30
Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011. A industrialização brasileira e seus impecílios. Doutorando: Alex A Mengel Professor: Sergio Pereira Leite Introdução O presente trabalho é requisito de avaliação parcial da disciplina de “Economia Brasileira”. Tem por objetivo compreender a importância da industrialização para o desenvolvimento da economia de determinado país, no caso da brasileira. Além de compreender os fatores que impossibilitam que um processo industrializante seja gerado. Para compreender a importância da industrialização levamos mão ao texto “O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas ” de Raúl Prebisch. Para analisar os fatores determinantes da economia brasileira, assim sendo, que foram importantíssimos para a dificuldade de industrialização nos utilizamos da obra de Celso Furtado, intitulada de “Formação Econômica do Brasil”, além da obra de João Manuel Cardozo de Mello, intitulada de “O Capitalismo Tardio”. O trabalho está dividido em cinco partes. A primeira trata da importância da industrialização, a segunda aborda a ocupação do território brasileiro, a lavoura açucareira e suas consequências para o desenvolvimento econômico do país, a terceira trata da economia aurífera e das mudanças por ela gerada, na dinâmica socioeconômica brasileira, a quarta trata do novo dinamismo gerado pela cafeicultura, dos conflitos surgidos pelo assalariamento e do nascimento do mercado interno como centro dinâmico da economia, posteriormente abordamos os problemas que serviam como impecílio à industrialização pesada.

Trabalho_EconBrasil.docx

  • Upload
    silviaa

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011.

A industrializao brasileira e seus impeclios.

Doutorando: Alex A MengelProfessor: Sergio Pereira Leite

IntroduoO presente trabalho requisito de avaliao parcial da disciplina de Economia Brasileira. Tem por objetivo compreender a importncia da industrializao para o desenvolvimento da economia de determinado pas, no caso da brasileira. Alm de compreender os fatores que impossibilitam que um processo industrializante seja gerado.Para compreender a importncia da industrializao levamos mo ao texto O desenvolvimento econmico da Amrica Latina e seus principais problemas de Ral Prebisch. Para analisar os fatores determinantes da economia brasileira, assim sendo, que foram importantssimos para a dificuldade de industrializao nos utilizamos da obra de Celso Furtado, intitulada de Formao Econmica do Brasil, alm da obra de Joo Manuel Cardozo de Mello, intitulada de O Capitalismo Tardio.O trabalho est dividido em cinco partes. A primeira trata da importncia da industrializao, a segunda aborda a ocupao do territrio brasileiro, a lavoura aucareira e suas consequncias para o desenvolvimento econmico do pas, a terceira trata da economia aurfera e das mudanas por ela gerada, na dinmica socioeconmica brasileira, a quarta trata do novo dinamismo gerado pela cafeicultura, dos conflitos surgidos pelo assalariamento e do nascimento do mercado interno como centro dinmico da economia, posteriormente abordamos os problemas que serviam como impeclio industrializao pesada.

A importncia da Industrializao

A industrializao a nica maneira de determinado pas apropriar-se dos frutos do aumento da produtividade do trabalho de sua economia. No trabalho intitulado O desenvolvimento econmico da Amrica Latina e seus principais problemas Ral Prebisch (1948) explica porque esta afirmao no , simplesmente, uma petio de princpios. Em tal trabalho ele questiona as premissas basais da argumentao relativa s vantagens econmicas da diviso internacional do trabalho. Esta argumentao sustenta que, por meio do intercmbio internacional, os pases de produo primria obtm sua parte nos frutos do aumento da produtividade da economia, ou seja, a coletividade, de uma maneira ou de outra, beneficiada por sua especialidade no comrcio internacional. Nesta lgica, os pases de produo primaria no necessitariam, portanto, industrializar-se. Pelo contrrio, sua menor eficincia os faria perder irremediavelmente as vantagens clssicas do intercmbio.

O erro dessa premissa consiste em atribuir carter geral ao que de si mesmo muito circunscrito. Se por coletividade se entende, apenas, o conjunto dos grandes pases industriais, certo que o fruto do progresso tcnico se distribui, gradualmente, entre todos os grupos e classes sociais. Mas, se o conceito de coletividade tambm se estende periferia da economia mundial, essa generalizao encobre um grave erro. As grandes vantagens do desenvolvimento da produtividade no chegaram periferia em medida comparvel ao que lograram desfrutar as populaes dos grandes pases. Da as diferenas to acentuadas entre os nveis de vida das massas nestes e naquela, e as notrias discrepncias entre suas respectivas foras de capitalizao, uma vez que a margem de poupana depende, primordialmente, do aumento da produtividade (PREBISCH, 1948: 47-48).

A explicao para esta constatao sustenta-se na observao das variaes de preos mdios dos produtos primrios e dos artigos industriais entre os anos 1876 a 1947. Prebisch (1948) afirma que neste perodo o progresso tcnico foi mais acentuado na indstria (pases industrializados) do que na produo primria (pases perifricos). Desta maneira, caso os preos baixassem de maneira inversamente proporcional com os ganhos de produtividade, segundo a premissa implcita no esquema da diviso internacional do trabalho, este rebaixamento deveria ocorrer mais acentuadamente nos produtos industrializados do que nos produtos primrios, fazendo com que a relao de preos entre eles fosse favorvel aos pases perifricos. Em tal situao os pases perifricos teriam aproveitado, com a mesma intensidade que os pases cntricos a baixa dos preos dos produtos finais da indstria e os frutos do progresso tcnico terriam sido compartilhados, igualmente, em todo o mundo. Entretanto, os dados do perodo citado, apresentados por Prebisch (1948), no do sustentao quela premissa.

Nos anos trinta s se podiam comprar 63% dos produtos finais da indstria que se compravam nos anos setenta do sculo passado com a mesma quantidade de produtos primrios, ou seja, necessitava-se, em termo mdio, 58,6 % mais de produtos primrios para comprar a mesma quantidade de artigos finais da indstria. A relao de preos se moveu, pois, em forma adversa periferia; contrariamente ao que sucederia, se os preos tivessem declinado com a reduo do custo provocada pelo aumento de produtividade (PREBISCH, 1948: 55).

