54
5 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL ANGÉLICA SOARES PINTO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E SERVIÇO SOCIAL: NOTAS REFLEXIVAS RIO DE JANEIRO 2008

Trabalho saúde do trabalhador e serviço social

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

5

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

ANGÉLICA SOARES PINTO

TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E SERVIÇO SOCIAL: NOTAS REFLEXIVAS

RIO DE JANEIRO 2008

Page 2: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

6

Angélica Soares Pinto

TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E SERVIÇO SOCIAL: NOTAS REFLEXIVAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em Serviço Social. Orientador: Professor Dr. Marcelo Braz Moraes dos Reis

Rio de Janeiro 2008

Page 3: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

7

RESUMO PINTO, Angélica Soares – Trabalho, Saúde do Trabalhador e Serviço Social: Notas Reflexivas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social) – Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

No presente texto buscamos apresentar o processo de trabalho como fator que

leva o trabalhador a adoecer física e psicologicamente. Para isso partimos das teorias

que colocam o trabalho como fundante do ser social, como central na sociabilidade

humana e ponto de partida das relações sociais. Em seguida, buscamos estudar os

processos de desumanização do trabalho e suas conseqüências à saúde dos

trabalhadores. Por fim, tratamos do trabalho do assistente social dentro da temática

saúde do trabalhador, inserido em uma empresa. Apresentamos as formas do

assistente social avaliar o processo de trabalho e identificar suas conseqüências que

levariam ao adoecimento da força de trabalho, para a partir disso nortear suas

atividades e intervir para buscar a melhora nas condições de trabalho e de vida do

trabalhador.

Page 4: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

8

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................05

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................................................07

INTRODUÇÃO............................................................................................................................11

CAPÍTULO I: TRABALHO E SER SOCIAL NA CONTEMPORÂNEIDADE........................14

1.1 A Centralidade do Trabalho para o Ser Social............................................................15

1.1.1 Processo de trabalho, prévia ideação e práxis.......................................................17

1.2 O Trabalho e o Ser Social na Contemporaneidade: regressões do ser social, da

sociabilidade humana e processos de desumanização................................................20

CAPÍTULO II: SAÚDE DO TRABALHADOR.........................................................................26

2.1 Noções Conceituais sobre a trajetória da Medicina do Trabalho à Saúde do

Trabalhador.................................................................................................................27

2.2 A Reestruturação Produtiva e suas conseqüências à Saúde do Trabalhador..............31

CAPÍTULO III: TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E SERVIÇO SOCIAL...........35

3.1 O Serviço Social na Área de Saúde do Trabalhador.................................................36

3.2 A Atuação do Assistente Social na Saúde do Trabalhador.......................................40

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................47

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................51

Page 5: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

9

Page 6: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

10

Page 7: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

11

APRESENTAÇÃO

Ao longo dos estágios curriculares, o primeiro desenvolvido em uma empresa

estatal e o segundo em uma instituição de atendimento a usuários hipossuficientes1,

tivemos conhecimento de diversos casos de indivíduos adoecidos em função das

condições de trabalho. Não somente física, mas também psiquicamente

comprometidos por diversos motivos.

Para elucidar esse fato que desenvolvemos esse trabalho, trazendo a

centralidade do trabalho na formação do ser social, uma trajetória histórica das

condições de trabalho a que os trabalhadores são submetidos e, sob as quais,

comprometem toda sua estrutura de vida, gerando situações onde se chega ao

extremo do adoecimento físico e mental e, por fim, mostrando à luz do Serviço Social,

como nós, enquanto profissionais, poderemos atuar nessas situações.

Num primeiro momento, logo na primeira orientação, construímos o objeto

dentro do tema pretendido. Optamos por partir de um apanhado histórico sobre as

condições de trabalho, para compreender o processo que desencadeou a realidade

que presenciamos hoje, em todo campo de trabalho. Para entendermos o que levou o

processo de trabalho a ser tão nocivo para o trabalhador, no que tange sua saúde. A

partir desse passo, mostrar como o Assistente Social pode contribuir para a qualidade

de vida da força de trabalho dentro da empresa/instituição em que estiver inserido.

1 Pessoas que não possuem condições financeiras de arcar com despesas de advogado e custas

judiciais, conforme Art. 5º Constituição Federal de 1988.

Page 8: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

12

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Como discutir saúde do trabalhador sem trazer as causas primeiras dos

problemas do processo produtivo? Os prejuízos causados a vida do trabalhador,

como um todo, estão dentro das conseqüências do modo de produção capitalista,

sendo assim, como nos ensina Marx em seu método do Materialismo Histórico-Crítico

e Dialético (PASCHOAL, 2007), não se pode estudar somente um ponto isolado sem

fazer o caminho inverso até suas causas primeiras, para no fim se chegar às

conclusões.

Para melhor compreender esse processo, recorremos a Amália Paschoal (2007)

e seu estudo sobre o método de Marx para analisar as conseqüências do Capitalismo.

Marx, segundo Paschoal (2007), diz que não se pode analisar um determinado

dado sem considerar os elementos que o compõem. Então, devemos partir desse

dado, que de início nos é um real caótico e ir desmembrando-o em suas

determinações, abstrações, para após esse processo poder reanalisar e então chegar

Page 9: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

13

ao concreto pensado, ao conhecimento de todas suas determinações e relações

postas a partir delas.

O método materialista dialético nos permite partir das determinações abstratas

e chegar, através do pensamento, ao concreto.

O método do materialismo histórico e dialético supõe a interação entre os termos da relação sujeito-objeto a fim de alcançar um conhecimento mais profundo das leis que regem na realidade objetiva e poder utilizá-lo na transformação da mesma realidade. (PASCHOAL, 2007:33)

Partindo-se da uma 1a aproximação, teríamos o Processo Abstrato-Concreto,

onde iniciamos no concreto real, que nos é dado, realizamos sua abstração,

desmembrando-o em determinações, chegando ao concreto pensado.

(...) o dividir analítico até a construção teórica, ou seja, concreto real – abstração – concreto pensado (constituindo um) movimento dialético que parte e termina na realidade. (PASCHOAL, 2007:34)

No entanto, se faz necessário uma 2a aproximação para se produzir o

conhecimento a cerca do objeto analisado, pois a realidade está em constante

movimento e é importante delimitar o objeto em sua complexidade, organizando seus

interesses sobre o mesmo. Somente em uma 3a aproximação se terá o concreto

pensado e, por fim, em uma 4a aproximação se verifica as conclusões. Conclui-se

assim, uma investigação científica no método materialista histórico dialético, proposto

por Marx.

Para experimentar o método, no entanto, é imprescindível encontrar as

determinações da realidade, os nexos que formam a realidade propriamente dita.

Estas são chamadas de categorias simples, e precisam ser analisadas em sua

Page 10: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

14

totalidade, relacionadas. Esse conjunto de relações entre as categorias, forma a

estrutura teórica. Diante desse processo, Marx afirma que “o homem se autoproduz ao

produzir a realidade que vive” (apud PASCHOAL, 2007:36), justificando o materialismo

histórico.

Portanto, essa busca pelas determinações constitui o ponto de referência da

análise, de onde parte a abstração inicial. Conclui-se que o pensamento inicia no

estudo do todo abstrato chegando ao concreto, com as relações inseridas nesse todo

de determinações.

A partir desse processo, ocorre a contextualização e elaboração das categorias,

onde se organiza o conhecimento apreendido com a análise das relações entre as

determinações. Essas categorias são, então, analisadas dentro do contexto histórico

em que se realizam, considerando que o presente contém as realizações passadas,

configurando sua evolução.

Dá-se, dessa forma, o momento da investigação no método do materialismo

histórico dialético.

Porém, para Marx, o método é composto por 2 momentos, o de investigar e o

de expor as determinações da realidade. Paschoal, coloca a importância do momento

de expor as conclusões:

Ignorar o método da explicitação dialética diminui a importância do concreto mantendo-o sob o abstrato, ou leva ainda a omitir os termos investigatórios e a construir abstrações forçadas. (2007:40)

Assim sendo, explicitamos nesse trabalho as conclusões do exercício do

método materialista histórico dialético realizado por nós diante da temática saúde do

trabalhador.

Page 11: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

15

Para concluir essa análise sobre o método, trazemos parte do parágrafo final de

Paschoal, onde ela nos diz que no marxismo

sua teoria é a análise das condições de existência da burguesia. Assim, enquanto existirem estas condições nas quais o marxismo se debruçou – a permanência do capitalismo – o marxismo continuará sendo o instrumento analítico mais adequado, mais poderoso, mais abrangente, mais percuciente para revelar esse mundo – é um instrumento adequado ao seu objeto. (2007:40)

Isso exposto, reafirmamos utilizar as teorias do método materialista histórico-

crítico dialético, de Marx, para realizar este trabalho que se segue. Aproveitamos este

passo para apresentar os procedimentos que seguimos para construir a pesquisa

teórica, a qual trazemos aqui as conclusões:

Definição do objeto.

