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TRABALHO, TECNOLOGIA E COMPETÊNCIAS: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Maria Aparecida de Souza Bremer 1 Resumo O presente artigo apresenta alguns aspectos abordados em dissertação defendido junto à Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, tendo como referência básica a política curricular implementada para a Rede Pública Estadual de Ensino nos anos 90 para a Educação Profissional. Registra os resultados de pesquisa realizada com os professores dessa modalidade, com a finalidade de dimensionar e discutir o grau de apreensão teórico-prática dos professores no que se refere aos aspectos legais e pedagógicos da Educação Profissional, decorrentes da Pedagogia das Competências. Destaca-se na pesquisa o domínio dos professores sobre os conceitos de três categorias, consideradas fundamentais no âmbito da Reforma, sobre a vigência da Lei 9.394/96: trabalho, tecnologia e competências. Por sua vez, o aporte teórico utilizado para embasar as análises dos resultados permitiu realizar as inferências, constatações e perplexidades colocadas nos resultados apresentados e também mapear os principais aspectos da identidade profissional dos professores da Educação Profissional, enquanto sujeitos históricos da investigação. Por fim, considera-se o estudo como importante registro do movimento da escola pública do trabalho no Paraná. Palavras-chave: Diretrizes Curriculares; Educação Profissional; Pedagogia das Competências;Tecnologia, Trabalho. Introdução A relação entre educação e trabalho constitui categoria fundante para todos aqueles profissionais que direcionam seus estudos para a formação profissional. Assim sendo, os trabalhos de pesquisa cujos autores encontram-se alinhados a uma linha educacional crítica encontram, na categoria trabalho, e nos determinantes postos na atualidade para a sua compreensão, os principais elementos de análise para delinear os problemas que conformam o seu objeto de estudo. Neste sentido, o presente artigo objetiva apresentar o processo e os resultados de pesquisa realizada sobre as concepções e práticas dos professores da Educação Profissional da Rede Estadual do Estado do Paraná, a qual teve como foco central investigar as compreensões dos professores da Rede Pública Estadual de Ensino sobre as categorias trabalho, tecnologia e competências. Pode-se considerar que tal estudo encontra-se inserido no contexto das reformas educacionais da década de noventa e na repercussão advinda da implementação no Estado do 1 Mestre em Tecnologia - Linha de Pesquisa Tecnologia e Trabalho. Pedagoga da Rede Estadual. Assessora Pedagógica do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE/SEED/PR.

TRABALHO, TECNOLOGIA E COMPETÊNCIAS NAS … · Competências;Tecnologia, Trabalho. Introdução A relação entre educação e trabalho constitui categoria fundante para todos aqueles

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TRABALHO, TECNOLOGIA E COMPETÊNCIAS: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Maria Aparecida de Souza Bremer 1

Resumo

O presente artigo apresenta alguns aspectos abordados em dissertação defendido junto à Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, tendo como referência básica a política curricular implementada para a Rede Pública Estadual de Ensino nos anos 90 para a Educação Profissional. Registra os resultados de pesquisa realizada com os professores dessa modalidade, com a finalidade de dimensionar e discutir o grau de apreensão teórico-prática dos professores no que se refere aos aspectos legais e pedagógicos da Educação Profissional, decorrentes da Pedagogia das Competências. Destaca-se na pesquisa o domínio dos professores sobre os conceitos de três categorias, consideradas fundamentais no âmbito da Reforma, sobre a vigência da Lei 9.394/96: trabalho, tecnologia e competências. Por sua vez, o aporte teórico utilizado para embasar as análises dos resultados permitiu realizar as inferências, constatações e perplexidades colocadas nos resultados apresentados e também mapear os principais aspectos da identidade profissional dos professores da Educação Profissional, enquanto sujeitos históricos da investigação. Por fim, considera-se o estudo como importante registro do movimento da escola pública do trabalho no Paraná.

Palavras-chave: Diretrizes Curriculares; Educação Profissional; Pedagogia das Competências;Tecnologia, Trabalho.

Introdução

A relação entre educação e trabalho constitui categoria fundante para todos aqueles

profissionais que direcionam seus estudos para a formação profissional. Assim sendo, os trabalhos

de pesquisa cujos autores encontram-se alinhados a uma linha educacional crítica encontram, na

categoria trabalho, e nos determinantes postos na atualidade para a sua compreensão, os principais

elementos de análise para delinear os problemas que conformam o seu objeto de estudo.

Neste sentido, o presente artigo objetiva apresentar o processo e os resultados de pesquisa

realizada sobre as concepções e práticas dos professores da Educação Profissional da Rede

Estadual do Estado do Paraná, a qual teve como foco central investigar as compreensões dos

professores da Rede Pública Estadual de Ensino sobre as categorias trabalho, tecnologia e

competências.

Pode-se considerar que tal estudo encontra-se inserido no contexto das reformas

educacionais da década de noventa e na repercussão advinda da implementação no Estado do

1 Mestre em Tecnologia - Linha de Pesquisa Tecnologia e Trabalho. Pedagoga da Rede Estadual. Assessora Pedagógica do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE/SEED/PR.

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Paraná, a partir de 1995, de políticas para a Educação Profissional de natureza neoliberal, com

implicações significativas, tanto no âmbito da oferta desta modalidade de ensino quanto na

concepção, estrutura, organização e gestão dos cursos ofertados. Destaque-se ainda, a forma de

atuação dos professores frente a tais mudanças.

Assim, a política e a legislação própria da Educação Profissional após a promulgação da

Lei 9.394/96, enfocadas em sua dimensão histórica, com destaque para a clássica dualidade

estrutural do Ensino Médio/Educação Profissional, tornaram-se elementos recorrentes para

compreensão do cenário sob o qual os professores da Rede Estadual construíram e vivenciam as

suas concepções e práticas sobre as categorias investigadas.

A análise dos resultados, elaborada com base na fundamentação teórica do trabalho

abordou o pensamento de autores que constituem referência para a área da educação e trabalho,

possibilitou demarcar e analisar as principais características identitárias dos professores na fase

inicial de implementação da política de retomada da oferta da Educação Profissional no Estado,

incluindo a implantação dos cursos com organização curricular integrada ao Ensino Médio, seus

conhecimentos legais e pedagógicos, além de suas concepções manifestadas nas práticas escolares,

conforme o explicitado nos pressupostos e objetivos estabelecidos para o trabalho de pesquisa.

1. Os determinantes metodológicos da pesquisa

O contexto histórico e político vivido pela Educação Profissional no Brasil e no Paraná em

especial, face às mudanças de seu estatuto legal, ocorridas nos anos 90, forneceram os elementos

motivadores, não só para a definição do objeto de estudo em específico= mas, também, para definir

o quadro referencial sobre o qual a pesquisa seria desenvolvida, além de sua abrangência.

O fato dos cursos de Educação Profissional terem sido desativados na Rede Estadual

restando em 2004, somente 72 estabelecimentos de ensino com oferta de cursos

profissionalizantes, favoreceu a definição da abrangência da investigação, possibilitando aplicar o

instrumento de pesquisa à totalidade dos estabelecimentos, através de 27 Núcleos Regionais de

Ensino - NRE.2

Por sua vez, o instrumento de pesquisa escolhido foi o questionário semi-estruturado,

organizado com questões objetivas e discursivas, considerado instrumento pertinente para atender

2 O instrumento de pesquisa foi aplicado através da contribuição de 27 dos 32 Núcleos Regionais de Educação, enquanto instâncias descentralizadas da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

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os diferentes interesses da pesquisa, marcadamente os de natureza qualitativa. Foi organizado de

modo a abranger três pontos principais: a identificação dos sujeitos da pesquisa, os conhecimentos

dos professores sobre a legislação da Educação Profissional e os conhecimentos sobre os aspectos

pedagógicos e curriculares, onde foram priorizadas as categorias trabalho, tecnologia e

competências.

Utilizando o método da análise de conteúdo FRANCO (1994), os dados foram

sistematizados e analisados, sendo significativo o número de professores sujeitos da pesquisa

(418), o que ficou evidenciado principalmente na fase de categorização e análise das respostas dos

professores pesquisados, as quais foram posteriormente sistematizadas quantitativamente, a fim de

possibilitar a análise qualitativa do conteúdo das diversas categorias, as quais constam no

documento também em forma de quadros e gráficos.

Assim, a decisão sobre a metodologia a ser utilizada no desenvolvimento do trabalho teve,

como critério básico, a natureza e características do tema a ser investigado, ao qual se juntou o

interesse da pesquisadora3 em investigar o processo pelo qual tradicionalmente se estabelecem as

relações de comunicação institucional na rede estadual, entre as instâncias central (SEED), regional

(NRE) e da escola, nos aspectos referentes à implementação das políticas curriculares para a

Educação Profissional na Rede Pública Estadual.

Nessa linha de raciocínio, cabe enfatizar que a ênfase da análise foi centrada na “análise de

conteúdo dos discursos dos professores”, sendo que este conteúdo pretendeu incorporar os sentidos

e representações que os mesmos atribuíam à “linguagem da reforma” em seu fazer cotidiano pois,

de acordo com SHIROMA (2004), “ainda que as representações da realidade venham sendo

problematizadas nas análises do discurso, as práticas através das quais essas representações são

produzidas ainda não foram perseguidas com profundidade” (SHIROMA, CAMPOS,

EVANGELISTA, 2004, s.p).

