a colocar a necessidadede recompor a forma de subsuno real do trabalho ao capital. Pa r a f r a s e a n d oGramsci (1984), poderamos dizer que, com o toyo t i s m o, no apenas a hege-monia vinha da fbrica, mas l ficava, irre me d i ave l mente. Se o fo rd i s m oconseguiu ampliar sua base hegemnica para alm da fbrica, o mesmo noo c o r re com o toyotismo (embora seus dispositivos ideolgicos tenham sedisseminado pelas instncias scio-reprodutivas).

    Isto significa que o fo rdismo constituiu-se como modo de desenvo l v i-mento no apenas devido a suas virtuosidades como dispositivo de orga n i-zao do trabalho propriamente dito, mas tambm porque se articulou, numdeterminado contexto geopoltico e de luta de classes, com um modo de de-s e nvo l v i mento de cariz key n e s i a n o, capaz de garantir demanda efe t i va paraa produo de massa, num perodo de ascenso histrica do capital. Ta i scondies histricas no existem hoje para o toyotismo como orga n i z a odo trabalho capitalista.

    Por outro lado, a pro messa do toyotismo de constituir a figura humanano interior da produo racionalizada de me rcadorias to-somente virtual. uma promessa frustrada e, portanto, problemtica, de recomposio cor-p o - mente, pice da aguda racionalizao do trabalho subsumido ao cap i t a l . nesse contexto problemtico do toyotismo que surgem as novas doenasda alma humana.

    Na verdade, o toyotismo no possui a pretenso de instaurar uma socie-dade racionalizada, mas apenas uma fbrica racionalizada (o que ab re umn ovo campo de contradies scio-psicolgicas). a partir do processo dep roduo intrafabril (e na relao entre empresas) que ele procura re c o n s t i-tuir a hegemonia do capital, instaurando, de modo pleno, mas virtual, asubsuno real da subjetividade operria lgica do capital.

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    Como destacamos acima, o toyotismo procura, mais do que nunca, re-constituir algo que era fundamental na manufatura: o velho nexo psicofsi-co do trabalho profissional qualificado a participao ativa da intelign-cia, da fantasia, da iniciativa do trabalho (Gramsci, 1984). Entre t a n t o, cab es a l i e n t a r, estamos diante de um simu l a c ro de inteligncia humana ou de po-livalncia do trabalho.

    Deste modo, o toyotismo re s t r i n ge o nexo da hegemonia do capital p ro d u o, re c o m p o n d o, a partir da, a articulao entre consentimento ope-rrio e controle do trab a l h o. por isso que, mais do que nunca, salienta-sea centralidade estratgica de seus protocolos organizacionais (e institucio-nais). apenas sobre eles que se articulam a hegemonia do capital na pro-d u o. Este , com certeza, seu calcanhar de Aquiles, na medida em que,ao reduzir o nexo da hegemonia do capital apenas esfera intrafabril (oue n t re empresas), no o ampliando para alm da cadeia pro d u t i va central,para o corpo social total, o toyotismo permanece limitado em sua pers p e c t i-va poltica, principalmente se o compararmos ao arranjo fo rdista. Por isso,sob o toyo t i s m o, agudiza-se uma contradio que prpria da sociedade doc apital, ou seja, a contradio entre racionalidade intra-empresa e irracio-nalidade social.

    Sob o toyotismo, a competio entre os operrios e empregados intrn-seca idia de trabalho em equipe. Os sup e r v i s o res e os lderes desempe-nham papis centrais no trabalho em equipe (no caso do Japo, os lderes daequipe de trabalho do team so, ao mesmo tempo, avaliadores e repre-sentantes dos sindicatos). Permanece ainda, de certo modo, uma sup e r v i s orgida, mas incorporada, integrada, vale salientar, subjetividade c o n t i n-gente do trab a l h o. Em virtude do incentivo competio entre os oper r i o se empre ga d o s, cada um tende a tornar-se supervisor do outro. Somos todoschefes o lema do trabalho em equipe sob o toyotismo.

    A Toyota trabalha com gr upos de oito trab a l h a d o re s. Ainda que ap e n a sum deles falhe, o gr upo perde o aume n t o, portanto este ltimo trab a l h a d o rgarante a produtividade assumindo o papel que antes era da chefia. O me s-mo tipo de controle feito quanto ao absentesmo (Watanabe, 1993).

