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2137 TRABALHO NO ENSINO SUPERIOR E OS SEUS DESAFIOS PARA UMA FORMAÇÃO DE QUALIDADE WORK IN HIGHER EDUCATION AND ITS CHALLENGES FOR QUALITY TRAINING Viviane Bernadeth Gandra Brandão 1 Noêmia de Fátima Silva Lopes 2 Geusiani Pereira Silva e Nascimento 3 Wesley Helker Felício Silva 4 1 Professora do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política da Unimontes. E-mail: [email protected] 2 Professora do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política da Unimontes. E-mail: [email protected] 3 Professora do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política da Uni- montes. E-mail: [email protected] 4 Professor do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política da Uni- montes. E-mail: [email protected] RESUMO Na sociedade burguesa, o progresso constante das forças produtivas e as transformações da relação capital e trabalho vem intensificando a exploração da força de trabalho, como pode-se obsevar na extração do mais-valor absoluto e/ou relativo. O ensino superior, por sua vez, esta intensificação vem se dando sob variadas formas. A precarização do ensino e o atual modelo da política de educação no Brasil têm conduzido de forma acelerada todas as instituições públi- cas de ensino ao processo de privatização, proporcionando uma precarização do trabalho. Ao mesmo tempo, os profissionais vivenciam o desafio de oferecer uma formação de qualidade, mesmo que num cenário de profunda precarização. O objetivo deste estudo consiste em analisar o trabalho no ensino superior e os seus desafios em proporcionar uma formação de qualidade. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva delineada por uma pesquisa de campo. Fo- ram realizadas 11 (onze) entrevistas com docentes do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros-MG, no período julho a novembro de 2017, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIMONTES sob o parecer nº: 2.090.617. Os dados revelam uma sobrecarga e acúmulo de funções dos professores para garantir o funcionamento do curso, na busca de seguir os princípios das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e

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TRABALHO NO ENSINO SUPERIOR E OS SEUS DESAFIOS PARA UMA FORMAÇÃO DE QUALIDADE

WORK IN HIGHER EDUCATION AND ITS CHALLENGES FOR QUALITY TRAINING

Viviane Bernadeth Gandra Brandão1

Noêmia de Fátima Silva Lopes2

Geusiani Pereira Silva e Nascimento3

Wesley Helker Felício Silva4

1 Professora do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política da Unimontes.

E-mail: [email protected] Professora do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política

da Unimontes.E-mail: [email protected]

3 Professora do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política da Uni-montes.

E-mail: [email protected] Professor do curso de Serviço Social no Departamento de Ciências Sociais e Política da Uni-

montes. E-mail: [email protected]

RESUMO

Na sociedade burguesa, o progresso constante das forças produtivas e as transformações da relação capital e trabalho vem intensifi cando a exploração da força de trabalho, como pode-se obsevar na extração do mais-valor absoluto e/ou relativo. O ensino superior, por sua vez, esta intensifi cação vem se dando sob variadas formas. A precarização do ensino e o atual modelo da política de educação no Brasil têm conduzido de forma acelerada todas as instituições públi-cas de ensino ao processo de privatização, proporcionando uma precarização do trabalho. Ao mesmo tempo, os profi ssionais vivenciam o desafi o de oferecer uma formação de qualidade, mesmo que num cenário de profunda precarização. O objetivo deste estudo consiste em analisar o trabalho no ensino superior e os seus desafi os em proporcionar uma formação de qualidade. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva delineada por uma pesquisa de campo. Fo-ram realizadas 11 (onze) entrevistas com docentes do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros-MG, no período julho a novembro de 2017, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIMONTES sob o parecer nº: 2.090.617. Os dados revelam uma sobrecarga e acúmulo de funções dos professores para garantir o funcionamento do curso, na busca de seguir os princípios das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e

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Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS – e, no mesmo compasso, promover a articulação entre as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa da profi ssão. Dessa for-ma, as condições precárias do trabalho incide negativamente na vida pessoal, familiar e profi s-sional dos/as trabalhadores/as. Ressalta-se que a pesquisa encontra-se em curso e a análise dos resultados apresentados são parciais. Palavras chaves: Trabalho. Ensino Superior. Formação.