Levantamento bibliográfico referente a cada temática abordada no

presente trabalho.

Primeiras leituras.

Escolha das fontes principais para cada capítulo.

Inicio do estudo teórico-crítico.

Construção de resumos, sínteses e resenhas dos textos selecionados.

Redação da monografia, capítulo por capítulo.

Redação final.

Obs: Concomitantemente a esse processo, davam-se as orientações,

através de discussões com o Professor Orientador.

Page 12: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

16

INTRODUÇÃO

Neste trabalho pretendemos trazer a trajetória do mundo do trabalho e suas

conseqüências à vida do trabalhador.

No Primeiro Capítulo trataremos da centralidade do trabalho na formação do

ser social, fundamentando a reprodução social e atendendo às necessidades de

sociabilidade. O trabalho como base da diferenciação ontológica entre o ser natural e

o ser social, já que através dele o homem modifica a natureza e sua própria natureza.

Trataremos o homem como natureza historicamente transformada, através do trabalho.

Traremos, também o homem como único ser capaz de prever suas ações, dotado de

habilidades e conhecimentos

Ainda no capítulo inicial, explanaremos os processos de regressões do ser

social, as mudanças no mundo do trabalho que causaram crises na classe

trabalhadora, afetando toda sua dimensão. Traçando uma linha da produção em série,

de Ford, até a especialização flexível, da Toyota, onde se exerce um maior controle

Page 13: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

17

sobre a força de trabalho, levando ao aumento do desemprego estrutural,

subproletarização e precarização das condições de trabalho.

No Segundo Capítulo mostraremos o processo que leva da “Medicina do

Trabalho”, onde todas as atividades são para o retorno rápido do trabalhador adoecido

visando não ocorrer perdas na produção, até a “Saúde do Trabalhador”, onde o foco é

a prevenção e promoção da saúde no ambiente e no processo de trabalho,

considerando a totalidade da vida do trabalhador.

Trataremos também das conseqüências nocivas da reestruturação produtiva à

saúde do trabalhador, como a DORT/LER (doença osteomuscular relacionada ao

trabalho/lesão por esforço repetitivo) e o estresse, aliado ao sofrimento mental devido

às péssimas condições de trabalho e insegurança com relação ao emprego.

Apontaremos o processo de terceirização da força de trabalho, onde o trabalhador não

passa de prestador de serviços por um tempo determinado, com contratos precários e

sem vínculos com a empresa a que presta o serviço.

Por fim, o Terceiro Capítulo trará o assistente social atuando na área de

“Saúde do Trabalhador”. Mostrará essa área como principal demanda do Serviço

Social em empresas, significando a continuidade da produção sob ponto de vista do

empresário, e, contraditoriamente, buscando a melhora nas condições gerais de vida

do trabalhador no ambiente produtivo, garantindo a integridade física, psíquica e

mental do trabalhador.

Tendo por papel profissional garantir o acesso aos direitos e promover a saúde,

o assistente social considera todos os determinantes sociais da vida do trabalhador

para nortear sua atuação em busca da melhora nas condições do ambiente e do

Page 14: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

18

processo de trabalho. Labora em uma equipe multidisciplinar, para que o alcance das

ações da equipe se dê em toda a complexidade da área de trabalho.

Destacamos ainda, a importância do envolvimento do próprio trabalhador nesse

processo de melhoria das condições de trabalho.

Page 15: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

19

CAPÍTULO I: TRABALHO E SER SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE

Page 16: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

20

1.1 A Centralidade do Trabalho para o Ser Social

A sociedade é uma esfera ontológica peculiar, distinta do ser natural, no entanto,

constituinte do ser social. A distinção dos homens com a natureza é conseqüência dos

atos humanos e por esse motivo, pode-se dizer ser ontológica.

Sergio Lessa (2007) nos ensina que, na base do ser social está o trabalho,

como forma de apropriar-se da natureza. É o trabalho que fundamenta a reprodução

social, meio pelo qual o indivíduo transforma a natureza naquilo que necessita, que

tem elaborado na consciência. A gênese do ser social é o aparecimento da

reprodução social, uma materialidade antes inexistente, com características

independentes de herança biológica ou genética. Não existe reprodução social sem a

transformação da natureza através do trabalho. A sociedade não existe sem a

natureza, que lhe é algo anterior e fonte dos meios de produção e subsistência. Dessa

forma a reprodução da sociedade depende da existência da natureza.

O trabalho atende às necessidades da sociabilidade humana, produzindo os

meios de produção e subsistência. E é base da diferenciação ontológica entre o ser

natural e o ser social, já que através do trabalho o homem modifica a natureza e a sua

própria natureza. E por ser a mediação entre as duas categorias, também é a

articulação entre teleologia e causalidade. Para Marx (apud LESSA, 2007), o trabalho

é a condição “eterna” da vida social.

O objeto de trabalho é a matéria-prima, é a natureza já transformada. E seus

meios de trabalho são instrumentos que o trabalhador usa para conduzir sua atividade

sobre o objeto de trabalho. É a maneira utilizada pelo homem para converter a

Page 17: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

21

natureza em um valor de uso, originados da própria natureza, modificados pelo

trabalho. Os meios de trabalho juntamente ao objeto de trabalho formam os meios de

produção.

O homem ao converter a natureza em meios de produção e subsistência

modifica sua natureza de ser social. A materialidade da sociedade é construída pelos

homens, enquanto a da natureza é imposta à sociedade.

As leis sociais são mutáveis e suprimíveis, sendo produzidas pela ação humana,

enquanto que as leis naturais referem-se a fenômenos que não dependem da ação

humana. O homem pode transformar a natureza, porém jamais aboli-la. As leis da

natureza têm caráter imperativo, eis que em determinadas condições sempre ocorrem,

independentes das transformações sociais. As leis sociais são tendenciais, ou seja,

mesmo em condições favoráveis, podem não se realizar.

Então, segundo Lessa (2007), o trabalho é fundante do ser social porque é o

modo como o homem transforma a natureza, assim transformando a si mesmo,

construindo sempre “novas situações, novas relações sociais, novos conhecimentos e

habilidades” (LESSA, 2007: 145). Esse processo que diferencia de forma ontológica o

ser social da natureza, pois é a evolução das relações sociais que garante a

reprodução social, diferente do desenvolvimento biológico da natureza.

Seguindo esse pensamento, podemos acrescentar ainda que, como nos ensina

Braz e Netto (2007), o trabalho é fundante, também, da sociedade, enquanto conjunto

dos modos de existir do ser social. Não existem seres sociais singulares isolados. A

história é o processo de constituição do ser social, da humanidade. O homem é

natureza historicamente transformada.

Page 18: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

22

1.1.1 Processo de trabalho, prévia ideação e práxis

Todo ato do homem é teleologicamente posto e direcionado para uma finalidade,

ou seja, o resultado do processo de trabalho já existe idealmente na imaginação do

trabalhador. O ser humano transforma a natureza segundo seus objetivos. No final do

processo de trabalho, temos a realização do objetivo humano na matéria natural. A

finalidade se transforma em objeto.

Porém, para Marx (apud LESSA 2007), existem “barreiras naturais” que não se

pode suprimir e há potencialidades naturais que as sociedades podem aproveitar.

Essas determinações naturais condicionam a reprodução social.

Segundo Braz e Netto (2007), o trabalho exige o uso de instrumentos para atuar

sobre a matéria natural, exigindo habilidades e conhecimentos, adquiridos pela

experimentação e repassados pelo aprendizado. O trabalho vai se desenvolvendo

ilimitadamente, conforme surgem novas necessidades. É uma atividade própria da

espécie humana.

O instrumento é indispensável e realiza a mediação entre o sujeito e o objeto. A

criação desses instrumentos se dá com a previsão da finalidade a que se destina e é

cercado de escolhas, como para que serve e qual a melhor forma de executá-lo. Antes

de efetivar a atividade, o sujeito prevê o fim idealmente. O trabalho é projetado

teleologicamente a partir de um objetivo previamente posto. No entanto, só se realiza

com a transformação da matéria natural pela ação do sujeito. É uma objetivação.

Durante o processo de trabalho o sujeito deve fazer escolhas e avaliações para

obter o resultado. No entanto, as objetivações do trabalho são autônomas do sujeito.

O produto e o sujeito existem independentes. Por fim, é imprescindível ao sujeito “o

Page 19: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

23

conhecimento sobre a natureza e a coordenação múltipla necessária” para realização

do trabalho. (BRAZ e NETTO, 2007:33)

É necessário ao sujeito construir previamente e idealmente as condições que irá

realizar o trabalho, e possa transmitir essas informações. Para isso é necessário um

sistema de comunicação, o que leva a constituição da linguagem articulada.