    E i s, portanto, o resultado da captura da subjetividade do trabalho vivopela lgica do capital, que tende a tornar-se, no plano contingente, maisconsensual, mais envo l vente, mais participativa: em ve rdade, mais manipu-latria (Wa t a n abe, 1993, p.11). O que surge um estranhamento ps-fo r-dista sob o toyo t i s m o, que possui uma densidade manipulatria maior queem outros perodos do capitalismo monopolista. No apenas o fazer e o sa-ber operrio so capturados pela lgica do capital, mas tambm sua dispo-sio intelectual e afe t i va constituda para cooperar com a lgica da va l o r i-zao do va l o r. O operrio encorajado a pensar pr-ativa me n t e, a encon-trar solues antes que os problemas aconteam (o que tende a incentiva r,

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    no plano sindical, por exe m p l o, estratgias neocorporativas de cariz pro p o-s i t i vo). Cria-se, deste modo, um ambiente de desafio contnu o, onde o cap i-tal no dispensa, como fez o fordismo, o esprito operrio.

    A l i s, no que sob o fo rdismo o operrio na linha de montagem conve n-cional no pensasse. Pelo contrrio, como salientou Gramsci, sob o fo rd i s m o

    (...) o operrio continua infe l i z me n t e homem e, inclusive (...) durante o trab a-l h o, pensa demais ou, pelo me n o s, tem muito mais possibilidade de pensar, prin-c i p a l mente depois de ter superado a crise de adap t a o. Ele no s pensa, mas ofato de que o trabalho no lhe d satisfaes ime d i a t a s, quando compreende quese pretende transform-lo num gorila dome s t i c a d o, pode lev-lo a um curso depensamentos pouco conformistas (Gramsci, 1984, p. 378).

    Com certeza, Ford tinha conscincia de que operrios no eram go r i l a sd o mesticados. S que pro c u r ava re s o l ver o dilema da organizao cap i t a-lista atravs de iniciativas educativas extrafbrica. E no limite, como des-tacamos acima, o fo rdismo tinha uma capacidade hegemnica que se vin-c u l ava s polticas sociais (e macroeconmicas) de cariz keynesiano cap a z e sde gerar uma demanda efetiva para a produo em massa.

    O toyo t i s m o, pelo contrrio, atravs da recomposio da linha pro d u t i-va, com seus vrios protocolos organizacionais (e institucionais), pro c u r ac apturar o pensamento do trab a l h o, integrando suas iniciativas afe t i vo - i n-telectuais nos objetivos da produo de me rc a d o r i a s. por isso que, porexe m p l o, a auto-ativao centrada na polivalncia, um dos nexos contin-gentes do toyo t i s m o, uma iniciativa educativa do capital; , entre outro s,um mecanismo de integrao (e controle) do trabalho na nova lgica docomplexo produtor de mercadorias.

    Se no fo rdismo tnhamos uma integrao mecnica, no toyotismo te-mos uma integrao orgnica, o que pressupe um novo perfil de trabalha-dores centrais (Ravelli, 1995). Mas o que integrao orgnica para o capitalde certo modo ex p resso de uma frag mentao sistmica para o trab a l h oassalariado em sua conscincia contingente e em seus estatutos salariais.E mais ainda, barbrie para a sociedade humana ex p ressa atravs da lgi-ca da produo destrutiva.

    Apesar disso, o capital continua dependendo da destreza manual e dasubjetividade do coletivo humano, como elementos determinantes do com-p l exo de produo de me rc a d o r i a s. Enquanto persistir a presena do trab a-lho vivo no interior da produo de me rc a d o r i a s, o capital possuir comoatributo de si mesmo a necessidade persistente de instaurar mecanismos dei n t e grao (e controle) do trab a l h o, de administrao de empre s a s, manten-do viva a tenso pro d u t i va. Alm, claro, de procurar dispersar os inelimi-n veis momentos de antagonismo (e contradio) entre as necessidades do

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    c apital e as necessidades do trabalho assalariado, intrnsecos prpria ob-jetivao da relao social que instaurou o processo de valorizao.

    claro que as contrapartidas do capital, sob o toyotismo, no interior dafbrica central, so de natureza histrica. Existe um vnculo ineliminve le n t re o toyotismo e a luta de classes. A srie de contrapartidas do toyo t i s m odestinadas captura da subjetividade operria, capazes de permitir o plenodesenvolvimento dos nexos contingentes do toyotismo, pode assumir diver-sas particularidades scio-histricas (e culturais). Ocorreram mutaes signi-f i c a t i vas nesse sentido. Na ve rdade, essas contrapartidas se alteram, acom-panhando o desenvo l v i mento do capitalismo (e da prpria luta de classes). o que podemos constatar hoje, por exe m p l o, com a debilitao re l a t i va dealgumas condies scio-institucionais que garantiram, no passado, sob operodo de crescimento do capitalismo japons, a moldura do toyotismo ori-ginal, ainda bastante vinculado a um tipo de fo rd i s m o - key n e s i a n i s m o. Di-ante da crise do capitalismo no Japo, nos anos 1990, no bojo da crise estru-tural do capital, os me rcados internos das empre s a s, o empre go vitalcio eo salrio por antiguidade, por exe m p l o, esto sendo revistos pelas corpo-raes transnacionais sediadas no Japo.