A respeito das consideraes em torno do comrcio entre produtos industrializados (economias industriais) e produtos primrios (economias perifricas) no perodo entre a segunda metade do sculo XIX e primeira do sculo XX Prebisch (1948) formula as trs observaes: 1) os preos no baixaram em conformidade com o progresso tcnico, porque quando o custo tendia a baixar, devido ao aumento da produtividade, subiam, por outro lado, as remuneraes dos empresrios e dos fatores da produo. Assim, j que a ascenso das remuneraes foi mais intensa que a da produtividade, os preos subiram, em vez de baixar; 2) se o crescimento das remuneraes, nos centros industriais e na periferia, houvesse sido proporcional ao aumento das respectivas produtividades, a relao de preos entre os produtos primrios e os produtos industriais, teria sido igual a que existiria se os preos houvessem baixado estritamente de acordo com a produtividade. Sendo da indstria a maior produtividade, a relao de preos teria se movido em favor dos produtos primrios; 3) na realidade, a relao se moveu contra os produtos primrios, ento as remuneraes dos empresrios e fatores da produo cresceram, nas economias centrais, mais que o aumento da produtividade, e na periferia menos que o respectivo aumento da mesma produtividade. Em resumo: ao passo que os centros retiveram integralmente o fruto do progresso tcnico de sua indstria, os pases da periferia traspassaram-lhes uma parte do fruto de seu prprio progresso tcnico (PREBISCH, 1948: 56). Prebisch busca a explicao deste fenmeno relacionando-o com o movimento cclico da economia. De acordo com ele, no processo cclico da economia existe uma dissonncia entre a procura e a oferta globais de produtos terminados, sendo que na crescente a procura superior oferta e na minguante o contrrio. As variaes e o volume de variao do benefcio esto relacionados a tal disparidade, sendo que o benefcio se traslada dos empresrios do centro aos produtores primrios da periferia. Neste processo os preos dos produtos primrios sobem com maior rapidez que os produtos industrializados na crescente, entretanto tambm descem mais que estes na minguante, dessa maneira, os preos dos produtos industrias criam um gradiente progressivo dos preos primrios(PREBISCH, 1949).Caso o benefcio pudesse comprimir-se na mesma forma em que se havia dilatado, no ocorreria esse movimento desigual. No entanto no pode comprimir-se porque, na crescente, uma parte dos benefcios relativos aos produtos industrializados se transformou em aumentos salariais, devido a competio entre os empresrios por mo de obra e pela presso das organizaes operarias em busca de melhores salrios. Quando h necessidade de compresso dos benefcios na minguante do ciclo, aqueles transformados em salrios perderam a fluidez devido a resistncia baixa dos salrios. Desta maneira a presso desloca-se para a periferia com maior intensidade que a existente anteriormente ao corrente ciclo. Como os trabalhadores da produo primria, principalmente nos pases perifricos, tm grande dificuldade de organizao, aumentos salariais comparveis aos dos trabalhadores dos pases industriais so impossibilitados. Da mesma maneira, compresses salariais so menos complicadas de se realizar nestes do que naqueles industrializados (PREBISCH, 1949). Prebisch (1948) ainda afirma que mesmo que se considere uma rigidez parecida entre centro e periferia, a nica possibilidade seria o aumento da economia industrial sobre a primria. Isto se daria porque caso no se comprime o benefcio perifrico na medida necessria para corrigir a disparidade entre a oferta e procura nos centros cclicos. Os estoques de produtos primrios continuaro a acumular-se nestas economias e os estoques de produtos industriais continuaro a contrair-se na produo industrial, e, por conseguinte, a procura de produtos primrios. Tal diminuio de procura ocorrer at que acontea, no volume necessrio, a compresso das remuneraes no setor primrio.

A maior capacidade das massas, nos centros cclicos, para conseguir aumentos de salrios na crescente e defender seu nvel na minguante, e a aptido desses centros, em razo do papel que desempenham no processo cclico, para deslocar a presso cclica para a periferia, obrigando a comprimir suas remuneraes mais intensamente que nos centros, explicam porqu as remuneraes nestes tendem, persistentemente, a subir com mais fora que nos pases da periferia, segundo se torna patente na experincia da Amrica Latina. Nisto est a chave do fenmeno pelo qual os grandes centros industriais, no apenas retm para si o fruto da aplicao das inovaes tcnicas sua prpria economia, mas, ainda, esto em posio favorvel para captar uma parte do que surge no progresso tcnico da periferia(PREBISCH, 1948: 59).

Prebisch (1948) desenvolve um raciocnio, ao longo do trabalho, que lhe permite afirmar que as diferenas dos nveis de vida das massas e das foras de capitalizao, expressos entre os pases industrializados e exportadores de matria-prima, advm dos diferentes graus de apropriao do aumento da produtividade do trabalho, possibilitado pelo progresso tcnico, uma vez que a margem de poupana depende deste aumento de produtividade.Devido a este desequilbrio, Prebisch (1949) constata a necessidade fundamental da industrializao para os pases novos. Ela no um fim em si mesma, mas o nico meio de que se dispe para captar uma parte do fruto do progresso tcnico e elevar progressivamente o nvel de vida das massas (PREBISCH, 1948: 47).A ocupao do territrio brasileiro, a lavoura aucareira e suas consequncias para o desenvolvimento econmico futuro.