O trabalho é sempre atividade coletiva, seu sujeito sempre se insere num

conjunto, o que se denominará o social. O trabalho implica uma interação entre os

sujeitos, afetando os próprios sujeitos e a sua organização. É a formação do ser social,

distinto do ser natural. Através do trabalho a humanidade se constitui.

Somente o ser social pode projetar seus objetivos e utilizar da linguagem

articulada para exteriorizar seus pensamentos e conhecimentos. Pela consciência o

ser social torna suas atividades objeto de reflexão, com livre arbítrio de escolhas. Esse

conjunto de habilidades desenvolvidas dá ao ser social a capacidade de universalizar-

se. E para reproduzir-se socialmente, sociabiliza seus conhecimentos através de

processos de interação social, principalmente os educativos.

O ser social desenvolvido é, portanto, capaz de realizar atividades

teleologicamente orientadas; objetivar-se material e idealmente; comunicar-se e

expressar-se pela linguagem articulada; tratar suas atividades de modo reflexivo,

consciente e auto-consciente; escolher entre alternativas concretas; universalizar-se e

sociabilizar-se.

Como expressões do ser social desenvolvido, surgem esferas de objetivação

autônomas da imediaticidade do trabalho, como o pensamento religioso, a ciência, a

filosofia e a arte. Porém o trabalho continua como fundante e necessário ao ser social.

Page 20: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

24

Para articular essas objetivações com o trabalho, o homem se utiliza da práxis,

devendo-se distinguir a práxis voltada para controle e exploração da natureza e a

voltada para influenciar os homens. Os produtos resultados da práxis podem existir

materialmente ou somente idealmente, como a ética. É a construção do mundo de

produtos, obras e valores. É onde surge o gênero humano. A práxis revela o homem

como ser criativo e autoprodutivo.

Porém, Braz e Netto (2007) nos mostram que em determinadas condições

histórico-sociais, os produtos do trabalho do homem deixam de representar

objetivações que expressam a humanidade, passando a controlá-los de forma

invertida. Isto é, o produto controla o homem. É a alienação, própria da sociedade

onde existe divisão social do trabalho e propriedade privada dos meios de produção,

sociedades onde o produto do trabalho não pertence a quem realiza, constituindo a

exploração. A alienação marca as expressões materiais e ideais da sociedade, com

isso, estimula uma regressão do ser social.

Quanto mais rica em suas objetivações é uma sociedade, maiores são as

exigências para sociabilização de seus membros. O desenvolvimento do ser social se

dá de forma desigual em cada ser singular, ou seja, ocorre uma humanização desigual.

Conforme as condições sociais que lhe são oferecidas, cada homem se apropria das

objetivações existentes, construindo sua subjetividade, através do conjunto de

interações que esse ser singular se insere. Porém, para que todos os homens possam

construir sua personalidade, é preciso que as condições sociais para se sociabilizarem

sejam iguais para todos. Somente esse tipo de sociedade pode superar o

individualismo e garantir que todos se constituam como indivíduos sociais.

Page 21: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

25

1.2 O Trabalho e o Ser Social na Contemporaneidade: regressões do ser social,

da sociabilidade humana e processos de desumanização

A década de 1980 foi marcada por profundas crises na classe trabalhadora que

afetaram sua materialidade, sua subjetividade e também sua forma de ser. Nesse

período ocorre a expansão da automação, da robótica e da microeletrônica,

influenciando as relações de trabalho do meio fabril. Além do fordismo e do taylorismo,

surgem outros processos produtivos, como o toyotismo no Japão.

Como nos ensina Antunes (2003:24), busca-se substituir o cronômetro e a

produção em série e em massa, pela especialização flexível, novos “padrões de

gestão da força de trabalho”, como “gestão participativa e busca pela qualidade total”

por todos os países capitalistas. O toyotismo toma o espaço do fordismo.

Os direitos do trabalho são “desregulamentados e flexibilizados” (ANTUNES,

2003:24). Direitos e conquistas são substituídos ou eliminados. O despotismo

taylorista é substituído pela participação na empresa e pelo “envolvimento

manipulatório” (Idem), próprio da sociedade produtora de mercadorias.

Tratamos por fordismo a forma de produção industrial baseada na produção em

massa, linha de montagem e produtos homogêneos, com o tempo cronometrado e

movimentos articulados (taylorismo), fragmentação das funções, existência de

unidades fabris verticalizadas e constituição do trabalhador coletivo, predominando

nas grandes indústrias.

Conhecemos por especialização flexível a articulação entre o desenvolvimento

tecnológico e a desconcentração produtiva. Esse modelo produtivo recusa produção

Page 22: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

26

em massa, tendo por base um mercado mais regionalizado. Sucedeu o fordismo e

superou seus moldes de produção em série, o que restringia a criatividade dos

trabalhadores, em um processo de trabalho maquinecista, ritmado, automático. Porém,

constituía também um sistema de manipulação do trabalhador, pois sua base na

desconcentração produtiva fragmentou o trabalho, permitindo ao capital um maior

controle sobre a força de trabalho e uma maior exploração. Essa fragmentação da

força de trabalho dificulta a atuação dos sindicatos.

O fordismo manteve-se forte até 1973, a partir de quando entra em crise e

começa a emergir o processo de acumulação flexível, marcado pela flexibilização da

produção, dos processos de trabalho. Ampliam-se os setores de produção, como o

setor de serviços e surgem novos mercados, levando conjuntos industriais para as

regiões subdesenvolvidas.

Porém, Antunes ressalta que a acumulação flexível ainda é uma forma de

capitalismo, sendo voltada para o crescimento da produção apoiada na exploração da

força de trabalho e apresentando uma “intrínseca dinâmica tecnológica e

organizacional” (2003:30), de maneira que a fragmentação da produção permite que o

empreendedor capitalista escolha onde sairá mais barato realizar cada fase da sua

produção, considerando, como aponta Vasopollo (2005), os valores relacionados a

tributos, força de trabalhado e matéria-prima. Isso levou ao aumento do desemprego

estrutural e ao enfraquecimento da ação sindical, favorecendo o individualismo entre

os trabalhadores.

No entanto, foi o toyotismo japonês que causou a maior revolução técnica

industrial com grande potencial de propagação. Tinha por objetivo produzir conforme o

Page 23: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

27

consumo, atendendo o mercado interno que exige produtos diferenciados em pedidos

pequenos. Porém, teria que enfrentar o forte sindicalismo japonês. Isso levou à

repressão dos principais líderes sindicalistas, permitindo aos empresários instituírem

os sindicatos dentro das próprias empresas, modo pelo qual controlariam o movimento.

O ideal do sindicalismo de empresa era proteger a mesma, para dessa forma

assegurar as condições de emprego. As conseqüências foram os empregos vitalícios,

adotados pelas grandes empresas japonesas e as remunerações salariais por

produtividade. Isso levava os trabalhadores a ter um comprometimento maior com a

empresa, levando ao crescimento da produtividade a qualquer custo.

Como anteriormente dito, no toyotismo a produção é conduzida pelo consumo,

sustentada na idéia de estoque mínimo, com total aproveitamento do tempo de

produção e controle da reposição de produtos. Para esse fim com menor custo

relacionado à força de trabalho, um homem opera várias máquinas, executando

diversas tarefas ao mesmo tempo, tornando-se “trabalhador multifuncional”

(ANTUNES, 2003:34), voltando-se ao trabalho em equipe, contrário ao fordismo. Tem-

se a “horizontalização” da empresa, reduzindo-se a montadora e terceirizando a

produção de elementos básicos a empresas menores, apresentando um número

mínimo de trabalhadores efetivos, com muitas horas extras, subcontratados e

temporários. A produção é controlada pelos trabalhadores, que são treinados para

melhorar a produtividade e a qualidade. Entretanto, com essa responsabilidade

passada ao trabalhador, e o advento do trabalho vitalício, houve inúmeros casos de

“morte súbita no trabalho”, causada pela intensidade do trabalho.

Page 24: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

28

Com exceção do trabalho vitalício, o toyotismo se expandiu por todo o mundo

do trabalho, em todos os continentes, com adaptações e algumas modificações.