    A generalizao unive rsal do toyo t i s m o, sob a forma da lean production( p roduo enxuta), implica adequ-lo, em suas contrapartidas para o trab a-lho assalariado, s novas realidades scio-histricas da concorrncia cap i t a-lista mundial. Diante da debilitao estrutural do mundo do trabalho, a par-tir dos anos 1980, em decorrncia da lgica da modernizao capitalista, asc o n t r apartidas sociais clssicas do toyotismo tenderam a ser pre c a r i z a d a s,revistas (ou abolidas) pelo capital, com suas condies institucionais origi-nrias (tal como se constituram no seu pas capitalista de origem, o Jap o )sendo negadas em virtude de seu prprio desenvolvimento mundial.

    Na ve rdade, o que tende a predominar me r a mente o estmulo indivi-dual atravs da concesso de bnus salariais, debilitando alguns pro t o c o l o sinstitucionais clssicos, como o empre go vitalcio. A emulao pelo me d o, di-ante de um precrio mundo do trab a l h o, coloca o toyotismo no limite de suaspromessas espectrais frustradas pela natureza da crise estrutural do capital.

    Toyo t i s m o, ca p t u ra da subjetividade e co m p resso psicoco rpo ra l

    O nexo essencial da lgica da produo toyotista a captura da subjetivida-de do trabalho vivo. Como salientamos, busca-se constituir um novo tipo desubsuno do trabalho vivo lgica do capital, que implica um tipo de en-vo l v i mento da fora de trabalho (e do trabalho vivo) qualitativa mente novoem relao implicao subjetiva pretrita a do tay l o r i s m o - fo rd i s m o.No que no houvesse a busca pela captura da subjetividade nas fo r m a s

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    de produo capitalista sob a lgica tay l o r i s t a - fo rdista clssica; ela ocorria,mas assumia uma dimenso de incompletude visceral.

    Como destacamos, a hegemonia do fo rdismo nascia na fbrica, mas nose sustentava nela. A captura da subjetividade efe t i vava-se na esfera do con-s u m o, com a constituio do compromisso fo rdista, que garantia, ao contin-gente organizado de trab a l h a d o res assalariados, a indexao dos salrios re a i s produtividade do trab a l h o. Deste modo, garantia o acesso do trab a l h a d o rao mercado de consumo e sua imerso no fetichismo da mercadoria.

    Tal compromisso fo rdista s se sustentava na poca de ascenso histri-ca do capital, por conta de condies geopolticas e macroeconmicas favo-r ve i s. Com a crise do capital a partir de meados da dcada de 1970, a cap-tura da subjetividade nos moldes fo rdistas perde sua efetividade histrica.O crescimento dos salrios reais nos plos mais dinmicos da acumulao doc apital sofre uma queda significativa. A pers p e c t i va re formista atingidaem seu ncleo ideolgico. obrigada a re c o n s t i t u i r-se em sua progr a m t i c apoltica (o que ocorre a partir de meados da dcada de 1980).

    Enfim, a captura da subjetividade do trabalho vivo no toyotismo articu-lar dispositivos de envo l v i mento na pro d u o, capazes de lidar com a crisedo tay l o r i s m o - fo rdismo (operrios e empre gados no se dispem mais a ga-nhar a vida, perdendo-a). Deste modo, busca-se ir alm do tay l o r i s m o, des-construindo a linha de montagem, instituindo work teams, eliminando che-fias intermedirias e apelando para a introjeo de nexos de colab o r a o. Oi nve s t i mento na subjetividade pro p r i a mente dita do trabalho vivo maisd e c i s i va, pois na produo que o toyotismo buscar sustentar-se. A emu-lao do operrio e do empre gado assumir formas re gre s s i vas com o ap e l osub-reptcio psicologia do medo.

    Um precrio mundo do trab a l h o, somado a uma ofe n s i va do capital nap ro d u o, criar as bases subjetivo-materiais do novo consentimento do toyo-t i s m o. Se num prime i ro momento o toyotismo que surge no Japo baseia-seem contrapartidas salariais, ainda impregnado de pers p e c t i vas fo rd i s t a s, lo-go se basear na emulao pelo medo. No plano social, a perspectiva de con-sumo se constrange, tendo em vista a incapacidade do toyotismo constituir-se como modo de desenvolvimento e impulsionar uma demanda efetiva.