Justifica-se a utilização desse método por nele encontrar as possibilidades demandadas pela

natureza do enfoque da temática, pela sua abrangência macro, pela forma do instrumento e

contexto de sua aplicação e, principalmente, pela tipologia utilizada na análise dos resultados,

sempre referida a base conceitual da pesquisa, pois:

... as escolhas metodológicas, quando se situam os métodos de análise, estão imbricadas na trajetória da pesquisa, permitindo a escolha ou construção do método que melhor poderá responder aos objetivos propostos: “Claro está que os métodos não são neutros; o uso de um ou outro implica uma determinada forma de olhar, contrapor, desconstruir ou construir uma outra leitura dos textos/documentos analisados” (SHIROMA et al. 2004, s.p. ).

3 A autora atua na área pedagógica de formulação e implementação das políticas curriculares da educação profissional SEED/PR.

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Vale destacar que as autoras consideram a importância de buscar a genealogia de conceitos,

mapeando as re-significações ou recontextualizações de um texto, a fim de explicar os conceitos-

chave de uma política, trabalho que requer dos pesquisadores profundo conhecimento teórico das

diversas matrizes epistemológicas, a fim de construir uma teoria que permita explicar as razões de

opção daquela política.

A esta acepção pode-se também acrescentar a de TRIVIÑOS (1992), o qual afirma, com

base em BARDIN (1977), que a análise de conteúdo é: “um conjunto de técnicas de análise das

comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos

relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens” (TRIVIÑOS,

1992, p. 98).

Por essa razão, considera-se relevante abordar, ainda que não de forma exaustiva, a questão

da apreensão de conceitos, uma vez que a metodologia da análise dos resultados da pesquisa

buscou, necessariamente, alinhar o entendimento dos determinantes de mudanças curriculares na

prática escolar, entre os quais o conhecimento dos professores.

Os conceitos são códigos construídos e utilizados coletivamente, sendo o seu processo de

internalização mediado pelo contato com o mundo objetivo. Portanto, pela interação concreta entre

as pessoas que acompanham o movimento histórico de produção e satisfação das necessidades

humanas que permite o desenvolvimento de novos conhecimentos. Assim, pode-se concordar com

OLIVEIRA (2002), citada por RAMOS (2004) quando reitera:

Os conceitos são, portanto, signos internalizados ou representações que substituem os objetos do mundo real, possibilitando ao homem libertar-se do espaço e do tempo presentes e da necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento. Por meio dessas representações é que as pessoas podem fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, planejar, dentre outras atividades. Os indivíduos constroem esses sistemas de representações - os sistemas conceituais - mediante a experiência com o mundo objetivo e o contato com as formas culturalmente determinadas de organização do real (RAMOS, 2004: p.13).

Nessa perspectiva, pode-se acrescentar as acepções contidas em Marx, Gramsci e Vigotsky,

as quais, de acordo com a matriz filosófica do materialismo histórico, consideram que as

aparências reais, mas superficiais, ao serem registradas como idéias espontâneas dos indivíduos,

são identificadas como senso comum, como conceitos cotidianos que buscam descrever os aspectos

não observáveis da realidade.

Por sua vez, os conceitos científicos são construídos através da sistematização de

conhecimentos ou atividades teóricas, pois penetram na realidade empírica a fim de captar as

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relações que geram os fenômenos, ou seja, a sua essência, chegando assim à compreensão

científica do fenômeno - através do pensamento.

Esse processo de passagem de uma compreensão de senso comum para a de bom senso,

expressando uma compreensão da realidade, é definido por KOSIC (1989), como o de superação

da pseudoconcreticidade para o concreto pensado, ou seja, à compreensão da essência do

fenômeno.

Foi com base nos pressupostos metodológicos apresentados que o trabalho de pesquisa foi

desenvolvido, levando em conta as possibilidades de sua aplicação para todo o universo dos

estabelecimentos da Rede Pública Estadual do Paraná que ofertavam cursos de Educação

Profissional Técnica de nível Médio no ano de 2004, e cujos resultados e pontos relevantes serão

apresentados na seqüência.

2. Os resultados da pesquisa como sínteses dissonantes da prática escolar

Apresentar os resultados de uma pesquisa apresenta-se como uma tarefa complexa pelos

próprios limites e contingências que caracterizam a elaboração de uma síntese. Neste sentido, dois

aspectos se impõem como fundamentais, sendo o primeiro a visão da totalidade dos resultados

evidenciados e, o segundo, o de direcionar o enfoque para os propósitos essenciais da investigação,

de modo a evidenciar com propriedade as representações que os professores atribuem

principalmente para as categorias trabalho, tecnologia e competências na perspectiva da

emergência de captar a dimensão da relação teoria-prática.

Esta foi a perspectiva sob a qual os resultados se apresentam, na expectativa de que os

conhecimentos produzidos pelo trabalho de investigação sobre a Educação Profissional pudessem

vir a ser socializados, enquanto contribuição para o avanço dos estudos na área da educação

trabalho e tecnologia e para a compreensão dos principais conceitos que permeiam e determinam

as políticas para a modalidade em nosso país.

2.1. A identidade profissional dos professores da Educação Profissional

Os dados da pesquisa possibilitaram iniciar a análise realizando uma caracterização do perfil

do professores da Educação Profissional que atuam na Rede Estadual de Ensino, para após

dimensionar o seu conhecimento sobre as diretrizes legais da Educação Profissional e,

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principalmente, conhecer as consonâncias e dissonâncias existentes em suas práticas em relação à

concepção sobre as categorias trabalho, tecnologia e competências.

Dentre as características pesquisadas4 em relação ao perfil profissional dos professores pode-se

fazer um recorte representativo, destacando que :

- quase a totalidade não ingressou na Rede Estadual pela via de Concurso Público;

- a maioria dos professores atua através de formas de contratação alternativas;

- a maioria dos professores trabalha no período noturno;

- a maioria trabalha com carga horária maior que 10 horas semanais;

- quase a totalidade possui graduação superior.

No contexto de precariedade das formas de contratação constatou-se que 96,4% dos

professores da Educação Profissional não ingressaram na Rede por concurso público, mas através

da coexistência de formas emergenciais e paliativas de acesso, constituindo uma prática

institucional que, além de contrariar a legislação, representa precarização do trabalho docente, o

qual exige outras medidas legais para a sua correção, não dispensando a contribuição de

movimentos reivindicatórios da classe, torna-se pertinente acrescentar:

Há várias conseqüências desta forma de contratação e retribuição; a primeira delas refere-se à necessidade de se dividir entre diversos espaços, para assegurar condições de sobrevivência, configurando-se um modelo de professor tarefeiro, “bóia fria”, que não chega a desenvolver sentido de permanência a nenhum dos espaços em que trabalha, e em decorrência como já se afirmou anteriormente, quando se representam, os professores evidenciam identidade com a área ou disciplina de sua formação, e não com a escola (KUENZER, 2002, p.139)

Esta situação de traz consigo outros determinantes, os quais afetam os direitos dos

professores enquanto trabalhadores, agravados pela situação de instabilidade funcional e, não raro,

pela situação do “stress”, em razão da natureza não material desse trabalho e que torna os

professores mais vulneráveis às doenças ocupacionais, conforme demonstram, entre outros dados,

os índices de incidência de enfermidades profissionais como a síndrome da desistência,

denominada por CODO (1999), de Síndrome de Burnout.

Esse autor apresenta a definição desta síndrome como a “dor de um profissional

encalacrado entre o que pode fazer e o que efetivamente consegue fazer, entre o céu de

possibilidades e o inferno dos limites estruturais, entre a vitória e a frustração; a síndrome de um

4 Os dados gerais foram sistematizados e apresentados em forma de quadros e gráficos.

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trabalho que voltou a ser trabalho, mas que ainda não deixou de ser mercadoria” (CODO, 1999,

p.13).

Nas manifestações livres as incidências maiores de respostas recaíram na falta de uma

política de recursos humanos, sinalizando para a importância da instituição de um quadro próprio

específico, acreditando que esta medida contribuiria para transformar a realidade, fazendo com que

os professores, principalmente do período noturno, onde existe maior concentração de oferta de

cursos de Educação Profissional Técnica de Nível médio, deixassem de ser considerados

professores “de passagem”, como afirma KUENZER, 2002.

Ainda dentro do mesmo quadro de análise destaca-se da pesquisa a abordagem sobre os

fatores5 que contribuem para a qualidade da atuação docente, fatores esses que complementam e

constituem mais um elemento de contribuição para o conhecimento dos profissionais que estão

fazendo acontecer a formação escolar pública para o trabalho no Estado do Paraná.