Como o toyotismo está relacionado com a lógica neoliberal, sua inserção na

Europa levaria a redução do que restou do “Welfare State”, com uma significativa

perda das conquistas sociais. “Menos do que social-democratização do toyotismo,

teríamos uma toyotização descaracterizadora e desorganizadora da social-

democracia” (ANTUNES, 2003:40)

Contudo, na era toyotista também é perceptível o estranhamento do trabalho, a

“desidentidade entre indivíduo e gênero humano” (ANTUNES, 2003:41), que é até

mesmo intensificado. Na era fordista a sujeição do trabalhador dava-se de forma

despótica, enquanto que no toyotismo dá-se de forma aparentemente consensual e

envolvente, tornando-se mais manipuladora. O trabalhador pensa e age sempre

voltado para a produtividade. Ocorre um

(...) estranhamento do ser social que trabalha, que tendencialmente se aproxima do limite (físico e psíquico)(...) acarretando metamorfoses no ser do trabalho. (ANTUNES, 2003:42)

Como resultado, temos modificações na consciência, na subjetividade e nas

formas de representação do ser do trabalho. E o movimento sindicalista deixa de lutar

por ações globais e passa a debater dentro da noção neoliberal, distanciando-se dos

movimentos de classe.

Então, ocorre no mundo do trabalho uma redução do operariado industrial, mas

também uma ampliação do trabalho assalariado, com a expansão do setor de serviços.

Ocorre uma subproletarização, com trabalho parcial, temporário, precário,

Page 25: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

29

subcontratados e terceirizados. Como conseqüência, tem-se a expansão do

desemprego estrutural em todos os continentes, buscando uma maior

“heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora”

(ANTUNES, 2003:50).

Essa redução do operariado fabril, industrial, se dá pelo momento recessivo e

expansão dos avanços tecnológicos, o que leva ao aumento do desemprego estrutural.

E a subproletarização leva ao crescimento da economia de trabalho informal, com

emprego e remuneração precária, desregulamentação das normas de trabalho

vigentes e regressão dos direitos sociais, levando a uma maior individualização da

relação salarial, já que se tem desmobilizada e fragmentada as atuações sindicais.

Ocorre uma busca por trabalhadores que entrem facilmente na empresa e que possam

ser demitidos sem custas, bem como um aumento no contingente de mulheres

trabalhadoras em todos os ramos industriais.

Repetimos que como resultados dessas modificações no operariado, tem-se a

alteração na forma de ser do trabalho, que ao mesmo tempo qualifica e desqualifica o

trabalhador. Com o aumento do maquinário na empresa, o trabalhador se coloca como

“regulador do processo de produção” (Marx, 1972:228, apud ANTUNES, 2003:55),

levando a uma redução do tempo de trabalho necessário para produção e ampliando o

tempo de trabalho excedente.

Não há uma eliminação de trabalho, ocorre uma intelectualização de parte dos

trabalhadores, que se tornam capacitados para supervisionar, programar e reparar

possíveis problemas ao longo da produção.

Page 26: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

30

No entanto, se dá também a desqualificação de diversos setores operários,

onde as transformações levaram a desespecialização do trabalhador em decorrência

da necessidade de trabalhadores multifuncionais, como forma de reduzir o controle

desses trabalhadores antes qualificados e aumentar o poder de dominação do capital.

Esse processo segmentou ainda mais a classe trabalhadora, deixando no

centro o grupo de trabalhadores com maior segurança e estabilidade no emprego e

mais envolvidos com a empresa. Na periferia da classe trabalhadora ficaram os

empregados instáveis, menos especializados e subcontratados.

Completando com o que nos traz Vasopollo (2005), a nova organização do

modo de produção capitalista é marcada pela flexibilização, precariedade e

desregulamentação, o que causa o mal-estar do trabalho, onde o trabalhador é

vulnerável às constantes mudanças do sistema de produção, precarizando todo o seu

viver social.

A flexibilização acaba por piorar as condições de trabalho e de vida dos

operários, pois baixa os salários e aumenta o trabalho irregular e ilegal. O que se

observa, então, é um investimento na qualificação do trabalho e desqualificação dos

trabalhadores em um processo contraditório.

Page 27: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

31

CAPÍTULO II: SAÚDE DO TRABALHADOR

Page 28: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

32

2.1 Noções Conceituais sobre a trajetória da Medicina do Trabalho à Saúde do

Trabalhador

Com a reestruturação produtiva, os trabalhadores sofrem inúmeras perdas de

direitos sociais, além da agressão de seus limites físicos e psicológicos,

conseqüentemente perdem capacidade de luta, desconhecendo-se enquanto classe

trabalhadora. Tudo isso devido à vulnerabilidade a que são expostos, correndo o

constante risco de demissão, e deparando-se com um mercado de trabalho cada vez

mais restrito, e condições salariais cada vez mais humilhantes.

Diante desse novo quadro, o trabalhador sofre um processo de culpabilização,

tornando-se potencial desempregado, vez que se manter atualizado e especializado

não garante sua empregabilidade. Sente-se pressionado, pois sabe que saindo do

mercado formal, existe um exército de reserva esperando para ocupar seu espaço.

Assim, submete-se a todo tipo de má situação profissional, abusos por parte dos

superiores, riscos de acidente de trabalho, salários muito baixos, constrangimentos

que vão prejudicando-o, física e psiquicamente.

No mundo do trabalho contemporâneo, onde cada um torna-se responsável

pela sua “empregabilidade”, a pressão desencadeadora de sofrimento é constante,

agindo sobre os trabalhadores.

Para Lukács (apud HOLANDA, 2002), o sujeito é formado por um processo

histórico de relações sociais, onde o trabalho está no centro dessa humanização do

sujeito individual, o que o diferencia do mundo natural. Dessa maneira, podemos

Page 29: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

33

compreender a importância que o trabalho tem na vida de um indivíduo, e a

conseqüência de um processo de trabalho desumanizador.

Segundo Dejours (1992), a organização do trabalho aliena o trabalhador,

desestruturando o seu psiquismo e se utilizando de seu sofrimento para aumentar a

produção. Nessa perturbação, o trabalhador cria mecanismos de defesa que leva a

uma adaptação ao sofrimento, ou a uma descompensação, que seria desequilíbrio,

neurose, psicose ou uma psicossomatização, levando a uma doença física a partir de

um desequilíbrio emocional decorrente do ambiente de trabalho.

(...)o trabalho repetitivo cria a insatisfação, cujas conseqüências não se limitam a um desgosto particular. Ela é de certa forma uma porta de entrada para a doença, e uma encruzilhada que se abre para as descompensações mentais ou doenças somáticas(...). (DEJOURS, 1992:133-4)

Como bem nos traz Mendes (1991), em decorrência desse adoecimento dos

trabalhadores, começou-se a tratar dos funcionários dentro da própria empresa,

colocando um médico para atender os trabalhadores adoentados. Dessa maneira, teve

início a Medicina do Trabalho, onde o objetivo era trazer o funcionário rapidamente de

volta ao trabalho, exercendo uma medicina apenas curativa. Os médicos perceberam

que os trabalhadores adoeciam devido às péssimas condições de trabalho a que eram

submetidos, dessa maneira buscava-se uma adaptação dos trabalhadores às

máquinas, aos meios de trabalho, para buscar um bem-estar físico. Porém,

consideravam somente o local de trabalho, desconsiderando a totalidade da vida do

Page 30: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

34

trabalhador. A Medicina do Trabalho surgiu na Inglaterra, num contexto de Revolução

Industrial2, sob um ponto de vista baseado em Taylor3 e Ford4.

Após a II Guerra Mundial, as indústrias e os altos empresários cresceram muito,

as mulheres começaram a trabalhar, pois com o aumento da demanda ocorre uma

relativa escassez de força de trabalho, e as condições de trabalho eram ainda piores.

Dessa maneira a Medicina do Trabalho evoluiu, tendo início uma intervenção sobre o

ambiente de trabalho, chamada Saúde Ocupacional. Como resposta técnica e

científica aos trabalhadores, passa-se a ver o processo de trabalho como um todo.

Iniciam-se interlocuções entre médicos, engenheiros e profissionais das ciências

sociais, ou seja, uma equipe interdisciplinar, onde tem ênfase a higiene do trabalho.

Esse método predomina nos dias de hoje, de maneira a controlar os índices de

poluição, ruídos, produtos tóxicos, riscos de acidentes.