1 INTRODUÇÃO

A reprodução social tardo-capitalista tem como base material as transformações ocorridas na forma pela qual a relação do homem com a natureza foi qualitativamente alterada pela cons-tante evolução das forças produtivas. No seio desse processo, intensifi cou-se a mercantilização da vida social e, nela, o fetichismo da sociedade contemporânea.

Nesta conjuntura, torna-se evidente que as condições de trabalho e as relações sociais em que estão inseridos os assistentes sociais não se dissociam da contrarreforma do Estado (BEHRING, 2008), sendo apreendidos pelas determinações da precarização, insegurança e ins-tabilidade do trabalho; o que repercute objetivamente na construção e materialização da autono-mia, do reconhecimento e da própria realização profi ssional. Realidade intensifi cada no espaço sócio ocupacional da universidade pública brasileira.

Alude refl etir como o trabalho no ensino superior, especifi camente, o trabalho docente expressa as contradições do modo de produção capitalista. Dessa forma, este estudo consiste em analisar o trabalho no ensino superior e os seus desafi os em proporcionar uma formação com qualidade, considerando o tripé ensino, pesquisa e extensão.

No âmbito da vida social, nota-se que a partir do momento em que o trabalho passa a se confi gurar como fonte de riqueza e, nessa perspectiva, estabelecer relações de poder, ele passa não apenas a representar fonte de sobrevivência, mas transforma-se na mercadoria força de trabalho que pode ser trocada no mercado numa relação contratual entre trabalhadores e donos dos meios de produção.

Destarte, a compreensão de como as transformações do trabalho atingem o cotidiano do trabalhador/a, carece resgatar o sentido que a categoria trabalho tem para a constituição do ser humano, isto é, o caráter de atividade criadora do próprio homem. Nesse sentido, a teoria de Marx torna-se indispensável para análise desse processo, pois se deve a esse pensador, a vasta contribuição acerca do signifi cado do trabalho e do seu sentido no modo de produção capitalista.

O trabalho é um processo sociometabólico (MÉSZÁROS, 2011) entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural (MARX, 2012). Assim, o trabalho em sua dimensão ontológica é condição fundante de efetivação da vida humana, ou seja, é determinante para a vida social dos sujeitos.

A partir da apreciação inicial da categoria trabalho, o estudo propõe como principal objetivo analisar o trabalho dos/as assistentes sociais na formação superior, no espaço sócio

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ocupacional da universidade pública. Espaço no qual atualmente é marcado pela aceleração da privatização das instituições de ensino públicas, da intensifi cação e da precarização do trabalho docente. Tendo o professor que desenvolver funções para além da sua carga horária sem dispor de condições humanas dignas, estrutura física adequada, recursos econômicos e fi nanceiros, dentre outros, que impactam direta e indiretamente na sua vida pessoal, familiar e na sua saúde.

O trabalho realizou-se por meio de um estudo que buscou referenciais específi cos para alcançar o objetivo proposto. A abordagem da análise exploratória e descritiva é delineada por uma pesquisa de campo. Consequentemente, foram realizadas entrevistas com docentes do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros-MG, no período julho a novembro de 2017.

O curso pesquisado deste estudo é o Serviço Social, ofertado pela Universidade Estadual de Montes Claros, esta escolha justifi ca-se por considerar que trata-se da única instituição de ensino superior pública e presencial, que oferece trinta e cinco vagas anuais para o Serviço Social há quinze anos.

A pesquisa foi motivada pelas experiências nas organizações políticas da categoria profi ssional e em outros projetos e grupos de estudos, pesquisa e extensão que discutem a categoria trabalho, formação superior e fundamentos do Serviço Social no contexto da sociedade capitalista, afi m de melhor compreender a atual realidade e descobrir possíveis possibilidades de enfrentamento coletivo na atual conjuntura. 2 REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A RELAÇÃO TRABALHO E ENSINO SUPE-RIOR

O trabalho é um imperativo natural e eterno da espécie humana, sem o qual o homem não pode existir. Diferente dos animais irracionais, que se adaptam, passivamente ao ambien-te, conforme Marx (2012), o homem atua sobre ele ativamente, obtendo os bens materiais e instrumentos necessários para sua sobrevivência e realização de seu trabalho. A sociedade transmite às novas gerações suas ferramentas de produção como heranças culturais, desen-volvidas por seus antecessores; mediando, regulando e transformando o meio e a partir de sua utilização (NETTO E BRAZ, 2008).