    Enfim, o nexo objetivo que sustenta a captura da subjetividade no toyo-tismo no a demanda efe t i va, como ocorria no fo rd i s m o, mas sim a mani-pulao atravs da ideologia ps-fo rdista (a desconstruo da lgica tay l o-rista) e a emulao atravs do medo da desefe t i vao incisiva (o que assu-me carter perve rso em sociedades me rcantis complex a s, quando as re d e sde solidariedade perdem espao social e desconstri-se o Welfare State).

    Ao salientarmos que o toyotismo possui como nexo essencial a captura dasubjetividade, cabe tornar claro o que consideramos subjetividade, tendoem vista que, numa pers p e c t i va dialtico-materialista, subjetividade e objeti-

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    vidade so determinaes re f l ex i va s. No podemos hipostasiar a subjetivida-de, desvinculando-a das condies objetivas de produo da vida social (o quenos levaria a cair no psicologismo). Alm disso, importante ressaltar a di-menso problemtica da subjetividade na ordem scio-me t ablica do cap i t a l .

    F o rdismo e toyotismo so meras formas organizacionais do capitalismo dagrande indstria, a forma social do capital no interior da qual desenvo l ve-ram-se suas contradies objetivas como modo de produo social. O toyo-tismo no vai alm do capitalismo da grande indstria, apesar de conter emsi mesmo a pro messa da ps-grande indstria. Mas, na medida em que parte da lgica do capital, tende a frustrar irre me d i ave l mente tal pro me s s ascio-histrica.

    Devido crise estrutural do capital, o toyo t i s m o, em sua busca sedentapor hegemonia, tende a pro m over um agudo inve s t i mento na captura dasubjetividade, ap rofundando os nexos fetichistas e estranhados do cap i-tal. Na ve rdade, um elo significativo desta aguda manipulao social doc apitalismo em sua fase de crise estrutural. Atinge o modo de trabalho quese expande para o tempo de vida. Nunca trabalho e vida se ap rox i m a r a mtanto quanto no capitalismo da grande indstria sob o fordismo. Como veri-f i c a remos adiante, nesta nova implicao subjetiva o corpo parece ser a l-tima fronteira de subverso do capital.

    A categoria subjetividade problemtica, pois pre s s upe o sujeitoautnomo, constitudo a partir do processo histrico da modernidade cap i-talista. Mas o sujeito autnomo uma fico burguesa. provave l mente aprincipal pro messa civilizatria frustrada pelo capital. O que significa queestamos diante de um processo histrico-dialtico intrinsecamente contradi-trio: o capitalismo em seu devir histrico, como sistema social produtor deme rc a d o r i a s, constituiu (e, ao mesmo tempo, desconstituiu) o sujeito huma-no autnomo. Ao mesmo tempo em que criou as bases materiais para o plenod e s e nvo l v i mento da individuao social, o capital limitou e obliterou essemesmo desenvo l v i mento humano-ge n r i c o. um processo histrico cumu-l a t i vo de restries e constrangimentos sistmicos que Marx (1987) pro c u-rou traduzir na categoria subsuno do trabalho ao capital. Po r t a n t o, sub-jetividade e estranhamento so determinaes re f l ex i vas ineliminveis nomundo do capital.

    Mesmo em seu estatuto pre c r i o, a subjetividade como instncia da ativi-dade prtico-sensvel do sujeito humano constituda, em si, tanto pela per-s o n a l i d a d e quanto pela corporalidade viva. Estas so dimenses inalien-veis do sujeito, cuja separao me r a mente heurstica. O estranhamento e,p o r t a n t o, a desefe t i vao intrnseca lgica do trabalho capitalista tendem aatingir as duas dimenses da subjetividade. O impacto na instncia psquica evidente. No tocante corporalidade viva, dimenso do corpo, essa dese-fetivao assume certas representaes particulares, como veremos a seguir.

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    Na medida em que o toyotismo altera a implicao subjetiva do fo rd i s-mo, tal alterao tem repercusses na instncia do corpo (como parte consti-tutiva da subjetividade). Desse modo, podemos dizer que o toyotismo tendea constituir uma nova forma de organizar o trfico corpo-mente. Como sali-entamos, o taylorismo-fordismo criou uma rigidez na disposio corpo-men-te que o toyotismo tende a flexibilizar. Alis, obrigado a flexibilizar parapoder constituir a nova forma de subsuno do trabalho vivo ao capital, que intrnseca ao novo modo de organizao da produo de mercadorias.