Nos fatores considerados como muito importante para a qualidade do ensino, mais de 80%

dos professores situaram, dentre os critérios apresentados, os materiais e recursos pedagógicos, o

relacionamento professor/aluno, a formação acadêmica do professor, o acesso aos conhecimentos

científico-tecnológicos e a qualificação docente ficando, outros fatores como os relativos à situação

funcional, a não existência de um quadro próprio e a remuneração salarial, por exemplo, em

segundo plano. Julgando-se que tais resultados não se revestiram de maior prioridade, talvez

devido a política de valorização profissional, implantada à época (2004) na Rede Estadual, onde

houve recuperação parcial das perdas salariais reivindicadas pela categoria e aprovação de novo

Plano de Cargos Carreira e Salários.6

Como a variação das respostas entre esses fatores não oscilou de forma significativa pode-

se observar uma coerência interna nas respostas, demonstrando a preocupação desses profissionais

com o processo ensino-aprendizagem, com a sua formação inicial e continuada e com o domínio

dos conhecimentos próprios do seu “ofício de mestre”, conforme (ARROYO, 2002).

2.2. Conhecimentos sobre a base legal da Educação Profissional

Ao dimensionar os conhecimentos que os professores possuem sobre a base legal da

Educação em geral e sobre a Educação Profissional em específico, verificou-se que esses

conhecimentos configuram-se como restritos aos divulgados em eventos oferecidos pela SEED,

5 Os fatores que contribuem para a qualidade de ensino complementaram o quadro de análise sobre as características profissionais dos professores.6 O Plano de Cargos, Carreira e Salários foi aprovado pela Lei Complementar nº 103/04.

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pelos NRE e pelas instituições de ensino, por considerarem que “o que importa é a prática”. Este

conhecimento restrito aplica-se também às Diretrizes e Referenciais Curriculares próprios da

estrutura e organização legal da Educação Profissional, sendo analisada como um dos reflexos da

política educacional implementada nos anos 90 no Estado do Paraná.

Por outro lado, esses dados confirmam o investimento da SEED na implantação da

Reforma, com destaque para o Ensino Médio, onde estava localizada também a Educação

Profissional, a qual coincide com a promulgação da nova Lei e também com os primeiros

desembolsos financeiros do Programa de Expansão Melhoria e Inovação do Ensino Médio no

Paraná - PROEM, medida que propiciou as condições para a realização de eventos de divulgação

da Reforma do Ensino Médio e, por conseqüência, da Educação Profissional, principalmente no

Centro de Capacitação denominado Universidade do Professor, em Faxinal do Céu, localizado no

município de Pinhão, região central do Estado.

No que concerne às questões legais específicas da Educação Profissional, como é o caso do

Decreto 2.208/97, os temas mais assinalados pelos professores recaíram na separação entre o

Ensino médio e a Educação Profissional, seguido dos relacionados à segmentação entre os níveis

básico, técnico e tecnológico e da organização curricular por competências.

A esses dados emergentes da prática dos professores em relação á legislação e seus

impactos, podem-se somar as análises de autores que analisaram a experiência da Implantação da

Reforma no Paraná, como FERRETTI (2000), quando destaca:

Nesse particular, verifica-se que a solução adotada para instituir as relações da educação geral com a formação profissional resultou do estabelecimento da ruptura entre ambas do ponto de vista da estrutura do sistema de ensino, uma vez que a proposta do PROEM obedecia à seguinte racionalidade: para os que passassem pelo crivo do da seletividade, um Ensino Médio acadêmico, vinculado ao trabalho de forma ampla, assegurando a formação indispensável para o exercício da cidadania e tendo em vista a continuidade de estudos. Para os que não o conseguissem, o ensino profissional, integrando as diferentes formas de educação para o trabalho, por meio do qual o jovem receberia alguma formação para inserir-se no mercado, diminuindo assim a pressão sobre o ensino público oferecido pelas universidades, com o que cumpriria a função de represar a demanda (...). Revelou-se assim, uma opção perversa para os trabalhadores com menores oportunidades de acesso ao Ensino Médio (FERRETTI, 2000, p. 83).

A estas colocações também integram a análise do conhecimento das Diretrizes

Operacionais da Educação Profissional - Parecer 17/97- emitido pelo CNE/CEB, logo após a

promulgação do Decreto 2208/97, portanto antes das Diretrizes Curriculares. Em relação a esta

medida legal, numa análise comparativa com o Parecer 16/99 - CNE, verificou-se que a situação

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torna-se ainda mais preocupante, pelos baixos índices de conhecimento apresentados pelos

professores.

Resumindo, pode-se afirmar que, de todos os dados analisados em relação ao conhecimento

dos professores sobre a legislação da Educação Profissional, observou-se que a maioria desconhece

ou não detém conhecimento substantivo sobre as diretrizes legais que norteiam e direcionam a

organização curricular da Educação Profissional.

No entanto, esses dados têm que ser analisados levando em conta também os

condicionantes da situação funcional desses profissionais, a qual como se verificou, é geradora de

uma grande rotatividade, o que faz com que as informações de natureza legal e pedagógica muitas

vezes não alcancem a todos da mesma forma.

De outro lado, a aparente indiferença em relação aos textos legais pode ser analisada como

uma forma de resistência ao discurso oficial, numa direção questionadora quanto aos padrões

estabelecidos e própria do espaço escolar, pois:

Propostas curriculares oficiais sempre estarão recontextualizando discursos de diferentes matrizes teóricas. Entretanto, a análise dessa recontextualização permite compreender as finalidades educacionais que estão postas em jogo e os mecanismos de construção da legitimidade dos discursos. Dessa forma, é possível mais facilmente atuar na resistência aos processos de regulação estabelecidos para e pelo currículo (LOPES, 2002, p.173).

Os dados sobre o conhecimento dos professores a respeito das diretrizes legais da Educação

Profissional encontram ressonância direta nos dados de utilização dos seus Referenciais

Curriculares os quais, embora não se configurem como integrantes do estatuto legal da Educação

Profissional, por referendarem o currículo prescrito e as políticas educacionais para o sistema,

passam a ser considerados, também, como normas a serem respeitadas, tal qual o são as diretrizes.

Observe-se que, adicionados os percentuais de pouca e nenhuma utilização dos

Referenciais, atinge-se um total de 69,1%. Estes dados quantitativos podem ser vistos como

representativos do grau de resistência a uma política curricular, na medida em que se conhece o

investimento federal em material publicitário utilizado na fase de divulgação da Reforma. No

entanto, em se tratando do Estado do Paraná, essa questão assume um caráter diferenciado, uma

vez que toda esta fase foi conduzida na mesma época em que foram extintos os cursos

profissionalizantes na Rede Pública Estadual, ficando a oferta de Educação Profissional restrita a

poucos estabelecimentos de ensino. Soma-se a isso, o fato de que a “gerência” desses cursos era de

responsabilidade da PARANATEC, cujas ações estavam voltadas ao atendimento de políticas que

não incentivavam maior aprofundamento de conhecimento sobre as questões pedagógicas e

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curriculares na essência de seus fundamentos teórico-metodológicos, a não ser as informações

relativas à forma gerencial e funcionalista de atendimento à “nova” metodologia da construção

curricular com base em competências, quando fosse o caso.

As análises aqui realizadas podem ser consideradas como integrantes da análise do impacto

da política curricular dos anos 1990, a partir das vozes dos professores. Estes, ao darem respostas

sobre o impacto da política da Educação Profissional na Rede Estadual, qual seja, a que desativou

os cursos profissionalizantes apresentam, como indicadores importantes o da “perda de

conhecimentos sobre a Educação Profissional pela comunidade educacional”, vindo em seguida o

da “dificuldade de acesso aos cursos profissionalizantes na Rede Pública Estadual”, e a “redução

de oferta de formação para egressos do Ensino Médio”. Completando esse bloco de indicadores,

destaca-se também a alternativa em que os professores pesquisados consideraram como impacto da

política o “aumento de cursos profissionalizantes na Rede Privada”.

Reforçando esse mesmo aspecto, OLIVEIRA (2002) também considera que “a maior

característica da reforma em curso seria a aceleração da retirada do Estado da manutenção da oferta

de ensino profissional”, caso em que o Paraná serve de exemplo típico, como já pudemos constatar

anteriormente. O autor destaca que:

Neste sentido, a lógica interna desta reforma, subsidiada pelo pensamento economicista do Banco Interamericano, do Banco Mundial e do empresariado industrial brasileiro, seria de esvaziá-la da possibilidade de garantir uma formação que fosse além do domínio específico de uma determinada profissão, daí a supervalorização das competências. Articulado nesta mesma lógica economicista e neoliberal, destacamos o fato de a educação profissional passar a ser mais uma mercadoria posta no mercado, com efetivo controle da iniciativa privada (OLIVEIRA, 2002, p. 274).

Prosseguindo à argumentação, destacamos que as políticas educacionais, de modo geral,

refletem e só podem ser plenamente apreendidas quando situadas nos marcos das políticas

dominantes em determinado período. Assim, em direção contrária às políticas que vigoraram entre

1995 e 2002, cabe ressaltar que em 2004 foi iniciado, na Rede Estadual, o processo de

implantação de cursos de organização curricular em sua forma integrada, face aos

encaminhamentos apontados na ocasião pela SEMTEC/MEC para o Estado. Sendo esse o

momento da pesquisa, este fato possibilitou também obter dados em relação ao grau de aceitação

dessa política curricular, oficializada no ano de 2004, pelo Decreto 5.154/04 e pelo Parecer 39/04

CNE/CEB. Os cursos com organização curricular integrada foram aprovados pelo Parecer nº

1.095/03 do CEE., sob proposta do Departamento de Educação Profissional.