A sociedade não é simplesmente um agregado dos homens e mulheres que se consti-tuem, não é uma somatória deles nem algo que paira acima deles por outro lado os membros da sociedade não são átomos nem mônada que reproduziram a sociedade em miniatura. Não se pode separar a sociedade de seus membros singulares (homens e mulheres) isolados, fora do sistema de relação que é a sociedade o que chamamos sociedade são os modos de existir do ser social e na sociedade e os membros que a compõe o ser social a sociedade e seus mem-bros constituem o ser social e dele se constitui (NETTO E BRAZ, 2008. p 48-50).

É o fundamento ontológico do ser social que permite o desenvolvimento da mediação que institui a diferenciabilidade do ser social em face de outros seres da natureza. O trabalho é obra da cooperação entre os homens.

As mediações, capacidades essenciais postas em movimento em função de sua ativi-

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dade vital, não são dadas a ele, mas conquistadas no processo histórico de sua autoconstrução pelo trabalho, sendo elas, sociabilidade, consciência, universalidade e liberdade. Ampliar o entendimento e refl exões aprofundadas a propósito da sociedade, a partir do debate sobre o tra-balho, corrobora na construção das formas de enfrentamento das expressões da questão social1 (IAMAMOTO, 2001).

A concepção de trabalho fundamentado no aporte teórico de Marx (2012) signifi ca uma atividade que sendo exercida somente por um ser social, dotado de racionalidade, é atividade criativa transformadora da natureza em produtos que possuem valor útil para o homem, que lhe condiciona a existência e por sua vez ocupa uma posição central em sua vida.

Porém, o signifi cado do trabalho enquanto atividade “pratica - consciente” é corrom-pido frente a sua transformação em mercadoria, reduzido a uma simples “coisa” que é trocada pelo salário. Assim, o trabalho ao ser condicionado ao dinheiro, o que antes era uma atividade livre, de intervenção na natureza para dela extrair suas necessidades, passa agora a se tornar uma relação dependente e impositiva.

O trabalho, no modo de produção da sociedade capitalista, ganha um sentido particular, pois, de acordo Marx (2012) é a sua acumulação enquanto trabalho objetivado em produtos de valor de troca que condiciona a manutenção do capital, isto é, o trabalho para o capital deve gerar não somente produtos de valor de uso para a sociedade, mas também deve proporcionar produtos que podem ser trocados.

Nesse sentido, os produtos objetivados pelo trabalho na sociedade capitalista tornam-se mercadorias, que devem ser trocadas para garantir a manutenção da riqueza do sistema capita-lista, ou seja, o capital retira seu lucro através da circulação da compra e venda dessas merca-dorias (MARX, 2012).