2 A Revolução Industrial iniciou na Inglaterra em meados do século XVIII, consistiu em um conjunto de

mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Marcada pela superação da era agrícola e pela inserção da máquina no processo produtivo, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram. Esses adventos se deram devido a uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, como o motor a vapor. O capitalismo tornou-se o sistema econômico vigente. (Enciclopédia Conhecer, 1972, Vol IX, páginas 2145 a 2147) 3 Frederick Winslow Taylor tornou-se conhecido por propor novas formas de gerenciar a organização

nas indústrias. Se empenhou em identificar eventuais problemas que atrasassem o tempo de produção, além de inventar aparelhagens e criar uma série de implementos para aperfeiçoar a forma de trabalho da maquinaria, bem como agilizar e facilitar as operações humanas. Baseou seu sistema de administração no estudo de tempos nas linhas de produção, analisando e cronometrando os tempos dos movimentos dos operários siderúrgicos realizando uma série de trabalhos. Dividiu cada função em seus componentes e projetou os melhores e mais rápidos métodos para executar cada um desses componentes. Com isso, Taylor estabeleceu quanto os trabalhadores deveriam ser capazes de produzir com o equipamento e materiais disponíveis, calculando a taxa de pagamento por unidade produzida que os patrões poderiam pagar aos empregados. (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1985, Vol XXIII, páginas 5600 e 5601) 4 Henry Ford foi fundador da Ford Motor Company e o primeiro empresário a aplicar a montagem em

série de forma a produzir em massa automóveis em menos tempo, e a um preço menor. A ele é

atribuído o "fordismo", isto é, a produção em grande quantidade e a baixo custo por meio da utilização do artifício conhecido como "linha de montagem", o qual tinha condições de fabricar um carro a cada 98 minutos, adotado em 1914. (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1985, Vol X, página 2499)

Page 31: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

35

Porém, a questão de saúde não se resume somente a melhoras nas condições

de trabalho, mas também nas boas condições de habitação, alimentação, transporte,

educação, remuneração, lazer, higiene, vestuário, etc. Essa amplitude, chamada de

Saúde do Trabalhador, se consegue através de políticas sociais, que se moldam

através da pressão exercida pelos movimentos sociais junto ao Estado. É um avanço

na dialética do processo saúde-doença com o propósito de potencializar a saúde,

representando a desmedicalização da sociedade, onde as políticas de saúde teriam

que ser preventivas ao invés de curativas.

No que tange à saúde mental do trabalhador, deve-se considerar as condições

de trabalho em geral, o ambiente, o tempo de jornada, as ações desenvolvidas no

processo de trabalho, pois estas podem levar a reações psicopatológicas relacionadas,

causando estresse, alterações do sono, levando até mesmo a um transtorno mental de

maior gravidade.

Nesse ponto se destaca a importância de ter um profissional assistente social

inserido na equipe interdisciplinar que trata a saúde do trabalhador, pois esse tem uma

visão diferente da dos médicos. Possui uma atuação crítica que organiza os

movimentos sociais e é devidamente capacitado para elaborar, executar e avaliar as

políticas sociais. Tem uma visão ampla a respeito da exploração do trabalhador, e é o

profissional capaz de articular o mundo do trabalho com a totalidade social que

envolve a vida deste, considerando a história, economia, política e as questões sociais

em que se insere. No entanto, trataremos do trabalho do assistente social mais à

frente.

Page 32: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

36

2.2 A Reestruturação Produtiva e suas conseqüências à “Saúde do Trabalhador”

A saúde do trabalhador reflete as condições materiais, sociais e políticas do

processo de trabalho e das condições de vida desse trabalhador. Segundo Freire

(2006) diversos fatores interferem na saúde do trabalhador,

“(...) tais como produtividade, impacto de mudanças tecnológicas, reconversão industrial e o problema do „não-trabalho coercitivo‟ (desemprego), que origina o agravamento das condições de saúde da população trabalhadora. (...) o processo saúde-doença-trabalho se insere nos diversos aspectos da organização, divisão e relações sociais no trabalho”. (FREIRE, 2006:170)

A principal conseqüência desse processo é o desgaste físico e psíquico que o

trabalhador sofre, potencializando diversos fatores como “posição incômoda,

alternância de turnos, ruídos, tensão nervosa por pressão e alto ritmo.” (FREIRE,

2006).

A todos esses fatores, Freire ainda acrescenta a “carga social” que expressa as

relações de desigualdade, autoritarismo, impotência do trabalhador perante suas

condições de trabalho, por sua colocação desfavorável dentro da divisão do trabalho

na empresa. Essa impossibilidade de se tornar agente de mudança acaba levando a

atrofiação da capacidade de lutar do trabalhador, gerando uma conformidade com

relação a sua situação. Resulta, então, na alienação social do trabalhador.

Lúcia Freire aponta ainda como sendo as principais conseqüências da

reestruturação produtiva à saúde dos trabalhadores as doenças profissionais

desencadeadas pelas inovações tecnológicas, como as DORTs (doenças

osteomusculares relacionadas ao trabalho) e o estresse causado pelas novas

Page 33: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

37

condições e possíveis demissões; o agravamento das doenças preexistentes

degenerativas, que exigiriam maiores investimentos no processo de trabalho, mesmo

que sub-registrados ou mascarados.

Essas conseqüências vêm se agravando com o processo de terceirização nas

empresas, que desqualificam todo processo de trabalho, incluindo os setores de

Medicina e Segurança do Trabalho, com um descompromisso dos profissionais com

os trabalhadores, com uma prática totalmente institucionalizada, sem autonomia

profissional. Temos também, um atraso nas modernizações tecnológicas, causado

pela busca de reduzir os custos, sem considerar as reais condições de trabalho e o

que acarretariam à saúde dos trabalhadores.

A terceirização contribui com o propósito do aumento da produtividade e

redução dos custos de produção. Nesse processo, a empresa fica com a atividade que

desempenha melhor e com menor custo e transfere a outras empresas as demais

fases do processo produtivo, gerando empresas “enxutas e especializadas” (ALMEIDA,

MELO e MATOS, 2006:199).

Esse processo barra as pressões por melhores salários e reduz os direitos dos

trabalhadores, criando relações mais frágeis e dominadas entre empresa-trabalhador,

precarizando as relações de trabalho e gerando uma desmobilização das

organizações sindicais. Como resultado, temos um novo trabalhador, adaptado ao

novo sistema de produção e agindo de forma a aumentar a produtividade. Caso não

ocorra essa adaptação, é prontamente substituído.

Page 34: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

38

A terceirização e as mudanças no corpo das empresas, levam ao aumento do

desemprego estrutural, tendo por razão direta a reestruturação produtiva e a

adaptação tecnológica que as empresas passam.

O processo de terceirização em pleno desenvolvimento, leva a uma redução da

responsabilidade da empresa com o funcionário, que pertence a uma outra empresa

externa e menor, sendo apenas um prestador de serviços preso a um contrato

precário e em condições de total vulnerabilidade, sendo uma força de trabalho

descartável.

O que se percebe é que os trabalhadores formais têm seu ritmo de trabalho

intensificado e assumem uma postura multifuncional na empresa, enquanto os

trabalhadores subcontratados e temporários têm sua jornada aumentada e os direitos

sociais anulados. Em comum entre eles é a exposição à riscos, que nos terceirizados

se agrava, pois a maioria desenvolve o trabalho por um tempo determinado, sem

treinamento e nenhuma proteção. São expostos a condições “perversas e nocivas” de

trabalho, “como se fosse possível escolher entre a saúde e o acesso a postos de

trabalho” (ALMEIDA, MELO e MATOS, 2006:211).

No entanto, para amenizar esse processo, temos como objetivo final dos

capitalistas o mercado, os consumidores, o que impõe às empresas uma busca pela

“Qualidade Total”, e isso implica em certificações de qualidade, como os ISOs

(International Organization for Standartization) que buscam um padrão internacional

como diferencial no mercado globalizado. Com isso, as empresas precisam se adaptar

às normas referentes à processo de produção e qualidade dos produtos (ISO 9000),

impactos ambientais (ISO 14000) e, mais recentemente lançada, a certificação por

Page 35: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

39

melhores condições de saúde dos trabalhadores (ISO 18000). Mas não podemos

deixar de mencionar que esse processo atinge somente os trabalhadores de grandes

empresas, que, na maioria das vezes, visam uma melhor aceitação de seus produtos

no mercado externo.

Com relação a esse fato, vale destacar uma colocação de Marx (1983, p.215,

apud MENDES e ALMEIDA, 2004) onde diz que:

O capital não tem (...) a menor consideração pela saúde do trabalhador (...), a não ser quando é coagido pela sociedade a ter consideração. Receamos ter que confessar que os capitalistas não se sentem inclinados a conservar e zelar por esse tesouro e dar-lhe valor (...) a saúde dos trabalhadores foi sacrificada.

Marx já havia previsto que aos capitalistas só seria interessante zelar pela

saúde de seus trabalhadores no momento em que esse fato significasse melhoria em

sua produção e em seu mercado consumidor.

Page 36: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

40

CAPÍTULO III: TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E SERVIÇO

SOCIAL

Page 37: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

41

3.1 O Serviço Social na área de “Saúde do Trabalhador”

A “Saúde do Trabalhador” configura a principal demanda do Serviço Social

atuante em empresas. Isso porque atende aos empresários, significando a

continuidade da produção, envolve aos sindicatos, buscando melhorar as condições

gerais do processo produtivo, e principalmente, lida com o trabalhador, buscando

garantir sua integridade física, psíquica e social.