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Outro dado levantado pela pesquisa foi justamente o posicionamento dos professores acerca da

oferta de Educação Profissional com nova organização curricular integrada ao Ensino Médio. Com

relação a esse aspecto observou-se então pelos que a grande maioria dos pesquisados (81,35%)

aceitou essa nova oferta curricular, ressalvando-se que a mesma não foi implantada em todos os

estabelecimentos e cursos da Rede.7

Pelos aspectos destacados e pela análise do conteúdo das categorias trabalhadas, verificou-

se como ainda permanece arraigado nos professores o fetiche do mercado de trabalho e da

empregabilidade imediata pós-conclusão dos cursos técnicos, na visão de que a educação, a escola

e o currículo de formação para o trabalho ainda são fatores exclusivos e determinantes da inclusão

no mundo do trabalho.

A análise da parte referente à legislação da Educação Profissional possibilitou estabelecer

um panorama do conhecimento dos professores sobre as bases legais da Reforma Curricular da

Educação Profissional dos anos 1990, além de também poder dimensionar posicionamentos sobre a

oferta de Educação Profissional com organização curricular integrada ao Ensino Médio, prevista

pelo Decreto 5.154/04.

3. Trabalho, Tecnologia Competências: as sínteses dissonantes da prática escolar

As análises sobre a compreensão dos professores da Educação Profissional em relação a

linguagem expressa pelo discurso oficial da reforma, a qual internaliza determinados conceitos que

precisam ser apreendidos em seus sentidos e significados, uma vez que os conceitos não são

neutros, possibilitaram dimensionar o grau de sua apreensão sobre os mesmos na prática cotidiana

escolar,

Por essa razão, foi tomado como objeto de estudo específico para essas compreensões três

das categorias que julgam-se fundamentais para possibilitar apreender as relações e implicações

dos conceitos presentes na política curricular, ora em vigência no país. Analisou-se então, como os

conceitos de trabalho, tecnologia e competências vêm sendo apreendidos pelos professores que

atuam nos cursos de Educação Profissional Técnica de nível Médio, na Rede Pública Estadual de

Ensino.

Dessa forma, iniciou-se a análise de cada uma das categorias selecionadas - trabalho,

tecnologia e competências - procurando evidenciar, a partir das respostas às questões presentes no

7Para conhecimento mais detalhado dos dados pesquisados sobre a organização curricular integrada consultar a Dissertação disponível em www.utfpr.br.

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instrumento de pesquisa para cada uma destas categorias, as múltiplas e dissonantes compreensões

dos professores em sua relação com o aporte teórico definido e também com a explicitação dessas

categorias na política curricular oficial.

3.1 A presença do trabalho na prática escolar

O trabalho constitui uma das categorias principais de análise consideradas nesta

investigação, e como tal aparece com destaque na fundamentação teórica e, consequentemente, na

análise dos resultados sobre as concepções dos professores nas atividades próprias da prática

escolar.

Na perspectiva da abordagem teórica utilizada considerou-se que o trabalho constitui e

distingue o homem como indivíduo e como espécie, o que pode melhor ser traduzido pela

afirmação:

Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes à do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. (MARX,1994: p. 202).

Segue-se a este o pensamento de outros autores8 de mesma linha, reforçando as principais idéias

sobre a categoria trabalho, cabendo destacar a de LUKÁCS, citado por MACÁRIO (2002) ao

considerar que:

O homem foi definido como animal que constrói os seus próprios utensílios. É correto, mas é preciso acrescentar que construir e usar instrumentos implica necessariamente, como pressuposto imprescindível para o sucesso do trabalho, que o homem tenha domínio sobre si mesmo. Esse também é um momento do salto a que nos referimos, da saída do homem da existência puramente animalesca./.../ Também sob este aspecto o trabalho se revela como o instrumento da autocriação do homem como homem./.../ Com sua auto-realização, que também implica, obviamente, nele mesmo um retrocesso das barreiras naturais, embora jamais um completo desaparecimento delas, ele ingressa num novo ser, autofundado: o ser social (MACÁRIO, 2002 p. 54).

No aspecto evidenciado pelos autores buscou-se aporte para explicitar as teleologias

primárias e secundárias implícitas nos atos de trabalho humano, onde as teleologias secundárias

são reconhecidamente inerentes ao “salto” que separou o homem, enquanto ser social, de sua base

biológico-natural, conferindo-lhe a sua natureza humana se “ser social”.

Nessa perspectiva, pode-se destacar que, em resposta às questões formuladas sobre o

trabalho e suas manifestações na prática escolar, observou-se que a grande maioria dos professores

8 Outros autores utilizados GRAMSCI (1979); FRIGOTTO; ANTUNES (1999,2002);ENGUITA (1998);ALVES (2002); BRAVERMAN (1987); NOSELLA (1992) MÉSZAROS (1981), dentre outros.

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pesquisados considera que o trabalho manifesta-se de forma integrada ao desenvolvimento dos

conteúdos e na própria proposta curricular dos cursos. 9

Pelas compreensões explicitadas deduz-se que a grande maioria dos professores incorpora

o conceito de trabalho ao seu saber-fazer pedagógico, o que é um dado positivo, se considerada a

concepção de trabalho na sua dimensão de intrínseca articulação teórico-prática, enquanto “produto

e processo da práxis humana e de síntese entre pensamento e ação” (KUENZER, 2000, p. 26).

Mesmo assim, obteve-se um percentual representativo de professores (36,8%) que não

vinculam, necessariamente, a questão do trabalho à sua prática, vendo essa categoria, como um

elemento que integra a proposta curricular oficial. Pode-se inferir, por esse indicativo, que não

existe clareza teórico-conceitual sobre a concepção de trabalho e do significado de sua presença na

prática pedagógica. Em suas manifestações livres demonstram possuir concepções variadas, sobre

o trabalho, considerando muitas vezes sua dimensão prática dissociada a dimensão teórica e

revelando ainda um entendimento de trabalho como atividade a ser exercida ao final do curso, “na

empresa”.

Se considerarmos o trabalho tal como aparece nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Profissional (PARECER 16/99 - CNE), constatamos que a palavra/termo trabalho, ao

contrário das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PARECER 15/98 - CNE),

não aparece citada explicitamente, mas esta categoria encontra-se colocada de forma subsumida

aos termos/conceitos a ela subjacentes, portanto, na perspectiva do trabalho próprio da

reestruturação produtiva e do regime de acumulação flexível do capital, aspectos evidenciados na

fundamentação do trabalho, como a laboralidade, as competências profissionais e o processo de

certificação do trabalho.

Por sua vez, o Parecer 16/99 - CNE (Educação Profissional) nos seus princípios específicos

dispõe que:

A vinculação entre educação e trabalho, na perspectiva da laboralidade, é uma referência fundamental para se entender o conceito de competência como capacidade pessoal de articular os saberes (saber, saber fazer, saber ser e conviver) inerentes às situações concretas de trabalho. O desempenho no trabalho pode ser utilizado para aferir e avaliar competências, entendidas como um saber interativo, dinâmico e flexível, capaz de guiar desempenhos num mundo do trabalho em constante mutação e permanente desenvolvimento (PARECER 16/99, CNE/CEB).

Ao exporem o posicionamento de seus alunos sobre o trabalho, as respostas dos professores

que apresentaram os maiores índices, foram as de que os alunos desejam apreender no curso,

conhecimentos que possibilitem o seu ingresso no mundo do trabalho (73,7%); a de que os alunos

9 Os dados numéricos são apresentados no decorrer do texto apenas em alguns casos.

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demandam maior relação entre os conhecimentos teóricos e práticos (37,3%); e a de que os alunos

posicionam-se de forma crítica frente ao trabalho na atualidade, com 28,9% das respostas.

Esses resultados não se afastam dos requerimentos que seriam inerentes à função das

instituições públicas de formação para o trabalho, em que a possibilidade dos alunos de apreender

conhecimentos teórico-práticos precisa ser garantida, para atender minimamente a sua

impossibilidade de apreendê-los de forma autônoma pela realidade de sua história de vida

(KUENZER, 1997). Portanto, na realidade brasileira torna-se questão central que a etapa final da

educação básica possibilite esta apreensão, considerando os atuais níveis de atendimento da

universidade pública e as dificuldades de acesso a ela, uma vez que permanece inacessível a grande

parte da população do país.

Quando perguntados sobre a importância da escolaridade para o trabalhador, 81,3% dos

professores ratificaram esta importância. Ficou claro que a grande maioria não dispensa a

escolaridade para os trabalhadores, mas a questão torna-se mais interessante quando os

comentários dos professores trazem à cena o tema do conhecimento tácito dos trabalhadores:

“Existe a considerar o saber empírico, rico em experiências e saberes adquiridos anteriormente à

escolaridade”.

Constata-se por essas afirmações presentes na parte dos comentários, que os saberes da

experiência dos trabalhadores, na compreensão dos professores pesquisados, não devem ser

desconsiderados, pois se articulam à formação das competências profissionais requeridas na

atualidade, sem contrapor-se de forma dicotômica ao conhecimento universal e, podemos

acrescentar, ao conhecimento próprio do processo de escolarização formal (SAVIANI, 2003).