Embora não se trate de trabalho produtivo, que produza mais-valia e sirva para a au-tovalorização do capital, a prática docente no ensino superior público insere-se no bojo das transformações pelas quais passaram o processo de trabalho tipicamente capitalista 2. Nesse sentido, ela envolve a socialização de conhecimentos teóricos e práticos que foram adquiridos no processo de formação acadêmica e atuação profi ssional, quanto às habilidades interpessoais 1 De acordo com Iamamoto (2001, p. 17), a questão social diz respeito ao conjunto de expressões das de-sigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura. É indissociável da emergência do “trabalhador livre”, que depende da venda de sua força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades vitais. Para Netto (2001) as condições estruturais que fundam a questão social continuam presentes e é resultado do confl ito entre capital e trabalho. Expressam-se, por exemplo, no pauperismo, na fome, na violência, nas desigualdades sociais dentre outros. 2 Não se pretende aqui adentrar na polêmica acerca do trabalho produtivo, porém vale destacar que para a compreensão do trabalho produtivo é necessário compreender o processo de trabalho como processo de produção capitalista, cuja fi nalidade é a produção de mais valia e, por conseguinte, valorizar o capital. Ou seja, não se trata apenas de produzir valor de uso, mas produzir mais-valia para o capitalista, servindo a autovalorização do capital. Por isso, não se refere aos aspectos referentes ao trabalho concreto, como o trabalho do metalúrgico, do camponês, do professor, trabalho manual ou intelectual; ou as características do valor de uso que foi produzido, como moto-cicletas, calçados, computadores, ensino, etc., mas está presente em qualquer relação de produção capitalista. Por conseguinte, o trabalho docente insere-se nesta compreensão do trabalho produtivo, na qual, na venda da sua força de trabalho, precisa valorizar o capital do proprietário da universidade. Nessa perspectiva, o docente de univer-sidade pública não é um trabalhador produtivo, já que não valoriza o capital. Para uma competente análise, ver: Tumolo e Fontana (2008).

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(MAGALHÃES, 2013). Por isso, as mudanças ocorridas no ensino superior impactam diretamente o exercício

do professor, uma vez que acrescentaram novas funções e responsabilidades. Conforme Maga-lhães (2013), as funções dos professores do ensino superior vão além de ensinar e produzir co-nhecimentos, pois pode envolver a publicação de obras técnico-científi cas, o desenvolvimento de projetos de pesquisa, ensino e extensão, além de atividades administrativas. As cobranças relacionadas à atuação acadêmica podem infl uenciar negativamente no estilo de vida e na qua-lidade de aspectos emocionais, físicos e mentais.

As exigências da qualidade de trabalho, a sobrecarga e as relações estabelecidas com os alunos e gestores são difi culdades que podem provocar o adoecimento quando esses pro-fi ssionais não conseguem atender as demandas. Diante dessas difi culdades, os professores do ensino superior podem se sentir ansiosos, irritados e com baixa autoestima; esses sintomas não só afetam a saúde dos profi ssionais, mas interferem nas relações deles com a instituição, já que a baixa produtividade e o absenteísmo prejudicam o cumprimento das ações estabelecidas pelas instituições (DALASGAPERINA; MONTEIRO, 2016).

As exigências impostas no trabalho do ensino superior sobrecarregam esses profi ssio-nais, pois nem sempre conseguem conciliar o trabalho com atividades sociais em razão de a vida acadêmica ser prioridade. Outro fator muito comum é a pouca autonomia dentro de algu-mas instituições de ensino, em razão das metas estabelecidas como datas para encerramento de conteúdos, elaboração de provas e dos cronogramas de disciplinas, orientações de trabalhos acadêmicos, correções de provas e reuniões de professores (BOECHAT et al ; 2014).

Diante disso, as alterações no mundo do trabalho, marcadas por um profundo processo de desregulamentação, fl exibilização, e precarização das relações de trabalho, impulsionaram as universidades públicas a adotar o modelo gerencial, como foco nos resultados, repercutindo na rotina do corpo docente. Os principais impactos desse modelo foram o incentivo a produtivi-dade e o aumento das atividades desempenhadas, criando um paradoxo na atividade do docente, já que ao mesmo tempo em que possibilita satisfação gera sofrimento.

Outro fator que se agrava nas instituições públicas é a precarização das condições de trabalho devido à falta de investimento em materiais e serviços que servem de suporte para a qualidade do ensino oferecido. Os cortes com despesas de pessoal em função do horário de tra-balho como no noturno prejudica o desenvolvimento das disciplinas, pois serviços essenciais para o bom andamento das aulas como coordenação de cursos, secretaria e equipe audiovisual nem sempre atendem nesse turno. Outro item que impacta na qualidade das aulas é o estado de conservação dos aparelhos de laboratórios, computadores e materiais didáticos como livros e também as condições físicas das salas de aula (VILELA; GARCIA; VIEIRA, 2013).