Nesse sentido, podemos acompanhar Freire (2006) quando diz que

(...)a saúde do trabalhador constitui uma expressão concreta, privilegiada, da realidade sócio-econômica e política das relações de trabalho. Suas evidências indiscutíveis facilitam o desvendamento das contradições ocultas por trás do discurso dominante, primordialmente mistificador, possibilitando a constituição de sujeitos políticos em torno da luta pelo direito à saúde e condições de trabalho que não a agridam. (2006:180).

No entanto, não podemos desconsiderar a sua dimensão econômica, sendo

que reflete diretamente na produtividade empresarial e também representa custos ao

Estado com os trabalhadores doentes ou lesionados.

O Serviço Social está inserido na área de Recursos Humanos, atuando nas

demandas do processo produtivo, como “qualificação, políticas (de atendimento ao

trabalhador), estratégias, instrumentos gerenciais de controle e motivação”, atuando

também nas condições de “ambiente e relações de trabalho, (...) produção e

reprodução física e social da força de trabalho”. (FREIRE, 2006:180)

Como conseqüência da reestruturação produtiva ocorre uma

desregulamentação dos direitos dos trabalhadores, instituindo-se os Contratos

Page 38: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

42

Coletivos de Trabalho, que são restritos e temporários. Esse processo restringe,

também, o trabalho dos assistentes sociais, representando uma anulação dos critérios

sociais, vez que baseia-se em uma negociação direta com a empresa. No entanto, as

políticas de saúde do trabalhador permanecem, com a necessidade de ter assistentes

sociais atuando nelas.

Lúcia Freire (2006) divide as atuações dos assistentes sociais na área de saúde

do trabalhador em cinco grupos: “educação e desenvolvimento de recursos humanos

em saúde” (campanhas e eventos), “higiene industrial” (controle da saúde de cada

trabalhador e do ambiente de trabalho), “análise e acompanhamento médico-social

individual ou grupal” (atendimento individual ou grupal para atender determinadas

demandas), “assistência multidisciplinar de saúde” (gerenciamento dos recursos

assistenciais) e “qualidade de vida e fóruns participativos” (desenvolvimento cultural e

social do trabalhador, desenvolvimento do clima organizacional, envolvendo a

Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA).

A inserção do assistente social nesse processo é importante devido

(...) a sua bagagem teórica e técnico-operacional, focalizando as condições e relações sociais articuladas às situações cotidianas apresentadas em tais ocasiões, assim como na comunicação democrática individual e grupal e em fóruns coletivos. (FREIRE, 2006:188)

Tivemos, porém, algumas contradições na reestruturação produtiva, como a

articulação entre profissionais da área de saúde, levando a uma valorização do

Serviço Social. Os problemas não são mais tratados de forma isolada, mas sim de

maneira paralela ao processo produtivo. Também, com a informatização, têm-se uma

Page 39: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

43

organização dos dados assistenciais e médicos, o que facilita e otimiza o trabalho dos

assistentes sociais.

Dentro da empresa, o assistente social está inserido na contradição capital-

trabalho, andando sempre no limite entre o empresário e os trabalhadores, como nos

diz Iamamoto:

Reproduz (...) pela mesma atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro pólo pela mediação de seu oposto. (IAMAMOTO e CARVALHO, 1982:75, apud FREIRE, 2006:188)

Em relação às ameaças a profissão, a reestruturação traz o medo do

desemprego, que enfraquece o profissional politicamente, e leva a tendência de se

deixar nortear as atividades profissionais, de forma a trabalhar somente para o capital.

Essas ameaças levam ao “avanço da importância dos programas sócio-educacionais”

(forma de dominação pelo capital), “tendência de descarte dos programas

assistenciais das empresas” (com a terceirização, delegando a trabalhadores

temporários), “tendência da transdisciplinariedade, associada à polivalência,

substituindo os espaços profissionais, multiprofissionais e interprofissionais, sobretudo

quanto a programas sócio-educacionais.” (FREIRE, 2006:191)

Esses processos levam o assistente social a misturar-se nas equipes

multidisciplinares, onde demonstra facilidade de atuação, pela sua formação, enquanto

em setores onde trabalha isolado, acaba se desvalorizando e perdendo seu espaço

profissional para a terceirização.

Page 40: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

44

No entanto, para se inserir nessa nova conjuntura é necessário ao assistente

social capacitar-se para esse novo mercado, a fim de se adaptar a nova realidade de

trabalho e poder extrair o melhor da situação posta, em sua atuação.

Page 41: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

45

3.2 A Atuação do Assistente Social na Saúde do Trabalhador

Os Assistentes Sociais são os profissionais preparados para compreender o

modo como se revelam e as conseqüências dos diversos processos sociais na vida

das pessoas. Com um olhar crítico e comprometido com a classe trabalhadora, é o

profissional preparado para analisar a relação capital X trabalho e atuar nas situações

advindas dessa relação, relacionando às perspectivas políticas, históricas e sociais.

Têm por papel promover a saúde e garantir direitos, por isso deve atuar no

campo de saúde do trabalhador.

Pensar em saúde do trabalhador, implica pensar o processo de trabalho e o

ambiente em que trabalha, em conjunto com o modo e qualidade de vida que esse

trabalhador possui. Implica conhecer o trabalhador em todas as suas dimensões

sociais, conhecer o meio em que ele está inserido e se relaciona. Nesse ponto que se

insere o Assistente Social, quando passa a se considerar os determinantes sociais

como parte do processo de adoecimento dos trabalhadores.

Sendo assim, a atenção à saúde do trabalhador se propõe a gerar melhorias

nas condições de vida e saúde dos trabalhadores e dos que o cercam.

Porém, esse processo não se dá de forma simples, pois, como traz Mendes e

Almeida (2004:08)

(...) como garantir a liberdade e a autonomia do trabalhador, visto que as instituições priorizam a produtividade, o lucro, sendo, portanto, subsidiadas por interesses econômicos que se sobrepõem às capacidades humanas.

Page 42: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

46

É necessário buscar uma forma de relacionar o interesse do empregador às

condições “saudáveis” de trabalho.

Trabalhando a saúde do trabalhador, o Assistente Social busca compreender as

relações entre o trabalho, a saúde e a doença, para nortear suas ações de promoção

e proteção da saúde , de forma a humanizar o ambiente e o processo de trabalho em

geral.

No entanto, para que essa atuação se dê em toda a complexidade da área do

trabalho, é necessário que o Assistente Social esteja inserido em uma equipe

interdisciplinar, com caráter multiprofissional, e ainda, com a participação dos próprios

trabalhadores, envolvendo-os na análise das condições de trabalho em que estão

inseridos e na identificação dos melhores meios de intervir nessa realidade a eles

posta.

Ou seja, se faz necessário dar voz, comprometer e envolver o próprio

trabalhador no planejamento, desenvolvimento e execução das ações, considerando-o

como o elemento principal, por seu conhecimento empírico das reais condições de

risco/segurança no ambiente de trabalho. Como conseqüência teríamos facilitada a

negociação entre trabalhadores e empregadores, buscando maior democratização nas

decisões e no controle social do processo de trabalho, resultando na transformação

técnica e organizacional, melhorando o ambiente de trabalho na sua relação com a

Saúde do Trabalhador.

Com relação à inserção do trabalhador no processo de melhoria das condições

de trabalho, podemos trazer o que nos diz Mendes e Almeida (2004), quando analisam

Page 43: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

47

as contradições na área de saúde do trabalhador e a relação do Assistente Social

dentro desse processo:

(...) o resguardo à saúde dos trabalhadores se torna um campo de luta entre classes sociais, cujos interesses exprimem o caráter contraditório do sistema capitalista de produção. Daí o desafio para os assistentes sociais e para os diferentes profissionais que se deparam com essa demanda de identificar, nas „queixas‟ dos usuários, tais mecanismos de subversão e criar possibilidades de intervenção, como a capacitação (por meio de uma prática crítica e politizante, veiculada por informações), o incentivo e o fortalecimento da constituição de estratégias de resistência dos trabalhadores, com vistas a garantir os direitos humanos, a recusa do autoritarismo e do determinismo, a eqüidade, a justiça e a proteção social, no campo do trabalho. (2004:10)

Esse processo de implementação da política de Saúde do Trabalhador, coloca

como ponto de partida ações de prevenção junto aos trabalhadores, contribuindo

também com a disseminação desse ideário em todos os campos do processo de

trabalho. Enquanto profissão comprometida com a efetivação dos direitos sociais,

cabe ao Assistente Social contribuir na realização dessa prática conscientizante, de

modo a resultar numa intervenção nos determinantes sociais do processo saúde-

doença.

No caso de saúde mental, especificamente, temos o estresse como uma reação

do organismo diante de uma situação de pressão ou perigo, com efeitos nocivos,

como o esgotamento mental que leva a desencadear outras doenças mais graves.