    Po r t a n t o, eis nossa tese principal: o toyotismo tende a constituir um ti-po de compresso psicocorporal, similar compresso espao-tempo cons-tatada por David Harvey em sua Condio ps-moderna, de 1992, e que dizrespeito ao novo re g i me de acumulao flex vel. Na ve rdade, a compre s s opsicocorporal um elemento da experincia da condio ps-moderna, aexperincia do corpo, instaurada pelo desenvo l v i mento de um novo re g i mede acumulao capitalista.

    claro que as mltiplas mudanas nas experincias do espao e do tem-p o, tratadas por David Harvey no captulo A compresso do tempo-espaoe a condio ps-moderna, no poderiam deixar de ter desdobrame n t o snas experincias do corpo, tendo em vista que ele, o corpo, elemento ineli-m i n vel do sujeito e, portanto, da subjetividade. Como diria Foucault (1994),desde o surgimento da modernidade do capital, o corpo tornou-se objeto deprticas subjetivadoras da sociedade disciplinar.

    As transformaes estruturais na dinmica capitalista a partir de suacrise estrutural alteram as prticas subjetivadoras da sociedade do cap i t a l . atravs dessas prticas que o sujeito pode pensar-se enquanto sujeito. por meio delas, ao constituir sua relao com o trab a l h o, que o ser humano set r a n s forma em sujeito de si para si (tcnicas de si). Como Foucault obser-va, no existem apenas tcnicas de pro d u o, de comunicao ou de poder,mas existem tambm tcnicas para vo l t a r-se para si, as tecnologias do eu(Foucault, 1994).

    Nessa nova etapa do desenvo l v i mento capitalista, por conta da instau-rao do novo re g i me de acumulao do capital, do desenvo l v i mento do toyo-t i s m o, alteram-se as tecnologias do eu. Destacamos, nesse caso, a alteraoda experincia do corpo, dimenso crucial do prprio self. Diz Foucault:

    A relao entre a manipulao de objetos e a dominao ap a rece claramente emO Capital de Karl Marx, onde cada tcnica de produo ex i ge uma modificaoda conduta individual, ex i ge no s ap t i d e s, mas tambm atitudes (Foucault,1994, p. 785).

    Ora, na etapa da acumulao flex vel, surge uma nova atitude pro b l e-mtica do sujeito para consigo mesmo atravs da relao com seu prprio

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    c o r p o. parte da experincia de novas subjetividades complexas pro b l e-m t i c a s. Altera-se o trfico corpo-mente, com o toyotismo tendendo a dis-s o l ver a antiga atitude disciplinar que o corpo ap re s e n t ava no modo de or-ganizao taylorista-fordista. Na verdade, o corpo no se emancipa da disci-plina do capital, mas constitui-se uma nova relao psicocorporal, que bus-ca pre s e r var um componente essencial das sociedades do capital, sejam elasmodernas ou ps-modernas: um corpo til, produtivo e submisso.

    A compresso psicocorporal pode ser constatada, por exe m p l o, nas ex-perincias de ginstica laboral, onde a postura corporal (e, portanto, sub-j e t i va) do trabalhador tende a tornar-se indispensvel para a obteno dap rodutividade sob as condies da nova tcnica flex vel e da intensificaoe explorao do trab a l h o, como prprio do toyo t i s m o. O novo re g i me dea c u mulao flex vel impe o novo trfico corpo-mente apenas como me i o de combate do estresse que atinge o trabalhador assalariado da sup e rex p l o-rao toyotizada e no como fim de emancipao do corpo-sujeito da dis-ciplina do capital.

    o que observa, por exemplo, uma das entusiastas da ginstica laboral:

    A prtica de exerccios fsicos, realizada coletivamente, durante a jornada de tra-b a l h o, prescrito de acordo com a funo exe rcida pelo trab a l h a d o r, tem como fi-nalidade a pre veno de doenas ocup a c i o n a i s, pro m ovendo o bem-estar indivi-dual por intermdio da conscincia corporal: conhecer, re s p e i t a r, amar e estimu-lar o seu prprio corpo (Lima, 2004, p. 53).

    A transcrio de um trecho da re p o r t agem Empresa adota ginsticacontra o stress, publicada no jornal A Notcia, de Joinville (SC), em novem-b ro de 2000, ap resenta um relato tpico do que ocorre nos locais de trab a-lho nos ltimos dez anos de toyotismo sistmico no Brasil. Relata-se uma ex-perincia de adoo da ginstica laboral na Lepper, empresa txtil da cida-de. Diz a reportagem:

    A quebra da rotina em busca da sade do corpo e da mente. Nos prime i ros dezm i nutos de expediente da Lepper, o cho de fbrica se transforma num local dea q u e c i mento para o trab a l h o. No lugar de mquinas funcionando a todo o vap o r,ao som da sirene, a cena outra. Homens e mu l h e res completam uma srie de exe r-ccios indicados pelos monitore s. A ginstica laboral na empresa txtil de Jo i n-ville apenas um exemplo da pre o c upao que toma conta dos ge s t o res de re c u r-sos humanos das indstrias da cidade para pro p o rcionar maior qualidade de vi-da ao funcionrio, garantir maior produtividade (Rigotti, 2000).