Quando perguntados se “a formação profissional que está sendo oferecida atende às

necessidades dos alunos/trabalhadores”, verificaram-se três demandas apresentadas pelos

investigados: uma representada pela necessidade de maior oferta de formação profissional; outra de

maiores recursos de infra-estrutura e recursos humanos para o desenvolvimento curricular; e, uma

terceira, que reivindica a oferta de estágios para maior aproximação à realidade do “mercado de

trabalho”.

Esses posicionamentos dos professores podem ser considerados legítimos, na medida em

que expressam dimensões da realidade histórica da Educação Profissional do país, enquanto

modalidade de ensino que não tem garantia de financiamento para a melhoria da estrutura física,

material e de recursos humanos. Essa realidade não é diferente do Paraná. No entanto, como já

ficou claro pelas análises apresentadas, a política assumida nos anos 1990 penalizou ainda mais os

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alunos, período em que a SEED praticamente induziu o desmonte da oferta de Educação

Profissional na Rede Pública Estadual.

No entanto, é preciso assinalar que conforme os dados e informativos da Secretaria de

Estado da Educação, relativos a 2005, os quais registram um crescimento substancial de 361,5%

em sua oferta em relação ao número de estabelecimentos de ensino e de 158,1% em relação ao

número de alunos.10 Além disso, também foi realizado, em 2004, concurso público para

preenchimento de 500 vagas para professor nos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível

Médio, tendo os professores aprovados assumido suas aulas no início do ano letivo de 2005.

No que se refere às “relações que se estabelecem entre escolaridade e preparação para o

trabalho, escolaridade e ingresso no mercado de trabalho e escolaridade e trabalho”, os índices de

concentração das respostas indicam que o posicionamento que prevalece entre os professores é

seguramente a da existência de forte relação entre escolaridade e trabalho e também a importância

positiva dessa relação.

As possibilidades de análise desses indicativos foram articuladas ou cruzadas com as

referentes aos “indicativos da escolaridade ser indispensável ao trabalhador” sendo que, na última,

os índices sobre a inexistência a linearidade entre as duas categorias são bem mais evidentes. Isto

pode ser compreendido no contexto das demandas atuais do mundo do trabalho, em que os

requerimentos da subjetividade do trabalhador, especialmente no relativo a competências

atitudinais, são bem mais exigidos e onde também os conhecimentos da experiência encontram

aporte significativo, daí a emergência das competências em substituição à qualificação referida ao

modelo taylorista/fordista (KUENZER, 2002a).

Ao explicitarem suas percepções sobre a existência de “preparação para o trabalho sem

escolaridade”, os professores demonstraram a tendência de valorização da escolaridade formal,

mas ressalvando as mudanças no mundo do trabalho, em que a certificação (diploma) ainda se faz

necessária para o trabalhador e, sobretudo, a ratificação da necessidade de que escolarização e

preparação para o trabalho são inseparáveis, posição que se aproxima das políticas curriculares

assumidas pela Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná, ao pretender um currículo

que integre trabalho, cultura, ciência e tecnologia. Nessa perspectiva, nas palavras de CIAVATTA

(2005):

Manter, na lei, a articulação entre o ensino médio de formação geral e a educação profissional em todas as suas modalidades. Isso supõe um permanente esforço para superar o dualismo na forma de impedimentos legais explícitos ou de mecanismos disfarçados na ausência de meios materiais para cumprir as duplas

10 Os dados de abril de 2005 informam que a Educação Profissional na Rede Pública estava sendo ofertada em 222 estabelecimentos de ensino dando atendimento a 60.000 alunos (DEP/SEED).

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jornadas de escola e trabalho como requer a dupla matrícula. Outros mecanismos pelos quais o dualismo opera são a má qualidade da educação no sistema púbico de ensino e a ilusão das políticas de acesso sem meios para a permanência do sistema educacional; a omissão diante da necessidade de políticas públicas (com legislação pertinente, garantia orçamentária e continuidade) que levem ao aumento da escolaridade (CIAVATTA, 2005, p. 99).

Dentre os enfoques de análise, enfatiza-se o que se julga ser objeto de reflexão e de futuros

aprofundamentos nos estudos e pesquisas da relação escola e trabalho, qual seja, o da função a ser

assumida pela escola de formação para o trabalho na atualidade, para dar conta de responder

concretamente as aspirações dos jovens e adultos que dela não podem prescindir, no momento em

que as políticas de trabalho e emprego ou desemprego continuam sendo excludentes e as

educacionais contemplam este mesmo direcionamento.

Nessa perspectiva, percebe-se que os professores pesquisados registraram com propriedade

e certa coerência os seus entendimentos sobre a categoria trabalho, colocando posições que oscilam

entre a necessidade ou não de escolaridade, sendo representativa a fala de que: “A sociedade apela

por mais educação, mas no atual momento econômico há vagas para trabalhadores ”baratos“ ou

seja, aqueles que não obtiveram estudos, exceto nos grandes centros onde essas vagas são para os

trabalhadores qualificados”.

Pelas compreensões dos professores sobre a categoria trabalho, no âmbito da Educação

Profissional do Paraná, observou-se que tais entendimentos se aproximam do que a literatura de

linha crítica vem discutindo sobre relação educação e trabalho, mencionados ao longo da pesquisa,

não sendo demais reafirmar “a centralidade e a natureza ontológica do trabalho na produção da

sociabilidade” (ANTUNES, 1999).

Isso significa dizer que a relação escola - trabalho não acontece de forma linear e

maniqueísta, como a “Teoria do Capital Humano” insiste em reiterar, enquanto pressuposto

assumido nos princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional, em que os

conceitos de laboralidade/empregabilidade expressam a política de atribuir aos trabalhadores a

responsabilidade pela sua condição de empregado precário ou desempregado.

Críticas a essa posição, afirmam que “esse ideário teve nas noções de ”empregabilidade” e

“competências” um importante aporte ideológico justificando, dentre outras iniciativas, os projetos

fragmentados e aligeirados de formação profissional, associados aos princípios de flexibilidade dos

currículos e da própria formação (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 38).

Em suas apropriações os professores também reconhecem a importância da escolaridade

formal, tanto para a apreensão dos conhecimentos sobre o trabalho, como para a sua inserção no

mundo do trabalho na atualidade, reafirmando a necessidade da expansão da oferta de cursos de

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Educação Profissional com o devido aporte de recursos para assegurar a qualidade da infra-

estrutura necessária para o desenvolvimento das atividades pedagógicas, com maior qualidade.

3.2.Tecnologia: os desafios da construção de um conceito

A tecnologia aparece nos documentos oficiais, no caso nos referimos ao PARECER nº 16/99

CNE/CEB, com tratamento caracterizado pela sua superficialidade conceitual. Isto é, tanto o

conceito de tecnologia quanto o tratamento pedagógico e curricular encontram-se subsumidos, com

raras recorrências aos termos “conhecimentos tecnológicos” e “inovações tecnológicas”. Constitui-

se, portanto, um dos aspectos que estão a demandar maior aprofundamento quando se aborda a

questão curricular da Educação Profissional, inclusive na acepção de que a tecnologia é

indissociável do trabalho e da ciência

Verificou-se, pela análise das categorias de conteúdo analisadas, que os professores

consideram a tecnologia como conhecimento, como técnica, como aplicação da técnica e do

conhecimento, como instrumento e ferramenta, como desenvolvimento e inovação, como

informação e informatização, como trabalho e processo produtivo e, ainda, como alguma coisa que

não sabem explicitar claramente via linguagem escrita, utilizando nas respostas termos também

imprecisos.

Nesse sentido, a análise dos resultados, encontrou em GAMA (1986) aportes importantes

por apresentar o que considera não ser tecnologia, fundamentação que contribuiu para conferir

maior clareza na argumentação utilizada na análise, principalmente quando o referido autor afirma

que tecnologia não é conjunto de técnicas, nem invenções, nem ferramentas e nem tampouco

máquinas, aparelhos ou dispositivos mecânicos ou eletrônico.

Os índices quantitativos11 apresentados pela pesquisa permitiram dimensionar, com maior

propriedade, as apreensões dos professores que atuam na educação profissional, tendo em vista

suas percepções sobre a categoria tecnologia, assim como proceder a inferências de ordem

qualitativa sobre as implicações e conseqüências que estas percepções podem imprimir à prática

escolar.

Dessa forma, constatou-se que o “entendimento de tecnologia como técnica” obteve maior

número de respostas, o que se torna compreensível pelos reflexos da tradição que historicamente

esteve presente na formação de nossos professores e na formação de nossa estrutura social e

educacional, em que o fazer sempre se apresentou na organização da escola brasileira de formação

11 Os dados quantitativos são apresentados somente para reforço de algumas posições.

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para o trabalho, divorciado do saber, e esta dualidade sempre encontrou aporte destacado,

conforme foi demonstrado pela fundamentação do trabalho, na abordagem histórica da Educação

Profissional.

Quanto ao “entendimento de tecnologia como técnica e expressões similares”, fez-se um

recorte das compreensões dos pesquisados, para melhor analisar as definições apresentadas.

Verificou-se então, o quanto as compreensões presentes na prática escolar se afastam do conceito

explicitado nas diretrizes curriculares oficiais e, por sua vez, se distanciam ainda mais do

referencial teórico assumido na pesquisa.