3 MATERIAIS E MÉTODOS

Para a realização deste estudo, foram necessárias algumas etapas, organizadas inicial-mente pela pesquisa bibliográfi ca, por meio de estudos e refl exões teóricas já existentes, como leituras de artigos científi cos, livros clássicos e contemporâneos sobre a temática explorada.

Posteriormente, realizou-se um estudo de caráter exploratório-descritivo, com uma

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abordagem qualitativa, delineada por uma pesquisa de campo e orientada pelo método crítico dialético, por entender que esta é a maneira capaz de analisar os fenômenos sociais como con-traditórios. De acordo com Gil (1999), o método dialético analisa a realidade em movimento, em constante mudança, em eterno processo de interação de opostos, dado que constitui uma única realidade. Portanto, esse método leva em conta o contexto histórico e supera a visão par-cial, indo para além da aparente realidade.

A escolha por esse método se justifi ca a partir da necessidade de “situar e analisar os fenômenos sociais em seu complexo e contraditório processo de produção e reprodução, de-terminado por múltiplas causas na perspectiva de totalidade concreta: a sociedade burguesa” (BEHRING, BOSCHCETTI, 2011, p. 38).

A pesquisa empírica foi realizada com professores do ensino superior pertencentes ao curso de Serviço Social, no Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Esta-dual de Montes Claros – Unimontes, situada em Montes Claros, norte de Minas Gerais.

O levantamento dos dados contou com 11 (onze) entrevistas, por meio de um ques-tionário semiestruturado, elaboradora pelos pesquisadores e aplicados no período de julho a novembro de 2017.

Todas as exigências institucionais e éticas para pesquisas realizadas com seres huma-nos foram cumpridas. Para identifi car os entrevistados, foram utilizadas as siglas como PR1, PR2, PR3 e assim continuamente até ao PR11.

4 ANÁLISE DOS DADOS

Este estudo teve como lócus da pesquisa o espaço sócio ocupacional da Unimontes. O estudo é parte das análises de pesquisa iniciada no ano de 2017 sobre a confi guração do trabalho do Serviço Social em Montes Claros.

Todos os assistentes sociais, professores entrevistados, tem a Universidade Estadual de Montes Claros como o principal vínculo empregatício. O tempo de vinculação empregatício dos professores entrevistados na Unimontes varia, expressivamente, entre dois e quatorze anos de experiência profi ssional na área. Desse total de entrevistados sete são efetivos, os demais possuem contratos temporários.

A fragilidade dos vínculos temporários desses contratos, muitas vezes renovados, a cada seis ou 12 meses, faz emanar questionamentos sobre a efetividade de alguns dispositivos legais, como os previstos na C.F de 1988, a qual adverte sobre a possibilidade de contratação de servidores temporários pela Administração Pública. A Constituição Federal do Brasil de 1988, amparada a contratação, entretanto esta, deve ser por “tempo determinado para atender a necessidade temporária e de excepcional interesse público”. Seguramente, o adiantamento e a morosidade em se realizar novo concurso público contribuem para a continuação dessa situa-ção, a qual reforça a contradição dos princípios legais.

Mesmo diante da legislação que preconiza sobre o que é (ou deveria ser) uma Uni-versidade, sustentada no tripé ensino, pesquisa e extensão, enfrenta-se enormes desafi os para a efetivação de uma formação superior de qualidade.

A Lei 9.394/96 em seu Artigo 52 é clara e objetiva:

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as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profi ssionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: 17 I – produção intelectual institu-cionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais rele-vantes, tanto do ponto de vista científi co e cultural, quanto regional e nacional (BRASIL. Lei 9.394. Lei de Diretrizes e Base da Educação, 1996, p. 23).

No entanto, observa-se que a educação de qualidade, sustentada no tripé ensino, pesquisa e extensão, não é prioridade do Estado. Ou seja, diante de acordos neoliberais, da mercantilização da educação, O Estado segue na contramão da qualidade do ensino, do acesso e permanência dos estudan-tes na Universidade, e das condições de trabalho para docentes, impulsionando e direcionando para os interesses do capital fi nanceiro.