    A seguir, a re p o r t agem pro c u rou ap resentar os benefcios da ginstical aboral para alguns operrios e empre gados da Lepper, que afirmaram ter

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    passado a sofrer menos com doenas ocupacionais e com o estresse. Para ae m p resa, a suposta sade dos operrios significou um menor ndice de ab-s e n t e s m o, diminuindo o ndice de licenciados em decorrncia de tal doen-a. Na verdade, a sade do trabalho visa incrementar a lgica do produtivis-mo do capital:

    A funcionria Clia Catarina Miglioli, 35 anos, acompanhou todo o processo deimplantao da ginstica na fbrica, desde de abril de 1997. Ela trabalha na Lep-per h 10 anos e sentiu a dife rena de re n d i me n t o. Antes eu tinha muita dor nasc o s t a s. Com os exe rccios eu consigo re l a x a r, me sinto melhor e consigo produzirmais, garante (Rigotti, 2000, grifos nossos).

    Noutra passagem, observa-se:

    Para a funcionria Joice Maria Vestena, 25, que trabalha na empresa h oito me-s e s, os benefcios da ginstica podem ser sentidos ainda nos prime i ros dias. A gi-nstica ajuda a relaxar e esquecer os problemas l fo r a, relata (Rigotti, 2000, gr i-fos nossos).

    Para que a ginstica laboral seja implementada na empresa, e alcance oo b j e t i vo alme j a d o, necessria a colaborao ativa de operrios e empre ga-d o s. Exige-se um consentimento do trabalho nova implicao psicocorpo-ral instaurada pelo capital. No caso desta empresa txtil, o envo l v i mento dost r ab a l h a d o res com a nova lgica de organizao psicocorporal na pro d u odo capital parece ter sido bem sucedido como relata a reportagem:

    A novidade foi to bem aceita pelo quadro de funcionrios da rea de confeco,formado principalmente por mu l h e re s, que Clia e suas companheiras fazem ques-to de praticar os exe rccios em casa. A empresa j est interessada em ampliar op rograma, atualmente desenvolvido pelo Sesi, e levar a ginstica para os outro ssetores (Rigotti, 2000).

    E prossegue :

    Conforme o tcnico de segurana do trabalho Flvio Jos de Souza, 50% dos 771funcionrios da Lepper fazem aquecime n t o, alonga mento e re l a x a mento todos osdias antes do expediente. Numa pesquisa feita no final de 1999, a ginstica teve94% de ap rovao entre os funcionrios. Mais de 20% deles tambm fazem os exer-ccios em casa, afirma (Rigotti, 2000, grifos nossos).

    Embora seja legtimo o objetivo de reduzir as doenas ocup a c i o n a i s, oque se oculta a intensificao e a sup e rexplorao do trabalho sob o re-

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    g i me de produo toyotista. Pre s e r va-se um corpo til, disciplinado e sub-misso no apenas no local de trab a l h o, mas tambm em casa (a lgica docapital invade o espao domstico).

    O toyotismo caracteriza-se pela sup e rexplorao da fora de trabalho edo trabalho vivo. Mais do que nunca, sob o capitalismo global o salrio re a lno tende a acompanhar a produtividade do trab a l h o. possvel at ocor-rer um incre mento do salrio real, mas o arrocho do salrio re l a t i vo tendea ser um trao constitutivo do novo re g i me de acumulao flex vel, do qual otoyotismo o momento predominante.

    Por outro lado, no tocante dimenso scio-re p ro d u t i va, a compre s s opsicocorporal pode ser constatada, cum grano salis, por exemplo, na prolife-rao do culto ao corpo ou na transgresso do imaginrio do corpo comoterritrio indeva s s vel (tatuagens e p i e r c i n g s no deixam de ser sintomas deum deva s s a mento do corpo numa experincia psicocorporal pro b l e m t i c a ,como a do toyotismo).

    A esttica do modernismo tendia a separar corpo e mente. o que Elia-ne Robert Moraes caracterizou como sendo o corpo impossvel (Moraes,2002). curioso que, no plano esttico, o romance fantstico F r a n k e n s t e i n,de Mary Shelley (1815) parece nos sugerir que a reconstituio do corpo nascondies do capitalismo industrial do sculo XIX, da grande indstria debase tcnica rgida, tenderia apenas a produzir monstro s, to inflex veis quan-to autmatos desconjuntados. Enfim, o corpo impossvel da esttica moder-nista pre s s upunha um tipo de trfico psicocorporal particular, que o fo rd i s m o -taylorismo traduziu, em sua tipicidade, como a separao corpo e crebro.