Neste particular, incide também a importância de ampliar as pesquisas sobre o constructo

de tecnologia, para firmar posições que venham a contribuir para a formação de cidadãos/alunos na

dimensão profissional tecnológica ou politécnica, como defendem SAVIANI (2002), FRIGOTTO,

CIAVATTA e RAMOS (2004) GARCIA e LIMA FILHO (2004).

Dessa forma, a síntese formulada por GARCIA e LIMA FILHO (2004), apresenta uma

crítica consistente às interpretações da tecnologia que adotam uma idéia de tecnologia como

aplicação, com enfoque determinista. Esses autores criticam tais interpretações que, por um lado

dissociam a ciência da tecnologia, considerando a segunda, mera aplicação da primeira, uma idéia

reducionista; por outro lado, criticam também as interpretações que dissociam a tecnologia dos

contextos sócio-históricos em que é produzida.

Essas idéias encontram aporte nas idéias de DAGNINO (2005), autor que apresenta em

suas análises, duas posições da ciência e tecnologia, a saber: a do foco na C&T e a do foco na

sociedade. Fazendo uso das palavras do autor:

Esta primeira forma de abordagem (...) caracteriza-se pela suposição de que a C&T avança contínua e inexoravelmente, seguindo um caminho próprio, podendo ou não influenciar a sociedade de alguma maneira. Para a segunda abordagem (...) o caráter da C&T, e não apenas o uso que dela se faz, é socialmente determinado e , devido a essa funcionalidade entre a C&T e a sociedade na qual foi gerada, ela tende a reproduzir as relações sociais prevalecentes e, até mesmo a inibir a mudança social (DAGNINO, 2005).

As idéias do autor estabelecem primeiramente duas formas pelas quais se pode

compreender a tecnologia, sendo que a primeira considera a tecnologia numa dimensão

determinista e isolada que não leva em conta as relações existentes na sociedade. Já a segunda,

admite a influência das relações sociais, o que faz com que a tecnologia e, principalmente a sua

utilização, possa ser ou ficar dependente dos interesses dominantes presentes numa dada sociedade.

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Nesse sentido, a tecnologia e a ciência a ela incorporada seriam neutras se fosse

considerada a primeira acepção e o conhecimento científico seria produzido numa dimensão

evolucionista e natural, através de fases sucessivas de avanço e inovação que gerariam por sua vez

o progresso, supondo a sua apropriação universalizada e irrestrita por todos o que, como já

percebido, se faz impossível considerada as discussões apresentadas e defendidas no contexto geral

da investigação.

Para entender a segunda acepção colocada por Dagnino, ou seja, a do “foco na sociedade”,

é importante considerar as duas classificações propostas pelo autor. A tese fraca da não-

neutralidade apresenta-se como a que o conhecimento científico e tecnológico simplesmente

adequa-se ou submete-se às exigências determinadas pelas relações econômicas, sociais e políticas

de maneira orgânica. Ao contrário, a tese forte da não-neutralidade considera possível que, mesmo

no âmbito do capitalismo e da contradição existente entre capital e trabalho, seria possível a

transformação. Essa tese, na perspectiva gramsciana se efetivaria através do papel contra

hegemônico exercido pelos intelectuais com ela alinhados (DAGNINO, 2005).

De outro lado, considera-se que o conceito de tecnologia em GAMA (1987), como a

“ciência do trabalho produtivo”, encontra um avanço no plano conceitual na síntese de LIMA

FILHO (2004) quando a ela se refere articulada à ciência, pois dela é indissociável, e quando

dispõe sobre o que ela é, destacando, o que ela não é:

No que concerne à ciência e à tecnologia, estas são entendidas como extensão das possibilidades e potencialidades humanas. Assim, o desenvolvimento científico e tecnológico é o desenvolvimento da ciência do trabalho produtivo, isto é social, processo de apropriação contínua de saberes e práticas pelo ser social no devir histórico da humanidade. A ciência e a tecnologia são, portanto, construções sociais complexas, forças intelectuais e materiais do processo de produção e reprodução social. No entanto, como processo social, participa e condiciona as mediações sociais, porém não determinam por si só a realidade, não são autônomas, nem neutras e nem somente experimentos, técnicas, artefatos ou máquinas: são saberes, trabalhos e relações sociais objetivadas (LIMA FILHO, 2004: p.20).

Portanto, o autor considera ciência e tecnologia, desenvolvimento científico e tecnológico e

ciência do trabalho produtivo como processos imbricados. Em assim sendo, a ciência e a

tecnologia integram o princípio educativo do trabalho, ou seja, isso nos indica a presença das

categorias trabalho, ciência e tecnologia como inerentes a uma formação que se deseja politécnica,

portanto, tecnológica, também no Ensino Médio. Constata-se, dessa maneira, que estas formas de

abordagem apresentam a ciência e a tecnologia situada em sua relação com os movimentos de

transição do capitalismo e, assim, podem auxiliar a compreender melhor a ciência e a tecnologia e

suas complexas relações no contexto do trabalho na atualidade, inclusive com a educação e o

currículo. Na continuidade da análise, observa-se que, se a maioria dos pesquisados entendem

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tecnologia como técnica, ao mesmo tempo que consideram a sua necessária articulação com o

conhecimento e com a ciência, em todas as suas formas de manifestação, inclusive com o

conhecimento teórico-prático, compreensões sem as quais dificilmente se fará a superação para

um conceito de tecnologia como o que propugnamos, em que se considera que a tecnologia não

existe descolada do conhecimento e da ciência contemporânea. Continuando nesta linha de

raciocínio, pode-se dizer que 70,7% dos professores concebem “tecnologia como ferramenta,

recurso, instrumento, aplicação prática”. Além disso, ao considerarem a tecnologia na sua

dimensão instrumental, a exemplo da informática e do computador - a tecnologia como objeto -

reificam - na e, assim sendo, o seu entendimento fica reduzido ao de uma “coisa descartável”.

A dimensão de tecnologia com caráter de “aplicação da ciência e da técnica”, por sua vez,

diverge também do assumido pela sua fundamentação, em que a tecnologia é considerada como a

ciência do trabalho produtivo moderno, desenvolvida no trabalho e desta forma a sua própria

natureza - de ciência - não permite considerá-la numa dimensão aplicativa e de mero meio para se

atingir determinados fins.

Outra constatação importante é a de que as inferências sobre a “tecnologia em sua relação

com o trabalho” apresentaram o menor índice (5,2%) das categorias de análise embora,

contraditoriamente, os professores pesquisados sejam os que atuam diretamente na formação do

cidadão/aluno para o mundo do trabalho. Esta contradição torna-se mais acirrrada uma vez que na

contemporaneidade não se pode abster-se ou isentar-se desconsiderar a presença do trabalho e de

suas implicações na formação da subjetividade e da sociabilidade, até por uma questão de

exercício da cidadania.

Nesse particular, torna-se preocupante o pouco domínio dos professores em relação aos

princípios e conceitos que deveriam fundamentar a sua prática cotidiana de ensino, como é o caso

dos conceitos de trabalho, de ciência e de tecnologia, mesmo porque os mesmos estão presentes na

vida dos homens, na certeza de que trabalho é vida, como observa KUENZER (2000).

A necessidade de formação na escola, portanto, é colocada para aqueles que, por viver do trabalho, são pauperizados economicamente, e, em decorrência, também o são culturalmente. Para estes, a escola é o único espaço disponível para apreender e compreender o mundo do trabalho, pela mediação do conhecimento, como produto e como processo da práxis humana, na perspectiva da produção material e social da existência (KUENZER, 2000, p. 34).

Essa afirmação da autora nos remete a uma importante constatação da pesquisa. Nas

respostas dos professores observa-se a inexistência de considerações relativas ao homem como

produtor da tecnologia. Como diz FREIRE (1983), humanismo e tecnologia não se excluem. O

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primeiro implica a segunda e vice-versa. Pois, se existe compromisso com o homem concreto, com

a causa de sua humanização, de sua libertação, não se pode prescindir da ciência, nem da

tecnologia, com as quais se vai instrumentando para melhor lutar por essa causa.

Ao verificar a dimensão da “relação entre as compreensões dos conceitos apresentados

pelos professores e a tecnologia na prática pedagógica” pode-se constatar que a grande maioria dos

professores afirmou que a tecnologia está presente em sua prática pedagógica, sendo esses

indicadores articulados ao do conceito de tecnologia para afirmar que a grande maioria dos

professores considera que a tecnologia tem presença assegurada na sua prática pedagógica embora,

ao analisar a questão conceitual, as suas compreensões de tecnologia sejam diversas, portanto

dissonantes, e com enfoque maior na compreensão de tecnologia como técnica.

O que acabamos de ressaltar encontrou também significado nas afirmações dos professores

sobre “tecnologia e prática pedagógica”, pois suas impressões reafirmaram, primeiramente, o

conceito técnico-instrumental de tecnologia. Percebeu-se, também, a presença de manifestações na

perspectiva das dimensões evolucionista, determinista e de neutralidade. Compreensões essas

próximas das concepções criticadas por DAGNINO (2005), e os demais autores já citados, qual

seja a visão utilitarista e coisificada de sua incorporação à prática pedagógica.