No contexto de domínio do capital fi nanceiro observa-se a reifi cação da vida social, cujas relações sociais voltam-se para a cultura do imediato e do aparente (GUERRA, 2010). Esta cultura mercantil, da necessidade de circulação das mercadorias de forma cada vez mais acelerada, tem deli-neado relações sociais de trabalho destrutivas para a classe trabalhadora: a informalidade como meio de sobrevivência, subempregos, trabalho temporário, intermitente, mais de um emprego, dentre outras realidades em que o trabalhador/a é exposto/a em sua condição de trabalho, refl etem na qualidade dos serviços prestados e na condição de saúde do trabalhador/a.

Esta realidade é vivenciada na Universidade, como se observa no trabalho docente, através das exigências cada vez maiores por produtividade e das péssimas condições de trabalho, que têm interferi-do na vida dos/as trabalhadores/as e na formação profi ssional. A não realização de concurso público de fl uxo contínuo, por exemplo, é um dos graves problemas. Uma universidade que “exerceu suas funções” durante quinze anos sem concurso público tinha até então uma composição quase total do quadro de professores contratados de forma temporária.

No último concurso da Unimontes para o curso de Serviço Social, foram preenchidas sete das quinze vagas oferecidas, com a disposição de cargos efetivos de quarenta horas semanais. Atualmente o curso aguarda a aprovação e liberação por parte da Universidade e do Estado para continuidade e con-clusão do concurso, ainda sem previsão formal comunicada.

Diante deste contexto, urge a necessidade de continuidade do concurso, afi m de que a totalida-de do quadro de professores seja composta por profi ssionais efetivos, fortalecendo assim as áreas de en-sino, pesquisa e extensão. Entretanto, ainda não se efetiva condições dignas de trabalho aos professores/as, de acesso e permanência dos/as estudantes na instituição de ensino, de uma formação que seja capaz de contribuir com a construção da capacidade crítica e refl exiva dos futuros profi ssionais.

A ampliação da jornada de trabalho do/a trabalhador/a evidencia uma confi guração de preca-rização das condições das relações sociais de trabalho (MARX, 2012; ANTUNES 2001), consequente-mente resulta no adoecimento dos/as trabalhadores/as, refl etindo negativamente na qualidade da forma-ção e na dignidade dos sujeitos.

Os atuais professores do curso estão envolvidos nas áreas de Residência Multiprofi ssional em Saúde Mental; em diversos projetos de pesquisa e extensão, na orientação de iniciação científi ca, e de monografi a, na Revista online, no Núcleo Docente Estruturante, nos colegiados do curso, no de-partamento, no conselho departamental, no CEPEX – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, em

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comissões de interesse da gestão, nas organizações de eventos e formação continuada junto ao Minis-tério Público e às instituições que atuam junto às políticas sociais do município e região. Além de ter professores representantes no Conselho Regional de Serviço Social – CRESS, na Associação de Ensino Pesquisa do Serviço Social – ABEPSS, bem como membros na Comissão de Apoio aos Grupos Organi-zados - COMAGO – do CRESS e na diretoria da Seccional do CRESS-MG em Montes Claros/MG. Por conseguinte, estas e outras atividades são desenvolvidas por um número reduzido de professores.

Contudo, uma sobrecarga e acúmulo enorme de funções dos professores se evidenciam para garantir o funcionamento do curso, na busca de seguir os princípios das Diretrizes Curriculares de 1996 do Serviço Social e da articulação entre as dimensões da profi ssão. Confi rmando o debate dos autores Antunes (1999) e Marx (2012) sobre a precarização e fl exibilização das relações de trabalho.

De acordo com PR3, PR7, PR9 e PR10 as exigências do trabalho docente no ensino superior acompanhada do produtivismo acadêmico, a necessidade de conciliar o tempo – este que ultrapassa às 40h, 60h semanais – com condições precárias de trabalho, comprometimento da qualidade de vida social e familiar, fi cam de lado o cuidado e o tempo destinado ao lazer, à saúde pessoal e inclusive a dedicação para melhor qualifi cação.