Se considerarmos a industrializao como indispensvel para a apropriao dos benefcios do progresso tcnico pelo prprio pas e, alm disso, como um dos requisitos para a elevao do nvel de vida da populao como coletividade, podemos nos questionar porqu somente foi possvel sua realizao no Brasil do sculo XX. Em outras palavras, podemos nos questionar a respeito das razes que impossibilitaram o surgimento dos elementos necessrios industrializao brasileira ainda no sculo XIX. A histria econmica do Brasil incompreensvel sem a considerao da empresa agrcola que aqui se instalou e das razes, assim como, dos motivos que a tornaram uma necessidade. A ocupao econmica da Amrica acontece devido expanso comercial da Europa e uma dificuldade crescente de abastecimento devido a impossibilidade de expanso, no sculo XV, oeste, tendo em vista conflitos geopolticos. Diante da necessidade crescente de abastecimento e de novas rotas comerciais a Amrica descoberta pelos espanhis e portugueses, sendo que os primeiros conseguem reverter na totalidade as benesses do investimento com o ouro das velhas civilizaes americanas, j os segundos no tiveram a mesma facilidade, pois precisaram inventar uma forma de tornar as terras descobertas lucrativa. Com os metais descobertos pela Espanha o problema da ocupao da Amrica passa ser poltico e a presso dos demais pases europeus em busca da participao no territrio at ento desconhecido torna-se crescente (FURTADO, 1980).A ocupao econmica do territrio brasileiro refrete a presso dos demais pases europeus sobre Portugal e Espanha. Neste momento o princpio seguido era que Portugal e Espanha somente tinham direito sobre as terras efetivamente ocupadas. Desta forma, Portugal percebe que perderia as terras americanas caso no realizasse um grande e permanente esforo para ocup-las. Decide ento, experimentar nas terras brasileiras a explorao agrcola, empreendimento, naquela poca, aparentemente invivel economicamente. Da surge um acontecimento de enorme importncia para a histria americana a amrica passa a constituir parte integrante da economia reprodutiva europeia, cuja tcnica e capitais nela se aplicam para criar de forma permanente um fluxo de bens destinados ao mercado europeu(FURTADO, 1980: 8).Alguns fatores foram decisivos para o xito da opo portuguesa de fazer de suas terras na Amrica uma colnia agrcola. Estes fatores so a experincia anterior na produo do acar nas ilhas do Atlntico, a existncia de uma indstria de equipamentos para engenhos aucareiros em Portugal, o desenvolvimento do comrcio aucareiro pelos holandeses, na segunda metade do sculo XVI, a injeo de capital produtivo para instalaes e compra de escravos por parte dos holandeses e o conhecimento do mercado africano de escravos por parte dos portugueses (FURTADO, 1980). na estrutura produtiva da empresa aucareira e na estrutura populacional que esto fundamentadas as razes encontradas por Furtado (1980) para a impossibilidade de uma maior complexidade econmica no Brasil. Furtado (1980) fala da renda gerada pela economia aucareira no auge de seu ciclo para exemplificar como a economia girava a partir das entradas de recursos provenientes da exportao do acar. Em um ano favorvel, as exportaes teriam alcanado 2,5 milhes de libras, sendo que 60% deste volume correspondia a renda lquida do acar gerado pela colnia, ao qual equivalia a trs quartos da renda gerada na mesma. Tal renda concentrava-se, majoritariamente, nas mos dos proprietrios de engenho. Da totalidade cerca de 5% correspondia a pagamentos por transporte e armazenamento, 2% ao pagamento de trabalhadores assalariados com vrios ofcios, entre eles o de supervisionar o trabalho escravo e no mximo 3% era utilizado para compra de gado (utilizado como trao) e lenha (para as fornalhas). Desta maneira, aparentemente, 90% da renda gerada na economia aucareira era apropriada pela classe de proprietrios de engenho e plantaes de cana-de-acar (FURTADO, 1980). Entretanto, tudo indica que parte significativa destes recursos no eram utilizados na colnia, visto que a atividade no aucareira era pouco desenvolvida. Tambm no h indcios que os senhores de engenho invertessem capitais em outras regies. A explicao mais plausvel para esse fato talvez seja que parte substancial dos capitais aplicados na produo aucareira pertencesse aos comerciantes. Sendo assim, uma parte da renda [] permanecia fora da colnia (FURTADO, 1980: 46). No interior da colnia praticamente inexistia algum fluxo monetrio, pois, como vimos, somente 10% do total da renda gerada pelo acar era distribuda aos demais segmentos da sociedade. Isto se dava porque, depois de importados os equipamentos utilizados no engenho, todo o trabalho nas etapas de construo, instalao, na produo de alimentos, nas tarefas agrcolas e industriais do engenho provinha de mo de obra escrava (FURTADO, 1980). Assim, diferentemente de uma economia industrial, onde a inverso transforma-se em pagamentos de fatores de produo visto que p. ex. uma construo, composta pelo pagamento de materiais e fora de trabalho, sendo estes materiais tambm constitudos de pagamentos fora de trabalho e de capitais utilizados na fabricao e transporte formando um estmulo a diversos setores e, desta maneira, um fluxo de renda interna. Na economia exportadora/escravista a inverso transforma-se em pagamentos feitos ao exterior e na utilizao de fora de trabalho escravo, em outras palavras, um estmulo interno nulo ou muito pequeno criado (FURTADO, 1980). Uma nova inverso fazia crescer a renda real apenas no montante correspondente criao de lucro para o empresrio [tambm para o financista e comerciante de fora da colnia]. Esse incremento de renda no tinha, entretanto, expresso monetria, pois no era objeto de nenhum pagamento (FURTADO, 1980: 49). fcil compreender que, se a quase totalidade da renda monetria estava dada pelo valor das exportaes, a quase totalidade do dispndio monetrio teria de expressar-se no valor das importaes. A diferena entre o dispndio total monetrio e o valor das importaes traduziria o movimento de reservas monetrias e a entrada lquida de capitais, alm do servio financeiro daqueles fatores de produo de propriedade de pessoas no residentes na colnia. O fluxo de renda se estabelecia, portanto entre a unidade produtiva, considerada em conjunto, e o exterior. Pertencendo todos os fatores a um mesmo empresrio, evidente que o fluxo de renda se resumia na economia aucareira a simples operaes contbeis, reais ou virtuais (FURTADO, 1980: 50).

Furtado (1980) conclui afirmando que no havia nenhuma possibilidade deste modelo, com base no impulso externo, originar um processo de desenvolvimento de autopropulso. O mecanismo de crescimento dessa economia no permitia uma articulao direta entre os sistemas de produo e consumo, ento anulava as vantagens do crescimento demogrfico como elemento dinmico da economia. Aps uma primeira fase, onde os produtores portugueses associaram-se aos financistas holandeses e assim conseguiram criar uma forma de manter sua colnia americana, um acontecimento de monta modifica a situao. Trata-se da expulso dos produtores holandeses do Brasil. Estes, no perodo que ocuparam o territrio brasileiro, adquiriram conhecimentos tcnicos e organizacionais da indstria aucareira, e com isto, desenvolvem uma indstria concorrente, de grande escala, na regio caribenha. Tal situao fez com que no terceiro quartel do sculo XVII os preos do acar cassem pela metade e se mantivessem baixos por todo o sculo seguinte, alm disso, o volume de exportaes cai pela metade. Assim, a renda gerada pela produo aucareira diminui para a quarta parte do que havia sido h um sculo anterior. Outro acontecimento que interfere na empresa agrcola portuguesa a opo dos franceses e ingleses pela produo com mo de obra escrava nas colnias antilhanas, o que dificulta o reabastecimento de mo de obra no Brasil (FURTADO, 1980). Considerando os problemas da empresa aucareira do fim do sculo XVII, Portugal deveria encontrar uma outra funo para sua colnia sul-americana, caso contrrio sua manuteno estaria em risco, tendo em vista os altos dispndios em segurana, necessrios para sua defesa devido s presses das potncias europeias. Devido a tais presses, em especial da Espanha, que no reconhecia sua independncia, Portugal faz um acordo com os ingleses no ano de 1703. Em troca de apoio poltico/militar concediam aos ingleses privilgios comerciais, tais como extensa jurisdio extraterritorial, liberdade de comrcio com as colnias, controle sobre as tarifas que as mercadorias importadas da Inglaterra deveriam pagar (FURTADO, 1980: 33).O acordo com a Inglaterra que garantia o domnio da colnia por Portugal no eliminava a questo da decadncia econmica da mesma devido a desorganizao do mercado do acar. Portugal decide reorientar a poltica econmica passando a produzir internamente alguns produtos at ento importados pela Inglaterra, alm disso, decide realizar um novo esforo em sua colnia na busca por metais preciosos. Com a descoberta do ouro no Brasil o problema da balana comercial portuguesa estava resolvido, pois os dficits poderiam ser cobertos com ouro retirado da colnia, assim o esforo industrializante portugus se arrefeceu (FURTADO, 1980).