Finalizando as análises da categoria tecnologia e atendendo aos objetivos da pesquisa viu-

se como os professores consideram “a presença da tecnologia no currículo da Educação

Profissional”, com foco direcionado para os aspectos da organização didático-pedagógica da

escola.

Esses indicadores apontaram uma grande concentração de respostas dos professores nas

alternativas da positividade da tecnologia no currículo para a formação dos alunos, destacando a

sua complexidade e necessidade do domínio do seu conceito para assegurar a sua materialidade no

desenvolvimento curricular da Educação Profissional.

Entendeu-se essa sinalização dos professores como a necessidade de dominar “o conceito

de tecnologia”, caracterizada como uma demanda real a ser incorporada pelas políticas curriculares

do Estado. Porém, necessariamente esta presença deve se efetivar sob a ótica de mediações

teórico-metodológicas que auxiliem a superar a sua dimensão instrumental e coisificada.

Por sua vez, considerou-se que os professores apreendendo o sentido e significado da

presença da tecnologia como princípio da organização curricular dos cursos de Educação

Profissional Técnica de Nível Médio, também poderão vir a compreender a dimensão do

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conhecimento tecnológico para a formação omnilateral dos alunos da escola pública de formação

para o trabalho que se deseja tecnológica ou politécnica.

3.3. As competências na perspectiva dos professores da Educação Profissional

Um dos questionamentos fundamentais que a pesquisa objetivou responder através da análise

das respostas dos professores, foi o de como a pedagogia das competências estava sendo

compreendida no contexto da prática escolar Ao mesmo tempo, sendo um mapeamento inicial da

operacionalização do currículo organizado por competências, a partir das exigências legais,

forneceu elementos para que se pudesse analisar o impacto da Reforma da Educação Profissional

na perspectiva da Pedagogia das Competências.

A importância das respostas obtidas articula-se à dos estudiosos da área no momento em

que, como já foi exposto, estão sendo formulados e divulgados conceitos que buscam explicitar

com aporte teórico consistente a concepção de competências que poderia vir a ser trabalhada num

currículo para a classe que vive do trabalho, como os presentes principalmente nos trabalhos de

ROPE & TANGUY (2001) KUENZER (2002, 2003); (RAMOS,2001,2002) e DELUIZ (2001);

HIRATA (1994).12

Para maior clareza, enquanto ponto nuclear da discussão sobre competências, por ser a

posição assumida pelo estudo, é que os conhecimentos não podem ser confundidos com

competências, destacando a importância de se entender a função da escola como espaço

privilegiado do conhecimento e, no caso, do conhecimento escolar, deixando o desenvolvimento de

competências para ser desenvolvido na prática social e produtiva. Esta diferenciação não pode ser

confundida, no que se concorda com KUENZER (2002a), pois:

Atribuir à escola a função de desenvolver competências é desconhecer sua natureza e especificidade em quanto espaço de apropriação do conhecimento socialmente produzido e, portanto, de trabalho intelectual com referência à prática social, com o que, mais uma vez, se busca esvaziar sua finalidade, com particular prejuízo para os que vivem do trabalho (KUENZER, 2002a, p. 17).

Aproximando-se das respostas dos professores sobre a sua forma de trabalho em sala de

aula verificou-se que os índices das categorias de conteúdo analisadas, indicam a forma de trabalho

dissonantes dos professores, porém com predomínio de respostas para a forma de trabalho por

conteúdos e disciplinas.

12 STROBANTS (2001); DUBAR (1998); MACHADO (1998); SILVA (2003) são referências importantes a referenciar sobre o tema.

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Em relação a esse aspecto constatou-se, mesmo com a emergência das competências no

âmbito educacional que, entre o currículo prescrito com as suas determinações e o currículo real,

existe um espaço a ser ocupado ou por mecanismos de resistência, ou por mecanismos de adesão,

que só a subjetividade dos professores pode dar conta (LOPES, 2002).

Antes de serem apresentadas as manifestações discursivas específicas dos professores, faz-

se importante apresentar uma dos conceitos de competências abordado no trabalho que demarca a

base conceitual das análises realizadas, qual seja:

... a capacidade de agir em situações previstas e não previstas, com rapidez e eficiência, articulando conhecimentos tácitos e científicos a experiências de vida e laborais vivenciadas ao longo das histórias de vida, vincu8lada á idéia de solucionar problemas, mobilizando conhecimentos de forma transdisciplinar a comportamentos e habilidades psicofísicas, e transferindo-os para novas situações; supõe, portanto, a capacidade de atuar mobilizando conhecimentos (KUENZER, 20030.

A partir desse conceito observou-se o depoimento dissonante dos professores, onde

coexistem um misto de formas de trabalho, conforme evidências da pesquisa, podendo citar como

exemplo as seguintes falas : “Disciplina com a conseqüente departamentalização em um módulo”;

“Trabalhamos as competências através dos conteúdos e desenvolvemos projetos para sistematizar

as diversas disciplinas”.13

Essas respostas forneceram elementos que permitiram concluir que os professores

pesquisados, não possuíam clareza conceitual e metodológica sobre a sua própria prática e

justamente por este fato, não atribuíam importância maior à questão da forma de organização

curricular por competências ou qualquer outra que lhes fosse apresentada.

Os professores apontaram também os efeitos de uma política curricular que atingiu

fortemente a cultura de ensino profissionalizante existente no Estado, e que precisam ser revertidos

com urgência, para que os professores possam vir a construir um ”novo” saber sobre o trabalho

pedagógico e, nesse caso, sobre a influência da concepção, estrutura e organização curricular de

um curso voltado para o trabalho na formação omnilateral dos alunos da escola pública

(FRIGOTTO, 2002).

Ao serem levantados os dados sobre o “entendimento que os professores pesquisados têm

de competências” e no aprofundamento das análises iniciais, os resultados das , categorias de

conteúdo analisadas registraram que 52,4% consideraram entre outras categorias, a de

competências como “um conjunto de saberes teóricos e práticos”.

13 A pesquisa levantou vários depoimentos, os quais não são apresentados pelos limites do texto.

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Esse mapeamento das concepções dos professores sobre as competências, ratificando a

análise anterior, bem demonstra a imprecisão sobre o conceito dessa complexa categoria, mesmo

porque sabemos que é uma noção que está em processo de construção, principalmente no Brasil.

Portanto, quando de maneira intempestiva, passa a compor, por exigência legal, os documentos

curriculares oficiais a serem implantados nas escolas, não se pode deixar de concordar que os

professores, embora façam um esforço para tentar alcançar o entendimento desses “novos”

conceitos, sintam dificuldade, pois esses conceitos não fizeram parte de sua trajetória acadêmica e

nem de sua formação continuada e, desta forma, não integraram ou integram ainda de forma

precária, a sua prática pedagógica.

Mesmo com todas as ressalvas, as maiores incidências de respostas concentraram-se nas

alternativas em que as competências curriculares a serem trabalhadas com os alunos na Educação

Profissional são saberes e conhecimentos teóricos e práticos, o “saber-fazer”, refrão que passou a

ser senso comum ao se falar de competências, em razão de sua divulgação nos documentos oficiais

no período de implantação da Reforma.

Outras complementações sobre as respostas levaram a ponderar uma vez mais sobre as

compreensões dissonantes dos professores sobre o conceito de competências, enquanto uma das

principais categorias apresentadas pelas diretrizes curriculares da Reforma dos anos 1990 e que não

encontrou o seu espaço nas práticas escolares dos professores. Torna-se pertinente destacar e numa

primeira tentativa de síntese, que a compreensão do conceito de competências explicitada pelos

professores vai até o limite de sua associação com os saberes teórico-práticos.

O que precisa ficar claro, enquanto ponto nuclear da discussão sobre competências, por ser

a posição assumida neste estudo, é que os conhecimentos não podem ser confundidos com

competências, destacando a importância de se entender a função da escola como espaço

privilegiado do conhecimento e, no caso, do conhecimento escolar, deixando o desenvolvimento de

competências para ser desenvolvido na prática social e produtiva. Esta diferenciação não pode ser

confundida, no que se concorda com KUENZER (2002a).

Atribuir à escola a função de desenvolver competências é desconhecer sua natureza e especificidade enquanto espaço de apropriação do conhecimento socialmente produzido e, portanto, de trabalho intelectual com referência à prática social, com o que, mais uma vez, se busca esvaziar sua finalidade, com particular prejuízo para os que vivem do trabalho (KUENZER, 2002a, p. 17).

Saindo do aspecto conceitual e adentrando nos referentes à organização curricular por

competências e tomando-se por base os dados apontados, verifica-se uma relativa dissonância de

opiniões, embora o maior índice sinalize que a organização curricular por competências foi

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implementada em parte. Nesse sentido, o dado que mais chama a atenção é o de que 26,6% dos

professores consideraram que esta organização não foi implementada, levando em conta que os

demais índices levantados também puderam ser considerados como dados representativos de uma

implementação parcial.

As maiores incidências encontradas nas respostas sobre a não adoção das competências

recaíram na falta de preparo dos professores, na falta de apoio institucional e de condições

materiais, conforme se observa nas falas a seguir descritas: “A organização curricular não alterou

meu método de trabalho em sala de aula” e “Alguns professores não tomaram conhecimento e não

mudaram sua prática pedagógica”.