Os principais problemas de saúde apontados de acordo com as entrevistas foram: auto nível de estresse, ansiedade, má qualidade do sono, exaustão, fadiga, problemas com a voz, problemas posturais e funcionais.

A confi guração atual do nosso trabalho refl ete na qualidade dos serviços pres-tados na formação superior, pois, a jornada de trabalho é delongada dentro da instituição e se estende à noite e aos fi nais de semana, dias estes que deveriam ser para o cuidado e atenção com a nossa vida privada, passa a ser incorporado ao trabalho, para além do tempo contratado pelo Estado. E esta situação é qua-se que naturalizada por nós trabalhadores da educação (Entrevista realizada com PR11 em Montes Claros, 17 de setembro de 2017).

“O trabalhador deve descansar, dormir, durante outra, tem de satisfazer suas necessi-dades físicas, alimentar-se, lavar-se, vestir-se. Além de encontrar esse limite puramente físico, o prolongamento da jornada de trabalho esbarra em fronteiras morais” (MARX, 2012, p. 270). Neste padrão de reifi cação das relações sociais de trabalho o capitalismo através do processo de alienação anula a capacidade criativa e refl exiva do professor universitário, contribuindo para rebaixar seu horizonte intelectual e político.

Uma realidade que ameaça a permanência dos profi ssionais no ensino superior, pois, diminui expectativas de sobreviver da docência, contribuindo sobremaneira na busca por me-lhores condições de trabalho em outros espaços. Obviamente que “o aviltamento dos salários, a pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos, ausência de horizontes profi ssionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão e ascensão na carreira” (RAICHELIS, 2011, p.422) e a crescente oferta de cursos de graduação na modalidade de en-sino a distância - EAD - são determinantes neste processo, colocando em risco a formação de qualidade e exacerbando a mercantilização do trabalho no ensino superior.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações e as condições de trabalho no capitalismo tardio têm sido demasiadamente complexas e contraditórias. Transformações ocorridas na sociedade capitalista nas últimas dé-cadas afetaram de maneira global a vida social e o mundo do trabalho, com fortes repercussões no interior da classe trabalhadora no que diz respeito às condições e relações de trabalho.

Dentro desse contexto, observa-se que a condição de trabalhador/a assalariado/a do-cente refl ete a precarização do mundo do trabalho, com impactos negativos diretos na vida dos profi ssionais e na qualidade da formação.

Por meio desse estudo realizaram-se algumas refl exões sobre a confi guração do tra-balho dos professores assistentes sociais na formação superior, no espaço sócio ocupacional universitário público, no curso de Serviço Social da Unimontes.

O/a assistente social docente, inserido na divisão social e técnica do trabalho, vende sua força de trabalho em troca de um salário, mediatiza tanto os interesses da sociedade do ca-pital e da instituição empregadora – neste caso do Estado - quanto os interesses dos usuários dos serviços prestados, ou seja, dos/as estudantes. A atuação profi ssional fi ca condicionada e, mui-tas vezes, limitada pelas condições da instituição empregadora, esta mais limita que possibilita a sua prática, na sala de aula, no desenvolvimento dos projetos e em sua própria organização coletiva e política.

O desafi o que se coloca é transformar a situação de fato em outra realidade, é preciso denunciar e resistir ao processo de mercantilização da educação, já que ela deve ser priorida-de de uma sociedade que almeja desenvolver-se em todas as suas dimensões; principalmente na dimensão do conhecimento, consequentemente nas descobertas, na criatividade, no acesso público de fato, na qualidade e excelência, ou, em outros termos, no trabalho ontológico e tele-ológico do ser social.

Entretanto, mais que considerações fi nais, novos questionamentos surgiram para a continuação do debate: quais condições os docentes vêm se submetendo para obtenção de tra-balho e renda? Quais consequências o trabalho precarizado e a mercantilização da educação tem produzido na sociedade? De que forma a categoria dos professores, junto à classe trabalha-dora, tem se fortalecido na luta por seus direitos e princípios éticos profi ssionais? Discutimos sobre a superação da ordem social do capital? Por fi m, é necessário movimentar-se para resistir e continuar lutando por uma educação pública, democrática e de qualidade.

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