A economia aurfera e a mudana da dinmica socioeconmica brasileira. A descoberta do ouro na colnia gerou um novo impulso, um desequilbrio na ordem existente. Populaes que antes dedicavam-se produo de subsistncia migraram para a regio mineradora, a qual se extendia da Minas Gerais ao Mato Grosso, grandes recursos tambm foram transferidos do Nordeste para l, e pela primeira vez, formou-se um fluxo contnuo migratrio de Portugal com destino ao Brasil. Neste perodo a facie da colnia iria modificar-se fundamentalmente (FURTADO, 1980: 73).Com relao a economia aucareira, a economia mineira passou a proporcionar possibilidades infinitamente maiores para os homens livres. No perodo anterior economia mineira, nenhum homem livre tinha possibilidades de ascender socialmente. J na economia mineira, se um homem no tinha recursos para financiar seu prprio sustento durante um perodo limitado de tempo, podia trabalhar ele mesmo como faiscador. Se lhe favorecia a sorte, em pouco tempo ascenderia posio de empresrio (FURTADO, 1980: 73).Com a minerao, a economia na colnia passa a ter uma articulao bem maior do que no perodo anterior. A pecuria do Sul passa por uma verdadeira revoluo, seus preos, at ento extremamente baixos em relao aos preos da regio aucareira valorizam-se rapidamente. O gado do Nordeste, como o do Sul, passa a ser deslocado para o mercado da regio mineradora. O Rio Grande do Sul, alm do gado, passa a comercializar centenas de milhares de muares anualmente, devido a necessidade de transportar o minrio por longas distncia e no havendo outro meio de transporte do perodo. Os preos dos alimentos aumentam significativamente devido a escassez dos mesmos nas minas, o que possibilita tambm por a uma irradiao dos benefcios econmicos da minerao pelas regies vizinhas. A minerao, devido suas necessidades, permitiu a articulao de diferentes regies do pas, permitiu que vnculos de solidariedade econmica se articulassem (FURTADO, 1980).

Por um lado, elevou substancialmente a rentabilidade da atividade pecuria, induzindo a uma utilizao mais ampla de terras e do rebanho. Por outro, fez interdependentes as diferentes regies, especializadas umas na criao, outras na engorda e distribuio e outras constituindo os principais mercados consumidores. [] Quem as uniu foi a procura de gado que se irradiava do centro dinmico constitudo pela economia mineira (FURTADO, 1980: 77).

A produo aurfera comeou no incio do sculo XVIII, sendo seu auge na dcada de 1750 e seu declnio no decnio de 1780. Em seu apogeu, atingiu 2,5 milhes de libras, sendo que o total da economia mineira chegou a 3,6 milhes de libras. A populao livre correspondia, neste perodo, a 300 mil pessoas, consideravelmente maior que no perodo do ciclo aucareiro, onde a populao livre era de 30 mil pessoas. Neste momento as possibilidades da economia na colnia j eram bem maiores, pelos seguintes motivos: 1) as importaes representavam menor proporo do dispndio total; 2) a renda estava menos concentrada porquanto a populao livre era maior, desta maneira a procura era mais diversa, ampliando o espao dos bens de consumo no durveis, diminuindo o espao econmico de produtos de luxo; 3) a populao j estava reunida em centros urbanos e semiurbanos; 4) a distncia entre a regio mineira e o litoral fazia com que as importaes se tornassem ainda mais caras. Com estas modificaes, favorveis ao comrcio interno, pode-se questionar as razes que impossibilitaram o suficiente desenvolvimento de atividades manufatureiras no Brasil. Furtado (1980) responde este questionamento afirmando que a causa principal possivelmente foi a prpria incapacidade tcnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras numa escala pondervel (FURTADO, 1980: 79)O acordo de 1703 com a Inglaterra (Tratado de Methuen), mencionado anteriormente significou a renncia, por parte de Portugal, de todo o desenvolvimento manufatureiro, e teve consequncias profundas, tambm para o Brasil. Aqui no chegaram imigrantes com alguma experincia manufatureira, o que impossibilitou o desenvolvimento de uma capacidade de organizao, de uma tcnica, necessrias s exigncias de qualquer empreendimento manufatureiro (FURTADO, 1980). Em outras palavras, o aniquilamento da manufatura portuguesa pela Inglaterra foi um fator determinante para o no desenvolvimento de manufaturas no Brasil.

Exemplo claro disso o ocorrido com a metalurgia do ferro. Sendo grande a procura deste metal numa regio onde os animais ferrados existiam por dezenas de milhares [] e sendo to abundantes o minrio de ferro e o carvo vegetal, o desenvolvimento que teve a siderurgia foi o possibilitado pelos conhecimentos tcnicos dos escravos africanos. Se compara, por exemplo, esta experincia com a dos EUA, que na mesma poca se transformaram em exportadores de ferro para a Inglaterra, torna-se evidente que o que faltou ao Brasil foi a transferncia inicial de uma tcnica que no conheciam os imigrantes (FURTADO, 1980: 80).

O ciclo do ouro no Brasil significou garantias polticas para Portugal dadas pela Inglaterra. Permitiu ao Brasil uma grande expanso demogrfica, com alteraes populacionais significativas, tornando-se os escravos a minoria da populao. E Inglaterra significou um forte estmulo ao desenvolvimento manufatureiro, um aumento da flexibilidade capacidade de importar e uma concentrao de reservas que fizeram do sistema bancrio ingls o principal centro financeiro da Europa (FURTADO, 1980). Os acontecimentos polticos europeus de final do sculo XVIII e incio do XIX influenciaram, em grande medida, o Brasil. Por um lado politicamente, com a transferncia do governo portugus de Lisboa para o Rio de Janeiro, por outro economicamente, pois os novos acordos de Portugal agora tinham como foco o Brasil. A ocupao de Portugal pelos franceses tornou necessria a abertura dos portos na colnia. Por outro lado, Portugal faz novo tratado com a Inglaterra em 1810, reconhecendo o ltimo como potncia privilegiada, o que lhe permite direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais a nveis baixssimos. Tal tratado prejudicou a autonomia do governo brasileiro em toda a primeira metade do sculo XIX, pois mesmo tornando-se independente em 1822 a posio inglesa permanece consolidada devido ao novo tratado de 1827 que buscava o reconhecimento da independncia pelos ingleses. Foi, do ponto de vista diplomtico, complicadssimo para o Brasil, conseguir a independncia, pois sendo a Inglaterra aliada histrica de Portugal, qualquer agresso sofrida pelo ltimo implicaria em socorro dos ingleses, a no ser que a independncia brasileira representasse benefcios prpria Inglaterra. Desta maneira, o governo brasileiro, em 1827, reconhece a Inglaterra como potncia privilegiada, auto eliminando a prpria soberania no campo econmico. Tais privilgios geraram grandes dificuldades econmicas ao Brasil, reduzindo a capacidade de ao do poder central e, por outro lado, geraram focos de desagregao territorial (FURTADO, 1980).