Segundo Marisa Palácios5, 50% das doenças que afastam os trabalhadores são

relacionadas à saúde mental, sendo estes os custos diretos ao empregador. Ainda

têm-se os custos indiretos, como uma alta rotatividade de trabalhadores, o que leva ao

5 Em palestra no curso de extensão em Saúde do Trabalhador no dia 06 de novembro de 2007, na Escola de Serviço

Social da UFRJ.

Marisa Palácios é formada em Medicina, mas suas reflexões na área de saúde do trabalhador, em especial saúde

mental, trazem importantes contribuições para se pensar a prática do assistente social, sendo que ela analisa o

trabalhador em todas as suas dimensões, inclusive social e política.

Page 44: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

48

aumento de investimentos em treinamentos, por exemplo, além da baixa na

produtividade, vez que trabalhadores estressados contribuem pouco ou quase nada na

produção.

Considerando o estresse como possível ponto de partida de todas as outras

doenças relacionadas ao trabalho, Palácios (2007) nos apresenta métodos para

detectar e buscar neutralizar os problemas organizacionais, com intervenções e

estratégias preventivas, além de curativas, para a melhoria dos níveis de saúde no

trabalho.

Em equipes interdisciplinares, é necessário buscar junto aos trabalhadores

identificar os fatores que os levaram ao estresse, identificando as “psicopatologias”

(PALÁCIOS, 2007) da organização do trabalho.

É importante incentivar o bom relacionamento de equipe entre os trabalhadores

e Palácios acredita que se o trabalhador deter um certo controle sobre seu processo

de trabalho imediato vai adoecer menos. A falta de controle sobre o tempo, métodos,

técnicas e o excesso de demanda, leva ao estresse. É importante compreender que o

trabalhador não é um mero executor de tarefas, ele precisa controlar seu processo de

trabalho.

É necessário um suporte social para viabilizar uma forma de trabalho em equipe,

reduzindo os trabalhos competitivos, que é um dos fatores mais estressantes, hoje em

dia, no processo produtivo.

Palácios nos sugere ainda que a melhor forma de intervir é atuar no ambiente

de trabalho, mas sem deixar de atuar também nos trabalhadores, investindo em

Page 45: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

49

capacitação técnica e em cursos de desenvolvimento humano, como mediar conflitos

em equipe, por exemplo.

Outro modo é tentando alterar os desenhos dos cargos, de modo a incrementar

a auto-determinação dos ritmos de trabalho, garantir a total compreensão do trabalho

a ser executado, de modo a fazê-lo se sentir mais seguro em suas atividades

laborativas. Torna-se necessário também, propiciar o contato humano, com atividades

extras, promovendo encontros familiares, sociais e políticos.

José Augusto Bisneto6 (2007), baseando-se em Edith Seligmann-Silva, traz o

que devemos observar em relação ao processo saúde-doença no trabalho, em

especial a saúde mental.

Devemos considerar os aspectos físicos e químicos, como luminosidade,

acústica (excesso de ruído), vibrações, higiene local, condições ergonômicas, se há

risco de contaminações ou se há exposição a radiações.

Analisando a organização do trabalho, devemos avaliar a linha de montagem,

se o trabalho é rápido, controlado e fragmentado, se exige uma atenção prolongada,

ou se, pelo contrário, é um trabalho lento, monótono e repetitivo; se é realizado com

computadores e o ritmo é ditado pela máquina; se a jornada de trabalho é extensa e

se o descanso é suficiente entre as jornadas, com pausas freqüentes durante a

jornada; se o trabalho ocorre de forma isolada, como em cabines por exemplo; se

existe hierarquia e autoritarismo por parte das chefias, além de controle de

desempenho individual; se o trabalho ocorre em turnos alternados; se há risco de

6 Palestra ministrada ao curso de extensão em Saúde do Trabalhador, 06/11/07, ESS/UFRJ, baseada em seu

trabalho apresentado ao XII CBAS, intitulado “Saúde Mental do Trabalhador e o Projeto Ético-Político do Serviço

Social”, como consta na Bibliografia deste trabalho.

Page 46: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

50

acidentes, sobrecarga de trabalho; se as informações passadas aos trabalhadores são

suficientes e não distorcidas; se ocorre desvio ou acúmulo de funções; se o

trabalhador tem liberdade para se levantar, andar, espreguiçar, relaxar, ações

necessárias para aliviar a tensão; como se dão as relações interpessoais no ambiente

de trabalho; por fim, se existe instabilidade no emprego, com alta rotatividade de

trabalhadores.

Ainda se faz necessário considerar o contexto sócio-econômico dos

trabalhadores, se o custo de vida é viável e a remuneração é suficiente.

A associação entre esses diversos fatores indica se o ambiente é saudável e

onde devemos intervir para melhorá-lo, sem deixar de considerar que todos os fatores

externos ao ambiente de trabalho também influenciam e dependem do processo

produtivo em que o trabalhador está inserido.

Bisneto (2007) nos ensina ainda que o Assistente Social na área de saúde do

trabalhador deve atuar de acordo com o Projeto Ético-Político que norteia a profissão e

buscando conciliar com as diretrizes da Lei Orgânica da Saúde, de modo a:

Empenhar-se na viabilização dos direitos sociais e de cidadania aos trabalhadores em dificuldade social;

Repassar serviços de saúde que são assegurados socialmente e institucionalmente a todos, sem discriminação em todos os níveis de assistência (universalidade, integralidade, equidade).

Garantir acesso às informações, fazendo divulgação e publicização, assegurar a democratização das informações aos trabalhadores.

Empenhar-se na participação da comunidade nos programas de saúde.

Garantir o funcionamento dos Conselhos e Conferências em „Saúde do Trabalhador‟ com a participação dos trabalhadores e profissionais engajados.

Page 47: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

51

Participar da formulação de políticas e da execução de ações em todo os âmbitos de „Saúde do Trabalhador‟ em equipe interdisciplinar.

Participar da política de formação de recursos humanos.

Realizar ações educativas sistemáticas e continuadas nos diversos programas de atenção à saúde do trabalhador.

Realizar estudos e pesquisas a níveis epidemiológicos, institucionais e comunitários que contribuam para esclarecer demandas postas pelos trabalhadores e que possam orientar diretrizes populares aos programas de atenção à saúde. (BISNETO, 2007)

Como apresenta Dejours (1992), o trabalho tem a mesma intensidade para

levar ao prazer ou ao sofrimento, dependendo da forma e das condições em que é

realizado. E é possível aos Assistentes Sociais trazer grandes contribuições para

melhora dessas condições de realização do trabalho.

Page 48: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

52

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização desse trabalho, pretendemos contribuir para os estudos sobre

a relação entre a Saúde do Trabalhador e o Serviço Social, que ainda é pouco

discutido na visão dessa área.

Compreendemos que o trabalho é essencial e indispensável à vida do indivíduo

e, por esse motivo, torna-se desencadeante de processos de adoecimento, dos tipos

de insalubridade e periculosidade e outros padecimentos como os psicossociais,

diante do quadro atual em que se encontra esse espaço, totalmente instável e

suscetível de inovações a todo o momento.

Como nos dispusemos inicialmente, realizamos a abordagem da temática sob o

ponto de vista marxista, utilizando o método materialista histórico-crítico e dialético,

iniciando os estudos com a formação do ser social a partir do trabalho, apresentando

este como formador do indivíduo e base de todas as suas relações sociais.

Num segundo momento, tratamos dos processos de desumanização do ser

social, das regressões da sociabilidade humana, que são os momentos pelos quais

Page 49: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

53

passaram o processo produtivo, a forma como o trabalho foi se degradando ao longo

dos anos e dos diversos modelos produtivos que foram sendo adotados. Tratamos

especificamente, do fordismo com sua produção em massa e trabalho cronometrado,

e chegamos ao toyotismo, com os direitos trabalhistas desregulamentados e o

processo produtivo flexibilizado, com relações de trabalho cada vez mais precárias e

instáveis, e produção desconcentrada, fragmentada. Essa fragmentação levou a um

maior controle da força de trabalho e, conseqüentemente, a uma maior exploração,

com um aumento do desemprego estrutural e enfraquecimento da ação sindical. Esse

processo leva a subproletarização da força de trabalho, com trabalho parcial,

temporário, precário, subcontratado e terceirizado.

Esse processo leva a várias conseqüências à saúde dos trabalhadores, uma

vez que torna o trabalhador responsável pelo seu desemprego, caso não se mantenha

em constante atualização e especialização. Ameaçado por um exército de reserva que

aguarda sua vaga. Dessa forma o trabalhador se submete a todo tipo de condição de

trabalho, risco de acidente, abusos por parte dos superiores, salários baixos e

constrangimentos que o afetam física e psicologicamente.

Porém, é necessário compreender que a saúde do trabalhador não se limita às

condições de trabalho, mas abrangem todas as dimensões de sua vida, boas

condições de habitação, alimentação, transporte, educação, remuneração, lazer,

higiene, vestuário, etc.