    Por outro lado, a esttica do ps-modernismo tende a fundir corpo emente atravs do homem ps-orgnico. O corpo refundado atravs das tc-nicas digitais e de virtualizao (Sibilia, 2002). Desse modo, a crise do fo rd i s-mo tambm a crise de uma experincia do corpo til, pro d u t i vo e submis-s o. a crise de uma prtica subjetivadora que pre c i s ava ser re c o n s t i t u d a ,segundo a lgica da acumulao flexvel.

    Mas a reconstituio psicocorporal do toyotismo problemtica, cab ere s s a l t a r. Se ela tende a fundir corpo e mente, ao flexibilizar o corpo rgido,tornando-o malevel para a nova subsuno do trabalho ao capital, ela noo emancipa, nem poderia. De fa t o, o toyo t i s m o, como salientamos, possui ele-mentos de continuidade com o taylorismo e o fo rdismo que impedem/sub-vertem essa nova disposio e organizao pre s s uposta pelo novo modo des u b s u n o, que ex i ge a base tcnico-civilizatria que o toyotismo procura re-presentar, sem consegui-lo, pois contm a perverso da utopia do trabalho.

    Isto significa que as implicaes toyo t i s t a s, tanto no campo da pro d u-o quanto no campo da re p roduo social, so me ros espectros sociais,isto , pro messas frustradas, sempre repostas como pre s s uposto nega d odeste sistema produtor de me rc a d o r i a s. A compresso psicocorporal, ou o

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    re e n c o n t ro do corpo com o cre b ro, o gesto fsico flex vel (ou me l h o r, espon-tneo), a negao da ciso da subjetividade, so pro messas frustradas do toyo-t i s m o. Entre t a n t o, no deixam de ser elementos plenamente efe t i vos no planoda re p resentao imaginria (o que mais visvel na instncia scio-re p ro d u-t i va atravs dos sonhos contingenciais do corpo emancipado). Na ve rd a d e ,estamos diante de uma aguda contradio objetiva prpria do cap it a l i s m oem sua etapa de crise estrutural.

    A ttulo de ilustrao desta hiptese, em que vinculamos modo de pro-d u o, forma de organizao do trabalho e dinmica psicocorporal, pode-mos utilizar alguns filmes que suge rem que a dominao do capital e a re-s i s t n c i a / c o n formao do trabalho vivo se desdobra na instncia corporal.O corpo, como instncia ineliminvel da subjetividade do trabalho vivo, hoje, mais do que nunca, um campo de batalha. possvel ap re e n d e r, porexe m p l o, a rigidez corporal psquica no andar mecnico dos operrios em M e t ropolis, de Fritz Lang (1926), e nos gestos montonos e re p e t i t i vos deCarlitos em Tempos modernos (1936). So filmes clssicos que ex p re s s a ma disciplina tay l o r i s t a - fo rdista que atinge a corporalidade viva (se bem que, aoter o surto nervo s o, Carlitos baila na linha de pro d u o, sugerindo que de-seja subverter a disciplina psicocorporal imposta pela linha/posto de trab a-lho taylorista-fordista).

    Por outro lado, em filmes como Flash dance, de Adryan Lyne (1983),e, mais tarde, Ou tudo ou nada, de Peter Cattaneo (1997), narrativas dapoca da crise do tay l o r i s m o - fo rdismo e do toyotismo sistmico, as pers o n a-lidades problemticas, buscando adaptar-se e lidar com a aguda contradioque atinge a subjetividade toyotista, tendem a flexibilizar a disposio cor-p o - mente (o que s ocorre no plano scio-re p ro d u t i vo). Nessas pers o n a l i-d a d e s, a insurgncia da nova relao corpo-mente, que permanece no planoc o n t i n gente, se ex p ressa atravs da dana (o mesmo bailar de Carlitos em Tempos modernos) que tende a subve r t e r, pelo menos no plano scio-re-p ro d u t i vo este o ponto a disciplina rgida corpo-mente que o cap i-tal instaurou.