Esses depoimentos já fornecem um primeiro cenário, ao qual considera-se importante

serem acrescentados alguns outros, que nos dão conta da dificuldade dos professores para entender

em específico, a tecnologia (conteúdo/forma) de elaboração dessa organização curricular

considerada funcionalista e, conseqüentemente, dos procedimentos e critérios relativos à avaliação

e certificação por competências, assunto bem explorado na fundamentação.14

Pode-se destacar neste ponto, a figura de linguagem utilizada em uma das exposições dos

professores de que avaliar competências tornou-se um “fantasma” para os professores, como bem

significativa do que pode vir a ser o trabalho docente desprovido de suas bases conceituais, questão

que nos leva à raiz do que foi a política de implantação das diretrizes curriculares da Reforma.

Essa atitude de incerteza e insegurança sobre a organização curricular em geral e da com

base em competências em particular, nada mais é do que reflexo do que foi arquitetado e

implantado no Estado do Paraná, com as reformas do Ensino Médio e da Educação Profissional, o

que claramente demonstra como foram “eficientes e eficazes” as políticas dos anos 1990, uma vez

que conseguiram desarticular também a base organizacional e curricular existente nas escolas.

Assim, tais atitudes podem ser traduzidas como mecanismo de resistência manifesto ou implícito

ao aporte teórico-prático da reforma educacional à Pedagogia das Competências.

Na busca de aprofundamento dessa análise no campo das “manifestações da organização

curricular por competências no interior da escola”, obtiveram indicativos de que os pesquisados

consideraram que as competências “manifestam-se no conhecimento teórico-prático dos

professores, no trabalho contextual e interdisciplinar dos professores em sala de aula, na Proposta

Pedagógica do estabelecimento, na organização didático-pedagógica do estabelecimento, no apoio

14 VER BREMER (2005) :A Pedagogia das Competências como Política Curricular no Brasil

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da direção, na equipe pedagógica e nas políticas de implantação de propostas curriculares da SEED

e NRE”.

Ancorada nas categorias de conteúdo apresentadas à priori (instrumento de pesquisa) e nos

indicativos de concentração das respostas quantitativas registradas, pode-se fazer uma síntese,

destacando duas áreas de concentração nas respostas dos professores sobre a manifestação das

competências: no trabalho dos professores em sala de aula, portanto no currículo, e nas instâncias

de gestão escolar e institucional.

Significa dizer que os professores compreendem que é no seu trabalho em sala de aula que,

em última instância, recaem as decisões relativas à política curricular da Educação Profissional, o

que sinaliza para onde devem convergir estas políticas, ou seja, para o alcance de resultados de

aprendizagem satisfatórios, sendo que é no processo de regulação existente no interior do espaço

escolar que as mudanças podem acontecer ou não acontecer (LOPES, 2002).

Com essas afirmações que enfatizam a importância do papel dos professores em processos

de mudanças curriculares, encerramos as análises sobre a categoria competências, reconhecendo as

limitações de um primeiro trabalho de análise que, por ser abrangente, possibilita ainda espaço para

que sejam acrescentados outros níveis de reflexão.

Resta complementar que, no momento em que se investiga a realidade sobre a episteme do

professor, confirmou-se o quanto à linguagem da reforma educacional dos anos 1990 precisa ser

desmistificada. A compreensão dos principais conceitos que nela estão presentes - dos quais as

categorias trabalho, tecnologia e competências são bons exemplos - pode-se reconhecer que a

estratégia pedagógica de clarear conceitos e concepções, demanda políticas educacionais e

curriculares com consistência de princípios, uma vez que as mesmas não acontecem no vazio e,

muito menos, sem a participação efetiva do coletivo escolar.

Os resultados da pesquisa confirmaram pressupostos importantes relativos ao impacto da

reforma em seus aspectos pedagógicos e curriculares, principalmente em relação à falta de domínio

dos conceitos e princípios estabelecidos pelas diretrizes curriculares legais da Educação

Profissional.

Ao concluir essa análise sobre as concepções dos professores da Educação Profissional

pública do Estado do Paraná achamos importante demarcar que a expansão da Educação

Profissional, ora em implementação, deve ser acompanhada de uma política curricular definida e

clara, reconhecendo-se que mudanças curriculares conduzidas de forma isolada, sem a participação

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do coletivo dos professores e sem os recursos necessários não se efetivam, para que não

permaneçam, novamente, somente no anúncio (KUENZER, 2002b).

Acredita-se ser este um dos caminhos possíveis para conseguir compreender os estreitos

vínculos entre o trabalho, a tecnologia, a educação, o ensino e o currículo é, por conseqüência,

postular o espaço de fato e de direito a ser ocupado por uma prática escolar capaz de transformar os

espaços de produção, considerando o conhecimento científico-tecnológico a ser adquirido pelos

trabalhadores, em seu processo de escolaridade formal pública.

Esse conhecimento científico-tecnológico, próprio de uma formação profissional

tecnológica, por aliar um saber-fazer assentado em fundamentos científicos, deve efetivamente

auxiliar a classe que vive do trabalho a encontrar na essência da tecnologia, a compreensão de seu

imbricamento nas relações da ética, da política, da economia, da ciência e da cultura que afetam a

vida dos homens em sociedade.

Entende-se ser nossa responsabilidade, enquanto identificados como professores

pesquisadores pela comunidade acadêmica, assumir o compromisso profissional ético e político de

anunciar os fatos que interferem na melhoria da qualidade da formação de todo cidadão, com

destaque para a formação profissional dos trabalhadores, como foi a intenção do trabalho ora

sintetizado.

Considerações finais

Os resultados da investigação, deram a conhecer um primeiro panorama sobre a Educação

Profissional na Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná na fase de retomada de sua oferta, o

qual inclui a identificação do perfil dos profissionais que nela atuam, dos condicionantes para essa

atuação e, principalmente, a dimensão pela qual os conhecimentos sobre os aspectos legais,

pedagógico-curriculares e conceituais foram apreendidos a partir da Reforma dos anos 1990 e

como esses se fazem presentes na prática escolar dos professores.

Uma das conclusões fundamentais desta pesquisa é de que realmente a política neoliberal

implementada pela Reforma dos anos 1990 atingiu, ainda que tal feito não tenha ocorrido sem

focos de resistência e contradições, os objetivos a que se propôs. Isto é, conseguiu destruir a cultura

da formação profissional em sua forma de escolarização média na Rede Pública Estadual de

Ensino, evidenciada pelos dados da pesquisa, os quais demonstram a pouca clareza existente entre

os professores, principalmente, sobre os conceitos centrais postos pelas diretrizes curriculares da

Educação Profissional.

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No entanto, essa falta de clareza manifesta, é percebida como “sucesso” relativo da

desprofissionalização pretendida, já que os professores não assumem nem rechaçam com

argumentação condizente e aprofundada as diretrizes curriculares trazidas pela reforma em análise,

podendo este fato ser contraditoriamente interpretado como uma não assimilação intencional que

revelaria resistência parcial, oculta ou não manifesta dos docentes a essa Reforma.

Desse modo, a atual política de retomada da oferta da Educação Profissional (2003/2006)

trouxe consigo não só a ruptura com as orientações da política neoliberal dos anos 1990, mas

também a possibilidade de se estar continuando e renovando a trajetória de aprofundamento teórico

dos profissionais atuantes na Rede Pública Estadual sobre a formação para o trabalho, levando em

conta os determinantes das mudanças políticas e legais no país e no Estado.

No entanto, uma certeza pode-se começar a delinear, qual seja a de que está apenas

iniciando uma análise sobre os prejuízos sociais causados à comunidade paranaense em geral e,

particularmente, aos jovens paranaenses aos quais foi negado o acesso à formação para o trabalho

na época adequada, e que atualmente estão podendo retornar para cursá-la em cursos noturnos e

subseqüentes, o que pelas contingências, ainda penaliza mais uma vez, a aprendizagem cidadã dos

trabalhadores.

Recomendações e perspectivas foram sendo gestadas ao longo do desenvolvimento do

trabalho e, portanto, também não deixaram de integrar o espaço das conclusões da investigação, a

de que o impacto das políticas curriculares ditadas pela legislação deve ser considerado sempre

relativo, levando-se em conta as múltiplas e diferenciadas mediações que condicionam o

movimento de poder que seguramente existe também no interior da escola, na especificidade do

trabalho pedagógico e nos sujeitos que lhe dão forma.

Esse poder de mudar ou não mudar, incorporar ou não incorporar as propostas oficiais,

reside na adesão consentida dos professores ou no grau de sua resistência oculta ou manifesta.

Essas são estratégias e táticas que os professores adotam em contextos de opressão ou baixa

participação.

Pelo contrário, em contextos plenos de participação e decisão, os professores o fazem

compreendendo, apreendendo, assumindo e incorporando as propostas discutidas num processo de

exercício democrático para que as mudanças de seus saberes e fazeres curriculares ocorram.

Porém, deve-se entender que, independentemente disso, mudanças ainda que parciais e superficiais

ocorrem, pois a educação e o currículo escolar não são construções sociais isoladas e, como tal,

resultado do trabalho coletivo dos homens.

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