Seria erro, entretanto supor que aos privilgios concedidos Inglaterra cabe a principal responsabilidade pelo fato de que o Brasil no haja se transformado numa nao moderna j na primeira metade do sculo XIX. [] No existindo na colnia sequer uma classe comerciante de importncia [] resultava que a nica classe com expresso era a dos grandes senhores agrcolas. Qualquer que fosse a forma como se processasse a independncia, seria essa classe a que ocuparia o poder [] (FURTADO, 1980: 94).

Na primeira metade do sculo XIX houve grande estagnao econmica, as exportaes cresceram, em mdia a 0,8%/ano, enquanto a populao cresceu 1,3% anualmente. Com as exportaes estagnadas e estando o governo impossibilitado de aumentar o imposto sobre as importaes devido ao acordo com a Inglaterra, criava-se graves problemas fiscais que contribuam para diminuir o crdito pblico, por outro lado, o pas no era capaz de atrair investimentos estrangeiros pela falta de atratividade. As exportaes tradicionais brasileiras j no tinham possibilidade de retomarem o dinamismo, tendo em vista que o acar de beterraba ganhava espao na Europa e os EUA fizeram opo pelo acar cubano. A Inglaterra passou a optar pelo algodo dos EUA, ao qual tinha melhores condies de concorrncia. O fumo, os couros, o arroz e o cacau no tinham grandes possibilidades de expanso. Neste contexto o Brasil tinha dois grandes problemas. O primeiro era encontrar um novo produto de exportao que possibilitasse um novo ciclo de crescimento e que tivesse como fator de produo bsico a terra, visto que capitais no existiam e a mo de obra era escassa. E o segundo era o prprio problema da mo de obra, visto que existia um estoque de cerca de 2 milhes de escravos e a fonte africana deixava de ser uma possiblidade e no construa-se alternativas viveis.

O novo dinamismo gerado pela cafeicultura, os conflitos surgidos pelo assalariamento e o nascimento do mercado interno como centro dinmico da economia.

O caf assume um papel importante, sendo que praticamente todo o crescimento das exportaes na primeira metade do sculo XIX adveio da cafeicultura. Neste mesmo perodo, alguns acontecimentos permitem consolidar o pas e delinear o sentido do desenvolvimento econmico subsequente. Nesse sentido o caf aumenta sua importncia na pauta de exportaes, ampliando as relaes econmicas dos Estados Unidos com o Brasil. Ligao que contribuiria para firmar a independncia frente Inglaterra.

Assim, quando expira em 1842 o acordo com este ltimo pas [Inglaterra], o Brasil consegue resistir forte presso do governo ingls para firmar outro documento no mesmo estilo. Eliminando o obstculo do tratado de 1827, estava aberto o caminho para a elevao da tarifa e o consequente aumento do poder financeiro do governo central, cuja autoridade se consolida definitivamente nessa etapa. () A estrutura econmica, baseada principalmente no trabalho escravo, se mantivera imutvel nas etapas de expanso e decadncia [da colnia]. A ausncia de tenses internas, resultante dessa imutabilidade, responsvel pelo atraso relativo da industrializao. A expanso cafeeira da segunda metade do sculo XIX, durante a qual se modificaram as bases do sistema econmico, constituiu uma etapa de transio econmica, assim como a primeira metade desse sculo representou uma fase de transio poltica. das tenses internas da economia cafeeira em sua etapa de crise que surgiro os elementos de um sistema econmico autnomo, capaz de gerar o seu prprio impulso de crescimento, concluindo-se ento definitivamente a etapa colonial da economia brasileira (FURTADO, 1980: 38 grifo nosso).

O desenvolvimento da cafeicultura pode ser dividido em trs fases. Na primeira delas a produo se concentrou na regio montanhosa, prximo capital, utilizou a mo de obra escrava subutilizada proveniente da economia mineira decadente, e como localizava-se prximo ao porto, utilizava-se da mula como meio de transporte em outras palavras, na primeira fase de expanso, a economia cafeeira utilizou-se de recursos j existentes e subutilizados. O segundo e terceiro quartel do sculo XIX o perodo temporal onde acontece a fase de gestao da economia cafeeira. Nesta fase, por um lado a utilizao da mo de obra escrava intensiva e por outro o uso de capitais bastante baixo, pois baseia-se fundamentalmente no fator terra. O equipamento da cafeicultura mais simples do que o exigido na lavoura aucareira, alm disso, sua fabricao quase sempre local (FURTADO, 1980). Na etapa de gestao da economia cafeeira, forma-se tambm uma nova classe empresria, diferenciada daquela existente na produo aucareira, ao qual desempenhar papel decisivo nas decises poltico/econmicas do pas. Na economia aucareira as fases produtiva e comercial encontravam-se isoladas, os responsveis pela produo no dominavam uma perspectiva do conjunto da atividade, sendo as decises todas advindas dos comerciantes residentes em Portugal ou Holanda. Diferentemente, na economia cafeeira, desde o incio, seus dirigentes tinham conhecimentos comerciais significativos, aqui os interesses da produo e do comercio encontravam-se entrelaados (FURTADO, 1980).

Ao concluir-se o terceiro quartel do sculo XIX os termos do problema econmico brasileiro se haviam modificado basicamente. Surgira o produto que permitiria ao pas reintegrar-se nas correntes de expanso do comrcio mundial; concluda sua etapa de gestao, a economia cafeeira encontrava-se em condies de autofinanciar sua extraordinria expanso subsequente; estavam formados os novos quadros da nova classe dirigente que lideraria a grande expanso cafeeira. Restava por resolver, entretanto, o problema da mo de obra (FURTADO, 1980: 116).