    M a s, como salientamos, tal compresso psicocorporal nessas narrativa sflmicas s se manifesta na instncia scio-re p ro d u t i va. Isto , em Flashdance no se pode bailar na fbrica, mas apenas fora dela, onde a pers o n a-gem principal busca realizar seus sonhos atravs da utopia ideolgica do su-cesso profissional. Em Ou tudo ou nada, no existe fbrica para os pers o-n agens centrais, ex-operrios desempre ga d o s, vtimas das polticas neolibe-rais de T h a t c h e r. O filme trata do drama do desempre go, com sua dinmicainerte que impe, por si, um tipo de disciplina psicocorporal to rgidaquanto a disciplina fo rdista. O bailar (e inclusive o despir-se), a ex p o s i odo corpo, sugerindo um e t h o s d e s s u b l i m a t i vo, uma forma de subverter adisciplina e realizar ou sugerir o sonho prometido pelo suposto ps-fordis-

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    m o, o sonho do corpo emancipado. Entre t a n t o, nesse caso, os trab a l h a d o re sd e s e m p re gados continuam ime rsos na mera unilateralidade, pois, to-so-mente no plano scio-reprodutivo, os corpos bailam. De fato, a vida desefe-tivada impede-os de expressar o gesto psicocorporal pleno e emancipado.

    Tanto em Flash dance quanto em Ou tudo ou nada, estamos diantedo simu l a c ro da dana como dessublimao reprimida. Enfim, os pers o n a-gens continuam sem perspectivas de trabalho e de vida (a jovem operria deFlash dance est ime rsa nas utopias ideolgicas do casamento e do suces-so profissional). Entre t a n t o, o que tais narrativas de crise do tay l o r i s m o -fo rdismo nos mostram so meras disposies contingentes que no conse-guem ir alm da lgica social do capital sob o modo organizacional do toyo-t i s m o. Assim, os obstculos decisivos para a realizao da compresso psico-corporal, pro messa frustrada capaz de reconstituir o sujeito pro d u t i vo, pro-dutor emancipado, so as perverses prprias do modo de organizao capi-talista do trabalho toyotista e do scio-metabolismo da barbrie do capital.

    D e s t a c a r a m o s, em prime i ro luga r, a intensificao do ritmo de trabalho eda racionalizao do trabalho estranhado sob o toyo t i s m o, o que caracterizasua continuidade em relao ao tay l o r i s m o - fo rd i s m o. Sob as novas bases tcni-c a s, ocorre o que j destacamos como sendo a sup e rexplorao do trab a l h o.Ora, sob o toyotismo, a politecnia se converte em polivalncia, que se ex-p ressa atravs da intensificao das rotinas de trab a l h o. No local de trab a-lho toyo t i z a d o, o sofrimento tende a alarga r-se, deslocando-se para a me n t ee imprimindo seu estigma no corpo (deste modo, a compresso psicocorpo-ral se converte em compre s s o / e s m aga mento do corpo pela me n t e / c re b ro,n e gao da efetividade humano-genrica, alienao/estranhamento em altograu). Pro l i fera o surto de estresse, leso por esforo re p e t i t i vo (LER) e no-vas doenas psicossomticas. A suposta pro messa ps-fo rdista explicita sua fa rsa e sua ironia. O toyo t i s m o, at mais que o fo rd i s m o, possui uma con-tradio aguda que busca se desenvo l ver numa determinada forma de trfi-co corpo-mente.

    Em segundo luga r, alm da intensificao do trabalho e do sofrime n t op s q u i c o, o toyotismo contm elementos de dessocializao, decorrente doc o n t exto histrico e de desenvo l v i mento que ele tende a ex p ressar no tocanteao mov i mento do capital. Ele parte da barbrie social que re p resenta o mod ode produo do capitalismo nessa etapa de seu desenvo l v i mento (o desem-p re go e a precarizao do estatuto salarial so exemplos desta dessocializa-o). Em mais um elo contraditrio, a dessocializao tende a compro me t e ro novo tipo de disposio/subsuno corpo-mente que o toyotismo tenta ins-t a u r a r. Por isso, a flexibilidade tende a ap a recer como dilacerao e autofla-gelao inconsciente do corpo. Ela constatada, por exe m p l o, atravs do ima-ginrio scio-re p ro d u t i vo das novas geraes de fora de trab a l h o, das re-p resentaes do corpo transgre d i d o, dos p i e r c i n g s e tatuagens que cativa m

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    os jove n s, ex p resso do corpo ocup a d o, tentativa de dar novas significaesa uma corporalidade impossvel.

    Na ve rdade, os novos dispositivos do toyo t i s m o, que se constituem nainstncia da produo e se disseminam pela dimenso scio-re p ro d u t i va ,tendem a ser subvertidos por seu velho compromisso com a lgica do cap i-tal (que a lgica do trabalho estranhado), que traz a desefe t i vao do su-jeito (e, portanto, da subjetividade ou da personalidade/corpo), principal-mente na poca da crise estrutural do capital.

    No t a

    1 P ro fessor da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Unive rsidade EstadualPaulista (Unesp-Marlia), pesquisador do CNPq, Coordenador do Projeto Ncleo de Estu-dos da Globalizao (NEG) e da Rede de Estudos do Tr abalho (RET). Doutor em CinciasSociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),

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