Diante disso verificamos a necessidade e importância de se ter envolvido no

processo saúde-doença do trabalhador o assistente social, quando percebe-se a

necessidade de se considerar os determinantes sociais como agentes no processo de

Page 50: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

54

adoecimento do trabalhador. Devido a sua bagagem teórica, sua visão critica e seu

comprometimento profissional com a classe trabalhadora, o torna apto a atuar nessa

contradição que seria o limite entre o empregador e o trabalhador, tendo por principal

atribuição promover a saúde e o acesso aos direitos dos trabalhadores.

A atuação em saúde do trabalhador se dá em uma equipe interdisciplinar, para

que o atendimento ao trabalhador aconteça de uma maneira ampla e considerando as

dimensões acima citadas. Não se pode deixar de considerar nesse processo de

atuação, o envolvimento dos trabalhadores como fonte de informações sobre as

condições de trabalho e melhor forma de eleger como intervir no processo produtivo,

de forma a dar voz, comprometer e envolver o trabalhador no planejamento,

desenvolvimento e execução das ações, por ser o elemento principal desse processo.

A implementação da política de saúde do trabalhador, prevê também meios de

prevenção e conscientização da importância de se melhorar as condições do ambiente

de trabalho para preservar a saúde física e mental dos trabalhadores. E desse modo,

conscientizar também os empregadores, uma vez que um trabalhador adoecido

produz muito menos ou quase nada, levando a prejuízos na produção.

Ressaltamos também a necessidade de se promover o bom relacionamento de

equipe em todos os setores e a necessidade do trabalhador de controlar seu processo

de trabalho. Esses fatores funcionam como preventivos ao estresse no ambiente

produtivo, conseqüentemente, o trabalhador vai adoecer menos.

É necessário também, garantir ao trabalhador uma total compreensão do seu

processo de trabalho, assim como dos meios de segurança, de modo a evitar

acidentes e preservar a integridade física do trabalhador.

Page 51: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

55

Por fim, não podemos deixar de destacar a necessidade de, em todo processo

de trabalho do assistente social, considerar os preceitos da profissão, como seu

código de ética e seu projeto ético-político.

Consideramos ter alcançado o objetivo inicial de desvendar a atuação do

assistente social nas atividades de prevenção e promoção da Saúde do Trabalhador,

trazendo uma forma de atuação/intervenção, sem a pretensão de engessar a atuação

nesse molde, nem esgotar esse assunto, mas sim abrindo espaço para que outros

trabalhos no mesmo caminho nasçam e nos possibilite uma discussão sobre os

melhores formas de atuar nesse espaço ainda pouco explorado e com tanto para ser

feito.

A realização desse trabalho só fez aguçar mais a nossa intenção de seguir com

os estudos e nos aprofundar na área de Saúde do Trabalhador.

Page 52: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

56

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Gláucia E. S.; MELO, Ana I. S. C. e MATTOS, Ubirajara A.O. – “Na Corda Bamba do Trabalho Precarizado: a terceirização e a saúde dos trabalhadores”. In MOTA, Ana Elizabete (org) – A Nova Fábrica de Consensos. 3ª Edição, Editora Cortez, São Paulo, 2006.

ANTUNES, Ricardo – Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a

Centralidade do Mundo do Trabalho. 12ª Edição, páginas 21 a 64. Ed. Cortez e Ed. UNICAMP, Campinas, 2007.

BISNETO, José Augusto. “Saúde Mental do Trabalhador e o Projeto Ético-Político do

Serviço Social”. Anais do 12º CBAS, Foz do Iguaçu, 2007. BRANT, Luiz Carlos; DIAS, Elizabeth Costa. “Trabalho e sofrimento em gestores de

uma empresa pública em reestruturação”. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, nº4, 2004. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000400008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 08 de setembro de 2007.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. BRASIL. Decreto 3.048/1999 – Regulamento da Previdência Social – Transtornos

Mentais Relacionados com o Trabalho – Anexo II. Brasília, 1999. BRAZ, Marcelo, NETTO, José Paulo – Economia Política: uma introdução crítica.

3ª Edição, Biblioteca Básica de Serviço Social, volume 1.Capítulo I, páginas 29 a 51. Ed. Cortez, São Paulo, 2007.

CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – Anais. Rio de Janeiro, 2001 CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – Anais. Fortaleza, 2004. COSTA, Sérgio I. F.; SOARES, Maria de Jesus R. e ROSA, Lúcia Cristina. “O Serviço

Social e a Resolução 196/96 sobre a ética em pesquisa envolvendo seres humanos”. In Revista Serviço Social e Sociedade, nº85, Cortez Editora, 2006.

CRESS 7ª REGIÃO. Assistente Social: Ética e Direitos – Coletânea de Leis e

Resoluções. 4ª Ed, Rio de Janeiro, 2007. DEJOURS, Christophe – A Loucura do Trabalho. Estudo de Psicologia do

Trabalho. Ed. Cortez-5ª edição ampliada, 1992 FREIRE, Lúcia M. B. O Serviço Social na Reestruturação Produtiva: Espaços,

Programas e Trabalho Profissional. 2ª ed, Cortez, São Paulo, 2006.

Page 53: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

57

FREIRE, Lúcia Maria de Barros – “O Serviço Social e a Saúde do Trabalhador Diante

da Reestruturação Produtiva nas Empresas”. In MOTA, Ana Elizabete (org) – A Nova Fábrica de Consensos. 3ª Edição, Editora Cortez, São Paulo, 2006

GLINA, Débora M. R. e ROCHA, Lys E. “Prevenção para a Saúde Mental no Trabalho”

In GLINA, Débora e ROCHA, Lys. Saúde Mental no Trabalho: Desafios e Soluções. VK, São Paulo, 2000.

HOLANDA, Maria Norma Alcântara Brandão de. “O trabalho em sentido ontológico

para Marx e Lukács: algumas considerações sobre trabalho e serviço social”. In Revista Serviço Social e Sociedade, nº 69, Cortez Editora, 2002.

JARDIM, Sílvia Rodrigues. “O Diagnóstico dos Transtornos Mentais Relacionados ao

Trabalho”. In ROCHA, Lys e GLINA, Débora. Saúde Mental no Trabalho: Desafios e Soluções. VK, São Paulo, 2000.

JARDIM, Sílvia Rodrigues. “Trabalho e Doença Mental”. In BORGES, Luiz Henrique e

outros. Organização do Trabalho e Saúde: Múltiplas Relações. EDUFES, Vitória, 2001.

LESSA, Sérgio – Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. Capítulo

IV páginas 131 a 146. Ed. Cortez, São Paulo, 2007. MENDES, Jussara, ALMEIDA, Rosângela – Determinismo versus Autonomia: a

saúde dos trabalhadores como um campo de luta entre as classes sociais. In TEXTOS E CONTEXTOS, Revista Virtual, No 3, ano III, Porto Alegre, 2004.

MENDES, René. “Da Medicina do Trabalho à Saúde do Trabalhador”. In Revista de

Saúde Pública, ano 25, nº5, s/e, São Paulo, 1991. NETTO, José Paulo. “A Construção do Projeto Ético-Político Contemporâneo”. In

Capacitação em Serviço Social e Política Social, Módulo 1 – Brasília: Cead/ABEPSS/CFESS, 1999.

OLIVEIRA, Débora Lopes – Saúde do Trabalhador: Uma área de atuação do Serviço

Social, In CBAS, XI Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – Anais. Fortaleza, 2004.

PALÁCIOS, Marisa – “Saúde Mental do Trabalhador”. Palestra proferida ao Curso de

Extensão em Saúde Do Trabalhador, na Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no dia 06 de novembro de 2007. Rio de Janeiro, 2007.

PASCHOAL, Amália Madureira – “O Método do Materialismo Histórico-Crítico e

Dialético – um estudo bibliográfico”. In ROESLER, Marli R von Borstel (org) –

Page 54: Trabalho  saúde do trabalhador e serviço social

58

Recortes Temáticos: nossas reflexões nos 20 anos do Curso de Serviço Social da UNIOESTE. Páginas 27 a 43, EDUNIOESTE, Cascavel, 2007.

SELIGMANN-SILVA, Edith. “Saúde Mental e Trabalho”. In TUNDIS, Silvério e COSTA,

Nilson (orgs). Cidadania e Loucura: Políticas de Saúde Mental no Brasil. Vozes, Petrópolis, 2ª ed, 1990.

SELIGMANN-SILVA, Edith. Desgaste Mental no Trabalho Dominado. Cortez Editora,

Rio de Janeiro, 1994. VASOPOLLO, Luciano – O Trabalho Atípico e a Precariedade. Páginas 15 a 27.

Editora Expressão Popular, São Paulo, 2005. (essa é a bibliografia original?)