O problema da mo de obra foi solucionado com a busca de trabalhadores na Europa. As motivaes para tal opo so vrias, como destaca Celso Furtado, Lilia Schwartz entre outros autores, no entanto no sero tratadas aqui devido a complexidade do tema. Basta dizer, que entre elas, estava o mito da superioridade nata do trabalhador europeu (FURTADO, 1980: 124). O governo imperial, a partir de 1870, e por isso que o problema foi ultrapassado, passou a encarregar-se dos gastos do transporte dos imigrantes que serviriam lavoura cafeeira e de disponibilizar terras para que estes pudessem cultivar os gneros alimentcios para a reproduo familiar. Alm da soluo encontrada para a atrao dos imigrantes, o perodo do final do sculo XIX foi bastante difcil para os pases europeus, em especial para a Itlia que se unificava. Como resultado da associao de fatores de atrao internos com fatores de expulso externos fez com que se formasse uma corrente migratria para o Brasil, em especial para o Estado de So Paulo. Neste perodo, o nmero de imigrantes neste estado chega a 803 mil, sendo destes 577 mil provenientes da Itlia (FURTADO, 1980).Com a resoluo do problema da mo de obra a nova expanso econmica, a terceira fase da economia cafeeira, se baseia no trabalho assalariado. Mesmo permanecendo diretamente ligada ao comrcio exterior, esta nova fase da economia tem diferenas significativas da etapa anterior. O pagamento de salrios permite que neste perodo se desenvolva um mercado interno maior e mais complexo, visto que os assalariados transformam a totalidade de sua renda em consumo, tal consumo passa a constituir a renda dos pequenos produtores e comerciantes que tambm transformam grande parte de sua renda em consumo (FURTADO, 1980). A massa de salrios paga, inicialmente, no ncleo do setor exportador constitui-se como ncleo da economia de mercado interno e em determinadas situaes, o mercado interno pode crescer mais que a economia de exportao. Isso acontecia porque mesmo que os cafeicultores conseguissem manter uma estabilidade dos salrios em seu setor, no significava que tal estabilidade aconteceria nos demais. Com o avano do setor exportador e consequente absoro de fatores do setor de subsistncia elevava-se o salrio real mdio, pois nesse setor o fluxo monetrio era menor. Assim, mesmo que o crescimento do setor exportador fosse extensivo, sem ganhos significativos de produtividade, no impedia que o salrio mdio da economia se elevasse. Em sntese, como a populao crescia muito mais intensamente no setor monetrio que no conjunto da economia, a massa de salrios monetrios base do mercado interno aumentava mais rapidamente que o produto global (FURTADO, 1980: 153). Tal situao completamente diferente da anterior, onde os pagamentos eram, majoritariamente, no monetrios. Aqui possibilitado o desenvolvimento de um mercado interno que serve como base para o surgimento de manufaturas de produtos anteriormente importadas.Tal multiplicao da renda, entretanto, gera um desequilbrio no balano de pagamentos, visto que parte das necessidades geradas por ela no podem ser atendidas pelo mercado interno e precisam ser importadas. Assim, como a renda gerada pelas exportaes soma-se a renda gerada pelo efeito multiplicador da economia interna e grande parte dos gastos e dos investimentos provm do exterior devido a falta de uma indstria interna, a balana comercial torna-se deficitria ordinariamente. Em cada baixa do ciclo, sendo a economia dependente de produtos industrializados externos e exportadora de bens primrios, devido ao efeito multiplicador, as entradas de divisas diminuam mais rapidamente que o volume de circulao monetria interna, o que pressionava as importaes gerando um desequilbrio inicial na balana de pagamentos. Por outro lado a queda do preo dos importados era mais lenta do que a queda no preo dos produtos primrios exportveis, o que gerava uma piora na relao dos preos de intercmbio. Por ltimo, em perodos de crise, reduziam-se os capitais estrangeiros que entravam no pas (FURTADO, 1980).Entretanto, a existncia de uma reserva de mo de obra no interior do pas associada ao fluxo migratrio permitiu que houvesse uma expanso cafeeira por um longo perodo sem que os salrios apresentassem uma tendncia de elevao. Desta forma os ganhos de produtividade no interior da cafeicultura podiam ser retidas pelos empresrios por um longo perodo. Tais ganhos eram resultado da elevao de preo, e portanto, manifestavam-se por meio do ciclo econmico. Quando o preo caia, ao contrario do que poderia se esperar, no haviam contraes na margem de lucro dos empresrios, o corridas no perodo anterior, pelo contrrio, a contrao cclica trazia um desequilbrio na balana de pagamentos, cuja correo ocorria por meio de reajustes na taxa cambial (FURTADO, 1980).O mecanismo de correo do desequilbrio externo, a depreciao cambial, significava um prmio aos exportadores.

Suponhamos que, na situao imediatamente anterior crise, o exportador de caf estivesse vendendo a saca a 25 dlares e transformando esses dlares em 200 cruzeiros, isto , ao cmbio de 8 cruzeiros por dlar. Desencadeada a crise, ocorreria a reduo, digamos, de 40% do valor do preo da venda da saca de caf, a qual passava a ser cotada a 15 dlares. Se a economia funcionasse num regime de estabilidade cambial tal perda de dez dlares se traduziria, pelas razes j indicadas, em uma reduo equivalente dos lucros do empresrio. Entretanto, como o reajustamento vinha da taxa cambial, as consequncias eram outras. Admitamos que, ao deflagrar a crise, o valor do dlar subisse de 8 para 12 cruzeiros. Os 15 dlares a que o nosso empresrio estava vendendo agora a saca do caf j no valiam 120 cruzeiros mas sim 180. Dessa forma, a perda do empresrio, que em moeda estrangeira havia sido de 40%, em moeda nacional passava a ser de 10% (FURTADO, 1980: 165).

Tal processo de correo do desequilbrio significava uma transferncia de renda daqueles que pagavam as importaes para os exportadores. J que as importaes eram pagas pela coletividade, o mecanismo de correo consistia em um mecanismo de socializao de perdas. Considerando que 50% a pauta de importaes era composta por alimentos e tecidos percebesse o significado desta transferncia. Os grupos mais prejudicados por este mecanismo eram as populaes urbanas assalariadas que consumiam grandes quantidades de produtos importados, incluindo-se roupas e gneros alimentcios. Portanto existia uma concentrao de renda na etapa de prosperidade do ciclo e tal concentrao no encontrava um movimento compensatrio na etapa de depresso do ciclo (FURTADO, 1980).O efeito da depreciao da moeda que pesava sobre a populao assalariada se agravava ainda mais pela forma com que funcionavam as finanas pblicas. O imposto sobre importaes era a base de receitas do governo central e era cobrado a uma taxa fixa de cmbio. Quando depreciava-se a moeda, a receita governamental permanecia estvel enquanto aumentava-se o volume de moeda utilizada para importar, isto gerava dois efeitos: 1) por um lado a maior reduo do volume de impostos acontecia sobre o consumo das classes altas; 2) a reduo relativa das receitas fazia com que o governo emitisse visando o financiamento de deficit e estas operavam como um imposto regressivo sobre os assalariados urbanos. Desta forma, o processo utilizado para reduzir as flutuaes externas agravava o processo de transferncia regressiva de renda nas depresses do ciclo e gerava, internamente, um processo inflacionrio (FURTADO, 1980).Tal mecanismo era possvel at o momento que a classe de assalariados ainda no tinha grande importncia e que a classe dominante era formada, apenas, por exportadores agrcolas. No entanto, os interesses dos exportadores agrcolas, a partir do incio do final do sculo XIX passam a ter de enfrentar a resistncia organizada de outros grupos, sendo os principais: a classe mdia urbana, assalariados urbanos e rurais, produtores agrcolas voltados ao mercado interno, empresas estrangeiras exploradoras de servio pblico e os grupos industriais nascentes que precisavam aumentar a capacidade produtiva atravs das importaes (FURTADO, 1980).A poltica de depreciao cambial funcionou at final do sculo XIX, quando passou a gerar uma crescente intranquilidade social, o que obrigou uma recuperao cambial. A partir do incio do sculo XX a proteo do setor cafeeiro passa a ser feita por meio de um programa que planejava a compra de excedentes com emprstimos estrangeiros pagos com um novo imposto sobre a exportao. Tambm previa um desencorajamento do incio de novas plantaes. No entanto as inverses na lavoura cafeeira continuaram e a produo permaneceu em uma tendncia ascendente at a dcada de 1930 quando surge a crise de 1929, por conta da crise caem os preos internacionais e os recursos para financiamento de estoques deixaram de existir. Com a queda dos preos do caf, o cmbio se deteriora e mais uma vez h uma socializao das perdas dos cafeicultores. Alm disso as exportaes so foradas para diminuir os estoques. No entanto existia o problema das lavouras que entrariam no pico de produo nos anos subsequentes e no teriam mercado. Para solucionar a questo optou-se mais uma vez pela socializao das perdas, que desta vez foi por meio da expanso do crdito para o setor, tal expanso deteriorou mais ainda o cmbio e reforou o mecanismo de socializao.

Ao garantir preos mnimos de compra, remuneradores para a grande maioria dos produtores, estava-se na realidade mantendo o nvel do emprego na economia exportadora e, indiretamente, nos setores ligados ao mercado interno. Ao evitar-se uma contrao de grandes propores na renda monetria do setor exportador, reduziam-se proporcionalmente os efeitos do multiplicador de desemprego sobre os demais setores da economia. Como a produo de caf cresceu nos anos da depresso, tendo sido a colheita mxima em 1933, evidente que a renda global dos produtos agrcolas se reduziu menos que os preos pagos por esses produtores. Dessa forma, ao permitir que se colhessem quantidades crescentes de caf, estava-se inconscientemente evitando que a renda monetria se contrasse na mesma proporo que o preo unitrio que o agricultor recebia por seu produto. Dessa forma, a poltica de defesa do setor cafeeiro nos anos de grande depresso constitui-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma poltica anticclica de maior amplitude que a que se tenha se quer preconizado em qualquer dos pases industrializados. (FURTADO, 1980: 190-192)

A poltica de socializao de perdas criada como resposta crise de 1929 que manteve relativa capitalizao do setor cafeeiro associada diminuio na capacidade de importao devido ao desequilbrio no balano de pagamentos e a importncia crescente e firme da procura interna no conjunto da economia fez com que uma nova situao fosse gerada. Neste momento o setor ligado ao mercado interno passa a ser preponderante no processo de formao de capital da economia brasileira. A situao da economia cafeeira expulsava os novos capitais que passaram a ser absorvidos uma parte em outras lavouras de exportao e outra, mais significativa, na indstria voltada ao mercado nacional.

A deciso de continuar financiando sem recursos externos a acumulao de estoques, qualquer que fosse a repercusso sobre a balana de pagamentos, foi de consequncias que na poca no se podiam suspeitar. Mantinha-se, assim, a procura monetria em nvel relativamente elevado no setor exportador. Esse fato, combinado ao encarecimento brusco das importaes (consequncia da depreciao cambial), existncia de capacidade ociosa em algumas das indstrias que trabalhavam para o mercado interno e ao fato de que j existia no pas um pequeno ncleo de indstrias de bens de capital, explica a rpida ascenso da produo industrial, que passa a ser fator dinmico principal no processo de criao da renda (FURTADO, 1980: 202).

Desta forma estavam dadas as condies para que ocorresse um processo de industrializao. O problema da mo de obra foi resolvido por meio da imigrao. Formou-se uma classe de produtores de caf que tinham conhecimentos de comrcio e pensavam a economia a partir de seus interesses, localizados internamente. A organizao desta classe como tal possibilitou que ela acumulasse grande volume de recursos que posteriormente podiam ser redirecionados. Devido a nova organizao poltica da repblica, ao assalariamento e as manufaturas nascentes surgiram novos interesses em torno do mercado interno. E por ltimo um grande evento, a crise de 1929, fez com que os preos do caf se rebaixassem ainda mais, desencorajou novas inverses na produo cafeeira, impossibilitou as importaes devida a desvalorizao da moeda, exigiu medidas de proteo do governo ao setor cafeeiro possibilitando que este no se descapitalizasse. Toda esta conjuntura propiciou que os capitais disponveis, devido a atratividade da indstria nascente, fossem invertidos nela mesma. Cardoso (1969) concorda com os pr-requisitos que possibilitaram a industrializao quando afirma que:

O processo de industrializao em qualquer regio supe, como pr-requisito, a existncia de certo grau de desenvolvimento capitalista e, mais especificamente, supe a preexistncia de uma economia mercantil e, correlatamente, implica um grau relativamente desenvolvido da diviso social do trabalho. Este ltimo processo, por sua vez, na medida em que se intensifica em moldes capitalistas, resulta na formao de um mercado especial, o de fora de trabalho. Contudo, estes pr-requisitos so criados pela organizao capitalista que antecede a produo propriamente industrial. Antes de existir como empresrio industrial, o capitalista brasileiro j existia, nesta mesma qualidade de capitalista, como comerciante, como plantador ou como financista, e como tal, capitalista, criava as condies para a implantao do regime capitalista de produo industrial (CARDOSO, 1969: 188-189 apud MELLO, 1982: 99 grifo meu). Mello (1982) afirma que a economia cafeeira foi quem criou as condies bsicas para o nascimento do capital industrial e da grande indstria. Sendo eles:

1) gerar, previamente, uma massa de capital monetrio, concentrada nas mos de determinada classe social, passvel de se transformar em capital produtivo industrial; 2) transformar a prpria fora de trabalho em mercadoria; e, finalmente, 3) promover a criao de um mercado interno de propores considerveis (MELLO, 1982: 99).

Ou seja, concorda com as condies necessrias para o surgimento da industrializao apontadas por Furtado (1980). Para ele o perodo compreendido do final do sculo XIX at incio do terceiro decnio do sculo XX o momento de nascimento e consolidao do capital industrial. Pois por um lado neste perodo que constitui-se uma agricultura mercantil produtora de alimentos e uma indstria de bens de consumo assalariado capaz de ampliar a fora de trabalho existente e por outro, neste perodo que surge um ncleo de indstrias leves de bens de produo.

A industrializao pesada e seus impeclios

Para Mello (1982), na dcada de 1930 at a meados da dcada de 1950 a industrializao restringida, uma nova fase, com um novo padro de acumulao, entretanto trata-se de uma industrializao restringida porque as bases tcnicas e financeiras da acumulao so insuficientes para que se implante num golpe, o ncleo fundamental da indstria de bens de produo, que permitiria capacidade produtiva crescer adiante da demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial (MELLO, 1982: 110). Desta maneira uma questo central para Mello (1982) explicar por que a industrializao manteve-se restringida. E esta explicao buscada justamente no nascimento da indstria pesada dos pases industrializados. Neste sentido, o autor argumenta que, historicamente a indstria pesada nasceu da grande inovao, ou ento contou com o suporte do Estado e do grande capital bancrio que mesclou-se ao capital industrial. No nascimento tardio da indstria pesada a descontinuidade tecnolgica era bem maior daquela enfrentada por EUA, Alemanha, Japo ou Rssia. A implantao da indstria pesada no Brasil exigia economias de escala bem maiores, sendo necessrio macio volume de investimento inicial e tecnologia altamente sofisticada, praticamente no disponvel no mercado internacional, pois era controlada pelas grandes empresas oligopolistas dos pases industrializados (MELLO, 1982: 112). O fato de considerar a industrializao brasileira como restringida, implica a Mello (1982), a argumentar que a acumulao industrial continuou submetida ao limite imposto pela capacidade de importar, consequentemente, nesta viso, a economia brasileira mantm sua posio subordinada na economia mundial.

A implantao de um bloco de investimentos altamente complementares, entre 1956 e 1961, correspondeu, ao contrrio, a uma verdadeira onda de inovaes schumpeteriana: de um lado, a estrutura do sistema produtivo se alterou radicalmente, verificando-se um profundo salto tecnolgico; de outro, a capacidade produtiva se ampliou muito frente da demanda preexistente. H, portanto, um novo padro de acumulao, que demarca uma nova fase, e as caractersticas da expanso delineiam um processo de industrializao pesada, porque este tipo de desenvolvimento implicou um crescimento acelerado da capacidade produtiva do setor de bens durveis de consumo antes de qualquer expanso previsvel de seus mercados (MELLO, 1982: 117).

A industrializao pesada, por sua vez, tambm foi tarefa do Estado brasileiro que articulou o grande capital internacional com o capital nacional j existente, para que ele investisse no pas. Alm deste papel, o Estado cumpriu a funo de criar infraestrutura necessria industrializao e criar as indstrias de base, o que estimulou o investimento privado no s por lhe oferecer economias externas baratas, mas tambm, por lhe gerar demanda. Com a industrializao pesada a autodeterminao interna do capital estava terminada (MELLO, 1982: 118). Consideraes FinaisCom o trabalho em curso busquei compreender a necessidade da industrializao para o desenvolvimento de um pas. Posteriormente procurei entender os por qus da no industrializao brasileira ainda no sculo XIX. Em outras palavras, quais foram os elementos faltantes para que ela fosse possibilitada. Para isto utilizei de Prebisch (1949), Furtado (1980) e Mello (1982). Optei pela periodizao adotada por Furtado (1980), ao qual considera que na independncia do Brasil (1982) se d, apenas, uma independncia poltica, sendo a independncia econmica conquistada mais tarde, aps o pas se livrar dos laos ingleses. No salientei as divergncias de Mello(1982) a respeito da periodizao histrica adotada pela Comisso Econmica para a Amrica Latina (CEPAL), pois no que era mais importante para minha questo os elementos necessrios industrializao de um pas Mello(1982) concorda com Furtado(1980).Pude perceber os principais elementos histricos que atuaram como impeclios ao processo de industrializao mais rpido no Brasil. Dentre eles estavam questes da geopoltica internacional, como a relao de Portugal, Espanha, Inglaterra e Frana que fizeram com que Portugal se aproximasse da Inglaterra e que, antes disso, optasse por fazer de sua colnia uma produtora de acar para o comrcio internacional. Dentre os fatores mais amplos estava tambm o novo momento de acumulao caracterstica do incio do sistema capitalista ao qual exigia de todos os pases que quisessem manter-se independentes uma grande expanso econmica. Dentre aos fatores menos amplos estava a opo/necessidade de Portugal de manter uma atividade econmica baseada no trabalho escravo, impossibilitando assim, a criao de um mercado consumidor interno, pelo contrrio, criando um sistema em que as trocas monetrias aconteciam, praticamente, somente entre a colnia e a metrpole. A estrutura que da se formou, baseada no trabalho escravo e na exportao de produtos agrcolas fez com que se constitusse, no Brasil, uma estrutura social e econmica que no possibilitava o surgimento da indstria.Aps a independncia a relao estabelecida entre o Brasil e a Inglaterra, mas principalmente a estrutura socioeconmica existente, em que o centro dinmico era a atividade agrcola/exportadora baseada no trabalho escravo contriburam para o retardo de uma atividade econmica que tivesse como eixo dinamizador o mercado interno. Tal estrutura passou a ser modificada: com a cafeicultura que baseava-se em uma nova classe dirigente, mais urbanizada e afeita aos negcios, que conseguia pensar a economia brasileira a partir de interesses internos; com a abolio da escravatura e com a imigrao que significou uma ampliao no mercado baseado em pagamentos monetrios, uma ampliao no mercado de mo de obra e do mercado de consumo de bens no durveis; e com o crescimento das classes urbanas e consequentemente, com o fortalecimento dos interesses dos grupos econmicos baseados na economia interna.Referncias Bibliogrficas

FURTADO, Celso; Formao Econmica do Brasil. So Paulo, Ed. Nacional, 1980.

MELLO, Joo Manuel Cardoso de; O Capitalismo Tardio: Contribuio reviso crtica da formao e do desenvolvimento da economia brasileira. So Paulo, Ed. Brasiliense, 1982.

PREBISCH, Ral. O desenvolvimento Econmico da Amrica Latina e seus Principais Problemas. Revista de Economia Poltica, v. 3, n 3, p. 47-111/1949.